CAMP FOR DEMIGODS

Um livro por Otávio Magno.Primeira publicação em Agosto de 2018.

Idealizado, produzido, gestado e concebido por um único semideus para muitos outros semideuses.

À Acsa. Quem me mostrou o verdadeiro sentido de amor e poesia.

Á Isabel. Quem me provou que eu posso ser mais.Á Daniela. Quem me emprestava o notebook para que jogasse

as intermináveis partidas de RPG.

ConteúdoCAMP FOR DEMIGODS.......................................................2PREFÁCIO..............................................................................5ANTHONY SOUSA ...............................................................6ARIANE DUARTE.................................................................7BRENO OLIVEIRA................................................................8CAMILA ALEXANDRONI ...................................................9ENZO CARAMEZ................................................................10HELENA LINGNAU............................................................11ÍCARO QUEIROZ ................................................................12JESSICA WU ........................................................................13LUCAS LOPES.....................................................................14UM POUCO MAIS DE CAMP FOR DEMIGODS..............15O GRANDE DIA ..................................................................17A DÍVIDA.............................................................................30SOLUÇÃO ............................................................................45FIM? ......................................................................................61

PREFÁCIO

Há quem ouse dizer que é impossível criar vínculos reais através da tão famosa Internet. Outros ainda dizem que pode haver qualquer pessoa por trás de uma foto de perfil. Essas pessoas estão certas em alguns pontos.

A Internet traz riscos reais e cuidados nunca são demais enquanto navegamos por essas desconhecidas águas, mas pra bom navegante, nem todo ponto no horizonte é terra firme.

Como chamamos a ralação entre pessoas que se comunicam com freqüência e que vivem momentos juntos? Mesmo com o auxílio de uma tela de computador, nos apaixonamos, passamos noites inteiras acordados, brindamos em volta de fogueiras, dançamos e cantamos juntos enquanto pudemos. Essa amizade foi formada a cada dia juntos, a cada briga e a cada laço que desenvolvemos.

É em nome dessa amizade que recorro às palavras pra expressar tudo o que algumas amizades feitas num grupo, dentro de uma rede social, significaram e ainda significam para mim.

Nessas amizades garimpadas das correntezas da Internet, retiradas inusitadamente do Camp For Demigods, as que se destacaram e se tornaram longínquas estão aqui representadas.

Essa é uma obra que busca homenagear pessoas que levo no peito, que me proporcionaram momentos lindos. É uma obra feita para agradecer a essas pessoas.

Otávio Magno, conselheiro do Chalé de Athena

ANTHONY SOUSA

Tony, velho amigo Guerreiro vigoroso Membro do Chalé Três

De coração aberto À filha de Athena Não sucumbindo à insensatez

De sorriso largo Quando apertado o peitoSua piada não perde vez

Rapaz sincero Dele é o mar Como é da nuvem a palidez

Na briga e no amor não mente Como a rocha Perdura em sua rigidez

ARIANE DUARTE

Dona de uma beleza quase bélica A pele tem a cor do bronze polido Os cabelos tão negros quanto o metal do Styx

Assim é a filha do Fogo Minha amiga e companheira Que viveu comigo em batalhas

Disputou torneios Desvendou mistérios Leva pra toda vida um pedaço de mim

E eu também levarei um pedaço de ti Sei que nada é mais forte do que a fraternidadeE esse é o desejo que nos moveu

Pra sempre te tenho carinho Companheira do Chalé Nove.

BRENO OLIVEIRA

Um irmão eu ganhei ao chegar Mas ele era diferente de todos os outros Não por seus cabelos e olhos escurosNão por sua boca impossível de se calar Mas, de alguma forma, ele se destacava na multidão Talvez por ser ótimo em dar e ouvir conselhosTalvez por saber como vencer uma batalha perdendo a mesma Talvez por ser o que melhor compreende sentimentos no Chalé SeisEsse é o meu irmão caçula Desde o princípio, especial E até o fim, único

CAMILA ALEXANDRONI

Camila A guerreira irmã Maninha Mais que seu amigo, sou um fã

Bela menina Tomou do filho de Poseidon o coração Obteve amor e apreço De mim, seu irmão

Anseio ver-te aindaDistante das lâminas e armadura E reconhecer por trás de seus cabelos Olhos que trazem ternura

ENZO CARAMEZ

EnzoCaramezCaramelo

Da Morte filho O mais vívidoE belo

De ferro o coraçãoDe bronze as entranhasSem sorriso amarelo

HELENA LINGNAU

Helena LenaLingnau

Doce como um mingauMinha boa amiga Filha da magia

Mal a ninguém faria Fiel como o alvorecerTransparente como a água

Frente ao perigo não desaba Como antigo cedro Permanece na adversidade

ÍCARO QUEIROZ

A mente por trás de tudo Tardio algoz

Mesmo quando pelo Leto passamos Não se esquece de nós

Nosso bom amigo Líder feroz

O guia de missões Ícaro Queiroz

JESSICA WU

Filha do amor Do acampamento, o torpor Inspirando liderança e furor Nota nos frios peitos a mais sutil dor Aos inimigos, de suas plumas sai terror Aos amigos, flui fidelidade e ardor

LUCAS LOPES

O filho da Magia A quem saúdo com "Maranata"Arrogante, mas sincero Brincalhão, mas companheiro Mente brilhante refletida em olhos escuros Coração puro envolto em mágica Língua afiada como a mais prefeita adaga Vlad, príncipe guerreiroLucas, o semideus que trago no peitoO menino que sempre entraria numa boa aventuraO mago que encanta nosso velho acampamento

UM POUCO MAIS DE CAMP FOR DEMIGODS

Não é completamente anormal que você, após ler todos esses poemas e contos, tenha se perguntado por que diabos eu teria americanizado o título do livro. Num mundo onde tudo se problematiza, essa questão não deve passar despercebida. Não é culpa minha!

A minha única responsabilidade aqui é homenagear o antigo nome de um grupo que já foi muito importante na vida de uns bons 574 membros (enquanto esse texto é escrito). Fui trazido a esse mundo em Maço de 2015, um mundo onde eu poderia fazer mais, ser mais, senti mais.

RPG não é apenas uma forma de jogo, mas é um mecanismo para estreitar laços praticamente infalível! E assim funcionou por nos a fio!

Hoje os membros do grupo seguem outros caminhos. Algumas vezes ficamos velhos demais para contos de fadas, mas ainda salvamos o mundo de nossa maneira, de nossa forma mais eficaz. E esse é um dos motivos pelo qual digo a você que lê essas palavras: jogue RPG, deixe suas crianças jogarem RPG. Jogue com seus amigos, familiares, filhos.

Não sabe jogar? Não é difícil de aprender.Esse apelo vem pelos dedos de quem já foi

agraciado com as amizades, com as aventuras reais, com os sentimentos avassaladores, com as confissões feitas em momentos quase que esmagadores.

Divirtam-se com algumas histórias que trago a vocês. Elas aconteceram em RPG, foram forjadas como contos e que meu personagem homônimo possa trazer bons motivos para você se jogar de cabeça nesse mundo de fantasias!

O GRANDE DIA

Estava um lindo dia lá fora. De dentro do Chalé Nove eu podia sentir o aroma das flores e logo me pego sentindo a suavidade do vestido feito pela Jessye, filha de Eros, e me admirando frente ao espelho. Ela, sem sombra de dúvidas, sabe como vestir uma noiva.

Estava ensolarado, mas fora do acampamento, distante das barreiras mágicas e seus encantamentos eu sei que nevava forte no Estreito de Long Island. O anfiteatro estava enfeitado com flores, magia, muita cor e sorrisos. Seres fantásticos vieram de longe ver a cerimônia: Semideuses que salvamos, dríades, náiades, ninfas de todos os lugares e sátiros brincavam ao redor de campistas e árvores.

Toda aquela gente, toda aquela produção me assustavam um pouco, mas era de uma boa forma. Finalmente, depois de dez anos de carinho, amor e umas guerras contra monstros e deuses primordiais eu iria subir ao altar.

- Cá está a garota em chamas! - diz Leonardo ao passar por entre os beliches. Ele estava deslumbrante em seu smoking preto. - Tenta não incendiar nada hoje, ok? E lembra que você está perfeita!

- Obrigada, maninho. - Limpo uma lágrima antes que ela escorra por meu rosto e borre a maquiagem que ganhei do chalé de Afrodite. - Sabe que meu maior medo não é incendiar as coisas, né?

- Ele não virá! - Leonardo me beija na bochecha antes de sair. - Somos semideuses! O que

pode dar errado? Tenha certeza de que vamos arrasar hoje!

As pessoas normais estariam felizes num dia como hoje. Mas, mesmo estando dentro do Acampamento, segura em suas barreiras mágicas, com até alguns deuses nos abençoando, não consigo ficar completamente feliz. O dia ainda pode terminar mal.

...

“O que poderia dar errado?”. Essa frase iria reverberar em minha mente por um bom tempo até que uma batida na porta do chalé me lembrasse do mundo real.

- Uau! - Enzo Caramez estava junto à porta de terno preto e camisa vermelha como o fogo, uma homenagem que alguns fizeram pra mim. - Pois é, moça. Eu já nasci assim. - O filho de Thânatos não nega um largo sorriso. - Sabe que tem um Filho da Sabedoria louco pra te ver num altar, né? Vamos lá?

Não há como não segurar o seu braço. O acampamento estava deslumbrante. Héstia estava sentada mexendo nas brasas da fogueira no meio dos chalés. Seu sorriso consegue esquentar até o meu medo e me faz confiar por um instante.

Camila estava arrumando a gravata azul de Anthony. Eloisa parecia tensa, mas sorriu pra mim quando passei. Breno e Rendy pareciam atores de cinema de tão lindos que estavam. Guilherme estava com Ícaro no canto do anfiteatro, um todo de preto brilhante e o outro em preto fosco.

Todos estavam ali, conseguia até ver as corujas de Athena e as codornas de Hefesto voando e ciscando por aqui e ali no acampamento.

Finalmente nossos olhares se encontraram. Ele estava de fraque preto, camisa branca e gravata borboleta cinza. Um brilho celeste estava irradiando dele. Estávamos felizes. Isso não era bom.

Enzo me conduziu até o altar no meio do anfiteatro. Ele abraçou o Otávio e me entregou para ele. Não havia outro lugar que eu desejasse estar além do lado do meu amor.

Enzo Caramez e Helena Lingnau, meus padrinhos estavam ao meu lado. Lucas Lopes e Jéssica Wu, os padrinhos dele assumiram seus postos. Estava tudo perfeito! Perfeito até demais.

Demos as mãos e encaramos Quíron, o centauro que nos acolheu, treinou e nos tornou quem somos: amantes. Ele inicia a cerimônia, conta a nossa história:

“Parece que foi ontem que acolhi uma filha de Hefesto com frio e com medo no meio da noite. Alguns dias antes eu tinha recebido um filho de Athena com cabelos escuros e que quase perdeu a própria sanidade. E descendentes de Hefesto com medo ou frio e filhos de Athena morenos e quase loucos são coisas que não se encontram todos os dias. Eles tinham muito em comum quando chegaram e irão se tornar um só ainda hoje.

Na Titanomaquia, quando Cronos se levantou contra nosso mundo eles dois ajudaram a fazer as bombas de Beckendorf, fizeram flechas especiais para os filhos de Apolo, ajudaram a mapear o Labirinto e criaram estratégias de guerra fantásticas em frente ao Olimpo. Heróis natos, nascidos para receber louros dos deuses.”

- Você não imagina o quanto eu estou feliz, Ária. - ele diz olhando pra frente, seu sorriso confirmava seu sentimento.

“Porém, a Gigantomaquia chegou até nós e os gigantes nos atacaram. Eles atrasaram seus planos enquanto os argonautas navegavam pelo mundo pra derrotar Gaia. Combateram ao lado de Hermes, Afrodite e outros deuses para derrotar gigantes, monstros e, infelizmente, alguns semideuses que escolheram o lado errado.

Falando em semideuses que traíram o Olimpo. Em uma das missões fomos traídos. Um semideus chamado Gabriel apunhalou o coração de Otávio diversas vezes. Ariane em desespero deu mais néctar do que o corpo do pobre rapaz podia suportar. “Ele queimou por alguns minutos, mas ela absorveu as chamas e impediu que ele sofresse mais males.”

Ele está feliz. É disso que eu tenho medo.E se ele estiver feliz a ponto de a promessa

ser cumprida? E se ele precisar ir, e eu não suportar a dor de sua partida? E se eu não for capaz de impedir?

“A própria Athena ordenou que suas corujas cuidassem de Gabriel. O filho de Apolo não foi visto desde então.

Quando chegou ao Acampamento os outros filhos de Apolo não deram muito tempo para o jovem moribundo. Três dias depois Gaia renasceu e veio nos atacar nas nossas fronteiras.

Ainda me lembro de ver um zumbi se arrastar até a colina Meio Sangue e descê-la correndo em direção ao pelotão dos filhos de Hefesto. Com apenas uma adaga na mão e sem

escudo ele protegeu a sua amada de todos os ataques em seu ponto cego.

Sete flechas e diversos cortes quase os separaram de novo, muito néctar foi usado até que ele conseguisse falar de novo e pedir a filha de Hefesto em casamento.

Assim eles trocaram objetos de grande estima: Excalibur andaria com Otávio e o bracelete com a replica de Aégis acompanharia Ariane.

Tudo isso nos trouxe até hoje, até esse altar. Toda essa história nos trouxe esse amor. Amor que nem Afrodite ousaria por defeitos.

Por isso, se alguém é louco o suficiente para ter algo contra essa união de heróis do Olimpo, que fale agora ou cale-se para sempre!”

...

Nesse momento o ar congelou. As sombras viraram em direção ao sol e se solidificaram. Ele veio cumprir a promessa. Thânatos, o deus da morte veio buscar Otávio.

- Eu me lembro que quando Epimeteu fez os primeiros humanos, me recordo dele ter modelado ouvidos em suas cabeças. Mas por que vocês decidem não usar o que Epimeteu lhes deu. - ele girou sua foice e apontou para Otávio.

- Você não é bem-vindo, Thânatos. Retire-se! - Quíron ordenou ao deus.

- Minha dívida não é com você, Centauro. Eu só quero o garoto. - ele olha diretamente pra Otávio novamente e sorri. - Você sabe que me deve uma alma. Há uma filha de Hebe aqui. Mate-a, salde sua dívida, viva seu amor. Não repita o erro de vidas passadas.

- Nunca! - ele grita e retira Excalibur de seu colar. - Vá embora, Thânatos. Você não vencerá hoje!

- Pai! - Enzo Caramez fala do altar. - Você não pode cobrar isso daqui a oitenta anos? Hoje não é o melhor dia para isso.

- Dívidas são dívidas em qualquer dia, criança. Mas hoje é dia de pagamento.

“No dia mais feliz rastejando chegaráÀ tristeza infinita fadado será

Uma alma por outra, o preço seráOu pelas mãos da Morte cairá”

- Não precisa recitar isso pra mim! - Otávio suspira. - Conheço bem a minha sentença.

Agora todos os semideuses já estavam com armas em mãos, escudos apostos. Otávio e Thânatos se encaravam, cada um numa extremidade do tapete branco que leva até o altar. No meio desse momento de tensão eu sinto o braço de Otávio me empurrando para trás dele.

- Não... - eu murmuro segurando as lágrimas. - Você sabe que é isso o que ele quer. Não se entrega...

- Sou arrogante o suficiente para não me entregar sem uma batalha antes.

- Vamos perder... - eu choro em seu ouvido.

- Estamos em maior número, temos uma olimpiana aqui e alguns deuses menores. O que pode dar errado?

Quíron bate com o casco no chão.- Basta! Não haverá batalha em meu

acampamento hoje!

- Cale-se, Centauro! - Thânatos parecia irritado. - Estou esperando, semideus. Do jeito fácil ou eu vou me divertir com isso?

- Nunca foi fácil pra mim. - as alianças caem da mão de Otávio no exato momento em que eu percebo que não fui rápida o bastante.

Com um movimento sutil da mão esquerda ele invoca cerca de vinte corujas que passam por ele e me agarram. Braços, pernas e vestido são pegos pelas garras e eu sou levada 50 metros pra longe de meu marido.

Enzo foi o primeiro a atacar, seguido por Jessica. De asas já invocadas os dois voaram e atacaram por cima. Flechas e foice foram lançadas, mas nada acertou o deus.

Ícaro avançou de gládio em mãos, mas não conseguiu chegar ao deus a tempo. Thânatos lançou sua foice em cima do filho de Hades que desviou no último segundo.

- Semideuses em formação! - Ícaro berrou para quem pudesse ouvir. - Ataquem com tudo e protejam o nosso sábio!

Quando as corujas me soltaram eu tentei buscar alguma ajuda. Não tinha espadas, só o escudo que foi de Otávio. Os deuses se afastaram.

- Ataquem aquele louco! - gritei para os deuses que se recolheram. - Façam alguma coisa!

Os deuses ignoraram meu clamor. Eu estava sozinha ali. De longe eu via a guerra que se formou em volta de Thânatos.

Semideuses voavam, brandiam espadas e lanças. Alguns já estavam caídos no chão enquanto filhos de Apolo trabalhavam nas curas o mais rápido possível.

Eu só tinha uma chance. Me aproximei um pouco e me ajoelhei. “Talvez um vulcão atrase Thânatos para fugirmos”.

Toquei o chão e me concentrei até ser trazida de volta por um soluço. Eloisa estava sentada há cinco metros de mim. Entre suas mãos no rosto eu pude ver seus olhos vermelhos. O desespero era claro em seu olhar e sussurrando ela tentou dizer:

- Desculpe. Eu tentei evitar....

Otávio andava pelo tapete branco em direção ao seu inimigo. Thânatos gargalhava enquanto feria semideuses esmagando suas armaduras.

Uma trilha de corpos ficou para trás de Thânatos enquanto ele caminhava para encontrar com Otávio.

Os olhares se cruzaram no momento em que as lâminas se chocaram. Thânatos era paciente, mas Otávio era rápido. Icor dourado jorrou do braço de Thânatos quando a lamina de Excalibur passou no bíceps divino, mas o cabo da foice acertou as costelas do semideus. O som de ossos quebrando se espalhou pelo acampamento com um grito de dor.

Eu chorava ajoelhada no chão. A terra sujava meu vestido de noiva. Meus podres tinham ido embora, eu estava impotente.

Otávio fez um talho na perna e barriga de Thânatos, mas ganhou um corte nas costas. “Eu preciso fazer algo!”. Em um golpe perfeito Otávio deu a volta no deus e o acertou com o cabo da

espada na cabeça. Thânatos foi ao chão e o acampamento festejou.

Otávio até tentou finalizar com um golpe na direção do coração, mas Thânatos rolou para o lado. Aquilo já não era uma guerra. Era um duelo mortal.

Havia um circulo de semideuses em volta da batalha. Quíron tentava parar aquela luta, mas Thânatos não dava chance. O Centauro ensaiou um ataque, mas foi arremessado para trás pelo deus e caiu desmaiado fora do anfiteatro. Ataque após ataque o cansaço no rosto de Otávio era visível mais e mais. A vitória se aproximava.

Num último esforço tentei trazer chamas para incendiar o deus da morte, mas não consegui nada além de um breve calor sobre a pele. “Ele não vai morrer hoje. Você precisa acreditar.” era o que eu repetia para mim mesma. “Acredite”.

O braço esquerdo de Otávio estava retalhado, de suas costas o sangue descia como um riacho, sua gravata desfez o nó. Thânatos estava com cortes leves na barriga e braços quando com velocidade sobre-humana ele girou o corpo desviando de uma punhalada da Excalibur e chutou o peito de Otávio.

Eu tentei correr, mas minhas pernas não me obedeciam.

Thânatos agarrou o semideus pela camisa e o jogou na escadaria do anfiteatro quebrando dois degraus com o impacto. Otávio respirava com dificuldade.

- Consegue sentir o fim? - Thânatos debochou. - É isso que eu significo. Fim, término! É tudo o que eu significo pra você.

- Cale a boca seu idiota. Você nunca vencerá. Eu estarei pra sempre nos Elíseos e lá você não poderá fazer nada.

- Desdenhe de meu poder, mortal.Otávio tentou levantar, mas sua perna

esquerda estava quebrada. A falta de ar era insuportável. Thânatos caminhou até o semideus e apertou o punho direito para liberar Excalibur da pegada.

- Hoje, - ele grita como quem faz um discurso. - esse semideus morrerá pagando sua dívida eterna comigo.

Que isso sirva de lição. Obedeçam!Façam o que seus deuses mandam e

viverão. - ele levanta Excalibur acima da cabeça como se estivesse abençoando a lâmina. - Ele morrerá pela lâmina que ceifou tantas vidas em nome do Olimpo e o Olimpo não o salvará!

Com o discurso terminado ele vira para Otávio e crava Excalibur em seu peitoral. Só aí eu consegui gritar.

...

Ele se desfez em sombras enquanto eu corria para esmurrá-lo até sobrar uma poça de Icor dourado debaixo dos meus punhos.

Quando cheguei a Otávio ele ainda respirava.

- Sabe que eu te amo, né? - ele se esforçou pra balbuciar cada palavra.

Eu não sabia o que fazer. Não sabia o que dizer.

- Calma. Nós vamos te salvar.- Usa a aliança que forjamos.- Eu uso. - disse com lágrimas nos olhos.

- Aégis está nela. Eu mesmo encantei o ouro. - ele dá seu melhor sorriso coberto de sangue.

- Eu te espero nos Elíseos, Garota em Chamas...

- Eu vou te encontrar.A colina meio-sangue explode em lava, mas

era tarde demais....

Rendy chega correndo com um grupo de filhos de Apolo, mas Otávio já tinha parado de respirar.

Ele tocou no velho amigo, sacudiu a cabeça e me olhou chorando.

- Se foi.Todos foram saindo aos poucos. E eu fiquei só com o homem da minha vida em meus braços tendo minha espada cravada no peito.

...

A luz da manhã entrava pela janela do Chalé Nove e todos os meus irmãos estavam do lado de fora horrorizados.

Me levantei e vi que havia incinerado tudo. Que dia era aquele?Na minha mente uma voz bem conhecida

vibrou: “Um presente para você, minha cara!”- Hera! - gritei e saí correndo em direção ao

Chalé Seis. Camila e Anthony estavam na escadaria e se assustaram quando me viram chegando.

- Onde está o Otávio?- Quê? - Anthony ainda estava me olhando

assustado.- ONDE ESTÁ O OTÁVIO? - eu gritei.

- No mesmo lugar que ele estava ontem: Na enfermaria. - Camila respondeu me encarando.

- Ele não morreu?- Ele tentou quando te protegeu na batalha

contra Gaia, mas falhou graças aos deuses!- Você tem certeza?- O que aconteceu, Ariane?- Nada.Eu nunca corri tanto quanto naquele dia. A

enfermaria estava próxima e eu entrei derrubando remédios e ambrósia no chão. Rendy me encarou com cara feia, Ícaro estava cochilando numa maca e pulou dela assustado.

- Onde está o Otávio? - eu perguntei ofegante.

- Ala Dois, maca da esquerda. - Ícaro respondeu totalmente rouco.

Passei pelas alas vendo marcas de garras, espadas, tiros e outras lacerações.

"Gaia?" eu pensei.Ao fim, cheguei à Ala Dois. Ele estava

sentado, com o tórax totalmente enfaixado o restante do corpo exalava uma fumaça leve. Característica de quem faz uso constante de Néctar.

- Pensei que você não viria.- Eu podia não vir? - era bom vê-lo

respirando.- A regra é clara. - ele me arranca uma

risada.- Sonhei que você tinha morrido. - meu

sorriso vacila ao lembrar.- E vaso ruim quebra?- Não fala assim! Foi uma visão... A pior

delas.

- Thânatos? - a voz dele ficou sombria.- Sim. - eu começo a prestar mais atenção

nos meus tênis do que nele.- Eu tenho um plano.- Contra ele?- Para ele. Vou entregar uma alma.- Você não precisa virar um assassino.- E não vou. - ele olha pra mim e, por um segundo penso ter visto seus olhos ficando cinza como o céu tempestuoso.- Vou confiar em você.- De verdade? - ele questiona baixinho.- Sempre!- Então casa comigo?- O quê? - o pedido veio como um soco no

meu estômago. - Não é hora para brincadeiras!- Eu não estou brincando. Casa comigo?Eu estava com medo. Mas, nós somos

semideuses. O que poderia dar errado?

FIM.

A DÍVIDA

Estava nublado no acampamento. Algo totalmente incomum dentro das barreiras mágicas que mantinham o clima sempre agradável apesar do gelado vento que cortava Long Island. Parecia que até a natureza e as barreiras mágicas sabiam que aquele dia precisava ser sombrio e eu não achava aquilo nada bom.

A única coisa que eu sabia era que seria um dia de respostas, dia de esclarecer tudo. Seria o dia em que eu traria sol pra minha vida constantemente nublada.

Ir até o Chalé de Thânatos era algo incômodo de várias formas. Eu não me lembrava da última vez que tive sonhos normais. Sempre pesadelos, terríveis pesadelos.

Isso começou muito antes de eu descobrir que era um semideus, muito antes de ser reconhecido como filho de Athena. Eu era uma criança como qualquer outra, mas ao dormir, via todos que eu amava morrer pelas mãos de um anjo de asas negras, Thânatos.

Aos poucos eu me retraí. Me fechei por não entender esses pesadelos e as frases que Thânatos dizia pra mim: “Todos a quem você ama vão sofrer e morrer, e a culpa será sua!”, “No dia em que você se tornar realmente feliz eu virei e ceifarei sua alma como ceifaria o trigo no campo.”

Ao chegar ao Acampamento e ser reclamado por Athena descobri que havia ali um filho de Thânatos, Enzo Caramez. Não foi fácil confiar no filho de quem queria ceifar minha alma, mas ele se tornou um amigo. Hoje a minha vida estará em suas mãos novamente.

Era curioso notar que em todos os outros Chalés havia vida de alguma forma. Flores, pássaros, insetos, até alguns ratos que às vezes saiam do Chalé Treze. Mas esse Chalé em questão era evitado por todos: Campistas, animais, monstros. Até as moscas voavam pra longe daquele lugar. E lá estava eu, caminhando em direção a ele.

Eu pedi para que Ariane, Breno e Camila estivessem comigo (sim, eu estava com muito medo), mas por alguma razão eles se atrasaram. Isso me preocupou um pouco.

Enzo estava sentado na varanda do Chalé afiando sua katana quando me avistou chegando.- Pensei que tinha desistido. - ele disse ainda alisando a lâmina com a pedra.

- Eu quis desistir, mas preciso de respostas. Você tem certeza que consegue fazer?

Ele me encara por alguns segundos como se meu medo estivesse materializado ao meu lado e então volta a lamina.

- Eu nunca fiz isso antes, mas já vi alguém fazendo. Isso serve?

- Você tem irmãos? - pergunto subindo as escadas.

- Nem todos querem ser campistas, moço. - ele disse rindo pra mim. - Seus companheiros virão?

- Parece que não. - eu evitei sorrir quando percebi que estava sozinho nessa.

- Então vamos entrar, enquanto ainda está claro.

...

O Chalé de Thânatos parecia uma locação de filme de terror. As portas rangiam, as tábuas do

chão gemiam, as janelas batiam sem vento. Era muito ruim estar ali.

Havia uma cadeira de madeira para que eu me sentasse. Enzo foi até uma bancada e começou a amassar ervas e misturar líquidos. Logo ele veio até mim com um copo nas mãos. O líquido era esbranquiçado como o leite.

- Beba. - ele me entrega o copo. - Isso vai abrir sua mente e te fará esquecer por um tempo dessa vida. Depois do procedimento vou te dar outro copo com as águas de Mnemosine, para que você recorde.

Bebi. E aquilo tinha gosto de notícia ruim. Ao bater no estômago a bebida me arrancou do mundo aos poucos.

Senti as mãos geladas de Enzo tocando minha cabeça por entre os meus cachos.

- Agora vamos iniciar a regressão. - ele diz.- Não gosto desde termo. - reclamo meio

grogue.- Você não precisa gostar. Só precisa fica

quieto. Eu vou me conectar a você, então não posso soltar sua cabeça.

- Certo. - quem era aquele rapaz?- Assim nós vamos nos conectar a morte, e

depois eu posso te mostrar sua antiga vida. Se eu desconectar da forma errada você não será você quando voltarmos. Está pronto?

- Hã?Ele sorriu pra mim como o pai dele fazia

toda noite, mas dessa vez eu não tive medo. Eu não conseguia me lembrar o que era medo.

...

Eu acordei em um lugar lindo. Um campo se estendia até alcançar colinas leves no horizonte. Não tinha nenhuma estrada ou cidade, só o extenso gramado pontuado por árvores aqui e ali. Minha pele bronzeada era aquecida pelo sol quente da manhã e o vento salgado do mar balançava meus cabelos e minha túnica. Eu estava calmo, fechei os olhos e aproveitei toda aquela paz.

- Essa é a sua vida passada mais recente. - eu ouvi Enzo dizer para me tirar de meu torpor. - Preciso te dizer: Nós não controlamos nada aqui. O passado é imutável, então observe o quanto puder.Procurei de onde vinha a voz de Enzo. Atrás de mim ele parecia um fantasma. Seu corpo estava translúcido e esbranquiçado, mas algo me chamava mais atenção do que o fantasma Enzo. Thânatos cruzou o céu em pleno vôo.

Com maestria ímpar ele pousou na minha frente e fechou as asas. Um capuz cobria seu rosto, mas eu podia ver seu sorriso e, dessa vez eu não tive medo. Involuntariamente eu me ajoelhei.

- Meu senhor. - eu disse com a cabeça baixa.

- Há uma missão para você. - a voz grave ressoou pelo campo. - Levante-se!

Eu me pus de pé e entreguei a ele minha adaga, a mesma adaga que eu carregaria na próxima vida. Quando o deus tocou o cabo e a lâmina o ferro estígio brilhou. Ele abençoou a lâmina e me devolveu.

A morte está com você.Um único golpe, um único toque.E a vida ao seu redor vai ceder.

O deus recitou pra mim e meu corpo se encheu de força e poder. Eu era a arma, a lâmina era o canal e Thânatos era a fonte. Era bom sentir todo aquele poder.

- Você já me trouxe nove almas. Eu te exijo a décima. - diz o deus sem me dirigir o olhar.

- Como quiser, meu senhor.- Lembro-me de sua valentia ao lutar contra

o filho de Hefesto e de sua entrega ao me dar a alma do filho da Magia. Este será seu último trabalho em meu nome, mas não será o mais simples deles.

- Aponte meu alvo e o senhor o terá em mãos antes do entardecer. - falei determinado a cumprir meu dever.

- Uma menina vive no próximo vilarejo ao norte daqui. Na antiga vida ela foi uma assassina fria, porém ela se tornou uma calorosa adúltera. Ela pregava aos seus dizendo que os deuses eram uma farsa. - o deus não poupa a carranca de desprezo. - Faz algum tempo desde que essa alma rastejou pelos Campos de Punição e passou pelas Portas da Morte vindo em direção à vida com a benção de Hebe.

- Você a terá de volta para sofrer os horrores que essa alma merece. Justiça será feita por meio de suas mãos. - digo com um sorriso no rosto.

- O que é a Juventude frente à Morte? - ele ensaia uma anedota. - Além de algo que eu sempre tiro dos corpos frágeis e inferiores de vocês?

Nós dois rimos como se aquilo fosse uma piada comum como "por que a galinha atravessou a rua?", mas não era. Algo na minha mente

martelava um dos versos que Thânatos usou pra abençoar a lâmina.

Um único golpe, um único toque.

Algo estava errado com aquela sentença. Era como se eu precisasse rir histericamente dessa frase.

Deuses!Era por que eu nunca desferi apenas um

golpe. Agora isso estava claro em minha mente. Eu sempre fiz questão de agradar a Thânatos com requinte de crueldade.

Em minha mente eu podia ver claramente o corpo do filho de Hefesto no chão de uma praça, barracas estavam viradas por todos os cantos. Aquilo já foi um mercado ou um festival, mas a destruição que fiz no local não me permitia reconhecer o que um dia foi aquilo.

O homem deitado no chão tinha a túnica rasgada na direção do peito e um labirinto de cortes se mostrava em seu peitoral desnudo. Ele ofegava e tentava se afastar de mim com expressão de dor. Eu tentei contar o número de punhaladas que lhe dei, mas perdi a conta depois de vinte e sete. Aquilo era desnecessário, eu tinha certeza.

Nas minhas lembranças Thânatos sempre aparecia após a batalha ou a tortura. Ele sorria de dentro de seu capuz e do meio dos cortes ele arrancava a alma do corpo moribundo e desaparecia.

O filho de Hefesto com o peito dilacerado, o filho da Magia sem as pernas (o que eu fiz?), um homem de Atenas com a traquéia amassada o

suficiente para que ele ofegasse sem morrer até encontrar com Thânatos.

Aquilo era horrível, desumano. Quantos séculos nos Campos de Punição eu merecia por ter feito aquelas coisas nove vezes?

- Está pronto para me servir uma vez mais, mortal? - Thânatos indaga com a voz firme.

- Sempre e sempre, meu deus. - digo com certeza do que estava falando. Isso era estranho.

- Vá. - ele ordenou antes de sumir....

O vilarejo que Thânatos comentou não ficava nem a três quilômetros de onde eu estivera. Era uma vila de camponeses e caçadores com uma pequena fogueira no centro das casas que formavam um U em volta da mesma.

Me dirigi diretamente à fogueira, já sabia que lá eu seria bem recebido pelos cidadãos. Um ancião veio vagarosamente até mim com um leve sorriso no rosto.

- Aquele que se senta em volta da fogueira de Héstia não é só um compatriota, mas um irmão! - ele abre os braços em sinal de amizade, mas ele não receberia o mesmo de mim.

- É bom ter com meus irmãos gregos, ancião! - num impulso perfeito eu saio de meu lugar e fico minha adaga em seu coração e em seguida furo sua barriga e rasgo até a lateral.

Os cidadãos demoraram alguns segundos para entender o que tinha acontecido ali. Assassinato? Vingança? Cobrança de dívida?

- Isso não foi legal. - Enzo em sua forma fantasmagórica me olhava com cara de nojo.

O sangue do ancião ainda escorria pelo chão quando uma flecha foi posta no arco pelo caçador mais próximo de mim.

- Explique-se! - o homem rosnou.Com a adaga negra brilhando e vibrando

em minha mão me pus a falar vagarosamente para que não houvesse dúvidas ao fim.

- Estou aqui em nome de seus deuses. - levantei a adaga ensangüentada. - Thânatos me enviou para buscar uma alma perversa que escapou dos Campos de Punição de forma ilegal.

- Você já obteve sua alma, forasteiro. - o caçador tencionou o arco com firmeza. - O ancião que você acabou de assassinar era meu pai. Estou decidindo se atiro em seu olho ou direto no seu coração.

- Desculpe, caçador. Seu pai não era a alma que Thânatos me exigiu. Ele foi um sacrifício para minha lâmina. - eu ri e desviei da flecha que veio voando em minha direção.

"Burro" eu pensei após correr até ele antes que o caçador colocasse outra flecha no arco. A garganta foi cortada, logo após o crânio foi perfurado. Dois corpos já estavam no chão. Quantos mais até Thânatos ter a alma de volta?

- Alguém entre vocês se relacionou com uma deusa há algum tempo atrás e uma criança foi gerada. Eu sei que ela está aqui. E eu preciso levá-la comigo. - uma porta se fechou em uma das casas. Minha vítima estava ali. - Entregue-se e ninguém mais se machuca aqui.

Mas fui descuidado. Uma flecha foi cravada nas minhas costas na altura do ombro.

Enquanto o sangue escorria pelas costas e a dor se espalhava pelo corpo eu decidi não ter mais piedade.

...

Quem não me atacou sobreviveu. Ainda assim em meus braços ainda escorria sangue alheio. Quando eu acabei com meus oponentes a casa de minha vítima estava bem à frente. Derrubei a porta com um chute e entrei.

- Não nos faça mal, forasteiro. - Um homem ajoelhado no chão segurava um bebê e suplicava pela vida. - Leve o que precisar, mas nos deixe em paz.

- A criança! - até eu me assustei com o aparecimento de Thânatos no recinto. - O homem não me importa.

Lentamente a pele do homem perdeu a cor bronzeada, seus músculos começaram a atrofiar, a vida estava abandonando aquele corpo. Involuntariamente eu corri para impedir que a criança caísse no chão.

A morte está com você.Um único golpe, um único toque.E a vida ao seu redor vai ceder.

Novamente o deus recitou pra mim. A criança se agarrou em minha túnica aos berros. Seus olhos inchados estavam voltados pra mim, ainda assim aquela menininha era bela. Algo dentro de mim dizia que ela merecia viver, e Thânatos percebeu minha hesitação.

- Entregue-me a alma, servo.

Um único golpe, um único toque. - ele ordenou.

- Não é justo, Thânatos.- Como ousa se dirigir assim a mim? -

sombras começaram a encher a casa. - Como ousa me desobedecer? - ele grita.

- Ela merece a vida bem mais do que nós.- Acha que a morte é um debate? - ele grita

novamente. - Acha que pode trocar de lugar com ela? Eu te seguirei pelas eras, mortal.

Um único golpe, um único toque. - eu me lembrei.

- Outro assassino virá em meu nome e sua desobediência será em vão. - o deus ameaçou. - Obedeça e viverá.

As lágrimas já corriam pela minha face quando cheguei à conclusão mais óbvia: Um único golpe, um único toque.

- Ela viverá, mas eu não quero mais ser um escravo seu. - a lâmina da adaga já estava brilhando em poder mortal. Pus a garotinha aos meus pés. Thânatos contratava serviços de mortais por não ter poder de tocar em nada vivo. Ele não faria mal à menininha sem um intermediário, e eu sabia que seus patrícios cuidariam bem dela. - É o fim de nosso contrato, Thânatos.

- Você não terá paz! - Ele grita, mas já era tarde demais pra mim.

Um único golpe, um único toque....

Quando dei por mim eu estava na frente de três homens. Três reis estavam me olhando com

expressão séria, eu me ajoelhei e encostei o rosto no chão negro.

Radamanthys, Minos e Aiacos. Eu já tinha ouvido falar deles. Eu já estava no Hades.

- Apesar de ser um assassino, viveu com honra. - Radamanthys disse com firmeza.

- Apesar de dar cabo à própria vida, morreu em lugar de outra pessoa. - Aiacos ponderou.

- Apesar de trair a Thânatos, serviu por toda a vida o desígnio dos deuses. - Minos findou o julgamento.

- Justo. - os três disseram em uníssono. - Os Elíseos o esperam.

Eu sorri com o rosto no chão até sentir um toque gelado nas costas.

- Traidor! - acusou Thânatos. - Os Campos de Punição é o que ele merece. Merece ser castigado diretamente por mim!

- Quem é juiz aqui, deus? - Aiacos questiona.

- E a quem foi dada a autoridade sobre as almas? - Minos complementa.

- Ele jurou fidelidade. E ele descumpriu um juramento. Justo? É o que dizem?

- Não nos teste em nossos domínios, deus da morte. - Radamanthys advertiu a Thânatos.

- Contra os juízes e sua injustiça nada posso fazer. - ele ensaia uma reverência sarcástica. - Mas a alma desse traidor...

“No dia mais feliz rastejando chegaráÀ tristeza infinita fadado será

Uma alma por outra, esse é o preçoOu pelas mãos da Morte cairá”

Ao terminar de recitar ele me marcou com seu toque: Olhos, cabelos escuros e uma marca no peito. A cicatriz se fez onde a adaga havia entrado.

Um único golpe, um único toque....

Eu me levantei quando Thânatos findou sua maldição e olhei para os juízes. Lágrimas estavam presas em meus olhos fantasmagóricos.

- Você não sabe, alma. Mas é a segunda vez que você se encontra diante de nós e é julgado como justo. - Minos olha diretamente pra mim pela primeira vez. Seus olhos eram pura escuridão e frio. - Você pode seguir aos Elíseos, ou retornar a Terra e viver uma última vez entre os seus. A escolha é sua.

Eu tinha uma nova chance. Uma nova oportunidade pra ter tudo o que não tive: Amigos, família, uma vida, quem sabe...

- Eu escolho renascer. - digo aos juízes. - Quero uma chance de viver melhor.Os juízes se prostraram em sinal de

respeito.- Assim será.

...

- Acabou o passeio. - Enzo estava na parede do canto observando tudo. - Hora de voltar!

Aos poucos eu voltei a me sentir mais como eu deveria ser: Um semideus. O copo com o líquido negro estava pesando entre minhas mãos quando eu consegui ouvir uma voz ao longe.

- Por que ele não voltou ainda? - uma menina indagava com preocupação a voz.

- Ele ainda vai demorar. - Enzo tentou se justificar. - Eu não fiz nada de errado! Desconectei da forma correta, mas as águas de Mnemosine podem demorar pra fazer efeito!

- Se ele não voltar eu mesma vou te mandar pra onde ele está! - a mesma voz ameaçou o filho de Thânatos.

- Você fica uma gracinha quando protege seu namoradinho. - ouço Enzo zombar.

- Ele não é meu namoradinho, seu filho da...

- Não ainda. - Breno interrompe a tempo. - Quanto tempo ainda vai demorar, Enzo?

- Pouco, eu garanto.Eu precisava abrir meus olhos. Quem

estava ali comigo?Abaixei minha cabeça e me esforcei. Com

os olhos entreabertos vi três pares de pernas, e um desses pares eu conhecia muito bem.

- Ária... - eu consegui murmurar já fechando os olhos novamente.

- Graças aos deuses! - ela levantou minha cabeça a tempo de ver um sorriso bobo desaparecendo do meu rosto. - Como você está se sentindo?

- Mal. Me sinto muito mal mesmo. - meu sorriso bobo dá lugar a uma carranca triste. - Eu fiz coisas horríveis.

- Aquele não era você, maninho. - Camila finalmente fala comigo. - Tudo aquilo já passou. Não é sua culpa.

- Ainda assim. - uma lágrima se forma em meus olhos. - Se não é minha culpa, por que eu vou ter que pagar?

- Você não tem que pagar. - Enzo se pronuncia. - Nos vamos dar um jeito.

- Um jeito no deus maluco da morte? - Breno parecia preocupado com o jeito que Enzo gostaria de dar.

- Não chame o meu pai de louco dentro do meu Chalé, por favor. - Enzo pede com veemência. - Otávio, se você beber as lembranças e sentimentos da vida passada se tornarão permanentes. Caso você não beba, tudo isso irá ser esquecido.

- Lembra que você não precisa fazer isso, Magma. - era bom ouvir tanto carinho na voz da minha amiga.

- Mas eu quero, Ária. - levo o copo até a boca. Bebo e meus olhos se abrem por completo.

...

Segundo o que me falaram, assim que terminei de ingerir o líquido negro dor e culpa me atingiram. Eu não me lembrava bem o que era dessa ou da outra vida. As lembranças se fundiam em minha mente.

Mas de uma coisa eu me lembrava bem: Eu sentado na velha cadeira em que estive durante a regressão com a cabeça encostada ao busto de Ariane. Eu chorava sentindo a culpa por tantos assassinatos. Sentindo a dor por tanto mal causado a gente inocente.

Ela segurava meu rosto e acariciava meus cachos me dizendo que não era minha culpa, que lutaríamos até o final em nome da justiça.

- Eu quero que você preste total atenção no que eu vou te dizer. - ela me disse segurando firme meu rosto e me obrigando a olhá-la nos olhos. - Eu não vou deixar Thânatos te fazer mal!

Eu não podia duvidar de uma semideusa como aquela sem por em risco minha vida e minha integridade física. Então eu acreditei.

FIM

SOLUÇÃOMesmo naquela situação, o Jardim de Baco

era imensamente belo. Situado no AcampamentoJúpiter, tinha fontes, esculturas do deus, de faunos dançando alegremente além de algumas parreiras com seus frutos escuros sobressaltando o verde das folhas. Mas nem toda essa beleza parecia alegrar o dia.

Estava nublado, o céu parecia uma tigela virada de boca pra baixo e vez ou outra um trovão ribombava entre as nuvens escuras.

Vários semideuses vieram prestar as últimas homenagens. Anthony se recusou a aparecer porque não queria lembrar-se do amigo naquela forma decrépita, Ícaro estava ajoelhado ao lado do caixão e chorava resmungando algo como "Desculpe. Deveria ter sido eu.", Camila me esperava ao lado de Ícaro.

- Por favor, não desmorone aqui. - ela me pediu tentando manter a compostura enquanto chorava. - Eu entendo o motivo de você ter destruído uma parte do nosso acampamento, mas não acredito que os romanos irão considerar um vulcão em erupção no meio do lar deles uma boa idéia.

Ela tinha razão. Precisava controlar minhas emoções.

- Desculpe por aquilo. - pedi. - E sua mãe?Camila apontou para um dos cantos do

Jardim. Um homem de longos cabelos negros acalentava uma mulher enquanto ela chorava. Zeus e Athena, eu reconheci. Estavam em suas formas gregas.

- Nunca pensei que viveria pra ver Athena chorar. - revelei.

- E eu pensava que você estaria chorando mais. - Camila falou antes mesmo que eu me desse conta.

Ela estava certa novamente. Era um enterro. O enterro dele!

Me aproximei do caixão e puxei a mortalha para revelar o rosto. A face de Otávio estava esbranquiçada e seus lábios estavam completamente azuis. Excalibur estava sobre o peito dele, a aliança dourada que continha Aégis estava em meu dedo anelar esquerdo. Mas havia algo de errado ali.

Enzo tinha a cabeça ente às mãos. Sua katana estava ficada no solo macio de onde saia uma parreira. A aura do filho de Thânatos estava fazendo a pobre planta secar ao ponto das folhas estarem virando pó. Mas aquilo não estava certo!

Caminhei até o caixão e observei melhor o rosto de Otávio. Ele parecia morto, mas eu sabia que não estava. Percorri a palma da mão sobre o peito dele e encontrei a marca de core de Excalibur. Uma lágrima correu o meu rosto quando Athena veio até o caixão e começou a falar.

- Esse é o fim dele se vocês não conseguirem. - a deusa falou baixo o suficiente pra eu ouvir.

- Se a gente não conseguir o que? - indaguei a Deusa da Sabedoria.

- A alma, sobrinha tola! - não havia raiva ou rancor em sua voz, mas urgência. - Ele vai continuar sendo feliz ao seu lado, até a Morte vir buscá-lo.

- A única opção é ele se tornar um assassino? - rebati perdendo a noção de com quem eu estava falando.

- Siga o plano dele. Acredite nele e talvez todos vocês tenham chances.

- Explica melhor! Você está falando coisas sem sentido!

Quatro crianças irão recuperar a almaO traidor, a amada, a bruxa e o malditoUm ficará, outro perderá o que não tinhaUm terá a vida e outro o fim.

Os olhos da deusa estavam cravados em mim e isso era assustador. Talvez tivesse sido esse o motivo de eu não notar o corpo de Otávio se levantar e me olhar com os olhos castanhos sem vida.

- ACORDA!...

Otávio estava em cima de mim, no meu beliche no Chalé Nove. Aquilo no corpo dele era uma roupa antichamas?

-ACORDA! - ele me sacudiu de novo. Olhei pra mim e eu estava em chamas de novo. Droga!

- Acordei! - Eu tentei levantar, MS o peso dele sobre mim era grande com aquele traje especial. - Acordei! - eu gritei de novo.

...

De novo eu incendiei o chalé que não era pra pega fogo em hipótese alguma! Otávio estava tirando o traje enquanto meus irmãos o agradeciam

e dirigiam olhares enviesados em minha direção. Era a quina vez em menos de um mês!

- Qual era da roupa ridícula? Eu falei antes de beijar meu noivo.

- Antes que você perceba vai parecer um traje antichamas no estilo super-herói!

- Você já é um super-herói sem aquilo! E você sabe que minhas chamas não te machucam!

Ele me dirigiu um olhar incrédulo. Certo, já tinha queimado as costas dele umas três vezes em duelos. Mas foram acidentes!

- Antes de você me bajular mais com esse truque do fogo frio, qual pesadelo te faz explodir dessa vez?

- Seu velório de novo. - eu disse sem coragem de olhá-lo nos olhos. Era complicado sonhar com a morte e o velório de alguém que se ama. Só nós dois tínhamos noção do peso que isso era.

- A mesma profecia? - ele pega em minha mão e me leva pra longe dos chalés. Ele queria privacidade para pensar numa missão ilegal.

- Sim. Mesma profecia. - eu disse me escorando numa das arvores do bosque. - Você vai precisar escolher quem vai levar para salvar a sua vida. São apenas três escolhas!

- Duas! - ele rebate. - Se você não for, eu não vou.

- Sabe que Thânatos tem mais facilidade de nos pegar juntos do que separados, não é? - eu disse reparando que ele ficava muito ais bonito com Excalibur por perto.

-Mas como vou te proteger se estivermos distantes? - ele levanta meu rosto e me força a olhá-lo nos olhos. - Vamos nos proteger. E eu já tenho os nomes para essa missão!

...

Estávamos sozinhos, o que era praticamente um milagre, próximos ao Chalé Vinte. Os filhos da magia eram reclusos.

Helena nos viu de dentro de seu chalé e saiu discretamente. Logo após veio Enzo.

- Nós quatro, Sábio? - o folho de Thânatos fez questão de zombar. - Quero deixar claro que não me sinto bem em trair meu pai!

- Você só precisa estar bem para salvar nosso amigo! - Helena rebateu junto a uma cotovelada nas costelas do semideus.

Após uma reclamação exagerada de Enzo eu não me contive.

- E por que nós três, Magma? Essa missão é vital pra você! Por que não semideuses mais experientes?

- Por que os mais experientes não topariam sair na calada da noite e por suas vidas em risco em nome de um único semideus! - Otávio respondeu mais rápido do que eu imaginei.

- E nós topamos com isso? - Enzo tentou fazer voz de surpreso.

- Sim, toparam!As escolhas são praticamente óbvias! O

Enzo sentiu a morte de um semideus poderoso fora do acampamento. Certo?

- Certo. - ele tinha um sorriso no rosto pelo feito. - Eu consigo levar a gente pelas sombras até lá, mas meu pai deve estar nos aguardando. Se Athena se manifestou, ele também irá!

- Mas a Lena pode criar barreiras mágicas pra gente, não é?

- Posso, Magma. - ela disse com sua voz doce. - Mas não posso proteger de um deus!

- E é por isso que teremos a Ária! Ela pode nos proteger melhor do que qualquer um!

Eu não queria dar o braço a torcer, mas o plano tinha fundamentos. Eu não podia parar o deus da morte, as poderia ganhar tempo para Otávio.

- E como você pretende enganar a Thânatos, sabichão?

- Eu estava esperando por isso! - Enzo tinha um sorriso quase macabro nos lábios. - Mostra pra ela!

O instrumento era oval, negro como a noite e lembrava demais um pokébola!

- O receptáculo vai capturar a alma antes que Thânatos chegue. É só entregar a ele que a dívida termina.

- E o que a gente faz se ele tentar matar a gente? - Helena tinha uma pontada de medo na voz. - Vocês sabem o quanto deuses são instáveis!

- Trago todos de volta! - Enzo garantiu. - Pelas sombras é muito mais seguro!

- Nós nos vemos aqui de noite. Tragam suprimentos, armas e armaduras. Descansem. Queremos uma saída rápida!

Todos concordaram e saíram cada um para um lado. Era só ir a um lugar estranho, capturar uma alma de um semideus poderoso, fugir de Thânatos e esperar que ele perdoasse uma divida de milhares de anos.

O que podia dar errado?...

Nos encontramos novamente no Chalé Vinte quando todos foram dormir. As harpias já tinham feito a ronda naquela área.

Sem cerimônia o Filho de Thânatos pegou a mão de Helena e a de Otávio. Eu noivo pegou minha mão e eu segurei forte na mão de Helena.

- A sensação de queda dura pouco, gene. A viagem deve durar entre dois a três minutos. Alguém comeu antes de vir pra cá?

Lena me olhou tristonha antes da escuridão nos cercar e o mundo desabou.

...

Lena ainda estava vomitando quase meia hora depois. Sobrou pra mim a missão de ajudar a pobre a se recompor.

Estávamos a 600 metros da casa que Enzo havia mostrado. Uma corrida nos separava de um problema velho demais pra jovens como nós. Otávio estava ajoelhado próximo a um arbusto analisando o receptáculo.

- Tem certeza de que é ela? - eu o ouvi comentando baixo com Enzo. O Filho de Thânatos confirmou acenando com a cabeça. Eles estavam escondendo algo de mim e eu odiava aquilo!

Lena já estava recuperando a cor quando nos juntamos aos meninos e começamos a caminhar em direção a casa. Enzo deu garantias de que o semideus estava próximo demais da morte para atacar a gente. Era a pior missão da minha vida. Alguém ia ficar pra trás e eu não estava pronta pra perder meus amigos.

- Vamos? - eu chamei. Logo vai amanhecer e os mortais vão começar a sair pras suas rotinas.

- Vamos! - Otávio estava taciturno. - Tomem cuidado!

Ele foi o primeiro disparar pela rua de paralelepípedos. Enzo o acompanhou voando. Eu

preferi caminhar com Helena. Não tinha ninguém acordado àquela hora pra se esconder daquela forma!

...

A casa estava parecendo um mausoléu. Velha, suja por fora, os vidros estavam escuros, a calçada era puro lodo. Entramos na casa pela porta dos fundos e vimos que dentro da casa a situação era pior!

Caminhamos em silencio e eu só conseguia me perguntar por que um semideus poderoso moraria ali.

As escadas rangeram quando pisamos sobre as tábuas. Todo o chão estalava com a pressão de nossos pesos. Foi aí que encontramos o semideus poderoso: uma senhora frágil deitada na cama.

...

-É ela? - Otávio perguntou incrédulo.- É ela! - Enzo comprovou.- Quem é ela? - Helena perguntou intrigada.- A bebê da regressão do Magma. - Enzo

parecia estar olhando para uma jóia rara.- Vocês estão brincando, né? - Eu falei sem

notar que havia usado muito som.- Sou uma filha de Hebe, querida! - disse a

senhora sem se dar ao trabalho de abrir os olhos. - Eu quase temi que vocês não viessem a tempo!

Todos deram um passo pra trás, menos Otávio. Ele não desviava o olhar da suposta filha de Hebe.

- Você ainda se lembra de mim, guerreiro? - ele se dirigiu ao Otávio.

- Eu... Eu lembro! Não pode ser você! - o Filho da Sabedoria balbuciou.

- Assim como eu não posso me lembrar de Thânatos arrancando a vida de meu pai enquanto eu ainda estava em seu colo? A Juventude raramente se esquece! Eu sei que tem algo pra mim, jovem. Me dê!

- Não tem medo dos campos de punição? Da fúria dos deuses?

- Já vi coisas demais nesses milhões de anos. Os campos de punição seriam uma novidade para mim. Além de que eu já vivi de mais.

Estou pronta para partir!Enquanto Otávio encarava a velha e

ponderava, Helena começou a rezar baixinho em grego antigo. O canto dela encheu o quarto de energia verde escura. As pequenas partículas de poeira que dançavam no ar espesso deram lugar à runas, letras do alfabeto grego, imagens finas de símbolos de poder.

Otávio tinha em suas mãos o receptáculo. Ele ia entregar o objeto à velha, mas as sombras do quarto se solidificaram próximas a cama. Thânatos estava ali!

...

- Sophia nunca foi um bom nome pra você, semideusa! - o deus disse baixinho, sem notar a presença dos outros.

- Que está havendo? - eu tinha um martelo de guerra materializado nas mãos.

- Nos tornei imperceptíveis. - Helena disse com suor escorrendo do rosto. - Mas vai durar pouco. Seja lá o que for fazer, Otávio, faça rápido!

As pequenas luzes estavam cintilando ao nosso redor como se estivéssemos no centro de uma árvore de natal.

Thânatos ainda discursava para a velha - Sophia, como ele chamou. Falava sobre a fuga dela pelas Portas da Morte, sobre os erros na vida que ela levou. Sophia permanecia calada. Mas com palma da mão discretamente aberta na direção de Otávio. A velha nada falou. Nem se quer abriu os olhos.

- Eu esperei eons por esse momento, e agora você vai perecer como um fruto murcho e esquecido pelo Olimpo!

Otávio segurou firme o receptáculo e aproximou a sua mão da de Sophia.

- Quem está aqui, Sophia? - Thânatos olhava em nossa direção, como se não nos visse, mas ele estava sentindo algo. - Sinto o cheiro putre de Hécate no recinto!

Helena não parava de suar frio. As sombras da noite estavam se solidificando. Pouco a pouco se tornando roedores maquiavélicos. Os animais de escuridão passavam a nossa volta, mas não adentravam o círculo de proteção. Fomos descobertos!

...

Ninguém conseguiu ver bem de onde a agulha veio, mas percebemos o momento que uma lâmina fina e escura passou pelas costas de Helena e saiu manchando seu moletom cinza com vermelho. O cheiro de ferro impregnou o ar quando a lâmina escura se desfez e a Filha da Magia caiu ajoelhada.

Outra lâmina veio em direção a mim, mas Aégis se ativou antes que a ponta negra atingisse

meu peitoral. Enzo tinha assumido uma forma estranha e negra, como as lâminas. Sua pele brilhava num tom escuro enquanto ele apertava o ferimento de Helena. Thânatos ficou de pé para observar a cena caótica.

- Veio se entregar, Otávio? - zombou o deus. - E me trouxe sacrifícios vivos?

- Por que ela? - Enzo começou a sussurrar. - Por que não eu?

-Por que você vai aprender a não mais me trair, criança! - vociferou o deus para seu próprio filho. - E você já sabe. A menina me pertence!

Enzo estremeceu, mas não tirou as mãos do ferimento de Helena. Aquilo estava fora de controle!

- Thânatos! - eu chamei a atenção dele. - O Otávio quer fazer uma troca. Uma alma por outra, certo?

- Mais do que certo, Ariane! Mas Sophia já me pertence.

Ela ainda não morreu. - rebati. Otávio entendeu que eu estava ganhando tempo.

- Mas os moribundos me pertencem, garota! - o deus caminhou em minha direção, mas eu dei três passos para trás.

- Não discuta comigo! Estamos adiando o inevitável! Todos vocês morrerão um dia e não devem sofrer por essa tragédia anunciada.

O deus havia caído no truque. Ele se afastou da cama e criou um corredor para que Otávio passasse. Já a beira da cama o Filho da Sabedoria entregou o receptáculo à Sophia. Havia um único botão na superfície lisa do objeto. Sophia sentiu o objeto em suas mãos e acionou o dispositivo.

...

Thânatos olhou pra trás assustado ao ouvir o click que o receptáculo fez ao se abrir. A cena era quase indizível.

O dispositivo realmente funcionava como uma pokébola! Thânatos ensaiou uma corrida para impedir, mas, dessa vez, o meu martelo foi mais eficiente. O deus caiu desacordado com Icor escorrendo da cabeça num canto do quarto escuro.

Sophia estava, lentamente, se transformando em energia branca. Iniciando pelo peito, descendo ao ventre, passando pelos membros. Pouco antes de se tornar uma massa pálida de energia ela abriu os olhos e viu Enzo abraçado a Helena. Ele chorava em pesar.

Sophia estendeu a mão em direção ao corpo já morto da Filha da Magia. Helena suspirou, sua cor retornou e a ferida se fechou lentamente.

- Um presente por ter me liberto, Guerreiro. - Sophia disse antes de ser sugada para dentro do receptáculo. O objeto oval rolou para o meio da cama fumegando. Otávio desabou ao lado da cama. Enzo e Helena choravam abraçados, coube a mim a missão de acorrentar o Anjo de Asas Negras.

No cinto de utilidades estavam os elos de uma corrente compacta feita por meus irmãos. Ela seria ideal!

...

- Eu odeio ser acorrentado! - Thânatos disse com os olhos ainda fechados. O Icor já estava seco no rosto do deus e o sol já havia nascido. - Pretendo punir a vocês quando eu sair daqui.

Mas já sabíamos que ele não poderia Said Dalí sem ajuda de alguém ou se a gente não liberasse. Demoraria alguns dias até alguém perceber que a Morte estava inativa. A gente pretendia voltar pro Acampamento muito antes disso.

- Você sabe que não vai a lugar nenhum sem que a gente te solte dessas correntes. - Helena falou com a determinação de quem tinha voltado dos motos. - Vamos barganhar?

- Você é abusada, Filha da Magia!- E você tentou me levar antes da minha

hora! - Helena tentou andar até o deus, mas Enzo a segurou pelos ombros. - Quem está mais errado na sala?

Thânatos percorreu o olhar pelo quarto e parou em Otávio.

- Certamente ele! - acusou o deus apontando com o queixo. - Há uma vida atrás ele não aprendeu que não se deve mexer com os deuses!

- E há uma vida atrás você não tentava matar pessoas de forma arbitrária! - eu já estava com vontade de dar outra martelada naquele Anjo de Asas Negras.

- Eu sou a Morte! Eu sou arbitrário!- Mas agora você vai negociar conosco,

Thânatos! - Otavio disse saindo de perto da cama com o receptáculo frio em suas mãos. - Está pronto?

- E o que t faz pensar que vou aceitar alguma exigência vinda de vocês, mortais?

- Por que, pai, você está acorrentado, longe de sua arma, em cativeiro e sem aliados até segunda ordem. - Enzo tinha uma determinação ctônica no olhar - A nossa ordem!

- A alma que quita a nossa dívida está nesse dispositivo. Em troca minha liberdade eu te entregarei o receptáculo. E em trocada sua liberdade você vai ter que nos deixar em paz até o real dia da nossa morte. - foi Otávio quem explicou os termos da barganha.

- E como vou ter certeza de que não é uma armadilha esse maldito receptáculo?

- Vamos todos jurar pelo Estige e depois vamos fingir eu essa reunião nunca existiu. - eu disse alisando o cabo do meu martelo de guerra apoiado no chão.

- Encoste essa aberração de bronze celestial em mim novamente e eu juro que te dou a morte que Cronos jamais teve, Mortal! - Thânatos bradou mostrando que a ameaça tinha feito seu efeito.

- Está de acordo, deus? - Helena estava com aquelas luzes brilhando sob sua pele. Era como se tivessem pisca-piscas enrolados nos braços e pescoço. As luzes passavam por seu rosto e sumiam em seus cabelos castanhos.

- Eu tenho opção? - Thânatos não parecia convencido, mas resignado.

- Tem uma contraproposta, deus? - Otávio, pra variar, aplicava a justiça de um filho de Athena.

Thânatos pensou por alguns segundos, até ensaiou uma ou duas sentenças, mas desistiu.

- Nada além de matar vocês me ocorre, mas isso me deixaria preso até que alguém notasse a minha ausência, o que seria terrivelmente vergonhoso. Então eu aceito as propostas, desde que dentro do receptáculo esteja a alma de Sophia, que não haja mais armadilhas para mim, Filha da Magia, e que todos juremos pelo Estige para que esse assunto morra aqui!

Todos concordamos. Estávamos ali pela paz de Otávio, e parecia que havia um acordo ali. Thânatos se pôs de pé rápido demais. Otávio pulou e sacou sua adaga, Helena começou a brilhar três vezes mais. Enzo ficou negro como a betume e expôs suas asas e eu ergui meu martelo por precaução.

- Deuses juram de pé, seus bastardos medrosos! - Thânatos xingou pela nossa reação. - Não sei como vocês salvaram o Olimpo duas vezes!

- Foi sorte! - dissemos antes de jurar e acabar com aquela palhaçada.

...

- Se esse dispositivo explodir em novas correntes ou algo pior eu juro que não vai sobrar alma para os Juízes do Hades mandarem aos campos de punição! - rosnou o deus recém liberto com o receptáculo em mãos.

- Já juramos, pai. - Enzo atestou.- De que vale o juramento de um mortal?

Vocês são conhecidos por descumprirem promessas!

- Não seremos mais depois de hoje. - Garantiu Helena.

- Ande logo, Thânatos! Ainda precisamos voltar ao Acampamento com uma boa desculpa. - Lembrou muito bem o Filho da Sabedoria.

Ele, hesitante, apertou o botão e uma forma pálida e em tamanho real de Sophia apareceu em nossa frente. Ela acenou antes de Thânatos apertar o botão novamente e recolher a alma.

- Alma entregue, dívida eterna paga, semideus. - Thânatos declara antes de eu abraçar

forte o meu noivo. - Posso ter minha arma de volta?

- É claro que sim. - Otávio foi ao corredor e voltou com a lança negra da Morte, mas ela possuía uma terrível modificação.

- O que significa isso na ponta da minha lança? - o deus pergunta em tom de nojo.

- É um convite, tapado! - eu digo reconhecendo a letra dourada com Icor dizendo a data, horário e endereço de meu casamento.

- Vocês nunca aprendem? - ele diz guardando o convite na túnica negra como o céu da Noite (a sua mãe).

O deus nos lançou um último olhar. Dois casais abraçados, três amigos salvando a vida de quem amamos, um semideus em plenitude de poder. E foi esse mesmo semideus quem falou antes do deus se fundir às sombras do quarto mal iluminado.

- Somos semideuses. O que pode dar errado?

FIM

FIM?

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Otávio Magno, conselheiro do Chalé de Athena