caderno diário o absolutismo régio

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1 O Absolutismo Régio Por Raul Silva No século XVII, as monarquias absolutas distinguiam-se das que não o eram pelo papel que cabia ao rei na estrutura do Estado e pela forma como o poder real se exercia. Os reis absolutos foram a primeira e mais poderosa figura dos seus Estados e exerceram o poder de forma: pessoal (ou seja, personalidade, não admitindo delegações); absoluta (que não reconhece outro poder além ou acima do seu; que controlo); e única, isto é, não repartida ou partilhada com ninguém, nem mesmo com as ordens. A soberania régia era um legado divino, recebido directamente pelos reis no dia da sua coroação, quando eram ungidos e sacralizados como imagens de Deus sobre a Terra. Assim investido, o poder real parecia não admitir limites: nenhum privilégio e nenhuma liberdade, privada ou pública, estava acima do rei. O soberano absoluto detinha superiormente e arbitrariamente todos os poderes políticos: o poder legislativo. Só o rei podia promulgar ou revogar as leis; ele era a lei viva; o poder judicial. O Rei era o supremo juíz no seu reino e as suas decisões eram únicas que não admitiam apelação; e o poder executivo. Do rei dependiam todas as decisões de governação: possuía a chefia suprema do exército e só ele podia declarar a guerra ou a paz; chefiava superiormente todas as instituições e órgãos político-administrativos, bem como todo o funcionalismo público, cada vez mais numeroso, mas sempre de nomeação régia; a ele eram devidos todos os impostos, pois, mesmo quando estes andavam alienados aos privilegiados, isso acontecia por graça ou concessão régia e nunca por direito das ordens. As monarquias ocidentais desta época foram de facto absolutas, pois os seus soberanos governaram sozinhos, não partilhando os atributos da sua soberania nem com os privilegiados, nem com as corporações profissionais, nem com os organismos administrativos das cidades. CADERNODIÁRIO EXTERNATO LUÍS DE CAMÕES N.º 2 http:// externatohistoria.blog spot.pt/ externatohistoria@gm ail.com 8 de Outubro de 2013

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Page 1: Caderno diário O Absolutismo Régio

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O Absolutismo RégioPor Raul Silva

No século XVII, as monarquias absolutas distinguiam-se das que não o eram pelo papel que cabia ao rei na estrutura do Estado e pela forma como o poder real se exercia. Os reis absolutos foram a primeira e mais poderosa figura dos seus Estados e exerceram o poder de forma: pessoal (ou seja, personalidade, não admitindo delegações); absoluta (que não reconhece outro poder além ou acima do seu; que controlo); e única, isto é, não repartida ou partilhada com ninguém, nem mesmo com as ordens.A soberania régia era um legado divino, recebido directamente pelos reis no dia da sua coroação, quando eram ungidos e sacralizados como imagens de Deus sobre a Terra. Assim investido, o poder real parecia não admitir limites: nenhum privilégio e nenhuma liberdade, privada ou pública, estava acima do rei. O soberano absoluto detinha superiormente e arbitrariamente todos os poderes políticos: o poder legislativo. Só o rei podia promulgar ou revogar as leis; ele era a lei viva; o poder judicial. O Rei era o supremo juíz no seu reino e as suas decisões eram únicas que não admitiam apelação; e o poder executivo. Do rei dependiam todas as decisões de governação: possuía a chefia suprema do exército e só ele podia declarar a guerra ou a paz; chefiava superiormente todas as instituições e órgãos político-administrativos, bem como todo o funcionalismo público, cada vez mais numeroso, mas sempre de nomeação régia; a ele eram devidos todos os impostos, pois, mesmo quando estes andavam alienados aos privilegiados, isso acontecia por graça ou concessão régia e nunca por direito das ordens.As monarquias ocidentais desta época foram de facto absolutas, pois os seus soberanos governaram sozinhos, não partilhando os atributos da sua soberania nem com os privilegiados, nem com as corporações profissionais, nem com os organismos administrativos das cidades.

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EXTERNATO LUÍS DE CAMÕES

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Luís XIV e o poder absoluto

“É somente na minha pessoa que reside o poder soberano (…), é somente de mim que os meus tribunais recebem a sua existência e a sua autoridade; a plenitude desta autoridade, que eles não exercem senão em meu nome, permanece sempre em mim, e o seu uso nunca pode ser contra mim voltado; é unicamente a mim que pertence o poder legislativo, sem dependência e sem partilha; é somente por minha autoridade que os funcionários dos meus tribunais procedem, não à formação, mas ao registo, à publicação, à execução da lei, e que lhes é permitido advertir-me o que é do dever de todos os úteis conselheiros; toda a ordem pública emana de mim, e os direitos e interesses da nação, de que se pretende ousar fazer um corpo separado do monarca, estão necessariamente inteiramente nas minhas mãos.”

Resposta do rei ao Parlamento de Paris, na sessão de 3 de Março de 1766, em Flammermont e Tourneux, Advertências do Parlamento de Paris no Século XVIII

2. Com base no documento, explique os princípios da doutrina do absolutismo régio.

O Rei Absoluto

“O segredo do rei quanto aos negócios do Estado é incomparável; os ministros vão ao Conselho mas ele não lhes confia a execução dos seus projectos senão depois de os ter examinado maduramente e depois de ter tomado uma decisão. Gostaria que pudésseis ver o rei. Tem o ar de um grande dissimulador e olhos da raposa. Não fala nunca dos negócios do Estado a não ser quando está em Conselho (…). O rei faz tudo o que pode para mostrar que não está dominado pelos ministros e nunca nenhum príncipe foi menos governado. Quer saber tudo: pelos ministros, os assuntos do Estado; pelos presidentes, notícias dos parlamentos provinciais; pelos juízes, as menores coisas. Em suma, acontecem num dia poucos acontecimentos de que o rei não seja informado e há poucas pessoas de que ele não saiba o nome e os hábitos. (…) Além disso, nos actos de vida, é muito regrado. Levanta-se sempre às oito horas, participa no Conselho das dez até ao meio-dia e meia, hora em que vai à missa, sempre me família, com a rainha. Graças a esta vontade contínua e intensa de presidir a todos os assuntos, tornou-se hábil.”

Primi Visconti, Memórias da Corte de Luís XIV

3. Justifique o papel dos reis como garantia da hierarquia social.

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Louis XIV, de Hyacinthe Rigaud (1701)

1. Analisa a fonte, interpreta-a; integra-a na época histórica em que foi realizada.

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O culto à majestade real

“Os cortesãos assíduos vão todas as manhãs assistir ao acordar do rei; há, não obstante, diversos graus para se ser admitido neste cerimonial. Em primeiro lugar, vêm os que têm direito assistir ao petit lever (despertar). (…) Este privilégio, ou direito da primeira entrada, atribui ao seu titular notável importância. (…) Houve mesmo príncipes de sangue, cardeais e outros grandes senhores, presentes na antecâmara, que não tiveram este direito da primeira entrada. Acontece que a porta do quarto do rei e todo o apartamento onde ele se deita e se veste lhes permanece fechado, como eu vi fazer muitas vezes com o príncipe de Conde e semelhantes.”

Spanheim, Relação do Estado de França, 1690

As cortes régias

“Os convites para as frequentes festas ou para os passeios privados em Versalhes foram os meios de que o rei se serviu para distinguir os cortesãos e para manter todos eles sempre ansiosos por agradar-lhe (...). O rei olhava continuamente à direita e à esquerda, quando se levantava, ao deitar-se, durante as refeições, ao passar pelas salas e pelos jardins de Versalhes, o único lugar onde todos os cortesãos tinham liberdade de segui-lo: via e notava toda a gente, ninguém lhe escapava, nem mesmo aqueles que julgavam não ser vistos (...). Para as pessoas de maior distinção, era vergonha não viver permanentemente na corte ou ir lá só de quando a quando.”

Saint-Simon, Memórias

4. Com base nos documentos, identifique os elementos estéticos de encenação ou representação do poder absoluto.

5. Visiona o filme Marie Antoinette, de Sofia Coppola, e relaciona o seu conteúdo com a época em análise.

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Marie Antoinette, de Sofia Coppola (2006)

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Objetivo 1. Referir as caraterísticas do poder absoluto

No século XVII, as monarquias absolutas distinguiam-se das que não o eram pelo papel que cabia ao rei na estrutura do Estado e pela forma como o poder real se exercia. O poder do monarca absoluto é sagrado, porque provém de Deus que o conferiu aos reis para que estes o exerçam em seu nome. Daqui decorre que atentar contra o rei é um sacrilégio e que se deve obedecer ao príncipe por princípio de religião. Mas, esta origem divina do poder real, se o torna incontestável também lhe impõe limites: os reis devem respeitar o seu próprio poder e só o devem empregar para o bem público. É paternal, por ser este o poder mais conforme com a natureza humana: a primeira ideia de poder que existe entre os homens é a do poder paterno, e fizeram-se os reis pelo modelo dos pais. Por isso, o rei deve satisfazer as necessidades do seu povo, proteger os fracos e governar brandamente, cultivando a imagem de pai do povo.É absoluto, o que significa independente. Por isso, príncipe não deve prestar contas a ninguém do que ordena e não está coagido de forma alguma.Está submetido à razão, isto é, à sabedoria. É esta inteligência, esta percepção superior das coisas inerente ao príncipe, esta certa ciência que faz o povo feliz. O rei, escolhido por Deus, possui certas qualidades intrínsecas: bondade, firmeza, força de carácter, prudência, capacidade de previsão. São elas que asseguram o bom governo.

Objetivo 2. Relacionar a eficiência do aparelho burocrático com a centralização do poder

O poder real parecia não admitir limites: nenhum privilégio e nenhuma liberdade, privada ou pública, estava acima do rei. O soberano absoluto detinha superiormente e arbitrariamente todos os poderes políticos: o poder legislativo. Só o rei podia promulgar ou revogar as leis; ele era a lei viva; o poder judicial. O Rei era o supremo juiz no seu reino e as suas decisões eram únicas que não admitiam apelação; e o poder executivo. Do rei dependiam todas as decisões de governação: possuía a chefia suprema do exército e só ele podia declarar a guerra ou a paz; chefiava superiormente todas as instituições e órgãos político-administrativos, bem como todo o funcionalismo público, cada vez mais numeroso, mas sempre de nomeação régia; a ele eram devidos todos os impostos, pois, mesmo quando estes andavam alienados aos privilegiados, isso acontecia por graça ou concessão régia e nunca por direito das ordens.

Objetivo 3. Esclarecer o significado da expressão “encenação do poder”

Na monarquia absoluta, o rei utilizava a vida em corte para mais facilmente controlar a Nobreza e o Clero. O grupo que rodeava o rei estava constantemente sujeito à vigilância deste. O Palácio era, simultaneamente, lugar de governação, de ostentação do poder e de controlo das ordens privilegiadas.Todos os actos quotidianos do rei eram ritualizados, encenados de modo a endeusar a sua pessoa e a submeter as ordens sociais. Cada gesto tinha um significado social ou político, pelo que, através da etiqueta, o rei controlava a sociedade. Um sorriso, um olhar reprovador assumiam um significado político, funcionando como recompensa ou punição de determinada pessoa.

O Absolutismo RégioGuia de estudo

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