caderno de pesquisa ipipea - nº 2

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HÊNIO DE OLIVEIRA ARAGÃO O PANORAMA PRISIONAL DO ESTADO DO PIAUÍ E SUAS REPERCUSSÕES SOCIAIS: O CICLO VICIOSO DA VIOLÊNCIA. Junho 2014

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O presente trabalho tem como foco central avaliar as condições fáticas do sistema penitenciário no âmbito do Estado do Piauí, bem como o comportamento da sociedade em relação ao egresso, de tal forma que se possa ao final visualizar o desdobramento social desta realidade.

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Page 1: Caderno de Pesquisa IPIPEA - Nº 2

HÊNIO DE OLIVEIRA ARAGÃO

O PANORAMA PRISIONAL DO ESTADO DO PIAUÍ E

SUAS REPERCUSSÕES SOCIAIS: O CICLO VICIOSO

DA VIOLÊNCIA.

Junho 2014

Page 2: Caderno de Pesquisa IPIPEA - Nº 2

EDITORIAL

Presidente

Georgia Maria de Oliveira Aragão

Diretor Executivo

Rafael Costa da Cruz

Secretário Executivo

Hênio de Oliveira Aragão

Editores

Georgia Maria de Oliveira Aragão

Hênio de Oliveira Aragão

Rafael Costa da Cruz

Designer Gráfico

Lara França

Dissemina Marketing

Contato

[email protected]

facebook/IPIPEA

Ficha para referência

ARAGÃO, H.O. Breves Considerações

Sobre o Panorama Prisional Do Estado

do Piauí e suas Repercussões Sociais: O

Ciclo Vicioso da Violência. Cadernos de

Pesquisa IPIPEA, Nº 2, 2014.

Os Cadernos de Pesquisa IPIPEA

Os cadernos de pesquisa têm como

objetivo trazer para a comunidade assuntos

referentes às pesquisas desenvolvidas junto

ao IPIPEA, de modo que possa gerar uma

reflexão sobre os temas abordados, bem

como uma discussão que contribua no

andamento destas. Os cadernos não são uma

publicação final, definitiva, pois os assuntos

são de pesquisas maiores que estão sendo

realizadas. De modo geral, em sequência

serão publicados artigos científicos e demais

publicações pertinentes de cada área.

Pretende-se realizar publicações

bimestrais, com temas das três áreas de

atuação do IPIPEA: ambiental, social e

econômica; cada publicação um tema será

abordado. As publicações serão elaboradas

pela diretoria e por técnicos voluntários do

IPIPEA. É permitida a reprodução deste texto

e dos dados nele contidos, desde que citada a

fonte. Reproduções para fins comerciais são

proibidas.

Perfil do Colaborador

Hênio de Oliveira Aragão, é Secretario do

IPIPEA; graduado em Direito pela

Universidade Estadual do Piauí – UESPI;

Advogado inscrito na OAB-SC.

Page 3: Caderno de Pesquisa IPIPEA - Nº 2

HÊNIO DE OLIVEIRA ARAGÃO

BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O PANORAMA PRISIONAL DO ESTADO DO

PIAUÍ E SUAS REPERCUSSÕES SOCIAIS: O CICLO VICIOSO DA VIOLÊNCIA.

Florianópolis - SC/2014

Page 4: Caderno de Pesquisa IPIPEA - Nº 2

SUMÁRIO

1. Introdução ................................................................................................................................. 3

2. Registros sobre as condições carcerárias no estado do Piauí........................................................ 4

3. Conclusão ................................................................................................................................ 10

4. Referências .............................................................................................................................. 11

Page 5: Caderno de Pesquisa IPIPEA - Nº 2

1. Introdução

O presente trabalho tem como foco central avaliar as condições fáticas do sistema

penitenciário no âmbito do Estado do Piauí, bem como o comportamento da sociedade em

relação ao egresso, de tal forma que se possa ao final visualizar o desdobramento social desta

realidade. Entorno disso, avalia-se tais aspectos na seara do Direito Processual Penal, do

Direito Internacional e do Direito Constitucional, em especial. A partir de um estudo

doutrinário, uma vez tratando-se da realidade do sistema de Execução Penal, questionar-se-á a

atuação do Estado frente a tais questões, notadamente sobre a ineficácia pedagógica do

sistema penitenciário pátrio no dever de (res)socialização o apenado ao convívio em

liberdade. Outrossim, reputa-se pertinente a leitura sociológica da sociedade civil, uma vez

sendo ela parte integrante do sistema disciplinar e pedagógico sob o qual se submete o

apenado. Neste diapasão, é fundamental suscitar a cooperação para a reintegração e

reabilitação daquele que foi segregado, e, então, exaurido o cumprimento da pena, posto

novamente ao convívio em sociedade.

Page 6: Caderno de Pesquisa IPIPEA - Nº 2

2. Registros sobre as condições carcerárias no Estado do Piauí.

Temos ao logo deste segundo milênio visto se avolumar o grande índice de

violência urbana, configurada não somente nos crimes comuns, mormente mencionados na

grande mídia (roubo, sequestro, homicídios por motivos fúteis etc.), mas também em diversas

formas que se tem desdobrado, como a violência doméstica contra a mulher, a criança e ao

adolescente, bem como a pessoa idosa. Nada obstante, tem-se ainda a propalada violência em

face dos preconceitos sobre a raça, cor e preferência sexual, consubstanciada na crise da

insinuante homofobia.

Diante de tais circunstâncias, que ainda evidenciam o estado da humanidade em

níveis indesejados de desenvolvimento humanístico, quando em pleno século XXI,

ultrapassados holocaustos e diversas guerras em níveis mundiais, que avassalaram diversas

vidas humanas inocentes, bem como pelo terror imposto pelos governos ditatoriais que se

seguiram intercaladamente até se chegar a uma democratização relativamente estabilizada,

temos que enfrentar o problema da violência urbana e social, que está muito além dos perigos

das ruas, permeiam os lares das famílias mais discretas.

Não obstante isso, o Estado, em parceria com a sociedade civil, tem um peculiar

dever: o de "corrigir" a pessoa delinquente, preparando-o para o convívio sadio e harmônico

em sociedade, seu estado natural, a fim de evitar a alimentação do ciclo vicioso da violência.

Contudo, o que se percebe é o total fracasso destes atores sociais, estando

atualmente o sistema penitenciário um instituto totalmente falido, servindo apenas como

depósito de almas humanas, sem quaisquer condições dignas de sobrevivência nos

estabelecimentos prisionais, desenvolvendo-se em sentido diametralmente oposto ao da

reeducação comportamental.

Conforme o “censo” mais recente sobre a população de presos no Estado do Piauí,

feito pela OAB - PI em 20131, no relatório da Ordem consta que existem 2.238 vagas no

sistema prisional de todo o Estado, com 3.155 presos, o que já caracteriza situação de

1 Disponível em: < http://www.oabpi.org.br/site/paginas/showId/6650/index.html>

Page 7: Caderno de Pesquisa IPIPEA - Nº 2

superlotação (1,40 preso/vaga). O presídio com situação mais grave é a Casa de Custódia,

onde apresentou 767 presos para 336 vagas (2,28 presos/vagas).

A vistoria constatou também que, em virtude da superlotação, não há separação

entre presos provisórios e apenados, ou separação segundo a periculosidade dos detentos,

conforme determina a Lei de Execução Penal. A distribuição de material, como roupas de

cama, toalhas, materiais de higiene e limpeza também estão em situação precária. Não há

cama ou colchões para todos os presos e as condições de higiene das celas as tornam

inabitáveis.

Atualmente o Estado do Piauí possui apenas 14 unidades prisionais, cujo custo

mensal para a manutenção de cada detento é de aproximadamente de R$ 1.200,00. O Governo

do Estado iniciou a construção de dois presídios, um em Altos e outro em Campo Maior, que

irá gerar mais 350 vagas no sistema, ainda insuficiente, uma vez que o Estado já alcançou a

quantidade de 900 detentos, ultrapassando a sua capacidade.

Segundo dados fornecidos pelo Sindicato dos Agentes de Penitenciários do Piauí

(Sinpoljuspi), em Picos, a penitenciária com capacidade para 144 presos abriga 380 detentos.

Já em Parnaíba, a capacidade máxima é de 176 internos, mas no presídio há 450 presos.

Willian Guimarães, presidente da OAB-PI, adverte:

É necessário que todas as entidades envolvidas com o sistema prisional se

mobilizem para encontrarmos soluções rápidas para este problema. A

situação dos nossos presídios atinge não apenas aqueles que estão presos,

mas toda a sociedade, pois invariavelmente, quem está preso vai sair.

Os indicadores mostram que o Estado perdeu o controle sobre o sistema prisional.

Presos que esperam pelo julgamento de seus processos sob o regime de prisão preventiva

somam entre a maioria, superando em 60%2 aos presos condenados. Não obstante isso, não é

possível dizer que existam regimes diferenciados entre os constritos. Presos que esperam por

seus julgamentos estão misturados com presos já condenados e tidos como perigosos;

2 Conforme dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2013.

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condenados por crimes mais leves, que gozam de penas mais brandas igualmente não

possuem lugar adequado, por conta das superlotações, reflexo da falta de recursos voltados

para o sistema prisional somado a falta de gestão.

Consequência de toda esta problemática, é a ineficácia da função pedagógica do

encarceramento. Ao se engajar na cultura carcerária, o recluso é submetido a uma nova

aprendizagem ou assimilação, que não é o de viver em paz em sociedade extramuros, mas o

de sobrevivência no ambiente prisional. Conhecido como prisionalização (BITENCOURT,

2004, p. 187), tal processo age como um poderoso estímulo para que o recluso rejeite, de

forma definitiva, as normas admitidas pela sociedade exterior e sempre produzirá graves

dificuldades ao processo de ressocialização.

Existe, a par disso, um processo de mortificação da individualidade do recluso ao

penetrar o sistema carcerário (THOMPSON, 1980, p. 63): no mundo externo, o indivíduo

pode manter objetos pessoais, seu corpo, suas ações e seus pensamentos fora de contato com

coisas estranhas ou contaminadoras. No entanto, no ambiente prisional ele é despido de

qualquer tipo de individualidade; além da restrição das liberdades individuais referentes ao

direito de ir e vir, sua intimidade é devassada, não raro submetido a experiências sexuais

doentias, sempre sob o risco de contaminação venérea; banhos de sol limitados, convivência

com pessoas de seu vínculo afetivo (família e amigos) prejudicada; educação, trabalho, todos

estes bens devidos pelo Estado, reduzidos a mera expectativa. Tais situações minam a

individualidade, tornando o homem recluso um ser avesso à vida social. Ao se comparar com

as pessoas do mundo livre, assalta ao preso a dramática sensação de haver atingido o mais

baixo ponto possível de degradação, identificando-se como algo que não merece mais que

indiferença, descaso e desprezo.

De encontro à realidade sobre o atual sistema prisional, reza o artigo 1º, III, da

Constituição Federal, que o Brasil é um Estado de Direito Democrático, possuindo como um

dos fundamentos do seu arcabouço jurídico a dignidade da pessoa humana. Fundamentada sob

este princípio, a Magna Carta enumerou direitos e garantias fundamentais, estritamente a ele

relacionados e insculpidos nos incisos III, XLVII, "e", e XLIX, do artigo 5º:

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III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou

degradante;

XLVII - não haverá penas:

e) cruéis;

XLVIII - a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo

com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado;

XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;

LXXV - o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o

que ficar preso além do tempo fixado na sentença. (Grifo Nosso)

Neste mesmo sentido, no âmbito do Direito Internacional, a Convenção Americana

de Direitos Humanos de 1969 (Pacto de San José da Costa Rica), do qual o Brasil é

signatário, tem reconhecido como direito fundamental da criatura humana, independente do

caráter ou do crime que tenha praticado, o direito a integridade pessoal (física e psíquica), como

é possível verificar da leitura do art. 5ª, que segue transcrito:

Artigo 5º - Direito à integridade pessoal

1. Toda pessoa tem direito a que se respeite sua integridade física, psíquica e

moral.

2. Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis,

desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada de liberdade deve ser

tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano.

[...]

4. Os processados devem ficar separados dos condenados, salvo em

circunstâncias excepcionais, e devem ser submetidos a tratamento adequado

à sua condição de pessoas não condenadas.

[...]

6. As penas privativas de liberdade devem ter por finalidade essencial a

reforma e a readaptação social dos condenados.

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Leal se pronuncia de maneira ímpar:

De fato, como falar em respeito à integridade física e moral em prisões onde

convivem pessoas sadias e doentes; onde o lixo e os dejetos humanos se

acumulam a olhos vistos e as fossas abertas, nas ruas e galerias, exalam um

odor insuportável; onde as celas individuais são desprovidas por vezes de

instalações sanitárias, onde os alojamentos coletivos chegam a abrigar 30 ou

40 homens; onde permanecem sendo utilizadas, ao arrepio da proibição

expressa da Lei nº 7.210/84, as celas escuras, as de segurança, em que os

presos são recolhidos por longos períodos sem banho de sol, sem direito a

visita; onde a alimentação e o tratamento médico e odontológico são

precários e a violência sexual atinge níveis desassossegantes? Como falar,

insistimos, em integridade física e moral em prisões onde a oferta de

trabalho inexiste ou é absolutamente insuficiente; onde presos são obrigados

a assumirem a paternidade de crimes que não cometeram, por imposição dos

mais fortes. (LEAL, 2004, p. 89).

Relativamente aos direitos civis, ressalte-se, entretanto, que tanto o detento quanto

o egresso prisional permanecem titulares dos seus direitos, conforme preconiza o art. 38 da

Lei 7. 209/84 e o art. 5º XLI da Constituição Federal, ao estabelecerem que:

Art. 38 - O preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da

liberdade, impondo-se a todas as autoridades o respeito à sua integridade

física e moral.

Art. 5º XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e

liberdades fundamentais.

Não obstante todas as mazelas já auferidas no interior do sistema carcerário, tem

ainda o egresso que superar os desafios extramuros, imposto pela sociedade, que desacreditada

no poder público rejeita-o, pois ainda o considera criminoso.

Valiosa contribuição sobre a temática ofereceu Francesco Carnelutti, em sua obra

"As Misérias do Processo Penal", com um estudo sistemático sobre a postura do "cidadão

comum" face ao "marginal" repudiado, estereotipado na figura do "delinquente", imérito da

Page 11: Caderno de Pesquisa IPIPEA - Nº 2

complacência e confiança da sociedade, uma vez tendo usurpado a fidúcia original. Sobre esta

situação, Carnelutti já prescrevia:

Somente, na linha de raciocínio, igualmente se deve reconhecer que aquilo do

encarcerado, que conta os dias sonhando com a libertação, não é mais que um

sonho; bastam poucos dias depois que as portas da cadeia se abriram para

acorda-lo. Então, infelizmente, dia a dia, a sua visão do mundo se coloca de

cabeça para baixo: no fundo, no fundo, estava melhor na cadeia. Este lento

desfolhar se das ilusões, este reverter de posições, este desgosto daquela que

ele acreditava ser a liberdade, este voltar o pensamento à prisão, como aquela

que é, enfim a sua casa, foi descrito egregiamente em um notável romance de

Hans Fallada; mas as pessoas não devem crer que sejam situações criadas

pela fantasia do escritor: a invenção corresponde infelizmente à realidade.

Como se pode ver, em uma sociedade enraizada na cultura do medo, sentencia o

indivíduo ao exílio social, já desacreditado nas instituições estatais que têm a missão de

reintegração social da pessoa, igualmente humana. Com isso, inevitável concluir que a pena não

termina para o sentenciado, o qual tem de suportar após o cárcere a marginalização e o

preconceito.

Combater os vícios inerentes ao senso comum é um dever do Estado, porquanto

deverá utilizar a pena como mecanismo não só de punição, mas como um artifício pedagógico de

reestruturação de conduta do apenado, fazendo-o interagir com a sociedade civil, preparando-o

para o inarredável reencontro, bem como egregiamente Foucault (1987) preconizara:

Lembremos um certo número de fatos. Nos códigos de 1808 e de 1810, e nas

medidas que os seguiram ou os precederam imediatamente, o

encarceramento nunca se confunde com a simples privação de liberdade. É,

ou deve ser em todo caso, um mecanismo diferenciado e finalizado.

Diferenciado pois não deve ter: a mesma forma, consoante se trate de um

indiciado ou de um condenado, de um contraventor ou de um criminoso:

cadeia, casa de correção, penitenciária devem em princípio corresponder

mais ou menos a essas diferenças, e realizar um castigo não só graduado em

intensidade, mas diversificado em seus objetivos. Pois a prisão tem um fim,

apresentado de saída:

Page 12: Caderno de Pesquisa IPIPEA - Nº 2

Como a lei inflige penas umas mais graves que outras, não pode permitir que

o indivíduo condenado a penas leves se encontre preso no mesmo local que o

criminoso condenado a penas mais graves [...]; se a pena infligida pela lei

tem como objetivo principal a reparação do crime, ela pretende também que

o culpado se emende.

O sistema prisional adotado pelo Brasil, para os presos condenados, segue o

princípio da progressão de regime (fechado, semiaberto e aberto), evoluindo-se sempre que

preenchidos os requisitos objetivos e subjetivos, do regime mais severo para o mais brando (art.

112, da Lei 7.210/84). Ou seja, se iniciado a partir do regime fechado, após o cumprimento de

1/6 da pena, salvo se condenado por crimes hediondos (art. 2º, §2º, da Lei 8.072/90), que será de

2/5 ou 3/5, se reincidente, poderá passar para o regime imediatamente mais brando, uma vez

preenchidos os requisitos subjetivos, dentre os quais o bom comportamento carcerário.

Assim, a pena, o encarceramento, deve visar não somente a punição do indivíduo,

mas a sua correção comportamental está inclusa como uma meta necessária, uma vez

considerando os predicados da dignidade da pessoa humana, um dever do Estado para com todos

indistintamente, e em razão do inevitável reencontro do apenado com a sociedade. Posto isso,

Foucault tece considerações sobre o "dever-ser" do sistema, in verbis:

1 - A detenção penal deve ter por função essencial a transformação do

comportamento do indivíduo;

2 - Os detentos devem ser isolados ou pelo menos repartidos de acordo com

a gravidade penal de seu ato, mas principalmente segundo sua idade, suas

disposições, as técnicas de correção que se pretende utilizar com eles, as

fases de sua transformação;

3 - As penas, cujo desenrolar deve poder ser modificada segundo a

individualidade dos detentos, os resultados obtidos, os progressos ou as

recaídas;

4 - O trabalho deve ser uma das peças essenciais da transformação e da

socialização progressiva dos detentos;

5 - A educação do detento é, por parte do poder público, ao mesmo tempo

uma precaução indispensável no interesse da sociedade e uma obrigação

para com o detento;

6 - O regime da prisão deve ser, pelo menos em parte, controlado e assumido

por um pessoal especializado que possua as capacidades morais e técnicas de

zelar pela boa formação dos indivíduos;

Page 13: Caderno de Pesquisa IPIPEA - Nº 2

7 - O encarceramento deve ser acompanhado de medidas de controle e de

assistência até a readaptação definitiva do antigo detento. (FOUCAULT,

1999, p. 237)

Como restou demonstrado, tal não é procedido e a consequência é o aviltante

número de detentos que após ganhar o benefício de progressão de regime não continuam com

o cumprimento da pena, pois não desejam vivenciar as misérias do cárcere novamente, bem

como é numerosa a quantidade de egressos que tornam a cometer ilícitos penais,

demonstração da ineficácia do sistema, que ainda investe em métodos obsoletos, com

ausência de investimentos e gestão.

Para dirimir a problemática da violência é necessária uma ação sincrética entre o

próprio Estado e a sociedade civil, que devem participar diretamente no trabalho de educação

da conduta social de seus pares, seja através de trabalhos preventivos ou saneadores, a

exemplo das ainda incipientes práticas de socializam que o Piauí aos poucos vem adotando,

tais como:

• BIJUTERIAS E RETALHOS - curso ministrado para detentas por empresa

privada na Penitenciaria Feminina de Teresina;

• CTO - TEATRO - peça teatral encenada por detentos da Penitenciaria

Feminina finalizando o projeto do teatro oprimido, encaminhado pelo

Ministério da Justiça;

• CURSO DE MAQUIAGEM - ministrado por empresa privada na

Penitenciaria Feminina para detentas;

• CURSO DE PRODUTOS ARTESANAIS - ministrada na Penitenciaria

Feminina de Teresina;

• PROJETO EDUCANDO PARA A LIBERDADE;

• PLANTAÇÃO DE HORTALIÇAS - detentas na Penitenciaria Feminina de

Teresina em convênio com o Programa Fome Zero;

• CURSO DE FABRICAÇÃO DE FRALDAS E ABSORVENTES -

ministrado para detentas na Penitenciaria Feminina de Teresina;

• PROJETO DE HORTICULTURA da Penitenciaria de Bom Jesus;

Page 14: Caderno de Pesquisa IPIPEA - Nº 2

• CURSO DE CONFECÇÃO DE CALÇADOS na Penitenciaria de

Esperantina;3

Estes são exemplos de práticas que têm minimizado os efeitos colaterais do

cárcere, mas que ainda precisam de ampliação e efetividade, para que, de uma vez por todas,

seja interrompido o ciclo vicioso da violência e para que ninguém seja condenado ao exílio

social, respeitando-se, pois, os princípios e direitos fundamentais da pessoa humana.

3 Disponível em: Ministério da Justiça http: //portal. mj. gov. br/main.asp? ViewID =

%7BDA8C1EA2 - 5CE1 -45BD - AA07 - 5765C04797D 9 % 7D & params = itemID = %

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Page 15: Caderno de Pesquisa IPIPEA - Nº 2

3. Conclusão

Temos, finalmente, que o sistema prisional carece de políticas públicas efetivas

que viabilizem a reintegração do apenado a sociedade. Mantê-lo sob o cárcere, desprovido

dos elementos humanos mais comesinhos, como educação, trabalho e vida social-afetiva é

percorrer exatamente o caminho oposto ao da (r)educação comportamental.

Os números mostrados sobre o Piauí não diferem muito do que acontece no

restante do país, sendo este um problema crônico que urge tomada de iniciativas que vão

muito além da construção de presídios para enfurnar pessoas, mas que deve prever políticas

sociais de socialização humana, fazendo com que o futuro egresso se sinta integrante desta

sociedade, com oportunidade de poder escolher o caminho correto, com trabalho, educação,

saúde e lazer, disponíveis a todos os cidadãos indistintamente.

A contrario sensu, a permanência neste estado de caos em que se encontra o

sistema de execução penal, apenas alimentará o ciclo vicioso de violência no Estado do Piauí,

que já apresenta um dos índices mais elevados de violência entre os entes da federação. Os

mandamentos Constitucionais e de Direito Internacional de Direitos Humanos devem ser o

manual norteador dos atos da administração pública em conjunto com a sociedade civil, com

o fim de ao menos conter ou minimizar o grau de reincidência criminal, pois aquele que está

preso hoje sob condições desumanas, ou seja, sem nenhuma ação pedagógica efetiva, voltará

à vida em liberdade, haja vista, em regra, não existir nem pena de prisão perpétua nem pena

de morte no Brasil, e a maioria voltará a delinquir, pois condicionado pelo elo de violência

vivenciado no cárcere e pela marginalização imposta socialmente, esta decorrente da

descrença popular no poder ressocializador do sistema prisional.

Page 16: Caderno de Pesquisa IPIPEA - Nº 2

4. Referência

BARDIN, L. Análise de conteúdo. Trad. Luis Antero Reto e Augusto Pinheiro. Lisboa:

Edições 70, 2012.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão: causas e alternativas. São

Paulo: Saraiva, 2004.

BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.

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______Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992. Convenção Americana sobre Direitos

Humanos (Pacto de São José da Costa Rica). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br

/ccivil_03/decreto/D0678.htm>. Acesso em: 14 mai. 2014.

CARNELUTTI, Francesco. As misérias do processo penal. Tradução de José Antônio

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FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. Anuário Brasileiro de Segurança

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FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Petrópolis: Vozes, 1986.

LEAL, Cesar Barros. Prisão, Crepúsculo de uma Era. 2 ed. Belo Horizonte: Del Rey Editora,

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MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Execução Penal. Disponível em: < http: // portal. mj. gov. br /

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& Lang ID = pt - br & params = item ID % 3D % 7BC37B2AE9 - 4C68 - 4006 - 8B16 -

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THOMPSON, Augusto. A questão penitenciária. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense. 1980.

Page 17: Caderno de Pesquisa IPIPEA - Nº 2

OAB-PI divulga relatório sobre sistema prisional no Piauí. Disponível em: <

http://www.oabpi.org.br/site/paginas/showId/6650/index.html>. Acessado em: 14 mai. 2014.

Page 18: Caderno de Pesquisa IPIPEA - Nº 2