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CAMINHO DE SANTIAGO E Cultura Medieval Galaico - Portuguesa AI ostra Bibliográjica

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CAMINHO DE SANTIAGO E

C u l t u r a Medieval Galaico - Por tuguesa

AI ostra Bibliográjica

CAMINHO DE SANTIAGO E

CULTURA MEDIEVAL GALAICO - PORTUGUESA

Estátua do Apóstolo São Tiago no "parteluz" do "Pórtico de la Gloria", Obra imortal do mestre Mateo (séc. X I ) .

M I N I S T É R I O DA E D U C A Ç Ã O E C U L T U R A

CAMINHO DE SANTIAGO E

CULTURA MEDIEVAL GALA ICO-PORTUGUESA

M o s t r a B i b l i o g r á f i c a

Organizada pelo Cónego Dr. Emilio Silva, sob o patrocínio da Embaixada da Espanha e do Imtituto Brasileiro de Cultura Hispânica.

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B I B L I O T E C A N A C I O N A L

D I V I S Ã O D E P U B L I C A Ç Ã O E D I V U L G A Ç Ã O RIO DE JANEIRO — 1966

Exposição realizada em colaboração

com a Seção de Exposições da Divisão

de Publicações e Divulgação da Biblio-

teca Nacional .

APRESENTAÇÃO

A Biblioteca Nacional prossegue, com esta exposição «Ca-minho d\e Santiago e Cultura Medieval Galaico-Portuguêsa», o trabalho de divulgação erudita já responsável por uma compreen-são popular de setores especializados da cultura. Trata-se de exposição bibliográfica que, através dos títulos, ergue o levanta-mento de uma das bases de nossa formação lingüística e literária, O Cónego Dr. Emílio Silva, que sugeriu e colaborou, — respon-dendo assim pelo êxito dia exposição —, esclarece em sua introdu-ção da significação e da importância do material que se mostra. E, à sombra dêsse material, reaparece a identificação de uma cul-tura comum que corresponde a» encontro, nas raízes, de espa-nhóis, portugueses e brasileiros.

A D O N I A S F I L H O

Diretor da Biblioteca Nacional

O C A M I N H O D E S A N T I A G O

A ond'irá aquel romeiro, meu romeiro adond'irá? Camino de Compostela , non sei s'ali chegará .

O s pes leva cheos de sangre, e non pode mais andar . Mal pocado! Pobre vello. non sei s a l i chegará !

(Romance galego) .

« L a postrera de las tierras hacia donde el sol se pone»; a que projeta, como ponta de lança, sôbre o oceano ignoto e tenebroso o cabo Finis terrae; a que encima, pelo lado setentrional, o nobre país lusitano, é a região g a l e g a .

Galícia, formosa e sempre verde, banhada por dois mares e esmaltada de suaves montanhas, vales frondentes e rios sinuosos que a fazem meiga como sua fala e como o caráter dos seus habi-tantes, tem em seu centro geográf ico uma cidade santa, a tercei-ra dêste universal apelativo, que, com Jerusalém e Roma, forma desde a Idade Media o triságio de lugares de indulgência e de peregrinação: Sant iago de Compostela, que do santo Apóstolo, cujas relíquias conserva, recebeu seu nome. N o ano 814, desco-briu-se, em Compostela , o sepulcro do filho de Zebedeu. A no-tícia, autorizada comi declaração oficial do Papa reinante, correu célere pela E u r o p a . De todos os quadrantes da Cristandade, no-bres e plebeus, bispos, monges e sacerdotes, reis e santos acudi-ram a Sant i ago . N a pele da Europa, como vincos de unha em superfície branda, vão desenhando-se os Caminhos de Santiago. «Depoi s do Sacrário — dizia Pio X I I — depois de Roma, não há, talvez, lugar ao qual tenha acorrido, no decurso dos séculos, tão

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grande número de peregrinos, como à capital de Galícia, Santia-go de Compostela, onde repousam as relíquias do Apóstolo T i a g o o M a i o r . »

Ês te acontecimento, que pôs em comunicação os povos mais distantes e diferentes da Europa, provocou um surto de cultura extraordinário. A Galícia, que já nos séculos I V e V alcançara nível intelectual invejável, recebeu nôvo e vigoroso impulso que lhe fêz, no dizer de Fidel Fita, « M a d r e fecunda de la cultura espanola en la alta E d a d Media» , e cuja principal manifestação foi o rápido desenvolvimento e perfeição alcançados pela sua língua, que se tornou logo maravilhoso instrumento lírico para os poetas de tôdas as regiões da E spanha .

«Oh tierra de la fabla antigua, hija de Roma, que tiene campesinos arrullos de p a l o m a . . . ! »

diria mais tarde o maior romancista da Galícia, D . Ramón dei Val le Inclán.

N o caso, é êste o ponto que mais interêsse oferece a todos os que falam a língua portuguesa e a razão, também, por que aos elementos do Caminho de Santiago juntamos na Exposição os da Cultura Medieval Galaico-Portuguêsa. Com efeito, é na Galícia e em relação estreita com as peregrinações jacobéias, que nasce e se desenvolve êsse instrumento de comunicação, que é a língua galaico-portuguêsa.

Afonso X , o Rei Sábio, nasce em Toledo, e em castelhano escreve suas grandes obras, dando quase forma definitiva a essa l íngua. É em galego, porém, que escreve seu grande Cancionei-ro, Cantigas de Santa Maria. Como êle, por sua vez, o rei Dom Diniz de Portugal e outros muitos poetas de ambas a s margens do rio Minho, que fazem da lírica galega a mais rica de tôdas as li-teraturas românicas medievais.

A o estudo dessa lírica e dos Cancioneiros consagrará M e -néndez Pelayo algumas de suas páginas mais belas de crítica lite-rária, na Historia de la poesia Castellana, en la Edad Media ( M a -drid, V . Suárez, 1911, p. 219-321) , glosando a célebre passagem do Marquês de Santillana, em sua Carta Ó Prohemio al Condes-

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table de Portugal: « E después fallaron esta arte que mayor se llama e el arte comun, creo, en los reynos de Galícia e Portugal, donde non es el dubdar que el exercício destas sciencias mas que en ningunas otras regiones e províncias de E s p a n a se acostumbró; en tanto grado, que non ha mucho tiempo qualesquier decidores e trovadores destas partes, agora fuesen Castellanos, andaluces o de la Extremadura todas sus obras componian en lengua gallega e portuguesa.»

A partir do século X V I I entra em franco declínio o movi-mento jacobeu para recuperar-se em nossos dias, em que os cami-nhos que levam à terceira cidade santa do orbe são novamente freqüentados desde as regiões mais longínquas do Ocidente .

Como êste movimento reveste o caráter religioso que outrora lhe deu origem, vamos relatar os fatos que dentro do mundo ca-tólico justificam o apelativo de « santa» outorgado à velha capital da Galicia, Sant iago de Composte la .

T r ê s são, no mundo, as cidades que ostentam o título de santas : Jerusalém, Roma e Sant i ago . Jerusalém, «elegeu-a Javé para que nela estivesse seu nome» (2 P a r . V I , 6) . E , embora de eleita se haja convertido em deicida, levando à morte de cruz o Filho de Deus, nosso divino Redentor, salvou o apelativo de santa pelo simbolismo que dela tirou S . João para representar o céu: « E vi a cidade santa, a nova Jerusalém, que descia do céu. do lado de Deus , ataviada como uma esposa que se engalana para seu esposo» ( A p . X X I , 2 ) . E S . Paulo, por sua vez, fala-nos da «Jerusalémi celeste» ( H e b r . X I I , 2 2 ) . Além disto, para nós os cristãos, aquêle mesmo lugar onde o judaísmo rebelde pediu a morte de seu Rei e onde executou-a, é por isto mesmo, já que Cristo ali morreu para nos salvar, lugar santíssimo e de eterna veneração, fato que nos explica o fervor das Cruzadas e a s pere-grinações de todos os tempos àqueles santos lugares, onde se en-contram o sepulcro de Jesus Cristo e a s pegadas do Sa lvador .

Roma, a cidade eterna — prima inter urbes —, foi santifi-cada pela presença e pela pregação dos Apóstolos Pedro e Paulo. A Romia dos Césares , « C a b e ç a do orbe, como lhe chamava Tito Lívio ( H i s t . I, 16) , converte-se na Roma dos P a p a s . Se, nos

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séculos do paganismo, foi seu destino a regência política dos povos — Tu regere império populos, romane, memento ( V i r . , Aeneis, VI , 852') — nos séculos cristãos terá ela a regência es-piritual de todo o mundo. Sede do Sumo Pontificado, é ela também g u a r d a do túmulo de S . Pedro .

A terceira cidade santa da trilogia é Sant iago de Composte-la, meta espiritual da Europa medieval nascente e guardiã do sepulcro e das relíquias do Apóstolo S . T i a g o o Maior . Ne-nhuma outra nação teve privilégio comparável ao de « H i s p a n i a » : o próprio Apóstolo que a evangelizou quis que nela repousassem suas relíquias, e, o que mais é, numerosas vêzes no decurso da sua história quis intervir pessoalmente para ajudá-la a defender a fé contra inimigos seculares. Razão temos, pois, para chamar santa à cidade que o mesmo Apóstolo escolheu para seu glorioso túmulo. M a s é que, além disto, o povo fiel, não só da Espanha, senão de tôda a Cristandade, ouviu o imperioso apêlo da fé e da penitência, e, durante séculos, fêz de Sant iago de Compostela o terceiro santuário de peregrinação religiosa do mundo, eixo espi-ritual da catolicidade e alicerce da Europa . Êste ano de 1965 particularmente é jubilar> de indulgência e de graça . O Ano Santo tem para todos os cristãos um valor de símbolo e de síntese, e o presente de 1965, Sua Eminência o Cardeal Arcebispo comi-postelano, Quiro ja y Palacios, denominou-o « A n o Santo da Uni-dade» , mui de acordo com o destacado papel histórico de «Faro l de unidade» que, através de longos séculos, vem desempenhando o Santuário do Apóstolo S . T iago , e muito emi consonância, também, com o espírito mais aberto e de convivência, hoje em dia imperante, entre todos os povos e tôda sorte de homens.

Ve j amos de que modo a Divina Providência, que orienta e dirige os grandes fatos da história, preparou os acontecimentos que fizeram de Compostela a terceira cidade santa . S . T i a g o o Maior, luz e padroeiro da s Espanhas , era natural de Betsaida, na província de Galileia, irmão mais velho de João Evangelista , ami-bos filhos de Zebedeu e de Santa Maria Salomé, e por esta, segu-ramente, primos de Jesus Cristo. O s dois irmãos eram pescado-res, como pescador era seu pai Zebedeu, que vivia à margem do mar de Galileia e devia de ser pescador rico, pois tinha embar-

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cação própria e fâmulos . Af irma S . Jerônimo que êles eram nobres.

Jesus fêz dêles, com Pedro, a tríade dos seus prediletos entre todos os discípulos. S ó a êles distinguiu com sobrenomes espe-ciais, dando a Simão o sobrenome de Pedro, e a T i a g o e João o sobrenome de Boanerges , que quer dizer Filho do Trovão; só a êstes três concedeu estarem presentes na transf iguração do Tabor , e depois fê-los testemunhas da sua Agonia no Hôrto das Oli-veiras .

Pedro, o discípulo amante; João, o discípulo amado; e T iago , o discípulo apaixonado, diz Pérez de Urbel, formam a tríade con-fidencia] de Jesus nos momentos mais solenes da vida do Mestre, na terra. ( C f r . L . Merino, Perfiles jacobeos, p . 30 s g s . ) E fineza singular teve Cristo para com a Espanha nisto que, dêsses três discípulos prediletos, recomiandasse a Pedro sua Igreja, a João sua M ã e bendita, e a T i a g o a Espanha , para que a evange-lizasse e fôsse seu perpétuo protetor, como de todos os povos ibero-americanos que dela haveriam de receber a fé católica.

A vinda do Apóstolo S . Paulo à Espanha , cujo centenário solenemente se celebrou o ano passado em tôda a Península, é um fato historicamente certo, e que a crítica histórica não tem difi-culdade em admitir.

Assim já não acontece quando se trata da pregação de T i a g o na E s p a n h a . Embora repouse em mui sólida tradição, da qual já dá testemunho o sábio Dídimo o Cego, em meados do século IV, em Alexandria , tradição que perdura até os nossos temipos, não faltaram hipercríticos, especialmente franceses, para fazerem deno-dados esforços no sentido de destruir a base desta crença histórica.

N ã o é aqui o lugar de entrarmos numa discussão pormenori-zada sobre êste assunto . De bom grado aceitamos a tradição antiga e imemorial que com tanta devoção e piedade é guardada por tôdas as igrejas da E s p a n h a .

N a partilha que do mundo fizeram os Apóstolos ao saírem para pregar o Evangelho, T i a g o escolheu a derradeira parte do Ocidente e para ela veio. O tempo que o santo Apóstolo ficou na Espanha e o fruto da sua pregação e de seus grandes traba-

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lhos ignoram-se. Certo é, porém, que êle regressou a Jerusalém e ali, comio nos relatam os Atos dos Apóstolos, foi decapitado, na perseguição aos cristãos movida por Herodes Agripa, rei da Judéia, no ano 44 da nossa era, tendo sido êle o primeiro dos apóstolos a selarem com seu sangue a fé em' Jesus Cristo .

Alguns de seus discípulos, que da Espanha o haviam acom-panhado a Jerusalém, entre os quais a tradição conservou os nomes de Atanás io e de Teodoro, tomaram o corpo do santo Mártir e, em rápido batel, conduziram-no para Iria Flavia , na bela e sempre verde região ga l ega .

Venerado no comêço, depois perdeu-se a memória do seu túmulo, por efeito das constantes perseguições sofr idas pela Igreja da E s p a n h a .

O certo é que, ou guiados por indicações da tradição, nunca morta de todo, ou por mediação de algum fato milagroso, os fiéis e o bispo de Iria Flavia descobriram o sepulcro no século IX , ime-diatamente difundindo-se o seu culto e veneração por todas a s re-giões da Europa .

Um relato do descobrimento do sepulcro, relato cheio de candura, conta-nos que, em princípios do século I X , sendo Teodo-miro bispo de Iria Flavia, um eremita de nome Pelayo disse ter visto resplendores estranhos em certo lugar imediato a San Fiz e ao pé do monte chamado Libredón. Para lá se dirigiu o Bispo com grande acompanhamento de gente, e, guiado por uma estréia, a 25 de julho do ano de 814 achou um sepulcro onde jaziam os restos mortais do Apóstolo S . T i a g o e de seus discípulos Ataná-sio e Teodoro . O bispo comunicou o achado ao rei Afonso II, e êste mandou levantar naquele local uma igreja, que constituiu depois o centro da cidade de Compostela .

Em tempos de Afonso M a g n o foi demolida a primitiva e mo-desta igreja, e construiu-se outra que perdurou até as devastado-ras incursões de Almanzor, que saqueou os tesouros e destruiu grande parte do templo e da cidade.

A f o n s o V I e o bispo Diego Peláez iniciaram as obras da ma-jestosa catedral atual, verdadeira jóia do estilo romântico, com o

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maravilhoso Pórtico da Glória, a mais bela oração emi pedra que a arte cristã criou.

N a catedral, e próximoi ao primitivo túmulo romano, onde re-pousavam as relíquias, situou-se o nôvo sepulcro, com uma bela e rica urna que guarda tão precioso tesouro.

Ês te sepulcro é o fundamento em que se apóia o nimbo de santidade que desfruta aquela c idade.

Q u e na catedral compostelana se acham as relíquias do Apóstolo, seria temeridade histórica negá-lo, pois não há nenhum fundamento sério que possa deslustrar uma tradição baseada em razões e documientos solidíssimos, e que suportou o pêso de tantos séculos.

Em fins do século X V I , o arcebispo de Santiago, João San-clemente, escondeu o corpo do Apóstolo, com mêdo de que o pi-rata inglês Drake, protestante, que cercara a cidade de La Co-runa com um exército de 14 .000 homens, profanasse aquelas sa-gradas relíquias que o pirata considerava como «empório da su-perstição papal» . Fêz um sepulcro provisório na abside da cate-dral, e ali permaneceram elas ocultas até que, em 1879, o Cardeal-Arcebispo P a y á y Rico mandou proceder a escavações que lo-graram êxito feliz. Para a identificação do achado, nomeou o Cardeal uma comissão de varões doutíssimos, que submeteram o assunto a um rigoroso processo . Aduziram-se provas e dados , intervieram historiadores, arqueólogos, médicos, antropólogos e canonistas eminentes, examinaram-se e discutiram-se documentos e testemunhos, datas e citações, fatos e conjeturas, «com minu-ciosidade quase incrível».

Recebido o parecer da Comissão, baixou S . Ema. um de-creto em que dizia: «Canonicamente declaro que as ditas Relí-quias pertencem verdadeira e realmente aos corpos do santo Apóstolo T i a g o Zebedeu, irmão de S . João Evangel is ta , e aos corpos de seus discípulos os Santos Atanás io e Teodoro , e que, portanto, são dignas de culto religioso, segundo o prescrito pela Igreja, e da honra dos a l tares .

«Todav ia , para maior segurança, para muito mais eminente glória dos nobilíssimos Santos , para alegria e consolo de todo o

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povo católico espanhol, para edificação de tôda a família cristã, espalhada por todo o mundo, e finalmente para maior glória e louvor de Deus, elevem-se estas atas à s Santíss imas M ã o s de nosso Beatíssimo Padre o Papa Leão XI I I , intervindo a Sacra Congregação dos Ritos para que, guiada pela luz divina, com seu certo e infalível juízo decrete o que definitivamente se deva de ter.»

Acolhendo as súplicas do Cardeal de Sant iago e de S . M . o Rei Afonso X I I , Leão XI I I sem demora constituiu uma nova Co-missão de Cardeais e de outros prelados competentes, a qual com o maior cuidado e rigor crítico examinou o processo, ordenou novas inquisições e novos testemunhos, até que, por fim, na Bula Deus omnipotens, de 1-11-1884, Leão X I I I ratificou e confirmou a sentença da Comissão, na qual eram declaradas autênticas as relíquias de S . T i ago e de seus discípulos Atanásio e Teodoro . S ã o impressionantes as palavras de que neste caso se serve o Ro-mano Pontífice:

«Também nós, acabadas tôdas as dúvidas e controvérsias, por ciência certa e mota proprio aprovamos e confirmamos com autoridade apostólica a sentença de Nos so Venerável Irmão o Cardeal Arcebispo de Compostela, sobre a identidade dos corpos sagrados do Apóstolo S . T i a g o o Maior e dos seus santos discí-pulos Atanás io e Teodoro, e decretamos tenha ela fôrça e valor perpètuamente.» A o mesmo tempo mandava a todos os bispos do mundo que comunicassem a seus fiéis êste faustíssimo aconte-mento, para que «de nôvo empreendam peregrinações àquele sepulcro sagrado, segundo o costume de nossos maiores» .

A s recentes escavações e exames arquelógicos levados a efeito na basílica compostelana dissiparam muitas dúvidas, e trou-xeram inesperado reforço e confirmação à autenticidade das re-líquias: o sepulcro primitivo é, sem dúvida, romano, do primeiro século do Cristianismo; e com os restos humanos de S . T i a g o achami-se também ossos de outros dois homens, que, sem dúvida alguma, correspondem aos discípulos Atanásio e Teodoro .

A tradição antiga escrita é viva e duradoura . Ouçamos tão-sómente o sapientíssimo S . Jerônimo, que, como eco de tôda a

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Igreja em breves pa lavras dá testemunho dos dois principais fatos jacobeus: a vinda de S . T i a g o à Espanha , e o descanso de seus restos mortais nela: « O Espírito Santo, que os reunira ( aos doze Apóstolos e antes da vocação de S . Pau lo ) , deu-lhes a cada um o lugar que lhes coubera por sorte, de tal maneira que um partiu para a índia, outro para a Espanha, outro para o Ilírico, outro para a Grécia, de modo que cada um repousasse na provín-cia onde pregara o Evangelho.» Palavras tais, enfàticamente reiteradas, a se não referirem a S . T i a g o o Maior, careceriam totalmente de sentido e de aplicação histórica.

Descoberto em 814 o túmulo do Apóstolo, cheio de alegria o bispo Teodomiro participa ao Soberano a novidade. O monar-ca abandona seu trono e, partindo de Leão para Compostela, com tôda a sua côrte visita o venerável corpo; reconhece-o, venera-o, e certifica-o. Segundo os cronistas da época, o céu confirma o fato com maravilhas estupendas e repetidas . U m a cidade populosa e um santuário magnífico elevam-se em meio a um deserto, sôbre os alicerces da crença pública. O s papas cumulam de graças e pri-vilégios a santa Basílica, enriquecemi-na os reis com presentes e donativos, e a Espanha inteira emociona-se com a plausível notí-cia de achado tão precioso.

Logo a notícia pa s sa as fronteiras e é difundida por tôda a Europa cristã numa Carta do Papa Leão III ( t 8 1 6 ) , então rei-nante, o mesmo que poucos anos antes coroara o Imperador Car los M a g n o : «Sabei , diletíssimos Reitores de tôda a Cris tanda-de, dizia o Papa , que o corpo do bem-aventurado Apóstolo S . T i a g o foi levado íntegro ao território da Galícia, na E s p a -n h a . . . » E s t a Carta , cuja autenticidade, no entender do moder-no historiador da Igreja B . Llorca (Hist. de Ia Igl. Católica, ( B A C ) I3, p . 137) , «f ica absolutamente livre de tôda suspei-ta» , foi por assim dizer o grande sinal para as peregrinações jaco-béias . Então começa a vinda impetuosa de fiéis de todo o oci-dente a Sant iago de Compostela que fêz dos Carreiros dêle os mais freqüentados da E u r o p a .

O s sucessores de Leão III impulsionam êsse fervor com grandes privilégios: Calisto II, em 1119, outorga a Compostela

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as graças do Jubileu, e isto duzentos anos antes de serem estabe-lecidos os jubileus romanos. O papa Alexandre III, por sua Bula de 25 de julho de 1179, confirmou e perpetuou êsse privilégio, em virtude do qual todos os anos em que a festa principal do Apósto-lo S . T iago , 25 de julho, cai em domingo são, em Compostela, Anos Santos, ou sejam, anos de especialíssimas graças , de Indul gência plenária, de remissão de pecados reservados, de comuta-ção de votos, etc.

A fama leva o nome e a glória de S . T i a g o a todo o mundo cristão. O coração dos fiéis palpita de alegria; inflamam-se êstes com a devoção ao filho de Zebedeu; organizam-se peregri-nações que, seguindo o «Caminho de Sant iago» de estréias da Via Láctea, levam a Compostela gente de países os mais remiotos, e que, como as Cruzadas aos Santos Lugares da Palestina, cons-tituem manifestações capitais do caráter religioso e aventureiro da Idade Média , e do intercâmbio e formação da cultura européia. Famílias inteiras deixam suas casas para irem visitar o sagrado corpo e derramar lágrimas de ternura ante aquêle venerando sepulcro. Q u e espetáculo edificante não apresentam as filas de devotos peregrinos que, atravessando os Alpes e os Pirinéus, vêm a entrar pelo templo de S . T i a g o cantando hinos ao Senhor e ao Santo Apóstolo, e considerando a glória de venerá-lo como o ga-lardão de suas fadigas !

« A peregrinação jacobéia», dizia Pio X I I na Carta do Ano Santo de 1954, «acelerou e aprofundou o ritmo da história, serviu de crisol à elaboração das ciências e das artes, espalhou pelo mundo umi desejo de purificação, e por tôda parte difundiu aquelas ânsias de pacificação e de união fraternal dos espíritos que foram e continuarão sempre sendo a única e segura base da paz.»

D e S . T i ago deriva o tipo universal do peregrino, repetidas vêzes imortalizado com seu clássico bordão na mão e com a es-clavina coberta de conchas. O s peregrinos de Jerusalém eram chamados palmeiros, por causa da palma que, qual glorioso troféu, traziam consigo de volta dos Santos Lugares ; os de Roma eram chamados romeiros, por causa do nome da Cidade Eterna; só aos de Sant iago que com o bordão e a esclavina visitavam a casa de

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5. Tiago ou dela regressavam, eram denominados peregvírups no sentido rigoroso da palavra, como escreve Dante : In modo stretto non s'intende pellegrino se non chi va verso la casa dt San ]aco-po, o riede ( D e modo estrito não se entende por peregrino senão quem vai à casa de S . T i ago , ou dela volta) ( c f r . Fernández Sanchez y Freire Barreiro, Santiago, Jerusalém, Roma, Diário de una peregrinación. Santiago, 1880, I, 6 s . )

N o s reinos cristãos da Península, o patrocínio de S . T i ago , experimentado com diversos prodígios do Apóstolo, infundia grande coragem aos seus guerreiros, que só entravam em batalha ao grito de: 5 . Tiago, fecha a Espanha! N a epopéia nacional da Reconquista, durante os sete longos séculos de duração, o heroís-mo espanhol sempre achou na proteção do Apóstolo fôrça e en-tusiasmo para enfrentar a expansão islâmica e assim salvar a E u -ropa .

E r a fama entre os muçalmanos, consoante referem seus pró-prios cronistas, que, guiados por aquele Herói invictissimo, cujo nome mil vezes bendito invocavam em suas lutas, os cristãos haviam alcançado repetidos triunfos sobre as hostes do Crescen-te, pelo que constituía objeto especial de seu ódio aquela Cidade Santa da Gal ícia .

Em fins do século X . empunha a s rédeas do poder, no Cali-fado de Córdova, o grande Caudilho árabe Almanzor, homem do-tado de extraordinário talento, «firme e audaz, prudente e pouco es-crupuloso quanto aos meios de alcançar um fim brilhante» ( D o z y ) . Reorganiza o exército, supera as discussões internas, para conso-lidar sua posição de primeiro ministro e de valido do Cal i fa , e em-preende a «guerra santa» contra os cristãos, chegando, em poucos anos, a realizar umas cinqüenta incursões devastadoras contra os reinos da Península .

A Sant iago chega êle por duas vêzes . N a última (ano 9 9 7 ) , entra e saqueia a cidade, destrói a catedral e as fortalezas, e só se detém ante o túmulo do Apóstolo, guardado por um monge, conforme nos referem os cronistas árabes, monge que Almanzor respeitou, tendo mandado que ninguém lhe fizesse mal . N a sua volta a Córdova, levou Almanzor grossa prêsa e 4 . 0 0 0 cativos cristãos, a quem fez carregar nos ombros as portas da basílica

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demolida e os sinos menores, que serviram de lâmpadas na grande mesquita, até que Fernando III o Santo, no século XII I , recon-quistou Córdova e fêz devolver a Compostela os sinos, nos ombros de agarenos .

A tomada de Santiago produziu sensação profunda em todo o mundo cristão, pois, como já dissemos, Sant iago de Composte-la já era meca de inúmeras peregrinações.

Por felicidade nossa, governava então a diocese de Iria Fla-via o extraordinário bispo S . Pedro Mesonzo, autor inspirado dessa oração da esperança cristã, a Salve Reiinha, prece belíssi-ma que a Igreja adotou na Liturgia, e que os lábios modulam em todos os idiomas, e que ressoa em todos os âmbitos do mundo. Depois que Almanzor voltou a Córdova, o primeiro cuidado dêsse santo bispo foi, com o auxílio do piedoso rei Bermudo II, reparar os grandes estragos feitos na basílica, que, de nôvo, foi consagrada.

A s razias de Almanzor não lograram deter o a f luxo de pe-regrinos a Compostela . O número dêstes foi aumentando, e, para facilitar as peregrinações, abriram-se caminhos através da Espanha, França, Itália, Portugal e de tôda a Europa, até o du-cado de Moscóvia; cruzaram-se de pontes rios e barrancos, levan-taram-se hospícios e mosteiros, como o grandioso mosteiro do S . Marcos de León, e, assim, o nome do Senhor S . T i a g o ecoava pelo mundo todo.

Em começos do século X I I , o Papa Calixto II, sendo ainda arcebispo de Viena de França, visitou o túmulo do Apóstolo, observou e estudou os pormenores do culto de S . T i ago , da cida-de e dos caminhos que a ela conduziam. D e tudo isso deixou-nos memória no seu notabilíssimo Líder Sancti Jacobi, mais conhe-cido pelo nome de Código Calistino, verdadeiro Baedeker para a rota jacobéia.

V a m o s transcrever algumas passagens em que êsse augusto viajor, possuído de entusiasmo, descreve-nos o espetáculo mara-vilhoso que em tôrno da Arca Santa ofereciam aquelas legiões de fiéis, vindos de todas as regiões da Cristandade, relato que nos dá razão de por que o «Caminho de Sant iago» foi, de fato, o veículo e fator principal de di fusão e unidade cultural da Europa

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na Idade Méd ia : «Ali vão, de todos os climas do mundo, inúme-ras pessoas de todas as línguas, tribos e nações, as quais vão por companhias e falanges, e, com ações de graças , apresentam ao Senhor seus votos, recebendo o prêmio de seus louvores. N ã o se pode contemplar sem maravilhosa alegria o espetáculo que ofere-cem os coros dos peregrinos a velarem em torno do venerando altar do bem-aventurado S . T i a g o . D e um lado postam-se os Alemães, de outro os Franceses , mais além os Italianos, todos com velas acessas nas mãos, de sorte que a igreja tôda brilha como o sol no dia mais esplendente. E ali permanecem todos em vigília e o r a ç ã o . . . N ã o há línguas nem dialetos cujas vozes ali não ressoem. . . Dia e noite, é uma solenidade continuada, uma con-tinuada alegria em honra do Senhor e do Apóstolo santo. A s portas de sua basílica nunca se fecham, nem de dia nem de noite, fugindo a s trevas de noite do augusto recinto, que brilha como o meio-dia, com a esplêndida luz das lâmpadas e das ve la s . Ali vão os pobres, os ricos, os esforçados cavaleiros, os que combatem a pé, os sátrapas , os cegos, os coxos, os optímates, os nobres, os heróis, os próceres, os governadores, os abade s . . . E s t a é a linha-gem escolhida, a gente santa, o povo de Deus , a flor das nações.?/ E termina seu relato com estas belíssimas pa lavras : « E i s aqui a cidade de Compostela, cidade sagrada pelos sufrágios do bem-aventurado S . T i ago , sa lvação dos fiéis, alcáçar dos que a ela vêm. Oh! comi quanta reverência deve ser honrado e reveren-ciado aquêle sagrado lugar em que tantos milhares de milagres têm ocorrido, e onde se conserva o sacratíssimo corpo do Após-tolo que teve a ventura de ver e tocar o Deus feito carne!» (Líber sãncti Jacobi. Codex Calixtinus. Sant iago de Compostela, 1951, p . 198-202)

O mesmo Calisto II, testemunha ocular e de maior exceção (pois, como diz Fernandez Sánchez, «sabido é com quanto escru-pulosidade o grande Pontífice investigou, examinou, inquiriu, con-sultou os homens mais sábios, e compulsou documentos» para a redação do seu precioso l ivro) , refere que em Compostela os mi-lagres se realizavam aos milhares cada dia — multa miraculovum millia [acta referuntur — , o que provocava fervor e entusiasmo indescritível entre os peregrinos. N o livro II do Código dá o

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autor conta pormenorizada de 22 miilagres estupendos operados por S . T i a g o . Vou copiar tão somente o relato de um deles, cuja fama percorreu o mundo com a rapidez do raio, e que o próprio Papa Calisto apresentou ao I Concílio de Latrão, em 1123: «Dizem que, movidos de piedosa devoção, trinta Heróis da Lorena resolveram visitar a basílica de Sant iago da Galícia no ano 1080 da Encarnação do Senhor, jurando ajudarem-se mutuamente e guardarem entre si f idelidade. Um, todavia, não quis compro-meter-se sob juramento. Postos a caminho, chegaram sem no-vidade à cidade de Gasconha . Tendo adoecido gravemente, um deles de modo algum pôde prosseguir a viagem, pelo que seus companheiros, consoante a fé jurada, foram-no conduzindo a ca-valo e nos braços até Portus Gisere, gastando 15 dias num cami-nho que os que vão livres costumam percorrer em cinco. Final-mente, cansados e tristes, abandonaram o doente todos, menos aquele que não quisera obrigar-se por juramento, o qual dêle não se separou um só instante, com êle continuando afanosamente seu caminho, até que chegaram ao cimo de umi monte muito áspe-ro ao cair da tarde, ponto e hora em que a bela alma do doente saiu dêste miserável século. Aterrorizado o caridoso peregrino pela soledade do lugar, pelas trevas da noite, pela vista do defun-to, pela gente que habitava aqueles montes, e não esperando so-corro humano, pôs todo o seu pensamento em Deus , xogando-lhe fervorosamente seu auxílio por mediação do Apóstolo, o qual lhe apareceu em traje de guerreiro, montado a cavalo. « Q u e fazes aqui, irmão?» disse êle àquele infeliz, a quem a angústia estava a ponto de lhe arrancar a alma. «Senhor, respondeu-lhe, tenho desejo vivíssimo de dar sepultura a êste meu companheiro, mas não acho modos de fazê-lo no meio desta imensidão.» Ao que respondeu aquêle: «Dá-me cá o cadáver, e monta tu também atrás de mim até que cheguemos ao lugar da sepultura.» Dito e feito. Antes do pôr do sol apeava-se o Apóstolo no monte da Alegria, uma milha aquém do seu mosteiro, e deixava em terra os que consigo trazia, ordenando ao que vivo estava fôsse pedir aos cónegos de dita basílica que dessem sepultura àquele peregrino do bemi-aventurado S . T i a g o » (vid. Fernández Sanchez, op. c i t . , I, 20-21) .

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O filho de Zebedeu, que assimi quis glorificar seu túmulo em Compostela durante os séculos medievais, e de tantas maneiras ma-nifestar seu amor e predileção pelos filhos da Ibéria, menor magna-nimidade não teve para com os espanhóis que, com seu nome nos lábios e no coração, e com sua efígie nos pendões, vieram evan-gelizar as terras da América e das Fi l ipinas . Daí a repetição ono-mástica da cidade do Apóstolo no continente ocidental, pois não se acha ali república onde não se encontrem reiteradamente cidades com o nome de Sant i ago . N o precioso livro de Zacar ias de Viz-carra, La vocación de América, podem ,ver-se as graças e milagres do Apóstolo S . T i a g o e a s suas vinculações espirituais com a América .

Por outra parte, se, como reza o adágio, amor com amor se paga , grande há de ser o amor de espanhóis e americanos ao seu insigne Padroeiro, o filho de Zebedeu, porque, além de nos pre-sentear com a cidade santa de seu nome, quis ser-lhes seu pai na fé . Com efeito, nós, os fiéis ibero-americanos, alémi de o con-siderarmos nosso evangelizador, podemos muito adequadamente atribuir-lhe o nome de Pai, de modo análogo que ao Apóstolo das Gentes, o qual, escrevendo aos fiéis de Corinto, que êle evangeli-zara, reclama para si êsse título, em virtude de os haver gerado para Cristo: In Christo Jesit per Evangelium ego vos genui (I C o r . 4, 15) .

O próprio S . T i a g o bem claramente indicou sua paternal

proteção à s E spanhas quando as escolheu para guarda da sua

sepultura.

N o século passado, a fama e as peregrinações a Sant iago haviam diminuído consideràvelmente, mas nestes últimos anos a devoção ao Apóstolo reverdeceu v igorosa .

A Espanha , que desde Recaredo manteve o insigne privilégio da unidade da fé católica, do mesmo modo que os países ibero-americanos que dela a receberam, não arriarão fàcilmente esta bandeira, pois também no futuro não lhes há de faltar a proteção celeste. Em Sant iago tem seu assento e fortaleza sua unidade de crença, e não pode esta estar mais bem personificada do que nesse galhardo ginete que veste esclavina e conchas de piedoso peregri-

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no, mas, igualmente, armas defensivas e ofensivas de valoroso cavaleiro. Sim, pois isto sempre foi o povo hispânico: um após-tolo armado.

Q u a n t o ou mais do que a Idade Média necessita hoje o mundo volver os olhos e peregrinar a Compostela!

N ã o sei se os tempos que corremos são melhores ou piores do que qualquer tempo passado, mas aquilo emi que nós todos convimos é, sem dúvida, em que a nós nos coube viver numa época de profunda e tempestuosa transição, e, portanto, de inesperadas e temíveis surprêsas. Há , sem dúvida, extraordinários progres-sos técnicos, desfrutamos um sem-número de regalias e de como-didades que nem por sonhos puderam imaginar nossos maiores. Sem embargo, nossa vida não é sossegada e tranqüila como outro-ra . Vivemos em constante sobressalto, descontentes do hoje e ainda mais temerosos do amanhã. À nossa vista e em cinema-tográfica perspectiva passam-se coisas e sucessos tão extraordiná-rios e desconcertantes, que, como alucinados, nos deixamos levar por êsse torvelinho, sem tempo, nem lugar, nem ânimo para sobre êles meditar, para discernir o bom do mau, o transitório do eterno, o que deve conservar-se e mielhorar-se daquilo que é efêmero ou rejeitável, embora o rótulo de moderno e atual nô-lo queira intro-duzir de contrabando.

Perdemos, perdeu o mundo, a antiga e cristã serenidade, ante a vertigem da vida moderna. Sentimos que somos levados à mercê do vento que impetuoso nos impele para plagas desconhe-cidas e singrando mares nunca dantes navegados, como já dizia Camões .

M a s será que não poderemos fazer uma parada nesta desor-bitada carreira da vida, na era atômica? N ã o nos será possí-vel subtrair-nos à voragem, recolhermo-nos emi nós mesmos, me-ditarmos no camiinho percorrido e na direção seguida, a fim de que não nos absorva de todo a vida presente, mas antes nos per-mita ordenar o vertiginoso acontecer quotidiano em função do nosso destino eterno?

Sim, é possível, e muito mais aos povos que, como os nossos, ainda conservam o suave aroma da fé cristã e o alto aprêço dos

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valores do espirito, povos que não esqueceram inteiramente que a vida humana não termina em si mesma, pois tem a transcendên-cia que corresponde aos que, possuindo em plenitude o humano, ao mesmo tempo são portadores conscientes de valores eternos.

Em Sant iago tem assento o cavaleiro armado com espada flamívoma que dirige as hostes cristãs,

Defensor alme Hispaniae, Jacobe, vindex hostium,

e que, há vinte séculos, com seus próprios lábios, nos ensinou os rudimentos da fé redentora. A s Espanhas recolheram esta ban-deira, e a transmitiram aos países ibero-americanos: bandeira de Cristo, bandeira do glorioso S . T i a g o ! Com a proteção do Apóstolo, não a deixarão cair em terra, e na cidade de Compos-tela encontrarão sempre motivos de revigoramento, pois dali irra-dia a fé ardente e o impulso brioso do Filho do Trovão , que nela estabeleceu suas tendas .

« O x a l á » , exclama o insigne liturgista francês, Dom Guéran-ger, «oxalá que um impulso do alto torne a conduzir para Compos-tela os filhos dos antigos clientes de S . T i a g o . Que i ra o céu que Sant iago volte a ser, de verdade, para todos os crentes e solda-dos da fé, a terceira Cidade Santa da Cris tandade!»

* * *

Antes de encerrar estas linhas quero manifestar o meu since-ro e comovido agradecimento a várias pessoas e entidades que com sua generosa e desinteressada colaboração têm sua parte no êxito desta Expos i ção .

Emi primeiro lugar ao P r o f . Adonias Aguiar Filho, Diretor da Biblioteca Nacional , que gentilmente colocou à nossa disposição o S a g u ã o do palácio da Biblioteca para a realização da Mostra ; e aos funcionários da Seção de Expos ições que nos prestaram seus valiosos auxíl ios .

Agradecemos também ao E x m o . S r . Embaixador da E s p a -nha, D. Jaime Alba, e ao Instituto Brasileiro de Cultura Hispâni-ca a assistência que em todo o tempo nos pres taram.

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Contribuíram com diversos elementos bibliográficos para a Expos ição : o Prof . Celso Cunha, que pôs à nossa disposição várias preciosidades de sua rica biblioteca de filologia luso-gali-ziana; o Ministério de Información y Turismo e o Instituto de Cultura Hispânica, de Madrid ; o Instituto Padre Sarmiento de Estúdios Gallegos, de Santiago; a Real Academia Gal lega , de Corunha; a Archicofradia dei Apóstol Santiago; as editoriais Porto & Cia., de Santiago, e Galaxia , de Vigo ; o senhor Victoria-no Lopez dei Palacio e o Prof . Antenor Nascentes . A todos, nosso mais profundo agradecimento.

Rio, 25-12-1965.

C ô n . D r . E M I L I O SILVA

Catedrático da U . E . G . e da Pontifícia Universidade Católica, Coordenador da

E x p o s i ç ã o

Vista panorâmica de Santiago de Compostela desde o passeio da Hetradura.

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Caminho de

DEPARTAMENTO DE IMPRENSA NACIONAL

1966