caderno formacao bloco2_vol2_alfabetização

192
Caderno de formação Formação de Professores Bloco 02 - Didática dos Conteúdos volume 2 São Paulo 2011 CADA VEZ MELHOR

Upload: rute-conceicao

Post on 03-Aug-2015

64 views

Category:

Education


0 download

TRANSCRIPT

1. Cadernode formaoFormao de Professores Bloco 02 - Didtica dos Contedos volume 2 So Paulo 2011 CADA VEZ MELHOR 2. 2 2010, BY UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA PR-REITORIA DE GRADUAO Rua Quirino de Andrade, 215 - CEP 01049-010 - So Paulo - SP Tel.(11) 5627-0245 www.unesp.br UNIVESP - UNIVERSIDADE VIRTUAL DO ESTADO DE SO PAULO Secretaria de Desenvolvimento Econmico, Cincia e Tecnologia Rua Bela Cintra, 847 - Consolao CEP: 01014-000 - So Paulo SP Tel. (11) 3218 5784 PROJETO GRFICO, ARTE E DIAGRAMAO Lili Lungarezi NEaD - Ncleo de Educao a Distncia Universidade Estadual Paulista. Pr-Reitoria de Graduao U58c Caderno de formao: formao de professores didtica dos contedos / Universidade Estadual Paulista. Pr-Reitoria de Graduao; Universidade Virtual do Estado de So Paulo. So Paulo: Cultura Acadmica, 2011. v. 2 ; 192 p. ; 28 cm. (Curso de Pedagogia) ISBN 978-85-7983-161-4 1. Formao de professores. 2. Didtica dos contedos. 3. Contedo e didtica de alfabetizao. I. Autor. II. Universidade Virtual do Estado de So Paulo. III. Ttulo. CDD 370.19 9 7 8 8 5 7 9 8 3 1 6 1 4 ISBN 978-85-7983-161-4 3. 3 GOVERNO DO ESTADO DE SO PAULO Governador Geraldo Alckmin SECRETARIA DE DESENVOLVIMENTO ECONMICO, CINCIA E TECNOLOGIA Secretrio Paulo Alexandre Barbosa UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA Reitor Afastado Herman Jacobus Cornelis Voorwald Vice-Reitor no Exerccio da Reitoria Julio Cezar Durigan Chefe de Gabinete Carlos Antonio Gamero Pr-Reitora de Graduao Sheila Zambello de Pinho Pr-Reitora de Ps-Graduao Marilza Vieira Cunha Rudge Pr-Reitora de Pesquisa Maria Jos Soares Mendes Giannini Pr-Reitora de Extenso Universitria Maria Amlia Mximo de Arajo Pr-Reitor de Administrao Ricardo Samih Georges Abi Rached Secretria Geral Maria Dalva Silva Pagotto FUNDUNESP - Diretor Presidente Luiz Antonio Vane Cultura Acadmica Editora Praa da S, 108 - Centro CEP: 01001-900 - So Paulo-SP Telefone: (11) 3242-7171 4. 4 Pedagogia Unesp/Univesp Sheila Zambello de Pinho Coordenadora Geral e Pr-Reitora de Graduao Ana Maria Martins da Costa Santos Coordenadora Pedaggica Klaus Schlnzen Junior Coordenador de Mdias Lourdes Marcelino Machado Coordenadora de Capacitao CONSELHO DO CURSO DE PEDAGOGIA Ana Maria Martins da Costa Santos Presidente Celestino Alves da Silva Jnior Clia Maria Guimares Edson do Carmo Inforsato Gustavo Isaac Killner Joo Cardoso Palma Filho Rosngela de Ftima Corra Fileni Tereza Maria Malatian SECRETARIA Roseli Aparecida da Silva Bortoloto NEaD - Ncleo de Educao a Distncia / UNESP Klaus Schlnzen Junior Coordenador Geral TECNOLOGIA E INFRAESTRUTURA Pierre Archag Iskenderian Coordenador de Grupo Andr Lus Rodrigues Ferreira Guilherme de Andrade Lemeszenski Marcos Roberto Greiner Pedro Cssio Bissetti Rodolfo Mac Kay Martinez Parente PRODUO, VEICULAO E GESTO DE MATERIAL Eliane Aparecida Galvo Ribeiro Ferreira Elisandra Andr Maranhe Liliam Lungarezi de Oliveira Mrcia Debieux de Oliveira Lima Pamela Gouveia Valter Rodrigues da Silva ADMINISTRAO Sueli Maiellaro Fernandes Jessica Papp Joo Menezes Mussolini Suellen Arajo 5. 5 Prezados Alunos H quase um ano e meio dvamos incio ao Curso de Pedagogia na modalidade a distancia, com dois encontros presenciais, semanalmente. Experincia nica e ousada. Porm oportunizou a todos ns ampliarmos os horizontes no que diz respeito formao de professores fazendo com que a Universidade Pblica cumpra com seu compromisso social e poltico. A Pr-reitoria de graduao vem se empenhando no sentido de oferecer uma gama de cursos dentro de uma poltica de expanso de vagas que cabe Universidade Pblica. Particularmente sobre este curso, finalizamos o Bloco 1, cujo foco foi o de possibilitar uma formao geral aos cursistas, com disciplinas distribudas entre temas que vo da Introduo Educao, Educao Infantil, passando por Fundamentos da Educao. Permeando os 3 mdulos o Eixo Articulador contemplou uma discusso sobre memria do Professor. Foram totalizadas 1050 horas de estudos. Estamos iniciando uma nova etapa do curso. O Bloco 2 contemplar a Didtica dos Contedos, perfazendo 1440 horas. Sero abordados os contedos das reas especficas do conhecimento para o ensino fundamental. O Eixo Articulador do Bloco sobre Educao Inclusiva e Especial perpassar todos os componentes, integrando a LIBRAS. A grade curricular visou atender as Diretrizes Curriculares do Curso de Pedagogia, bem como as exigncias do MEC no que diz respeito Educao a Distncia. Temos a certeza de que os cadernos, resultado do trabalho dedicado de seus autores, vem contribuindo, um a um, para uma formao slida dos profissionais da educao. Aos poucos vamos incorporando ao curso atividades para ajudar e complementar na interlocuo autores/cursistas. Estamos nos referindo s videoconferncias de abertura e de encerramento de cada disciplina. Esse recurso possibilitou tambm estabelecer um canal aberto no Portal para interao entre alunos e professores dando continuidade ao esclarecimento de eventuais dvidas em relao ao contedo. Assim, ao iniciarmos esta nova etapa, queremos desejar a todos a continuidade de um bom trabalho. Sheila Zambello de Pinho 6. 6 Carta ao Aluno Um dos maiores educadores de todos os tempos afirmou: todos os homens devem desenvolver o pensar, o falar e o agir, de modo que esses trs dons se harmonizem entre si. . Em 1632 ele publicou A Didtica Magna, para ns, uma leitura obrigatria para todo o educador. Esto contidos neste livro os pressupostos bsicos para uma educao de excelncia. Tudo que lemos hoje, sobre educao, tem, na Didtica Magna, sua fonte, de onde nunca cessam de brotar orientaes precisas sobre como educar homens e mulheres para que se tornem cidados. Este mesmo pensar permite trazer uma de nossas maiores poetizas Cora Coralina, com a simplicidade que sempre foi sua marca ela nos faz lembrar de nossa primeira escola, de nossa primeira professora e nos faz sentir saudade do espao e da pessoa. Quando sentimos saudade somos conduzidos por boas lembranas. Foi por esta nica escola de uma grande mestra, cinqenta anos mais velha do que eu, que cheguei esta publicao de meus livros e s minhas seguidas noites de autgrafos. Minhas noites de autgrafos... Por que no lembrar de quem e onde, pela primeira vez algum nos abriu a porta para o saber, algum nos deu a chave e nos convidou para entrar. Juntam-se a estas lembranas as de Carlos Drummond de Andrade, quando insistiu com seu pai para que comprasse para ele a Biblioteca Internacional de obras Clebres, 24 volumes encadernados em percalina verde. Drummond era s uma criana, mas o livro j havia assumido, em sua vida, o papel que anos mais tarde fez dele o grande poeta Drumond. O poema de Drummond sobre a Biblioteca Verde dimensiona para ns a importncia da leitura em nossas vidas e o quanto ela nos seduz. Pensamos ser importante fazer com vocs este rpido passeio pela educao e pela literatura. Por que ambas so feitas por ns, para nosso aprimoramento intelectual e para despertar nossa sensibilidade. O caderno que abre uma nova etapa do curso focar um outro aspecto da formao de vocs. O que fazer, o como fazer, o porqu fazer contribuir para um saber-fazer e ser cidado, comprometido com uma educao de qualidade. Para encerrar gostaramos de agradecer a Deus pelo cuidado que teve conosco at aqui e pedir a Ele que permanea conosco para que possamos chegar ao final deste trabalho com a certeza do dever cumprido. Klaus Schlnzen Junior Ana Maria da Costa Santos 7. 7 Sumrio Bloco 02 - Didtica dos Contedos - Vol.02 Contedo e Didtica de Alfabetizao A Importncia da Alfabetizao na Vida Humana 14 Snia Maria Coelho Percurso Histrico dos Mtodos de Alfabetizao 23 Onaide Schwartz Mendona Psicognese da Lngua Escrita: contribuies, equvocos e consequncias para a alfabetizao 36 Onaide Schwartz Mendona Olympio Correa de Mendona A Alfabetizao na Perspectiva Histrico-Cultural 58 Snia Maria Coelho Algumas Questes de Lingustica na Alfabetizao 72 Luiz Carlos Cagliari Alfabetizao: o que fazer quando no der certo 84 Luiz Carlos Cagliari Alfabetizao e Letramento: caminhos e descaminhos 96 Magda Soares Letramento Literrio: uma proposta para a sala de aula 101 Renata Junqueira de Souza Rildo Cosson Superao do Analfabetismo: ao poltico pedaggica 108 Maria P. de Ftima R. Furlanetti A Eficincia do Mtodo Sociolingustico: uma nova proposta de alfabetizao 120 Onaide Schwartz Mendona A Norma Culta e a Oralidade em Sala de Aula 131 Onaide Schwartz Mendona Uma Viso sobre a Aquisio da Leitura e da Escrita 138 Elisandra Andr Maranhe Agendas e Atividades 149 8. 8 Biblioteca Verde Apolo nu, Vnus nua... Nossa Senhora, tem disso tudo nos livros? Depressa, as letras. Careo ler tudo. A me se queixa. No dorme este menino. O irmo reclama: apaga a luz, cretino! Espermacete cai na cama, queima a perna, o sono. Olha que eu tomo e rasgo essa Biblioteca antes que peque fogo na casa. Vai dormir, menino, antes que eu perca a pacincia e te d uma sova. Dorme, filhinho meu, to fraquinho. Mas leio. Em filosofias tropeo e caio, cavalgo de novo meu verde livro, em cavalarias me perco, medievo; em contos, poemas me vejo viver. Como te devoro, verde pastagem. Ou antes carruagem de fugir de mim e me trazer de volta casa a qualquer hora num fechar de pginas? Tudo o que sei ela que me ensina. O que saberei, o que no saberei nunca, est na Biblioteca em verde murmrio de flauta-percalina eternamente. Papai, me compra a Biblioteca Internacional de Obras Clebres So s 24 volumes encadernados em percalina verde. Meu filho, livro demais para uma criana- Compra assim mesmo, pai, eu creso logo. Quando crescer eu compro. Agora no. Papai, me compra agora. em percalina verde, s 24 volumes. Compra, compra, compra. Fica quieto, menino, eu vou comprar. Rio de Janeiro? Aqui o Coronel. Me mande urgente sua Biblioteca bem acondicionada, no quero defeito. Se vier com arranho recuso, j sabe: quero devoluo de meu dinheiro. Est bem, Coronel, ordens so ordens. Segue a Biblioteca pelo trem-de-ferro, fino caixote de alumnio e pinho. Termina o ramal, o burro de carga vai levando tamanho universo. Chega cheirando a papel novo, mata de pinheiros toda verde. Sou o mais rico menino destas redondezas. (Orgulho, no: inveja de mim mesmo.) Ningum mais aqui possui a coleco das Obras Clebres. Tenho de ler tudo. Antes de ler, que bom passar a mo no som da percalina, esse cristal de fluda transparncia: verde, verde. Amanh comeo a ler. Agora no. Agora quero ver figuras. Todas. Templo de Tebas, Osris, Medusa, 9. Professora autora: snia Maria Coelho Faculdade de Cincias e Tecnologia, Departamento de Educao UNESP/Presidente Prudente Professoras assistentes: Onaide Schwartz Correia de Mendona Faculdade de Cincias e Tecnologia Dep. de EducaoUNESP/ Presidente Prudente Elisandra Andr maranhe Ncleo de Educao a Distncia UNESP / So Paulo Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina. Cora Coralina Didtica dos Contedos Bloco 2 Disciplina 16 Contedo e Didtica de Alfabetizao Contedo e Didtica de Alfabetizao 10. 10 Viso Geral da Disciplina Contedo e Didtica de Alfabetizao A disciplina visa analisar e discutir fundamentos lingusticos da alfabetizao. Para tanto, apresenta propostas metodolgicas e prticas pedaggicas relativas ao processo de alfabetizao, compreendido como ensino-aprendizagem da lngua escrita na fase inicial de escolarizao de crianas, assim como de jovens e adultos, e suas condies especficas de aprendizagem para um planejamento de aes de EJA. Objetivos Gerais: Propor e analisar prticas escolares de alfabetizao, pautadas na construo do conhecimento pelas crianas, jovens e adultos, valorizando suas hipteses sobre a escrita e a leitura. Objetivos Especficos: Analisar o contexto histrico das pesquisas na rea de alfabetizao e as diferentes formas, ao longo dos anos, de conceber a escrita e seus processos de aquisio pelas crianas. Discutir aspectos atuais sobre a utilizao dos conceitos de alfabetizao e letramento. Analisar o papel do professor nos processos, de aprendizagem da leitura e da escrita, vivenciados pelas crianas, jovens e adultos. Apresentar e discutir os conhecimentos profissionais docentes necessrios para a compreenso de tais processos e para a interveno neles. 11. 11 Ementa: Analisa o histrico das pesquisas na rea de alfabetizao e as diferentes formas, ao longo dos anos, de conceber a escrita e seus processos de aquisio pelas crianas. Busca permitir a compreenso da discusso atual sobre a utilizao dos conceitos de alfabetizao e letramento. Discute o papel do professor nos processos, de aprendizagem da leitura e da escrita, vivenciados pelas crianas, jovens e adultos, identificando conhecimen- tos profissionais docentes necessrios para a compreenso de tais processos e para a interveno neles. Prope e analisa prticas escolares de alfabe- tizao, pautadas na construo do conhecimento e na valorizao das hipteses sobre a escrita e a leitura. Snia Maria Coelho 12. 12 Viso Geral da Disciplina Bibliografia de Apoio BERNARDIN, J. As crianas e a cultura escrita. Porto Alegre: Artmed, 2003. BRASIL, Ministrio da Educao e do Desporto. IDEB: ndice de Desenvolvimento da Educao Bsica. Braslia: MEC/SEF. Disponvel em: . Acessado em: 26 jan. 2011. CAGLIARI, L. C. Alfabetizao & lingustica. So Paulo: Scipione, 1989. CAGLIARI, L. C. Alfabetizando sem o B-B-BI-B-BU. So Paulo: Scipione, 1999. CARVAJAL PREZ, F.; RAMOS GARCA, J. (Orgs.). Ensinar ou aprender a ler e a escrever? Porto Alegre: Artmed, 2001. CHARTIER, R. Cultura escrita, literatura e histria. Porto Alegre: Artmed, 2001. FERREIRO, E.; TEBEROSKY, A. Psicognese da lngua escrita. Trad. Diana Myriam Lichtenstein et al. Porto Alegre: Artes Mdicas, 1986. FRANCHI, E. P. E as crianas eram difceis... - a redao na escola. So Paulo: Martins Fontes, 1984. FRANCHI, E. P. Pedagogia da alfabetizao: da oralidade escrita. So Paulo: Cortez, 1988. GERALDI, J. W. O texto na sala de aula. Cascavel: Assoeste, 1985. LEMLE, M. Guia terico do alfabetizador. 3. ed. So Paulo: tica, 1988. MASSINI-CAGLIARI, G.; CAGLIARI, L. C. Diante das letras: a escrita na alfabeti- zao. Campinas: Mercado de Letras, 1999. MASSINI-CAGLIARI, G. O texto na alfabetizao: coerncia e coeso. Campinas: Mercado de Letras, 2001. MENDONA, O. S.; MENDONA, O. C. Alfabetizao - mtodo sociolingustico: conscincia social, silbica e alfabtica em Paulo Freire. So Paulo: Cortez, 2007. MENDONA, O. S.; MENDONA, O. C. Alfabetizao lingustica e letramento: pr- ticas socioconstrutivistas. So Paulo: Impress, 2010. 13. 13 SOARES, M. Linguagem e escola: uma perspectiva social. So Paulo: tica, 1986. SOARES, M. Alfabetizao e letramento. So Paulo: Contexto, 2004. LIVROS DE PAULO FREIRE BIBLIOTECA DIGITAL PAULO FREIRE disponvel em: . Acessado em: 26 jan. 2011. Sugestes de Leituras BERNARDIN, J. As crianas e a cultura escrita. Porto Alegre: Artmed, 2003. CARVAJAL PREZ, F.; RAMOS GARCA, J. (Orgs.). Ensinar ou aprender a ler e a escrever? Porto Alegre: Artmed, 2001. CHARTIER, R. Cultura escrita, literatura e histria. Porto Alegre: Artmed, 2001. Meus agradecimentos especiais s professoras Elisandra Andr Maranhe e Onaide Schwartz Correa de Mendona pela partici- pao neste caderno como autoras e como colaboradoras na orga- nizao de todo material aqui apresentado. Seu trabalho me aju- dou a tornar realidade o projeto deste Caderno. Amplio esses agradecimentos a Mrcia Debieux de Oliveira Lima pela orientao e apoio indispensveis na organizao das agen- das da disciplina. Da mesma forma agradeo a toda equipe tc- nica que favorece a realizao de nosso trabalho. Especialmente menciono Valter Rodrigues da Silva e Lili Lungarezi. Agradeo aos autores cujo texto foram includos aqui e que per- mitiro o conhecimento de nossos leitores a respeito das discusses sobre alfabetizao. Snia Maria Coelho 14. 14 A Importncia da Alfabetizao na Vida Humana Snia Maria Coelho Faculdade de Cincias e Tecnologia, Departamento de Educao UNESP/Presidente Prudente Resumo: O texto discute o que a alfabetizao representa para o ser humano. Para isso, indica a forma pela qual a alfabetizao mantm uma proximidade com o mbito da vida cotidiana, ao mesmo tempo em que ela estabelece um elo na passagem para o mbito da vida no-cotidiana, pois, sem a linguagem escrita, o ingres- so nesse universo quase impossvel. Da mesma maneira, amplia o estudo sobre os conceitos cientficos na perspectiva de Vigotski e discute a importncia da alfabetizao para a insero dos indivduos nas esferas no-cotidianas da vida social, como a cincia, a filosofia, a arte e o que isso representa na qualificao da vida humana. Palavras-chave: Alfabetizao, Teoria do cotidiano, Conceitos cientficos, Linguagem. No campo dos estudos sobre a alfabetizao, no um fato raro o de que a chamada fun- o social da linguagem escrita seja reduzida s esferas da vida cotidiana1 caracterizada pelo pragmatismo2 . Fica-se com a impresso de que a alfabetizao teria pouca ou nenhuma relao com as esferas no-cotidianas. possvel que isso seja consequncia, ao menos em parte, de uma real ambivalncia da alfabetizao. Por um lado, a aquisio da linguagem escrita possui muitos aspectos em comum com o pragmatismo da vida cotidiana, como, por exemplo, a necessidade da formao de certos automatismos pela repetio, dispensando a reflexo sobre as causas e as origens de certas coisas (no preci- samos saber por que escrevemos xcara com x e chcara com ch). Por outro lado, a elaborao do discurso escrito exige certa supe- rao da espontaneidade prpria da oralidade do cotidiano. Apesar de seu carter parcialmente pragmtico, a alfabetizao permite a construo das bases intelectuais para a aquisio dos conceitos cientficos, atravs da possibilidade de desenvolvimento da lin- guagem escrita. Ao mesmo tempo em que a alfabetizao mantm uma proximidade com o mbito da vida cotidiana, ela estabelece um elo na passagem para o mbito da vida no-cotidiana, pois, 1. Em todo homem, h uma vida cotidiana e esta pode ser entendida como o conjunto de atividades que caracterizam a reproduo dos ho- mens singulares, que, por sua vez, no seu conjunto, possibilitam a re- produo da sociedade. 2. Pragmatismo a vida cotidiana normalmente no promove a dis- cusso do significado das aes, no so questionadas suas cau- sas, sua gnese; h uma unidade imediata entre pensamento e ao, sendo que as atividades da vida co- tidiana so sempre acompanhadas de f e confiana. 15. 15 CONTEDOEDIDTICADEALFABETIZAO sem a linguagem escrita, o ingresso nesse universo quase impossvel. O embrio desta ideia est na hiptese de Duarte (1993; 1996), para quem a prtica pedaggica mediadora entre o cotidiano e o no-cotidiano na vida do indivduo. Este texto objetiva introduzir a discusso da importncia da alfabetizao para a inser- o dos indivduos nas esferas no-cotidia- nas3 da vida social, como a cincia e a arte, e o que isso representa na vida humana. A fim de alcanarmos este entendimento, procuramos estabelecer as possveis relaes en- tre a teoria de Vigotski (2001), sobre aquisio dos conceitos cientficos e suas caractersticas; os estudos de Heller (1970; 1991), sobre a teoria da vida cotidiana; e as anlises empreendidas por Duarte (1993; 1996; 2000), sobre a educao escolar. Uma das grandes tarefas destinadas escola o trabalho com os processos de aquisio dos conceitos cientficos pelos alunos, proporcionados por meio dos diferentes campos de saberes, como Histria, Geografia, Fsica, Qumica, Biologia, Matemtica etc. A aprendizagem no comea s na idade escolar, ela existe tambm na idade pr- -escolar. Uma investigao futura provavelmente mostrar que os conceitos es- pontneos so um produto da aprendizagem pr-escolar tanto quanto os conceitos cientficos so um produto da aprendizagem escolar (VIGOTSKI, 2001, p. 388). Com isso, acreditamos que os conceitos bsicos, elementares, correspondentes s referidas reas de conhecimento, possibilitem que os alunos estabeleam outra forma de relacionamento com a vida. Essa relao, mediada pela cincia, pela arte, pela filosofia, poderia ajud-los a romper com a sua cotidianidade: O desenvolvimento dos conceitos cientficos na idade escolar , antes de tudo, uma questo prtica de imensa importncia - talvez at primordial - do ponto de vista das tarefas que a escola tem diante de si quando inicia a criana no sistema de con- ceitos cientficos (VIGOTSKI, 2001, p. 241). Todos esses processos de aquisio de conceitos cientficos no seriam possveis sem a utilizao/mediao da linguagem escrita, o que nos faz pensar na importncia que assume, na vida do indivduo, o fato de ele estar alfabetizado, podendo partilhar de situaes em que a escrita esteja presente e seja necessria. Formao e importncia dos conceitos cientficos Em sua obra Pensamento e Linguagem, cuja traduo em portugus ganhou o novo ttulo de A Construo do Pensamento e da Linguagem, no captulo dedicado do desenvolvimento dos conceitos cientficos na infncia, Vigotski (2001) destaca a importncia de que se reveste 3. Atividades no-cotidianas so aquelas que permitem o processo de humanizao, facultando ao indivduo alar esferas superiores de realizao e compreenso em sua existncia. Segundo Heller, tambm analisadas por Duarte (1996), so as apropriaes das objetivaes produzidas nos campos da cincia, arte, filosofia, moral e poltica. 16. 16 o estudo sobre o desenvolvimento de tais conceitos, pelo fato de os mesmos terem decisiva influncia sobre todo o processo de desenvolvimento intelectual da criana: [...] o acmulo de conhecimentos leva invariavelmente ao aumento dos tipos de pensamento cientfico, o que, por sua vez, se manifesta no desenvolvimento do pensamento espontneo e redunda na tese do papel prevalente da aprendizagem no desenvolvimento do aluno escolar. [...] O curso do desenvolvimento do conceito cientfico nas cincias sociais transcorre sob as condies do processo educacional, que constitui uma forma original de colaborao sistemtica entre o pedagogo e a criana, colaborao essa em cujo processo ocorre o amadurecimento das funes psicolgicas superiores da criana com o auxlio e a participao do adulto (VI- GOTSKI, 2001, p. 243-244, grifo nosso). Desta maneira, a descoberta da complexa relao entre o aprendizado e o desenvolvimento dos conceitos cientficos valiosssima para a pedagogia, pois o desenvolvimento dos conceitos no pensamento da criana deve realizar-se da mesma maneira que os pensamentos se apresen- tam em cada uma das suas fases de desenvolvimento, pois estes no so adquiridos de forma mecnica, mas evoluem a partir de uma intensa atividade mental que a criana desenvolve. [...] um conceito muito mais que a soma de certos vnculos associativos formados pela memria, mais do que um simples hbito mental; um ato real e complexo de pensamento que no pode ser aprendido por meio de simples memorizao, s podendo ser realizado quando o prprio desenvolvimento mental da criana j houver atingido o seu nvel mais elevado. [...] em qualquer nvel do seu desen- volvimento, o conceito , em termos psicolgicos, um ato de generalizao (VI- GOTSKI, 2001, p. 246, grifo nosso). Na concepo de Vigotski (2001), os dois processos desenvolvimento dos conceitos espon- tneos e dos conceitos no-espontneos influenciam-se mtua e constantemente, como parte de um nico processo, no qual o desenvolvimento de conceitos, sendo afetado por diferentes condies externas e internas, torna-se essencialmente um processo unitrio e no um confli- to entre formas de pensamento antagnicas e mutuamente exclusivas. Ainda de acordo com esse estudioso, o desenvolvimento dos conceitos cientficos exige que uma srie de funes se desenvolvam: ateno voluntria, memria lgica, abstrao, comparao, discriminao, as quais jamais poderiam ser memorizadas ou simplesmente assimiladas O desenvolvimento dos conceitos espontneos e cientficos cabe pressupor - so processos intimamente interligados, que exercem influncias um sobre o outro. [...] o desenvolvimento dos conceitos cientficos deve apoiar-se forosamente em um determinado nvel de maturao dos conceitos espontneos, que no podem ser indiferentes formao de conceitos cientficos simplesmente porque a expe- rincia imediata nos ensina que o desenvolvimento dos conceitos cientficos s se torna possvel depois que os conceitos espontneos da criana atingiram um nvel prprio do incio da idade escolar (VIGOTSKI, 2001, p. 261). 17. 17 CONTEDOEDIDTICADEALFABETIZAO Pela aprendizagem, principalmente, a criana na idade escolar forma seus conceitos cient- ficos e desenvolve-se mentalmente. Vigotski (2001) destaca algumas evidncias sobre o papel da aprendizagem e do professor no desenvolvimento mental da criana, uma vez que [...] no processo de ensino do sistema de conhecimentos, ensina-se criana o que ela no tem diante dos olhos, o que vai alm dos limites da sua experincia atual e da eventual experincia imediata (VIGOTSKI, 2001, p. 268). O estudioso indica-nos a importncia que assumem os processos de aprendizagem para o desenvolvimento geral da criana, uma vez que, hoje, se ela necessita de ajuda para a realiza- o de uma tarefa, amanh, ela a far sem auxlio. esse o significado do famoso conceito vigotskiano de zona de desenvolvimento proximal. Quando fala dos conceitos espontneos, Vigotski (2001) afirma que eles no se organizam em uma estrutura lgica, nem tm organizao lgica entre si, no formam um sistema, em- bora guardem relaes com objetos, elementos da realidade. Ele declara que sua investigao tinha como objeto a constatao de que [...] a curva do desenvolvimento dos conceitos cientficos no coincide com a curva do desenvolvimento dos espontneos, mas, ao mesmo tempo e precisamente em funo disto, revela as mais complexas relaes de reciprocidade com ela. Essas relaes seriam impossveis se os conceitos cientficos simplesmente repetissem a histria do desenvolvimento dos conceitos espontneos (VIGOTSKI, 2001, p. 351). A partir desse pensamento, questiona se os conceitos cientficos podem melhorar uma rea de desenvolvimento ainda no ocorrida na vida da criana ou se podem antecipar o prprio desenvolvimento e as possibilidades da criana. [...] neste caso, comeamos a entender que a aprendizagem dos conceitos cientfi- cos pode efetivamente desempenhar um papel imenso e decisivo em todo desen- volvimento intelectual da criana (VIGOTSKI, 2001, p. 352). Certamente, podemos refletir sobre a importncia dos conceitos cientficos no desenvolvi- mento do aluno, principalmente em face dos processos de alfabetizao a que esto sujeitos na vida escolar. A Alfabetizao e o desenvolvimento dos conceitos cientficos A alfabetizao pe nas mos dos indivduos um poderoso instrumento, tanto para a apro- priao dos conceitos cientficos, como para a objetivao do pensamento cientfico. O mesmo podemos afirmar em relao filosofia e a certos campos da arte. A alfabetizao pode se constituir em um momento preparador para o ingresso nesses universos. Pautando-se em pesquisas realizadas em vrios pases e em suas prprias pesquisas, Vi- gotski (2001) sustenta que 18. 18 [...] a aprendizagem da escrita uma das matrias mais importantes da aprendi- zagem escolar em pleno incio da escola, que ela desencadeia para a vida o de- senvolvimento de todas as funes que ainda no amadureceram na criana (VI- GOTSKI, 2001, p. 332). [...] A criana comea a aprender a escrever quando ainda no possui todas as funes que lhe assegurem a linguagem escrita. precisamente por isso que a aprendiza- gem da escrita desencadeia e conduz o desenvolvimento dessas funes [psquicas superiores. SMC] (VIGOTSKI, 2001, p. 336). Vigotski (2001) esclarece muitos pontos sobre a idade escolar da criana. Ele descobre que, nessa fase, a criana adquire novas formaes que so essenciais para as funes b- sicas requeridas na aprendizagem escolar. Trata-se da tomada de conscincia e da formao da voluntariedade, que se iniciam nessa idade, mas s se desenvolvem plenamente durante a adolescncia. Afirma que a idade escolar o perodo optimal da aprendizagem ou, como ele denomina, trata-se de uma fase sensvel para as aquisies de conhecimentos nas disciplinas que se apiem nas funes conscientizadas e arbitrrias. Todas as funes bsicas envolvidas na aprendi- zagem escolar giram em torno do eixo das novas formaes essenciais da idade escolar: da tomada de conscincia e da voluntariedade4 (VIGOTSKI, 2001, p. 337). Apesar de tudo isso, a criana no consegue ter conscincia dos seus processos mentais superiores, uma vez que, [...] na idade escolar tambm se intelectualizam e se tornam voluntrias todas as funes intelectuais bsicas, exceto o prprio intelecto no sentido propriamente dito da palavra (VIGOTSKI, 2001, p. 283, grifo do autor). Isto significa que a conscincia e a capacidade de controle aparecem apenas em um estgio mais tardio do desenvolvimento. Segundo a sua concepo, para que uma funo possa se submeter ao controle da vontade e do intelecto, primeiro temos que nos apropriar dela. Citando como exemplo o processo de aquisio da lecto-escrita, podemos verificar o modo como a criana utiliza a linguagem com certa complexidade, embora ainda no possua conscincia dos mecanismos e processos internos a ela, tais como a ortografia, a gramtica, a sintaxe. Examinando as experincias realizadas por Vigotski (2001) e colaboradores, citadas em A Construo do Pensamento e da Linguagem, nas quais eles verificaram o nvel do desenvolvi- mento das funes psquicas necessrias para a aprendizagem das matrias escolares bsicas leitura e escrita, gramtica, aritmtica, cincias sociais e cincias naturais verificamos que, [...] at o momento de incio da aprendizagem, as crianas que as haviam estudado [as matrias escolares. SMC] com muito sucesso no demonstraram o menor ind- 4. Usamos neste trabalho o termo vo- luntariedade ao invs de arbitrarieda- de, como consta nas tradues para o espanhol, pelo fato de que esta palavra define melhor, na lngua portuguesa, o significado que o autor pretendia. 19. 19 CONTEDOEDIDTICADEALFABETIZAO cio de maturidade naquelas premissas psico- lgicas que segundo a primeira teoria5 , deve- riam anteceder o prprio incio da aprendiza- gem (VIGOTSKI, 2001, p. 311, grifo nosso), Desse modo, as crianas no tinham que evidenciar condio especial facilitadora alguma, nem inclinao pelas disciplinas consideradas ou tendncia para tais reas de estudo. A investigao de Vigotski (2001) mostrou que a escrita, nos traos essenciais do seu desenvolvimento, diferente da histria do desenvolvimento da fala, uma vez que possuem funes lingusticas distintas, funcionamento e estruturas diferentes, sendo as semelhanas entre os dois processos mais de aparncia que de essncia (p. 312). A criana que aprende a escrever precisa abstrair o aspecto sensorial da fala, usar uma linguagem abstrata que subs- titui as palavras por suas respectivas representaes. Isso significa uma dificuldade muito grande para a criana. Aliado a tal fator, aparece o de que a escrita uma fala sem interlo- cutor, dirigida a uma pessoa ausente, imaginria, ou seja, no determinada especialmente. A dinmica existente em uma conversao facilita o desenvolvimento da fala pelas exigncias da prpria situao, porm, no caso da escrita, as motivaes so mais abstratas, os motivos mais intelectualizados e distantes das necessidades imediatas. Nem sempre se apresentam s crianas situaes em que a necessidade da escrita seja clara e evidente, vinculadas sua realidade. Abaixo, destacamos algumas passagens nas quais Vigotski (2001) mostra o quo abstrata a linguagem escrita para a criana: A escrita uma funo especfica da linguagem, que difere da fala no menos como a linguagem interior difere da linguagem exterior pela estrutura e pelo modo de funcionamento. Como mostra a nossa investigao, a linguagem escrita requer para o seu transcurso pelo menos um desenvolvimento mnimo de um alto grau de abstrao. [...] Como mostram as investigaes, exatamente esse lado abstrato da escrita, o fato de que essa linguagem apenas pensada e no pronunciada que constitui uma das maiores dificuldades com que se defronta a criana no processo de apreenso da escrita (p. 312-313). Pode-se at afirmar com base em dados da investigao que esse aluno, ao se iniciar na escrita, alm de no sentir necessida- de dessa nova funo de linguagem, ainda tem uma noo extremamente vaga da utilidade que essa funo pode ter para ele. (VIGOTSKI, 2001, p. 314-315). Notamos que o carter abstrato da escrita , em si mesmo, um fator de dificuldade para a crian- a no processo de sua aquisio e, principalmente, como a criana utiliza outro tipo de linguagem (oral), no sente, pelo menos inicialmente, necessidade alguma de utilizao da escrita. Essas descobertas de Vigotski (2001) podem ser relacionadas com os fundamentos da teoria helleriana sobre o pensamento e a estrutura da vida cotidiana, segundo os quais as atividades do indivduo tendem ao humano-genrico6 como parte de um processo de desenvolvimento. Conforme suas afirmaes constantes, as atividades cotidianas so parte integrante da vida 5. A teoria a que Vigotski se refere considera a aprendizagem como independente do de- senvolvimento, sendo que, para essa teo- ria, primeiro ocorreria o desenvolvimento e, depois, como decorrncia, a aprendizagem. 20. 20 do indivduo no mbito do em-si e, para atingirem um nvel de realizaes no mbito do para-si, precisam evoluir ao nvel das atividades no-cotidianas. Conforme o prprio conceito de vida cotidiana prev, para que o sujeito possa desenvolver-se, pre- ciso que consiga realizar algumas tarefas, como, por exemplo, as que fazem parte do processo de alfabetizao, que lhe permi- tiro um nvel de realizaes mais amplas. Assim, a mediao entre os mbitos cotidiano e no-cotidiano, na vida do indivduo, ser facilitada pela alfabetiza- o, uma vez que esta poder proporcionar condies de elevao qualitativa das relaes que o indivduo mantm com a realidade humana da qual ele parte, j que a maioria dos contatos com as objetivaes superiores do gnero humano requer a mediao da linguagem escrita. Consideramos que, por meio da alfabetizao, a conquista da linguagem escrita favorece o processo de apropriao de conceitos cientficos, os quais, por sua vez, promovem de cima para baixo uma reestruturao e reelaborao dos conceitos cotidianos. As funes mentais superiores, apontadas na teoria vigotskiana, desenvolvem-se de modo a propiciar o controle deliberado das aes, o que por sua vez ir refletir-se no processo de desenvolvimento geral do sujeito. Esse desenvolvimento da conscincia facilita o uso deliberado da memria que, deixando de ser mecnica, atinge um patamar mais lgico. O conceito, dessa maneira, s pode tornar-se objeto da conscincia e do controle deliberado quando comea a fazer parte de um sistema, segundo o qual a generalizao possibilita ordenamentos de conceitos hierarquizados em diferentes nveis de generalidade. Como o prprio Vigotski (2001) afirma, existe uma diferena entre inconsciente e no- -conscientizado: [...] o no-conscientizado ainda no inconsciente em parte nem consciente em parte. No significa um grau de conscincia, mas outra orientao da atividade da conscincia (VIGOTSKI, 2001, p. 288, grifo nosso). Para ele, o aprendizado escolar e, para nossa compreenso, o processo de alfabetizao em especial, permitem uma percepo generalizante que desempenha um papel importante e de- cisivo na conscientizao que a criana ter de seus prprios processos mentais. A conscincia e a inteno tambm orientam desde o incio a linguagem escrita da criana. Os signos da linguagem escrita e o seu emprego so assimilados pela criana de modo consciente e arbitrrio [voluntrio, SMC], ao contrrio do empre- go e da assimilao inconscientes de todo o aspecto sonoro da fala. A escrita leva a criana a agir de modo mais intelectual. Leva-a a ter mais conscincia do prprio processo da fala. Os motivos da escrita so mais abstratos, mais intelectualsticos e mais distantes do emprego7 (VIGOTSKI, 2001, p. 318, grifo nosso). 6. Todo indivduo particular, sin- gular, no que diz respeito aos seus interesses prprios, mais imedia- tos, e passa a ser humano-genrico quando transcende os interesses imediatos e passa a se preocupar com a realizao do que prprio essncia humana. 21. 21 CONTEDOEDIDTICADEALFABETIZAO Os conceitos cientficos formam um sistema hierrquico de inter- -relaes, que parece constituir o modo pelo qual sua generalizao e domnio se desenvolvem, isto , esse sistema hierrquico de rela- es mtuas que possibilita aos conceitos cientficos serem gene- ralizados e dominados, atravs de uma tomada de conscincia pelo indivduo. Segundo Vigotski, esse sistema mais tarde poder ser transferido a outros conceitos e a outras reas do pensamento. Os conceitos cientficos so os portes atravs dos quais a tomada de conscincia penetra no reino dos conceitos infantis (2001, p. 295). Esses rudimentos de sistematizao, primeiro, entram na mente da criana por meio do seu contato com os conceitos cientficos, para serem, depois, transferidos para os conceitos cotidia- nos, mudando a sua estrutura psicolgica de cima para baixo: [...] poderamos dizer convencionalmente que o conceito espontneo da criana se desenvolve de baixo para cima, das propriedades mais elementares e inferiores s superiores, ao passo que os conceitos cientficos se desenvolvem de cima para baixo, das propriedades mais complexas e superiores para as mais elementares e inferiores (VIGOTSKI, 2001, p. 348). De acordo com esse pensamento, os conceitos cientficos e espontneos se desenvolvem em direes opostas, mas so processos intimamente relacionados, pois, para absorver um concei- to cientfico, preciso que a criana j tenha desenvolvido um conceito espontneo correlato. Desse modo, o desenvolvimento dos conceitos cientfico e espontneo segue ca- minhos dirigidos em sentido contrrio, ambos os processos esto internamente e da maneira mais profunda inter-relacionados. O desenvolvimento do conceito espontneo da criana deve atingir um determinado nvel para que a criana possa apreender o conceito cientfico e tomar conscincia dele. Em seus conceitos espon- tneos, a criana deve atingir aquele limiar alm do qual se torna possvel a tomada de conscincia (VIGOTSKI, 2001, p. 349). Uma criana conjuga e declina os mais diferentes verbos e no sabe que o est fazendo. A atividade foi assimilada da mesma forma que a composio fontica das palavras. Vigotski (2001) afirma que [...] ela domina certas habilidades no campo da linguagem, mas no sabe que as domina (p. 320). Isto acontece porque ela tem um domnio espontneo sobre as opera- es que realiza, algumas vezes at de forma extremamente mecnica, porm, [...] na escola a criana aprende particularmente graas escrita e gramtica, a to- mar conscincia do que faz e a operar voluntariamente com as suas prprias habili- dades. Suas prprias habilidades se transferem do plano inconsciente e autnomo para o plano arbitrrio [voluntrio, SMC], intencional e consciente (VIGOTSKI, 2001, p. 320-321, grifo nosso). Estas ideias podem esclarecer as ocorrncias que marcam o processo de alfabetizao, como sendo o momento determinante dessa tomada de conscincia, ou seja, da possibilidade de ocorrer a passagem das objetivaes genricas em-si s objetivaes genricas para-si. 7. Consultando Obras Escogidas de Vigotski (1993) vol II, encon- tramos uma diferena no texto correspondente a este que cita- mos e que provoca uma mudan- a no seu sentido: Los motivos del lengaje escrito son ms abs- tractos, mas intelectuales, estn mas alejados de la necessidade (p.232, grifos nossos). 22. 22 Duarte (1996) explicita esse contexto terico, defendendo uma concepo de educao es- colar como mediadora, no processo de formao geral do indivduo, que se realiza entre as es- feras da vida cotidiana e as no-cotidianas das objetivaes do gnero humano. Acrescentamos a esse pensamento a ideia sobre a alfabetizao como um processo marcadamente importante nessa mediao, j que atravs dela que os indivduos adquirem condies plenas de aper- ceberem-se dos carecimentos em nvel cada vez mais elevados, voltados para as objetivaes genricas para-si. Referncias DUARTE, Newton. A individualidade para-si - contribuio a uma teoria histrico social da formao do indivduo. Campinas: Autores Associados, 1993. 227 p. DUARTE, Newton. Educao escolar, teoria do cotidiano e a escola de Vigotski. Campinas: Autores Associados, 1996. 115 p. DUARTE, Newton. Vigotski e o aprender a aprender: crtica s apropriaes neoliberais e ps-modernas da teoria vigotskiana. Campinas: Autores Associados, 2000. 297 p. HELLER, Agnes. Cotidiano e Histria. Traduo de Carlos Nelson Coutinho e Leandro Konder. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1970. 122 p. (Srie Interpretaes da histria do homem, v. 2). HELLER, Agnes. Sociologa de la Vida Cotidiana. 3. ed. Traduo de J. F. Yvars e E. Prez Nadal. Barcelona: Pennsula, 1991. 421 p. VIGOTSKI, L. S. A construo do pensamento e da linguagem. Traduo do russo Paulo Bezerra. So Paulo: Martins Fontes, 2001. 496 p. Saiba Mais Saiba Mais 23. 23 CONTEDOEDIDTICADEALFABETIZAO Percurso Histrico dos Mtodos de Alfabetizao Onaide Schwartz Mendona Faculdade de Cincias e Tecnologia Departamento de Educao UNESP/ Presidente Prudente Resumo: A histria da alfabetizao est dividida em quatro perodos. O primeiro teve incio na Antiguidade e se estendeu at a Idade Mdia. Durante esse tempo, o nico mtodo existente foi o da soletrao. O segundo ocorreu durante os sculos XVI e XVIII e se estendeu at a dcada de 1960, sendo marcado pela rejeio ao mtodo da soletrao e pela criao de novos mtodos sintticos e analticos. Nessa poca, foram criadas as car- tilhas, amplamente utilizadas, cujos mtodos sero analisados luz da Lingustica. O terceiro perodo iniciou-se em meados da dcada de 1980 com a divulgao da teoria da Psicognese da lngua escrita, ficou marcado pelo questionamento da necessidade de se associar os sinais grficos da escrita aos sons da fala para se aprender a escrever. Este perodo ser abordado no artigo Psicognese da lngua escrita: contribuies, equvocos e conse- quncias para a alfabetizao. Existe ainda o perodo atual (quarto perodo) aqui denominado de reinveno da alfabetizao que surgiu em decorrncia dos reiterados ndices indicadores do fracasso da alfabetizao no Brasil. Este ltimo perodo discute a necessidade da organizao do trabalho docente e a sistematizao do en- sino para alfabetizar letrando, e ser desenvolvido no artigo A eficincia do Mtodo Sociolingustico: uma nova proposta de Alfabetizao. Palavras-chave: Mtodo sociolingstico, Histria da alfabetizao, Mtodos da alfabetizao. 1 OS PRIMEIROS MTODOS DE ALFABETIZAO Pelo conhecimento da histria dos mtodos de alfabetizao, podemos compreender os es- tgios pelos quais passou esse processo paralelamente s transformaes econmicas, sociais, polticas e educacionais. Arajo (1996) divide a histria da alfabetizao em trs grandes perodos, porm, em razo de novos questionamentos, podemos acrescentar mais um, o atual, e subdividi-la, portanto, em quatro perodos, como veremos a seguir. Segundo Arajo (1996), o primeiro inclui a Antiguidade e a Idade Mdia, quando predomi- nou o mtodo da soletrao; o segundo teve incio pela reao contra o mtodo da soletrao, entre os sculos XVI e XVIII, e se estendeu at a dcada de 1960, caracterizando-se pela criao de novos mtodos sintticos e analticos; e o terceiro perodo, marcado pelo questiona- mento e refutao da necessidade de se associar os sinais grficos da escrita aos sons da fala para aprender a ler, iniciou em meados da dcada de 1980 com a divulgao da teoria da Psico- 24. 24 gnese da lngua escrita. Este perodo vem sendo questionado por desenvolver apenas a funo social da escrita em detrimento dos conhecimentos especficos, indispensveis ao domnio da leitura e da escrita, que ficam diludos no processo. Este tema ser explicitado no texto Psico- gnese da lngua escrita: contribuies, equvocos e consequncias para a alfabetizao. Assim, acrescentamos o quarto perodo, o da reinveno da alfabetizao, que surgiu em decorrncia do fracasso da utilizao de prticas equivocadas e inadequadas, derivadas de tentativas de aplicao da teoria construtivista alfabetizao. Sabe-se, por meio de pesquisas institucionais que, hoje, no Brasil, apenas 15% dos alunos concluem a Educao Bsica saben- do ler e escrever (INSTITUTO PAULO MONTENEGRO, 2009). Deste modo, se o fracasso at meados da dcada de 1980, quando se usava cartilha era da ordem de 50% na 1 srie, hoje, de 85% na 8 srie. Nesse contexto, uma nova metodologia, fundamentada na sociolingustica e na psicolingustica, prope a organizao do trabalho docente e a sistematizao da alfabeti- zao cujo objetivo o de alfabetizar letrando. Sugere um trabalho que partindo da realidade do aluno desenvolva e valorize sua oralidade por meio do dilogo, que trabalhe contedos especficos da alfabetizao e utilize estratgias adequadas s hipteses dos nveis descritos na psicognese da lngua escrita. Recomenda, tambm, a leitura de textos de qualidade, de diferentes gneros, interpretao e produo textual, estratgias indispensveis ao desenvol- vimento de aspectos especficos da alfabetizao aliados a sua funo social. Este perodo, o atual, ser abordado no texto A eficincia do Mtodo Sociolingustico: uma nova proposta de Alfabetizao. Na Antiguidade (primeiro perodo), foi criado o alfabeto e o primeiro mtodo de ensino: a soletrao, tambm denominado alfabtico ou ABC. Conforme Marrou (1969), a alfabeti- zao ocorria por um processo lento e complexo. Iniciava-se pela aprendizagem das 24 letras do alfabeto grego e as crianas tinham que decorar os nomes das letras (alfa, beta, gama etc.), primeiro na ordem alfabtica, depois em sentido inverso. Somente depois de decorar os nomes que era apresentada a forma grfica. A tarefa seguinte era associar o valor sonoro (antes me- morizado) respectiva representao grfica (escrita). As primeiras letras apresentadas eram as maisculas, distribudas em colunas, depois vinham as minsculas. Quando os aprendizes haviam memorizado a associao das letras s formas, processo semelhante era feito com as famlias silbicas, iniciando-se pelas slabas simples (beta-alfa = ba; beta = b; beta eta = b), decoradas em ordem, at se esgotarem todas as possibilidades combinatrias. Mais tarde, vinha o estudo das slabas trilteras e assim por diante. Concludo o estudo da slaba, vinham os monosslabos, depois os disslabos, trisslabos e assim sucessivamente, como fazem as carti- lhas. Os primeiros textos apresentados vinham segmentados em slabas, depois eram apresen- tados em escrita normal, mas sem espao entre as palavras e sem pontuao, fato que tornava a escrita mais complexa que a atual. Segundo Plato (MARROU, 1969, p. 248) atravs desse mtodo, quatro anos no era demais para se aprender a ler. 25. 25 CONTEDOEDIDTICADEALFABETIZAO A mesma sistemtica de progresso (letra, slaba, palavra, texto) era utilizada na Idade M- dia. Para Alexandre-Bidon (apud ARAJO, 1996, p. 7), para se estudar a alfabetizao, na Idade Mdia, h a necessidade de se buscar informaes em fontes escritas, arqueolgicas e iconogrficas. Analisando imagens da poca, possvel observar textos miniaturizados que possibilitam o descobrimento do modo como se dava a alfabetizao e o tipo de materiais que eram utilizados. Atravs dessas anlises, descobriu-se que o processo de ensino ocorria em dois nveis: o do alfabeto e o dos primeiros textos. Os textos usados tinham cunho religioso, todos escritos em latim. Ainda na Idade Mdia, segundo a cartilha Civile Honestet des enfants (Paris, 1560), para ensinar a ler e a escrever devia-se apresentar quatro letras por dia, ou seja, a criana aprenderia no primeiro dia as letras A, B, C, D, das quais surgiu a palavra abecedrio. Mas, para Cossard, no sc. XVII, o recomendado seria que as letras fossem ensinadas de trs em trs, na forma trplice. Em sua primeira aula, a criana aprenderia somente o a (a. a. a.) e, a partir da segunda lio, aprenderia o a.b.c. Da adveio o termo abec. Conforme Arajo, muitos eram os artifcios usados na Idade Mdia para facilitar a aqui- sio da leitura s crianas. Verificando peas de museu, foi possvel encontrar suportes de textos utilizados, na poca, como alfabetos de couro, tecido e at mesmo em ouro. Havia tam- bm tabuletas de gesso ou madeira que continham o alfabeto entalhado. Esses objetos eram postos em contato com as crianas desde a mais tenra idade, pois os pais acreditavam que, quanto mais cedo entrassem em contato com o material escrito, mais fcil seria a aprendiza- gem e, aos poucos, iriam incorporando aqueles conhecimentos. As imagens da poca revelam crianas sendo amamentadas com a tabuleta do alfabeto pendurada ao brao. Acredita-se que as crianas das famlias de baixo poder aquisitivo tambm tinham acesso aprendizagem da leitura e da escrita. Havia ainda outras estratgias usadas na alfabetizao, como os alimentos. Na Itlia, era comum servir bolos e doces com formatos de letras. Assim, aps apresentarem o alimento com tal formato, ensinavam o seu nome e as crianas comiam. Desse modo, podemos conhecer a origem das atuais sopas de letrinhas. A partir do sculo XVI, pensadores comeam a manifestar-se contra o mtodo da soletra- o, em funo da sua dificuldade. Na Alemanha, Valentin Ickelsamer apresenta um mtodo com base no som das letras de palavras conhecidas pelos alunos. Na Frana, Pascal reinventa o mtodo da soletrao: em lugar de ensinar o nome das letras (efe, eme, ele etc.) ensinava o som (f, l, m), na tentativa de facilitar a soletrao. Em 1719, Vallange cria o denominado m- todo fnico com o material chamado figuras simblicas, cujo objetivo era mostrar palavras acentuando o som que se queria representar. Entretanto, o exagero na pronncia do som das consoantes isoladas levou tal mtodo ao fracasso. Apesar de o mtodo fnico ter sido rejeitado j no sculo XVIII, hoje, alguns defensores tentam ressuscit-lo, alegando que s tal metodologia poder resolver o problema do fracasso escolar, no Brasil. Analisando linguisticamente o mtodo fnico, podemos afirmar que, na ln- 26. 26 gua portuguesa, a menor unidade pronuncivel perceptvel para o aprendiz a slaba, e no o fonema, pois, embora tenha escrita alfabtica, na oralidade, o portugus silbico (MEN- DONA; MENDONA, 2007, p. 22). Para Dubois et al. (1973), fonema [...] a menor unidade destituda de sentido passvel de delimitao na cadeia da fala. definido ainda como unidade distintiva mnima e seu carter fnico acidental, ou seja, uma unidade vazia, desprovida de sentido, e o que diferenciar um fonema de outro so apenas traos mnimos distintivos de palavras. Por exemplo, em faca e vaca, tanto o /v/ como o /f/, quanto ao ponto de articulao, so fonemas labiodentais, quanto ao modo de articulao, fricativos, porm, do ponto de vista da fonao, /f/ surdo e /v/ sonoro; assim, o nico trao que distingue /f/ de /v/ a sonoridade de /v/ provocada pela vibrao das cordas vocais com a passagem do ar. Isolados, os fonemas consonantais so impronunciveis, pois sempre que se tentar pronun- ciar /b/, por exemplo, o som /e/ estar presente e se dir /be/. O mtodo fnico, para tentar dis- simular essa dificuldade, ignora a vogal nasal // e, na tentativa de desenvolver o que denomina conscincia fonolgica, faz o aluno pronunciar a slaba /b/ para o fonema /b/. Como de- monstrado, no mtodo fnico parece que se trabalha o fonema, mas na verdade parte da slaba nasalizada e no do fonema para desenvolver a correspondncia grafema/fonema consonantais. Ento, se podemos optar por desenvolver uma alfabetizao de qualidade, que considere a realidade do aluno, que respeite o modo natural como j fala, por que comear por uma unidade vazia de sentido, que em nada corresponde sua oralidade e s ir dificultar a compreenso do sistema de escrita? Por que no iniciar o processo atravs de uma palavra real, cujo significado o aprendiz conhea, retirando dela a slaba, para, ao final, a prpria criana ver a combinao dos fonemas na constituio de slabas e, a seguir, de palavras? No caso da slaba escrita, para as crianas que no a compreendem de imediato, pode ser usado o processo de comutao, a partir do qual basta que se apresente a consoante (/b/, por exemplo), falando seu nome /be/ e na frente ir alternando as letras que representam grafica- mente as vogais (a, i, o, e, u) e indagando sobre qual slaba formamos, para que ela perceba e compreenda essa sistemtica. No h a necessidade de obrig-la a tentar pronunciar fonemas, artificialmente, pois a pronncia de /b/, segundo os alfabetizadores do mtodo fnico, torna-se a slaba /b/, /k/ torna-se a slaba /k/, /d/, /d/ e assim sucessivamente, com todas as consoan- tes do alfabeto. Sem contar que a criana obrigada a repetir a pronncia do que se pretende fonema, por exemplo, /b/ /b/ /b/, /k/ /k/ /k/, /m/m/m/, seguidas vezes, para fixar a forma. Assim, o exagero e o artificialismo da pronncia fazem no raro, tanto a criana como o professor, que demonstra o como fazer, passarem por situaes constrangedoras. Voltando histria, visando superao das dificuldades do mtodo fnico, na Frana, foi criado o mtodo silbico: estratgia de unir consoante e vogal formando a slaba, e unir as sla- 27. 27 CONTEDOEDIDTICADEALFABETIZAO bas para compor as palavras. No mtodo silbico, ensina-se o nome das vogais, depois o nome de uma consoante e, em seguida, so apresentadas as famlias silbicas por ela compostas. Ao contrrio do fnico, no mtodo da silabao, a slaba apresentada pronta, sem se explicitar a articulao das consoantes com as vogais. Na sequncia, ensinam-se as palavras compostas por essas slabas e outras j estudadas. O mtodo global surgiu com a finalidade de partir de um contexto e de algo mais prximo da realidade da criana, pois se sabe que a letra ou a slaba, isoladas de um contexto, dificultam a percepo, pois so elementos abstratos para o aprendiz. Os fundamentos tericos do m- todo global encontram-se em Claparde (BELLENGER, 1979), Renan (BELLENGER, 1979) e outros. Segundo eles, o conhecimento aplicado a um objeto se desenvolve em trs atos: o sincretismo (viso geral e confusa do todo), a anlise (viso distinta e analtica das partes) e a sntese (recomposio do todo com o conhecimento que se tem das partes). Conforme Braslavsky (1971), em 1655, Comenius, em sua Orbis Pictus, caracterizou o m- todo da soletrao como a maior tortura do esprito e lanou o mtodo iconogrfico, que as- sociava uma imagem a uma palavra-chave, para que a criana pudesse estabelecer uma relao entre a grafia e sua representao icnica. J em 1787, o gramtico Nicolas Adams, em sua obra Vrai manire dapprendre une Langue quelconque, exemplifica com muita propriedade a sua concepo de mtodo global, quando afirma: Quando quereis dar a conhecer um objeto criana, por exemplo, um vestido, tivestes j a idia de lhe mostrar os enfeites separadamente, depois as mangas, os bolsos e os botes? No, sem dvida. Fazeis ver o conjunto e lhes dizeis: - Eis um vestido. assim que as crianas aprendem a falar com suas amas. Por que no fazer a mesma coisa, quando quiserdes ensinar a ler? Afastai delas os alfabetos e todos os livros franceses e latinos, procurai palavras inteiras a seu alcance as quais retero muito mais facilmente e com muito mais prazer do que todas as letras e slabas impressas (apud CASASANTA, [1972?], p. 50) Adams acreditava que, considerando a realidade da criana, o processo de alfabetizao ganharia significado, deixando de ser, portanto, to complexo e abstrato. Ele parte da lgica de que, se as crianas aprendem a falar emitindo palavras inteiras e no pedaos delas, tambm aprendero a ler e escrever com mais facilidade palavras com significado. Insistia-se que o professor deveria ficar o maior tempo possvel na fase de explorao global de palavras, para s depois fazer a anlise da palavra em slabas. Esse autor reconhece ser de fundamental impor- tncia a decomposio da palavra em slabas, bem como o seu estudo. Para sistematizar essa breve abordagem histrica dos mtodos, eis o quadro ilustrativo de Casasanta (apud ARAJO, 1996, p. 16): 28. 28 Sinopse das fases dos mtodos FASES MTODOS Mtodos Soletrao Fnico Silbico Palavrao Sentenciao Contos e da experincia infantil 1. fase Alfabeto: Letra, nome e forma Letras: som e forma Letras: consoantes e vogais Palavras Sentenas Conto ou texto 2. fase Slaba Slabas Slabas Slabas Palavras Sentenas 3. fase Palavras Palavras Palavras Letras Slabas Palavras 4. fase Sentenas Sentenas Sentenas Sentenas Letras Slabas 5. fase Contos ou textos Contos ou textos Contos ou textos Contos ou textos Contos ou textos Letras Aps a criao do mtodo da palavrao, que partia da unidade - palavra, foram criados os mtodos da sentenciao e aqueles que partiam de contos e da experincia infantil. Assim, os mtodos da soletrao, o fnico e o silbico so de origem sinttica, pois partem da unidade menor rumo maior, isto , apresentam a letra, depois unindo letras se obtm a slaba, unindo slabas compem-se palavras, unindo palavras formam-se sentenas e juntando sentenas formam-se textos. H um percurso que caminha da menor unidade (letra) para a maior (texto). Os mtodos da palavrao, sentenciao ou os textuais so de origem analtica, pois partem de uma unidade que possui significado, para ento fazer sua anlise (segmentao) em unida- des menores. Por exemplo: toma-se a palavra (BOLA), que analisada em slabas (BO-LA), desenvolve-se a famlia silbica da primeira slaba que a compe (BA-BE-BI-BO-BU) e, omi- tindo a segunda famlia (LA-LE-LI-LO-LU), chega-se s letras (B-O-L-A). Estrutura dos Mtodos analticos ANLISE TODO PARTE letra fonema texto TODO PARTE texto sentena palavra slaba slaba palavra sentena letra fonema EstruEstrutura dos mtodos sintticos SNTESE 29. 29 CONTEDOEDIDTICADEALFABETIZAO 1.1 O Mtodo das Cartilhas A cartilha surgiu da necessidade de material para se ensinar crianas a ler e a escrever. At ento, elas aprendiam em livros que eram levados de casa, quando tinham algum livro em casa. No sculo XVI, surge o silabrio, a primeira verso do que seria a cartilha. As cartilhas brasilei- ras tiveram origem em Portugal (que chegou a enviar exemplares para a alfabetizao, em suas colnias). De autoria de Joo de Barros, a Cartinha para Aprender a Ler uma das cartilhas mais antigas para ensinar portugus. Sua primeira verso foi impressa em Lisboa, em 1539. Outras cartilhas foram utilizadas no Brasil, alm daquela. Em Lisboa, Antonio Feliciano de Castilho elaborou o Mtodo Castilho para o Ensino Rpido e Aprazvel do Ler Impresso, Ma- nuscrito e Numerao do Escrever (1850), que continha abecedrio, silabrio e textos de leitura. Em 1876, foi editada a Cartilha Maternal, do poeta Joo de Deus, cujo destaque a seguir, ainda aparece na edio de 2005: Este sistema funda-se na lngua viva: no apresenta os seis ou oito abecedrios do costume, seno um, do tipo mais frequente, e no todo, mas por partes, indo logo combinando esses elementos conhecidos em palavras que se digam, que se ouam, que se entendam, que se expliquem; de modo que, em vez de o principiante apurar a pacincia numa repetio nscia, se familiarize com as letras e os seus valores na leitura animada das palavras inteligveis. (...) Esses longos exerccios de pura intui- o visual constituem uma violncia, uma amputao moral, contrria natureza: seis meses, um ano, e mais, de vozes sem sentido, basta para imprimir num esprito nascente o selo do idiotismo (DEUS, 2005, p. 5). Esse autor era contra os mtodos da soletrao e silabao para o ensino da leitura e sua obra foi o marco entre o abecedrio (b--b) e os mtodos analticos, que foram difundidos no Brasil, durante a Repblica, utilizando o mtodo da palavrao. Sua cartilha editada ainda hoje em Portugal pela Editora Bertrand. A alfabetizao, at o final do sculo XIX, era iniciada pela letra manuscrita, depois era ensinada, alternadamente, a letra de forma. O professor preparava o alfabeto em folhas de papel que eram manuseadas por um pega-mo, para no sujarem. O material utilizado para exercitar os alunos nas dificuldades da letra manuscrita e leitura era um conjunto de cartas de slabas, cartas de nomes e cartas de fora, estas compostas de ofcios e documentos que eram emprestados. Conforme Barbosa (1990), outras cartilhas foram representativas no pas, como a Cartilha da Infncia, de Thomas Galhardo, publicada pela primeira vez por volta de 1880 e comercializada at a dcada de 1970. A partir de 1930, cresceu consideravelmente o nmero de cartilhas publicadas, pois isso passou a ser um grande negcio. Por volta de 1944, surge o Manual do Professor, cuja funo orientar o professor quanto ao correto uso do material. E o mercado das cartilhas continuou a crescer. Em pesquisas realizadas nos anos 1960 e 1980, as principais cartilhas adotadas no Estado de So Paulo eram Caminho Suave, Quem sou Eu? e Cartilha Sodr (anos 1960); No Reino da Alegria, Mundo Mgico e Cartilha Pipoca (anos 1980). 30. 30 O estudo das falhas das cartilhas sempre pertinente, pois a cartilha esteve durante muito tempo na escola e tanto o produtor como o leitor desse texto provavelmente foram alfabeti- zados atravs de cartilhas. Muitos acreditam que ela um mtodo eficiente de alfabetizao, partindo do pressuposto de que, se foi eficiente para alfabetiz-los, servir tambm para outras pessoas. Entretanto, as cartilhas apresentam falhas, que ainda continuam sendo reproduzidas por professores na sala de aula, conscientemente ou no. Mesmo a avaliao mais rigorosa por parte do Ministrio da Educao, para a publicao de livros didticos, no impede a utilizao precria ou mesmo o uso de expedientes duvidosos das velhas cartilhas. Se se considerar que o professor conta com 35, 40 alunos para alfabetizar, anualmente, sem uma formao slida de conhecimentos, aumenta o risco de se recorrer quele instrumental j pronto e acabado, que basta seguir de capa a capa. Ainda existem professores que tm vergonha de mostrar que usam o instrumental da cartilha e tentam dissimular sua prtica, preparando o prprio material de trabalho: a cartilha no est na sala, mas a metodologia sim, basta verificar as atividades mimeografadas e coladas nos cadernos dos alunos. Observemos alguns problemas do trabalho das cartilhas: Modo de trabalho com as slabas: as cartilhas tendem mesma estruturao (so com- postas de lies). Cada lio parte de uma palavra-chave, ilustrada por desenho. Desta palavra, destaca-se a primeira slaba e, a partir dela, desenvolve-se a sua respectiva fam- lia silbica (cujas slabas sero utilizadas posteriormente, na silabao - leitura coletiva das slabas). Nessa atividade, segundo Cagliari (1999), abaixo das famlias silbicas vm palavras quase sempre formadas de elementos j dominados, que se somam aos da nova lio. Depois, a cartilha apresenta exerccios de montar e desmontar palavras, comumen- te de completar lacunas com slabas, de forma mecnica e descontextualizada, que visam somente memorizao. Cada unidade trata apenas de uma unidade silbica, o que, alm de empobrecer o trabalho com as slabas, limita o horizonte de conhecimento da criana. Ainda segundo Cagliari (1999), geralmente a lio da cartilha termina em um texto, teste final de leitura e modelo de escrita para introduzir o aluno na etapa seguinte. Nesse texto, compreende-se estar o maior problema do mtodo. O aluno vem para a escola com plena habilidade para descrever, narrar e at defender um ponto de vista. Entretanto, a partir do momento em que se inicia na alfabetizao, vai perdendo tais competncias. No intuito de facilitar a leitura para o aluno, a cartilha prope textos que so pretextos, elaborados com palavras compostas e com slabas j dominadas. Porm, o contedo, a coeso e a coerncia, na maioria dos casos, ficam prejudicados. Concepo de linguagem das cartilhas: Por fim, para Cagliari (1999), nas cartilhas, uma palavra feita de slabas, uma slaba de letras, uma frase um conjunto de palavras e um texto um conjunto de frases. A ideia de que a linguagem se assemelha soma de tijolinhos, representados pelas slabas e unidades de composio. Tal concepo abran- 31. 31 CONTEDOEDIDTICADEALFABETIZAO ge apenas o nvel superficial da linguagem. Representar a linguagem atravs da escrita vai muito alm de codificar e decodificar sinais grficos, pois requer a incorporao de aspectos discursivos da linguagem escrita. De acordo com Camacho (1988, p. 29), [...] uma lngua um objeto histrico, enquanto saber transmitido, estando, portanto, sujeita s eventualidades prprias de tal tipo de objeto. Isto significa que se transforma no tempo e se diversifica no espao. Em um mesmo instrumento de comunicao, temos quatro modalidades especficas de variao lingustica: a histrica, a geogrfica, a social e a estilstica. Contudo, tais conhecimentos so ignorados pela cartilha, uma vez que um mesmo material elaborado para ser usado em um pas de propores continentais como o Brasil. Sabe-se que existem variaes geogrficas no lxico, na fontica e, ainda, na sintaxe dos falantes. Quando um falante nordestino diz que no vai a algum lugar, tende a falar da seguinte forma: Vou no! J um paulista diria algo do tipo: No vou! A variao mais evidente e, de certo modo, que mais interfere na comunicao, a variao lexical, pois modifica o vocabulrio e expresses utilizadas pelos falantes, tendo em vista seus contextos. No nordeste do pas, encontra-se macaxeira e, no sul, aipim, para designar o que para o paulista mandioca. A cartilha ignora a realidade lingustica do aluno quan- do trabalha com textos que no contemplam a sua experincia de vida, desenvolvendo, assim, um trabalho descontextualizado. A escrita reduzida representao da fala: embora um dos compromissos da escrita seja representar a fala, esta representao no idntica. A linguagem falada tem marcas e carac- tersticas tpicas da oralidade e existem expresses prprias da fala e outras mais adequadas escrita. A expresso tipo, usual entre os jovens, um modismo frequente no discurso oral e pouco apropriado para a escrita. Alguns alfabetizadores, buscando ajudar o aluno, desenvol- vem artificialismos na fala para explicar a ortografia convencional. No caso de palavras como voltou, mal, calma, h professores que acreditam que para o aprendiz fixar essas formas de grande valia tentar mostrar a diferena entre o uso do l ou do u atravs da pronncia dos sons, e enfatizam o l de malll, melll, vollltou, como se isto correspondesse pronncia adequada. Ora, os falantes do Estado de So Paulo no fazem distino entre tais variantes de fonemas, como os gachos ou alguns descendentes de europeus. A ideia de priorizar a escrita como representao tende ainda a provocar desvios: so comuns exemplos de crianas que passam grande parte do tempo em atividades de cpia. Chega-se a ver alunos com cadernos estetica- mente perfeitos, mas que no conseguem identificar as letras (so os chamados copistas). Em lugar de priorizar a leitura, o trabalho da escola se reduz a atividades de coordenao motora fina, que nada tem a ver com a especificidade da escrita. Equvocos quanto s famlias silbicas: comum a famlia silbica composta pela letra C ser apresentada parcialmente, mostrando-se CA-CO-CU. Onde ficam o QUE e o QUI? A orientao habitual diz que so formas difceis e que a criana s ir aprend-las mais tarde, omitindo-se a informao. Como o professor no as apresenta, o aluno tende a escrever algo 32. 32 como cero, ceijo, acilo, em lugar de quero, queijo e aquilo. Mas os problemas no param a. O professor no apresenta o que e o qui, mas apresenta o CE e o CI associados ao grupo fontico que representa o som /k/. Ora, estas slabas pertencem ao grupo fontico do som /s/, repre- sentado ortograficamente pelo A O U, e no ao do som /k/. Assim, a famlia silbica que representa o som /k/ : ca-que-qui-co-cu; e a outra: a-ce-ci-o-u. Semelhante problema ocorre com a famlia do ga-gue-gui-go-gu, e o ge-gi. Problemas fonticos: tambm se verifica a ignorncia quanto a questes fonticas, como em relao quantidade das vogais que temos em nossa lngua e sua representao grfica. O senso comum no d conta da natureza dos sons da fala (fontica) e a sua delimitao em fonemas. Embora a representao comum das vogais seja A-E-I-O-U, elas se diversificam em 12 fonemas (sete orais e cinco nasais): i, ; e, , ; a, ; , o, ; u, . Tende-se a no perceber, por exemplo, a diferena entre o BA de barato, e o BA de banco. Embora no receba o til (~), o a de banco ser nasalizado pela presena do n na slaba invertida. Quando alunos trocam letras como P por B, F por V, Z por S, segundo Cagliari (1999), alguns professores compreendem tais processos como falhas auditivas ou de observao, deficincias, distrao, sem se darem conta de que o problema que os alunos no sabem diferenas fonmicas elementares, como aquelas que definem vaca e faca, pato e bato etc. Estas trocas no so muito frequentes, mas ocorrem entre fonemas que so muito semelhantes. P e B, por exemplo, so bilabiais (para pronunciar, os lbios superiores e inferiores unem-se), so oclusivos (emitidos como uma exploso de ar) e possuem o mesmo ponto e modo de articulao. A diferena reside no fato de que /p/ surdo e /b/ sonoro (as cordas vocais vibram quando /b/ emitido). Prevalncia da atividade escrita sobre a fala: outro problema frequente em ambientes que usam cartilhas o fato de a atividade escrita prevalecer sobre a fala. As primeiras cartilhas fo- ram elaboradas com o intuito de ensinar o aluno a ler, decodificar sinais, porm, com o tempo, tais livros mudaram o enfoque da leitura para a escrita, e a cartilha deixou de ser um livro de ensinar a ler para ser um livro de ensinar a escrever (treinar a escrita). Assim, a escrita passou a prevalecer sobre a fala. Por vezes, o resultado dessa postura inibidora da fala pode ser a indisci- plina. Basta notar que a conversa tende a ser um exerccio visto na escola como algo prejudicial e no estimulador ao trabalho pedaggico. A precariedade da produo de textos: talvez a decorrncia mais grave da utilizao das cartilhas seja a questo da produo de textos. Os tipos de textos ali apresentados muitas vezes no constituem textos. No tm unidade semntica, no apresentam textualidade e, no rara- mente, perdem at mesmo a coerncia. O aluno vem para a escola com a habilidade de produzir textos orais. Se ele depara com textos artificiais, montados para finalidades especficas, que no correspondem sua linguagem, poder concluir que sua oralidade est errada e acreditar que o modelo apresentado pela escola o correto, o padro ideal de texto a ser seguido. Poder ainda sequer acreditar no modelo da escola e, tendo o seu discurso desacreditado, tornar-se resistente ao trabalho pedaggico. 33. 33 CONTEDOEDIDTICADEALFABETIZAO Durante dcadas, a escola alfabetizou por meio da cartilha e, com a evoluo dos conhecimen- tos sobre a alfabetizao, observamos que tal metodologia se tornou insuficiente para atender s exigncias da sociedade atual. Hoje, no basta o aluno saber apenas codificar e decodificar sinais. No suficiente conseguir produzir um pequeno texto, h a necessidade de que saiba se comuni- car plenamente,por meio da escrita, utilizando os diversos tipos de discurso. Assim, inicialmente, produtivo trabalhar no sentido de transpor a habilidade verbal da crian- a para a escrita. Aproveitar a desenvoltura que ela tem de falar e contar histrias como ponto de partida para o desenvolvimento da produo de textos, em um primeiro momento, simples, da forma como souber, posteriormente, obedecendo s regras gramaticais e reproduzindo/produzin- do diferentes gneros textuais (carta, poesia, bilhete, receitas culinrias, anncios de propaganda etc.). O respeito pelo aluno o princpio norteador da alfabetizao. Um aluno que tem seus limites respeitados agir tambm com uma postura respeitosa, amigvel e de admirao pelo professor. A produo de texto deve ser estimulada durante a alfabetizao: tudo o que a criana produzir merece ser elogiado, para que sinta vontade de escrever. Posturas que reprimam a escrita do alu- no, caracterizando-a como incorreta, feia, cheia de erros, devem estar fora da escola. O erro tem que ser corrigido e a ortografia respeitada, porm o problema est na maneira como isso feito. Denncias recorrentes mostram que as mais variadas formas de agresses verbais esto na sala de aula. Em determinada ocasio, uma criana de sete anos, que j havia escrito quase uma pgina de um caderno de brochura, teve seu trabalho totalmente desqualificado pelo professor. Este pegou o caderno e, diante dos demais colegas, comeou a mostrar a um visitante os erros ortogrficos que a criana havia cometido. Sem considerar os acertos, que constituam a maior parte do trabalho, limitou-se a criticar as falhas. Depois, dirigiu-se a outra vtima, procedendo de semelhante modo. Ao final da aula, o visitante, lembrando-se do ocorrido, voltou quela primeira criana, para ver como havia concludo seu texto que, no incio da aula, j contava com quase uma pgina. O que se constatou foi assustador: a criana havia escrito mais duas linhas e terminado sua histria. Quando indagada sobre o porqu de ter escrito s mais um pouco e terminado, ela respondeu: -Se eu escrever pouco, errarei pouco! Todos sabem que indispensvel que o professor corrija a produo da criana, porm, com uma postura respeitosa, de quem quer ajudar e no com a fria destruidora de toda capacidade criativa da qual a criana portadora ao chegar escola. Nenhum material didtico completo, pronto e acabado. Todos so passveis de serem me- lhorados e adaptados pelo professor, em funo de suas necessidades em sala de aula. Assim, acredita-se que o professor que possuir boa fundamentao terica e cientfica, aliadas prtica, ter condies de superar as imperfeies de mtodos, poder optar por um caminho e oferecer condies para que seu aluno tenha uma alfabetizao consciente, que aprenda pensando e no apenas memorizando sinais grficos. Dessa forma, estudando a alfabetizao (uso de cartilhas), verificamos que tal processo se d de forma inadequada, pois aborda apenas a codificao (escrita) e a decodificao (leitura/ decifrao) de sinais, sem o embasamento subjacente da contribuio da lingustica formao do alfabetizador. Seu objetivo o de fazer crianas memorizarem letras e slabas, saberem deco- 34. 34 dificar, decifrar sinais (ler), e codificar esses sinais, transformando a fala em escrita, porm com prejuzo do significado e da produo textual espontnea. Enfim, segundo Cagliari: A alfabetizao gira em torno de trs aspectos importantes da linguagem: a fala, a escrita e a leitura. Analisando estes trs aspectos, tem-se uma compreenso melhor de como so as cartilhas ou qualquer outro mtodo de alfabetizao (CAGLIARI, 1999, p. 82). Em decorrncia, pode-se concluir que, no mtodo da cartilha, sob o aspecto da fala, esta no contemplada, pois ao aluno no dado o direito de falar, no h espao para a fala. Se a analisar- mos sob o ponto de vista da escrita, veremos que tal atividade se reduz a cpias e no h espao para produes espontneas, o aluno no tem liberdade para expressar o que pensa. E, finalmen- te, examinando o mtodo das cartilhas sob o aspecto da leitura, veremos que os piores modelos de texto so os apresentados por ela, e a atividade que poderia e deveria ocupar espao privilegiado, na educao, promovendo a incluso social da criana, antes se reduz a inibir o gosto pela leitura. Assim, entendemos que o professor precisa ter formao lingustica adequada para saber re- conhecer falhas e limitaes de qualquer mtodo que lhe seja apresentado, de maneira a saber adapt-lo, transformando os conhecimentos que j possui em metodologia e estratgias que auxi- liem o aluno a superar suas dificuldades, durante o processo de aquisio da leitura e da escrita significativas. 1. 2 O Mtodo Paulo Freire de Alfabetizao Paulo Freire ficou conhecido mundialmente por ter criado um mtodo de alfabetizao de adultos que partia do dilogo e da conscientizao. Diferencia-se dos demais quando, em seus dois primeiros passos, codificao e descodificao, busca transformar a conscincia ingnua do alfabetizando em conscincia crtica, por meio da leitura do mundo enquanto, no 3 e 4 passos (Anlise e sntese, e Fixao da leitura e da escrita), desenvolve a conscincia silbica e alfabtica, levando os alunos ao domnio das correspondncias entre grafemas e fonemas. Nestes passos, est caracterizado o avano desse mtodo em relao ao mtodo fnico e o das cartilhas, visto que a anlise e a sntese vm de uma palavra real, cujo significado o aprendiz conhea, retirando-se dela a slaba, para que o aluno veja e perceba a combinao fonmica na constituio de slabas e, a seguir, na composio de novas palavras. A proposta fnica desconhece que as letras so realidade da escrita e s podem ser lidas em slabas na realidade da fala, quando faz o aluno repetir os sons das letras, ignorando que os fone- mas consonantais no so pronunciveis isoladamente. Hoyos-Andrade esclarece, conceituando as slabas como [...] fenmenos fonticos obrigatrios, dada a linearidade do discurso e as caracters- ticas dos sons da linguagem humana. De fato pronunciamos slabas e no sons iso- lados. Estas slabas so pacotes de 1, 2, 3, 4 e at cinco sons (dependendo da lngua) emitidos em um nico golpe de voz [...] e como pacotes de fonemas, as slabas com- partilham com estes as funes que os caracterizam. (HOYOS-ANDRADE, 1984, p. 225, grifo nosso). 35. 35 CONTEDOEDIDTICADEALFABETIZAO Para que o aprendiz tome conscincia da correspondncia fala/escrita, basta questionarmos sobre a quantidade de vezes que abrimos a boca para pronunciar determinada palavra (Ex: es- -co-la), e prontamente sabero responder que so trs vezes. A slaba a menor unidade pro- nuncivel e perceptvel pela criana na fala. Se perguntarmos a alunos entre cinco e seis anos sobre a quantidade de vezes que abrimos a boca para pronunciar qualquer palavra da lngua portuguesa, sempre se obter a resposta correta, porque a conscincia silbica natural. Porm, se o alfabetizando no compreender a slaba escrita de imediato, basta que se apre- sente a consoante (B, por exemplo), falando seu nome /be/ e, na frente, ir alternando as letras que representam graficamente as vogais (a, i, o, e, u) e indagando sobre qual slaba formamos que, de pronto, passar a compreender a sistemtica de associao de consoantes e vogais na composio silbica, de maneira clara e sem artifcios. O Mtodo Paulo Freire foi pouco divulgado e estudado, no Brasil; quando usado pelo Mobral, foi descaracterizado, porque teve seus passos da codificao e descodificao excludos do processo de alfabetizao, sendo transformado em mero mtodo das cartilhas, impedindo os alfabetizadores e alfabetizandos de fazer a leitura de mundo, que transforma a conscincia in- gnua em conscincia crtica. Como este tema merece aprofundamento ser estudado no texto: A eficincia do Mtodo Sociolingustico: uma nova proposta de Alfabetizao. Referncias ARAJO, M. C. de C. S. Perspectiva histrica da alfabetizao. Viosa: Universidade Federal de Viosa, 1996. BARBOSA, J. J. Leitura e alfabetizao. So Paulo: Cortez, 1990. BELLENGER, L. Os mtodos de leitura. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979. BRASLAVSKY, B. P. Problemas e mtodos no ensino da leitura. So Paulo: Melhoramentos/EDUSP, 1971. CAGLIARI, L. C. Alfabetizando sem o b-b-bi-b-bu. So Paulo: Scipione, 1999. CAMACHO, R. G. A variao lingstica. In: So Paulo (Estado) Secretaria da Educao. Coordenadoria de Estudos e Normas Pedaggicas. Subsdios proposta curricular de lngua portuguesa para o 1o e 2o graus: Coletnea de textos. So Paulo: SE/CENP, 1988, v. 1. CASASANTA, L. M. Mtodos de ensino de leitura. So Paulo: Editora do Brasil, [1972?]. DEUS, J. de. Cartilha maternal ou arte de leitura. Chiado: Bertrand, 2005. DUBOIS. J. et al. Dicionrio de lingustica. So Paulo: Cultrix, 1973. HOYOS-ANDRADE, R. E. Slaba e funo lingustica. Estudos Lingusticos: Anais de Seminrios do GEL. Batatais, v. 9, p. 225-229, 1984. INSTITUTOPAULOMONTENEGRO.InafBrasil 2009indicadordealfabetismofuncional: principaisresultados.So Paulo. Disponvel em: .Acesso em: 20 de. 2010. MARROU, H. Histria da educao na antiguidade. So Paulo: Herder, 1969. MENDONA, O. S.; MENDONA, O. C. Alfabetizao - Mtodo Sociolingustico: conscincia social, silbica e alfabtica em Paulo Freire. So Paulo: Cortez, 2007. Saiba Mais Saiba Mais 36. 36 Psicognese da Lngua Escrita: contribuies, equvocos e consequncias para a alfabetizao Onaide Schwartz Mendona Faculdade de Cincias e Tecnologia Departamento de Educao UNESP/Presidente Prudente Olympio Correa de Mendona Faculdade de Cincias e Letras UNESP/Assis Faculdades Adamantinenses Integradas/Adamantina Resumo: Neste trabalho so apresentados resultados da pesquisa Psicognese da lngua escrita, de Emlia Ferreiro e Ana Teberosky, em seus aspectos lingusticos pertinentes alfabetizao, bem como se discute a aplicao dessa teoria com suas contribuies, equvocos e consequncias. As autoras descrevem o aprendiz formulando hipteses a respeito do cdigo, percorrendo um caminho que pode ser representado nos nveis pr- -silbico, silbico, silbico-alfabtico e alfabtico. Essa construo demonstra a pesquisa, segue uma linha re- gular, organizada em trs grandes perodos: 1) o da distino entre o modo de representao icnica (imagens) ou no icnica (letras, nmeros, sinais); 2) o da construo de formas de diferenciao, controle progressivo das variaes sobre o eixo qualitativo (variedade de grafias) e o eixo quantitativo (quantidade de grafias). Esses dois perodos configuram a fase pr-lingustica ou pr-silbica; 3) o da fonetizao da escrita, quando apa- recem suas atribuies de sonorizao, iniciado pelo perodo silbico e terminando no alfabtico. Assim, sua aplicao se fundamenta no pressuposto de que a escrita uma construo real como sistema de representao historicamente acumulada pela humanidade, e pela criana que se alfabetiza, embora no reinvente as letras e os nmeros. Deste modo, buscou-se superar o artificialismo dos textos das cartilhas e as prticas mecnicas dos mtodos tradicionais de tal forma que o prprio aprendiz construsse e adquirisse conhecimentos. Entretanto, a m interpretao dessa proposta levou a equvocos como a excluso de contedos especficos da alfabetizao (discriminao entre letras e sons, anlise e sntese de palavras e slabas etc.) em detrimento de prticas que valorizam apenas a funo social da escrita. As consequncias desse equvoco tm sido apontadas por diferentes pesquisas que vm mostrando o fracasso da alfabetizao, assim urgente a adoo de metodologia adequada para que crianas sejam realmente alfabetizadas e letradas em nosso pas. Palavras-chave: Psicognese da lngua escrita, Construtivismo, Nveis de alfabetizao. 37. 37 CONTEDOEDIDTICADEALFABETIZAO Contribuies da Psicognese da Lngua Escrita Neste trabalho, pretendemos apresentar os resultados da pesquisa Psicognese da lngua escrita, de Emlia Ferreiro e Ana Teberosky, em seus aspectos lingusticos, significativos alfabetizao, e demonstrar os equvocos mais comuns advindos da interpretao desvirtuada dessa teoria, bem como suas consequncias. Assim, a seguir, apresentamos o terceiro grande perodo da Histria da Alfabetizao. Ferreiro e Teberosky, psicolinguistas argentinas, iniciaram em 1974 uma investigao, par- tindo da concepo de que a aquisio do conhecimento se baseia na atividade do sujeito em interao com o objeto de conhecimento e demonstraram que a criana, j antes de chegar escola, tem ideias e faz hipteses sobre o cdigo escrito, descrevendo os estgios lingusticos que percorre at a aquisio da leitura e da escrita. Essa teoria, formulada e comprovada pelas duas pesquisadoras, foi divulgada pela sua pri- meira obra publicada no Brasil, em 1986, a Psicognese da lngua escrita. J em nota prelimi- nar dessa edio, anunciam a perspectiva adotada para a realizao da sua pesquisa: [...] Pretendemos demonstrar que a aprendizagem da leitura, entendida como ques- tionamento a respeito da natureza, funo e valor deste objeto cultural que a escrita, inicia-se muito antes do que a escola imagina, transcorrendo por insus- peitados caminhos. Que alm dos mtodos, dos manuais, dos recursos didticos, existe um sujeito que busca a aquisio de conhecimento, que se prope problemas e trata de solucion-los, segundo sua prpria metodologia... insistiremos sobre o que se segue: trata-se de um sujeito que procura adquirir conhecimento, e no simplesmente de um sujeito disposto ou mal disposto a adquirir uma tcnica par- ticular. Um sujeito que a psicologia da lecto-escrita esqueceu [...] (FERREIRO; TEBEROSKY, 1986, p. 11). Assim, Ferreiro e Teberosky desenvolveram sua pesquisa com fundamentos psicolingus- ticos quando recapitulam o construtivismo, deixando claro que a teoria piagetiana acumulava pesquisas insuficientes para dar conta da linguagem, tendo a um papel marginal na constitui- o das competncias cognitivas, fazendo com que buscassem, na Psicolingustica, fundamen- tos para a investigao da Psicognese da lngua escrita. Dessa forma, partem do pressuposto de que todo o conhecimento tem uma gnese e co- locam as seguintes questes: Quais as formas iniciais do conhecimento da lngua? Quais os processos de conceitualizao do sujeito (ideias do sujeito + realidade do objeto de conheci- mento)? Como a criana chega a ser um leitor, no sentido das formas terminais de domnio da base alfabtica da lngua escrita? Essas indagaes vo sendo respondidas, em seus experimentos, nos quais descrevem a criana, imersa em um mundo onde h a presena de sistemas simbolicamente elaborados, como a escrita, procurando compreender a natureza dessas marcas especiais. Nesta busca, o 38. 38 aprendiz vai elaborando um sistema de representao atravs de um processo construtivo. H uma progresso regular nos problemas que enfrenta e nas solues que encontra, para desco- brir a natureza da escrita (ordem de progresso de condutas, determinadas pela forma como o aluno vivencia, no momento, o conhecimento). A descoberta do processo de aquisio da lngua escrita, por crianas, levou Ferreiro (1983) a indagar se sua pesquisa aplicada a adultos analfabetos encontraria os mesmos resultados. Em sua obra Los adultos no alfabetizados y sus conceptualizaciones del sistema de es- critura, publicada no Mxico, em 1983, pelo Centro de Investigationes y Estudios Avanzados, parte do pressuposto de que, se h saberes sobre a lngua escrita que as crianas j dominam antes mesmo de entrar na escola, os analfabetos adultos tambm deveriam apre- sentar suas ideias e hipteses sobre a escrita. Indaga, ainda, se a nossa ignorncia a respeito do sistema de conceitos sobre escrita dos adultos analfabetos no nos leva a v-los como tbula rasa de vivncias sobre a leitura e a escrita. A pesquisa mostrou que o analfabeto adulto, assim como as crianas, sabem, mesmo antes de vir para a escola, que a escrita um sistema de representao e fazem hipteses de como se d tal representao. Entretanto, Fuck (1993, p. 40) verifica: Diferente das crianas, comea- mos a observar que o analfabetizando (sic) adulto j superou o nvel pr-silbico. Ele tem muito claro que se escreve com letras e qual a funo social da escrita, (mas esta uma observao ainda prematura). Ocorrncia esta que Ferreiro (1983) j havia notado, quando observa que, enquanto muito fcil conseguir de uma criana pr-alfabetizada produes escritas, no adulto analfabeto a conscincia de no saber muito forte e ele se sente incapaz de tentar escrever. Ferreiro e Teberosky (1986) desenvolvem tambm aspectos propriamente lingusticos da Psicognese da lngua escrita, quando descrevem o aprendiz formulando hipteses a respeito do cdigo, percorrendo um caminho que pode ser representado nos nveis pr-silbico, sil- bico, silbico-alfabtico, alfabtico. Essa construo, demonstra a pesquisa, segue uma linha regular, organizada em trs grandes perodos: 1) o da distino entre o modo de representao icnica (imagens) ou no icnica (letras, nmeros, sinais); 2) o da construo de formas de diferenciao, controle progressivo das variaes sobre o eixo qualitativo (variedade de gra- fias) e o eixo quantitativo (quantidade de grafias). Esses dois perodos configuram a fase pr- -lingustica ou pr-silbica; 3) o da fonetizao da escrita, quando aparecem suas atribuies de sonorizao, iniciado pelo perodo silbico e terminando no alfabtico. Essa aprendizagem segue um processo que poderamos descrever com Weisz, como: [a criana] comea diferenciando o sistema de representao escrita do sistema de representao do desenho. Tenta vrias abordagens globais (hiptese pr-silbica), numa busca consistente da lgica do sistema, at descobrir - o que implica uma mudana violenta de critrios - que a escrita no representa o objeto a que se re- fere e sim o desenho sonoro do seu nome. Neste momento costuma aparecer uma hiptese conceitual que atribui a cada letra escrita uma slaba oral. Esta hiptese (hiptese silbica) gera inmeros conflitos cognitivos, tanto com as informaes 39. 39 CONTEDOEDIDTICADEALFABETIZAO que recebe do mundo, como com as hipteses de quantidade e variedade mnima de caracteres construda pela criana. (WEISZ, 1990, p. 73). E, a seguir, com Ferreiro, quando esta enfatiza que novas informaes [...] vo desestabilizando a hiptese silbica at que a criana tem coragem suficiente para se comprometer em seu novo processo de construo. O perodo silbico-alfa- btico marca a transio entre os esquemas prvios em vias de serem abandonados e os esquemas futuros em vias de serem construdos. Quando a criana descobre que a slaba no pode ser considerada como unidade, mas que ela , por sua vez, reana- lisvel em elementos menores, ingressa no ltimo passo da compreenso do sistema socialmente estabelecido. E, a partir da, descobre novos problemas: pelo lado quan- titativo, se no basta uma letra por slaba, tambm no pode estabelecer nenhuma regularidade duplicando a quantidade de letras por slaba (j que h slabas que se escrevem com uma, duas, trs ou mais letras); pelo lado qualitativo, enfrentar os problemas ortogrficos (a identidade de som no garante a identidade de letras, nem a identidade de letras a de som). (FERREIRO, 1985, p. 13-14). Portanto, a Psicognese da lngua escrita descreve como o aprendiz se apropria dos concei- tos e das habilidades de ler e escrever, mostrando que a aquisio desses atos lingusticos segue um percurso semelhante quele que a humanidade percorreu at chegar ao sistema alfabtico, ou seja, o aluno, na fase pr-silbica do caminho que percorre at alfabetizar-se, ignora que a palavra escrita representa a palavra falada, e desconhece como essa representao se processa. Ele precisa, ento, responder a duas questes: o que a escrita representa e o modo de constru- o dessa representao. No nvel pr-silbico, em um p