cadernos de estudos aÇorianos...2 1. raul leal gaiÃo 26º colÓquio lomba da maia 2016 tema 3.3....

38
1 CADERNOS DE ESTUDOS AÇORIANOS SUPLEMENTO # 35 - junho 2017 AÇORIANOS EM MACAU Todas as edições em www.lusofonias.net Editor AICL - Colóquios da Lusofonia Coordenador CHRYS CHRYSTELLO CONVENÇÃO: O Acordo Ortográfico 1990 rege os Colóquios da Lusofonia e é usado em todos os textos escritos após 1911 (data do 1º Acordo Ortográfico) ©™® Editado por COLÓQUIOS DA LUSOFONIA (AICL, ASSOCIAÇÃO INTERNACIONAL COLÓQUIOS DA LUSOFONIA) Em linha ISSN 2183-9239 CD-ROM ISSN 2183-9115 Nota introdutória do Editor dos Cadernos, Os suplementos aos Cadernos Açorianos servem para transcrever textos em homenagem a autores publicados pelos Colóquios da Lusofonia, pelos seus participantes ou até pelos próprios autores. Hoje este Suplemento # 35 quase totalmente da autoria de RAUL LEAL GAIÃO é dedicado aos Açorianos em Macau, um dos temas permanentes dos nossos colóquios da lusofonia:

Upload: others

Post on 07-Jul-2020

2 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: CADERNOS DE ESTUDOS AÇORIANOS...2 1. RAUL LEAL GAIÃO 26º COLÓQUIO LOMBA DA MAIA 2016 TEMA 3.3. AÇORIANOS EM MACAU: D. PAULO JOSÉ TAVARES, SINOPSE D. Paulo José Tavares, nascido

1

CADERNOS DE ESTUDOS AÇORIANOS

SUPLEMENTO # 35 - junho 2017 AÇORIANOS EM MACAU

Todas as edições em www.lusofonias.net

Editor AICL - Colóquios da Lusofonia Coordenador CHRYS CHRYSTELLO

CONVENÇÃO: O Acordo Ortográfico 1990 rege os Colóquios da Lusofonia e é usado em todos os textos escritos após 1911 (data do 1º Acordo Ortográfico)

©™® Editado por COLÓQUIOS DA LUSOFONIA (AICL, ASSOCIAÇÃO INTERNACIONAL COLÓQUIOS DA LUSOFONIA)

Em linha ISSN 2183-9239 CD-ROM ISSN 2183-9115

Nota introdutória do Editor dos Cadernos,

Os suplementos aos Cadernos Açorianos servem para transcrever textos em homenagem a autores publicados pelos Colóquios da Lusofonia, pelos seus participantes ou até pelos próprios autores. Hoje este Suplemento # 35 quase totalmente da autoria de RAUL LEAL GAIÃO é dedicado aos Açorianos em Macau, um dos temas permanentes dos nossos colóquios da lusofonia:

Page 2: CADERNOS DE ESTUDOS AÇORIANOS...2 1. RAUL LEAL GAIÃO 26º COLÓQUIO LOMBA DA MAIA 2016 TEMA 3.3. AÇORIANOS EM MACAU: D. PAULO JOSÉ TAVARES, SINOPSE D. Paulo José Tavares, nascido

2

1. RAUL LEAL GAIÃO 26º COLÓQUIO LOMBA DA MAIA 2016

TEMA 3.3. AÇORIANOS EM MACAU: D. PAULO JOSÉ TAVARES,

SINOPSE

D. Paulo José Tavares, nascido a 25 de janeiro de 1920, em Rabo de Peixe (ilha de S. Miguel), orientou a sua ação religiosa, como bispo de Macau (1961-73), procurando consolidar, no domínio da educação e da assistência social, a obra dos seus antecessores (nomeadamente de D. João Paulino e de D. José da Costa Nunes, também açorianos), e implementar uma nova dinâmica pastoral e uma reorganização administrativa da diocese de Macau, inspiradas nos ventos renovadores do Concílio Vaticano II (62 / 65), concílio em que participou, ao mesmo tempo que defendeu a liberdade religiosa, perante as ameaças dos acontecimentos do 1.2.3., conflitos ocorridos em Macau, em 1966, resultantes do espírito da Revolução Cultural na China.

1. INTRODUÇÃO

Embora já tenhamos abordados algumas figuras açorianas proeminentes em Macau,

nesta introdução pretendemos dar uma visão panorâmica dos açorianos que mais se destacaram em Macau:

• José Inácio de Andrade (Santa Maria, Açores, 1780-1863) empreendeu várias viagens à Índia e à China, como oficial da Armada, deixando publicadas as Cartas escritas da Índia e da China nos anos de 1815 a 1835 e a Memória sobre a destruição dos piratas da China e o desembarque dos ingleses na cidade de Macau e sua retirada, memória em que aborda a luta dos portugueses contra a pirataria e a tentativa de ocupação da concessão pelos ingleses.

• Jaime de Sousa (Ponta Delgada, Açores, 1875-1946), imediato do cruzador Adamastor, na sua obra Agonia de um herói – a derradeira viagem do cruzador Adamastor, deixa-nos um relato vivo e uma descrição da vida dessa época em Macau.

• Manuel de Arriaga (Horta, Açores, 1776-1824) chegou a Macau em 1802, para ocupar o lugar de Ouvidor, afirmando-se como grande paladino da autonomia do Senado e dos comerciantes de Macau; tornou-se uma personagem omnipotente em Macau, “um dos paradigmas da diáspora açoriana, à procura das oportunidades que a terra natal não lhe deu”. (Sousa, 2010: 114).

• D. Manuel Bernardo de Sousa Enes (Ilha do Topo, S. Jorge, Açores, 1814-1887), bispo de Macau de 1873-1883.

1 Gaião, “Açorianos em Macau – D. João Paulino: Da atividade pastoral à divulgação da língua portuguesa”. In Atas XXII Colóquio da Lusofonia, Seia, 25-29/10/2014. 2 Gaião, “Açorianos em Macau – D. José da Costa Nunes: O missionário do Oriente – Evangelização e aprendizagem de línguas”. IN Atas XX Colóquio da Lusofonia, Seia, 16-18/10/2013.

• D. João Paulino de Azevedo e Castro (Lajes, Pico, Açores, 1852-1918), bispo de Macau de 1902-19181.

• D. José, da Costa Nunes (Candelária, Pico, Açores, 1880-1976), bispo de Macau de 1920-1941.2

• D. Paulo José Tavares (Rabo de Peixe, S. Miguel, Açores), bispo de Macau de 1961-1973.

• Pe. Áureo de Castro (Candelária, Pico, Açores, 1917-1993), sacerdote em Macau, compositor musical.3

• D. Arquimínio, da Costa (S. Mateus, Pico, Açores, 1924-2016), bispo de Macau de 1976-19884.

• José Silveira Machado (Velas, S. Jorge, Açores, 1918-2007), vivendo em Macau, professor, jornalista, escritor, publicando obras relativas a Macau: Macau, Sentinela do Passado, Rio das Pérolas (poemas), Macau, Mitos e Lendas (contos), Macau na Memória do Tempo, O Outro lado da Vida (retrato social de Macau).

• Rodrigo Leal de Carvalho (Praia da Vitória, Terceira, Açores, 1932-), colocado em Macau como magistrado, viverá a maior parte da sua vida ativa no Território, cerca de quatro décadas, se bem que de forma não continuada, e onde escreveu e publicou a maior parte da sua obra literária: Requiem por Irina Ostrakoff (1994), Os Construtores do Império (1994), A IV Cruzada (1996), Ao Serviço de Sua Majestade (1996), O Senhor Conde e as Suas Três Mulheres (1999). (Sena, 2010: 276-277).

2. CONTEXTO SOCIOCULTURAL NOS ANOS 60 (SÉCULO XX)

Há dois acontecimentos nos anos 60 (século XX) que contribuíram para marcar a

ação de D. Paulo José Tavares: os acontecimentos do 1. 2. 3. em Macau e a realização do Concílio Vaticano II.

Com a tomada do poder, em 1949, Mao Tsé Tung declara ser a religião uma

ferramenta antipatriótica nas mãos dos imperialistas para subjugar o povo chinês, o que lhe permite justificar a expulsão dos missionários estrangeiros e encarcerar grande número de cristãos chineses que afirmavam a sua fidelidade ao Papa, atos seguidos da nacionalização das obras assistenciais e educativas. Após a campanha das “cem flores” (1956-57) e com o início da campanha “antidireitistas”, o Governo consegue a anuência da hierarquia chinesa para a fundação da Associação Patriótica Católica Chinesa, resultando numa cisão no interior da Igreja da China, seguindo-se sagrações de bispos sem o consentimento de Roma. (Carmo, 1997). Nos anos sessenta do século XX a Revolução Cultural imposta por Mao Tsé Tung espalha-se pela China, em consequência da qual as igrejas são fechadas, os padres e freiras presos e enviados para os campos de trabalhos forçados, e a maioria das Igrejas destruídas ou utilizadas para outros fins. (Ditema, I: XXXIII)

3 Gaião, “Açorianos em Macau – Áureo de Castro: da atividade pastoral à criação musical”. In Atas XVIII Colóquio da Lusofonia, Ourense, Espanha, 5-7/10/2012. 4 Gaião, “Açorianos em Macau – D. Arquimínio da Costa: da atividade pastoral ao diálogo com a Igreja da China”. IN Atas XVI Colóquio da Lusofonia, Santa Maria, Açores, 30/9-5//10/2011.

Page 3: CADERNOS DE ESTUDOS AÇORIANOS...2 1. RAUL LEAL GAIÃO 26º COLÓQUIO LOMBA DA MAIA 2016 TEMA 3.3. AÇORIANOS EM MACAU: D. PAULO JOSÉ TAVARES, SINOPSE D. Paulo José Tavares, nascido

3

O pretexto para despoletar os motins em Macau (designados por 1. 2. 3.) ocorreu em

1966, quando os residentes chineses tentaram obter uma licença para a construção de uma escola privada na ilha da Taipa. Os residentes, na impossibilidade de obter a licença de construção, começaram, ilegalmente, a edificação da escola. No dia 15 de novembro de 1966, a polícia da Cidade utilizou formas violentas de prender os responsáveis da escola, os operários de construção, os residentes chineses aí presentes e os jornalistas. Após este acontecimento, a imprensa chinesa e as associações pró-comunistas começaram a atacar em força o Governo, não permitindo que o "incidente" da Taipa fosse esquecido. A partir daqui desencadeou-se uma série de acontecimentos, num braço de ferro entre os grupos maoistas e a administração portuguesa, crescendo a contestação e o sentimento de revolta dentro da comunidade chinesa:

- Alunos da escola “Hou Kong” entram, com outros manifestantes, no Palácio do

Governo, e após serem expulsos, arremessam pedras, quebrando vidros e procurando destruir material diverso. Seguidamente, atacam a estátua do navegador português Jorge Álvares, danificando-a; invadem depois o edifício do Leal Senado, destruindo documentos bibliográficos que continham parte da memória histórica luso-chinesa e saqueando tudo o que podem.

- A 30 de dezembro um grupo de alunos da escola “Hou Kong”, perto do Colégio D. Bosco, desfilou com os seus professores até ao Palácio do Governo; chegados ali, reuniram-se a ler em voz alta os pensamentos do “Livro Vermelho”, de Mao.

- Os revoltosos impõem sanções contra a comunidade portuguesa e macaense. A Comissão dos Treze faz exigências: não-pagamento de impostos e a recusa da venda de quaisquer mantimentos e comestíveis às autoridades e funcionários portugueses; recusa de todos os serviços públicos, isto, é, água, eletricidade, gasolina e transportes, aos portugueses. Com receio de possíveis represálias das fações pró-Pequim, lojas e restaurantes chineses começam a recusar a venda de produtos e alimentos aos residentes portugueses e macaenses do Território. Encerra a maioria das mercearias. Fecham casinos, bancos, casas de câmbio, repartições públicas, reabrindo os bancos e mercearias a 7 de dezembro.

- É proclamado o estado de emergência. - “Diversas famílias portuguesas e macaenses refugiam-se na Fortaleza do Monte

e no Hospital Conde de S. Januário. Centenas de pessoas pretendem embarcar para se refugiarem em Hong Kong. Os incidentes do 1.2.3. (em 1966) provocaram confrontos violentos na rua com um saldo de 8 mortos e 123 feridos.

O Governador, após várias diligências, assina os documentos com as exigências por parte dos chineses.

Havendo diferentes relatos dos acontecimentos, não podemos deixar de transcrever

algumas passagens do prefácio de um álbum de fotografias das manifestações e motins ocorridos, em Macau, durante o ano de 1966, que revelam o ódio contra a presença portuguesa e evidenciam o espírito da Revolução Cultural e a ideologia dos maoistas:

“Macau é uma península chinesa. O imperialismo português tem-na ocupada há

mais de 400 anos e oprimido cruelmente a população chinesa. (Apêndice III).

Outro acontecimento dos anos 60, a nível mundial, foi a realização do Concílio Vaticano que vai romper com muitas atitudes tradicionais da Igreja, nomeadamente nas relações com as outras igrejas, com os povos e as suas culturas.

O Concílio Vaticano II, ao contrário da maioria dos concílios anteriores empenhados

em definir a doutrina da Igreja (criando novos dogmas), como era habitual, procurou uma renovação, adaptando-se aos novos tempos e escutando os sinais dos tempos, o “aggiornamento”, orientando-se no sentido de uma nova abordagem, a pastoral.

João XXIII entendia que o problema da Igreja não estava na indefinição da doutrina:

o problema residia na receção da doutrina, uma vez que o mundo se tornou indiferente à doutrina da Igreja, seguindo o seu caminho sem dar-lhe a atenção que lhe dava outrora. Era urgente que a Igreja adaptasse a sua doutrina ao mundo atual, criando uma nova linguagem e novas formas para poder ser ouvida e entendida por um mundo cada vez mais indiferente; é neste sentido que vão os documentos principais do concílio: Gaudium et Spes, Lumen Gentium e Ad Gentes.

3. PASTORAL, REORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA, AÇÃO EDUCATIVA E SOCIAL

Com a convocação do Concílio do Vaticano II (25 de janeiro de 1959), o bispo de

Macau, D. Paulo José Tavares, numa carta pastoral (traduzida em língua chinesa) incentivou os seus diocesanos para a necessidade de uma renovação espiritual e de um rejuvenescimento das formas e métodos de apostolado, apelando à intensificação da atividade missionária nas paróquias e nas escolas, “trabalhando mais em profundidade no ministério da palavra e no ensino da doutrina cristã”, e lançando iniciativas como a organização de catecumenatos e de centros de assistência social, a construção das novas igrejas da Missão de Fátima e de São Francisco Xavier, em Coloane.

De acordo com as orientações do Concílio, as missas e outros ofícios religiosos

passaram a ser celebrados nas línguas vernáculas, ofícios que até aí eram rezados em latim, pelo que se tornava indispensável uma maior participação do clero chinês, uma vez que grande parte da população era chinesa e não falava português. Neste sentido, o bispo empreende uma política de localização da cúria diocesana, indicando para lugares de destaque no governo da Igreja o clero de língua chinesa, nomeando, por exemplo, António André Ngan para governador do bispado (1966) e vigário-geral (1966-1974), sendo o primeiro padre chinês a ocupar estes cargos, o que criou incompatibilidades com um setor influente do clero tradicional português de Macau. Membros do clero tradicional de Macau subscrevem uma carta ao núncio apostólico de Lisboa acusando o prelado de despesas exorbitantes na construção e reparação de igrejas e denunciando-o por entregar o bispado ao vigário geral, chantre António André Ngan e queixando-se da forma como tem tratado o clero local.

D. Paulo José Tavares conseguiu que o Governo de Macau aumentasse o subsídio

dos sacerdotes chineses, para equipará-los aos sacerdotes europeus pertencentes à Missão do Padroado Português no Extremo Oriente.

Page 4: CADERNOS DE ESTUDOS AÇORIANOS...2 1. RAUL LEAL GAIÃO 26º COLÓQUIO LOMBA DA MAIA 2016 TEMA 3.3. AÇORIANOS EM MACAU: D. PAULO JOSÉ TAVARES, SINOPSE D. Paulo José Tavares, nascido

4

Embora a legislação eclesiástica, no Direito Canónico 1917, permitisse casamentos entre católicos e não cristãos e entre católicos e cristãos de outras religiões (prevendo-se a possibilidade de dispensa dos impedimentos), em Macau não eram permitidos casamentos entre um católico e um chinês, a não ser que este se batizasse, fazendo-o apenas por necessidade e sem convicção. D. Paulo José Tavares fez cumprir a lei, autorizando os casamentos, contribuindo para um aumento significativo de casamentos. (Jorge, 1988).

Durante o seu bispado, registou-se um desenvolvimento muito acentuado na área da

assistência social aos necessitados e da educação da juventude dirigida pela Diocese de Macau. Mais concretamente, impulsionou a construção e ampliação de pelo menos vinte estabelecimentos assistenciais e de instrução católicos e criou o Conselho das Escolas Católicas (CEC), em 6 de março de 1967, no momento dos distúrbios do 1.2.3., para defesa da independência da educação sob a alçada da Igreja.

Apesar do seu empenho na educação, o Seminário Maior de S. José (Macau) deixou

de funcionar no verão de 1967, devido à falta de segurança em Macau. Reorganizou as paróquias de Macau e a sua respetiva divisão territorial, dando à paróquia de São Lázaro uma nova natureza jurídica. Procedeu à ampliação e à construção de novas igrejas. Visitou anualmente as missões portuguesas de Singapura e Malaca que estavam naquela altura dependentes da Diocese de Macau, apesar de ele e o Estado da Santa Sé serem pela reintegração nas comunidades nacionais. Acolheu novas ordens religiosas para poderem suprir as necessidades assistenciais e educativas em Macau, na dependência da Igreja.

4. LIBERDADE RELIGIOSA E AUTONOMIA DA IGREJA

A revolta conhecida por “Um, Dois, Três”, que chegou ao rubro a 3 de dezembro,

reflexo local da Revolução Cultural que se processava na China de Mao, também alastrou por Macau, como já referimos, atingindo a Igreja Católica.

Apresentamos alguns dos acontecimentos mais importantes para termos uma visão

da posição do Prelado de Macau face às exigências dos maoistas e das pressões da administração portuguesa.

Os conflitos dos comunistas com a Igreja começaram no Colégio de S. José pelo

facto de um padre, alegadamente, ter arrancado do peito de um aluno o distintivo do presidente Mao (10 de maio de 1967), tendo a Associação Geral dos Estudantes Chineses, pró-comunista, feito várias exigências: “1. Castigar severamente o Prof. Lam; 2. Não impedirem os alunos de usarem o referido distintivo; 3, O Colégio deve garantir a não-proibição de nenhuma atividade patriótica dos alunos”. (O Clarim, 8-6-1967, apud Lima, 1999: 369).

5 D. Paulo José Tavares foi um dos íntimos colaboradores do secretário de Estado da Igreja Católica, monsenhor Montini, futuro Papa Paulo VI.

Apesar de reuniões entre representantes do Colégio e a Associação, não havendo acordo, o Conselho Escolar do Colégio comunicou que o Prof. Lam já se afastara, mas manteve-se intransigente quanto ao resto, pois dentro do Colégio, “os alunos tinham de observar o respetivo regulamento a fim de se manter a disciplina necessária.” (Lima, 1999: 370). A Associação Geral dos Estudantes Chineses aprova formas de luta contra o Colégio de S. José e a diocese de Macau.

D. Paulo José Tavares que se encontrava ausente de Macau, no seu regresso

urgente, veio encontrar uma situação bastante degradada (em finais de junho de 1967), mantendo também a sua atitude intransigente.5 O bispo e os seus representantes recusam-se a assinar o pedido de desculpas, que lhes era exigido, bem como o documento das revindicações da Associação Geral dos estudantes chineses de Macau. Simultaneamente há pressões da administração portuguesa para a Igreja ceder às exigências formuladas por parte dos estudantes maoistas.

Várias centenas de manifestantes maoistas realizam uma manifestação junto do

Colégio de S. José, a exigirem o ensino do pensamento de Mao nas escolas sob a tutela da diocese. Os representantes do clero são alvo de fortes pressões políticas por parte do governador Nobre de Carvalho, mas recusam-se a assinar qualquer documento imposto pelos maoistas locais. (Fernandes, 2000); o antagonismo entre o Governador e o bispo foi-se acentuando.

O padre Benjamim Videira Pires apresenta um exemplar do novo Regulamento Geral

das Escolas Católicas de forma a evitar que o pensamento de Mao seja lecionado nas escolas católicas, afirmando que “os católicos cumpriram a sua obrigação e não têm medo. Se acontecer o pior, isso será devido à fraqueza do Governo” (Fernandes, 2000: 296).

Como os confrontos continuam, estudantes maoistas visitam o Paço Episcopal para

exigirem uma audiência com o Bispo de Macau, D. Paulo José Tavares, a fim de reivindicarem, mais uma vez, o ensino do pensamento de Mao nas escolas da Diocese. O bispo recusa a audiência, continuando firme e resoluto na proibição do ensino do pensamento maoista nas escolas. Os jovens maoistas abandonam o Paço sem serem recebidos pelo Bispo, o que acirrou mais as manifestações dos estudantes chineses, recorrendo estes a uma linguagem violenta: “Abaixo o Tavares”, “Fritai em azeite o Tavares, morra a Virgem Maria, morra Jesus, morra o Papa”. (Lima, 1999: 375)

O bispo publica no jornal católico, o Clarim e na revista Religião e Pátria, uma

mensagem pastoral em que recusa o ensino do pensamento de Mao nas escolas católicas, dando por terminadas as negociações com os maoistas, recusa que leva o governador a proibir a publicação de ambos os jornais. Em dezembro de 1967 o governador suspende a transmissão da mensagem natalícia na Emissora de Radiodifusão de Macau, pois alguns aspetos referentes à autonomia da Igreja não eram convenientes, na opinião da administração.

Page 5: CADERNOS DE ESTUDOS AÇORIANOS...2 1. RAUL LEAL GAIÃO 26º COLÓQUIO LOMBA DA MAIA 2016 TEMA 3.3. AÇORIANOS EM MACAU: D. PAULO JOSÉ TAVARES, SINOPSE D. Paulo José Tavares, nascido

5

Mantendo-se intransigente, o bispo não cedeu às reivindicações dos maoistas locais e resistiu às pressões do Governador para que cedesse às pretensões dos maoistas. Esta posição custou-lhe a suspensão do Clarim (bissemanário) e da revista diocesana Religião e Pátria, havendo diligências várias para que fosse destituído das suas funções, o que não foi conseguido6.

O bispo envia ao conselheiro eclesiástico da embaixada de Portugal junto da Santa

Sé um ofício sobre as tensas relações entre a diocese e a administração portuguesa. O bispo, em todos estes confrontos, afirma por um lado a autonomia em relação ao

poder político e a liberdade e independência da Religião Católica face às exigências dos maoistas.

5. CONCLUSÃO

Durante a Revolução Cultural chinesa em Macau, entre 1966 e 1968, D. Paulo José

Tavares resistiu com êxito aos ataques da elite político-comercial chinesa de Macau alinhada com Pequim, e às pressões da frágil administração portuguesa de Macau, chefiada pelo governador Nobre de Carvalho, defendendo intransigentemente a liberdade das escolas católicas e afirmando por outro lado a autonomia em relação ao poder político e a liberdade e independência da Religião Católica face às exigências dos maoistas, ação prosseguida por D. Arquimínio, na fase de transição, quando havia o receio de que a China procurasse integrar a Igreja Católica em Macau na Igreja da China.

6. BIBLIOGRAFIA

Carmo, António (1997). A Igreja Católica na China e em Macau no Contexto do Sudeste Asiático

Que Futuro? Macau: Fundação Macau, Instituto Cultural de Macau, Instituto Português do Oriente. Fernandes, Miguel Senna (2011). “Tavares, D. Paulo José (1920-1973) ”. In DITEMA, Dicionário

Temático de Macau, vol IV. Macau: Fundação para a Cooperação e Desenvolvimento de Macau, Universidade de Macau.

Fernandes, Moisés Silva (2006). Macau na Política Externa Chinesa, 1949-1979. Imprensa de Ciências Sociais.

Fernandes, Moisés Silva (2000). Sinopse de Macau nas Relações Luso-Chinesas. 1945-1995. Fundação Oriente.

Jorge, Cecília e Beltrão Coelho (1988). A Fénix e o Fragão. Macau: Instituto Cultural de Macau e Editorial Pública.

Lessa, Almerindo (1996). Macau, Ensaios de Antropologia Cultural Portuguesa dos Trópicos. Lisboa: Fundação Oriente, Instituto de Investigação Científica Tropical, Instituto Português do Oriente, Administração de Macau,

Lima, Fernando (1999). Macau as duas Transições. Macau: Fundação Macau. Santos, Carlos Pinto e Orlando Neves (1996). De longe à China, Macau na Historiografia e na

Literatura Portuguesas, Tomo IV. Macau: Instituto Cultural de Macau.

6 “A minha primeira reação foi mandá-lo embora, mas seria uma medida ostensiva, ilegal e que daria força ao setor esquerdista”, queixava-se Nobre de Carvalho. (Lima, 1999: 375).

Sousa, Acácio Fernando de (2010). “Arriaga, Ouvidor Miguel de”. In DITEMA Dicionário Temático de Macau, vol. I. Macau: Universidade de Macau, p. 112-114.

Teixeira Manuel (1976). Macau e a sua Diocese, Bispos, Missionários, Igrejas e Escolas, XII. Macau.

7.1. APÊNDICE I – DADOS BIOGRÁFICOS DE D. PAULO JOSÉ TAVARES

- Nascimento: 25 / 01 / 1920, Rabo de Peixe.

- Frequência Seminário Angra: 1931-1941. - Frequência da Universidade Gregoriana: 1941-1945. - Ordenação em Roma, na Basílica de S. João de Latrão: 24 / 04 / 1943. - Frequência da Academia Eclesiástica de Roma: 1945-1947. - Adido, secretário, auditor e conselheiro de Nunciatura na Secretaria de Estado do Vaticano:

1947-1961. - Nomeação como bispo de Macau pelo Papa João XXIII: 24 / 08 / 1961. - Tomada de posse (por procuração): 22 / 11 / 1961. - Chegada a Macau: 27 / 11 / 1961. - Episcopado: 1961-1973. - Participação no Concílio Vaticano II: 1962-1965. - Falecimento: 12 / 06 / 1973

7.2. APÊNDICE II – BISPOS AÇORIANOS EM MACAU

D. Manuel Bernardo de Sousa Enes – Ilha do Topo, S. Jorge, Açores (1873-1883). D. João Paulino de Azevedo e Castro – Lajes, Pico, Açores (1902-1918). D. José, da Costa Nunes – Candelária, Pico, Açores (1920-1941). D. Paulo José Tavares – Rabo de Peixe, S. Miguel, Açores (1961-1973). D. Arquimínio da Costa – S. Mateus, Pico, Açores (1976-1988).

7.3. APÊNDICE III –

“Macau é uma península chinesa. O imperialismo português tem-na ocupada há mais

de 400 anos e oprimido cruelmente a população chinesa. (Apêndice III) No inverno de 1966, enquanto a grande revolução cultural proletária do nosso país

entrou numa nova etapa, os imperialistas portugueses em Macau chegaram a servir de vanguarda precipitoso [sic] à contracorrente antichinesa, levantada pelo imperialismo norte-americano e pela camarilha dirigente revisionista soviética, e tiveram o atrevimento de pôr um fogo antichinês à porta sul do nosso país. Tendo provocado sucessivos incidentes sangrentos em que mataram e feriram um grande número de compatriotas chineses, numa tentativa vã de tatear o poderio do povo chinês e sabotar a nossa grande revolução cultural proletária. […]

“[…] os compatriotas chineses de Macau […] repeliram os repetidos ataques dos inimigos, desfizeram uma por uma as intrigas e acabaram por conseguir obrigar os

Page 6: CADERNOS DE ESTUDOS AÇORIANOS...2 1. RAUL LEAL GAIÃO 26º COLÓQUIO LOMBA DA MAIA 2016 TEMA 3.3. AÇORIANOS EM MACAU: D. PAULO JOSÉ TAVARES, SINOPSE D. Paulo José Tavares, nascido

6

imperialistas portugueses em Macau a baixar a cabeça para confessar os crimes e apresentar publicamente desculpas à população chinesa. […]

Os compatriotas de Macau estão decididos a manter de futuro, ainda mais alto a grande bandeira vermelha do invencível pensamento de Mao Tsé Tung […] e prontos a lutar e pela vitória da causa patriótica, anti-imperalista, antirrevisionista.

- Mais de 10000 compatriotas chineses de Macau, de todo vigorosos, empunham o retrato do Presidente Mao e gritam: agradecemos ao povo pátrio o seu forte apoio à nossa luta contra a perseguição…]

- Com um ódio infinito ao imperialismo, chineses patriotas trepam para a estátua de pedra de Jorge Álvares, agressor que há mais de 400 anos veio à China entregar-se a atividades agressivas, batem-lhe e cortam-lhe o braço direito.

- O fogo de ódio que os chineses patriotas têm ao imperialismo dirige-se ao Leal Senado, repartição portuguesa de Macau que ao longo dos anos tem oprimido e explorado a população chinesa. Eles retiram do salão todos os retratos dos opressores “Governadores” e os deitam para as ruas.

- Chineses patriotas lançam para a rua todos os armários de documentos, sofás e máquinas de escrever que se encontram no Leal Senado.

- Desencadeou-se um fogo de ódio no fundo dos chineses patriotas ao repararem na estátua de bronze de Mesquita, que há mais de cem anos comandou tropas portuguesas a invadir o território chinês. Uns estudantes sobem para a estátua e desarmam-na, tirando-lhe a espada.

- Chineses patriotas executam à força a estátua de Mesquita, passando-lhe pelo pescoço cordas de aço e mobilizando camiões a puxá-la para o chão.

- Com as mãos a tremer, o “Governador” José Nobre de Carvalho apresenta o documento de confissão de crimes à Comissão Representativa.” (Santos, 1996: 1514-1516).

2. RAUL LEAL GAIÃO 24º COLÓQUIO DA LUSOFONIA FUNDÃO 2015

TEMA 3.3. AÇORIANOS EM MACAU – D. JOSÉ DA COSTA NUNES: CEM ANOS DA REVISTA “ORIENTE”,

0. SINOPSE

A revista “Oriente”, revista mensal criada e dirigida pelo Pe. José da Costa Nunes,

sob o pseudónimo de Mário para a sua escrita na revista, teve uma existência curta, iniciando-se a sua publicação em janeiro de 1915 e findando em dezembro do mesmo ano. “ […] desisti à vista da indiferença com que a maior parte dos macaenses residentes fora desta colónia recebia a revista”, segundo as palavras do seu diretor. Estava direcionada fundamentalmente para as questões culturais do Oriente. “A Pintura Chinesa”, “Curiosidades Orientais”, “Hábitos culturais Chineses”, “Contos Chineses”, “O Dialeto de Macau”, “Apontamentos sobre Timor”, … foram alguns dos temas abordados.

Neste texto, pretendemos lançar um olhar retrospetivo do percurso da revista,

marcante no contexto cultural de Macau.

“A felicidade é como o eco; responde-nos, mas não vem.” (Oriente, 1915: 57)

1. PUBLICAÇÃO DA ORIENTE A publicação da revista Oriente tem início em janeiro de 1915, sob a direção do Pe.

José da Costa Nunes, quando a Primeira Grande Guerra já alastra pela Europa, e de que nos dá conta no primeiro número o diretor (sob o pseudónimo de Mário): “Ensopado em sangue, lá se sumiu na voragem do tempo o 1914. Foi um ano mau. Talvez o pior de toda a história da humanidade. O mundo ainda não presenciou tam horrível conflagração, como essa que irrompeu na velha europa, numa insaciabilidade de sangue, num entrechocar de ódios, de maldições, de desesperos” (Oriente, 1915: 4). A revista destinava-se fundamentalmente aos portugueses, aos filhos da terra (macaenses) na diáspora, disseminados por partes diversas do Extremo-Oriente, nomeadamente em Hong Kong e Xangai, para onde se dirigiu grande parte da comunidade macaense. A existência da revista é breve, pois a sua publicação termina no fim de 1915, por questões financeiras e pela “indiferença com que a maior parte dos macaenses residentes fora desta colónia recebia a revista” (Cardoso, 1999: 56), macaenses destinatários principais da publicação.

O seu diretor lamenta que seja interrompida a grande ação patriótica levada a cabo

nas páginas da revista “porque um dos fins da Oriente era fazer ressurgir do passado tantas coisas belas que nos estam para aí a falar da Pátria, tantas recordações portuguesas que se vam obliterando gradualmente, graças à ação do tempo que nada respeita na sua marcha destruidora.” (Oriente, 1915: 250)

2. O ORIENTE AO DESFOLHAR DA REVISTA

Para o Pe. José da Costa Nunes o Oriente é, em primeiro lugar, a evocação do

passado. A palavra Oriente é carregada de sentido para os portugueses e para os católicos, pois nela estão escritas “as mais belas páginas” da ação dos portugueses, sendo “os primeiros pioneiros da civilização cristã nestas remotas paragens”; aqui se fez também a construção da história de Portugal, “feita de heroísmos e crenças, de fé e bravura” (Oriente, 1915: 1). As memórias desse passado continuam presentes na “língua, na religião, nas tradições, nas velhas igrejas, nas fortalezas desmanteladas, nos edifícios carcomidos do tempo, nos monumentos que as idades têm respeitado” (Oriente, 1915: 2), desde Ormuz a Malaca, de Malaca ao Japão.

O Oriente é o presente dos povos asiáticos e das suas ricas culturas, desde o

folclore oriental às religiões, dos costumes às tradições, lendas e narrativas (Oriente, 1915: 3), particularmente da grande civilização chinesa (um mistério ainda para muitos), do Japão, Timor e sobretudo Macau, lugar privilegiado para uma visão do Oriente, como plataforma secular, no Extremo-Oriente, para o comércio e para evangelização e espaço de cruzamento de culturas, ensaiando e criando um modo de vida próprio neste pequeno território.

O Oriente é ainda um ponto longínquo para um olhar distanciado de Portugal. Visto

do Oriente, as suas glórias e as suas desditas ganham uma diferente perspetiva.

Page 7: CADERNOS DE ESTUDOS AÇORIANOS...2 1. RAUL LEAL GAIÃO 26º COLÓQUIO LOMBA DA MAIA 2016 TEMA 3.3. AÇORIANOS EM MACAU: D. PAULO JOSÉ TAVARES, SINOPSE D. Paulo José Tavares, nascido

7

Embora escrita a partir de Macau, a revista integrou algumas colaborações a partir de Portugal, particularmente de açorianos que viviam fora de Macau. Selecionamos alguns dos temas, fazendo a sua abordagem, para ilustrar o amplo campo de ideias desenvolvido nos diversos números da revista.

3. PLANO DA ORIENTE / CONTEÚDOS

O plano da revista compunha-se de múltiplas secções, algumas das quais se

mantiveram ao longo dos doze números, que apresentamos, embora não na totalidade: Editorial (Mário): As Colónias macaenses, n.° 3, p. 89-90; Um Jubileu no

Japão, n.° 4, p. 137-141; n.° 5, p. 193-198; A Ilha misteriosa (Japão), n.° 6, p. 250-254; A Estela de Si-Ngan-Fu, n.° 7, 301-304; n.° 8, p. 349-352; D. Bosco, n.° 9, p. 397-400; O Padroado Português e a Diocese de Macau, n.° 10, 445-449; n.° 11, p. 493-498; O Natal, n.° 12, p. 541-544.

A Pintura Chinesa (Silva Mendes): n.° 2, p. 45-50; n.° 3, p. 93-99; n.° 4, p. 141-145; n.° 5, p. 199-205; n.° 6, p. 254-259; n.° 7, 305-311; n.° 9, p. 401-405.

Apontamentos sobre Timor (Um missionário): n.° 1, p. 11-14; n.° 2, p. 52-57; n.° 3, p. 101-106; n.° 4, p. 146-150; n.° 5, p. 205-210; n.° 6, p. 262-265; n.° 7, p. 311-315; n.° 8, p. 358-362; n.° 9, p. 405-409; n.° 10, 453-457; n.° 11, p. 501-504; n.° 12, 547-550.

Narrativas: Contos chineses (Um Deus Complacente, n.º 1, p. 16-19; A Chuva, n.° 3, p. 108-110; A Metempsicose); Contos portugueses (A Linda Enxotadeira de Pe. Nunes da Rosa, n.° 2, p. 59-62; “A Alforreca” de Wenceslau de Morais, baseada numa lenda japonesa 64-66); (…)

Romance (René Gaell, As Joias da Princesa) Sciencias (Pe. J. C. R.): Telegrafia sem fios, n.° 1, p. 25-27; n.° 2, p. 67-

70; Tremores de Terra, n.° 3, p. 116-118; n.° 4, 172-175; A Navegação Aérea, n.° 5, p. 233-235; n.° 6, p. 283-286; n.° 8, p. 380-383; n.° 9, p. 428-430; Máquinas volantes, n.° 10, p. 472-476; n.° 11, p. 527-529; As radiações ultra-violetes, n.° 12, p. 571-574. Tuberculose em Macau (Moraes Palha), n.° 7, p. 328-334;

Crónicas (Mário): Macau, n.° 1, p. 32-34; n.° 2, p. 75-78; n.° 3, p. 121-124; n.° 4, p. 176-179; n.° 5, p. 236-239; n.° 6, p. 287-290; n.° 7, p. 335-338; n.° 9, p. 431-434; n.° 10, p. 476-479; n.° 11, p. 530-533; n.° 12, p. 575-578.

Mala da Europa (Sílvio): n.° 1, p. 35-38; n.° 2, p. 79-82; n.° 3, p. 125-128; n.° 4, p. 180-184; n.° 5, p. 240-245; n.° 6, p. 291-295; n.° 7, p. 338-343; n.° 8, p. 387-390; n.° 9, p. 434-437; n.° 10, p. 480-483; n.° 11, p. 533-537 (Sílvio); n.° 12, p. 578-582 (Sílvio)

Poesia: ”Às Mães”, de Guilherme Braga, n.° 1, p. 15; “Alguém” de Gonçalves Crespo, n.° 2, p. 58; “A Vitoria Colona”, de João de Deus, n.° 3, p.107); “Stabat Mater”, A. J. G., n.° 4, p. 151; (ilegível), de A. Nobre, p. 214; “La Couronne Efeuillée” de Desbordes Valmore (em francês); “The Seven Ages of Man”, Shakespeare; António Nobre; “Mater Dolorosa”, Gonçalves Crespo; “Botão de rosa”, Maria Christina d´Arriaga; “Deus”, Alexandre Herculano). (…)

Curiosidades: A Clepsidra ou relógio de água em Cantão (n.° 1, p. 39); O Templo dos 500 Génios (n.° 1, p. 39); A grande Muralha da China (n.° 2, p. 83); Cascata gelada no Tibete (n.° 2, 83-84); Estátua de Marco Polo em Cantão (n.° 2, 84-85); O grande sino de Pekin (n.° 3, p. 129-130); Minas aéreas (n.° 3, p. 130-131); A Torre inclinada de Sou-Chou ou o seu Fong-Sui (…)

Os Novos: D. Nuno Álvares Pereira, n.° 2, p. 28-29; a Xenofobia chinesa, n.° 3, p. 119-120; (…)

Cousas do Oriente: O dialeto de Macau (António Silva), n.° 4, p. 161-166; Impressões do Oriente (Icobo), n.° 5, p. 224-228; Feitoria portuguesa de Bangkok (Carlos de Melo), n.° 6, p. 276-278; Dialeto Português de Malaca – texto (Serani), n.° 7, p. 324-325; Impressões de Timor (Icobo), n.° 8, p. 372-377; Influência Portuguesa em Siam (Carlos de Melo), n.° 9, p. 421-424; Ajuste de casamento de Nhi Pancha – Dialeto de Macau, n.° 10, p. 463-466; O Panteão Chinês (Pe. J. L.), n.° 11, p. 516-520; 23 de dezembro – versos macaístas, n.° 12, p. 563-565.

Outros: O Casamento Chinês, n.° 5, p. 228-234; n.° 6, p. 279-280; n.° 7, p. 325-327; n.° 9, p. 425-427; n.° 10, p. 467-469; A Jovem China, n.° 5, p. 230-232; n.° 6, p. 279-280; Cartas do Ocidente, n.° 6, p. 259-261. (…)

4. OS MACAENSES / A LÍNGUA E A CULTURA PORTUGUESA

A emigração da comunidade macaense na segunda metade do século XIX, contribui

para a formação de numerosas e importantes colónias por todo o Extremo Oriente. Em quase todas as cidades abertas ao comércio se encontra um filho da terra, lutando e trabalhando pela vida num esforço incessante e contínuo. (Oriente, 1915) O macaense é dotado, na perspetiva do Pe. José da Costa Nunes (Mário), de grandes aptidões e de qualidades de trabalho, com facilidade de adaptação e com um conhecimento do meio oriental que poderia ser um elemento de valor no progresso de Macau (Oriente, 1915: 89).

Pelo afastamento da sua terra, e pela ausência da língua e cultura portuguesa corre

o risco de desnacionalização. “Hoje o macaense sai para não voltar. Lá fora constitui família. Para junto de si vai chamando os seus e desta sorte se vão afrouxando os elos que o prendiam a Macau e à Pátria portuguesa”. (Oriente, 1915: 89)

Os filhos, educa-os à inglesa, os costumes são ingleses, só se fala inglês. Para

manter a ligação destes emigrantes a Macau e à cultura portuguesa é urgente (na opinião do Pe. José da C. Nunes) dar atenção à educação da juventude, sendo essencial o ensino da língua e a criação de escolas portuguesas nos pontos onde existem núcleos macaenses, “porque a língua sempre foi o laço mais forte para manter vivo o espírito de nacionalidade” (Oriente, 1915: 92).

O estudo da língua portuguesa não deve limitar-se ao campo exclusivamente

linguístico, deve ser acompanhado “do conhecimento da nossa história e do estudo da vida portuguesa, nas suas diversas modalidades sociais. É necessário fazê-lo, a fim de que o espírito juvenil se interesse por tudo que nos diz respeito e se identifique com a alma portuguesa.” (Oriente, 1915: 92)

Depois de completada a educação base, quando o jovem entra na vida ativa e inicia

a sua atividade laboral, era necessário que o jovem encontrasse, no meio social em que se insere, novos estímulos para robustecer a sua fé patriótica e propostas que vão além das metodologias da época para manter o domínio da língua portuguesa e o contacto com a cultura: ler jornais e livros portugueses, ouvir conferências sobre assuntos nacionais, acompanhar a vida do país com interesse, relacionando-se mais de perto com Macau e a mãe-pátria, alimentando o espírito de solidariedade entre as várias colónias portuguesas da China e do Japão, e tendo os seus clubes, as suas bibliotecas, as suas associações,

Page 8: CADERNOS DE ESTUDOS AÇORIANOS...2 1. RAUL LEAL GAIÃO 26º COLÓQUIO LOMBA DA MAIA 2016 TEMA 3.3. AÇORIANOS EM MACAU: D. PAULO JOSÉ TAVARES, SINOPSE D. Paulo José Tavares, nascido

8

os seus grémios, com um cunho acentuadamente nacional, onde se possa respirar uma atmosfera portuguesa, donde resultasse bem nítida a nota patriótica. (Oriente, 1915: 92)

5. O DIALETO DE MACAU Nos finais do século XIX, no último quartel, verifica-se o processo de

descrioulização do patuá, por força da presença da língua portuguesa, conjugada com uma instrução mais alargada; a 30 de junho de 1893, foi aprovado pelo Governo da metrópole o projeto regulando a instrução em Macau, cujos art.º 3 e 4 ordenavam:

“Art. 3 – A instrução secundária será ministrada no Liceu Nacional de

Macau, creado por esta lei. Art. 4 – O Liceu de Macau é equiparado, para todos os efeitos, em categoria

aos liceus nacionais do reino”. (Teixeira, 1986: 13)

De igual modo, procura-se implantar e promover o ensino da língua portuguesa, sendo obrigatório em todas as escolas primárias da província, oficiais, municipais, missionárias ou de quaisquer instituições subvencionadas pelo governo o ensino da língua portuguesa.

O crioulo começa a limitar-se a grupos sociais mais restritos, isolados e

desfavorecidos, recolhendo-se lentamente ao espaço familiar e ao convívio feminino entre as senhoras macaenses e as suas crioulas (de fraca instrução), sendo visto, correntemente, como uma corruptela da língua portuguesa pelo contacto com a língua chinesa. Subsistirá nas comunidades macaenses emigradas, nomeadamente em Hong-Kong e Xangai, até meados do século XX. (Gaião, 2009) Mesmo os falantes do crioulo começam a sentir, nesta altura, a necessidade de tentar melhorar o uso da língua portuguesa bem como efetuar a sua aprendizagem, preocupação que se reflete numa carta escrita em crioulo (Carta de Siára Pancha a Nhim Miquéla), numa forma linguística que evidencia já a marcante aproximação ao português: “Vós logo sinti differença na minha modo di escrevê. Eu já aperfeçoá bastante neste um pôco tempo. Tudu este escola novo de machu e femia, e aquelle gazeta Ta-ssi-yang-kuo já fazê indretá bastante nosso lingu” (Pereira, 1995: 324).

Os estudos sobre os crioulos na época são ainda bastante escassos: Marques

Pereira em Ta-ssi-yang-kuo sobre o crioulo de Macau, para além de textos, desenvolve um glossário de termos; artigos escritos por Adolfo Coelho no Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa em 1880; a memória sobre o dialeto de Macau para o Congresso Orientalista (que não se realizaria) de Leite de Vasconcelos, publicada no Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa.

Neste contexto, ganha relevo o artigo de António Silva sobre o Dialeto De Macau

na revista Oriente,7 merecendo, por isso, neste texto um forte destaque. António da Silva, em 1915, explica a modificação do português e a criação do crioulo ou Língua de Macau, como ele o designa, por força de um conjunto de circunstâncias sociais e históricas:

- “As raras e difíceis comunicações com a mãe pátria”;

7 A revista Oriente dedica várias páginas aos crioulos, o que na época é quase inédito.

- “Contactos com outros elementos linguísticos”, preponderantemente “o contacto com as línguas orientais chinesa, malaia e japonica, em rasão das frequentes relações comerciais”;

- “A falta de escritores locais que pudessem manter na sua pureza, as formas literárias consagradas pelos eruditos”;

- “A deficiência de cultura geral”. (Silva, 1915: 161)

António Silva na análise que faz ao crioulo de Macau, salienta a invariabilidade das palavras. “Todas as palavras sam invariáveis, com exceção dos pronomes que variam só no numero” (Silva, 1915: 163), acentuando a forma da marcação do número: “Forma-se o plural dos substantivos da mesma maneira que na língua chinesa, repetindo-se a palavra, ou acrescentando-se os advérbios muto / tanto”.

Silva compara a língua chinesa com o crioulo, fazendo um paralelismo entre as duas

línguas, embora, da nossa parte, pensemos que não haverá uma influência direta, uma vez que no geral os crioulos de várias culturas apresentam uma estrutura semelhante. Silva acentua a invariabilidade das palavras, a formação do plural dos substantivos, através da reduplicação (homens – homi homi; yen yen), a indicação do possessivo (Iou sa livro / Ngo ke su); a invariabilidade dos adjetivos; do mesmo modo os verbos são invariáveis nos modos, tempos, número e pessoa. Tanto numa língua (crioulo) como na outra (chinesa) o modo indicativo progressivo forma-se antepondo (no crioulo) ou pospondo (no chinês) ao infinitivo ta / kan (Iou fazêI / ngo chu kan); o pretérito faz-se acompanhar da partícula já / lo (Iou já fazê / Ngo chu lo); ao futuro logo / chao (Iou logo fazê / I Ngo chao chu). (Oriente, 163-164). Ao contrário do que Silva afirma, ao dizer que não há nele uma única palavra derivada da língua sínica, encontram-se no crioulo de Macau termos de origem chinesa, como o provam os termos que se encontram no glossário de Adé: abolô, ach´á, culau, faichi, fo-chai … (Ferreira, 1996). Por outro lado, nota que na diáspora, nas comunidades portuguesas do Extremo Oriente se verifica a introdução e a contaminação da terminologia inglesa, devido à influência desta língua falada nas diversas partes do Oriente: dangeroso (perigoso) e introduzir por apresentar, por exemplo. (Oriente, 1915: 162)

O mesmo autor acentua a especificidade do léxico macaense, a capacidade de

codificar distinções semânticas, ao mostrar que em português não existem termos que tenham uma correspondência semântica exata a alguns termos do macaísta, salientando os cambiantes semânticos próprios do crioulo: “Existem algumas palavras no dialeto de Macau, cuja correspondente não se encontra em português. Ex: Cachi – morder, mas não um morder que dói, morder ao de leve, Cachi é uma carícia. Titi – maguar-se muito pouco. Chipi – tirar qualquer coisa, servindo-se de colher ou de outro utensílio de forma semilhante etc.”. (Silva, 1915: 162)

Ainda o mesmo autor pretende que coexistam e sejam faladas no mesmo espaço o

português e o crioulo, advogando assim uma situação de bilinguismo e que provavelmente contribuiria para que o crioulo não desaparecesse tão cedo: “Queria que todos os portugueses, aqui nascidos, falassem o português genuíno, mas também desejava que todos falassem o dialeto local, pois que ele é muito melodioso e seu vocabulário bastante completo.” (Silva, 1915: 162)

Page 9: CADERNOS DE ESTUDOS AÇORIANOS...2 1. RAUL LEAL GAIÃO 26º COLÓQUIO LOMBA DA MAIA 2016 TEMA 3.3. AÇORIANOS EM MACAU: D. PAULO JOSÉ TAVARES, SINOPSE D. Paulo José Tavares, nascido

9

No fim do artigo apresenta uma narrativa em crioulo, por ele elaborada: “uma velha

sem educação nem instrução contando a uma visita que recebeu, o facto de uma sua parente se utilizar todos os dias da sua casa”, narrativa escrita numa forma crioula próxima da língua portuguesa. (Oriente, 164-166)

6. A CHINA A visão da China, na revista Oriente, é apresentada num olhar aparentemente

contraditório. É ainda vista como um mistério, de difícil compreensão: “é um mistério mais impenetrável que o dogma da Trindade! (…) A China é um absurdo mais absurdo que aquela estranha teoria de Le Bom que pretendeu provar que a menor distancia, entre dois pontos é uma linha curva” (Oriente, 1915: 185). Por outro lado, é acentuado nalgumas páginas da revista o imobilismo da civilização e da cultura chinesa: “Cantão aparece-nos hoje quase no mesmo estado em que devia estar há mais de seiscentos anos quando Marco Polo a visitou” (Oriente,1915: 39) O mesmo se nota no campo dos costumes: “na China, o casamento, longe de ser ajustado pelos próprios nubentes, é contratado pelos pais”. (Oriente, 1915: 166). Os filhos e particularmente as filhas desconhecem se estão comprometidos para casar. (Oriente, 1915: 166-169)

Porém, na revista Oriente há quem defenda que é necessária uma outra forma de

ver a China. A cultura chinesa precisa de ser vista numa perspetiva chinesa e não europeia, como propõe Silva Mendes nas páginas sobre a pintura chinesa. Um estrangeiro, europeu por exemplo, não versado em assuntos de arte e não se tenha dedicado a estudos sinológicos, passa por uma obra-prima de pintura chinesa sem que ela lhe prenda a atenção, apenas repousará os olhos com agrado, não sentindo nela uma elevada conceção artística. (Oriente, 1915) “Em rigor, para apreciar a pintura chinesa, é preciso ser chinês. A arte é a manifestação sintética dos maios altos sentimentos estéticos de um povo ou de uma raça: donde a resultante lógica de que somente os indivíduos desse povo ou dessa raça nos quais esses sentimentos possam vibrar, são aptos para os realizar, para os sentir. Nada, porém, é de absoluto; e esse exclusivismo abre-se àqueles que, sendo estranhos à raça, a estudam e pelo estudo a penetram na sua intimidade sentimental. […] Primeiro que tudo, para se poder apreciar e admirar uma pintura chinesa, é preciso fazermo-nos chineses. (Oriente, 1915: 7)

Neste sentido, Silva Mendes propõe que se penetre na alma chinesa, nos

sentimentos estéticos, que se conheça a história e a cultura deste povo, os seus costumes, a sua psicologia, a sua literatura, a sua poesia, o seu folclore, a sua mitologia, as suas superstições, as suas lendas, a sua visão do mundo. Só depois disto, se pode “entrar no templo da Arte e contemplar plácida e conscienciosamente as suas maravilhas, apreciá-las, criticá-las, embeber-se nelas.” (Oriente, 1915: 7)

Ao longo da revista começa a assinalar-se uma nova China, salientando por um

lado a necessidade das mudanças e a verificação de que nos costumes algo está a mudar. A China não pode conservar-se envolta nas velhas roupagens e nos modelos de uma época que passou, pois, o contacto com outras culturas e civilizações acarreta a evolução necessária das sociedades: “Posta em contacto com a civilização ocidental, indiscutivelmente mais forte e mais progressiva, deixar-se-á absorver pelas ideias europeias, vendo-se na necessidade de renunciar ao seu passado para entrar

abertamente no caminho das reformas, sob pena de ficar aniquilada. Nem mesmo a civilização e o progresso modernos podem consentir que a China continue por mais tempo, e que as tornam insustentáveis, quando tocadas, ainda que levemente, das ideias que predominam nas sociedades cultas.” (Oriente, 1915: 170)

Uma das mais antigas civilizações não pode continuar “mumificada nas suas formas

arcaicas”, repudiando ”tudo o que permita modificar-lhe as instituições domésticas e sociais.” (Oriente, 1915: 171) Neste sentido, é saudada a implantação da República (1912), sendo sinal da germinação de novas ideias e de uma nova mentalidade, constituindo um passo fundamental para as reformas da China “transformando-a numa nação moderna, forte, vigorosa, cônscia dos seus destinos e apta para cumprir no Extremo-Oriente uma grande missão civilizadora”. (Oriente, 1915: 171). Contudo, não deixam de ser assinaladas as limitações destas reformas, pois “a China não estava preparada para um regímen democrático, e que este não tem dado os resultados que se esperavam, devido a essa falta de preparação, deve reconhecer-se, porém, que o novo regímen representa um esforço enorme do reformismo chinês, no sentido de desligar a nação das peias seculares, que emperravam todo e qualquer movimento progressivo.” (Oriente, 171)

É no campo dos costumes que parecem surgir as alterações mais visíveis pela

europeização dos chineses (embora nos pareça que seja mais referente à comunidade chinesa de Macau e não propriamente à China Continental): “ o chinês substituiu a cabaia por uma fatiota ocidental, o leque por uma bengala, os sapatos de seda por umas botas de chagrin, e o rabicho elegante, lindo, setinoso… por uma marrafa, luzidia do cosmético” (Oriente, 1915: 75) e com algum humor aponta que o chinês até botou óculos, mesmo com falta de nariz, acabando por não ser nem chinês, nem europeu.

7. A MODERNIDADE

O mundo ocidental está desde os fins do século XIX num grande progresso

científico e imbuído do modernismo cultural, cantando no Futurismo a velocidade, a máquina, que perspetivam um futuro dinâmico. A revista Oriente partilha este espírito e por isso na secção Sciencias dá nota dos últimos progressos científicos.

A revista consagra algumas páginas à Telegrafia sem fios e como Marconi (12 / 12 / 1901) a descobriu: Na Terra Nova “ouviu por meio de um papagaio do ar, um arame muito comprido, um tubo delicado cheio de pequenas partículas de metal e um auscultador telefónico, sinais transmitidos desde os confins de Cornualhes pelos seus colegas”. (Oriente, 1915: 25)

É vincada a aplicação das ondas hertzianas e as consequências na comunicação, sugerindo novas aplicações como “a transmissão de desenhos e fotografias por meio da telegrafia sem fios” (Oriente, 1915: 26) e futuriza que por meio de ondas radiotelegráficas, “o funcionamento de diversas máquinas sem que o operador esteja em comunicação com elas por género algum de contacto material” (Oriente, 1915: 67) e “conseguir dirigir um corpo movediço, a distância, pelo som da voz”. (Oriente, 1915: 68) A mesma exploração é feita no domínio da aeronáutica.

8. BIBLIOGRAFIA

Cardoso, Tomás Bettencourt (org.) (1999). Textos do Cardeal Costa Nunes, vol. X, Macau:

Fundação Macau.

Page 10: CADERNOS DE ESTUDOS AÇORIANOS...2 1. RAUL LEAL GAIÃO 26º COLÓQUIO LOMBA DA MAIA 2016 TEMA 3.3. AÇORIANOS EM MACAU: D. PAULO JOSÉ TAVARES, SINOPSE D. Paulo José Tavares, nascido

10

Ferreira, José dos Santos (1996). Papiaçam di Macau, vol. II. Macau: Fundação Macau. Gaião, Raul Leal (2009). “Representações do Crioulo Macaense”. In II SIMELP, II Simpósio

Mundial de Estudos de Língua Portuguesa, Língua Portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas, Universidade de Évora, 2009. ISBN: 978-972-99292- 4-3.

Gaião, Raul Leal (2011). “Adé: Representações de Dóci Papiaçám di Macau”. In Macau: quatro séculos de Lusofonia: Passado, Presente e Futuro. XV Colóquio da Lusofonia, Macau, 11-15 de abril de 2011. CD-ROM ISBN: 978-989-95891-7-9.

Nunes, Pe. José da Costa (dir.) (1915). Oriente, Revista mensal, Macau. Pereira, J. F. Marques, (1995). TA –SSI-YANG-KUO, Arquivos e Anais do Extremo-Oriente

Português, Série I – vol. I-II (1 ed. 1984), Macau. Silva, António (1915). “O Dialeto de Macau”. In Oriente, abril de 1915, nº. 4, Macau. Teixeira, Monsenhor Manuel (1986). Liceu de Macau, 3ª ed., Macau: Direção dos Serviços de

Educação.

9. ANEXO

Botão de rosa Ó lindo botão de rosa Que estás à brisa a sorrir, És tão fresco, és tão formoso Mal começas a entreabrir. No teu cálix esse orvalho Muito puro a tremular, Parece pérolas finas Que te estão a matizar. Amanhã já não terás Essa formosura, ó flor: Acabando a juventude Tudo perde a sua cor. Talvez que fora melhor Te arrebatasse o Tufão, Serias tu mais ditosa Que esperar a podridão… Assim formosa morrias Sem saber o que é a dor Que traz a longa existência Num constante dissabor… A mocidade é tão bela Em tudo o que sente e vive; Depois vem os desenganos, Só a mágoa sobrevive… (Açores – Maria Christina d´Arriaga, do livro “Flores d´Alma”)

3. RAUL LEAL GAIÃO, 22º COLÓQUIO DA LUSOFONIA SEIA 2014

TEMA 3.3. AÇORIANOS EM MACAU – D. JOÃO PAULINO: “DA ATIVIDADE PASTORAL À DIVULGAÇÃO DA LÍNGUA PORTUGUESA”

1. SINOPSE

O texto pretende dar a conhecer a ação em Macau de D. João Paulino de Azevedo e

Castro (Lajes do Pico, 4/2/1852 – Macau, 17/2/1918), na sequência de outros textos sobre personalidades açorianas em Macau.

D. João Paulino desenvolveu uma dinâmica ação pastoral na Diocese de Macau,

diocese que abrangia, na época, uma vasta área do sueste asiático. Esta ação traduziu-se nas visitas às missões católicas de Timor (com a criação e reorganização das suas missões), a Singapura, Malaca e Hainan (na China), no incremento da instrução, criando escolas e colégios e intensificando a ação educativa do Seminário de S. José que desempenhou um papel central na educação em toda a diocese.

Para além da preocupação com a definição da situação jurídica e missionária do

Padroado Português no Oriente, refletida na publicação, em 1917, de Os Bens das Missões Portuguesas na China, D. João Paulino focou-se empenhadamente no ensino e divulgação da Língua Portuguesa no seio da comunidade macaense que, devido às ligações a Hong Kong e por razões económicas e sociais, estava mais motivada e orientada para a aprendizagem da língua inglesa. O prelado dedicou à Língua Portuguesa a pastoral Estudo da Língua Portuguesa e amor à Pátria, incentivando ao seu estudo, pelo facto de ser a língua de nossos pais, pela contribuição para a promoção e desenvolvimento do homem, pela riqueza da sua literatura e de todo o acervo cultural, e por ser a língua de um povo grandioso e língua universalmente falada em diversas partes do mundo.

2. INTRODUÇÃO

D. João Paulino esteve à frente da diocese de Macau (1903-1918) no período

conturbado da implantação da República que afetou particularmente a Igreja Católica. O fervilhar do espírito republicano no princípio do século XX, e a implantação da República em 1910 ameaçaram e perturbaram a Igreja e a ação dos agentes seculares e regulares, ao defender a laicização do Estado e da sociedade, pondo fim ao ensino da religião nas escolas, legislando a laicidade do casamento e decretando outras medidas que marcavam a independência do Estado em relação à Religião Católica, nomeadamente expulsando os Jesuítas e outras ordens religiosas.

Em 1911, a Lei da Separação põe em causa o papel e a autonomia institucional da

Igreja Católica ao reduzir ao mínimo o financiamento do culto por parte do Estado, continuando este, porém, a apropriar-se dos direitos sobre o Padroado Português do Oriente, supervisionando a ação missionária e reduzindo os seus agentes a um clero secular formado em instituições públicas.

Page 11: CADERNOS DE ESTUDOS AÇORIANOS...2 1. RAUL LEAL GAIÃO 26º COLÓQUIO LOMBA DA MAIA 2016 TEMA 3.3. AÇORIANOS EM MACAU: D. PAULO JOSÉ TAVARES, SINOPSE D. Paulo José Tavares, nascido

11

No Oriente, os efeitos da política republicana tiveram repercussões negativas muito fortes, particularmente em Macau e Timor (territórios na dependência do Estado português), espaços onde a educação e a assistência estavam, quase exclusivamente e desde há longos anos, aos cuidados da Igreja, paralisando a sua ação por efeito de encerramento dos institutos religiosos que formavam os missionários, com a expulsão dos Jesuítas pelo decreto de 8/10/1910, determinação executada em Macau no dia 19 de novembro do mesmo ano, seguindo-se, algum tempo depois, a saída de outras ordens religiosas, como os Salesianos e as Canossianas, obrigadas a partir do território de Macau e Timor.8

Em Timor, ao tempo território integrado na Diocese de Macau, a situação ainda muito

débil em termos de missionação, ensino e desenvolvimento, ficou ainda mais fragilizada. Segundo a lei da Separação das Igrejas, de 20 de abril de 1911, a Igreja Católica deixava de ser a religião oficial, perdendo todas as prerrogativas inerentes a essa condição (Figueiredo, 2003). Com esta determinação, terminava oficialmente toda a interferência do Estado na vida e organização da Igreja Católica, bem como o apoio que esta recebia.

O governo republicano criou as missões laicas para substituírem as católicas, com

fracos resultados porém, pois era impossível recuperar as tarefas abandonadas pelas diversas ordens religiosas, tarefas para as quais os padres seculares vindos de fora não estavam preparados, assegurando estes, com dificuldade, o funcionamento de algumas escolas.

Em maio de 1919, como as missões laicas não chegaram a funcionar, o Estado

português reconhecia a importância das missões católicas enquanto agentes de civilização e dos interesses nacionais, regulamentando a implementação e funcionamento das designadas “missões civilizadoras”, laicas e religiosas, assumindo o Estado a responsabilidade de subsidiar estas últimas enquanto “elementos de ação civilizadora e nacionalizadora” (Figueiredo, 2003: 561).

É neste contexto agitado, e que põe em causa a ação missionária, educativa e

assistencial da Igreja, que decorre o exercício das funções de D. João Paulino na vasta diocese de Macau (1903-1918).

3. PASTORAL – MISSÕES E ENSINO

Desde o início, uma das principais preocupações, e a que D. João Paulino prestou

particular atenção, foi a criação e reorganização das missões católicas, fulcro de toda a atividade missionária no Extremo Oriente. Como a diocese estava disseminada por uma vasta área, as visitas pastorais que exigiam longas e penosas viagens, foram a forma de o bispo conhecer, organizar e dinamizar a ação missionária em toda a sua diocese. Por isso, logo após a sua chegada a Macau (1903), visita Singapura e Malaca (1904), Timor (1905) e Hainan (1906), zonas da diocese onde fomentou a ação missionária e a criação de novas escolas e missões.

8 Os jesuítas dirigiram-se para a Índia, os Salesianos para várias partes da China, as Canossianas para Hong Kong. As ordens religiosas, saídas de Macau, no rebentar da revolução republicana, regressaram gradualmente; em

Com o fervor republicano, e sendo aconselhada ao bispo uma ausência temporária, aproveitou o clima ameaçador para uma visita às Missões: a partir de dezembro de 1910 (4/12/1910) visitou as missões da China (aproveitando para visitar depois Hong Kong e Cantão, apesar de não pertencerem à Diocese de Macau) e em dezembro de 1911 ruma a Singapura, Malaca e Timor. O conhecimento que estas visitas lhe proporcionaram, materializou-se na expansão das missões e na edificação de igrejas, capelas, colégios e residências dos missionários, particularmente no interior da China e em Timor.

Intensificando a forte presença e ação da Igreja no Oriente, dedicou-se

empenhadamente ao ensino e à assistência social que a Igreja assumira desde a época da chegada dos portugueses ao Oriente. Sob o seu governo confiou o Colégio de Santa Rosa de Lima às religiosas franciscanas missionárias de Mª; criou o Colégio da Perseverança para as raparigas sem família, entregue às religiosas Canossianas e fundou um orfanotrófio, Orfanato da Imaculada Conceição, para o ensino de artes e ofícios a jovens chineses e entregue por D. João Paulino em 1906 à direção dos Salesianos de D. Bosco, sendo o primeiro diretor do orfanato o italiano Pe. Luigi Versiglia (1873-1930), depois bispo e vigário-apostólico na China, mártir e santo da Igreja Católica.

Com a saída forçada dos jesuítas a 19 de novembro de 1910 e mais tarde de outros

religiosos e religiosas, são encerradas escolas, infantários, orfanatos, oficinas. Algumas escolas e instituições de assistência deixam de funcionar. A saída dos jesuítas que se encontravam à frente do Seminário de S. José levou a que o próprio bispo assumisse a direção desta instituição, por desempenhar um papel fulcral na educação, não só no referente à formação do clero para todos os pontos da diocese, mas também na formação profissional da população de Macau. O Orfanato da Imaculada Conceição (dirigido pelos Salesianos) e o Colégio de Santa Rosa de Lima (orientado pelas Franciscanas de Mª) tiveram de reduzir a sua atividade, sendo administrados e lecionados pelo reduzido clero secular. Foram encerrados o Asilo de Santa Infância da Taipa, a Casa de Beneficência e outros estabelecimentos de instrução e de beneficência em Macau.

Com o decorrer do tempo, lentamente o bispo de Macau foi recuperando e

dinamizando as diversas instituições de ensino e assistência, mostrando à comunidade chinesa, queixosa da incúria dos poderes públicos, principalmente no referente à instrução, tudo o que tinha sido erigido em proveito deles, não deixando de apontar, num período de domínio republicano, como a administração portuguesa descurou a educação da população chinesa:

“Os chinas que d´antes se queixavam de que nada se fazia em Macau, por parte

dos poderes públicos, em benefício da instrucção dos da sua raça, já hoje não teem razão de queixa; por que quase todos, ou melhor – todos esses estabelecimentos, funcionam em proveito d´elles” (Castro, 1995: 98)

Com toda a ação desenvolvida, apesar de todos os ventos desfavoráveis da República, já em 1917 o bispo fazia um balanço positivo de tudo o que a Igreja reconquistou e ampliou no domínio da educação e da assistência: o Seminário de S. José, dedicado à educação

1911 estavam de volta as Canossianas e os Salesianos. A Companhia de Jesus e as Franciscanas Missionárias de Maria só regressariam nos anos 20 (do século XX).

Page 12: CADERNOS DE ESTUDOS AÇORIANOS...2 1. RAUL LEAL GAIÃO 26º COLÓQUIO LOMBA DA MAIA 2016 TEMA 3.3. AÇORIANOS EM MACAU: D. PAULO JOSÉ TAVARES, SINOPSE D. Paulo José Tavares, nascido

12

de jovens portugueses, chineses e de outras nacionalidades, destinados não só à vida eclesiástica e às missões, mas também ao comércio e à burocracia, prestou

“relevantes serviços á colonia, instruindo-lhe e educando-lhe os filhos,

podendo dizer-se que da actual geração a mór parte dos filhos de Macau, que alguma instrução tenham, ali a receberam e foram habilitados a ganhar a vida quer na colonia, quer em outras cidades do Extremo Oriente, onde ocupam rendosos lugares, ao serviço de firmas commerciaes ou em repartições do Estado. A maioria do clero actualmente ao serviço da diocese e missões, e muitos ecclesiasticos e até religiosos que se acham espalhados por fóra da diocese, ali receberam a sua educação sacerdotal ou de preparação para o estado eclesiástico e religioso.” (Castro, 1995: 83)

Para se avaliar do papel fulcral do Seminário, o plano de estudos abrangia o ensino

primário, secundário (correspondente ao curso geral dos liceus), curso de Teologia, curso de inglês comercial, chinês (cantonense), música coral e instrumental, desenho e atividades de desenvolvimento físico: ginástica, natação e outras modalidades desportivas9. Para além disso, desempenhava uma ação relevante na assistência, pois “mantem, conforme o decreto que o reorganizou, um orphanotrophio, e gratuitamente instrue a maior parte de seus alunos, sustenta e veste tambem gratuitamente ou por modica pensão um grande numero de internos.” (Castro, 1995: 86).

O Seminário era, pode dizer-se, um centro de cultura “que attrahia a consideração de

nacionaes e estrangeiros, a estima dos homens de lettras e não menos confiança das famílias, mesmo de fóra da colonia, pois é sabido que das Philipinas aqui vinham muitos jovens impellidos pelo amôr ao estudo e attrahidos pela fama que gosava o Seminario” (Castro, 1995: 70). Outras instituições de relevo: A Casa de beneficência, destinada a instruir e educar meninas portuguesas e chinesas de Macau e de fora e que não possuíam meios.

O Orfanato da Imaculada Conceição, destinado à formação de rapazes chineses

órfãos, ou que sendo pobres não tenham meios para suportar a sua educação. O ensino ministrado abrangia o ensino profissional (oficina de alfaiataria, sapataria, tipografia, encadernação e tecelagem); ensino artístico (música, música instrumental e canto, existindo banda de música); ensino literário (língua chinesa, portuguesa e inglesa); aritmética e geografia, e ainda o ensino religioso, particularmente o catecismo, não descurando ainda o desenvolvimento físico: ginástica, exercícios desportivos vários, excursões a pé e natação.

9 A formação profissional esteve desde cedo muito presente no Seminário onde “se habilitavam muitos jovens para diferentes uteis misters – na aula de pilotagem bem necessaria n´um tempo em que era muito frequente a navegação entre Macau e outros portos do oriente;” (Castro, 1995: 72). 10 O Boletim Eclesiástico da Diocese de Macau acolheu e publicou, ao longo da sua existência, para além de temas religiosos (as pastorais, por ex.), trabalhos linguísticos, de crioulística, etnográficos e antropológicos, ao tempo pioneiros nestes domínios de investigação, por exemplo e como amostra: Silva Rêgo, Influência da Língua Portuguesa na Malaia (nº35, 1938); PE. João José Andrade, Em Timor. Usos e Costumes.

11 Em 1882 um padre jesuíta leva para Macau um professor de música munido de instrumentos necessários para a formação de uma orquestra, que viria a ser a Orquestra do Seminário de S. José que funcionou até à década

O Asilo de Santa Infância, destinado a recolher as crianças abandonadas. O Asilo de S. Francisco Xavier para recolher mulheres inválidas, cegas, surdas-mudas,

paralíticas, com perturbações mentais. A Escola de S. Francisco Xavier para chineses, com o ensino do inglês, aritmética,

geografia e escrita comercial. A Escola de S. Lázaro para meninas chinesas para o ensino da língua chinesa, catecismo, história sagrada e costura. A Escola de S. Lázaro para rapazes chineses. A Escola de meninas na ilha da Taipa, onde se ensinava a língua chinesa, catecismo, costura e lavores; duas escolas de rapazes na ilha da Taipa; Escola de rapazes na ilha de Coloane para a aprendizagem do chinês (cantonense). (Castro, 1995: 96).

A sua experiência como diretor do Boletim Eclesiástico dos Açores (1894-1902),

abalançaram-no, logo no início do seu episcopado, à criação do Boletim Eclesiástico da Diocese de Macau (17/7/1903) que se tornaria um dos periódicos mais relevantes em Macau.

“No interesse do serviço eclesiástico desta diocese, havemos por bem criar […] o periódico com o título de Boletim do Governo Eclesiástico da Diocese de Macau, que será de ora avante o órgão oficial do governo da diocese no qual serão publicadas as nossas cartas pastorais, provisões, portarias, circulares, ordens, avisos, etc., bem como, em secções competentes, artigos doutrinais, consultas, notícias de interesse religioso, etc..” (Cardoso, 1997: 19). O Boletim Eclesiástico da Diocese de Macau publicar-se-á em Macau e saindo na

primeira quinzena de cada mês.

“Imediatamente a respectiva administração o fará expedir para todos os R.dos

párocos e missionários da diocese, os quais, depois de lido, o arrecadarão para oportunamente fazerem encadernar em tomos distintos, com o respectivo frontispício, índice e número de ordem” (Cardoso, 1997: 19-20)10. Outro dos aspetos da atividade que D. João Paulino não descurou foi a música sacra

e litúrgica na sua diocese, encetando e promovendo uma reforma musical através da formação de sacerdotes com preparação e sensibilidade musical para os atos litúrgicos e fazendo do Seminário de S. José um centro de formação e desenvolvimento da música, com cursos, orquestra11, coros, dinamismo que criou um ambiente musical único nas diversas paróquias de Macau e que se vai refletir na geração seguinte.12

de 50 do século XX e que chegou a ser constituída por cerca de 26 instrumentistas. O seminário possuía também uma banda. O movimento musical nas diversas paróquias de Macau foi intenso no século XX, pois praticamente todas as igrejas possuíam um coro ou um grupo de instrumentos. A igreja de S. Lázaro possuía uma excelente banda bem como o orfanato Salesiano. Cf. Gaião, 2012.

12 Em 6/9/1903, numa cerimónia de entrega de prémios no seminário, presidida por D. João Paulino, foi executado pelos alunos, na abertura da sessão, um hino criado pelo próprio D. João Paulino. O seu sucessor, D. José da Costa Nunes, empenhou-se e dedicou-se também à renovação da música sacra na sua diocese (cf. Gaião, 2013), para a qual contribuiu o PE. Áureo de Castro, grande figura da criação e atividade musical em Macau (cf. Gaião, 2012), os dois naturais da ilha do Pico.

Page 13: CADERNOS DE ESTUDOS AÇORIANOS...2 1. RAUL LEAL GAIÃO 26º COLÓQUIO LOMBA DA MAIA 2016 TEMA 3.3. AÇORIANOS EM MACAU: D. PAULO JOSÉ TAVARES, SINOPSE D. Paulo José Tavares, nascido

13

Em 1915 iniciou a publicação de Os Bens das Missões Portuguesas na China, fruto da sua investigação e da sua atividade pastoral pelas diversas missões da Diocese de Macau e que lhe possibilitou uma forte intervenção política e religiosa.

O PADROADO PORTUGUÊS

Macau integrava-se numa entidade eclesiástica, o Padroado Português do Oriente,

instituído no século XVI, tendo o Estado Português, entre outras prerrogativas, o direito de apresentação dos candidatos a bispos (Reis, 2003: 289). Conhecedor perfeito da história do Padroado e dos diversos problemas que se relacionam com a ação religiosa e patriótica do clero português no Extremo-Oriente13, mereceu particular atenção de D. João Paulino a definição da Diocese de Macau, devido à controvérsia gerada sobre a delimitação das áreas sob jurisdição da diocese de Macau e da Prefeitura Apostólica de Cantão, esta sob jurisdição francesa, questão levantada pelo governo francês junto da Sagrada Congregação de Propaganda.

A ação diplomática empreendida pelo bispo de Macau, envolvendo o governo

português, francês e a Santa Sé, e após diligências múltiplas, contribuiu para a definição da nova jurisdição efetiva do Bispo de Macau e do novo território diocesano através do decreto pontifício de 3/2/1903, executado em 1908:

“1º - o território do domínio portuguez na China, a saber - Macau e as

ilhas da Taipa e Coloane; 2º - todo o districto de Heung-Shan e algumas ilhas a oeste desse

districto pertencentes ao districto de San-ui); 3º - toda a prefeitura de Shiu-Hing, compreendendo 12 districtos; 4º - os isentos e as christandades de Singapura e Malaca, constituindo

um vicariato geral; 5º - finalmente, a parte da ilha de Timor sujeita ao domínio portuguez,

dividida eclesiasticamente em dois vicariatos geraes.” (Castro, 1995: 79)

Foram redefinidos assim os limites da diocese de Macau e da prefeitura apostólica de Cantão: a ilha de Ainão passava para a jurisdição da prefeitura e o distrito de Zhaoqing ficava sob a alçada da diocese de Macau.

Os Bens das Missões Portuguezas na China constituem uma obra metodicamente

elaborada, pela compilação de documentos dispersos, fornecendo um manancial de informações (quando se punha em causa a Igreja) sobre a origem dos bens das Missões portuguesas (doações e esmolas dos fiéis), o modo como os bens conseguiram subsistir, atendendo particularmente à situação atual, a administração, o modo de aplicação dos rendimentos às diversas obras espalhadas pela vasta diocese de Macau. (Castro, 1915: III).

13 Em Os Bens das Missões Portuguezas na China, D. João Paulino passa em revisão os momentos mais críticos da Igreja, entre os quais salienta a expulsão dos jesuítas por decreto do Marquês de Pombal em 1759, com a consequente confiscação dos bens, incluindo o Colégio de S. Paulo (transformado em quartel) que era destinado à preparação do clero para o Japão, permanecendo, apesar de tudo, o Seminário de S. José, recentemente criado, para a educação dos missionários para a China (Castro, 1995)

Os momentos difíceis com a implantação da República, levam-no a repensar as relações entre o Estado e a Igreja e o papel que a Igreja desempenhava no Extremo Oriente. Em O Padroado Português no Extremo Oriente e a Lei da Separação do Estado das Igrejas evidencia, neste texto, a ideia de que a evangelização fora a trave-mestra do processo de expansão da civilização nas nações idólatras e selvagens; enaltece o papel de Macau como centro irradiador da ação missionária no Extremo Oriente, evidenciando a utilidade política da ação missionária portuguesa na China e no Extremo Oriente;

ENSINO DE LÍNGUAS. ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA

No início da evangelização, no século XVI, a necessidade de domínio das línguas

nativas, sentida como aprendizagem prévia à evangelização, era uma preocupação constante. A primeira tarefa que era incumbida a cada missionário, ao chegar à missão a que se destinava, era dedicar-se ao estudo intensivo da língua local, uma vez que não a conhecia, ficando os missionários frequentemente “dependentes dos intérpretes para os primeiros contactos com os potenciais convertíveis e para a aprendizagem das línguas orientais. (Ferro, 1998: 387-388)

No Oriente, o ensino das línguas chinesa e japonesa, no colégio de S. Paulo em

Macau, assumiu uma importância fundamental para a formação dos missionários destinados à China e ao Japão. De acordo com Ferro (1998: 392), desenvolveu-se “o recrutamento do clero nativo, que permitia ensinar a língua aos ocidentais, auxiliá-los na missionação, no estudo dos textos religiosos hereges, nas traduções dos textos cristãos e no confronto com os clérigos autóctones.”

Também D. João Paulino, na continuação desta prática ligada à evangelização,

achava premente a aprendizagem das línguas locais, seguindo e defendendo a estratégia do estudo das línguas locais aplicada ao terreno missionário por parte dos jesuítas a quem reconhecia e elogiava o grande papel na evangelização, nos séculos passados. Ao longo das visitas pastorais efetuadas e com a amplitude da sua ação, percorrendo o extenso e por vezes longínquos territórios da sua Diocese, o bispo de Macau teve a possibilidade de observar que alguns missionários não falavam a língua da região evangelizada, nem se preocupavam ou manifestavam interesse em aprender/estudar as línguas nativas consideradas fundamentais para o exercício do ministério missionário, o que não contribuía para uma evangelização eficaz. Neste sentido, considerou oportuna a criação no Seminário de aulas de línguas nativas, inseridas na formação do clero destinado às missões, de forma que, ao chegarem aos locais do seu múnus pastoral, estivessem munidos dos conhecimentos mínimos para poderem missionar na língua dos nativos. Este plano era fundamental para as missões da China e de Timor, onde existia uma pluralidade de línguas14, mas também para o território de Macau, onde a maioria da população só falava chinês (cantonense).

14 A extensão e a distribuição por vários espaços contribuem para que fossem faladas pelo menos 21 línguas e dialetos na Diocese de Macau (no início do século XX): Português, Inglês, Punti (cantonense), Hakka e Haklo (dialetos chineses), cristão (dialeto português falado em Singapura e Malaca) ” e as 14 línguas ou dialetos falados em Timor14, pois falam-se várias línguas ou dialetos, Tetum, Galoli, Idaté Macassai, Huiamá, Dagadá, Midiquí, Naumác, Nauéte, Bunác, Baiqueno, Mambai, Tucudede, Kémak e Lacalei” (cf. Gaião, 2013).

Page 14: CADERNOS DE ESTUDOS AÇORIANOS...2 1. RAUL LEAL GAIÃO 26º COLÓQUIO LOMBA DA MAIA 2016 TEMA 3.3. AÇORIANOS EM MACAU: D. PAULO JOSÉ TAVARES, SINOPSE D. Paulo José Tavares, nascido

14

Por julgar necessário, e para o interesse da expansão da Religião Católica, considerou premente a criação da lecionação das línguas nativas no Seminário, lugar onde se fazia a preparação dos missionários para as missões em que não era falado o português, determinando o seguinte:

“Art. 1 – São criadas duas aulas para o ensino das duas principais

línguas faladas na ilha de Timor na parte sujeita à nossa jurisdição, a saber o Tétum e o Galoli.

Art. 2 – O ensino destas duas línguas bem como o do inglês e do chinês cantonense já professado no Seminário, será obrigatório para os alunos que se dedicam ao estado sacerdotal, conforme o país de missão para que forem destinados.” (Cardoso, 1997: 37).

Para a aprendizagem das línguas e para o processo de evangelização, a construção

de materiais para apoio ao ensino, bem como a elaboração de catecismos nas línguas locais e outros materiais de apoio religioso, eram fundamentais. Por isso saudou com entusiasmo a publicação do dicionário “Portuguez-Galoli”, publicado no Boletim Eclesiástico da Diocese de Macau (27/7/1905) (Cardoso, 1997: 38), bem como do catecismo em português e Galoli, “obra aprimorada em todo o sentido”, sendo de grande alcance e proveito para a população de Timor, bem como para os missionários destinados à evangelização deste território (Boletim, Jan/1904: 130) (Cardoso, 1997: 38).

De igual modo, é com regozijo que D. João Paulino regista e faz a resenha dos

trabalhos linguísticos, litúrgicos e catequéticos redigidos nos dialetos mais conhecidos e falados em Timor que fazem “ler o selvagem, e pela leitura incutir-lhe na alma as grandes idêas da Fé e as santas máximas da Moral Christã” (Castro, 1995: 190), trabalhos publicados em Macau e na maioria na Tipografia do Seminário de S. José e que revelam o grande empenhamento e a capacidade de trabalho da parte do clero da diocese de Macau:

- Pe. Sebastião Mª Aparício da Silva, Catecismo da doutrina christã em tétum,

1885; Diccionario Portuguez-Tetum, 1889. - Rdo. Manuel Mª Alves da Silva, Noções de Grammatica Galoli, 1900;

Catecismo da doutrina christã em portuguez e galoli, 1903; Compendio em galóli de orações quotidianas e Comunhão (com uma lição de doutrina em macaçàe (dialeto de Vinilale) e o decálogo em macaçáe e midic (dialeto de Leclibáto); Evangelhos das domingas e outras festas do anno (em portuguez e Galoli), 1902; Diccionario Portuguez Galoli, 1905; Noticia da Aparição da Virgem Mª Nossa Senhora nas montanhas de La Salette (em Galoli), 1888; Methodo para ouvir missa, meditando na Paixão de Nosso Senhor Jesus Christo, destinado aos christãos de Manatuto e Lacló, 1888. (Castro, 1995).

- Rdo. Pe. Manuel Fernandes Ferreira, S. J., Resumo de História Sagrada em portuguez e tétum, 1906; Pequeno Catecismo e orações para todos os dias

15 D. João Paulino refere ainda uma série de trabalhos de que tem conhecimento, inéditos na altura, e que evidenciam a vitalidade dos estudos das línguas nativas e a preocupação com a evangelização nas línguas locais: Diccionario de Tetum (Pe. Manuel Mendes Laranjeira); Catecismo na língua d´Ockussi (Pe. Manuel Calisto Duarte Neto); Historia Sagrada em galóli (Rdo PE. Pedro do Vale); Vocabulario em tucodede, falado em Maubara (PE. Manuel Martins Pereira).

(em tétum e portuguez), 1907. Rdo. Pe. Manuel Mendes Laranjeira, Cartilha – Tetum.15 (Castro, 1995)

O ensino da língua chinesa estava integrado no mesmo espírito. No Seminário, desde

a sua fundação, ensinava-se esta língua para a preparação do clero destinado à China, ensino com forte tradição, salientando, o bispo, a importância da “aula da língua e litteratura sínica, onde se instruíam allem dos jovens destinados às missões, outros que exerceram com distincção os lugares d´interpretes do Leal Senado;” (Castro: 1995), procurando simultaneamente incentivar os estudos sinólogos. 16

Por outro lado, o novo mundo que começava a despontar exigia a comunicação

noutras línguas, principalmente a língua inglesa que se estava afirmando como língua de comunicação universal (nos negócios, nas transações comerciais, no domínio da economia), e, no caso de Macau, por ser a língua falada na vizinha colonia inglesa de Hong Kong que exercia uma enorme atração sobre a população de Macau, principalmente sobre a comunidade macaense. Sendo de grande utilidade e proveito para os jovens chineses habitantes da cidade de Macau o ensino da língua inglesa ministrado por pessoas que saibam a língua chinesa, “havemos por bem criar no nosso seminário uma aula daquela língua, que será regida por algum dos professores do seminário, idóneo para tal ensino” (Cardoso, 1997: 35). Mesmo tratando-se de uma instituição eclesiástica, eram admitidos alunos que não seguissem a religião católica, sendo apenas “exigido na aula o respeito devido àquela augusta Religião.” (Cardoso, 1997: 35). No Colégio de Santa Rosa de Lima observa como o inglês, o francês e o alemão são proficientemente ensinados por professoras de nacionalidade, […] e salienta como a prática é fundamental na aprendizagem das línguas vivas, através do convívio com as professoras, por parte de muitas alunas internas ou semi-internas (Cardoso, 1997: 278).

Mas a atenção mais vincada de D. João foi o ensino da língua portuguesa. Numa

alocução no Colégio de Santa Rosa de Lima (31/1/1910) refere o estado do ensino da língua portuguesa neste estabelecimento: “A língua materna ensina-se [no Colégio] nas quatro classes de instrução primária e nas duas primeiras de português do ensino liceal, conforme os programas oficiais”, aplaudindo as professoras pelo esmero e pelo rigor “para que as alunas aproveitem as lições do belo idioma pátrio, empenhando-se em corrigir os defeituosos hábitos do dialeto local” (Cardoso, 1997: 278), referência às marcas do falar crioulo da comunidade macaense no momento em que estava em franco declínio, pela descrioulização em curso.

Do mesmo modo se refere ao ensino da língua portuguesa no seminário: “A língua

portuguesa, especialmente, é esmeradamente cultivada tanto pelos professores, entre os quaes se contam literatos distinctos, como pelos alunos, chegando mesmo os chinas a falar e escrever com muita correcção e até com muita elegância a língua de Camões; (Castro, 1995: 83)

16 Entre os sinólogos, D. João Paulino salienta o PE. Joaquim Afonso Gonçalves, autor de diversas publicações: Diccionario Portuguez-China, Lexicon Manuale Latino-Sinicum, Lexicon Magnum Latino-Sinicum, Grammatica Latina ad usum sinensium juvenum.

Page 15: CADERNOS DE ESTUDOS AÇORIANOS...2 1. RAUL LEAL GAIÃO 26º COLÓQUIO LOMBA DA MAIA 2016 TEMA 3.3. AÇORIANOS EM MACAU: D. PAULO JOSÉ TAVARES, SINOPSE D. Paulo José Tavares, nascido

15

As Missões realizam um fim não só religioso mas também patriótico, pois em todos os pontos por onde se estende a jurisdição do bispo de Macau, se fala e ensina a língua portuguesa e se criam instituições com património pertencente aos Bens das Missões. (Castro, 1995)

É na Pastoral Estudo da Língua Portuguesa e amor à Pátria17 (8/9/1906), dedicada à

língua portuguesa, que D. João Paulino pretende motivar os portugueses e nomeadamente a comunidade macaense para a aprendizagem da língua: “…conhecido por experiência que nos filhos desta terra oriundos de famílias portuguesas se vai manifestando pronunciada tendência para não se instruírem no conhecimento da língua de seus pais, a pretexto de que têm necessidade de estudar outras que mais probabilidade oferecem de lhes granjearem uma posição social vantajosa, um meio de vida definido e rendoso) (Castro, 1996: 99).

Para melhor compreensão da situação, convém referir que em 1841 foi estabelecida

a concessão da ilha de Hong Kong e ocupada pelas forças britânicas, momento a partir do qual se começou a desenvolver um movimento migratório para Hong Kong de diversas partes e nomeadamente dos portugueses de Macau, (pela proximidade geográfica) além de chineses e britânicos, devido às condições políticas, económicas e sociais que a colónia oferecia, novo espaço económico emergente, gradual e forte entreposto comercial, pelo porto franco e liberdade de comércio, tendo as principais casas comerciais chinesas e britânicas, com funcionários e dinheiro, sido transferidas de Cantão e de Macau para esta ilha (Dias, 2014).

A população macaense, mantendo os seus traços culturais (a prática da religião

católica, os casamentos dentro da sua comunidade), com um bom domínio da língua inglesa e do cantonense, desempenhava as funções de empregados de comércio, contabilistas, cambistas e intérpretes, nas casas comerciais e outras funções na área da administração colonial e da justiça. (Dias, 2014: 261) Deste modo o apelo da Língua inglesa tornou-se dominante, e a aprendizagem do português tornou-se dispensável, não só em Hong Kong mas até em Macau. Assim se compreende a atitude de D. João Paulino, seguida de várias iniciativas no reforço do ensino da língua portuguesa.

O desinteresse pela língua portuguesa relaciona-o D. João Paulino com o

“arrefecimento do amor pátrio”, sentimento nobre e sublime que se enraíza, vive, cresce e se desenvolve com as primeiras noções e os primeiros afetos. Para ele o sentimento de amor pátrio está ligado ao seio da família onde nascemos, à terra, ao “solo que pisámos, das formosas paisagens que primeiro atraíram e deslumbraram nossas vistas, do sol que doirou os primeiros dias da nossa existência” (Castro, 1996: 100), aos amigos e companheiros da escola, ao povo com as leis comuns, com a mesma religião e a mesma língua e a mesma cultura.

São estes laços que desenvolvem e fortalecem este nobre sentimento” pois a pátria

é o “ … torrão em que nasceu, essa grande coletividade no meio da qual viveu, desenvolveu e aperfeiçoou as suas faculdades, protegido pelas suas leis, amparado por seu governo paternal, instruído em suas escolas, e formado pelas suas multíplices instituições …” (Castro, 1996: 102). De todos os vínculos da nacionalidade, solo onde se

17 Vide Grosso (2009).

nasce e vive, leis e governo, comunhão de interesses, semelhança de costumes e de tendências, a religião como união na mesma fé, as tradições comuns, o património herdado, considera que a língua com que todos comunicam e todos se entendem constitui o elo mais forte, a par das tradições e da religião, exemplificando com a diáspora dos judeus.

O bispo lembra na 1ª Pastoral ao chegar a Macau (16/7/1903) como a língua e a fé

criaram este sentimento:

”foi isto o que tivemos a indizível satisfação de ver e observar nas Índias e na Península de Malaca, onde os cristãos se gloriam de terem recebido dos portugueses os ensinos da fé, a tal ponto que, mesmo em país de dominação estrangeira, ainda falam o português, ao menos nos atos religiosos, na prédica e exercícios de devoção nas igrejas e nas orações do culto privado em família. Os religiosos habitantes de Malaca não querem falar outra língua senão o seu português, ainda que muito adulterado, porque dizem eles, é o falar cristão” (Cardoso, 1996: 36-37).

Todo o homem tem de promover, desenvolver e aperfeiçoar o seu ser através do

exercício harmónico e integral das suas faculdades. “A faculdade de falar que existe potencialmente radicada no fundo da natureza humana, atua-se, completa-se e aperfeiçoa-se pelo exercício, primeiramente no seio amoroso da família, sob o terno olhar e por entre as carícias de nossas mães, depois na escola sob a direção de nossos mestres, e mais tarde no convívio do mundo, especialmente no trato com os homens sábios.” (Castro, 1996: 105)

D. João Paulino salienta o caráter ético da linguagem, pois foi através dela que fomos

encaminhados e educados para a verdade, para o bem e para a virtude, enaltece a sua estética por ser uma das mais belas, mais suaves, mais ricas e mais perfeitas, e a riqueza semântica da língua portuguesa: “uma das mais adequadas à fixação e à expressão do pensamento em todas as suas múltiplas variedades e modos […] uma das que melhor se prestam a promover o desenvolvimento intelectual e moral do homem, o progresso e o aperfeiçoamento das ciências e das artes” (Castro, 1996: 106), língua que criou obras-primas da literatura (Camões, Vieira, Bernardes, Garrett …), “sóis que brilham no firmamento das letras pátrias, através do invólucro brilhante da forma, transluzem conceitos sublimes que seduzem as imaginações, enchem de vida as almas, e fazem vibrar de nobre entusiasmo os corações!” (Castro, 1996: 107)

Para mostrar a importância e a necessidade de aprendizagem, enumera os fortes

motivos para os portugueses se interessarem pelo estudo da língua portuguesa:

1, A primeira língua falada por povos civilizados; 2. Língua de um povo grande; 3. Uma das línguas mais universalmente faladas: Europa, África ocidental e

oriental, Ásia (desde o Indo até ao Império do Sol Nascente), América do Norte (do Atlântico ao Pacífico), América do Sul (Brasil) e até na Oceânia (Timor)

4. A língua do povo que ensinou o caminho marítimo para o Oriente

Page 16: CADERNOS DE ESTUDOS AÇORIANOS...2 1. RAUL LEAL GAIÃO 26º COLÓQUIO LOMBA DA MAIA 2016 TEMA 3.3. AÇORIANOS EM MACAU: D. PAULO JOSÉ TAVARES, SINOPSE D. Paulo José Tavares, nascido

16

5. A língua do povo que manteve relações amigáveis com a China e o Japão; 6. A língua dos missionários que levaram a fé até ao Extremo Oriente.

Por isso propõe para todas as escolas e colégios dependentes da Igreja Católica

prémios que estimulem e incentivem os jovens a aprender português:

“1.º São criados dois prémios pecuniários de $40,00 cada um, denominados – “Prémio Rei de Portugal” e “Prémio Rainha de Portugal”.

2.º Estes prémios serão anualmente divididos e distribuídos do seguinte modo:

(a) Do Prémio Rei de Portugal serão dadas: I. $ 40,00 ao aluno do Seminário diocesano que mais se distinguir no exame final do curso de português; II. $ 30,00 ao aluno do mesmo estabelecimento mais distinto no exame final da instrução primária (2º grau); III. $ 70,00 serão divididas em partes iguais que constituirão outros tantos prémios para os três alunos chinas do “Orfanato da Imaculada Conceição”, da “Escola de S. Francisco Xavier” e da “Casa de Beneficência” que mais se distinguirem no exame de português final.

(b) Do Prémio Rainha de Portugal serão dados: I. dois prémios de $ 40,00 cada um às duas alunas do “Colégio de Santa Rosa de Lima” e da “Casa de Beneficência”, que mais se distinguirem no exame final do curso de português; II. Dois prémios de $ 30,00 cada um às duas alunas dos mesmos estabelecimentos que mais se distinguirem no exame final da instrução primária (2º grau).

& Único. Quando em qualquer dos estabelecimentos não haja aluno ou aluna que mereça algum dos prémios, a importância deste será proporcionalmente dividida pelos premiados do mesmo grupo.

3.º Este prémios só poderão ser dados a alunos não europeus, pois que aos alunos europeus não faltam estímulos para se instruírem na língua da mãe pátria.

4.º Oportunamente, em cada ano serão dadas por Nós ou por quem Nos represente as necessárias providências para que aos superiores dos estabelecimentos sejam entregues as quantias destinadas a cada um.

5.º Estas Nossas determinações serão de efeito permanente e perdurarão enquanto não for mandado o contrário.” (Cardoso, 1996: 116-117)

CONCLUSÃO

A dedicação às Missões e ao ensino, para além da propagação da fé e da formação

da população, têm para o bispo das Lajes um carácter político, nacional e de sentimento pátrio: “Com efeito, além da perfeição do ensino, especialmente das línguas mais apreciadas no Extremo Oriente, e sobretudo do ensino e difusão da língua portuguesa, teve-se em vista com isso neutralizar certa propaganda de descredito movida contra a colonia por aventureiros que impunemente ahi trabalhavam na desnacionalização d´ella, e que infelizmente encontraram o campo disposto para trabalharem á vontade em proveito da sua causa.” (Castro, 1995: 98)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Cardoso, Tomás Bettencourt (coord.) (1997). Textos de D. João Paulino, Provisões e outros

escritos, vol. I. Macau: Fundação Macau. Cardoso, Tomás Bettencourt (coord.) (1996). Textos de D. João Paulino, Pastorais. Macau:

Fundação Macau. Castro, D. João Paulino de Azevedo e (1995). Os Bens das Missões Portuguezas na China.

Edição fac-similada. Macau: Fundação Macau. Castro, D. João Paulino (1996). “Estudo da Língua Portuguesa e amor à Pátria”. In Cardoso

(coord.) Textos de D. João Paulino, Pastorais. Macau: Fundação Macau. 98-118. Dias, Alfredo Gomes (2014). Diáspora Macaense. Macau, Hong Kong, Xangai (1850-1952).

Centro Científico e Cultural de Macau, I. Pe.; Fundação Macau. Ferro, J. Pedro (1998). “Os Contactos Linguísticos e a Expansão da Língua Portuguesa”. In A.

H. de Oliveira Marques (dir.), História dos Portugueses no Extremo Oriente, Em Torno de Macau, 1º vol, Tomo 1. Lisboa: Fundação Oriente, 351 – 459.

Figueiredo, Fernando (2003). “Timor (1910-1955) ”. In A. H. de Oliveira Marques (dir.), História dos Portugueses no Extremo Oriente, Macau e Timor no período republicano, 4º vol. Lisboa: Fundação Oriente, 521-282.

Gaião, Raul Leal (2012). “Açorianos em Macau – Áureo da Costa Nunes e Castro: da atividade pastoral à criação musical”. In Atas XVIII Colóquio da Lusofonia, 5-7/10/2012. CD-ROM ISBN: 978-989-95641-9-0.

Gaião, Raul Leal (2013). “Açorianos em Macau – D. José da Costa Nunes: O Missionário do Oriente – Evangelização e Aprendizagem de Línguas”. In Atas XX Colóquio da Lusofonia, 16-18/10/2013.

Grosso, Mª José (2009). “Um olhar açoriano sobre Macau”. In Atas 4º Encontro da Lusofonia, 31/3-4/4/2009. Lagoa, Açores. ISBN: 978-989-95641-1-7.

Reis, Célia (2003). “Religião e Culto”. In A. H. de Oliveira Marques (dir.), História dos Portugueses no Extremo Oriente, Macau e Timor no período republicano, 4º vol. Lisboa: Fundação Oriente, 287-347.

ANEXO

D. João Paulino de Azevedo e Castro: dados biográficos: - 4/2/1852 - Nascimento (Lajes do Pico). - 1869 – 1874 – Liceu da Horta. - 1875 – Curso de Teologia – Universidade de Coimbra. - 7/1879 – Conclusão do Curso de Teologia – Universidade de Coimbra. - 31/8/1879 – Ordenação sacerdotal em Angra do Heroísmo. - 14/9/1879 – Primeira missa – Igreja Matriz das Lajes. - 1879 – Professor de Teologia, Filosofia, História Eclesiástica e Direito Canónico no Seminário

de Angra. - 1889 – Cónego do Cabide da Sé de Angra. - 1890 – Tesoureiro-mor da Sé. - 1894-1902 – Diretor do Boletim Eclesiástico dos Açores. - 1901 – Arcediago. - 9/6/1902 – Eleito Bispo de Macau pela bula do papa Leão XIII. - 27/12/1902 – Sagração Episcopal (em Angra do Heroísmo). - 6/2/1903 – Partida para Lisboa com destino a Macau. - 23/3/1903 – Partida para Macau. - 4/6/1903 – Tomada de posse da Diocese de Macau. - 17/7/1903 – Funda o Boletim Eclesiástico da Diocese de Macau. – 17/11/1903 – Recebe as Franciscanas Missionárias de Mª a quem entrega o Colégio de Santa

Rosa de Lima. - 1903 – Recebe os Salesianos.

Page 17: CADERNOS DE ESTUDOS AÇORIANOS...2 1. RAUL LEAL GAIÃO 26º COLÓQUIO LOMBA DA MAIA 2016 TEMA 3.3. AÇORIANOS EM MACAU: D. PAULO JOSÉ TAVARES, SINOPSE D. Paulo José Tavares, nascido

17

- 1902 - 1918 – Bispo de Macau. - 1904 - Visita às missões de Malaca e Singapura. – 9/8/1905 – 5/12/1905 - Visita a Timor. - 1906 - Visita a Hainan. - 1906 - Funda o Orfanato da Imaculada Conceição (Macau), confiado à administração dos

Salesianos. - 1917 – Publicação de Os Bens das Missões Portuguesas na China. - 17/2/1918 – Falecimento em Macau. - 6/2/1923 – Trasladação dos restos mortais para as Lajes – Pico.

4. RAUL LEAL GAIÃO, 19º COLÓQUIO DA LUSOFONIA MAIA 2013

TEMA 3.8 Açorianos em Macau: D. Jaime Garcia Goulart – do Pico a Macau, de Macau a Timor,

Jaime Garcia Goulart, nascido na Candelária, ilha do Pico em 1908, foi para Macau

com 13 anos, acompanhado de outros jovens açorianos para frequentar o Seminário de S. José, dedicando a sua vida sacerdotal à diocese de Macau até 1940.

Foi em Timor que viveu a maior parte dos dias da sua vida, primeiro como Superior da Missão em Timor (1936/37), depois como administrador apostólico com a criação da diocese de Díli em 1940 e que teve de abandonar, refugiando-se na Austrália devido à invasão da ilha pelos japoneses.

Durante a sua permanência na Austrália foi nomeado e sagrado bispo de Díli, regressando no fim da guerra, para a reconstrução da sua diocese completamente destruída pelos invasores.

A sua dedicação aos estudos da história do Padroado Português do Oriente e à evangelização, com especial atenção à missionação e formação de sacerdotes, à formação de professores catequistas contribuiu fortemente para a expansão do catolicismo em Timor e para a reconstrução da Igreja, ação reconhecida pelos timorenses, nomeadamente pelo poeta Rui Cynatti: “sendo pau para toda a obra de missionação e de instrução a todos convence pelo seu poder de inteligência e preclaro bom senso e onde a obra é feita com amor, tudo floresce”.

1. Introdução

Jaime Garcia Goulart nasceu na freguesia da Candelária (concelho da Madalena),

ilha do Pico, em 10 de janeiro de 1908. O facto de ser parente pelo lado paterno e materno do cardeal D. José da Costa Nunes, oriundo de família e comunidade cristãs e com espírito missionário, nomeadamente para o Extremo Oriente, orientou, certamente, o seu percurso de vida. Concluiu o curso teológico no Seminário Episcopal de Angra, recebendo a ordenação sacerdotal a 10 de maio de 1931.

Celebrou a sua missa nova a 15 de maio desse ano na sua freguesia natal da

Candelária do Pico. Faleceu na cidade de Ponta Delgada a 15 de abril de 1997, com 89 anos de idade. Passou a maior parte da sua vida em Macau e Timor, territórios que permaneceram sempre no seu coração.

Numa das viagens para o Oriente, ao ver Macau, a cidade da sua formação e

instrução, escreve: “Esta alegria (…) reduplicou ao avistar Macau, a velha cidade do Santo Nome de Deus, a minha Coimbra muito amada. A cúpula elegantemente traçada do Seminário de S. José, que abrigou a minha adolescência, as ruínas majestosas de S. Paulo, igrejas, conventos e velhas fortalezas, a gruta que inspirou o poeta máximo da nossa raça, tudo me fez evocar, com comoção, tempos áureos da nossa História, de mistura com saudosos anos de vida repartida entre a lide intensa dos livros e o folgar despreocupado de verdes anos” (Cardoso, 1999: 19).

Noutras passagens afirma: “Não troco por nada deste mundo a humilde pacatez da

minha aldeia natal, mas amo Macau como uma segunda pátria.” (Cardoso, 1999: 65).“Sou açoriano e honro-me de o ser, pelo sangue, pela primeira educação, mas devo a Macau a instrução, a minha formação […] Os Açores foram para mim o berço dourado de um sonho lindo, Macau o teto da realidade desse sonho” (Cardoso, 1999: 65). A sedução tornou-se extensiva ao Oriente: “Sofrendo já uma doença, a que chamarei feitiço do Oriente, senti uma indescritível alegria ao ver despontar, pela proa do Fulda, as agulhas e cúpulas mouriscas dos edifícios árabes e os viçosos palmares que se perdiam ao longe num imenso mar de verdura” (1999: 45).

Foi esta atração pelo Oriente que o prendeu durante toda a vida ativa: “Mas a

fascinação do Oriente, o feitiço do Oriente, tem qualquer coisa de misterioso. Sem nos matar no coração o amor da nossa Terra, antes aumentando-o – pois se em toda a parte um Português pode ter orgulho da sua raça, é aqui que ele é mais legítimo e puro – sem nos tirar o amor da Família, que cresce com a ausência, este Oriente enfeitiça-nos de tal modo, que não é fácil abandoná-lo de vez sem fazer pagar um pesado tributo ao coração” (Cardoso, 1999: 54).

2. Do Pico a Macau

Com apenas 13 anos de idade, partiu em 1921, para Macau com outros onze rapazes

açorianos, vindo a frequentar o Seminário Diocesano de São José. Ainda se encontrava a estudar Teologia quando foi nomeado secretário privado de D. José da Costa Nunes, então bispo de Macau. Depois de um ano em Angra, regressou a Macau em 1931, cidade onde permaneceu e dedicou a sua vida sacerdotal à Diocese de Macau.

Page 18: CADERNOS DE ESTUDOS AÇORIANOS...2 1. RAUL LEAL GAIÃO 26º COLÓQUIO LOMBA DA MAIA 2016 TEMA 3.3. AÇORIANOS EM MACAU: D. PAULO JOSÉ TAVARES, SINOPSE D. Paulo José Tavares, nascido

18

Em janeiro de 1932, foi nomeado missionário do Padroado Português do Oriente exercendo as funções de secretário particular de D. José da Costa Nunes e professor de Latim no Seminário e Liceu de Macau.

Convém referir que a diocese de Macau, apesar de mais reduzida em extensão que

no passado, como o próprio Pe. Jaime Goulart refere, abrange, no seu tempo “A Colónia Portuguesa de Macau, 13 distritos da província de Kuan-Tung, a Colónia Portuguesa de Timor e as paróquias isentas de S. José de Singapura e de S. Pedro de Malaca” (1999: 165), sendo falados pelo menos 21 línguas e dialetos na Diocese (de Macau): Português, Inglês, Punti (cantonense), Hakka e Haklo (dialetos chineses), cristão (dialeto português falado em Singapura e Malaca) (Cardoso, 1999: 166) e as 14 línguas ou dialetos falados em Timor, que adiante referiremos.

Integrado na Diocese de Macau, no verão de 1933 acompanhou D. José da Costa

Nunes na visita pastoral às Missões de Singapura, Malaca e Timor (Teixeira, 1974). Na visita pastoral a Timor percorreram todo o território: Ermera, Atsabe, Bobonaro, Suro, Alas, Soibada, Barique, Lacluta, Luka, Viqueque, Baucau, Vemasse, Manatuto, Laleia, Laclubar, Lacló, Liquiçá, Batugadé, Oecusse.

Após a visita pastoral permaneceu em Timor “para satisfazer o seu mui louvável

desejo da vida missionária” trabalhando até 1937, primeiro como coadjutor e depois como superior da Missão de Soibada, onde fundou em 1936 o Seminário Menor de Nossa Senhora de Fátima. Regressou a Macau em 1937 como secretário do bispo de Macau e como professor de Educação Moral e Cívica no Liceu e no Colégio de Santa Rosa de Lima, permanecendo até 1940.

O interesse pelas missões levou-o a investigar, em Goa, Lisboa e Évora, a história

das Missões de Timor, aquando da sua licença graciosa. Dedicou-se ao estudo da Missiologia, disciplina jovem, cujos primórdios ele refere, nascida em ambiente protestante no século XIX, sendo criada a primeira cátedra referente a este saber na Universidade de Edimburgo, em 1867; no campo católico, Joseph Schmidlin (1876-1944) foi o primeiro a abordar este estudo, tendo resultado de seu trabalho, a criação da cátedra de missiologia em 1911, na Universidade de Munster.

Depois da I Guerra Mundial várias universidades protestantes abriram suas cátedras.

De 1916 a 1974, a Pontifícia Universidade Urbaniana de Roma publicou a Bibliotheca Missionum, uma coleção de estudos sobre missiologia.

Ora, sendo o objetivo fundamental do missionário cristão anunciar o Evangelho de

modo universal, a preparação para esta missão implica que o missionário tenha forte experiência de Salvação e comunhão com Cristo, conhecimento perfeito das escrituras, o domínio da língua local onde exerce a sua missão, o conhecimento da cultura e das leis e costumes locais, contando com o apoio financeiro e ministerial da sua igreja de origem.

O Padre Jaime Goulart reflete em diversas passagens dos seus escritos o estudo e

a dedicação à Missiologia: “Os problemas missionários, infelizmente ainda pouco conhecidos em Portugal, de há muito que são agitados noutros países da Europa, com grande entusiasmo. Enche bibliotecas a literatura missionária moderna, só publicações periódicas contam-se por centenas. De todos os aspetos, porém, desta brilhantíssima

corrente de interesse e simpatia pelas Missões, um há, que cremos poder considerar a alma de toda ela e a sua verdadeira caraterística. É o que este movimento tem de intelectual, de doutrinário, de sistemático. A Missiologia tomou já assento em quase todos os institutos católicos. A par das revistas, livros e folhetos de propaganda, há os de cultura, de formação e estudo. De estudo, sim. As Missões são hoje uma ciência, que é preciso estudar, e que todos os católicos precisam de conhecer, pelo menos no que ela tem de mais elementar”. (Cardoso, 1999: 77)

3. De Macau a Timor

Em 1940, o Pe. Jaime Goulart voltou a Timor como vigário geral das missões com

o objetivo de desenvolver o projeto de missionação através de programas de catequese e ensino. “Após a licença graciosa foi transferido para as [missões] de Timor, como Vigário-Geral e em 18 de janeiro de 1941 foi nomeado pelo Santo Padre Pio XII Administrador Apostólico da nova Diocese de Díli.” (Teixeira, 1974), pois graças aos esforços junto da Santa Sé de D. José da Costa Nunes, pela bula Sollemnibus conventionibus, de 4 de setembro de 1940, foi criada a diocese de Díli, ficando então sufragânea da Arquidiocese de Goa e Damão.

Para melhor compreender a situação de Timor, convém referir alguns aspetos

históricos, embora brevemente, que nos mostram a vida atribulada dos timorenses e da Igreja em particular. A Igreja Católica passou por diversas tragédias ao longo dos tempos. “A Missão de Timor parecia muito desenvolvida, mas foi sempre uma das mais infelizes do nosso império”, como refere o Pe. Jaime Goulart (Cardoso, 1999: 201). “Logo nos finais do século XVI padres, frades e seminaristas foram trucidados. A dois seminaristas “arrancarão-lhe os olhos, e depois as lingoas, cortarão-lhes os braços; e assim a pedaços os forão trichando para a mesa do bom Jesus, até que lhe renderão as almas” (Teixeira, 1974: 13-14). Com a instabilidade do território, devido à invasão holandesa no princípio do século XVII, as missões entram em declínio e ao longo do século vários frades foram mortos por causas diversas. As incursões dos holandeses continuaram pelo território, principalmente depois da tomada de Malaca, só terminando com o tratado de paz de paz celebrado entre Portugal e a Holanda em 1662. (Teixeira, p. 36 e 37) A Igreja continuou a sentir problemas com os próprios governadores de Timor ao longo do século XVIII e XIX.

Com a implantação da República e segundo a lei da Separação das Igrejas, de 20

de abril de 1911, a Igreja Católica deixava de ser a religião oficial, perdendo todas as prerrogativas inerentes a essa condição, sendo expulsos os jesuítas, que dirigiam a missão e o colégio de Soibada, e as Irmãs Canossianas que administravam colégios em Soibada, Díli e Manatuto.

Apesar de os missionários conservarem os direitos adquiridos e os lugares em que

se encontravam, não cessando as verbas oficiais e os apoios do governo à atividade missionária e de ensino, uma vez que era difícil encontrar professores que preenchessem as funções dos missionários e com os mesmos custos, era necessário aproveitar os que não queriam retirar-se de Timor, mas dirigindo o ensino para uma maior orientação profissional. Contudo, grande parte dos 22 padres existentes em 1910 foi saindo (Figueiredo, 2003).

Page 19: CADERNOS DE ESTUDOS AÇORIANOS...2 1. RAUL LEAL GAIÃO 26º COLÓQUIO LOMBA DA MAIA 2016 TEMA 3.3. AÇORIANOS EM MACAU: D. PAULO JOSÉ TAVARES, SINOPSE D. Paulo José Tavares, nascido

19

Em 1913 a Lei da Separação foi tornada extensiva à colónia de Timor e terminava oficialmente toda a interferência do Estado na vida e organização da Igreja Católica, bem como o apoio que esta recebia. Foram criadas as missões laicas para substituírem as católicas, embora não tenham resultado, pois era impossível recuperar as tarefas abandonadas pelos jesuítas e pelas madres canossianas, para as quais os padres seculares vindos de fora não estavam preparados e era com dificuldade que estes asseguravam o funcionamento de algumas escolas.

Em maio de 1919, como as missões laicas não chegaram a funcionar, o Estado

português reconhecia a importância das missões católicas enquanto agentes de civilização e dos interesses nacionais, regulamentando a implementação e funcionamento das designadas “missões civilizadoras”, laicas e religiosas, assumindo o Estado subsidiar estas últimas enquanto “elementos de ação civilizadora e nacionalizadora” (Figueiredo, 2003: 561).

É neste contexto, sentindo-se ainda os efeitos da política republicana, que em 1940

chega a Timor18 o Pe. Jaime Goulart como vigário geral das missões com o objetivo de desenvolver o projeto de missionação através de programas de catequese e ensino.

A obra missionária de D. Jaime foi um enorme e difícil, a primeira fase foi a

reconstrução das destruições do regime republicano, anticlerical, que expulsou os religiosos de todo o território nacional; a segunda fase, foi reerguer Timor da destruição deixada pela II Guerra Mundial e principalmente pela invasão japonesa.

Durante o conflito que assolou de novo a Europa e o mundo, a partir de 1939, a

situação tornou-se melindrosa no Extremo Oriente, onde o Japão desencadeou uma larga e forte ocupação de territórios, que pretendia incluir, a sul, a Austrália. Mesmo Portugal sendo um país neutro, Timor tornou-se uma posição estrategicamente importante e por isso disputado por ambas as partes.

A 17 de dezembro de 1941 processou-se o desembarque em Díli de uma força

austro-holandesa, cujo objetivo era evitar ou pelo menos dificultar o domínio desta parte da ilha pelas tropas japonesas, para poderem fazer dela uma base próxima de ataque à Austrália. Esta reduzida força não foi suficiente para impedir a invasão a 19 de fevereiro de 1942, pelo contrário serviu-lhe de pretexto (Figueiredo, 2003). Sob a ocupação japonesa, o território conheceu um dos piores períodos da sua atribulada história. Em 17 de dezembro de 1941 entraram em Díli os australianos.

Em fevereiro de 1942 entraram os japoneses que forçaram os australianos para as

montanhas. Chegaram à missão de Lahane e saquearam tudo. Por todo o território muitos portugueses foram trucidados e foram executados dois padres. A situação em Timor foi-se agravando, primeiro com a entrada de forças holandesas e australianas e depois pela brutal invasão e ocupação japonesa.

O Administrador Apostólico aconselhou primeiramente que todos os missionários

continuassem a sua atividade nos seus postos de missionação, mas pouco tempo depois,

18 “Tudo o que era documentação da Igreja de Díli foi propositadamente destruído e reduzido a cinzas!!!...” (Cardoso, 1999: 15), com a invasão indonésia.

com o fuzilamento de alguns sacerdotes, aconselhou que partissem com ele para a Austrália. Jaime Garcia Goulart exercia ainda administração apostólica quando, em 1942, teve de deixar Timor (numa fuga coordenada pelo coronel Callinan) e procurar refúgio na Austrália devido à ocupação japonesa daquele território.

Os europeus e seus colaboradores que não fugiram para a Austrália, numa primeira

vaga, foram feitos prisioneiros e encarcerados em campos de refugiados improvisados nas vilas de Maubara e Liquiçá, onde a vida se lhes tornou penosa. Por seu lado, os indígenas que não colaboravam tornavam-se vítimas fáceis dos componentes das colunas negras e dos bombelas (milicianos recrutados no território e na parte holandesa da ilha) ou dos próprios japoneses quando aqueles vacilavam.

Alguns chefes indígenas vieram também a cair, sendo o mais conhecido D. Aleixo Corte-Real, régulo do Suro…. Muitos europeus, assimilados e indígenas conseguiram fugir com a ajuda do governo australiano que lhes deu acolhimento. …

A ocupação japonesa terminou em setembro de 1945. Díli e outras localidades

foram praticamente destruídas. A economia ficou arrasada. Perderam-se dezenas de milhares de vidas e, muitos indígenas aliciados contra os Portugueses, deixaram depois o território…. Foi necessário começar tudo de novo em Timor. (Figueiredo, 2003)

Terminada a Guerra, a Santa Sé nomeou a 12 de outubro de 1945 o padre Jaime

Garcia Goulart como primeiro bispo de Díli:

1.1. PIO PAPA, SERVO DOS SERVOS DE DEUS

Ao dileto filho, Jaime Garcia Goulart, Administrador Apostólico da Diocese de Dili e

Bispo eleito da mesma Diocese, saúde e bênção apostólica. O ofício do supremo Apostolado pelo qual presidimos a todo o orbe católico, confiado à nossa humildade pelo Eterno Príncipe dos Pastores, impõe-nos o dever de cuidar com a máxima diligência de que presidam a todas as igrejas Prelados tais que saibam e possam apascentar salutarmente, dirigir e governar o rebanho do Senhor que lhes for confiado. Por consequência, como se encontra sem pastor a igreja de Dili que nós erigimos como catedral sufragânea da Igreja de Goa pela bula munida de selo de chumbo "Sollemnibus-conventionibus" do dia quatro do mês de setembro do ano de mil novecentos e quarenta, Nós, ouvido o parecer dos nossos Veneráveis irmãos, os Cardeais da Santa Igreja Romana, com autoridade apostólica, elegemos-te para ela e colocamos-te à sua frente como Bispo e Pastor e outrossim confiamos-te plenamente o cuidado, governo e administração da mesma igreja com todos os direitos e privilégios, encargos e obrigações inerentes a este múnus pastoral. Queremos, porém, que, observado tudo o mais que é de direito e antes que recebas a consagração episcopal e tomes posse canónica da Diocese que te é confiada, faças profissão de fé católica e os juramentos prescritos, segundo as fórmulas estabelecidas, nas mãos dalgum Bispo católico da tua escolha que esteja na comunhão e graça da Sé Apostólica, com a obrigação de enviares, o mais cedo possível, à Sagrada Congregação Consistorial, exemplares dos mesmos com a tua assinatura e a do dito Bispo e munida de selo.

Page 20: CADERNOS DE ESTUDOS AÇORIANOS...2 1. RAUL LEAL GAIÃO 26º COLÓQUIO LOMBA DA MAIA 2016 TEMA 3.3. AÇORIANOS EM MACAU: D. PAULO JOSÉ TAVARES, SINOPSE D. Paulo José Tavares, nascido

20

Tendo em vista, além disso, a tua maior comodidade, permitimos-te que possas ser

livre e licitamente consagrado Bispo fora de Roma por qualquer Bispo católico da tua escolha a que assistam outros dois Bispos católicos que estejam em graça e comunhão com a Santa Sé Apostólica. Pela presente Bula confiamos o múnus e mandato de te conferir a consagração ao Venerável Irmão Bispo que para tal escolheres. Determinamos, porém, estritamente, que antes de emitir a profissão e os juramentos de que acima falamos, nem tu ouses receber a consagração nem ta dê o Bispo que escolheres sob pena de incorrer nas censuras determinadas pelo direito se desobedeceres a este meu preceito.

Alimentamos, por fim, a firme esperança e confiança de que a Igreja de Dili será

dirigida utilmente pelo teu desvelo pastoral e indefeso esforço, assistindo-te propícia a dextra do Senhor, e receberá, com o andar do tempo, maior desenvolvimento nas coisas espirituais e temporais. Dada em Roma, junto de S. Pedro, aos dez de outubro do ano de mil novecentos e quarenta e cinco ano sétimo do nosso pontificado.

Também ao povo timorense o Papa Pio XII dirigiu uma mensagem de saudação:

4.2. PIO PAPA, SERVO DOS SERVOS DE DEUS

Aos amados filhos, clero e povo da cidade de Dili, saúde e benção apostólica. Tendo

Nós pela Bula Apostólica "Sollemnibus Conventionibus", munida do selo de chumbo e datada do dia 4 do mês de setembro do ano do Senhor de mil novecentos e quarenta, erigido em Catedral Sufragânea da igreja Metropolitana de Goa, a vossa Igreja de Dili ouvido hoje o parecer dos Veneráveis Irmãos Cardeais da Santa Igreja Romana, elegemos com a Nossa autoridade Apostólica para a mesma Igreja, ainda não provida de Pastor, o Nosso dileto filho Jaime Garcia Goulart até agora Administrador Apostólico da vossa Diocese, e dela o constituímos Bispo e Pastor.

Com esta nossa Bula a todos vós damos conhecimento disto e vos mandamos no

Senhor que, recebendo com veneração e acatando com a devida honra Jaime, vosso Bispo eleito, presteis obediência aos seus mandatos e avisos salutares e o considereis com reverência como o Pai e Pastor das vossas almas de modo que ele se regozije, no Senhor de vos ter como filhos dedicados e vós de o ter como Pai benevolente. Outrossim determinamos e mandamos que sob o cuidado e obrigação do mesmo Ordinário, o qual presentemente rege a vossa Diocese, seja lida publicamente esta Nossa Bula, do púlpito da Igreja Catedral, no primeiro dia de preceito que se seguir à sua receção.

Dado em Roma, junto de S. Pedro, no ano do Senhor de mil novecentos e quarenta

e cinco, no dia dez do mês de outubro no ano sétimo do Nosso Pontificado. Pelo Chanceler da Santa Igreja Romana, Cardeal Januário Granito Pignatelli di Belmonte, Decano do Sacro Colégio.

Estando na Austrália, a sua sagração efetuou-se em Sydney, na capela do Colégio

de São Patrício, a 28 de outubro de 1945, sendo principal sagrante Giovanni Panico, Arcebispo e delegado apostólico na Austrália, e consagrantes Norman Thomas Gilroy, arcebispo de Sydney, e John Aloysius Coleman, bispo de Armidale. Deu entrada solene na sua diocese de Díli a 9 de dezembro de 1945, encontrando-a devastada e com a maior

parte das estruturas pastorais em ruínas como resultado da ocupação japonesa de Timor, que terminara alguns meses antes.

Quando entrou em Timor, após o fim da guerra, D. Jaime Goulart encontrou um

território completamente dizimado; 40.000 mortos (10% da população), 4 missionários mortos vítimas da ocupação japonesa. Quando regressou, o território (e principalmente a diocese) estava reduzido a zero: a Diocese perdeu 74 edifícios entre os quais a catedral, muitas igrejas e capelas, escolas, residências missionárias, o que restava era muito pouco. Com todas as dificuldades que o território apresentava no campo da missionação, desde a difícil comunicação em Timor, pois falam-se várias línguas ou dialetos, Tétum, Galole, Idaté Macassai, Huiamá, Dagadá, Midiquí, Naumác, Nauéte, Bunác, Baiqueno, Mambai, Tucudede, Kémak e Lacalei” (Cardoso, 1999: 166), (usando geralmente os missionários no exercício do seu ministério o Tétum, Galole e Vaiqueno), até à difícil comunicação terrestre, com grandes caminhadas a pé, a cavalo ou ao volante dum jipe, o novo prelado chamou para a Diocese novos missionários e novas congregações religiosas, para lá foram os Salesianos e as Dominicanas” (Teixeira, 1974:467)

Como o próprio D. Jaime refere, “Mais lhe tem custado as dificuldades da direção da

diocese nova que lhe foi entregue materialmente devastada, pobre de recursos e sem clero suficiente, do que do que as mortificações da vida missionária: as longas caminhadas a cavalo, por montes e vales ao sol escaldante e à chuva torrencial dos trópicos, a travessia perigosa de ribeiras, as chamadas para doentes em cristandades longínquas e os trabalhos extenuantes de assistência religiosa e de catequese que nem dão tempo, às vezes, para repousar e comer” (Teixeira, 1974: 463)

Mas o novo bispo estava determinado a levar para a frente a sua árdua tarefa: “Não

temos igrejas. A própria Catedral é de folhas de palmeiras. Díli é a única Diocese que não tem catedral… O que nos falta são muitos sacerdotes, porque podemos ter igrejas de palha, mas padres de palha não” (Cardoso, 1999: 202)

Como prelado de Timor, D. Jaime Garcia Goulart dedicou particular atenção à

missionação e à formação de sacerdotes. Durante o período em que esteve à frente da diocese, o número de católicos na diocese passou de cerca de 30 000 para mais de 150 000 e o número de alunos das escolas missionárias passou de 1 500 para 8 000. No campo da educação, mereceu-lhe particular atenção a formação de catequistas, processo que havia sido iniciado anos antes por D. João Paulino de Azevedo e Castro, ao tempo bispo de Macau, e a consolidação do seminário menor da Soibada. Comparando os dados de 1941 (antes da destruição da invasão japonesa com os de 1966 (no fim do seu mandato) verifica-se que, segundo dados estatísticos, o número de católicos passou de 29.899 para 152.151, os sacerdotes de 21 para 52, os internatos masculinos de 1 para 4, os externatos masculinos de 0 para 30, os externatos femininos de 0 para 14. (Teixeira, 1974).

“A sua obra apostólica é de um valor inestimável, e o mesmo se diga de toda

a sua vida transparente, a revelar-nos a riquíssima e inconfundível personalidade do Homem-Padre-Bispo, que, com singular presença, cortês e afável, aliada ao bom humor, desanuviava e animava e dulcificava qualquer ambiente do próprio raio de ação” (Cardoso, 1999: 14).

Page 21: CADERNOS DE ESTUDOS AÇORIANOS...2 1. RAUL LEAL GAIÃO 26º COLÓQUIO LOMBA DA MAIA 2016 TEMA 3.3. AÇORIANOS EM MACAU: D. PAULO JOSÉ TAVARES, SINOPSE D. Paulo José Tavares, nascido

21

Alegando cansaço e com a saúde abalada, D. Jaime Garcia Goulart pediu à Santa Sé, em 1965, a designação de um bispo coadjutor com direito de sucessão, tendo sido designado para tal D. José Joaquim Ribeiro, bispo titular de Aegeae, que então servia na Arquidiocese de Évora.

Devido ao seu precário estado de saúde e fadiga, após longos anos de permanência

em Timor, e tendo verificado que, por esses motivos, não podia atender a todas as suas obrigações do cargo, solicitou à Santa Sé um coadjutor, que, de facto, lhe foi concedido na pessoa de Sua Ex. Rev.da o Senhor D. José Joaquim Ribeiro.

Desde então ficou prevista a resignação do cargo de Bispo da Diocese de Dili e foi

nomeado coadjutor com direito de futura sucessão. Como já se encontrava na Diocese, há quase um ano, D. José Joaquim Ribeiro, e

tendo-se agravado, as razões que o levaram a solicitar o Coadjutor, entendeu ser dever de consciência submeter ao Santo Padre o pedido de resignação e exoneração.

“Pode causar alguma estranheza, tomando em consideração apenas a minha

idade, o facto de eu ter formulado esse pedido. A verdade, porém, é que todas as circunstâncias apontadas e ainda mais o condicionalismo particular desta vasta Diocese, me colocam no caso, em que, segundo a mente do Concílio Vaticano II e as subsequentes recomendações do Santo Padre, se torna aconselhável a resignação de um Bispo. Aguardemos, pois, a decisão de Sua Santidade, que espero não tardará e há de ser, como sempre são todas as decisões de Vigário de Cristo, para maior glória de Deus e bem espiritual das almas. Dili. 28 de dezembro de 1966. Jaime Garcia Goulart, Bispo de Dili”. Na despedida da diocese timorense, D. Jaime falava comovido:

“há trinta e três anos, pela primeira vez, pisei terras de Timor e tomei contacto com a sua gente. Desde então para cá, se tem vindo, dia a dia, apertando os laços de espiritual afeto, que me ligam a este bom Povo Timorense, laços que ainda mais fortemente a ele me vinculou a cruz episcopal.

Por isso, certamente me não levareis a mal que, na angústia deste momento, eu me ampare a alguns pensamentos de conforto e esperança.

De todos o maior é o de ter podido dotar a diocese de um seminário e de ter visto já os seus primeiros e benéficos frutos.

O Reino de Deus em Timor não se dilatará nem consolidará sem numerosos e santos sacerdotes timorenses.

Outro motivo de satisfação: o consolador e sempre crescente aumento da comunidade cristã. Recebi a diocese com 30 000 católicos. Entrego-a com mais de 150 000. Ainda e só mais uma reconfortante verificação: durante o meu episcopado vi subir o número de alunos das escolas missionárias de 1500 para 8000.

Cessam as minhas funções de pastor diretamente responsável por esta porção dileta da Grei Cristã. Não cessam, porém, as de bispo da Igreja Católica. De algum modo continuo presente em Timor.

Presente, por dever de membro do colégio Episcopal, presente por afeto e gratidão; presente nas minhas orações e nos meus sacrifícios, presente pela minha imorredoira saudade.

Eu sou mais timorense do que açoriano”. Anos mais tarde afirmaria: “Eu tinha já bebido água de coco e quem bebe água de

coco fica em Timor”, mesmo longe de Timor (Cardoso, 1999: 215).

4. De Timor aos Açores

D. Jaime Garcia Goulart depois de resignar a sua diocese regressou aos Açores,

onde chegou em agosto de 1967, fixando-se inicialmente na cidade da Horta, na ilha do Faial. Mudou-se depois para a ilha do Pico, onde na sua freguesia natal da Candelária dirigiu o Patronato Infantil da Casa de São José, instituição particular de solidariedade social fundada pelo seu primo cardeal D. José da Costa Nunes.

Em 3 de novembro de 1985 foi um dos concelebrantes na cerimónia de bênção da

Sé Catedral de Angra após a sua reconstrução dos danos causados pelo sismo de 1 de janeiro de 1980.

Motivos de saúde levaram-no a fixar residência junto de familiares em Rabo de Peixe,

na ilha de São Miguel, vindo a falecer, com 89 anos de idade, na cidade de Ponta Delgada a 15 de abril de 1997.

Timor continuou a estar sempre presente na sua vida e vivia intensamente todos os

problemas dos timorenses: “Sinto-me profundamente atingido pelos atuais sofrimentos do Povo Timorense, a ponto de poder afirmar que a situação de Timor me afeta mais intensamente do que durante os longos anos em que lá vivi e trabalhei” (Cardoso, 1999: 223).

“…desde que cessaram as minhas funções episcopais de responsável pela Diocese

de Dili, tenho-me abstido sistematicamente de me pronunciar sobre assuntos relacionados com a situação de Timor, cuja sorte partilhei durante 33 anos. Antes pelo contrário, sinto-me profundamente atingido pelos atuais sofrimentos do Povo Timorense, a ponto de poder afirmar que a situação de Timor hoje me afeta mais intensamente do que durante os longos anos em que lá vivi e trabalhei” (Cardoso, 1999: 223).

“Embora separado de Timor vai para 20 anos, continuo a dedicar àquela terra e ao

seu bom povo todo o meu carinho. Assim vejo com extremo agrado a constante fidelidade da maioria dos Timorenses à Fé Cristã. Esta será para eles reconfortante lenitivo nos grandes sofrimentos, que têm experimentado, e os ajudará a resolver todos os problemas, que ainda subsistem” (1999: 224).

Estes anos de reflexão permitiram-lhe avaliar o seu pequeno (grande) contributo à

Igreja e principalmente à Igreja de Timor: “80 anos é uma boa idade. Dei-me à curiosidade de calcular o número de segundos vividos nesses oitenta anos. Foram dois biliões e meios de segundos. Ora um segundo é nada e a soma de muitos nadas não pode ser senão nada. A vida terrena, portanto, é nada, por mais longa que ela seja. Mas, mesmo assim, acho que vale a pena vivê-la, pois é nesse nada que se constrói o Tudo, que é uma eternidade feliz. Nem todos os segundos da minha longa vida foram bem aproveitados para esse fim. Valha-

Page 22: CADERNOS DE ESTUDOS AÇORIANOS...2 1. RAUL LEAL GAIÃO 26º COLÓQUIO LOMBA DA MAIA 2016 TEMA 3.3. AÇORIANOS EM MACAU: D. PAULO JOSÉ TAVARES, SINOPSE D. Paulo José Tavares, nascido

22

me a Misericórdia de DEUS e as orações, que por mim fazem os Amigos, como tu!” (Cardoso, 1999: 225).

O primeiro bispo de Timor foi “… um homem que dedicou a alma e o coração ao seu

povo timorense” (D. Carlos Ximenes Belo)

5. Bibliografia

CARDOSO, Tomás Bettencourt (org) (1999). Textos de D. Jaime Garcia Goulart, Fundação

Macau, Macau. FIGUEIREDO, Fernando (2003). “Timor (1910-1955) ”. In A. H. de Oliveira Marques (dir.),

História dos Portugueses no Extremo Oriente, Macau e Timor no período republicano, 4º vol. pp. 521-282. Fundação Oriente.

GOULART, Jaime Garcia (1932). “Voltará Portugal à Vanguarda Missionária?””. In Boletim Eclesiástico da Diocese de Macau, 338.

GOULART, Jaime Garcia (1932). “Fim Primário das Missões”. In Boletim Eclesiástico da Diocese de Macau, 343.

GOULART, Jaime Garcia (1933). “Tradição e Missiologia”. In Boletim Eclesiástico da Diocese de Macau, 347.

GOULART, Jaime Garcia (1938). “Reorganização das missões de Timor, 1874-1878”. In Boletim Eclesiástico da Diocese de Macau, 406.

GOULART, Jaime Garcia (1938). “Missões de Timor”. In Boletim Eclesiástico da Diocese de Macau, 410.

PAULINO, Vicente, (s/ data) “D. Jaime Garcia Goulart – o primeiro bispo da diocese de Díli”, in Ricardo Roque (org.), History and Anthropology of “Portuguese Timor”, 1850-1975. Na Online Dictionary of Biographies, http://www.historyanthropologytimor.org

TEIXEIRA, Pe. Manuel (1974) Macau e sua Diocese, Missões de Timor, vol. X, Macau.

ANEXO

Datas do percurso de vida de D. Jaime Goulart: 10/01/1908 - Nascimento (Candelária, Pico, Açores) 22/07/1921 - Parte do Pico para Macau 21/09/1921 - Entrada no Seminário de S. José, Macau 1929 - Secretário particular de D. José da Costa Nunes 23/10/1930 - Frequência do último ano de teologia no Seminário de Angra, Açores 10/05/1931 - Ordenação sacerdotal na Candelária 14/05/1931 - Missa Nova na Candelária 1932 - Regressa a Macau, Professor de Latim no Seminário de S. José e no Liceu de

Macau. 1933-1937 - Timor, Coadjutor e Superior da Missão de Soibada. 08/09//1937 - Regressa a Macau, como secretário de D. José da Costa Nunes. 22/01/1940 - Vigário Geral das Missões de Timor. 18/01/1941 - Administrador Apostólico da nova Diocese de Díli (criada em 1940). 12/10/1945 - Eleito bispo de Díli. 28/10/1945 - Ordenação como bispo em Sidney. 09/12/1945 - Chegada a Timor como bispo de Díli. 31/01/1967 - Resignação 15/05/1997 – Falecimento

5. DOM CARLOS FILIPE XIMENES BELO 19º COLÓQUIO DA LUSOFONIA, MAIA 2013

TEMA 3.8 - BISPOS AÇORIANOS EM MACAU E MISSIONÁRIOS AÇORIANOS EM

TIMOR. Este pequeno trabalho consta de dois capítulos: o primeiro dedicado aos bispos de

Macau; e o segundo fala do primeiro Bispo de Díli e de sacerdotes que trabalharam em Timor no século XX.

1º CAPITULO: BISPOS E PADRE DOS AÇORES EM MACAU

1º - Dom Manuel Bernardo de Sousa Enes (1873-1883). Natural da vila de Topo,

ilha de São Jorge. Chegou a Macau em 2 de janeiro de 1977. Estabeleceu oficialmente as Filhas da Caridade (Canossianas); mandou para Timor, o superior e vigário geral das missões, o padre António Joaquim de Medeiros.

2º- Dom João Paulino de Azevedo Castro (1902-1918). Fundou o Boletim do Governo Eclesiástico de Macau. No seu tempo entraram em Macau as Franciscanas de Maria que tomaram conta do colégio de Santa Rosa de Lima; os salesianos que fundaram o Orfanato da Imaculada Conceição (1906). Fundou o Boletim Eclesiástico do Governo de Macau (1903).

3º - Dom José da Costa Nunes (1918-1940). Fundou a Escola de preparação de professores catequistas em Macau; desenvolveu as missões católicas de Timor, escola de artes e ofícios, escola de professores e catequistas, e aprovação para a fundação do seminário menor.

4º- Dom Paulo Tavares (1961-1973). Remodelou as paróquias da cidade de Macau, dando-lhe uma nova divisão territorial, Realizou muitas obras no campo da educação e da juventude e assistência.

5º - Dom Arquimínio da Costa (1976-1988). Natural de São Mateus, Pico.

2º CAPÍTULO - BISPO DOM JAIME GARCIA GOULART

Dom Jaime Garcia Goulart, natural de Candelária, concelho de Madalena, ilha do

Pico. Foi primeiro bispo de Díli, Timor, (1945-1967). Mas em 1941, havia sido nomeado administrado apostólico da nova diocese de Díli ereta a 4 de setembro de 1940. Fundou missões, o seminário menor, reabriu a escola de professores-catequistas e muitas escolas primárias e colégios.

3. BISPOS AÇORIANOS EM MACAU

Saudações e agradecimentos aos organizadores. O tema que me foi proposto foi de falar dos Bispos açorianos em Macau e a sua

influência no desenvolvimento da língua portuguesa naquele território. Este assunto teria

Page 23: CADERNOS DE ESTUDOS AÇORIANOS...2 1. RAUL LEAL GAIÃO 26º COLÓQUIO LOMBA DA MAIA 2016 TEMA 3.3. AÇORIANOS EM MACAU: D. PAULO JOSÉ TAVARES, SINOPSE D. Paulo José Tavares, nascido

23

maior qualidade se fosse tratado por alguém que conhecesse e convivesse com os bispos e açorianos em Macau.

Na limitação dos meus conhecimentos vou apresentar brevemente a ação desses

bispos. Dos sacerdotes açorianos em Macau, não conheço nenhum deles. Aproveito para incluir o nome do Bispo de Díli (Timor-Leste) e de alguns sacerdotes açorianos que foram missionários naquele território.

3.1. - O BISPO DOM MANUEL BERNARDO DE SOUSA ENES (1873 – 1883).

Pela Bula “Universis Orbis Eclesiis” de 15 de junho de 1874, o Papa desligava as

Missões de Timor da jurisdição da Arquidiocese de Goa, e agregava de modo provisório “a parte da ilha chamada Timor que se acha compreendida sob o domínio do Rei de Portugal” à Diocese de Macau. Pela mesma bula, foi nomeado Bispo de Macau Dom Manuel Bernardo de Sousa Enes.

O Bispo Dom Manuel Bernardo de Sousa Enes nasceu na vila de Topo, na Ilha

de São Jorge, Açores, a 5 de novembro de 1814. Aos dezassete anos, ingressou no convento franciscano de S. Diogo na vila de Topo, onde professou. Extintas as Ordens Religiosas em 1834, frei Manuel Enes regressou à casa paterna.

Em 1840 foi para o Brasil, onde se ordenou de presbítero na cidade da Baía. Em

meados de 1849, resolveu seguir os estudos superiores, indo para Coimbra, e ali matriculou-se na Faculdade de Teologia.

Formou-se em 1854. Em 1871 foi lente substituto, doutorando em 30 de agosto de 1872. Foi catedrático da Universidade de Coimbra, lecionando ao mesmo tempo Ciências

Eclesiásticas no Seminário da Cidade. Em 25 de junho de 1873 foi eleito Bispo de Macau e confirmado em 15 de junho

de 1874, recebendo a sagração episcopal na igreja de Santa Madalena, em Lisboa, a 27 de dezembro de 1874. Só chegou a Macau em 2 de janeiro de 1877.19

Por Provisão de 10 de maio de 1875. o Bispo Dom Manuel Enes nomeava

Governador do Bispado de Macau o Deão Manuel Lourenço de Gouveia.20 Por provisão de 10 de julho do mesmo ano nomeava o Padre António Joaquim de

Medeiros, Reitor do Seminário de São José de Macau.

19 cf. TEIXEIRA, Manuel, ob. cit., vol. II, 480-470; vol. XII, pp. 77-78. 20 Padre Manuel Lourenço nasceu na Freguesia de Queimada, Diocese de Lamego e foi para Macau em 1849. A 20 de dezembro de 1856, foi nomeado Reitor do Seminário de Macau. A 10 de maio de 1875, foi nomeado Governador do Bispado. Faleceu no dia 10 de agosto de 1885.

No dia 1 de março de 1877 nomeou o padre António Joaquim de Medeiros superior e vigário geral de Timor. Em 1877, estabeleceu oficialmente em Macau as Filha da Caridade canossianas, que ali tinham ido em 1873 ou 1874.

Em 9 de agosto de 1883, o Bispo Enes foi transferido para a Diocese de Bragança,

e em 1885, para a de Portalegre, onde faleceu a 7 de setembro de 1887.

3.2. DOM JOÃO PAULINO DE AZEVEDO E CASTRO, BISPO DE MACAU E TIMOR (1902-1918)

Biografia do Bispo Dom João Paulino21 : Em substituição do Bispo Dom José Manuel de Carvalho, a Santa Sé nomeou para

Bispo de Macau, a 9 de junho de 1902, o Padre João Paulino de Azevedo e Castro, então Vice-Reitor do Seminário de Angra (Açores).

Dom João Paulino nasceu na vila de Lages, Ilha do Pico, Açores, no dia 4 de

fevereiro de 1852. Era filho de Amaro Adriano de Azevedo e Castro, que ao tempo era administrador do Concelho e abastado proprietário e da senhora dona Maria Albina de Azevedo e Castro e Francisco Xavier.

O jovem João Paulino cursou a instrução primária na vila natal, depois frequentou

o Liceu da Horta (Faial). Tinha então 17 anos. Terminados aqui os estudos matriculou-se na faculdade de Teologia da Universidade de Coimbra, doutorando-se em Teologia, em julho de 1879.

Foi ordenado presbítero em Angra, no dia 31 de agosto de 1879 pelo Bispo de

Angra do heroísmo, Dom João do Amaral... Em 1888, foi nomeado Reitor do Seminário, a que ele deu grande desenvolvimento material e moral, elevando o número de alunos para 150.

Com a transferência do Bispo Dom José Manuel de Carvalho para a diocese de

Angra, ficou vaga a sede episcopal de Macau. Para aquela diocese o rei de Portugal, Dom Carlos I, propôs à Santa Sé o nome do Reitor do seminário de Angra.

Sua Santidade o Papa Leão XIII, a 9 de junho de 1902, pelas Bulas, confirmou Dom

João Paulino como novo Bispo de Macau. Em 1904, vai a Singapura e lança a primeira pedra da Igreja de São José da Missão

Portuguesa. Em 1905 Dom João Paulino visitava à longínqua possessão de Timor. Naquele território entabulou negociações com o governador da colónia para a criação de uma escola agrícola que seria entregue á direção dos salesianos, mas a implantação da república veio transtorna os planos.

21 cf. TEIXEIRA, Manuel, ob. cit., p. 520-529.

Page 24: CADERNOS DE ESTUDOS AÇORIANOS...2 1. RAUL LEAL GAIÃO 26º COLÓQUIO LOMBA DA MAIA 2016 TEMA 3.3. AÇORIANOS EM MACAU: D. PAULO JOSÉ TAVARES, SINOPSE D. Paulo José Tavares, nascido

24

Dom João Paulino de Azevedo e Castro governou a Diocese de Macau durante 18

anos, desde 19 de fevereiro de 1903 até 17 de fevereiro de 1918.

OBRA:

A 17 de julho de 1903, fundou o “Boletim do Governo Eclesiástico da Diocese de

Macau. Em 1903, recebeu em Macau as Franciscanas missionárias de Maria, a quem

confiou o Colégio de S. Rosa de Lima, que era dirigido pelas Canossianas desde 1880. Benzeu a primeira pedra da igreja de São José, em Singapura. A 13 de fevereiro de

1906, recebeu os salesianos, a quem confiou o orfanato. Deixou, além dos vários documentos e a obra “Os Bens das Missões Portuguezas

na China”.

3.3. DOM JOSÉ DA COSTA NUNES (1918-1940)

Em fevereiro de 1918 falecia em Macau o Bispo Dom João Paulino de Azevedo e

Castro. Em 22 do mesmo mês, o Cabido da Sé nomeou Vigário Capitular o Padre José da Costa Nunes, o qual em 1920 foi nomeado Bispo de Macau e de Timor.

Dom José da Costa Nunes era filho de José da Costa Nunes e de dona Francisca

Felizarda de Castro e nasceu a 15 de março de 1880 na Candelária, Ilha do Pico, Açores. Em Macau, feitos os exames, recebeu das mãos de Dom João Paulino, na Capela do Paço Episcopal, o subdiaconado no dia 19 de julho de 1903; no dia 25, recebeu o diaconado, na igreja de Santo Agostinho; recebeu a ordenação de presbítero no dia 26 de julho de 1903.

Celebrou a sua Missa Nova, na Igreja de Santo Agostinho, no dia 31 de julho. Por

Portaria régia n.º 160 foi nomeado missionário do Padroado português do Oriente e missionário em Macau. Em 1906, com apenas 26 anos de idade, ficou Vigário Geral da Diocese de Macau, em substituição do Cónego Gonçalves.

Em 3 de abril de 1907, foi eleito Governador do Bispado, na ausência de Dom João

Paulino. Em 6 de maio de 1915 foi nomeado vice-reitor do Seminário de Macau. Em 22 de fevereiro de 1918 ficou Vigário Capitular sede vacante.

Em 23 de novembro de 1920, o Governador de Macau comunica-lhe que, por

decreto de 20 do mesmo mês, fora nomeado Bispo de Macau sendo confirmado no Consistório de 16 de dezembro de 1920. Em 20 de novembro de 1921, é-lhe conferida a sagração episcopal na Matriz da Horta (Faial). Foi Bispo sagrante Dom Manuel Damasceno, Bispo de Angra.

Em 21 de março de 1924 parte para Hong Kong, e dali para Timor, em visita pastoral. Visitou algumas Missões do interior. Antes de voltar para Macau, decidiu reunificar os dois Vicariatos num só e nomeou um novo Vigário geral. Deixou instruções para a fundação da Escola de professores-catequistas, do Colégio de Santo António de Dare, da Escola de Artes e Ofícios. Dom José da Costa Nunes realizou a segunda visita pastoral em 1926. Uma das medidas que tomou foi a de entregar a escola de Artes e ofícios de Díli aos salesianos.

Em 1933, realizou a terceira visita pastoral a Timor. Em junho de 1937 realiza a

quarta e última visita às Missões de Timor. Contava o Bispo de Macau 60 anos e 9 meses quando em 11 de dezembro de 1940, Pio XII o transferiu de Macau para a Índia Portuguesa como Arcebispo metropolitano e Patriarca das Índias orientais.

Obra: em 1929, recebeu em Macau as Irmãs de Nossa Senhora dos Anjos e em

1941, as Carmelitas. Restaurou o Colégio de Santa Rosa de Lima, confiando em 1932 a sua direção às Franciscanas missionárias de Maria.

Em 1930 confiou o Seminário de São José aos jesuítas que haviam sido expulsos

em 1910. Em 1938, inaugurou a catedral de Macau por ele restaurada. Quanto a Timor reduziu a um só vicariato os dois vicariatos geras de Timor. Criou

em Lahane a escola de professores e catequistas, que foram os melhores auxiliares dos missionários. Em Díli, instituiu dois colégios internatos, um para meninos e, outro para meninas e uma escola de artes e ofícios, abriu mais dois para meninas, um em Manatuto e outro em Soibada.

Inaugurou as igrejas de Laleia, Baucau, Oé-cusse, Ermera e Ainaro, e a Igreja matiz

de Díli (1937), mais tarde destruída pelos japoneses em 1943. Finalmente conseguiu que a Santa sé erigisse a Diocese de Díli em setembro de 1940.

Levantou em Singapura a Escola de Santo António e as St. Anthony’s Boys and

Girls School; em Malaca uma Escola.

3.4. -. DOM PAULO TAVARES (1961-1973)

Filho de José Evaristo Tavares e de Maria Luísa Amaral Tavares nasceu, a 23 de

janeiro de 1920, na paróquia do Senhor Bom Jesus, lugar do Rabo-de-Peixe, São Miguel. Frequentou o Seminário episcopal de Angra (1931-1941). De 1947 a 1961, trabalhou na Secretaria de Estado.

Recebeu a ordenação sacerdotal em Roma em 1943. Foi nomeado bispo pelo Papa

João XXIII, em 24 de agosto de 1961. Chegou a Macau no dia 27 de novembro do mesmo ano. Faleceu em Lisboa em 1973.

Obra: remodelou as paróquias da cidade de Macau, dando-lhe, de acordo com o

Governo de Macau, uma nova divisão territorial; criou o conselho das escolas católicas. Realizou muitas obras no campo da educação da juventude e da assistência.

Page 25: CADERNOS DE ESTUDOS AÇORIANOS...2 1. RAUL LEAL GAIÃO 26º COLÓQUIO LOMBA DA MAIA 2016 TEMA 3.3. AÇORIANOS EM MACAU: D. PAULO JOSÉ TAVARES, SINOPSE D. Paulo José Tavares, nascido

25

3.5. DOM ARQUIMÍNIO RODRIGUES DA COSTA

Foi o último bispo do Padroado do Oriente e o último bispo português de Macau.

Nasceu a 8 de julho de 1924, na freguesia de São Mateus, concelho de Madalena, Pico, sendo filho de António Rodrigues da Costa e de Silenciana de Matos.

Fez os estudos e teológicos no seminário de São José, em Macau. Recebeu a

ordenação sacerdotal a 6 de outubro de 1949. Foi prefeito de disciplina no Seminário desde 1949 a 1953. De fevereiro de 1955 a

maio de 1956 foi reitor interino do seminário. De 1957 a 1960 frequentou a universidade gregoriana, licenciando-se em Direito.

De 30 de novembro de 1961 a 22 de agosto de 1966 foi reitor do seminário de Macau. Foi por vezes governador do Bispado, durante a ausência do bispo em Roma. Pela morte do bispo Dom Paulo foi nomeado vigário capitular. Em março de 1976 era nomeado bispo de Macau. Renunciou a 6 de outubro de

1988.

3.6. Alguns sacerdotes. 1.- Padre João Machado de Lima (1924) Nasceu na freguesia de Nossa Senhora do Pilar, Ilha Terceira, Açores. Estudou no

Seminário de Macau, onde foi ordenado de sacerdote aos 25 de julho de 1911. Em 1922, foi nomeado reitor do Seminário. Partiu para Timor em 1924,

acompanhando o Prelado, como secretário particular, durante a primeira visita pastoral que Dom José da Costa Nunes fazia ao Distrito de Timor.

Depois da unificação dos dois vicariatos e a consequente exoneração dos Padre

José das Neves e João Lopes, foi Padre João Machado de Lima, nomeado o único Vigário geral e Superior das Missões de Timor...

O seu nome ficou ligado à fundação do Colégio de Santo António de Dare e à Escola

de Preparação de Professores-Catequistas, pois foi ele quem escreveu a carta circular anunciando a abertura dois centros de educação.22

22 Ibidem, pp. 436-437.

23 “Homem de grande simplicidade, boa disposição, comunicativo. Levantava-se cedo para rezar e para estar disponível quando chegasse alguém; dava passeios; inesperadamente por vezes usava traje tradicional.

6. RAUL LEAL GAIÃO, INVESTIGADOR, 20º COLÓQUIO DA LUSOFONIA SEIA 2013

TEMA. 2.3. DOM JOSÉ DA COSTA NUNES: O MISSIONÁRIO DO ORIENTE, Evangelização e Aprendizagem de Línguas

- SINOPSE

Tendo nascido na Candelária, ilha do Pico (156/03/1880), o Pe. José da Costa

Nunes exerceu a sua atividade sacerdotal em Macau, foi nomeado bispo de Macau (16/12/1920), Arcebispo Metropolitano de Goa e Damão e Primaz do Oriente e Patriarca das Índias Orientais (11/12/1940) e elevado a Cardeal da Cúria Romana (19/03/1962).

No domínio do seu múnus sacerdotal e episcopal nas diversas missões

pertencentes à sua Diocese (num tempo de viagens penosas), efetuou visitas pastorais a Malaca (1911, 1923), Singapura (1923, 1924, 1928, 1933, 1934), Timor (1911, 1922, 1927, 1929, 1932, 1933/34, 1937/38), às Missões da China (1922, 1927, 1928, 1929, 1932, 1935, 1936), para além das visitas como representante da Igreja Católica a Goa (1922, 1927), Cantão (1937), Pequim (1930), Roma (1921, 1930) e Manila (1937).

Esta intensa atividade proporcionou-lhe um profundo conhecimento do Padroado

Português do Oriente, permitiu-lhe desenvolver uma ação religiosa, pastoral e social nas diversas missões, traçar as orientações mais adequadas à realidade, com grande conhecimento de causa e de modo a cumprir a sua missão evangelizadora.

1. Introdução - A República e a Igreja

José da Costa Nunes23 começou a exercer a sua função religiosa em 1903, em

Macau, depois de ser ordenado padre, sendo designado vigário-geral em 1906 e em outras ocasiões e bispo em 1920. O espírito republicano fervilhava no princípio do século XX e a implantação da República em 1910 lançou fortes confrontos à religião e aos agentes seculares e regulares, ao defender a laicização do Estado e da sociedade, decretando a expulsão dos Jesuítas e outras ordens religiosas, determinando o fim do ensino da religião nas escolas, a laicidade do casamento e outros atos que marcavam a independência do Estado em relação à Religião Católica.

Em 1911 a Lei da Separação põe em causa o papel e a autonomia institucional da

Igreja Católica, reduzindo o Estado ao mínimo o financiamento do culto, mas continuando a apropriar-se dos direitos sobre o Padroado Português do Oriente, supervisionando a ação missionária e reduzindo os seus agentes a um clero secular formado em instituições públicas.

Quando estava em Roma tinha vindas esporádicas. Recebia as pessoas, trabalhadores, falava com eles, punha-se ao nível deles. Pedia--me os fantoches, para, na janela da cozinha se divertir um pouco” (Palavras da Irmã Libéria que com ele conviveu na Casa de S. José, Candelária – Pico)

Page 26: CADERNOS DE ESTUDOS AÇORIANOS...2 1. RAUL LEAL GAIÃO 26º COLÓQUIO LOMBA DA MAIA 2016 TEMA 3.3. AÇORIANOS EM MACAU: D. PAULO JOSÉ TAVARES, SINOPSE D. Paulo José Tavares, nascido

26

No Oriente, os efeitos da política republicana começaram a sentir-se na Índia, Macau e Timor, espaços onde a educação e a assistência estavam nas mãos da Igreja, por efeito de encerramento dos institutos religiosos que formavam os missionários, com a expulsão dos Jesuítas e outros missionários, paralisando assim a ação da Igreja. Em Timor, ao tempo território integrado na Diocese de Macau, a situação ficou ainda mais fragilizada. Com a implantação da República, e segundo a lei da Separação das Igrejas, de 20 de abril de 1911, a Igreja Católica deixava de ser a religião oficial, perdendo todas as prerrogativas inerentes a essa condição, sendo expulsos os Jesuítas que dirigiam a missão e o colégio de Soibada, e as Irmãs Canossianas que administravam colégios em Soibada, Díli e Manatuto.

Apesar de os missionários conservarem os direitos adquiridos e os lugares em que

se encontravam, não cessando as verbas oficiais e os apoios do Governo à atividade missionária e de ensino, uma vez que era difícil encontrar professores que preenchessem as funções dos missionários e com os mesmos custos, era de aproveitar os que não queriam retirar-se de Timor, com a condição de dirigirem o ensino para uma maior orientação profissional. Contudo, grande parte dos 22 padres existentes em 1910 foi saindo (Figueiredo, 2003).

A Lei da Separação, tornada também extensiva à colónia de Timor, terminava

oficialmente toda a interferência do Estado na vida e organização da Igreja Católica, bem como o apoio que esta recebia. Foram criadas as missões laicas para substituírem as católicas, embora não tenham resultado, pois era impossível recuperar as tarefas abandonadas pelos Jesuítas e pelas madres canossianas, para as quais os padres seculares vindos de fora não estavam preparados e era com dificuldade que estes asseguravam o funcionamento de algumas escolas.

Em maio de 1919, como as missões laicas não chegaram a funcionar, o Estado

português reconhecia a importância das missões católicas enquanto agentes de civilização e dos interesses nacionais, regulamentando a implementação e funcionamento das designadas “missões civilizadoras”, laicas e religiosas, assumindo o Estado subsidiar estas últimas enquanto “elementos de ação civilizadora e nacionalizadora” (Figueiredo, 2003: 561).

2. O Missionário do Oriente: Atividade missionária

A Diocese de Macau, criada em 23 de janeiro de 1575, abrangia a China, o Japão

e o Tonquim, com uma população de 500 milhões de pessoas. Sofrendo alguns cortes ou separações, com a criação de novas dioceses ao longo do tempo, em 1903 a Diocese de Macau, apesar de mais reduzida em extensão, abrange ainda “a Colónia Portuguesa de Macau (com as ilhas da Taipa e Coloane), 13 distritos da província de Kuan-Tung na China, a Colónia Portuguesa de Timor e as paróquias isentas de S. José de Singapura e de S. Pedro de Malaca” (Cardoso, 1999g: 165).

Com a proclamação da República em 1910, o Pe. José da Costa Nunes viu-se

confrontado com dificuldades e conflitos, devido à ausência de D. João Paulino que se viu obrigado a sair de Macau perante as ameaças e a iminência de perigos previsíveis. Neste sentido, desde muito cedo que o Pe. José marcou a sua posição relativamente à República,

nomeadamente mostrando como a política republicana era prejudicial para Portugal, pois punha em causa o próprio Padroado para o país.

Num artigo de 1915, o Pe. José da Costa Nunes exprime combativamente a sua

opinião: “A meu ver, a manutenção do Padroado depende da manutenção da Concordata com a Santa Sé, e a Concordata, celebrada no regime de união da Igreja e do Estado, não faz sentido num regime de separação” (Cardoso, 1999a: 150). Justifica a sua preocupação pela incongruência de Portugal querer manter a soberania sobre o Padroado, deixando de cumprir, pela Lei da Separação, os compromissos acordados com a Santa Sé, podendo esta “reaver o Padroado e entregá-lo a quem muito bem o quiser”.

Por todas as paragens da Diocese de Macau e onde exerceu a sua ação missionária,

D. José da Costa Nunes como padre, vigário geral e principalmente como bispo marcou um lugar de relevo nas inúmeras e diversificadas atividades que desenvolveu: a criação e gestão das casas de assistência e educação, o engenho de diplomata, a palavra forte e inteligente na cátedra e no púlpito, no jornalismo literário, doutrinal e polémico, a presença enérgica nas tertúlias académicas animadas por grandes figuras, entre as quais Camilo Pessanha, nas salas de conferências, o empenhamento nas suas relações sociais, tornando-se uma figura imprescindível, e entusiasmante, de personalidade forte e cativante. (Bettencourt, 1999e) Como gestor, fez o saneamento das finanças diocesanas, pagando dívidas, angariando novas fontes de receita para o desenvolvimento e ativação de obras escolares e de assistência, da evangelização, para suportar o necessário aumento do pessoal missionário, não só padres, mas também religiosas e catequistas. Ao mesmo tempo, a eficiência de gestão exigia orçamentos sérios e rigorosos bem como a elaboração de estatísticas cuidadas que com rigor mandou efetuar, não só para conhecimento do que existia, mas para planeamento a conceber.

Como jornalista, colaborou em jornais e revistas. Fundou a Revista Oriente, no

princípio de 1915, sendo o seu principal colaborador; pele sua forte e empenhada ligação ao jornalismo e à escrita; numa carta a um conterrâneo açoriano, lamenta a sua existência breve, pois apenas teve a duração de um ano:

“[…] tive pena de acabar a Revista. Apesar de ter o tempo já bastante

tomado, entretinha-me, contudo, a rabiscar para o Oriente. Ainda pensei em continuar por mais um ano, mas depois desisti à vista da indiferença com que a maior parte dos macaenses residentes fora desta colónia recebia a Revista. Preocupam-se mais com coisas inglesas do que portuguesas. Outros houve, porém, que sentiram a suspensão, sobretudo os portugueses europeus aqui residentes” (Cardoso, vol. X, p. 56)

Uma das suas grandes preocupações foi o cuidado com a formação do clero,

investindo no Seminário de S. José, com a melhoria do pessoal formativo e docente, com um aumento substancial de seminaristas (muitos deles idos dos Açores), entregando aos Jesuítas a direção espiritual dos seminaristas e a Reitoria do Seminário.

Também a educação e nomeadamente a formação profissional, fez parte dos seus

objetivos missionários. Colocou ao cuidado das Franciscanas Missionárias de Maria, expulsas no tempo da República, o Colégio de Santa Rosa de Lima, para raparigas. Fundou em Macau um colégio para rapazes chineses, através do qual introduziu a

Page 27: CADERNOS DE ESTUDOS AÇORIANOS...2 1. RAUL LEAL GAIÃO 26º COLÓQUIO LOMBA DA MAIA 2016 TEMA 3.3. AÇORIANOS EM MACAU: D. PAULO JOSÉ TAVARES, SINOPSE D. Paulo José Tavares, nascido

27

educação profissionalizante. No mesmo sentido reforçou os Salesianos (levados por D. João Paulino) com novos edifícios e o apetrechamento das suas oficinas para a adequada preparação dos jovens em temos profissionais.

Na China, nas regiões sob sua jurisdição, reavivou as missões católicas ali

sedeadas com uma criteriosa organização missionária, aumentando o número de missionários, fez crescer o número de igrejas, residências, escolas e obras de assistência e em que se salientou a ação da Companhia de Jesus. Nos territórios de Singapura e Malaca intensificou a ação pastoral, dotando a igreja local de estruturas escolares próprias.

Timor foi uma das suas grandes preocupações: para melhorar a educação religiosa,

fundou uma escola de catequistas que ministrava o ensino equivalente ao 3º ano dos liceus e habilitava os formados a lecionar a instrução primária. Criou também um colégio e uma escola de artes e ofícios. Aumentou o pessoal missionário, eclesiástico, religioso e catequístico, multiplicaram-se os postos das missões, igrejas, capelas, residências, obras escolares e de assistência e no fim do seu mandato como bispo de Macau, as estatísticas evidenciam claramente a sua empenhada ação missionária (Lourenço, 1980: 30):

1918 1940 ∆ Diferença

Igrejas, capelas e oratórios 82 151 69

Missionários 65 88 23

Religiosas 58 133 75

Professores 124 331 207

Catequistas 25 373 348

Escolas e colégios 47 96 49

Casas de beneficência 11 16 5

Batismos 2903 9147 6244

Católicos 29628 50916 21288

3. Evangelização e aprendizagem de línguas

A extensão e a distribuição por vários espaços contribuem para que fossem faladas

pelo menos 21 línguas e dialetos na Diocese de Macau (no início do século XX): Português, Inglês, Punti (cantonense), Hakka e Haklo (dialetos chineses), cristão (dialeto português falado em Singapura e Malaca) ” (Cardoso, 1999h: 166) e as 14 línguas ou dialetos falados em Timor24 , pois falam-se várias línguas ou dialetos, Tetum, Galoli, Idaté Macassai, Huiamá, Dagadá, Midiquí, Naumác, Nauéte, Bunác, Baiqueno, Mambai, Tucudede, Kémak e Lacalei” (Cardoso, 1999: 166). Era indispensável o conhecimento das línguas nativas para pregar, dar os sacramentos, celebrar os diversos ofícios religiosos, ensinar e mesmo traduzir do latim os fundamentos da religião católica de forma a poderem ser acompanhados e entendidos pela população.

24 D. José da Costa Nunes refere que “em Timor falam-se mais de 30 línguas diferentes” (Cardoso, 1999, p. 859)

25 “Em novembro de 1588, Valignano, para encorajar os missionários da China, alterou a transferência do Japão

para a China do Padre Francesco de Petris que era homem de talento, e que já se encontrava em Macau. Começou imediatamente a estudar Chinês e chegou a Zhaoqing em dezembro de 1591, pouco depois da morte de d´Almeida”. (Malatesta, 1994:53)

No início da evangelização, no século XVI, a necessidade de aprendizagem das línguas nativas era uma preocupação constante. A primeira tarefa que era incumbida a cada missionário, ao chegar à missão a que se destinava, era dedicar-se ao estudo intensivo da língua local, uma vez que não a conhecia, ficando os missionários frequentemente “dependentes dos intérpretes para os primeiros contactos com os potenciais convertíveis e para a aprendizagem das línguas orientais. (Ferro, 1998: 387-388)

No Oriente, o ensino das línguas chinesa e japonesa, no colégio de S. Paulo em

Macau, assumiu uma importância fundamental para a formação dos missionários destinados à China e ao Japão. Desenvolveu-se “o recrutamento do clero nativo, que permitia ensinar a língua aos ocidentais, auxiliá-los na missionação, no estudo dos textos religiosos hereges, nas traduções dos textos cristãos e no confronto com os clérigos autóctones”. (Ferro, 1998: 392)

Para pôr em prática a estratégia da evangelização da China, “Valignano deu a

conhecer os fundamentos da sua abordagem numa diretiva de 1552 que exigia que os missionários se dedicassem assiduamente à aprendizagem do Chinês escrito e falado e ao estudo dos costumes do país e de tudo o mais que fosse necessário ao progresso das missões. Na sua opinião, o domínio da língua e dos costumes era condição sine qua non para a conversão da China” (Rae, 1994: 122)25

Malatesta refere a importância e a necessidade de aprendizagem da língua chinesa

para a conversão da população, pois na China era necessário dominar a língua, falando-se apenas Chinês, pois não era bem visto o uso de uma outra língua, pondo em causa a sua integração na sociedade chinesa: “A 12 de fevereiro de 1582, Valignano acrescentou ao texto original, ao memorial para os Superiores do Japão, a sugestão de que fossem destinados quatro escolásticos, em Macau, para se dedicarem apenas ao estudo da China e da sua literatura, uma vez que sem conhecimento da língua seria impossível tentar com eficácia, converter a China” (Malatesta, 1994: 52)

Também Matteo Ricci partilhava da opinião de Valignano sobre a necessidade e o

domínio da cultura chinesa para a ela se adaptar: “o conhecimento da sociedade chinesa, o reconhecimento dos letrados e da filosofia de Confúcio como a classe e a cultura dominantes, a adaptação do vestuário e do comportamento, um domínio dos clássicos que se equiparava ao dos académicos chineses, a adoção de termos chineses para nomear conceitos cristãos e a conciliação das práticas cristãs com os padrões sociais e morais chineses. (Rae, 1994: 122)

Do mesmo modo, S. Francisco Xavier, no Japão, entre 1549 e 1551, para maior

eficácia na ação missionária, já apelara aos Jesuítas para aprenderem e dominarem a língua japonesa, pois o sucesso da missão dependia do esforço na aprendizagem da língua.

“Para Valignano, era evidente que a China não podia ser conquistada através da abordagem europeia clássica, pelo que escreveu ao Jesuíta Geral assegurando-lhe que, para ter qualquer possibilidade de sucesso, a abordagem dos missionários teria de ser completamente diferente da adotada em outras missões no Oriente.” (Rae, 1994: 122)

Page 28: CADERNOS DE ESTUDOS AÇORIANOS...2 1. RAUL LEAL GAIÃO 26º COLÓQUIO LOMBA DA MAIA 2016 TEMA 3.3. AÇORIANOS EM MACAU: D. PAULO JOSÉ TAVARES, SINOPSE D. Paulo José Tavares, nascido

28

Também a formação indígena assumiu um papel fundamental e em cada Seminário

recolhiam-se crianças provenientes das várias regiões, para aprenderem uma nova língua sem esquecerem a sua natural. Por outro lado, em 1560, o Geral dos Jesuítas aprovou que fossem levados “homens das partes remotas para os doutrinarem, que possam servir para a conversão de suas nações” (Ferro, 1988: 388)

Para suprir o desconhecimento da língua local, nomeadamente da língua chinesa,

houve o recurso a intérpretes locais, conhecedores dos rudimentos da oralidade da Língua Portuguesa e que acompanhavam os padres para a penetração na China e no Japão, pois “os intérpretes, depois de convertidos e doutrinados, foram fundamentais na missionação no Oriente. Contudo não substituíam o conhecimento que os sacerdotes precisavam de ter das línguas locais, particularmente no Japão e na China, onde, além das respetivas línguas serem mais complexas, havia religiões cultas e fortemente institucionalizadas”. (Ferro, 1998: 390)

D. José da Costa Nunes segue e defende a estratégia do estudo das línguas locais

aplicada ao terreno missionário por parte dos Jesuítas a quem reconhecia o grande papel na evangelização, nos séculos passados. Ao longo das inúmeras visitas pastorais efetuadas, percorrendo o extenso e por vezes longínquos territórios da sua Diocese, José da Costa Nunes verificou que os missionários não falavam a língua da região evangelizada, nem manifestavam cuidado e interesse em aprender/estudar as línguas nativas consideradas fundamentais para o exercício do ministério missionário e para uma evangelização eficaz.

Em Timor, por exemplo, em grande parte da ilha o catecismo era ensinado em

português a indígenas que não percebiam nada de português e muito menos do latim em que eram rezadas as missas e outros ofícios divinos. As principais tarefas pastorais como a confissão, a pregação e a administração dos sacramentos ou eram feitas em português, o que causava naturais constrangimentos pelo fraco ou quase desconhecimento da língua, ou eram executadas por curas e clérigos locais, recrutados pelos missionários para serem mediadores linguísticos.

No sentido de obviar às dificuldades e de forma a conceder os meios para

desempenharem a sua missão, o bispo de Macau, D. José da Costa Nunes ordena que seja feita a aprendizagem pelos missionários da língua nativa falada na região em que efetuassem a evangelização:

“1 – O missionário não indígena, enviado para as missões do interior da

China, é obrigado, durante os dois primeiros anos, a fazer exame de Chinês, de 6 em 6 meses.

[…]

26 Conviria também muito que um desses missionários soubesse música para formar e dirigir a capela matriz, atualmente desorganizada à falta de diretor” (Cardoso, 1999b: 45)

3 – Os missionários de Timor devem estar habilitados a ouvir confissões no fim do 1º semestre e a pregar no fim do 2º na língua falada na região que habitarem.

4 – Quando essa língua não for o tétum, os referidos missionários estudá-lo-ão no ano seguinte ao da sua chegada a Timor, observando-se as mesmas disposições do número antecedente.

5 – Aos missionários de Singapura e Malaca aplica-se o disposto no nº 1, com relação à língua inglesa, sendo muito para estimar que se dediquem também ao estudo do malaio.

[…] 7 – Quando o resultado do exame for negativo, conceder-se-ão ao

missionário mais 6 meses para se preparar, mas no caso de se verificarem idêntico resultado na segunda prova, o assunto será trazido ao nosso conhecimento, a fim de aplicarmos a penalidade que julgarmos conveniente” (Cardoso, vol. IV, pp. 120-121)

No âmbito deste plano de uso das línguas nativas na evangelização, propõe que

dois missionários, que conheçam o patoá português de Malaca, sejam colocados para necessidades religiosas da população católica, e que um terceiro se ocupe da cristianização do elemento Chinês,26 lembrando o facto de, em Singapura e Malaca se falar português e se amar entranhadamente o nosso país, e isso ser devido à ação religiosa e patriótica dos nossos missionários, ilustrando este facto com o trecho de um sermão, pregado no patois de Malaca, na igreja portuguesa de Singapura. (Cardoso, 1999b: 45)

““Empti enim estis pretio magno. – Jesus já comprá com nós, por unga preço bom alto.

Cristãos! “Unga suór frio. Suór di morte já comecè corrè na corpo di Salvador. Jesus

já tèm agonia di morte; más um pòco tá bai morrè. Sua côrpo tem bom bom fraco, sua chaga cha tem bom fundo, na terra nunca achá unga nada di judação, cêu já largá cum Ele; este causo tudo esperaça já cabá. Jesus mestêr morrê.27

Nas suas viagens por diversas partes da Ásia era com satisfação que ouvia falar

português, ou mais propriamente crioulo de base portuguesa, reconhecendo ser fruto da evangelização cristã e lembrando a ação missionária dos portugueses de outros tempos. Ao viajar pelo interior da Malásia, em diversos pontos, constantemente “surgiam grupos de naturais que mandavam estacar o automóvel para verem – diziam – um Bispo português. E todos se mostravam muito satisfeitos por falarem com o bispo de Macau, na língua interessantíssima, de que usam, uma espécie de patois do português, - papiar cristão” (Bettencourt, 1999, vol. VI, p. 129)

Teve a mesma perceção ao passar pelo Camboja.” Depois da missa, vi-me rodeado

de católicos que eram portugueses, - que oravam e rezavam em papiar cristão. (Bettencourt, 1999d: 129)

27 Por acharmos importante e de valor histórico, em Anexo II apresenta-se o texto completo.

Page 29: CADERNOS DE ESTUDOS AÇORIANOS...2 1. RAUL LEAL GAIÃO 26º COLÓQUIO LOMBA DA MAIA 2016 TEMA 3.3. AÇORIANOS EM MACAU: D. PAULO JOSÉ TAVARES, SINOPSE D. Paulo José Tavares, nascido

29

Teve a mesma preocupação com o ensino da Língua Portuguesa, salientando que

as missões têm obrigação de ensinar português e história pátria, como diz o artigo 32 do Decreto 6.322 e neste sentido, regozija-se que no Colégio de S José a funcionar no Seminário em Macau, sobretudo nos últimos dois anos tenha aumentado muito a frequência de alunos pensionistas, vindos de Hong Kong e outros pontos vizinhos.

“Se quisermos averiguar as razões determinantes deste facto, havemos

talvez de ir descobri-las na corrente que começa agora a acentuar-se em favor da língua portuguesa, devido à propaganda persistente feita nesse sentido. De facto, é consolador notar entre as Colónias macaenses do Extremo Oriente um certo interesse e amor pela língua pátria, dando isto em resultado as famílias macaenses mandarem educar os seus filhos neste Seminário, onde, ao mesmo tempo que estudam o inglês, têm a vantagem de aprender português” (Cardoso, 1999b: 68)

Com o sentido da realidade, acentua que ensinar a ler e escrever uma língua, que

não seja a materna, a crianças completamente analfabetas, é antipedagógico, pois as primeiras noções a ministrar a uma criança devem ser na própria língua, pois os sinais gráficos, quando representam nomes conhecidos, trazem logo à mente a imagem do próprio objeto e despertam imediatamente na alma infantil um certo interesse e curiosidade, facilitando ao mesmo tempo a pronúncia correta da palavra. (Cardoso, 1999). Por isso conclui ser necessário começar o ensino escolar pela língua materna e, só depois, de o aluno saber ler nessa língua, passará a estudar a nossa, com vantagem e aproveitamento.

Sobre a situação linguística em Timor (que na sua perspetiva se falavam mais de

30 línguas), observa que não é prático, para tão grande diversidade de línguas ser possível arranjar livros e professores, e neste caso seria o tétum (embora haja duas espécies de tétum, o de Díli e o da Contracosta) a primeira língua a ser ensinada em todas as escolas da Missão, pois pela sua estrutura, é uma língua afim das outras faladas no território, e que a criança timorense em poucos meses, facilmente a consegue falar, não deixando ainda de registar que neste caso o tétum não seria, para uma grande parte da população escolar, a língua materna, subsistindo, portanto, os inconvenientes apontados com relação à primeira aprendizagem escolar em língua portuguesa, (Cardoso, 1999d; 859).

Sobre o problema da instrução em Timor, pensa que se deve focar a ensinar o

indígena a falar a nossa língua, a ler e escrever um pouco de português, a fazer as quatro operações e a fornecer-lhe umas noções muito gerais da nossa história, mais para veículo do sentimento pátrio, ao contrário do que preceitua o “Regulamento para as Escolas de Instrução Primária em Timor”, no seu artigo 5, numa infinidade de coisas, que fazem parte do programa de ensino adotado nas escolas da Metrópole. Ao mesmo tempo critica os professores que “passam anos a ensinar aos alunos das últimas classes de instrução primária subtilezas gramaticais, análise e outras coisas várias, gastando tanto tempo precioso, a ensinar a mudança da ativa para a passiva, a distinção entre complemento objetivo e complemento direto e outras coisas similares. (Cardoso, 1999). Tendo em conta o meio em que se integram, seria mais proveitoso o ensino profissional, particularmente o ensino agrícola, sob uma forma prática, criando escolas agrícolas e de artes e ofícios.

Como verificamos, a estratégia de evangelização de D. José da Costa Nunes,

passou pelo ensino das línguas nativas, da língua portuguesa, da formação escolar e particularmente a formação profissional.

4. Bibliografia

Alves, J. M. dos Santos (1998), “Cristianização e Organização Eclesiástica”, in A. H. de

Oliveira Marques (dir.), História dos Portugueses no Extremo Oriente, Em Torno de Macau, 1º vol, tomo 1. Lisboa: Fundação Oriente, 301-347.

Cardoso, Tomás (org), (1999a), Textos do Cardeal Costa Nunes, Vol I. Macau: Fundação Macau.

Cardoso, Tomás (org), (1999b), Textos do Cardeal Costa Nunes, Escritos, Vol II. Macau: Fundação Macau.

Cardoso, Tomás (org), (1999c), Textos do Cardeal Costa Nunes, Documentos Oficiais, Vol IV. Macau: Fundação Macau.

Cardoso, Tomás (org), (1999d), Textos do Cardeal Costa Nunes, Pastorais, Vol V. Macau: Fundação Macau.

Cardoso, Tomás (org), (1999e), Textos do Cardeal Costa Nunes, Conferências, Vol VI. Macau: Fundação Macau.

Cardoso, Tomás (org), (1999f), Textos do Cardeal Costa Nunes, Viagens, Vol VII. Macau: Fundação Macau.

Cardoso, Tomás (org), (1999g), Textos do Cardeal Costa Nunes, Cartas aos Católicos de Goa, Vol XV. Macau: Fundação Macau.

Cardoso, Tomás (org) (1999h). Textos de D. Jaime Garcia Goulart. Fundação Macau, Macau. Ferro, J. Pedro (1998), “Os Contactos Linguísticos e a Expansão da Língua Portuguesa”, in A.

H. de Oliveira Marques (dir.), História dos Portugueses no Extremo Oriente, Em Torno de Macau, 1º vol, tomo 1. Lisboa: Fundação Oriente, 351 – 459.

Figueiredo, Fernando (2003). “Timor (1910-1955) ”. In A. H. de Oliveira Marques (Dir), História dos Portugueses no Extremo Oriente, Macau e Timor no período republicano, 4º vol., pp. 521-282. Fundação Oriente.

Lourenço, José M. (1980), “Dom José da Costa Nunes”, in Cardeal D. José da Costa Nunes – In Memoriam. Braga: Editorial A. O.

Malatesta, Edward (1994), “Alessandro Valignano Fan Li-An (1539-1606) estratega da Missão Jesuíta na China”. Revista de Cultura, nº 21, 51-66.

Rae, Ian (1994), “A Abordagem “Comunicativa Intercultural” dos Primeiros Missionários Jesuítas na China”. Revista de Cultura, nº 21, 117-128.

ANEXO I

Dados Biográficos

15/03/1880 – Nascimento, Candelária, Pico, Açores. 19/03/1880 – Batismo na Candelária. 1893 – Ingresso no Seminário Episcopal de Angra. 01/06/1901 – Ordens Menores na igreja de S. Francisco, Angra, Açores. 23/03/1902 – Ida para Macau, a convite de D. João Paulino, bispo de Macau, como secretário

particular. 04/06/1902 – Chegada a Macau. 25 e 26/07/1903 – Ordenado Diácono e Presbítero. 31/07/1903 – Missa Nova em Macau.

Page 30: CADERNOS DE ESTUDOS AÇORIANOS...2 1. RAUL LEAL GAIÃO 26º COLÓQUIO LOMBA DA MAIA 2016 TEMA 3.3. AÇORIANOS EM MACAU: D. PAULO JOSÉ TAVARES, SINOPSE D. Paulo José Tavares, nascido

30

06/07/1904 – Visita às Missões de Malaca e Singapura. 1906 – Vigário Geral. 03/04/1907 – Governador do Bispado, durante a ausência do bispo, D. João Paulino. 1911 – Viagem e visita a Singapura, Mala e Timor. 1915 – Funda a Revista Oriente. 22/02/1918 – Vigário Capitular. 16/12/1920 – Eleito Bispo de Macau (1920-1940) 20/12/1921 - Ordenação Episcopal na Igreja Matriz da Horta. 04/06/1922 – Entrada solene na Diocese de Macau 11/12/1940 – Nomeado Arcebispo de Goa e Damão (1940-1953), Primaz do oriente, Patriarca

das Índias Orientais. 19/03/1962 – Elevado a Cardeal pelo Papa João XXIII. (1962-1965) - Participação no Concílio Vaticano II. 1963 – Participação no conclave que elegeu o papa Paulo VI. 1964 – Nomeado legado papal para as Comemorações do IV Centenário das Missões da

Companhia de Jesus (em Macau) e para o IV Centenário da chegada dos primeiros missionários católicos a Macau.

30/08/1967 - Criação do Patronato Infantil da Casa de S. José – Candelária – Pico. 29/12??/1976 – Morte em Roma.

27/06/1997 – Transladação dos restos mortais para a igreja da Candelária.

ANEXO II

“Empti enim estis pretio magno. – Jesus já comprá com nós, por unga preço bom alto.

Cristãos! “Unga suór frio. Suór di morte já comecè corrè na corpo di Salvador. Jesus já

tèm agonia di morte; más um pòco tá bai morrè. Sua côrpo tem bom bom fraco, sua chaga cha tem bom fundo, naterra nunca achá unga nada di judação, cêu já largá cum Ele; este causo tudo esperaça já cabá. Jesus mestêr morrê.

“Qui proféta proféta já falá na causo di Salvador, tudo tá bai ficá completado. Raiva, odio di judeu judeu tá bai ficá satisfèto, mas poder di inferno lôgo ficá fráco, pórta di cêo logo ficá abérto. Cristâos! Antes di Jesus morrê bai nôs tudo cum nôs sua sentido na calvario, bai náli pagá rês sua ultimo respêto cum nôs sua pai, bai oubi sua ultimo palavra, bai assisti sua morte.

“Cristãos! Na caminho di calvário inda tem quente sangue di Jesus; tudo esse sangue, qui Jesus cum tanto trabalo chumá para nòs sua amor, já discorrè na caminho di calvário; judeu cum tudo atrivido tá pizá tudo esse sangue já qui sai já fazê Jesus côrpo ficá bom bom fraco. Sua trumento trumento quijá sofrê tem assim tamanho, qui si nunca poder di Deus aguentá sua bida, Jesus já mester morrê. Por unga milagre qui Jesus tem bida!”

7. RAUL LEAL GAIÃO 18º COLÓQUIO DA LUSOFONIA, GALIZA 2012

TEMA 2: AÇORIANOS EM MACAU: ÁUREO DA COSTA NUNES E CASTRO – DA ATIVIDADE PASTORAL À CRIAÇÃO MUSICAL, RAUL LEAL GAIÃO 18º COLÓQUIO DA LUSOFONIA, GALIZA 2012

A criação musical de Áureo da Costa Nunes e Castro, com uma identidade própria,

linguagem original e pessoal, é um itinerário construído na recriação de sonoridades diversas: a tradição musical açoriana, a música gregoriana e polifónica religiosa, a atmosfera chinesa de sons repercussivos e do canto melopeico dos bonzos, os sons da vida de Macau, as sonoridades ritmadas dos tin-tins e do amola facas, a melopeia do merendeiro e das aguadeiras, os sons das festividades do Ano Novo Chinês e Dança do Dragão.

Nasceu no Pico onde cresceu (até aos 14 anos), viveu em Macau onde frequentou o

seminário e exerceu a sua atividade sacerdotal (apenas com uma curta estadia em Lisboa para frequentar o Conservatório), em contacto com a vida macaense imbuída da cultura chinesa. Pretendemos distinguir o seu percurso musical como compositor, maestro e pedagogo.

O objetivo fundamental deste texto não pretende ser um estudo técnico sobre a sua

obra, mas dar a conhecer aos macaenses, aos açorianos e aos portugueses em geral, a personalidade e a sua atividade musical, pois somente um número restrito de pessoas terá algum conhecimento da sua obra, uma vez que desenvolveu a sua atividade longe daqui, num tempo em que se ignorava o que se passava pelas terras do Oriente.

1. INTRODUÇÃO – INTERCÂMBIO CULTURAL OCIDENTE/ORIENTE

Os portugueses, a partir do século XVI, desempenharam um papel preponderante no

intercâmbio cultural entre a China e o Ocidente e em que Macau serviu de ponte e de palco a diversas comunicações artísticas. No referente à música, por tradição, a cultura chinesa não concedeu a esta arte o espaço e a atenção que as civilizações ocidentais lhe reservaram. A música desempenhava um papel funcional ligado a um pretexto qualquer: as representações, os rituais religiosos, as cerimónias fúnebres, as festividades. A criação de agrupamentos instrumentais organizados e uma grafia musical codificada é recente.

Desde o século XVI, os jesuítas levaram para o Oriente, para além do cristianismo,

as artes, os costumes e os usos ocidentais, introduzindo na China a música ocidental. O Colégio de S. Paulo em Macau introduz muito cedo o ensino da música. Em 1882 um padre jesuíta leva para Macau um professor de música munido de instrumentos necessários para a formação de uma orquestra, que viria a ser a Orquestra do Seminário de S. José e que funcionou até à década de 50 do século XX, chegando a ser constituída por cerca de 26 instrumentistas (Jardim, 1992). O seminário possuía também uma banda.

O movimento musical nas diversas paróquias de Macau foi intenso, pois praticamente

todas as igrejas possuíam um coro ou um grupo instrumental.

Page 31: CADERNOS DE ESTUDOS AÇORIANOS...2 1. RAUL LEAL GAIÃO 26º COLÓQUIO LOMBA DA MAIA 2016 TEMA 3.3. AÇORIANOS EM MACAU: D. PAULO JOSÉ TAVARES, SINOPSE D. Paulo José Tavares, nascido

31

A criação da orquestra de Câmara de Macau possibilitou a incorporação da música chinesa nos seus concertos e o Festival Internacional de Música de Macau, criado em 1987, promoveu o intercâmbio cultural e musical entre Ocidente e Oriente, onde se tem apresentado a música e os músicos destes dois mundos. Adé, na simplicidade da sua expressão crioula, revela a sua importância na apresentação da música ocidental e chinesa:

Grándi sonata co cantata [Grandes sonatas e cantatas] Na passado mês di Otubro,/Gente di tudo mundo, sentado na casa [No

passado mês de outubro,/Gente de todo o mundo, em casa,] Vitá mám, abri tivisám,/Qui sabroso, [Ao deitar a mão à televisão,/Que

delícia,] Olá nosso Macau na diánti,/Raganhado qui raganhado tentá ilôtro. [Viu na

sua frente a nossa Macau/Muito alegre a sorrir-lhe.] Unga semana a fio êle já fazê/Unga festa di quebrá testa! [Numa semana a

fio, levou a efeito/Um festival de arromba!] Cantoria co musicata já sai/Di grandura assi grándi, /Qui istonteá tudo gente.

[Os cantos e a musicata/Eram de tamanha envergadura,/Que deixaram a gentinha maravilhada.]

Um-cento musiquéro capaz/Vêm aqui di Tera-China [Uns cem hábeis músicos/Vieram da China até aqui]

Pa tocá mus´ca bom uvi,/Dôs nhónha pedaçóna [Para executarem lindas composições./Duas cantoras mulheraças]

Vêm di Eropa pa cantá:/Unga sai voz fino de canário,/Otrunga voz grôsso di áde-macho. [Vieram da Europa para cantar:/Uma tinha voz fininha de canário,/A outra, voz grossa de pato.]

Di Eropa já vêm tamêm,/Unga nhum co voz di liám [Da Europa se deslocou também/Um homem com voz de leão,]

Pa cantá quanto regra di ópra./Nhum abri bóca goelá [Para cantar árias de ópera./Com a boca toda aberta aos gritos,]

Lampiám di lumiá rua istremecê,/Vidro di janala começa rachá. [Fazia estremecer os postes de iluminação/E estalar os vidros das janelas]. (Ferreira, 1990, p.45 e p.143)

2. SONORIDADES DE MACAU

Na observação de Eugénio de Andrade, “Macau é uma cidade com as tripas de fora

[…], os seus rumores, os seus cheiros, a pulsão do seu olhar, o suor do seu corpo” vem ao nosso encontro ao dobrar de cada esquina (Andrade, 1993, p. 13). É na rua que homens e mulheres têm a sua casa: “aqui trabalham e comem, aqui discutem e riem, aqui fazem dos seus dias um longo ofício de paciência” (Andrade, 1993, p. 13).

28 Para além de professor de música, Mons Ngan elaborou dois manuais para ensino do português: “Método de Português para uso nas escolas estrangeiras” (1944) e “Método de Português para uso das escolas Chinesas” (1945), usados durante 50 anos. O primeiro era mesmo usado na escola primária, principalmente para as

Os diversos sons dos instrumentos musicais chineses, as flautas, os gong(o)s e os sinos ecoam pelas ruas, nas festas populares e cerimónias religiosas, nas festividades do Ano Novo Chinês, do Barco-Dragão, das danças do Dragão, …; o canto melopeico dos bonzos, os sons da vida de Macau, as sonoridades ritmadas dos tin-tins, os pregões do merendeiro e das aguadeiras, da rapariga vendedora de pratos saborosos e picantes, sin-a-sá-ó-fan, da hortaliça, pac tchoi, de seda e panos, mao fá poou, do vendedor de amendoins torrados, plic-ploc-ham tchoi fa-sam, e de pato, si…ii…áp, todos este sons constituíam uma atmosfera sonora que envolvia quem andava pelas ruas de Macau e que não deixou de impressionar Áureo Castro.

A música, como a arte em geral, congrega uma pluralidade de experiências que

influenciam e moldam quem a faz ou produz, por mais radicado que esteja numa qualquer tradição sociocultural. O cruzamento do olhar de Áureo Castro pelo diversificado campo sonoro e musical da sua experiência, não deixou de integrar todas estas sonoridades, gerando e criando o seu universo sonoro.

3. PERCURSO DE VIDA

Áureo da Costa Nunes e Castro nasceu na Candelária, ilha do Pico, em 1917, entre

o vulcânico, mutante e majestoso Pico e o mar “de águas sem fim”. O seu primeiro contacto com a música ocorreu quando era ainda criança no coro da igreja da Candelária, no qual cantou como sopranino.

O fervor religioso açoriano, a diáspora missionária de sacerdotes ou de candidatos

ao sacerdócio ao longo do século XX, os laços familiares (era sobrinho de D. José da Costa Nunes, bispo de Macau entre 1920-1940) criaram as condições para que aos 14 anos fosse embalado para Macau (chegou no dia 15 de setembro de 1931) pela mão do seu tio, onde obtém formação sacerdotal no Seminário Diocesano de S. José, recebendo a ordenação no dia 8 de setembro de 1943.

No Seminário de S. José estuda Teoria, Solfejo e Harmonia com os padres Wilhelm

Schmid e António André Ngan 28 . Foi inicialmente nomeado pároco da igreja de S. Lourenço para cujo coro escreveu inúmeras peças para uso nos atos litúrgicos. Posteriormente, exerce a sua ação pastoral na Sé Catedral e é Diretor interino do Clarim, periódico católico.

Em 1952 ingressa no Conservatório Nacional de Música de Lisboa para estudar

composição, curso completado em 1958, e onde estuda canto e piano com Croner de Vasconcelos, Arminda Correia e Biermann. Faleceu em 1992 no Hospital Conde de S. Januário, em Macau.

4. ATIVIDADE MUSICAL DE ÁUREO DE CASTRO

crianças chinesas que iniciavam os seus estudos no sistema português. Na década de 70 é usado nas aulas de português do Instituto D. Melchior Carneiro, escola de língua veicular chinesa (Grosso, 2007, p. 167).

Page 32: CADERNOS DE ESTUDOS AÇORIANOS...2 1. RAUL LEAL GAIÃO 26º COLÓQUIO LOMBA DA MAIA 2016 TEMA 3.3. AÇORIANOS EM MACAU: D. PAULO JOSÉ TAVARES, SINOPSE D. Paulo José Tavares, nascido

32

A atividade musical de Áureo da Costa é múltipla e diversificada: compositor, maestro e pedagogo. Durante o período de frequência do Conservatório em Lisboa é assistente do maestro e musicólogo português, Mário Sampaio Ribeiro, no Coro do Centro Universitário da Universidade de Lisboa. Foi o período mais profícuo, em termos de composição musical. Professor de música, dedica-se intensamente à música gregoriana e à polifonia sacra antiga.

Em 1958 rege a disciplina de Música no Seminário de S. José. É também professor

de música e de Canto Coral no Liceu nacional Infante D. Henrique (Macau), incutindo nos seus alunos o gosto pela música gregoriana.

Em 1959 criou o grupo Coral Polifónico de Macau com um reportório de peças de

polifonia sacra e profana da Renascença, sobressaindo os polifonistas portugueses entre os quais Francisco Martins, D. Manuel Cardoso, Diogo Dias Melgaz, Joaquim Casimiro, Filipe de Magalhães, D. João IV …; neste reportório não deixou de incluir canções chinesas e portuguesas. Por convite, foi diretor de um coro em Hong Kong durante mais de um ano.

Como muitos alunos lhe solicitavam com alguma regularidade aulas de música e

piano, em 1962 criou a Academia de Música S. Pio X (sendo o seu primeiro diretor) para o ensino da música, composta por músicos amadores e professores da Academia e criada por sugestão conjunta do prelado da diocese de Macau e do Dr. Ivo Cruz (então Diretor do Conservatório Nacional de Lisboa).

A Academia tinha como propósito proporcionar aos jovens de Macau, portugueses e

chineses, uma instrução musical em termos académicos (com ensino bilingue, português e chinês e também inglês). A sua intensa atividade sacerdotal, a dedicação à Academia, ao ensino e ao Grupo Coral, não lhe deixou a disponibilidade ideal para compor. O período criativo mais intenso foi durante a frequência do Conservatório, como já referimos anteriormente.

A vivência e contacto com a cultura chinesa marcaram a sua criação musical, num

intercâmbio cultural contínuo: faz a harmonização de canções chinesas (cantadas por portugueses) e de canções portuguesas (cantadas por chineses). Na sua música procura pintar algumas cenas de Macau com tintas a respirar a atmosfera chinesa, nomeadamente em Cenas de Macau/Suite China, cuja temática se insere na ambiência de Macau e na cultura chinesa e composta de vários andamentos (Jardim, 2010):

- Invocação: tenta descrever um pôr-do-sol na Barra, com o regresso dos barcos de

pesca; - Oração num Templo Budista: sugerida por uma oração num templo budista, com o

canto melopeico dos bonzos acompanhados de ocasionais toques de sinetas e gongos; - Barcos-Dragão – reminiscência dos barcos dragão, realizada na ilha verde. Escrita (quando ainda era estudante do conservatório) em forma de sonata, a peça

começa com ritmo e temas melódicos sugeridos pela regata e pela calma do rio. São os primeiros passos em busca de uma linguagem harmónica a prescindir dos clássicos trâmites da harmonia tonal, podendo servir de roupagem a melodias do folclore chinês, muitas das quais se baseiam nas escalas pentatónicas.

A música coral (com piano, acompanhamento orquestral ou a capella) representa a

parte mais significativa da sua obra, mas escreveu e compôs: I Obras para orquestra/conjunto de câmara II Obras para piano/órgão III Obras para canto e piano/órgão IV Obras para coro e orquestra V Obras para coro “a capella” VI Obras para coro com acompanhamento instrumental. As suas obras, publicadas, a maior parte, após a sua morte, estão reunidas nos

seguintes volumes: Exultate, 2 vols., Seminário de S. José, 1996 Aurei Carmina, Obras para piano e órgão, Dioecesis Macaonensis, 2001. Aurei Carmina, Choro, Dioecesis Macaonensis, 2003.

5. RECONHECIMENTO DA SUA OBRA MUSICAL

Logo na apresentação do Te Deum em Lisboa, a obra musical de Áureo de Castro

mereceu da parte de Croner de Vasconcelos um destaque pela forte singularidade no panorama musical nacional: “Até que enfim aparece neste país uma obra deste género”. Simão Barreto salienta a relevância da sua ação no campo musical e no ambiente cultural de Macau: “Falar de Áureo de Castro, como músico, é falar de uma das personagens mais importantes no campo da música de Macau deste século e a quem a cultura macaense muito deve. […] Ao longo dos anos trouxe e atraiu para Macau inúmeros músicos, solistas e coros de todo o mundo e de todas as tendências” (Simão Barreto, 1996, p. 132).

Simão Barreto reconhece a originalidade e a forte arquitetura das suas composições:

“Tinha uma linguagem própria, original e muito pessoal. As suas obras caraterizam-se por uma construção sólida, bem arquitetada, com uma textura musical muito rica, com um estilo original e com uma linguagem de vincada personalidade” (Simão Barreto, 1996, p. 132). “Fazia e perfazia o que tinha escrito, de tal modo que é difícil, se não impossível, modificar, corrigir ou acrescentar o que quer que seja, depois de ele ter dado a forma definitiva”. (Simão Barreto, 1996, p. 133).

Margareth Lynn, compiladora e organizadora das composições de Áureo de Castro,

acentua a sua capacidade para exprimir as mais diversas emoções numa linguagem harmoniosa: “Pe. Áureo tinha uma aguda sensibilidade para realçar o sentido das palavras, tendo sido capaz de evocar em suas composições uma miríade de sentimentos e emoções -, mistério, súplica, piedade, contemplação, majestade, ternura e alegria -, através de um imaginativo uso da harmonia e de nuances tímbricas e dinâmicas.” Lynn, 2003, p. VIII)

Lynn destaca ainda: “merecem especial menção a encantadora simplicidade da

Cantata Sancta Cecília, a nostálgica beleza do poema de amor de Alma minha gentil, de Luís de Camões, a exuberância de Gong Tzi Fa Choi (Canção do Ano Novo Lunar) para vozes a capella, com a exploração dos sons onomatopaicos do idioma chinês, e o majestoso Te Deum para coro e orquestra”. (Lynn, 2003, p. VIII). Durante 30 anos, entre

Page 33: CADERNOS DE ESTUDOS AÇORIANOS...2 1. RAUL LEAL GAIÃO 26º COLÓQUIO LOMBA DA MAIA 2016 TEMA 3.3. AÇORIANOS EM MACAU: D. PAULO JOSÉ TAVARES, SINOPSE D. Paulo José Tavares, nascido

33

os anos de 1960 até à sua morte em 1993, Pe. Áureo da Costa Nunes e Castro foi, sem dúvida, o mais importante músico que Macau conheceu.

6. BIBLIOGRAFIA

Andrade, Eugénio de (1993) Pequeno Caderno do Oriente, Macau: Instituto Cultural de Macau

e Instituto Português do Oriente. Baguet Jr., Gabriel (1999) “Percurso e trajetórias de uma História, A Música em Macau na

Transição de Poderes”. In Camões, Revista de Letras e Culturas Lusófonas, N° 7, outubro-dezembro de 1999, Ministério dos Negócios Estrangeiros, Instituto Camões, 84-95.

Barreira, Ninélio (1994), Ou-Mun, Coisas e Tipos de Macau, Macau: Instituto Cultural de Macau. Barreto, Simão (1996) “Áureo de Castro (1917-1992) ”, Revista de Cultura, N° 26 (II Série), jan-

mar, 1996, Instituto Cultural de Macau, 131-140. Ferreira, José dos Santos (1990) Doci Papiaçám di Macau, Macau: Instituto Cultural de Macau. Grosso, Maria José dos Reis (2007) O Discurso Metodológico do Ensino do Português em

Macau a Falantes de Língua Materna Chinesa, Macau: Universidade de Macau. Jardim, O. Veiga (2010) “Padre Áureo da Costa Nunes e Castro (1917-1992) ” In DITEMA

Dicionário Temático de Macau, volume I, Fundação para a Cooperação e Desenvolvimento de Macau, Universidade de Macau, 287-289.

Jardim, O. Veiga (1992) “Música em Macau: Temas e Variações”, In Revista Macau, N° 8, 1992, 146-154.

Lynn, Margaret (2003) “Prefácio”, In Aurei Carmina, Choro, Dioecesis Macaonensis. Mesquita, Pedro Dá (s.d) Academia de Música S. Pio X, 40 Aniversário 1962-2002. Qichen, Huang (1994) “Macau Ponte do Intercâmbio Cultural entre a China e o Ocidente do

Século XVI ao Século XVIII”, In Revista de Cultura, n 21, (II série), out- dez 1994, Macau: Instituto

Cultural de Macau, 153-178.

8. RAUL LEAL GAIÃO 16º COLÓQUIO DA LUSOFONIA, SANTA MARIA 2011

TEMA: 3.6. AÇORIANOS EM MACAU – D. ARQUIMÍNIO DA COSTA: DA ATIVIDADE PASTORAL AO DIÁLOGO COM A IGREJA DA CHINA,

Após o povoamento das ilhas açorianas, desde muito cedo que as condições naturais

e sociais levaram os naturais a sulcar mares para contactarem e se estabelecerem nas mais diversas e longínquas partes do mundo, legando-nos preciosas informações escritas, como, no referente à China e Macau, José Inácio de Andrade, de Santa Maria (Açores), nas Cartas escritas da índia e da China nos anos de 1815 a 1855.

No século XX a plêiade de eclesiásticos oriundos dos Açores, desde D. João Paulino

a D. Arquimínio da Costa, teve uma ação marcante nos diversos campos da atividade religiosa e social, pelo que podemos afirmar que a Igreja Católica em Macau tem uma forte marca da presença açoriana.

D. Arquimínio da Costa, para além do seu múnus pastoral na Diocese de Macau, dada a conjuntura da Igreja na China após a revolução cultural, fomentou um diálogo empenhado com a Igreja da China, tema que será o objeto principal deste texto.

1. INTRODUÇÃO – A DIÁSPORA AÇORIANA EM MACAU

A diáspora açoriana, fenómeno secular e que define a própria identidade do povo

insular, constitui um dos aspetos estruturais da sua história. A par das condicionantes socioeconómicas e politico-institucionais das ilhas, também as catástrofes naturais que assolam frequentemente o arquipélago foram fatores impulsionadores do fenómeno migratório: calamidades diversas como crises sísmicas ou vulcânicas, violentas intempéries ou doenças destruidoras de colheitas ou culturas afetaram fortemente a maior parte da população, fazendo abater sobre o povo ilhéu um sentimento de insegurança relativamente ao quotidiano.

No século XIX, a organização política imposta pelo absolutismo e a estagnada e

anquilosada estrutura social contribuem para o atraso das ilhas, fortalecendo os anseios de uma vida diferente e mais promissora, pelo que muitos demandaram a fortuna fora da terra natal. (Silva, 2001).

Embora não seja fator decisivo, à elevada taxa de emigração açoriana não será alheio

o espírito sonhador e aventureiro que caraterizava a gente das ilhas, pelo contacto permanente com o mar. Fatores decisivos foram certamente o atraso e as dificuldades da economia insular, a precariedade do emprego, a desigual repartição da terra e, em especial, a escassez de recursos que impeliram muitos açorianos à emigração, rumando para o outro lado do Atlântico.

Nos finais do século XIX, a corrente migratória encaminhava-se para o Brasil, na

viragem do século XIX para o século XX passou a ser para os Estados Unidos, havendo também alguns contingentes que partiram para o arquipélago do Hawai, emigração reanimada nos anos 50 e 60 do século XX para os EUA, passando a incluir o Canadá. (Silva, 2001)

Macau, nos fins do século XVI tornou-se o maior empório comercial do Extremo-

Oriente, mantendo relações comerciais com a Europa, Índia, Manila, China, Japão, situação que merece ser apelidada pelo cronista oficial Diogo do Couto como “a melhor e mais próspera colónia que os Portuguezes tem em todo o oriente” (Teixeira, 1976, p. 6).

Não é, pois, de estranhar que um povo como o açoriano, tendencialmente a sair dos

seus limites, tenha procurado estas longas paragens ao longo do tempo, uns de passagem e por dever de ofício (essencialmente marinheiros), outros fixando-se no território por razões profissionais, e alguns (poucos) de simples visita pelo Oriente. Todos deixaram a marca da sua presença em Macau, nomeadamente através de documentos escritos, relevantes para a história do Extremo Oriente.

Page 34: CADERNOS DE ESTUDOS AÇORIANOS...2 1. RAUL LEAL GAIÃO 26º COLÓQUIO LOMBA DA MAIA 2016 TEMA 3.3. AÇORIANOS EM MACAU: D. PAULO JOSÉ TAVARES, SINOPSE D. Paulo José Tavares, nascido

34

Cruzando os mares, José Inácio de Andrade29, natural de Santa Maria, oficial da Armada, empreendeu várias viagens à Índia e à China. Em Memória sobre a destruição dos piratas da China e o desembarque dos ingleses na cidade de Macau e a sua retirada (1835), aborda a luta dos portugueses, com os imperiais chineses, contra a pirataria e a tentativa de ocupação da concessão pelos ingleses, sob o pretexto da guerra napoleónica, em que os portugueses e chineses se opuseram, em conjunto, ao ataque britânico; relevantes são as Cartas escritas da Índia e da China nos anos de 1815 a 1855 (publicadas em 1843), reveladoras de grande erudição, respeito e admiração por outras civilizações.

Jaime de Sousa,30 imediato do cruzador Adamastor, na sua obra Agonia de um herói

– a derradeira viagem do cruzador Adamastor, deixa-nos um relato vivo e uma descrição da vida dessa época em Macau. Também Pedro da Silveira31 visitou várias vezes Macau e outras terras do Extremo Oriente. Miguel de Arriaga32 chegou a Macau em 1802, para ocupar o lugar de Ouvidor, afirmando-se como grande paladino da autonomia do Senado e dos comerciantes de Macau; tornou-se uma personagem omnipotente em Macau, “um dos paradigmas da diáspora açoriana, à procura das oportunidades que a terra natal não lhe deu”. (Sousa, 2010, p. 114) Rodrigo Leal de Carvalho33, colocado em Macau como magistrado, viverá a maior da sua vida ativa no Território, cerca de quatro décadas, se bem que de forma não continuada, e onde escreveu e publicou a maior parte da sua obra literária. (Sena, 2010, p. 276-277)

Macau foi juntamente com Manila o baluarte do catolicismo no Extremo Oriente. A

diocese de Macau, criada em 1576, foi o foco de onde irradiou o Cristianismo para todo o Império Celeste e reinos circundantes até ao Reino do Sol Nascente e às mais remotas paragens do Extremo Oriente, estendendo-se desde a Indochina até ao Japão. Os grandes missionários da evangelização do Oriente, os jesuítas, em 1594, criaram o Colégio de S. Paulo, o quartel-general de toda a expansão missionária no Oriente: nele residiam os Visitadores e Provinciais da China e do Japão, estudavam os futuros evangelizadores e funcionava a escola das línguas chinesa, japonesa e anamita, saindo dali os grandes missionários e vindo para ali a refugiar-se os que conseguiam escapar ao martírio (Teixeira, 1976). Em 1728, os Jesuítas fundam o Seminário de S. José para formar missionários para a China. Dedicando-se sobretudo à formação de pessoal missionário, os colégios de S. Paulo e S. José foram a base logística das atividades missionárias exercidas no exterior (era a plataforma giratória da evangelização, na linguagem moderna).

No início, a diocese de Macau era extensíssima. Em 1552, o jesuíta Alonso Sanchez

afirma que o território era tão vasto que nele poderia constituir-se 600 dioceses (Teixeira, 1976). A bula da criação da diocese de Macau colocava à sua jurisdição, “o dito lugar de Macau, toda a província da China e as ditas ilhas do Japão e de Macau, com as outras ilhas e terras adjacentes” (Teixeira, 1976, p. 39).

29 Santa Maria, Açores, 1780-1863. 30 Ponta Delgada, S. Miguel, Açores, 1875- 1946. 31 Flores, Açores, 1922- 32 Horta, Açores, 1776-1824. 33 Praia da Vitória, Terceira, Açores, 1932- 34 S. Miguel, Açores, 1528-? 35 Angra do Heroísmo, Terceira, Açores, 1580-1617. 36 Pico, Açores, 1698-

Em virtude de um novo acordo entre o Governo Português e a Santa Sé, foi a diocese

de Macau em 1874, circunscrita à cidade de Macau, às ilhas contíguas (Hainan, Heung-San, e San-Vui) e à parte portuguesa da ilha de Timor. Em 1886 passaram da jurisdição do Arcebispo de Goa para o bispo de Macau os isentos de Singapura e Malaca. Em 1941 Timor separou-se da diocese de Macau, sendo nomeado administrador Apostólico da Diocese de Díli o Pe. Jaime Garcia Goulart (açoriano), promovido em 1945 a Bispo da mesma diocese (Teixeira, 1976).

De 1576 até hoje já se separaram de Macau 300 dioceses. Com a expulsão dos

missionários da China e a proibição de toda a atividade religiosa pelas autoridades comunistas que tomaram o poder em 1949, a diocese encontra-se reduzida ao território de Macau. (Teixeira, 1976)

Sendo o povo açoriano de fortes sentimentos cristãos e tendo contribuído para a

formação de elevado número de padres nas suas dioceses, a evangelização no Oriente, desde muito cedo, teve a forte participação de açorianos como, entre outros, o Pe. Francisco Cabral34, no século XVI, o Beato João Baptista Machado35, mártir no Japão, o Pe. Francisco da Rosa36, na primeira metade do século XVIII e D. Manuel Bernardo de Sousa Neves37, bispo de Macau (1873-1883).

Foi ao longo do século XX que representantes da Igreja exerceram a sua atividade

eclesiástica em Macau, no momento em que a diocese já estava limitada praticamente ao território, numa diáspora em cadeia, em que uns incentivavam e conduziam os outros.

Deles destacaremos38: D. João Paulino de Azevedo e Castro39 foi bispo de Macau entre 1902 e 1918,

levando com ele o seminarista José da Costa Nunes. Foi o fundador do Boletim do Governo Eclesiástico da Diocese de Macau (1903), órgão fundamental para a história da Igreja em Macau. “A sua relação à educação, ao ensino das línguas, à divulgação da Língua e Cultura Portuguesa, o planeamento linguístico associado à atividade missionária na Ásia ” (Grosso, 2009, p.) fizeram parte da sua notável ação.

D. José da Costa Nunes40 vai para Macau pela mão de D. João Paulino (1903), como seu secretário particular, e sucedendo-lhe no bispado (1920-1940).

D. Paulo José Tavares41 foi bispo de Macau entre 1961 e 1973. D. Jaime Garcia Goulart42 exerceu a sua atividade religiosa em Macau de onde partiu

para ser o primeiro bispo de Timor. O Cónego Raul Camacho43 acompanhou D. José da Costa Nunes, novo bispo de

Macau e de quem foi secretário particular.

37 S. Jorge, Açores, 1873-1883. 38 Para uma visão mais completa da ação dos açorianos em Macau vide Mons. Lourenço (1981), Os Açorianos em Macau, Angra do Heroísmo. 39 Lajes, Pico, 1852-1918. 40 Candelária, Pico, Açores, 1880-1976. 41 Rabo de Peixe, S. Miguel, Açores, 1920-1973. 42 Candelária, Pico, Açores, 1908-1997. 43 Bandeiras, Pico, Açores, 1885-1962.

Page 35: CADERNOS DE ESTUDOS AÇORIANOS...2 1. RAUL LEAL GAIÃO 26º COLÓQUIO LOMBA DA MAIA 2016 TEMA 3.3. AÇORIANOS EM MACAU: D. PAULO JOSÉ TAVARES, SINOPSE D. Paulo José Tavares, nascido

35

O Cónego Dr. Fernando Herberto Leal Maciel44 é enviado por D. José da Costa Nunes para Roma a fim de estudar Teologia Dogmática. Foi diretor de “O Clarim”

O Deão José Maria Fernandes45 foi para Macau como secretário de D. José da Costa Nunes em 1940.

O Pe. Mateus Conceição Rocha das Neves46 tirou o Curso Superior de Música no Conservatório de Lisboa e foi o fundador da Schola Cantorum de S. Lourenço em Macau, organista da Sé, diretor e editor do Boletim Eclesiástico da Diocese de Macau (1932-34).

Mons. Serafim Brum do Amaral47, foi missionário do padroado, a partir de 1935. Pela mão de D. José da Costa Nunes, chegou também a Macau o seu sobrinho, Pe.

Áureo da Costa Nunes e Castro48, formado em composição pelo Conservatório Nacional de Lisboa. Para além de Diretor interino do Clarim, fundou a Academia de Música S. Pio X e o Grupo Coral Polifónico, foi o diretor da Schola Cantorum da Sé, notabilizando-se como compositor, tendo escrito um grande número de obras para coro, de câmara e peças para piano e órgão. A sua vastíssima criação musical integra influências orientais de que se destaca, como obra mais elaborada, Cenas de Macau ou Suite China, “pintando musicalmente algumas cenas de Macau com tintas a respirar a atmosfera chinesa” (Jardim, 2010, p. 289).

D. Arquimínio da Costa49 esteve à frente da diocese de Macau entre 1973 e 1988,

primeiro como Vigário Capitular e depois como bispo. Acompanhado do futuro padre José Barcelo Mendes e de Mons. Lourenço (também açorianos) chegou a Macau com a idade de doze anos para estudar no Seminário. Depois de ordenado sacerdote em Macau, é nomeado Reitor do Seminário de S. José, seguindo mais tarde (1957) para Roma para cursar Direito Canónico na Universidade Gregoriana. Em 1973 é nomeado Vigário Capitular da diocese de Macau e em 1976 bispo de Macau.

Por fim uma referência ao Pe. Tomás Bettencourt Cardoso que permaneceu em

Macau nos anos noventa à frente da paróquia da Taipa e que teve o mérito de deixar compilados e publicados os textos dos bispos açorianos em Macau.

2. A IGREJA DA CHINA – REPÚBLICA POPULAR DA CHINA E REVOLUÇÃO CULTURAL

Com a tomada do poder, em 1949, Mao Tsé Tung declara ser a religião uma

ferramenta antipatriótica nas mãos dos imperialistas para subjugar o povo chinês, o que lhe fornece a justificação para expulsar os missionários estrangeiros e encarcerar grande número de cristãos chineses que afirmavam a sua fidelidade ao Papa. O PCC iniciou uma campanha de prisão e expulsão dos missionários estrangeiros, seguida da rutura com Roma. De acordo com a campanha das três autonomias (de direção, de propagação da doutrina e da autogestão financeira) (1950), as obras assistenciais e educativas são nacionalizadas (hospitais, colégios, universidades), os padres e leigos encarcerados e

44 Horta, Faial, Açores, 1916-1961. 45 Flores, Açores, 1887-1949. 46 Praia da Vitória, Terceira, Açores, 1907-

torturados, lançando calúnias contra a Legião de Maria e orfanatos (as freiras acusadas de maltratar a assassinar as crianças), prisões que, entre 1953 e 1954, aumentam.

Simultaneamente, são fundadas as Associações Patrióticas destinadas a controlar

os crentes das várias religiões. Em 1955 são encarcerados numerosos bispos e fiéis acusados de não se juntarem ao movimento patriótico e são expulsos da China padres e religiosos estrangeiros. Após a campanha das “cem flores” (1956-57) e com o início da campanha “antidireitistas” o Governo consegue a anuência da hierarquia chinesa para a fundação da Associação Patriótica Católica Chinesa (1957), resultando numa cisão no interior da Igreja Chinesa, seguindo-se sagrações de bispos sem o consentimento de Roma, apesar do papa Pio XII condenar a Associação Patriótica dos Católicos e declarar ilícitas as sagrações dos bispos. (Carmo, 1997).

É a rutura definitiva com o Vaticano, havendo só mais tarde uma tentativa de

reaproximação com João XXIII e Paulo VI. Esta atitude de cisão ou separação acentua-se no auge da Revolução Cultural (1966-1976): todos os crentes são declarados inimigos do regime, presos, humilhados, condenados a trabalhos forçados. Durante a Revolução Cultural o “bando dos quatro” lança o slogan “abolir a religião, a religião pertence aos museus”. São incendiados e saqueados templos, igrejas, mesquitas, mosteiros; os crentes são presos ou enviados para campos de trabalho para serem reeducados nos princípios revolucionários. Apenas pequenas comunidades se mantêm em segredo (Igreja do Silêncio / Subterrânea ou Clandestina). (Carmo, 1997). Com todas estas revoluções, constituiu-se uma igreja na China controlada pelo Estado e fora da autoridade papal.

Convém ainda referir que, no contexto de Macau, e para alargar todo este espírito

revolucionário na China, aconteceram os distúrbios do 1 2 3 (dezembro de 1966), provocados pelos comunistas que estenderam a Macau a revolução cultural e na sequência dos quais foi encerrado o Seminário Maior, obrigando o Pe. Arquimínio a ir para Hong Kong, onde esteve 5 anos. (Cardoso, 1999, p. 20). “Macau esteve na iminência de ser invadida pelos guardas vermelhos, após a concentração de estudantes e professores junto do palácio do governador, com manifestações por toda a cidade, acompanhadas de desacatos e tumultos de violência crescente, provocados pelos setores comunistas mais extremistas e radicais., com edifícios públicos saqueados, estátuas derrubadas. O governador decretou a lei marcial e o recolher obrigatório. As associações chinesas apresentaram sucessivas reivindicações” (Castanheira, 1995, p. 21). É neste contexto que D. Arquimínio, como padre e como bispo, exerce a sua atividade pastoral em Macau.

3. D. ARQUIMÍNIO DA COSTA – A ATIVIDADE PASTORAL E O DIÁLOGO COM A IGREJA DA CHINA

Um dos grandes objetivos de D. Arquimínio, na sua atividade pastoral, foi encetar e

promover o diálogo com a Igreja da China, reforçando e enquadrando, porém, a doutrina da Igreja Católica, ao mesmo tempo que contextualiza a Igreja na realidade de Macau e

47 Feteira, Faial, Açores, 1912- 48 Candelária, Pico, Açores, 1917-1993. 49 S. Mateus, Pico, Açores, 1924-

Page 36: CADERNOS DE ESTUDOS AÇORIANOS...2 1. RAUL LEAL GAIÃO 26º COLÓQUIO LOMBA DA MAIA 2016 TEMA 3.3. AÇORIANOS EM MACAU: D. PAULO JOSÉ TAVARES, SINOPSE D. Paulo José Tavares, nascido

36

procura reconhecer os erros do Ocidente na China. O bispo, para contrastar com a posição da China, afirma a doutrina da Igreja: a Igreja é una, santa, católica e apostólica; o papa, bispo de Roma é a fonte e o fundamento perpétuo e visível da unidade tanto dos bispos como de toda a comunidade dos fiéis; o Colégio ou Corpo dos bispos não possui nenhuma autoridade a não ser em união com o Romano Pontífice, como sua cabeça. Ao contrário, para a Igreja Católica “oficial” da China comunista a autoridade suprema reside no Congresso dos Representantes Católicos Chineses, convocado de 5 em 5 anos. A sua composição é decidida, em conjunto, pelos Conselhos Permanentes da Conferência Episcopal e da Associação Patriótica (esta formada por leigos e clérigos que amam a Pátria e a Igreja). O seu objetivo é, sob a liderança do Partido Comunista Chinês e do Governo do Povo, ajudar a Igreja na implementação dos princípios de independência, autogoverno e autoadministração (Cardoso, 1999, p. 372).

Para ajudar a compreender algumas intervenções menos felizes e duramente

criticadas pela China, D. Arquimínio afirma que “o Papa só é infalível em assuntos de fé e moral; e mesmo neste campo, só quando se pronuncia definitivamente sobre um ponto de doutrina, exigindo a sua aceitação por parte dos fiéis”. (Cardoso, 1999, p. 319) Ao procurar entender um certo afastamento entre os cristãos chineses e os demais (nomeadamente portugueses), reconhece que mesmo dentro das fronteiras da sua diocese, a língua impede uma maior aproximação e cooperação entre as pessoas, aliada à diferente mentalidade e à psicologia própria de povos e raças diferentes. Perspetivando o futuro da Igreja Católica em Macau (e Hong Kong), o bispo acentua:

“uma vez que é interesse da China manter a estabilidade social naquele(s)

território(s) em função dos objetivos políticos em vista (autonomia administrativa, económica, legislativa segundo a fórmula, “um país, dois sistemas”), para facilitar a integração de Taiwan na mãe-pátria, é de crer que Pequim não caia na tentação de cercear a liberdade religiosa impondo-lhe a política que vigora no resto do país, onde a Igreja é controlada pela chamada Associação Patriótica e esta pelo Governo”. (Cardoso, 1999, p. 297) Do mesmo modo, reconhece que o nacionalismo chinês foi exacerbado pelas

injustiças cometidas por algumas potências ocidentais, como a guerra do ópio, a ocupação da ilha de Hong Kong pelos ingleses no século XIX, humilhando a China com guerras injustas e tratados iníquos. É neste enquadramento de princípios e ideias que o bispo de Macau define alguns dos objetivos da sua intervenção pastoral:

1 Conhecer a realidade da Igreja na China; 2 Estabelecer um intercâmbio ou troca de ideias e experiências; 3 Assegurar as liberdades da Igreja em Macau, após o período de transição. Neste

sentido entende que as relações com a Igreja Patriótica Chinesa se devem “basear no princípio de não-subordinação mútua, sem ingerência nos assuntos internos de cada uma (das Igrejas) e de respeito mútuo”. (Carmo, 1997, 724)

É dentro desta orientação que promove contactos entre elementos da comunidade

local e elementos de algumas comunidades congéneres do interior, nomeadamente a visita de grupos de cristãos de Macau à ilha de Sanchoão, o local onde faleceu S. Francisco Xavier, com contactos amigáveis com os irmãos daquela zona. Outros grupos visitam outros locais, incluindo leprosarias, podendo estabelecer um diálogo fraterno com

diversos grupos de cristãos. Da parte da Igreja do interior, também vêm a Macau alguns elementos representativos, entre os quais merece especial menção o bispo auxiliar de Xangai. (Carmo, 1997).

Para o bispo de Macau é importante assegurar que as escolas, hospitais e instituições

de beneficência pertencentes a organizações religiosas (em Macau) possam continuar a funcionar com o estatuto presente e que os missionários oriundos de fora possam continuar a exercer as suas atividades em Macau.

De 25 de outubro a 3 de novembro de 1985, D. Arquimínio visita a República Popular

da China, permanecendo em Pequim, Nanquim, Xangai e Cantão, acompanhado de cinco sacerdotes, duas religiosas e dois leigos, para maior conhecimento e um contacto com a realidade da Igreja na China e abordar a situação relativamente ao futuro da Igreja em Macau, aquando da transferência para a RPC. Visita para dialogar, mas principalmente para ouvir. Em Pequim contacta com o Bispo de Pequim, o pároco da catedral e membros da Associação Patriótica da Igreja na China. No encontro de caráter informativo, o bispo e os membros da Associação Patriótica fazem uma exposição sobre a situação da Igreja em Pequim, focando o caráter específico da Igreja na China, independente do exterior, sendo ajudada pelo Governo e por isso procura colaborar com ele, sobretudo nas quatro modernizações. (Cardoso, 1999)

Relativamente a Macau, por parte de D. Arquimínio, foi exposta a situação, as

atividades desenvolvidas no campo da evangelização e no campo social, na educação, a assistência social, a comunhão com as outras dioceses, acentuando o intercâmbio existente a nível de pessoas e bens, com missionários estrangeiros a trabalhar em Macau e missionários de Macau a trabalhar no exterior. Por outro lado, o bispo de Macau, perante os bispos chineses e a Associação Patriótica vincou que a Igreja de Macau é uma igreja local que está a ser construída e há a tendência de dar aos chineses, que são a maioria, a direção desta igreja, tanto a nível de paróquias como de comunidades religiosas. (Cardoso, 1999)

No encontro de caráter político com o Diretor do Gabinete dos Assuntos Religiosos

foi referida a política do Governo quanto à liberdade religiosa: é garantida a liberdade pela constituição e todos são livres de praticarem a própria fé. Lembrou o mesmo Diretor que no passado a Igreja tinha tido um caráter de Igreja colonial e dominadora e que por isso a China de hoje, ao querer defender a sua independência, quis estender essa independência ao campo religioso. Daqui concluindo que a Igreja na China é uma Igreja independente, que se governa e sustenta a si mesma, que se propaga por si mesma, sem qualquer interferência ou qualquer outro tipo de dependência que venha do exterior. Mas, apesar desta diferença de entendimento, pretendem o diálogo e a mútua compreensão e amizade entre a Igreja da China e as outras igrejas, nomeadamente a de Macau. Relativamente a Macau, a Igreja da China e aquele Gabinete não interferirão na Igreja de Macau, e esta também não pode interferir na Igreja da China, assim foi garantido (Cardoso, 1999).

Contudo, o Diretor do Gabinete, mesmo reconhecendo a evolução existente na Igreja

Católica, não admite que o Vaticano possa ter relações diplomáticas com Taiwan e não com Pequim e ao mesmo tempo se intrometa nos assuntos internos da Igreja chinesa. (Cardoso, 1999) Relativamente a Macau, e com grande satisfação para o bispo do

Page 37: CADERNOS DE ESTUDOS AÇORIANOS...2 1. RAUL LEAL GAIÃO 26º COLÓQUIO LOMBA DA MAIA 2016 TEMA 3.3. AÇORIANOS EM MACAU: D. PAULO JOSÉ TAVARES, SINOPSE D. Paulo José Tavares, nascido

37

Território, foi referido por parte dos representantes da RPC que a comunhão com o Papa da Igreja em Macau continuaria, pois a política do Governo em matéria religiosa é para a China, não ficando abrangidas as regiões especiais (Cardoso, 1999).

D. Arquimínio, mostrando a mudança na própria Igreja Católica, evidencia a

importância dos leigos e a consequente transferência para eles das tarefas atualmente desempenhadas por sacerdotes e irmãs religiosas, nomeadamente a educação, a ação social e funções administrativas e organizativas., segundo o ideal proposto pelo Vaticano II (Carmo, 1997). Ao fazer o balanço de todos estes contactos, o bispo manifesta a sua grande satisfação, por ter sido uma experiência que permitiu um maior conhecimento das novas realidades da Igreja na China e também a tranquilização dos receios sentidos em relação ao futuro da Igreja em Macau.

4. EVOLUÇÃO DA SITUAÇÃO

D. Arquimínio assistiu ainda a um certo desanuviamento, embora a Igreja da China

continue a manter a sua autonomia em relação a Roma. Com a “primavera de 1978 as religiões são de novo toleradas e os cristãos podem frequentar as Igrejas entretanto restituídas, mas sempre vigiados e controlados pela Associação Patriótica. Em 1980 é dado um passo na emancipação da Igreja face ao governo, com a criação da Comissão Administrativa dos Assuntos Religiosos da Igreja Católica. Contudo, a Igreja do Silêncio / Clandestina por nunca se ter sujeitado à direção da Associação Patriótica, não deixa de ser alvo de uma perseguição sistemática.

Após os acontecimentos de Tiananmen, os bispos da Igreja do Silêncio criam a

Conferência Episcopal Chinesa, independente da Conferência dos Bispos da Igreja Pública. (Carmo, 1997).

A partir de 1978 as religiões são de novo toleradas, os cristãos podem voltar às igrejas

e estas são restituídas. Os bispos e os padres encetam comunicações com o exterior, sempre vigiados pelos dirigentes da Associação `Patriótica. Após os acontecimentos de Tiananmen, os bispos da Igreja do Silêncio criam a Conferência Episcopal Chinesa, independente da Conferência dos Bispos da Igreja Pública. (Carmo, 1997). Também a nível da Igreja Pública as relações parecem ter melhorado. No 5 Congresso da Igreja Pública (15 a 20 de setembro de 1992) foram estabelecidas conclusões que apontam para uma atitude mais maleável:

- A adoção do vernáculo na liturgia, em substituição do latim; - A declaração de unidade ao papa e às outras Conferências Episcopais da Igreja

Universal; - O desejo expresso de reconciliação com as comunidades católicas não aprovadas

oficialmente (Igreja subterrânea ou clandestina) (Carmo, 1997). Relativamente a Macau, a liberdade da Igreja no Território ficou garantida nos

documentos oficiais, tanto na Declaração Conjunta do Governo da República Portuguesa e Do Governo da República Popular da China sobre a Questão de Macau como na Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China: “A

Região Administrativa de Macau assegurará, em conformidade com a lei, todos os direitos e liberdades dos habitantes e outros indivíduos em Macau, estipulados pelas leis previamente vigentes em Macau, designadamente as liberdades pessoais, a liberdade de expressão […], de praticar a sua religião e de crença, de ensino e investigação académica” (Declaração Conjunta, 1987, p. 14).

As organizações religiosas e os crentes na Região Administrativa Especial de Macau

“desenvolverão como antes as suas atividades nos limites das suas finalidades e nos termos da lei e poderão manter relações com as organizações religiosas e os crentes de fora de Macau”. (Declaração Conjunta, 1987, p. 15) Também as escolas, hospitais e instituições de beneficência pertencentes a organizações religiosas poderão continuar a funcionar como anteriormente. As relações entre as organizações religiosas na Região Administrativa Especial de Macau e nas outras regiões da República da China deverão basear-se no princípio de não-subordinação mútua, de não-ingerência nos assuntos internos de cada uma e de respeito recíproco”. (Declaração Conjunta, 1987, p. 15).

Ficou do mesmo modo garantida a liberdade de crenças religiosas, sem interferência

por parte do Governo da RAEM nos assuntos internos das organizações religiosas: “As organizações religiosas podem fundar, nos termos da lei, seminários e outros estabelecimentos de ensino, hospitais e instituições de assistência social. As escolas mantidas por organizações religiosas podem continuar a ministrar educação religiosa […]. Os seus direitos e interesses patrimoniais anteriores são protegidos nos termos da lei” art.º 128 (Lei Básica, 1993, p. 54). Ficaram assim assegurados os direitos da Igreja em Macau que D. Arquimínio incansavelmente procurou defender.

5. BIBLIOGRAFIA

Cardoso, Tomás Bettencourt (coord.) (1999) Textos de D. Arquimínio Rodrigues da Costa.

Macau: Fundação Macau. Carmo, António (1997) A Igreja Católica na China e em Macau no Contexto do Sudeste Asiático

- Que Futuro? Macau: FM, ICM, IPOR. Castanheira, José Pedro (1995) Os 58 Dias que Abalaram Macau. Lisboa: D. Quixote. Declaração Conjunta do Governo da República Portuguesa e Do Governo da República Popular

da China sobre a Questão de Macau (1987). Macau: Imprensa Oficial de Macau. Dias, Alfredo Gomes (2010), “Andrade, José Inácio de”. In Seabra, Leonor (coord.) DITEMA

Dicionário Temático de Macau. Vol I, Macau: Universidade de Macau, p. 94. Fernandes, Moisés Silva (2008) Confluência de Interesses: Macau nas Relações Luso-Chinesas

Contemporâneas 1945-2005. Instituto Diplomático e Centro Científico e Cultural de Macau. Grosso, Maria José dos Reis (2009) “Um olhar açoriano sobre Macau”. In 4 Encontro Açoriano

da Lusofonia, Atas/Anais, Lagoa, Açores. Jardim, Oswaldo da Veiga (2010) “Castro, Padre Áureo da Costa Nunes e”. In Seabra, Leonor

(coord.) DITEMA Dicionário Temático de Macau. Vol I, Macau: Universidade de Macau, p. 172. Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China (1993).

Macau: Editado pelo Conselho Consultivo da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China.

Lourenço, Mons. J. M. (1981) Açorianos em Macau. Angra do Heroísmo. Santos, Carlos Pinto e Neves, Orlando (1998) De Longe à China. vol. 2 Macau: ICM. Santos, Carlos Pinto e Neves, Orlando (2000) De Longe à China. vol. 5 Macau: ICM. Santos, Henrique R. (2010), “da Costa, D. Arquimínio” in Seabra, Leonor (coord.) DITEMA

Dicionário Temático de Macau. Vol I, Macau: Universidade de Macau, p. 172.

Page 38: CADERNOS DE ESTUDOS AÇORIANOS...2 1. RAUL LEAL GAIÃO 26º COLÓQUIO LOMBA DA MAIA 2016 TEMA 3.3. AÇORIANOS EM MACAU: D. PAULO JOSÉ TAVARES, SINOPSE D. Paulo José Tavares, nascido

38

Sena, Maria Tereza (2010) “Carvalho, Rodrigo Leal de” in Seabra, Leonor (coord.) DITEMA Dicionário Temático de Macau. Vol I, Macau: Universidade de Macau, p. 276-277.

Silva, Susana Serpa (2011) Em Busca de Novos Horizontes. Disponível em http://repositorio.uac.pt 26/08/2011

Sousa, Acácio Fernando de (2010), “Arriaga, Ouvidor Miguel de” in Seabra, Leonor (coord.) DITEMA Dicionário Temático de Macau. vol. I, Macau: Universidade de Macau, p. 112-114.

Teixeira, Pe. Manuel (1976) Macau e a sua Diocese – Bispos, Missionários, Igreja e Escolas. vol. XII, Macau.

Teixeira, Pe. Manuel (1967) Macau e a sua Diocese – Padres da Diocese de Macau. vol. VII, Macau: Tipografia da Missão do Padroado.

CADERNOS DE ESTUDOS

AÇORIANOS

Suplemento # 35 - junho 2017

AÇORIANOS EM MACAU

Todas as edições em www.lusofonias.net

Editor AICL - Colóquios da Lusofonia Coordenador CHRYS CHRYSTELLO

CONVENÇÃO: O Acordo Ortográfico 1990 rege os Colóquios da Lusofonia e é usado em todos os textos escritos após 1911 (data do 1º Acordo Ortográfico)

©™® Editado por COLÓQUIOS DA LUSOFONIA (AICL, ASSOCIAÇÃO INTERNACIONAL COLÓQUIOS DA LUSOFONIA)

Nota introdutória do Editor dos Cadernos,

Os suplementos aos Cadernos Açorianos servem para transcrever textos em homenagem a autores publicados pelos Colóquios da Lusofonia, pelos seus participantes ou até Pelos próprios autores. Hoje este Suplemento # 35 quase totalmente da autoria de RAUL LEAL GAIÃO é dedicado aos Açorianos em Macau, um dos temas permanentes dos nossos colóquios da lusofonia: