campus impresso - ano 43 número 390

8
Campus Brasília, 08 a 14 de janeiro de 2013 | Número 389 Ano 43 Saúde em alerta vermelho Ministério Público investiga mortes de hemofílicos em 2012, dez anos após último registro. Suspeitas recaem sobre mudanças no tratamento da doença Imigrantes ilegais Dinheiro reduzido Quem chora mama Três meses sem RU Intercambistas são reprovados em teste e vivem sem visto (pág. 4) Flanelinhas ganham menos em período de férias e chuvas (pág. 6) Fiocruz aponta Brasília como modelo em coleta de leite humano (pág. 3) Alunos acham alternativa para alimentação barata na Universidade (pág. 7) Isabella Corrêa

Upload: jornal-campus

Post on 22-Feb-2016

220 views

Category:

Documents


3 download

DESCRIPTION

Jornal-laboratório da Faculdade de Comunicação (FAC) da Universidade de Brasília (UnB).

TRANSCRIPT

Page 1: Campus impresso - ano 43 número 390

Campus Brasília, 08 a 14 de janeiro de 2013 | Número 389 Ano 43

Saúde em alerta vermelhoMinistério Público investiga mortes de hemofílicos em 2012, dez anos após último registro. Suspeitas recaem sobre mudanças no tratamento da doença

Imigrantes ilegais Dinheiro reduzidoQuem chora mama Três meses sem RUIntercambistas são reprovados em teste e vivem sem visto (pág. 4)

Flanelinhas ganham menos em período de férias e chuvas (pág. 6)

Fiocruz aponta Brasília como modelo em coleta de leite humano (pág. 3)

Alunos acham alternativa para alimentação barata na Universidade (pág. 7)

Isab

ella

Cor

rêa

Page 2: Campus impresso - ano 43 número 390

Kelsiane Nunes

Apesar da melhoria na área da saúde pública ter sido uma das principais bandeiras levantadas pelo atual governador do Distrito Federal, o médico Agnelo Queiroz, ao longo de sua campanha eleitoral em 2010, este é um dos calcanha-res de Aquiles da administração do GDF. As denuncias recorrentes na mídia de falta médicos e materiais essenciais para o funcionamento de centros de saúde, servem para ilus-

Diagramação: Ivan Sasha Stemler

Campus | Brasília, 15 a 21 de janeiro de 2013 2

Carta do Editortrar como estão cenário da saúde na capital federal.

Na matéria Hemofilia volta a assombrar Brasília, o Campus abor-da questionamento do Ministério Público do DF (MPDF) a respeito da mudança no tratamento e no local de atendimento dos pacientes com esta doença pela Secretaria de Estado de Saúde do DF. Mesmo com as alegações do governo de que as mudanças foram necessárias para dar um tratamento mais adequado aos hemofílicos, o possível registro

de três mortes em 2012 por hemo-filia após 10 anos sem essa ocorrên-cia, fez com que o MPDF abrisse investigação para descobrir se essas mudanças afetaram a qualidade do tratamento desta doença.

Ao contrário da anterior, a re-portagem Líquido que nasce abun-dante ressalta um ponto positivo na área da saúde. A eficiência na coleta de leite materno, como aponta na matéria a coordenadora da Secreta-ria de Estado de Saúde do Distrito Federal (SES-DF), Mirian Oliveira

Santos, é a prova de que quando há investimentos em recursos físicos e humanos aliados a uma adminis-tração eficiente o resultado é um bom atendimento à população.

Verbas para Agnelo investir na área da saúde pública não vão faltar em 2013. A Lei Orçamentá-ria, segundo dados divulgados pela assessoria do GDF, prevê um repas-se do Fundo Constitucional, dado pela União ao DF, de 7% a mais do que o ano passado para as áre-as de saúde, educação e segurança

pública. Juntando os investimentos previstos pelo fundo e pelo próprio GDF, a área da saúde receberá R$ 48,5 milhões a mais do que em 2012. Além disso, o governo con-ta agora com o recurso, aprovado pela Câmera Legislativa, de trans-ferir, através de decreto, verbas para áreas consideradas essenciais. Resta acompanhar se neste ano o aumen-to da verba irá ajudar o governador a concretizar as promessas de me-lhorias na saúde feitas ao longo das campanha de 2010.

OmbudsmanTiago Amate

Acertos e erros se inverteram na edição 389 do Campus. Bons textos agora contrastam com foto-grafias que deixam a desejar. Rele-gadas aos cantos de página, fotos das fontes em formato de paisagem não complementam as reporta-gens. Alguém aí pensou no leitor, aquele que vai catar nas fotos as pessoas mencionadas na matéria? Imagens assim não fazem falta.

É o caso gritante de Amizade desdobrada em papel. A chance que

tinham de ilustrar o texto passou desapercebida. Ninguém é obri-gado a saber o que são os tsurus espalhados pela página. A matéria vale pela curiosidade, especialmen-te ao desmistificar a arte do origa-mi, mas expõe alguns preconceitos desnecessários. Arte não pode ser barata? Deixar as derradeiras pala-vras de uma reportagem na boca de uma fonte pode ser arriscado por-que o assunto termina no discurso que o jornalista acatou.

Punição desigual exagera no “segundo sicrano” e vacila ao cons-

truir alicerces em um levantamento que não é explicado. Como a UERJ chegou à conclusão de que a maioria das mulheres condenadas por abor-to no Brasil é negra e vem da peri-feria? O caso anônimo e sem aspas da fonte não esclarece se o repórter chegou a ouvir, de fato, a pessoa.

O jornal virou arena de deba-te em 10% é o bastante? e explorou muito bem a dimensão compara-tiva do jornalismo. Pragmático, o texto levou o leitor até o problema para depois situá-lo na discussão. Mesmo assim, o trajeto do di-

nheiro continua obscuro. Outra que também merece aplausos é a proposta de fazer literatura no jornal. Só tomem cuidado com o hermetismo sedutor da arte. Prio-rizar a erudição atrapalha algumas leituras. Quem desconhece a alma medrosa e angustiante de Kafka se perde e passa longe das intenções do conto.

Deixei o melhor para o final. Surfe no carrinho é prova de que a memória pode ser grande fonte de pautas. Jornalismo é o maior ob-servador da origem dos fenômenos

cotidianos. O relato simples e im-pecável dos repórteres só foi aban-donado pelas imagens.

A capa do jornal está de para-béns. Excelente casamento de foto-grafia com manchete.

Chamadas claras e inteligen-tes também confirmam a suspei-ta de que dessa vez o leitor não parou na capa. Mantenham-no assim, curioso.

A propósito, as belas ilustra-ções têm ganhado espaço no Cam-pus. Só cuidado com vícios, tudo-que é demais sobra.

MemóriaNa 2ª quinzena de 1991, os

estudantes estrangeiros na UnB foram assunto na matéria de Ro-drigo Roal no Campus nº 151. A ideia era discutir assuntos rela-cionados aos estudantes de outros países, já que correspondiam a cerca de 10% dos alunos da uni-versidade - mil alunos que vinham principalmente da Ámerica Latina e da África. Algumas das dificulda-des desses alunos, na época, ainda continuam e se somam à burocra-cia para continuar no Brasil.

Expediente: Campus Jornal-laboratório da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília Editora chefe: Kelsiane Nunes; Secretária de redação: Camila Rodrigues Editores: Fellipe Matheus Bernadino, Iasminny Thábata e Isabella Corrêa; Repórteres: André Vaz, Camila Rodrigues, Irina Adão, João Paulo Neves Cabral, Lucas Vidigal e Paulo Figueiredo Júnior; Diretora de imagem: Lorena Soares; Fotógrafos: Elis Tanajura, Ezequiel Trancoso e Isabella Corrêa; Diagramadores: Celina Guerra, Ivan Sasha Stemler e Laila Leite; Projeto gráfico: Celina Guerra, Ivan Sasha Stemler, Lorena Soares, Rafaela Lima, Ramilla Rodrigues e Vanessa Arcoverde, Professores: Sérgio de Sá e Solano Nascimento, Jornalista: José Luiz SilvaGráfica: Palavra Comunicação Tiragem: 4 mil exemplares

Campus Darcy Ribeiro, Faculdade de Comunicação, ICC Ala Norte. Contato: 61 3107-6498/6501 CEP: 70.910900 E-mail: [email protected]

Acesse www.fac.unb.br/campusonline e conheça o jornal laboratório virtual da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília.

Page 3: Campus impresso - ano 43 número 390

André Vaz

Brasília é considerada pe-la Fundação Oswaldo Cruz (Fio-cruz) – organização responsável pelos bancos de leite humano do Brasil, África e Caribe – a cida-de que mais coleta leite materno no mundo. Em 2011, mais de 16 mil litros desse tipo de leite chegaram a recém-nascidos que precisavam do alimento. Até novembro de 2012, 15,9 mil litros já haviam sido do-ados.

Para a coordenadora de ama-mentação e banco de leite humano da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal (SES-DF), Mi-rian Oliveira Santos, Brasília possui características únicas que a difere de outras localidades. A cidade é uma das pioneiras de bancos de leite no país. “Mais que isso, implemen-tamos o disque-amamentação na época em que telefones utilizavam uma tecnologia cara, além de ter-mos lei distrital e estrutura gover-namental operante, no que se refe-re à amamentação”, explica Mirian.

O Distrito Federal possui atu-almente 16 bancos de leite huma-no. A coleta, no entanto, pode ser feita em casa. A responsabilidade de buscar o líquido é do Corpo de Bombeiros. Para a nutricionista do banco de leite do Hospital Materno Infantil de Brasília (HMIB), Aline Barbosa, é imprescindível a atenção do doador. “Nem todas as doações são aproveitadas. Muitas chegam com sujeira, cabelo, ou mal condi-cionadas. Em novembro, de 199 li-tros, 52 foram descartados.”

Em várias ocasiões, o simples caminho do leite contido nos seios de uma mãe até a boca de uma

Edição: Iasminny Thábata Diagramação: Celina Guerra

Considerada referência internacional na coleta de leite materno, Brasília atinge primeiro lugar mundial em doação do alimento. Conquista é atribuída a pioneirismo da cidade

Campus | Brasília, 15 a 21 de janeiro de 2013 3

Cidade campeã

criança é bem maior do que se ima-gina. Quem doa o alimento preci-sa, além de bastante cuidado com o líquido colhido, ter muita dispo-sição. Da preparação inicial – colo-cação de touca e máscara – até a co-leta – descarte do primeiro jato de leite e acondicionamento em reci-piente esterilizado –, vários proces-sos garantem qualidade ao leite.

Gratidão

Internada há quase dois meses no Hospital Materno Infantil de Brasília (HMIB) e com o mesmo tempo de vida, Isabela Ribeiro é cardiopata e só pode receber leite materno por sonda. A mãe, Julia-na Ribeiro, não pensou duas vezes

alimentá-la. Tiveram que dar leite artificial. Me cortou o coração”, lembra. Tatiana recebeu acompa-nhamento do hospital, e de pacien-te, tornou-se doadora.

Apesar do protagonismo em doações, Mirian Oliveira acredita que Brasília ainda não se tornou autossuficiente em prover leite a todos os recém-nascidos. “Ainda temos que estipular prioridades para a doação do leite. Recém-nascidos com baixo peso e pre-maturos invariavelmente terão preferência. Um pai cuja esposa morreu e que deseja alimentar a filha sadia com leite materno en-frentará dificuldades, em virtude da existência de casos mais gra-ves”, explica.

em virar doadora. “Apesar de não a amamentar, ajudo outras crianças que necessitam do leite. Isso é tão gratificante quanto estar amamen-tando.”

Segundo a SES-DF, mais de seis mil pessoas doaram leite ma-terno em 2011. Mirian Oliveira acredita que o interesse em ajudar é passado de geração em geração. “Muitas filhas que necessitaram de leite enquanto recém-nascidas, ou cujas mães eram doadoras, hoje também doam.”

É o que espera a professo-ra Tatiana Ferreira, mãe de Beatriz Porto, de um mês e meio de vida. A pedagoga teve dificuldades ini-ciais para amamentar a filha e pro-curou o HMIB. “Não conseguia

Líquido que nasce abundante

A Rede Brasileira de Banco de Leite Humano é considerada a maior e mais complexa do mundo pela Organização Mundial de Saúde (OMS). O Banco de Leite Humano (BLH) é responsável pela promoção do aleitamento materno e execução das atividades de coleta, processamento e controle de qualidade do leite produzido nos primeiros dias após o parto (o colostro), leite de transição e leite humano maduro, para posterior distribuição sob prescrição do médico ou nutricionista. Fonte: Fiocruz

No entanto, para a nutricio-nista Aline Barbosa, a boa intera-ção entre bancos de leite faz com que não falte o alimento aos mais necessitados. “Um acaba ajudan-do o outro”, detalha. “Se aqui (HMIB) falta, tenho outros 15 bancos para solicitar. O ‘intercâm-bio’ de leite é real e necessário.” Há cerca de um ano trabalhando com assistência a recém-nascidos e mães, Aline garante que o servi-ço é recompensador. “Antes, traba-lhava em UTIs, com pacientes no fim da vida. Agora, trabalho com pequenos no começo de suas jor-nadas. É muito gratificante e o re-torno é imediato: basta ver uma criança no peito da mãe que me sinto realizada.”

Elis Tanajura

Após dificuldades para amamentar a filha Beatriz, Tatiana Ferreira virou doadora de leite materno: gratidão

Page 4: Campus impresso - ano 43 número 390

Irina Adão

Campus | Brasília, 15 a 21 de janeiro de 2013

Edição: Isabella Corrêa Diagramação: Laila Leite

Ilegalidade

4

O ex-estudante congolense inter-cambista da Universidade de Brasília (UnB) Herithier Kanku, de 25 anos, conseguiu uma vaga para estudar no Brasil por meio do Programa Estudante Convênio (PEC-Graduação). No entanto, a reprovação em uma prova de português o impediu de con-tinuar no curso de Engenha-ria Elétrica e o visto de per-manência dele expirou, mas Kanku resolveu permanecer ilegalmente no Brasil.Em 2011, dos 14 alunos do

PEC-G que fizeram a prova, dois

foram reprovados. Já em 2012, cinco dos 13 estudantes que fize-ram o teste não conseguiram apro-vação. A prova é exigida para que a proficiência na língua e, conse-quentemente, as condições adequa-das para se estudar no país sejam comprovadas. O teste é realizado em outubro do primeiro ano em que o estrangeiro está no Brasil, e os meses anteriores devem servir para que ele se prepare para a prova.

Quando é reprovado, o aluno é automaticamente desligado do PEC-G e, teoricamente, volta ao país de origem. Na prática, a reali-dade é diferente. “Tenho medo de contar para os meus pais sobre a minha reprovação e quero continu-

ar aqui no Brasil para procurar um bom emprego”, diz Kanku.

Ao perderem a vaga na uni-versidade, intercambistas perdem o status de estudantes e os vistos, e muitos acabam fazendo bicos para se manter e vivem em condições inapropriadas para não voltar aos países em que nasceram. “Passei fome e dormi na Rodoviária do Plano Piloto por dois dias”, lem-bra Kanku. “Agora estou morando em uma quitinete de dois cômodos com seis pessoas.”

O estudante preferiu ficar ile-gal no Brasil porque no Congo há menos oportunidades profissionais e as condições de sobrevivência são precárias. Atualmente, ele trabalha

como vendedor ambulante de cos-méticos, sem carteira de trabalho.

Joseph Yannick Zumbila, 26 anos, também da República De-mocrática do Congo, entrou para o curso de Ciências Biológicas. No seu país de origem, nunca apren-deu uma palavra em português. Deixou família e amigos e inter-rompeu os estudos iniciados no Congo para ir atrás da formação superior no exterior.

Após a reprovação, entrou com recurso, mas o MEC e a UnB não ofereceram a ele uma segunda chance. Zumbila não queria vol-tar para o seu país porque, além de ter de começar tudo outra vez, não tinha dinheiro para comprar a passagem de avião. Como solução, tentou ingressar no ensino privado. Foi aprovado em dois vestibulares, mas não conseguiu entrar em ne-nhuma faculdade por não ter visto.

Decidiu sair de Brasília e ir para o Espírito Santo em busca de trabalho. Começou a trabalhar, mas não conseguiu permanecer no emprego por estar irregular no país. Ele também diz ter sido alvo de preconceito. “Resolvi voltar a Bra-sília para tentar pegar visto de refu-giado. Consegui há quatro meses, e agora estou correndo atrás do em-prego para me manter no Brasil”, conta Joseph Zumbila.

Causas

Doutoranda em Linguística Fonológica pela UnB e professora de português dos alunos do PEC-G até o final de 2012, Eugenia Fer-nandes acompanhou os problemas enfrentados por intercambistas. Além de ajudá-los com a pronún-cia, ela fornecia alimentação, rou-

De estudantes a clandestinosAlunos de intercâmbio reprovados no Brasil em teste de proficiência de língua portuguesa se negam a voltar aos países de origem e viram imigrantes ilegais

pas e até óculos de grau para os estudantes. “Eles são meus filhos. Quando eles foram embora, fiquei muito mal”, recorda.

Para ela, apesar de o progra-ma beneficiar estudantes carentes e ser relevante para estimular a troca de culturas, o desempenho de parte dos alunos na prova de português é prejudicado pela es-cassez de auxílio para alimenta-ção, moradia, saúde, transporte e material didático para os es-tudantes são alguns exemplos. “Tem tudo pra dar certo, mas está dando errado justamente por causa da falta de apoio aos alunos na UnB”, explica Eugenia.

Os alunos estrangeiros selecio-nados cursam gratuitamente a gra-duação. Em contrapartida, devem atender a alguns critérios. Entre eles, provar que são capazes de custear suas despesas no Brasil, ter certificado de conclusão do ensino médio ou curso equivalente e pro-ficiência em língua portuguesa, no caso dos alunos de nações fora da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP).

Assim que são inseridos no programa, os alunos têm alguns benefícios, como Bolsa de Mérito, Projeto Milton Santos de Acesso ao Ensino Superior (Promisaes), moradia estudantil e bolsa ali-mentação. “Para terem esses bene-fícios, os alunos têm que ter uma boa nota e uma renda abaixo da média”, observa a coordenadora do PEC-G na Assessoria de Assun-tos Internacionais, Maria Lucia Batista. Segundo ela, os acordos determinam a adoção pelo aluno do compromisso de regressar ao seu país e contribuir com a área na qual se graduou.

Ezequiel Trancoso

Mesmo com recurso, Joseph não pode concluir o curso de biologia após a reprovação no teste de proficiência

Page 5: Campus impresso - ano 43 número 390

João Paulo Neves Cabral

Campus | Brasília, 15 a 21 de janeiro de 2013

Edição: Isabella Corrêa Diagramação: Laila Leite

Sangue derramado

5

O Distrito Federal (DF) pas-sou mais de 10 anos sem registrar mortes por hemo-filia. Levantamento feito pelo Campus no Datasus, o banco de dados do Mi-nistério da Saúde, mostra que os últimos casos de pa-cientes mortos pela doença ocorreram em 1998 e 2000, com uma vítima em cada ano. Em 2012, porém, três hemofílicos morreram em hospitais do DF entre abril e outubro. Uma delas, a de Geremias

da Silva Cavalcante, provocou crise entre o Governo do Distri-to Federal (GDF) e o Ministério Público em razão de mudanças na política de assistência aos hemofílicos. A transferência do antigo centro de atendimento do Hospital de Apoio para o Hemo-centro e a forma de distribuição da medicação foram os princi-pais pontos. O MP acusa o GDF de ter interrompido o atendi-mento especializado e fracionado medicamentos que os hemofíli-cos recebiam.

Além dessa morte, a Segun-da Promotoria de Saúde investiga os óbitos de Givanildo Sampaio da Costa e de Josemilson da Conceição dos Anjos. “Se con-cluirmos que as mortes foram po-tencializadas por falta de medica-ção, tratamento ou atendimento adequado, entraremos com novas ações”, afirma o promotor Mo-acyr Rey Filho.

O embate ocorre desde 2008 e em 2011 um mandado de prisão chegou a ser expresso

contra o secretário de saúde, Ra-fael Barbosa.

Sem controle

A hemofilia é uma doença genética e hereditária caracte-rizada pela incapacidade de o corpo controlar sangramentos. Os hemofílicos não produzem, ou produzem em pouca quan-tidade as proteínas que ajudam o sangue a coagular. A doença se manifesta em três níveis. Na forma mais grave, ocorrem san-gramentos espontâneos e sem motivo aparente.

Os sangramentos podem levar o hemofílico à morte ou cau-sar sequelas, já que o sangue fora das veias é corrosivo. Por isso, é preciso fazer a reposição das pro-

teínas com medicamentos deri-vados do sangue ou sintetizados em laboratório. O tratamento é realizado de forma preventiva ou por demanda. Em ambas, é feita a reposição do fator deficiente no corpo. O primeiro caso é feito com aplicações periódicas e, em casos de emergência, o paciente toma o suficiente para curar a hemorragia.

Foi o caso de Givanildo da Costa, que precisou de uma dosa-gem de proteína emergencial en-quanto esteve internado no Hospital de Base (HBDF). Em 28 de outu-bro de 2012, mesmo com doses pra 15 dias de tratamento, Costa mor-reu no Hospital, por complicações respiratórias, infecção e hemofilia. O MP suspeita de falta de medica-mento. “Ele era forte e sadio, estava animado porque viajaria na semana

Hemofilia volta a assombrar o DFApós mais de uma década sem cadastros de mortes por hemofilia, levantamento mostra três mortes pela doença apenas em 2012. Casos são investigados pelo Ministério Público

seguinte. Foi tudo muito rápido”, relembra a mãe Bernadete Ferreira.

Embate

Em 2011, quando o GDF fechou o antigo centro de trata-mento do Hospital de Apoio e concentrou os atendimentos no Hemocentro, que fazia apenas exa-mes e distribuição de medicamen-to, o MP denunciou a interrupção dos serviços. Ainda assim, pacien-tes ficaram sem acompanhamento especializado até agosto do ano passado, quando o Hemocentro passou a oferecer ambulatório e acompanhamento.

A diretora da Fundação Hemocentro de Brasília, Beatriz Mcdowell, afirma que o Hospital não tinha estrutura apropriada e

não seguia os protocolos e reco-mendações do Ministério da Saúde. De acordo com ela, foram encon-trados indícios de irregularidades durante auditorias de equipes do SUS e do Tribunal de Contas do DF. “Quem geralmente cuida des-ses pacientes em todo Brasil são os Hemocentros”, afirma.

O MPDFT, por outro lado, entrou com ação de improbidade contra o secretário de saúde, Rafael Barbosa, acusando-o criminalmen-te pela morte de Geremias da Silva Cavalcante. O paciente era hemofí-lico grave e deu entrada no Hospi-tal Regional do Gama (HRG) após convulsão. Foi orientado a voltar para casa. Horas depois, retornou ao hospital onde morreu de parada cardíaca causada por hemorragia cerebral em 12 de julho de 2012.

Na manhã seguinte à morte, a prima dele Janaete Cavalcante denunciou a negligência na de-legacia. “Denunciei para mos-trar que isso acontece e não pode acontecer mais”, explica.

A história de Josemilson da Conceição é similiar. A esposa Cris-tiane Sousa, que o acompanhou durante os últimos momentos, não quis falar sobre o caso, mas permi-tiu que o Campus acessasse o de-poimento prestado à investigação. Em 27 de abril de 2012, Concei-ção teve fortes dores de cabeça e foi para a emergência do HRG. Com laudo da suspeita de hemorragia em mãos, o médico não soube o que fazer. Levaram-no para o HBDF se-dado, onde precisaria fazer cirurgia, mas não estava consciente. A morte encefálica foi constatada momentos depois. Nem o Hemocentro, nem a Secretaria de Saúde se pronuncia-ram sobre as mortes.

Jonas e Bernadete Ferreira, pais de Givanildo da Costa, morto após complicação por hemofilia: indignação

Isabella Corrêa

Page 6: Campus impresso - ano 43 número 390

Lucas Vidigal

Para os guardadores, chuva é real-mente mau tempo. A noite de Natal de Leonardo Gomes de Almeida, de 38 anos, não teve a fartura que se espera de uma ceia natalina. Ele é um dos 1.650 lavadores e guarda-dores de carro cadastrados na Secretaria de Estado de De-senvolvimento Social e Trans-ferência de Renda do Distrito Federal (Sedest) e sofre com chuvas, que atrapalham a la-vagem de carros, e o recesso, que deixa estacionamentos va-zios no fim do ano.Almeida vigia e lava carros

há 13 anos no mesmo ponto, no Setor de Rádio e Televisão Norte (SRTVN). Em meses de muito sol, comuns entre maio e setembro, ele chega a ganhar até R$ 80 diariamen-te apenas com lavagens, que custam R$ 10 cada. Esse preço é pratica-mente tabelado entre todos os lava-dores. “Com vigiadas, a gente tira de R$ 25 a R$ 30 por dia”, conta.

Quando chegam as chuvas do fim do ano, motoristas param de pedir que Almeida lave os carros. “Não adianta lavar se eles ficam su-jos logo depois”, diz. Sem lavagens, ele fica sem a maior parte da ren-da justamente na época do Natal, quando, além disso, estacionamen-tos ficam mais vazios por causa das férias. “Entre dezembro e ja-neiro temos de ficar sem tra-balhar porque não compen-sa o gasto do ônibus para sair de casa.”

Para chegar ao Plano Pilo-to, Almeida leva duas horas no trajeto desde Valparaíso (GO), onde vive com a família. Ele é

Edição: Fellipe Bernardino Diagramação: Celina Guerra

Com chuva e sem renda Guardadores de carro do Distrito Federal passam por dificuldades financeiras nas festas de final do ano por causa de estação chuvosa

Campus | Brasília, 15 a 21 de janeiro de 2013 6

Informalidade

um dos 495 guardadores cadas-trados que residem no Entorno. Outro é Rosenilton Borges, de 28 anos, colega de ponto de Al-meida e morador de Planaltina de Goiás. Segundo ele, a solidarieda-de dos motoristas é fundamental para garantir a ceia. “Ganhamos cestas de Natal”, conta.

O presidente do Sindicato dos Guardadores e Lavadores de Veí-culos do DF (Sindglav), Valdivino Diogo da Silva, afirma que os traba-lhadores deveriam economizar por saber das dificuldades desta época do ano. “Como é que eles querem ter dinheiro se gastam tudo o que recebem?”, questiona. Silva tam-bém afirma que o sindicato ofere-ce ajuda, como cestas básicas. “Mas temos apenas cem inscritos na asso-ciação, pois ninguém quer contri-buir com a mensalidade.”

Porém, economizar não é ta-refa fácil para quem precisa susten-tar família apenas com o que rece-be com lavagem. Borges e Almeida, que não são filiados ao sindicato, re-batem a fala de Silva e dizem que não há como guardar todo ano o suficiente. “Gastamos nosso dinhei-ro todo dia para levar comida para casa e garantir o mínimo de confor-to”, conta Almeida, que sustenta so-zinho a esposa e duas filhas.

Garantir o Natal em casa tam-bém foi difícil para Evangivaldo Nery Freitas, que lava carros há seis anos em um dos estacionamentos do Setor Comercial Sul (SCS), uma das áreas mais movimentadas de Brasília em dias úteis. Segundo ele, a regularização não garante melhorias nas condições de trabalho. “Não há o que fazer em época de chuvas e re-cesso”, afirma.

O analista financeiro Wilson

Amador trabalha no SCS e é um dos que têm costume de deixar que guardadores lavem o carro. “Menos quando chove”, reconhece. Ele afir-ma que já chegou a permitir que re-alizassem o serviço após se sentir co-agido. “Prefiro gastar com lavagem a ser obrigado a pagar ainda mais caro com o conserto da lanterna que eles quebram.”

Intimidação

A coação dos guardadores aos motoristas é o principal alvo de queixas a esses trabalhadores. De ja-neiro a outubro de 2012, 368 pes-soas foram abordadas em opera-ções promovidas pela Secretaria de Estado de Ordem Pública e Social (Seops) por conta da vigilância de

carros. Procurada pelo Campus, a secretaria informou por meio de nota que o motorista que se sentir ameaçado deve acionar as polícias Civil ou Militar.

Evangivaldo Freitas confirma que há coação, mas também ataca condutores que pouco contribuem. “Não justifica ameaçar, mas é ruim quando recebemos apenas moedi-nhas por vigiada”, afirma.

De moeda em moeda con-quistada nas poucas vigiadas em meses chuvosos, o fim do ano dos guardadores é bem diferente dos que recebem salário com direito a 13º. “É nossa pior época do ano”, afirma Almeida, enquanto olha para um dos carros que acabou de lavar em um dos poucos dias de sol no verão brasiliense.

“ A gente depende da

solidariedade dos motoristas”

Rosenilton Borges, guardador de carros

75%dos guardadores

cadastrados na Sedest atuam no

Plano Piloto

Ezequiel Trancoso

Lavadores como Leonardo Gomes de Almeida aguardam ansiosos por dias ensolarados em épocas de chuva

Page 7: Campus impresso - ano 43 número 390

Desde fechamento, solução encontrada por Danyelle é levar marmitas

A importância do Restaurante Uni-versitário (RU) na vida dos es-tudantes da UnB mostra que não é só de projetos acadêmi-cos que se alimenta uma uni-versidade. Enquanto o RU permanece fechado desde o fim de novembro para reparos, os estudantes se viram como podem: aprendem a cozinhar, economizam no orçamento, dispensam um almoço ou ou-tro para comer salgado e até optam, por vezes, a pular re-feições na tentativa de não ver suas economias gastas em ali-mentação mais cara.Dentre opções de almo-

ço no campus Darcy Ribeiro e redondezas, a refeição mais barata sai por, no mínimo, R$ 6. “De R$ 2,50 no RU, eu passo a gastar de R$ 10 a R$ 15 por dia, sem contar que lá tem café da ma-nhã e janta”, conta o mineiro Victor Dittz, estudante do primeiro semes-tre de Ciência Política. “No meu ca-so, que acabei de mudar para Brasí-lia, o aumento de gasto com alimen-tação me priva de gastar com ou-tras coisas, como, por exemplo, para montar meu quarto.”

Danyelle Carvalho acaba de ser admitida no programa de auxí-lio-moradia, após três anos cursando Engenharia Florestal na UnB. Até então, a estudante não tinha direi-

Edição: Isabella Corrêa Diagramação: Celina Guerra

Comida para caber no bolsoDemora para reabertura do RU faz alunos buscarem diferentes meios para garantir alimentação barata sem prejudicar o orçamento. Reitoria sugere que eles cozinhem

Campus | Brasília, 15 a 21 de janeiro de 2013 7

Universidade

to a nenhum auxílio durante fecha-mentos do RU. Moradora de Cei-lândia, trazia marmitas de casa nos períodos de fechamento anteriores. Porém, da última vez teve que eco-nomizar por problemas de moradia. “Comia as marmitas que as amigas levavam. Quando eu tinha dinheiro comia salgado e, quando não tinha, não comia”, recorda.

O estudante de serviço so-cial da UnB Mário Lima faz parte de um grupo de alunos que se ar-ticulam por melhorias na assistên-cia aos estudantes da Universidade. Uma das últimas conquistas do gru-po, em novembro, foi unificar dois níveis de carência sócio-econômica em um único, garantindo o valor de R$ 0,50 por refeição para todos.

Victor Dittz não recebe ne-nhum auxílio, mas também não vê necessidade de pagar R$ 0,50 pela refeição, frente a outros alunos mais desfavorecidos. Se o restaurante fica inativo, porém, os valores gastos em alimentação geram problemas. “Quando ele fecha, não tem outra opção na faculdade”, conta. “Muita gente se virou no ulti-mo mês de aula comendo salgados e sanduíches, mas obviamente isto es-tá longe de ser saudável”, completa.

Reembolso

É a quarta vez desde 2010 que o restaurante do campus Darcy Ri-beiro fecha por mais de um mês.

Para lidar com a situação, a Dire-toria de Desenvolvimento Social (DDS) distribui aos alunos bene-ficiários do auxílio moradia, com menor poder aquisitivo, um valor de aproximadamente R$ 15 ao dia. A bolsa, distribuída apenas aos fins de semana e feriados, é acrescida de R$ 300 a mais durante um mês co-mo o de dezembro de 2012, quan-do o RU não funcionou durante o período de aulas.

Já o grupo de assistência a es-tudantes da Universidade colabo-rou para a criação do benefício que faltava a 1321 alunos não benefici-ários do auxílio moradia, mas tam-bém considerados de vulnerabili-dade sócio-econômica. “Entende-mos que temos uma política até melhor do que em outros lugares. Mas a gente não entra na lógica do ‘menos pior’”, defende Mário Li-ma. O cálculo é baseado no gasto despendido pelo Restaurante Uni-versitário no último ano, dividido pelos dias de funcionamento e nú-mero de alunos que, quando aber-to, pagavam R$ 0,50 e R$ 1.

O primeiro ressarcimento aos alunos pelos 80 dias parados du-rante a greve dos servidores técni-cos administrativos chegou em de-zembro. Já o repasse do atual fecha-mento considerou o período en-tre 28 de novembro, quando de-cidiu-se resolver o problema do mau cheiro causado pelas câmaras de conservação de alimento, até 7

próprias refeições em casa por ser a alternativa mais barata sem o RU.

Reabertura

De acordo com a diretora do Restaurante Universitário, Ygraine Hartmann, aguarda-se parecer da Procuradoria Jurídica da União pa-ra fechar contrato emergencial com a empresa G Nutris, que disponibi-lizará refeições a partir desta sema-na. A comida será servida pelos fun-cionários, mas a cozinha continua-rá fechada enquanto uma comissão de sindicância analisa as condições das câmaras frias. Até o fechamento desta edição, a data de início do ser-viço emergencial não foi definida.

Paulo Figueiredo Júnior

de janeiro, data em que os alunos voltaram a ter aulas. Sem contar os domingos e o recesso de 14 dias, o estudante teve direito à R$ 4,95 ao dia. “O que fazemos é uma complementação para aju-dá-los nas despesas com ali-mentação para que o aluno possa comprar e fazer”, ex-plica Maria Tereza da Silva, diretora da DDS, que conside-ra os recursos escassos para pensar em uma forma mais abrangente de ajudar todos os estudantes.

Com auxílio-moradia de R$ 530 da UnB, o aluno de Arquite-tura e Urbanismo Tiago Carmo di-vide apartamento com Dittz. Para controlar os gastos, ele prepara as

Fotos: Ezequiel Trancoso

Estudantes trazem almoço de casa e comem em locais improvisados

Page 8: Campus impresso - ano 43 número 390

A arte de (querer) dormirContoPágina 8

Edição: Fellipe Bernardino Diagramação: Celina Guerra

E esta mania de dormir tarde? Principalmente quando tinha que acordar cedo no outro dia. Era sempre assim, pro-metia dormir, mas sempre fi-cava acordado fazendo qual-quer coisa que achasse mais interessante do que isso. Ou mais importante.Não importava o quanto

prometia, dormia tarde. Bem tarde. Quando tudo já era si-lêncio e só o que podia escutar era o caminhão de lixo passan-do lá fora.

Noite passada ficou acor-dado até tarde fazendo trabalho. Tinha prometido que não deixa-ria mais essas coisas para a última hora, mas era o que sempre acon-tecia. Era o que sempre acontecia também com muitos de seus cole-gas. Mas isso era mesmo mais im-portante do que dormir.

Por isso, quando abriu os olhos parecia que tinha dormi-do apenas cinco minutos. Mas o despertador informava que era mesmo a hora de levantar. Nunca notava o quanto dormia tarde até ser hora de levantar. A hora que se arrependia.

Sempre tinha vontade de dormir em aula. Não, talvez von-tade fosse eufemismo. Era um ím-peto. Tinha tanto sono que não conseguia manter os olhos abertos. Era o que acontecia hoje também.

Lutando contra o sono, ten-tava disfarçar e se distrair. Pensan-

Ilustração: Isabella Corrêa

Campus - Brasília, 15 a 21 de janeiro de 2013

do bem, era melhor dormir. Pelo menos assim apro-veitava seu tempo, já que não prestava atenção de qualquer jeito. Essa era a hora que prometia, de novo: vou dormir cedo hoje!

Mas claro que isso não acon-tecia. Mania terrível. Mas era quase incontrolável. Passava o dia na faculdade e no trabalho espe-rando a hora de chegar em casa e poder curtir a cama. Mas...

Acordou. Na sala, claro. Tentou muito, mas não conse-

comer. Estava satisfeito, mas ainda achava cedo pra dormir. Quem li-gava se estava com sono? Estava perdendo tempo.

Lembrou que tinha um pro-blema do trabalho para resol-ver. “Vou fazer logo pra poder dormir!”. Resolveu, continuava achando que iria perder tempo se fosse deitar. Tinha tantas coi-sas pra fazer. Engraçado que dormir não era uma das mais importantes.

Foi ler um livro. Foi as-sistir a um filme. Foi usar a internet. Ah, o computador. O atrativo de quem não tem o que fazer. Foi ler o que tinha. Tirinhas, notícias, blogs de

qualquer coisa. Só não queria ficar sem fazer nada. E a pergun-

ta é: por que não dormir? Perda de tempo.

Sempre arranjava outra coisa para fazer mesmo que tivesse pas-sado o dia pensando em dormir. E escutou novamente o caminhão de lixo. Foi quando notou que ia dor-mir tarde de novo.

Grandes promessas, hein? Foi só dessa vez. “Amanhã eu durmo mais cedo pra conseguir aguentar o dia seguinte”. Mas isso não vai acontecer e ele sabe disso. Mesmo assim, não custa prometer.

Pois é, nem tinha dormi-do, nem tinha acordado, e já es-tava arrependido da hora que iria dormir. Sabia que quando abris-se os olhos no outro dia ia achar que, de novo, dormiu somente cinco minutos.

guiu aguentar. Pelo menos agora era tarde e ficava mais fácil se manter acordado. Quer dizer, no trabalho não ficava muito tempo sentado. Era a melhor distração de todas para o sono. Sempre es-tava ocupado.

Quando voltava para casa naquele dia, parecia mais um zumbi. Os olhos estavam abertos,

mas pa-recia meio

morto. Pare-cia dormindo em

pé mesmo. Ainda assim, a felicidade de finalmente dor-

mir fazia com que nada o inco-modasse. Nem mesmo o ônibus cheio. Nem aquela música saindo do celular de alguém ali atrás.

Mas ele sabia que não ia dor-mir. E sabia que a culpa era dele, apesar de culpar os trabalhos e as coisas interessantes. Chegou em casa e se preparou para dormir. Achou cedo demais. Resolveu ir

Camila Rodrigues