campus - nº 404, ano 43 (suplemento)

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E les estão em todos os classificados da internet e dos jornais impressos. “Procura-se panfleteiros. Salário a combinar”, informam as empresas. Os ganhos variam de R$ 25 a R$ 50 por dia. Alguns con- tratantes, como clínicas odontológicas ou de estética, pagam entre R$ 1 e R$ 5 de comissão por cliente levado aos estabelecimentos ou por cadastro preenchido nas ruas. Um panfleteiro entrega de duas a três resmas por dia, um total de 1500 panfletos . A equipe do Campus acompanhou por cinco dias o trabalho desses profissio- nais entre a plataforma superior da Rodoviária do Plano Piloto e o Setor Comercial Sul. Descobrimos que a única menção oficial a essa ocupação é na Classificação Brasileira de Ocupações criada em 2002 pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Lá, os panfleteiros aparecem no número 5199-05, na categoria Outros Trabalhadores de Serviços. Na mesma classificação aparecem colador de cartazes, coloca- dor de painéis, emendador de cartazes, instalador de painéis, plaqueiro e propagandista. Outros trabalhos que figuram no cadastro são controlador de pragas, engraxate, gandula, guardador de veículos, lavador de garrafas vidros e utensílios, lavador de veículos, leituris- ta e recepcionista de casas de espetáculos. Não há uma instituição, categoria, sindicato ou associação oficial que represente os profissionais que trabalham com panfletagem. Existe, porém, uma diferença entre os próprios panfleteiros. Aqueles ligados a grandes marcas, como operadoras de telefonia e redes de lojas, são contrata- dos formalmente por uma empresa terceirizada. Eles recebem o título de “promotores de vendas” – uma categoria trabalhista que envolve diversos tipos de fun- ção e possui representação sindical. Os outros, ligados a joalherias, pequenos comércios e clínicas médicas e dentárias, não têm direitos trabalhistas ou mesmo remuneração fixa. Essa diferença reflete no perfil das pessoas que trabalham em cada um dos serviços. Jéssica Gotlib Arte: Hermano Araújo Foto: Jhésycka Vasconcelos

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Edição 404 (suplemento), ano 43, de Campus, de 29-10 a 04-11 de 2013

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Page 1: Campus - nº 404, ano 43 (suplemento)

Aliança, aliança.

Compra ouro, vende ouro

Chip da Tim por 5 reais,

e você ainda leva um porquinho

Exame admissional, demissional

dentista. Clareamento a laser 50 reais

Eles estão em todos os classificados da internet e dos jornais impressos. “Procura-se panfleteiros. Salário a combinar”, informam as empresas. Os

ganhos variam de R$ 25 a R$ 50 por dia. Alguns con-tratantes, como clínicas odontológicas ou de estética, pagam entre R$ 1 e R$ 5 de comissão por cliente levado aos estabelecimentos ou por cadastro preenchido nas ruas. Um panfleteiro entrega de duas a três resmas por dia, um total de 1500 panfletos . A equipe do Campus acompanhou por cinco dias o trabalho desses profissio-nais entre a plataforma superior da Rodoviária do Plano Piloto e o Setor Comercial Sul.

Descobrimos que a única menção oficial a essa

ocupação é na Classificação Brasileira de Ocupações criada em 2002 pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Lá, os panfleteiros aparecem no número 5199-05, na categoria Outros Trabalhadores de Serviços. Na mesma classificação aparecem colador de cartazes, coloca-dor de painéis, emendador de cartazes, instalador de

painéis, plaqueiro e propagandista. Outros trabalhos que figuram no cadastro são controlador de pragas, engraxate, gandula, guardador de veículos, lavador de garrafas vidros e utensílios, lavador de veículos, leituris-ta e recepcionista de casas de espetáculos. Não há uma instituição, categoria, sindicato ou associação oficial que represente os profissionais que trabalham com panfletagem.

Existe, porém, uma diferença entre os próprios

panfleteiros. Aqueles ligados a grandes marcas, como operadoras de telefonia e redes de lojas, são contrata-dos formalmente por uma empresa terceirizada. Eles recebem o título de “promotores de vendas” – uma categoria trabalhista que envolve diversos tipos de fun-ção e possui representação sindical. Os outros, ligados a joalherias, pequenos comércios e clínicas médicas e dentárias, não têm direitos trabalhistas ou mesmo remuneração fixa. Essa diferença reflete no perfil das pessoas que trabalham em cada um dos serviços.

Jéssica Gotlib

Arte: Hermano Araújo

Foto: Jhésycka Vasconcelos

Page 2: Campus - nº 404, ano 43 (suplemento)

Campus

Desconfiados e pouco dispostos a dar en-trevistas, a maioria dos panfleteiros infor-mais trabalha anunciando compra e ven-

da de ouro, exames e consultas médicas. O primeiro deles (foto) que se dispôs a falar não respondeu a

perguntas, apenas deu opiniões. “É para uni-versidade?”, perguntou o homem que não quis se identificar. O panfleteiro, anunciante duplo, exibia uma placa “exame admissional e demissional”, além de um colete sobre com-pra e venda de ouro. Aparentava não ter mais que 40 anos. Ao ouvir que sim, era para a universidade, ele respondeu em tom de irô-

nico “se tiver alguém honesto formado em universidade, eu me curvo diante dele.

Não conheço ninguém que se for-mou e é honesto”. Quando em

minha defesa respondi que nunca preju-diquei ninguém, ele antes do fim da frase rebateu “mas você ainda não se formou”. Os exa-geros dos gestos

e das falas do meu interlocutor eram também vistos na forma com que ele se protegia do sol. Em uma quinta--feira de calor, o panfleteiro usava luvas, camisa de man-ga comprida, boné, guarda chuva e estava com o rosto branco por causa da grossa camada de protetor solar.

Em outro ponto da plataforma estava o senhor João

Batista da Silva, de 42 anos, que há 20 trabalha entre-gando panfletos. Um homem alto, que usava apenas um chapéu e o uniforme da joalheria para a qual trabalha. Segundo ele, este foi o único recurso encontrado, por que não há emprego para todos. “Minha esposa também trabalha com isso. Hoje mesmo eu passei uma pessoa pra ela levar na clínica. A gente não tem horário de almo-ço, nem vale nada, mas é o jeito de sustentar a família”, contou.

Um pouco mais afastado, estava o jovem Charles

Pereira de 22 anos. Falando menos que o primeiro en-trevistado e mais otimista que o segundo. Sem qualifi-cação profissional, ele viu no anúncio dos classificados uma oportunidade para entrar no mercado de trabalho. “É um jeito de começar, quem sabe um dia, com trei-namento e experiência, eles não contratam a gente para trabalhar na loja”.

Com perfil bem diferente, os pro-motores de venda estão dispostos a falar com quem quer que seja,

inclusive repórteres universitárias. Eles são vigiados por um supervisor de ven-das e precisam manter um bom relacio-namento com os possíveis clientes. Oito de doze entrevistados são mulheres, dez têm entre 20 e 27 anos. A maioria conta que já teve experiência como vendedora.

Chips por R$ 5 com créditos e bônus

são os principais produtos. Mas o que mais chama a atenção de quem passa pela calçada é o bom humor das moças do chip, que conseguem sorrir mesmo quan-do anunciam – aos gritos – brindes, como um cofrinho em forma de porco de plás-tico azul.

Mais entusiasmados na abordagem,

menos extravagantes na hora de se vestir e proteger do sol. Os promotores de ven-da se vestem com calça jeans, tênis, blu-sa padronizada da empresa contratante e

boné. Se usam protetor solar, a quantida-de não é suficiente para ficar visível. Em poucas horas de observação é fácil notar que eles atraem mais a clientela do que os colegas informais.

Na hora de responder às perguntas

sobre como é trabalhar panfletando, as moças são sucintas. “É um traba-lho normal”, conta Janaína Ribeiro (foto/esquerda) de 27 anos. “Saio de casa, venho trabalhar, tenho uma hora de almoço e vale transporte. O ruim é quando a garganta dá pro-blema, por que não posso falar muito com as pessoas, mas fico perto dos colegas e eles me ajudam”, conta.

Ao lado de Janaína, Laya-

ne Caroline Soares (foto/di-

reita), de 20 anos, também vende chips. Apesar de falar com menos entusiasmo que a colega, ela se mostra igual-

mente simpática. Segundo Layane, o em-prego foi o que apareceu primeiro. “Não tinha por que procurar outra coisa, aqui está bom por enquanto”.

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