caderno de pesquisa 2011

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  • ISSN 2316-7599

    Caderno de PeSQUISa

  • sumrioPesquisa e avaliao educacional ...........................................................................................7

    aRTiGo 1 equidade e deseMPenHo educacional: uMa anlise das Redes esTaduais de avaliao no BRasil ............................................................................................8

    introduo ..................................................................................................................................................9

    1. o coeficiente de correlao intraclasse .................................................................................... 10

    2. ilustrao 1: Mxima desigualdade educacional (cci = 1 ou 100%) ................................. 11

    3. ilustrao 2: Mxima igualdade educacional (cci = 0 ou 0%) ............................................. 13

    4. ilustrao 3: situao realista de desigualdade educacional (0 < cci < 1 ou um cci

    acima de zero a abaixo de 100%) .................................................................................................... 14

    5. a equidade numa perspectiva comparativa internacional: os dados do Pisa ............... 15

    6. a equidade numa perspectiva comparativa nacional: os dados das avaliaes das

    Redes estaduais de ensino no Brasil ............................................................................................. 19

    7. implicaes para polticas pblicas ........................................................................................... 23

    Referncias Bibliogrficas ................................................................................................................. 25

    aRTiGo 2 avaliao eM laRGa escala e PRTicas de alFaBeTiZao: uMa Relao coMPleMenTaR ............................................................................................................... 26

    introduo ............................................................................................................................................... 27

    1. o direito de aprender: dimensionando o desafio nos anos iniciais de escolarizao . 28

    2. concepes sobre alfabetizao e letramento...................................................................... 30

    3. as avaliaes em larga escala de alfabetizao .................................................................... 33

    4. a avaliao da alfabetizao no cear ...................................................................................... 37

    5. a experincia de Minas Gerais ..................................................................................................... 38

    6. da avaliao ao ensino ................................................................................................................... 40

    7. consideraes finais ....................................................................................................................... 43

    Referncias Bibliogrficas ................................................................................................................. 44

    anexos ..................................................................................................................................................... 45

    aRTiGo 3 avaliao eM laRGa escala e ensino de MaTeMTica ............................... 52

    Resumo .................................................................................................................................................... 53

    introduo ............................................................................................................................................... 53

    1. um panorama inicial ....................................................................................................................... 55

    2. concepes atuais sobre currculo e ensino de Matemtica ............................................. 57

  • 3. Pesquisas acadmicas sobre ensino de Matemtica ........................................................... 60

    4. olhando a avaliao e pensando na sala de aula .................................................................. 63

    5. suporte para a reflexo: trs exemplos de itens ................................................................... 67

    6. consideraes finais ....................................................................................................................... 70

    Referncias bibliogrficas ................................................................................................................. 72

    aRTiGo 4 avaliao eM lnGua PoRTuGuesa e a FoRMao do leiToR PRoFicienTe .......................................................................................................................................... 76

    introduo ............................................................................................................................................... 77

    1. o que ler e compreender um texto? ....................................................................................... 78

    2. comentando alguns dados ............................................................................................................ 81

    3. caminhos possveis para ensinar a ler ..................................................................................... 84

    4. consideraes finais ....................................................................................................................... 87

    Referncias bibliogrficas ................................................................................................................. 89

    aRTiGo 5 o doMnio da PalavRa e as avaliaes eM laRGa escala ....................... 92

    introduo ............................................................................................................................................... 93

    1. a lngua e a leitura ........................................................................................................................... 94

    2. as avaliaes em larga escala e o domnio da palavra ......................................................102

    Referncias bibliogrficas ...............................................................................................................109

  • PeSQUISa e avalIao edUCaCIonal

    a coleo 2011 de divulgao dos resultados das avaliaes em larga escala, realizadas pelo centro de Polticas Pblicas e avaliao da educao (caed), apresenta, em seus primeiros volumes, textos referentes s disciplinas avaliadas, bem como sobre temas de interesse das instncias gestoras. o objetivo complementar a apropriao dos resultados ao suscitar discusses como a equidade da educao e a importncia de se avaliar determinadas reas do conhecimento.

    a proposta tem como alicerce a ideia de que os resultados obtidos com a avaliao podem servir de subsdio para rever diretrizes e traar metas para a promoo da melhoria do ensino. diante disso, importante tratar de temas que circundam a avaliao e no s os seus resultados, proporcionando uma anlise crtica e permanente das polticas implementadas e da prtica pedaggica. no intuito de reforar as discusses j fomentadas nas Revistas do sistema, do Gestor e Pedaggica, o caderno de Pesquisa apresenta os artigos completos que serviram como referncia para os textos presentes nessas publicaes.

    o primeiro artigo, Equidade e desempenho educacional: uma anlise das Redes Estaduais de avaliao no Brasil, explica um mtodo estatstico, a anlise dos coeficientes de correlao intraclasse (cci), que possibilita ter uma compreen-so da dimenso da equidade nos sistemas educacionais. os artigos seguintes tratam especificamente de duas disciplinas avaliadas, lngua Portuguesa e Matemtica, tanto na alfabetizao como nos ensinos Fundamental e Mdio, abordando questes como a avaliao e sua relao com o processo de ensino--aprendizagem. so eles: Avaliao em larga escala e prticas de alfabetizao: uma relao complementar; Avaliao em larga escala e ensino de Matemtica; Avaliao em Lngua Portuguesa e a formao do leitor proficiente; e O domnio da palavra e as avaliaes em larga escala.

  • arTIGo 1

    eQUIdade e deSeMPenHo edUCaCIonal: UMa anlISe

    daS redeS eSTadUaIS de avalIao no BraSIl

  • InTrodUo

    a expanso das avaliaes educacionais em larga escala no Brasil tornou poss-vel obtermos resultados sobre o desempe-nho de milhes de alunos, provenientes dos mais diferentes contextos socioeconmicos e de diversos estados e regies do pas. exa-minando essa grande massa de dados, possvel perceber que o desempenho educa-cional dos alunos brasileiros varia bastante, para todas as sries e disciplinas avaliadas.

    essa desigualdade de desempenho educa-cional no um fenmeno exclusivamente brasileiro; antes, encontra-se sempre pre-sente, em maior ou menor grau, em todos os pases que j tiveram a oportunidade de mensurar o desempenho acadmico de seus estudantes. a desigualdade educacional pode estar associada a diversos fatores, como os individuais, que so exemplos os traos de personalidade e o nvel socioeconmico dos alunos, e os coletivos, que envolvem grupos inteiros de estudantes, como o tipo e quali-

    dade das prticas pedaggicas adotadas, o clima escolar, o nvel socioeconmico mdio dos alunos de uma escola etc.

    no estudo das avaliaes em larga escala, comum utilizar a estatstica para descre-ver e analisar dados e relaes entre vari-veis que, de outro modo, seriam difceis de serem sintetizadas ou compreendidas. dessa forma, a estatstica tambm prope alguns mtodos para tratar especificamente da questo da equidade associada ao de-sempenho educacional.

    neste texto, nosso propsito utilizar, para tratar desse tema, um mtodo es-tatstico relativamente simples, a anlise dos coeficientes de correlao intraclasse (cci), o qual, apesar de sua simplicida-de (ou talvez mesmo por causa dela), possibilita-nos ter uma compreenso abrangente da questo da equidade nos sistemas educacionais.

    9

    Artigo

    1

  • 1. o CoefICIenTe de Correlao InTraClaSSe

    estatisticamente, possvel mensurar a desigualdade educacional atravs de um coeficiente prprio chamado de coeficiente de correlao intraclasse, ou cci que varia entre 0 (maior igualdade possvel) e 1 (maior desigualdade possvel).

    o ponto de partida para o clculo desse coeficiente considerar a variao apresentada pelos resultados dos alunos. essa variao pode ser de dois tipos. o primeiro deles, que podemos chamar de variao intraescolar, corresponde aos desvios (para mais ou para menos) que as notas dos alunos apresentam em relao s mdias de suas respectivas escolas; e um segundo tipo, que chamamos de variao extraescolar, corresponde variao das mdias das escolas em relao mdia geral de toda a amostra ou de toda a populao avaliada. dessa forma, as escolas variam entre si quanto ao seu desempenho coletivo mdio (variao extraescolar) e, dentro de cada uma delas, os alunos tambm variam entre si quanto ao seu desempenho individual (variao intraescolar). a soma desses dois tipos de variao resulta na variabilidade total de desempenho observada nos resultados das avaliaes dos alunos.

    assim, o coeficiente de correlao intraclasse (cci) nada mais do que a proporo que a variao de desempenho devida s escolas representa em relao variao total (a intraescolar mais a extraescolar) observada. em termos simblicos, comum apresentar o cci como:

    cci = 00/(00 + 2)onde:2 (sigma quadrado): varincia intraescolar00 (tau zero zero): varincia extraescolar

    sendo que essas varincias esto associadas medida da proficincia Y do aluno i da escola j (Yij), descrita em dois nveis (1= aluno e 2= escola) do seguinte modo:

    nvel 1:Yij = 0j + rij

    nvel 2:0j = 00 + u0j

    onde rij o erro aleatrio dos alunos em relao a suas respectivas mdias escolares e u0j o erro aleatrio da mdia da escola j em relao mdia geral 00 (que um valor constante). dessa forma, a varincia dos escores individuais var (Yij) dada por:

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    Artigo

    1

  • var (Yij) = var (0j + rij) = var (0j) + var (rij)onde:var (0j) = var (00 + u0j) = var (u0j) = 00var (rij) = 2

    em determinadas situaes, ao invs de se usar uma proporo que varia de 0 a 1, alguns analistas e autores preferem multiplicar esse valor por 100, expressando, assim, o cci na forma de um percentual.

    Trs ilustraes

    apresentaremos a seguir algumas ilustraes que, esperamos, sejam capazes de esclarecer o conceito e a interpretao do cci como um mecanismo de mensurao da igualdade (ou desigualdade) educacional.

    2. IlUSTrao 1: MxIMa deSIGUaldade edUCaCIonal (CCI = 1 oU 100%)

    nesta ilustrao, consideremos que a nossa populao educacional se resuma a seis estu-dantes, com os alunos identificados pelos nmeros de 1 a 3 pertencentes a uma determinada escola (azul) e os outros trs alunos, identificados pelos nmeros de 4 a 6, pertencentes a uma segunda escola (vermelha). no Grfico 1, podemos ver os resultados obtidos por esses alunos num determinado exame hipottico, com esses resultados expressos numa escala arbitrria de proficincia.

    Grfico 1 PeRFeiTa desiGualdade educacional (cci = 1)

    Proficincia

    240

    220

    200 180

    160

    140

    120 100

    Estudante 1 2 3 4 5 6

    11

    Artigo

    1

  • Pelo Grfico 1, podem ser feitas duas observaes notveis:

    1) no existe variao intraescolar nesta situao, visto que as notas dos alunos dentro de cada escola so iguais. em outras palavras, os desvios das notas dos alunos em relao mdia de suas respectivas escolas zero, ou, ainda, a nota de cada aluno corresponde mdia de sua respectiva escola.

    2) a escola azul tem um desempenho mdio superior ao da escola vermelha, visto que as mdias dessas escolas correspondem, respectivamente, a 200 e a 120 pontos na escala de Proficincia.

    Clculo do CCI na ilustrao 1:

    como no h variao das notas dos alunos em torno de suas respectivas mdias escolares, ento sigma quadrado (2) nulo. Por outro lado, existem, de fato, variaes das mdias escolares em relao mdia geral. neste exemplo, a mdia geral seria 160, correspondendo mdia dos seis alunos avaliados; portanto, a escola azul (com uma mdia de 200 pontos), estaria 40 pontos acima da mdia geral, enquanto a escola vermelha (com uma mdia de 120 pontos) estaria 40 pontos abaixo. dessa forma, o fato de sigma quadrado (2) ser nulo e de tau zero zero (00) no o ser, leva-nos ao seguinte resultado:

    cci = 00/(00 + 2) = 1/(1 + 0) = 1 ou 100%

    Interpretao:

    na situao descrita pela ilustrao 1, o fato de um aluno pertencer a uma escola especfica determina completamente o resultado que esse aluno ter numa dada avaliao. Portanto, caso essa avaliao esteja, por exemplo, sendo utilizada para se decidir quem entrar numa faculdade ou num emprego, os alunos azuis estaro em total vantagem em relao aos alunos vermelhos, visto que, nesta situao, a escola o nico agente responsvel pelo melhor ou pior resultado acadmico desses estudantes, ao mesmo tempo em que h, de fato, casos de escolas melhores (como a azul) e piores (como a vermelha).

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    Artigo

    1

  • 3. IlUSTrao 2: MxIMa IGUaldade edUCaCIonal (CCI = 0 oU 0%)

    vamos considerar um segundo caso, de mxima igualdade educacional.

    Grfico 2 MxiMa iGualdade educacional (cci = 0)

    Proficincia

    240

    220

    200 180 160 140 120 100

    Estudante 1 2 3 4 5 6

    Interpretao:

    neste segundo grfico, mantendo-se as mesmas convenes do caso anterior, pode-se perceber que:

    1) no existe variao extraescolar neste exemplo, porque as mdias das escolas so iguais entre si. (a mdia, geometricamente, pode ser definida como o ponto do meio de uma distribuio simtrica de valores, como a que ocorre para ambas as escolas nesse exemplo). dessa forma, para ambas as escolas, a mdia corresponde a 160 pontos, valor que tambm corresponde mdia geral. logo, no h variao entre as mdias escolares e a mdia geral.

    2) Por outro lado, agora existe uma variao intraescolar, visto que, dentro de cada escola, h alunos obtendo notas diferentes, que podem ser maiores, iguais ou menores do que as mdias de suas respectivas escolas.

    Clculo do CCI na Ilustrao 2:

    como, neste caso, a variao intraescolar assume um valor no-nulo, ao mesmo tempo em que a variao extraescolar vale zero, substituindo esses valores na equao do coeficiente de correlao intraclasse, obtemos:

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    Artigo

    1

  • cci = 00/(00 + 2) = 0/(0+ 1) = 0

    Interpretao:

    na situao dada pelo Grfico 2, observa-se que, a princpio, o fato de o aluno pertencer a uma determinada escola, por si s, no nenhuma garantia de que ele estar abaixo ou acima da mdia geral observada. ambas as escolas tm a mesma mdia, e o que distingue um aluno de todos os demais (de sua prpria escola ou da outra) o diferencial da nota desse aluno em relao mdia de sua escola, que igual mdia geral da amostra ou populao.

    dessa forma, o fato de um aluno pertencer a esta ou quela escola no representa nenhuma garantia de que o seu desempenho ser maior, menor ou igual ao dos demais alunos. esta seria, portanto, uma situao de perfeita igualdade educacional, o que, como veremos adiante, no , necessariamente, algo desejvel.

    4. IlUSTrao 3: SITUao realISTa de deSIGUaldade edUCaCIonal (0 < CCI < 1 oU UM CCI aCIMa de zero a aBaIxo de 100%)

    Grfico 3 siTuao RealisTa de desiGualdade educacional (0 < cci < 1 ou uM cci aciMa de ZeRo a aBaixo de 100%)

    Proficincia

    240

    220 200

    180 160 140 120

    100

    Estudante 1 2 3 4 5 6

    este grfico mostra o tipo de caso que, de modo geral, encontramos na prtica:

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    Artigo

    1

  • 1) possvel observar diferenas individuais entre os alunos dentro de uma mesma escola (portanto, a variao intraescolar no nula).

    2) ao mesmo tempo, tambm possvel observar diferenas entre as mdias das escolas (portanto, a variao extraescolar tambm existe, sendo igualmente no-nula).

    esses dois fatos fazem com que, ao se calcular o cci, o resultado obtido venha a se situar entre zero e um (ou entre zero e 100%).

    Interpretao:

    a situao descrita pelo Grfico 3 , como se comentou, um caso intermedirio entre a ocorrncia de uma situao de mxima desigualdade (ilustrao 1) e de outra de mxima igualdade (ilustrao 2).

    nessa terceira situao, quanto mais o valor do coeficiente se aproxima de 1 (ou, em termos percentuais, de 100%), mais as mdias escolares se afastam umas das outras e, portanto, mais desigual o sistema educacional em questo. inversamente, quanto mais o coeficiente se apro-xima de zero, mais prximas entre si esto as mdias das escolas, e mais igualitrio o sistema.

    5. a eQUIdade nUMa PerSPeCTIva CoMParaTIva InTernaCIonal: oS dadoS do PISa

    o Programa internacional de avaliao de alunos (Pisa), cujos resultados analisaremos nesta seo, , talvez, o mais conhecido dos atuais programas de avaliao educacional de mbito internacional. realizado pela organizao para a cooperao e o desenvolvimento econmicos (ocde), organismo multinacional sediado em Paris, Frana, e que congrega, grosso modo, os chamados pases desenvolvidos, dos quais so exemplos os estados unidos, canad, austrlia, Japo e os pases da europa ocidental, entre outros. apesar de no ser membro da ocde, o Brasil vem participando, como convidado, de todas as avaliaes do Pisa desde a edio de 2000.

    o Pisa avalia estudantes na faixa dos 15 anos, idade associada ao trmino da educao fun-damental em praticamente todos os pases do mundo. as avaliaes so amostrais por pas e ocorrem de trs em trs anos, sendo que, em cada edio, privilegiam uma rea especfica do conhecimento acadmico, tais como linguagem, Matemtica e cincias da natureza, entre outras.

    15

    Artigo

    1

  • o grfico a seguir apresenta a medida da variabilidade dos resultados de Matemtica obtidos na edio de 2003 do Pisa. possvel observar no grfico que cada pas est representado por uma barra, que pode se encontrar deslocada mais para a esquerda ou para a direita.

    Grfico 4 vaRiaes exTRa e inTRaescolaRes eM MaTeMTica, PoR Pas.

    423

    490

    534

    529

    466

    503

    506

    538

    422

    550

    516

    356

    542

    498

    536

    445

    527

    359

    360

    493

    417

    466

    468

    437

    385

    483

    524

    483

    523

    485

    527

    532

    503

    514

    490

    509

    495

    544

    515

    m

    Varincia total dentro das escolas

    Varincia dentro das escolas explicada pelo ndice de status econmico, social e cultural dos estudantes e das escolas

    Varincia total entre escolas

    Varincia entre escolas explicada pelo ndice de status econmico, social e cultural dos estudantes e das escolas

    Turquia

    Hungria

    Japo

    Blgica

    Itlia

    Alemanha

    ustria

    Holanda

    Uruguai

    Hong Kong (China)

    Repblica Checa

    Brasil

    Coria do Sul

    Eslovquia

    Liechtenstein

    Grcia

    Sua

    Tunsia

    Indonsia

    Luxemburgo

    Tailndia

    Portugal

    Federao Russa

    Srvia

    Mxico

    Estados Unidos

    Austrlia

    Letnia

    Nova Zelndia

    Espanha

    Macau (China)

    Canad

    Irlanda

    Dinamarca

    Polnia

    Sucia

    Noruega

    Finlndia

    Islndia

    Reino Unido 1

    Desempenho mdio na escala de

    matemtica100 80 60 40 20 0 20 40 60 80 100

    Varincia entre escolas Varincia dentro das escolas

    Mdia OCDE67,0

    Mdia OCDE

    33,6

    Fonte: Pisa, 2003.

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    Artigo

    1

  • a interpretao desse grfico relativamente simples: ele encontra-se dividido entre os lados esquerdo e direito por uma reta vertical central associada ao valor zero da escala, representada na parte superior do grfico. Para cada pas, a poro da barra que aparece esquerda dessa linha central corresponde proporo, ou, melhor dizendo, neste caso, ao percentual da variao dos resultados individuais dos alunos devida variao entre as mdias escolares. em outras palavras, o lado esquerdo da barra , portanto, uma medida da variao extraescolar de resultados dentro do respectivo pas.

    Por outro lado, direita da linha vertical central, encontra-se a variao de resultados asso-ciada s diferenas individuais dos alunos, ou seja, a poro direita da barra uma medida da variao intraescolar dos resultados, para manter a nomenclatura que empregamos no incio deste texto.1

    Para melhor interpretar o grfico, cabe atentar-se para duas de suas principais caracters-ticas: (a) a extenso total da barra representando cada pas (ou seja, seus lados esquerdo e direito somados) corresponde variabilidade total dos resultados de seus alunos e (b) conforme se viu pela definio do coeficiente de correlao intraclasse, pode-se dizer que, no grfico, o cci de cada pas o resultado da diviso do comprimento da parte esquerda da barra (variao extraescolar) pelo seu comprimento total (ou seja, pela variao total dos resultados dos alunos).

    algumas concluses importantes que se depreendem desse grfico so:

    1) entre os pases da ocde vistos como um todo, cerca de um tero (33%) das variaes totais de resultados observados entre os alunos avaliados deve-se a diferenas entre as mdias das escolas; por outro lado, os dois teros (67%) restantes dessas variaes so devidos aos resultados individuais dos alunos dentro de suas respectivas escolas.

    2) Percebe-se diferenas internacionais considerveis quanto variabilidade total dos resultados educacionais, algo que se pode mensurar pelas extenses totais das barras representando cada pas. desse modo, pases como, por exemplo, a Turquia, a Hungria e mesmo o Brasil apresentam variaes totais de resultados consideravelmente maiores do que os resultados mdios da ocde, conforme se pode observar pela maior extenso de suas respectivas variaes totais. Por outro lado, h tambm pases com variaes consideravel-mente menores, como o Mxico, Tunsia, indonsia e outros, cujas barras apresentam uma extenso consideravelmente menor do que a mdia da ocde.

    1 Pode-se tambm observar, no grfico, que, em cada um dos lados da barra associada a um determinado pas, existem barras menores e representadas por tons mais fortes de gren (lado esquerdo) e de cinza (lado direito). essas barras escuras representam a proporo da variabilidade que explicada pelo status socioeconmico dos alunos, ou seja, elas representam a variao de resultados acadmicos associada variao de sua condio socioeconmica. entretanto, no presente artigo, no estaremos nos referindo especificamente a esta questo.

    17

    Artigo

    1

  • entretanto, cabe tambm dizer que essas variaes, para mais ou para menos, dizem res-peito especificamente variabilidade dos resultados dos alunos, e no eficcia do ensino, a qual pode ser estimada, por exemplo, atravs das mdias nacionais obtidas na prova em questo. o que se quer dizer com isso que o estudo sobre a equidade, sozinho, no capaz de nos dizer tudo sobre o grau de avano educacional em que um pas ou regio se encontra. um grande nvel de equidade pode vir a ser algo ruim quando esse nivelamento se d por baixo, ou seja, quando, a uma grande medida de igualdade, se associa tambm uma baixa medida de eficcia.

    3) observa-se tambm uma grande diferena entre os pases no que diz respeito desigual-dade educacional, que, grosso modo, tanto maior quanto maiores so as suas variaes extraescolares ou seja, quanto maior o lado esquerdo de suas respectivas barras. o prprio arranjo das barras no grfico, que esto dispostas de cima para baixo em ordem decrescente de variao extraescolar, j nos permite ter uma ideia bastante clara dessas diferenas internacionais. Pelo grfico, portanto, observa-se que pases como a Turquia, Hungria, Japo, Blgica, itlia e alemanha, entre outros, apresentam fortes nveis de desigualdade: neles, as variaes extraescolares so elevadas, e os ccis giram em torno de 50% ou mais, indicando, portanto, que nas provas do Pisa, cerca de 50% ou mais da variao dos resultados obser-vados entre os alunos deveu-se a variaes entre as mdias de suas respectivas escolas. curioso observar, portanto, que, ao contrrio do que talvez o senso comum possa levar a pensar, situaes de elevada desigualdade educacional podem, conforme se v nestes casos, coexistir com padres socioeconmicos relativamente elevados dos pases.

    4) Por outro lado, na extremidade inferior do grfico, observam-se pases com um elevado nvel de igualdade educacional, devido ao fato de suas respectivas variaes extraesco-lares serem bastante baixas. em outras palavras, pode-se dizer aqui que as variaes de desempenho observadas entre os alunos deveram-se quase que exclusivamente ao prprio desempenho individual dos estudantes, e no s escolas especficas por eles frequentadas, visto que as mdias das escolas esto muito prximas umas das outras. observando-se os pases mais igualitrios que aparecem nessa extremidade inferior do grfico, percebe-se que esse grupo tende a ser dominado pelos pases nrdicos (islndia, Finlndia, noruega, sucia e dinamarca), alm de determinados pases da europa ocidental (Reino unido, irlanda e espanha), entre outros.

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    Artigo

    1

  • 6. a eQUIdade nUMa PerSPeCTIva CoMParaTIva naCIonal: oS dadoS daS avalIaeS daS redeS eSTadUaIS de enSIno no BraSIl

    no Brasil, particularmente nas duas ltimas dcadas, tem crescido acentuadamente o mo-vimento, por parte dos estados da federao, de implementao dos seus prprios sistemas de avaliao educacional, voltados principalmente para a mensurao da proficincia nas escolas de suas respectivas redes. alm disso, um nmero considervel de escolas municipais e particulares tambm vm aderindo a essas iniciativas, de modo que os sistemas estaduais passam a avaliar tambm escolas pertencentes a outras redes de ensino.

    Muitas vezes, para a efetivao das atividades avaliativas, esses sistemas estaduais con-tratam empresas especializadas na realizao de avaliaes educacionais em larga escala, sendo, por exemplo, a Fundao cesgranrio uma das pioneiras no Brasil neste setor. em anos recentes, outra instituio vem se destacando nacionalmente na rea de avaliao de sistemas estaduais de educao, o centro de Polticas Pblicas e avaliao da educao (caed) da universidade Federal de Juiz de Fora (uFJF), em Minas Gerais, o qual tem firmado convnio com um grande nmeros de secretarias de educao de estados brasileiros. em 2010, o caed realizou avaliaes censitrias nas Redes estaduais de ensino do acre, cear, esprito santo, Minas Gerais, Pernambuco, Rio de Janeiro e Rio Grande do sul. de modo geral, nessas avaliaes so aplicados testes de lngua Portuguesa e de Matemtica aos alunos matriculados nos anos finais dos principais ciclos da escolarizao bsica, como o 5 e o 9 anos (respectivamente 4 e 8 sries) do ensino Fundamental e a 3 ano (3 srie) do ensino Mdio.

    a partir dos microdados dessas avaliaes, foi possvel, para fins de investigao do tema da desigualdade abordado neste texto, elaborar algumas anlises acerca do coeficiente de correlao intraclasse presente nos resultados de Matemtica do 9 ano do ensino Funda-mental em seis dos estados acima mencionados, que no sero identificados. a Tabela 1, a seguir, apresenta os principais dados desses estados:

    Tabela 1 nMeRo de alunos e de escolas esTaduais avaliadas eM MaTeMTica (9 ano eF) eM 2010, PoR Rede esTadual de educao.

    ESTADO ALUNOS ESCOLAS

    ESTADO 4 169316 2768

    ESTADO 5 58356 1089

    ESTADO 6 14983 278

    ESTADO 2 52901 748

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  • ESTADO ALUNOS ESCOLAS

    ESTADO 3 32190 332

    ESTADO 1 6939 122

    TOTAL 334685 5337

    Fonte: CAEd, 2011.

    a escolha da Matemtica e do ano especfico (9 ano do ensino Fundamental) se justifica, no presente trabalho, para fins de se obter uma maior comparabilidade com os resultados internacionais j apresentados acerca do Pisa, visto que, alm do Pisa 2003 ter investigado o desempenho em Matemtica, os alunos nele avaliados, pela sua idade (15 anos) corres-pondem, em geral, aos alunos matriculados no 9 ano do ensino Fundamental no Brasil.

    outro ponto que facilita a comparabilidade entre esses diferentes programas o fato de que o estudo da variabilidade de resultados educacionais no depende da escala de Proficincia adotada (como o caso das diferentes escalas de Matemtica do Pisa e do saeb, sendo que esta ltima foi adotada em todas as avaliaes estaduais brasileiras aqui referidas). isto ocorre porque possvel expressar uma escala de Proficincia como uma transformao linear da outra, de modo que as variaes dos resultados, expressas como propores ou percentuais das variaes gerais, no dependem do sistema de pontuao adotado por esta ou aquela escala.

    Por outro lado, no se pode dizer com isso que os resultados do Pisa, vistos acima, sejam plenamente comparveis aos dos estados avaliados pelo caed, havendo diversas razes relevantes para isso. Primeiro, os dados do Pisa so amostrais e possuem representatividade nacional; por outro lado, nas avaliaes estaduais feitas pelo caed, os dados so censitrios. alm disso, no se pode, naturalmente, usar uma coleo aparentemente aleatria de dados estaduais para representar, de modo ponderado, a totalidade nacional.

    em segundo lugar, h tambm o problema da populao-alvo dos testes: no Pisa, so os alunos de 15 anos de idade em cada pas considerado, independentemente da srie que esto frequentando. Portanto, no Pisa, perfeitamente possvel que alunos de sries diferentes faam uma mesma prova, algo que ocorre, por exemplo, no caso de alunos de 15 anos que esto frequentando sries defasadas para sua respectiva idade, em decorrncia da repetncia escolar. Por outro lado, nas avaliaes estaduais brasileiras, a populao-alvo so, neste caso, os alunos matriculados no 9 ano do ensino Fundamental, independentemente de sua idade.

    em terceiro lugar, cabe tambm mencionar que os dados do Pisa, por serem representativos de todo um pas, so calculados com base em testes aplicados a todas as redes de ensino existentes no pas em questo (Redes estaduais, Municipais e Particulares), ao passo que, nas avaliaes estaduais que consideramos, os dados referem-se somente s Redes estaduais de ensino.

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  • disso se depreende que, mantendo-se constantes todos os demais fatores, de se esperar obtermos, para os estados brasileiros, coeficientes de correlao intraclasse menores do que os obtidos com os dados do Pisa, visto que, neste ltimo caso, a populao mais heterognea, o que implica maiores disparidades entre as mdias escolares e, portanto, maiores valores de cci nesses casos.

    apresentamos, a seguir, os valores de cci obtidos para a Matemtica do 9 ano do ensino Fundamental nos seis estados considerados:

    Tabela 2 coeFicienTes de coRRelao inTeRna eM MaTeMTica (9 ano eF) PoR Rede esTadual de educao eM 2010.

    ESTADO CCI

    ESTADO 1 7,9

    ESTADO 3 9,5

    ESTADO 6 13,6

    ESTADO 4 16,5

    ESTADO 2 10,5

    ESTADO 5 14,0

    Fonte: CAEd, 2011.

    algumas concluses que se podem tirar desses valores so:

    os coeficientes de correlao intraclasse so consideravelmente menores para os dados das avaliaes das Redes estaduais (variam de 7,9 a 16,5%), quando comparadas com o cci do Brasil como um todo na avaliao do Pisa, conforme se previu pelo fato de os dados do Pisa envolverem tambm redes diferentes das estaduais.

    H uma variao considervel entre os estados analisados quanto ao coeficiente de correlao intraclasse, com o esTado 1 apresentando o menor cci (7,9%) e o esTado 4, o maior (16,5%).

    conclui-se, portanto, que a Rede estadual do esTado 1 caracteriza-se por uma grande homo-geneidade (equidade) dos resultados escolares, conforme mensurados por suas respectivas mdias de proficincia. entretanto, conforme j mencionado, sozinha, uma maior equidade no chega a ser um indcio de um ensino de maior qualidade. Para que isto acontea, preciso que, maior equidade, estejam associados tambm melhores resultados. caso contrrio, o que se tem um nivelamento por baixo (como observado no esTado 1, o que se pode ver pela sua baixa mdia de proficincia), conforme evidenciada na tabela e no grfico a seguir, que expressam as mdias de todas as Redes estaduais consideradas por essas avaliaes:

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  • Tabela 3 Mdias de MaTeMTica (9 ano eF) PoR Rede esTadual de educao eM 2010.

    ESTADO MDIA

    ESTADO 4 268,9

    ESTADO 6 247,2

    ESTADO 3 235,7

    ESTADO 5 234,8

    ESTADO 2 229,9

    ESTADO 1 229,7

    Fonte: CAEd, 2011.

    Grfico 5 Mdias de MaTeMTica (9 ano eF) PoR Rede esTadual de educao eM 2010.

    Fonte: CAEd, 2011.

    Por outro lado, o esTado 4 o que apresentou uma maior heterogeneidade dos resultados escolares: nele, cerca de um sexto das diferenas de resultados observadas entre os alunos deveu-se a diferenas entre as mdias de suas respectivas escolas.

    alm disso, como mostra o Grfico 6 a seguir, parece haver, nos estados investigados, uma notvel associao positiva entre proficincia e desigualdade. neste grfico, por exemplo, o esTado 4 o ponto da extremidade superior direita (maior desempenho mdio e maior desigualdade), ao passo que, no canto esquerdo do grfico (menores mdias de Matemtica), situam-se tambm os casos mais igualitrios (menores ccis).

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  • alm disso, a informao no grfico, de que o valor do R quadrado da regresso linear (R Sq Linear) do cci sobre a proficincia mdia vale 0,672, significa que a proficincia mdia explica aproximadamente dois teros das variaes de cci encontradas nessa amostra de estados, o que um valor consideravelmente elevado.2

    Grfico 6 associao enTRe Mdias de PRoFicincia e coeFicienTes de coRRelao inTRaclasse eM MaTeMTica (9 ano eF) PoR Rede esTadual de educao eM 2010.

    7. IMPlICaeS Para PolTICaS PBlICaS

    as informaes obtidas com essa anlise permitem algumas observaes relevantes. Primeiro, que as Redes estaduais de educao brasileira parecem se constituir em sistemas consideravel-mente homogneos, pois o que distingue o desempenho individual dos alunos (para mais ou para menos) mais o diferencial entre o desempenho desses alunos em relao s mdias de suas respectivas escolas, e nem tanto as mdias dessas escolas em relao mdia da populao.

    Paralelamente a essa relativa homogeneidade de resultados, tambm se percebe que os sistemas mais homogneos so tambm os menos eficazes, visto que, aos maiores casos de igualdade (menores valores de cci), associam-se os piores resultados (menores mdias). Portanto, um ponto a que os gestores dos sistemas estaduais tm que se atentar para o

    2 embora, para ponderar essa afirmativa, deve-se argumentar que regresses feitas com um nmero pequeno de casos como a deste exemplo tendem a apresentar valores maiores de R quadrado.

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  • chamado nivelamento por baixo, pelo qual a igualdade conseguida juntamente com a ineficincia, o que, certamente, no interessante para ningum.

    esta ltima constatao permite tambm que se perceba que h variaes considerveis de desempenho e de equidade entre os estados. Portanto, um ponto interessante, para fins de investigao, determinar possveis modos de aumentar a eficcia do ensino ao mesmo tempo em que se conserve baixa a desigualdade escolar. conseguir esse duplo objetivo deve ser, sem dvida, uma das metas prioritrias das administraes educacionais de todos estados da federao.

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  • refernCIaS BIBlIoGrfICaS

    BRYK, a. s.; RaudenBusH, s. W. Hierarchical linear models: applications and data analysis methods. newbury Park: saGe, 2002.

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    _____. Boletim de resultados: SAERJ 2010. Juiz de Fora: caed, 2011.

    _____. Boletim de resultados: SAERS 2010. Juiz de Fora: caed, 2011.

    _____. Boletim de resultados: SEAPE 2010. Juiz de Fora: caed, 2011.

    _____. Boletim de resultados: SIMAVE 2010. Juiz de Fora: caed, 2011.

    _____. Boletim de resultados: SPAECE 2010. Juiz de Fora: caed, 2011.

    oconnell, a. a; MccoacH, d. B. (ed.) Multilevel modeling of educational data. charlotte: information age Publishing, 2008.

    organizao PaRa a cooPeRao e o desenvolviMenTo econMicos ocde. apren-dendo Para o Mundo de amanh: Primeiros Resultados do Pisa 2003. disponvel em: http://books.google.com.br/books/about/aprendendo_para_o_mundo_de_amanh%c3%a3_prime.html?id=aguom5v4eeqc&redir_esc=y. (acessado em 18 de agosto de 2009).

    sinGeR, J. d.; WilleTT, J. B. Applied longitudinal data analysis: modeling change and event occurrence. new York: oxford university Press, 2003.

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    arTIGo 2

    avalIao eM larGa eSCala e PrTICaS de alfaBeTIzao: UMa relao CoMPleMenTar

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    InTrodUoo objetivo deste texto desenvolver algumas reflexes sobre as relaes entre as avaliaes em larga escala e processos de ensino-apren-dizagem no campo da alfabetizao e do le-tramento em lngua materna e Matemtica. em outras palavras, buscamos compreender de que maneira essa modalidade avaliativa pode influenciar as prticas de alfabetizao.

    essas reflexes se justificam uma vez que se constata, atualmente, como um grande desafio a aquisio da leitura e da escrita e dos conhecimentos matemticos iniciais. alm disso, a avaliao em larga escala um meio pelo qual as lacunas no ensino, nesse caso da alfabetizao, podem ser diagnos-ticadas. dessa forma, apropriado pensar como essas avaliaes podem influenciar o campo do ensino e da aprendizagem, j que elas verificam quais so, especifica-mente, as necessidades dos sistemas, em uma viso macro; fato que pode auxiliar a implementao de aes para a mudana de uma realidade educacional.

    sabemos que, nos dias atuais, so garanti-dos os direitos de acesso e permanncia de crianas, jovens e adultos na escola, confor-me determinam os artigos da constituio e a lei de diretrizes e Bases da educao nacional, n 9394/96. no entanto, esse aces-so ainda no se traduz, na realidade educa-cional brasileira, em efetiva aprendizagem, o que desafia professores, sistemas de ensino e pesquisadores da rea. ao diagnosticar e divulgar lacunas na aprendizagem, as ava-liaes em larga escala contribuem para assegurar o direito que os cidados tm a

    uma educao de qualidade, alm do acesso e da permanncia na escola.

    Para cumprir o objetivo proposto neste texto, inicialmente apresentamos alguns dados que permitem dimensionar os desafios enfrentados pelos sistemas de ensino na tarefa de democratizar o acesso de crianas e jovens aos conhecimentos sistematizados e garantir a permanncia desses sujeitos na escola com sucesso. em seguida, discutimos os progressos e os desafios contemporneos na rea da alfabetizao e do letramento.

    na sequncia das discusses, destacamos o papel das avaliaes em larga escala da alfabetizao inicial, focalizando a de mbito nacional (Provinha Brasil), a qual contribui para a promoo do debate sobre a alfabetizao a partir de novos enquadramentos, que do pu-blicidade a ideia de que diferentes habilidades cognitivas esto envolvidas nesse processo. nessa parte, so citados ainda, como exemplo, dois programas estaduais de avaliao.

    Finalmente, apresentamos as relaes entre alfabetizao e avaliao em larga escala. nessa ltima seo, o foco so as prticas pedaggicas que se desenvolvem no con-texto escolar, ao ser enfatizado o papel das escolas e dos professores na implementao de aes eficazes, que favorecem a apropria-o dos conhecimentos sistematizados nas avaliaes, atravs das habilidades elenca-das como necessrias apropriao da ln-gua materna e do conhecimento matemtico. so ainda sugeridas, aos docentes, algumas possibilidades de intervenes pedaggicas.

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    1. o dIreITo de aPrender: dIMenSIonando o deSafIo noS anoS InICIaIS de eSColarIzao

    a constatao de que boa parcela dos estudantes no tem desenvolvido habilidades bsicas de leitura e de raciocnio lgico matemtico, ao concluir os anos iniciais do ensino Funda-mental, trouxe, cena do debate educacional, questes ligadas alfabetizao, motivando questionamentos acerca da eficcia da escola na apropriao da lngua escrita e do cdigo matemtico. Para compreender os fatores envolvidos nesses questionamentos necessrio reportar a alguns aspectos histricos do processo de democratizao da educao no Brasil, especificamente no que se refere ao ensino e aprendizagem da lngua materna.

    na realidade brasileira, a alfabetizao passa a se constituir como um desafio aos sistemas educacionais medida que se democratiza o acesso ao ensino Fundamental, a partir da dcada de 1970. a chegada dos estudantes das classes populares a uma escola pblica referenciada por valores e atitudes de classes sociais mais privilegiadas desnuda as difi-culdades dessa escola em lidar com seu novo pblico, especialmente no que concerne ao ensino/aprendizagem da lngua materna. na tentativa de explicar as dificuldades encontra-das pelos estudantes das classes populares em lograrem sucesso em suas aprendizagens escolares erigiram-se diferentes explicaes, que variaram em apontar, como causa desse insucesso, desde a condio cultural desfavorvel dos estudantes at s limitaes dos mtodos de alfabetizao utilizados pelas escolas e das prticas pedaggicas implementadas pelos docentes.

    de qualquer forma, o reconhecimento da importncia de garantir o acesso escola s crianas brasileiras em tenra idade levou promulgao da lei 11.274/2006, que estende o ensino Fundamental de oito para nove anos, prevendo a insero das crianas de seis anos nessa etapa da educao Bsica. o intuito da referida lei garantir mais um ano de escolaridade obrigatria s crianas brasileiras aumentando, portanto, suas chances de lograrem sucesso em sua trajetria acadmica. a insero das crianas de seis anos no ensino Fundamen-tal teria, ainda, o objetivo de assegurar investimentos pedaggicos mais concentrados no processo de alfabetizao, de modo que, ao trmino do 3 ano da escolarizao bsica, os estudantes estivessem aptos a interagir, por exemplo, com diferentes gneros textuais, condio importante para um prosseguimento do processo de escolarizao.

    dados obtidos a partir de estudos longitudinais, como o projeto Geres estudo longitudinal sobre qualidade e equidade no ensino Fundamental Brasileiro, que acompanhou um mesmo grupo de estudantes ao longo de um perodo de sua escolarizao, e de avaliaes em larga escala, tm demonstrado que os primeiros anos na escola so aqueles nos quais os estu-dantes obtm avanos mais significativos em sua proficincia, tanto em lngua Portuguesa

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    quanto em Matemtica. embora os ganhos em termos de desenvolvimento de habilidades cognitivas envolvidas nessas reas do conhecimento permaneam em etapas posteriores do processo de escolarizao, eles acontecem num ritmo mais lento. isso indica a necessidade de investimentos consistentes nos primeiros anos da vida escolar, de modo a assegurar esses ganhos a todos os estudantes. nesse sentido, as avaliaes em larga escala tm de-sempenhado o importante papel de oferecer subsdios para a definio desses investimentos.

    de acordo com os dados do censo escolar, esses trs primeiros anos de escolaridade (ciclo de alfabetizao), no entanto, ainda representam um funil que concorre para a construo de um quadro de distoro entre a escolaridade esperada e aquela efetivamente percebida entre os estudantes. segundo esses dados, em 2011, 2,1% dos estudantes foram reprovados no 1 ano do ensino Fundamental; 6,7% foram reprovados no 2 ano e 11,4% no 3 ano (antiga 2 srie), ltima etapa do ciclo de alfabetizao. somados os trs anos que compem esse ciclo, tem-se um total de 20,2% de reprovaes nos anos iniciais do ensino Fundamental; essa taxa menor se comparada a 2010, onde os ndices, dos trs anos, totalizaram 23,9%. cabe destacar que esse percentual no se distribui igualmente entre criana de diferentes camadas sociais, concentrando-se fortemente nas camadas mais pobres da populao. Tambm h grandes disparidades entre as regies e estados da federao, sendo as regies norte e nordeste aquelas que exibem situaes mais preocupantes. observamos, portanto, que h escolas que ainda apresentam taxas diferenciadas de rendimentos e que no so igualmente eficazes para todas as crianas.

    Muitos so os fatores, intra e extraescolares, que corroboram para a construo desse cenrio. desigualdade na distribuio de renda, que repercute em menor acesso de alguns segmentos da sociedade a bens culturais e na persistncia do quadro de trabalho infantil, por exemplo, um fator que no pode ser desconsiderado quando sevolta o olhar para a educao brasileira, mais especificamente para a questo da alfabetizao. no entanto, apesar do grau de complexidade desse quadro, importante pensarmos no papel e na funo da escola como viade promoo de condies mais equnimes de acesso e permanncia dos estudantes nos sistemas de ensino com sucesso, ou seja, aprendendo efetivamente.

    com relao qualidade do ensino ofertado nessa etapa, podemos perceber uma progressiva queda das taxas de analfabetismo no Brasil entre a populao com 15 anos ou mais. como destaca naoe (2012):

    somos 14 milhes de analfabetos, segundo o iBGe. desses, a maior parte se encontra na regio nordeste, em municpios com at 50 mil habitantes, na populao com mais de 15 anos, entre negros e pardos e na zona rural, ou seja, encontra-se na populao historicamente marginalizada. o censo relativo ao ano de 2010 revela uma reduo de 29% em relao aos nmeros apresentados em 2000, mas ainda insatisfatria, especialmente, quando conside-rados os critrios utilizados pelo iBGe. Hoje, considerada alfabetizada a pessoa capaz de ler e escrever um bilhete simples. (naoe, 2012).

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    apesar dessa queda percentual, verificada em 2010, a quantidade de pessoas na faixa etria

    dos 15 anos ou mais consideradas analfabetas ainda bastante significativa, chegando a 14

    milhes de pessoas, como exposto acima. esse nmero indica que os sistemas de ensino ainda

    no conseguiram superar o desafio de democratizar o acesso leitura e escrita entre os alunos.

    como se pode perceber, garantir acesso e permanncia aos estudantes no garante que, de fato, todos aprendam o cdigo escrito e as habilidades matemticas com qualidade, sendo capazes de utiliz-los nos diferentes contextos sociais. assim, uma escola comprometida com a promoo da equidade e da qualidade deve promover o acesso leitura, a escrita e aos conhecimentos lgico-matemticos, com vistas criao de condies para que os sujeitos possam transitar por esferas mais amplas da vida social. Para isso, a democratizao do acesso escola deve, necessariamente, implicar a democratizao do acesso ao conhecimento sistematizado, sendo esse o desafio que se coloca como premente aos sistemas de ensino.

    2. ConCePeS SoBre alfaBeTIzao e leTraMenTo

    o objetivo desta seo oferecer subsdios tericos sobre alfabetizao e letramento, a fim de que seus desafios e suas relaes com as avaliaes externas possam ser compreendidos. como se pode notar, na seo anterior, o entendimento acerca da democratizao do ensino e a constatao de que h um grande desafio na promoo da educao de qualidade, foram necessrios para a reflexo sobre a alfabetizao dos estudantes.

    um dos primeiros critrios para definir o analfabetismo considerava alfabetizado o indivduo que sabia escrever seu nome. no entanto, as demandas do mundo moderno que exigem, cada vez mais, o domnio de diferentes prticas de leitura e escrita, fez com que esse conceito se ampliasse. dessa forma, atualmente, de acordo com padres definidos internacionalmente, considera-se analfabeta uma pessoa que no sabe ler ou escrever um bilhete simples, o que indica que o conceito de analfabetismo no diz respeito apenas a habilidades de codificao e decodificao da escrita, mas se refere a uma apropriao desta para fazer frente a uma demanda elementar do cotidiano: a leitura de um bilhete. essa definio difere da anterior, a partir da qual um indivduo que l e escreve o prprio nome considerado alfabetizado, sendo bastante restrita por no considerar a utilizao da escrita e da leitura em esferas mais amplas da vida social.

    essa mudana na concepo de indivduo alfabetizado , em grande parte, consequncia das exigncias no ensino da lngua materna. atualmente, o foco das prticas pedaggicas, na disciplina de lngua Portuguesa, o trabalho com diversos gneros textuais, ao invs da

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    preocupao com a escolha de um melhor mtodo para alfabetizar. no campo da alfabeti-zao Matemtica, as mudanas de concepes tambm foram visveis ao longo do tempo. atualmente, considera-se importante a associao dos conhecimentos matemticos com o cotidiano dos estudantes, o dilogo constante e a resoluo de problemas que vo alm do simples clculo mecnico. aprender Matemtica significa transpor a aquisio de cdigos e a memorizao de clculos e formas, e utilizar os conhecimentos nas diferentes esferas sociais.

    essas mudanas de concepo e de prticas, em ambas as disciplinas, traduzem o conceito de letramento que complementam os processos de aquisio do cdigo escrito e matem-tico. o termo letramento, diz respeito no apenas a aprendizagem de um cdigo, mas ao uso desse cdigo nas diversas esferas sociais. segundo Tfouni (2006), o letramento, em lngua Portuguesa, refere-se capacidade de utilizar conhecimentos relativos linguagem escrita nas prticas sociais cotidianas. o letramento matemtico, de acordo com relatrio Pisa 2000 citado por Gonalves (s.d), a habilidade de um indivduo identificar e entender o papel da Matemtica no mundo, realizando julgamentos matemticos bem fundamentados e empregando o conhecimento de forma que satisfaa s necessidades da vida.

    Para entender essa mudana de paradigmas, torna-se necessrio compreender alguns aspectos histricos da alfabetizao, em especial no que se refere aquisio da linguagem escrita. durante muito tempo, os avanos na rea da alfabetizao se restringiam a escolha de um possvel melhor mtodo para alfabetizar, como j dito anteriormente. nessa poca, que antecede os anos 80 do sculo xx, os debates em torno dos mtodos de alfabetizao mobilizaram, de um lado, os defensores das perspectivas sintticas metodologias que vo da parte (fonema, slaba) ao todo (o texto) e, de outro, aqueles que defendiam as metodologias de base analtica que vo do todo (texto, orao) s partes (slabas, fonemas). Tais debates focalizavam, prioritariamente, os processos de ensino, reduzindo a questo da alfabetizao dimenso do como ensinar a lngua escrita e dimenso lingustica desse processo.

    a partir de meados da dcada de 1980, a chegada realidade brasileira dos estudos de emlia Ferreiro, que evidenciavam o papel ativo do alfabetizando no processo de apropriao da lngua materna, deslocou o debate em torno da alfabetizao da dimenso do ensino para a dimenso da aprendizagem. embora os estudos da psicognese da lngua escrita desenvolvidos por Ferreiro e Teberosky (1985) tenham, muitas vezes, sido apropriados de forma equivocada pelas escolas, os mesmos contriburam para que se pensasse a alfabe-tizao a partir de novos paradigmas, os quais colocavam o alfabetizando e seus processos de formulao de hipteses sobre a lngua materna no centro dos debates. assiste-se a um deslocamento progressivo dos debates em torno da alfabetizao de uma perspectiva mecanicista, focada nos processos de aprendizagem do cdigo alfabtico, para uma pers-pectiva psicolgica, que enfatizava a ao criativa do alfabetizando sobre a lngua em seu processo de aprendizagem. nesse processo de mudana de paradigmas, medida que o alfabetizando e suas hipteses sobre a construo da lngua escrita passam a ser o foco de anlise da alfabetizao, a dimenso psicolgica desse processo acaba por se sobrepor

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    dimenso lingustica. ensino e aprendizagem permanecem desvinculados, como plos opostos que se negam mutuamente.

    soares (2004), ao refletir sobre essa perda de especificidade do processo de alfabetizao, ou desinveno do processo de alfabetizao, tambm ocorrido devido concepo de letramento, defende a ideia de que essa deseinveno uma das causas para as dificuldades enfrentadas pelas escolas brasileiras em promover a aprendizagem da lngua escrita pelos estudantes. a autora alerta para o fato de que o reconhecimento do papel ativo do alfabeti-zando em seu processo de construo de hipteses sobre o funcionamento do sistema de representao e o uso de diversos gneros textuais na sala de aula no deve obscurecer o fato de que existe uma dimenso lingustica desse processo que requer ensino sistemtico.

    dados de pesquisas recentes sobre a prtica de professores nas salas de aula apontam para distores que apropriaes equivocadas dos princpios construtivistas e do letramento tm causado nas prticas docentes, com repercusses nas aprendizagens dos estudantes. Morais (2011) relata os resultados das pesquisas de Monteiro, Mamede e cunha, realizadas em 2003 e 2004, que apresentam como dado comum a constatao de que a concepo de erro construtivo trazida pelos estudos de Ferreiro e Teberosky (1985) tm se traduzido, nas prticas docentes, numa ausncia de interveno dos professores com relao aos erros de escrita cometidos por seus estudantes. da mesma forma, o uso de gneros textuais nas aulas de lngua Portuguesa, muitas vezes, no est associado s atividades de sistemati-zao do cdigo escrito.

    corroborando a necessria interveno dos professores nos processos de aprendizagem inicial da lngua escrita pelos estudantes, albuquerque, Morais e Ferreira (2006) constatam, em pesquisa realizada com professores alfabetizadores do estado de Pernambuco, que existe estreita relao entre ensino sistemtico voltado reflexo sobre as propriedades da notao alfabtica e a eficcia no processo de alfabetizao dos estudantes das turmas pesquisadas.

    esses dados apontam para o fato de que embora as crianas estejam envolvidas, desde muito cedo, em situaes nas quais a leitura e a escrita esto presentes e tenham, com relao a esses objetos culturais, curiosidades que as levam a formular hipteses sobre como eles se organizam, a apropriao do sistema de representao, que a escrita, requer a interveno de mediadores informados os professores que saibam orientar suas aes de modo a intervir, no processo de formulao de hipteses que os estudantes vivenciam ativamente.

    Para que haja sucesso nesse processo de aquisio do cdigo, os primeiros anos de escola-rizao so muito importantes, no apenas porque marcam as primeiras experincias dos estudantes com o universo escolar, mas tambm porque as crianas encontram-se em um momento especialmente propcio ao desenvolvimento de habilidades cognitivas fundamentais.

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    dessa forma, a escola necessita ter claramente definidas as metas que pretende alcanar e refletir como esses objetivos podem ser alcanados, considerando as especificidades de cada momento do processo de desenvolvimento de seus estudantes. no que concerne especificamente ao processo de alfabetizao, necessrio conhecer como esse processo vivido pelas crianas das diferentes faixas etrias que compem os trs anos do ciclo de alfabetizao (1, 2 e 3 anos do ensino Fundamental), sem a perspectiva de uma antecipao de contedos, mas considerando o modo como a leitura, a escrita e as experincias com o conhecimento lgico matemtico podem se inserir nas vivncias cotidianas das crianas de seis, sete e oito anos. em outras palavras, as prticas de letramento devem estar associadas s vivncias dos estudantes.

    3. aS avalIaeS eM larGa eSCala de alfaBeTIzao

    os avanos na avaliao educacional so bem recentes no Brasil e em outros pases. somente a partir das dcadas de 1980 e 1990 foram aparentes as mudanas verificadas nessa rea. esses avanos tiveram como base o princpio da educabilidade, que defendia a ideia de que todos os estudantes eram capazes de aprender. Foi a partir desse princpio que surgiram as avaliaes formativas no contexto da sala de aula. at ento, as avaliaes tradicionais e classificatrias aprofundavam as desigualdades existentes dentro da escola e contribuam para um processo de distines, focado apenas no produto final. as avaliaes formativas, por outro lado, preocupavam-se com o desenvolvimento do estudante e amenizaram essas lacunas, j que tinham seu foco no processo de aprendizagem.

    Paralelo, e em complementaridade, s avaliaes internas realizadas no mbito escolar, inauguraram-se, tambm nos anos 1980, as avaliaes diagnsticas de larga escala. essas avaliaes visam diagnosticar a qualidade dos servios educacionais prestados sociedade.

    cada uma dessas modalidades de avaliao apresenta seus prprios instrumentos, sua metodologia e seus objetivos. enquanto a avaliao interna escola permite um acom-panhamento individualizado da aprendizagem de cada estudante ao longo do ano letivo, as avaliaes em larga escala configuram uma perspectiva mais ampla, diagnosticando o desempenho escolar de um grupo, para ento serem tomadas providncias em busca de uma realidade educacional mais equnime e de qualidade.

    a primeira etapa de um processo de avaliao em larga escala a definio de uma Matriz de Referncia para avaliao, que subsidia a elaborao dos itens que compem os testes.

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    as Matrizes de Referncia so um recorte da matriz curricular. nelas so descritas e apre-sentadas as habilidades ligadas a uma determinada rea de conhecimento e que se pretende avaliar em diferentes momentos da trajetria escolar dos estudantes.

    no caso das avaliaes em alfabetizao de lngua Portuguesa, a elaborao das Matrizes de Referncia requer uma reflexo sobre as diferentes habilidades que devem ser desen-volvidas pelos alfabetizandos em seu processo de apropriao do sistema de representao que a lngua escrita. o Brasil no se dispe de modelos curriculares a serem adotados indistintamente pelas escolas e de prescries metodolgicas que direcionem a prtica pedaggica dos professores alfabetizadores. Tal perspectiva coerente com o fato de ter, no pas, realidades muito distintas nos diferentes sistemas de ensino e, ainda, trajetrias trilhadas pelos mesmos que no podem ser desconsideradas pela adoo de modelos curriculares com pretenses homogeneizantes. impem-se, ento, o desafio de, ao serem definidas Matrizes de Referncia para avaliao da alfabetizao, considerar as habilidades envolvidas no processo de apropriao da lngua escrita como sistema de representao, sem desconsiderar a alfabetizao como processo discursivo, a partir do qual o estudante se apropria desse sistema em situaes concretas de uso. no caso da leitura, situaes nas quais o alfabetizando se apropria das regularidades do sistema ao mesmo tempo em que busca sentido para sua atividade de leitura.

    nesse sentido, ao longo de seu processo de apropriao desse sistema de representao, o estudante precisa desenvolver uma srie de habilidades que lhe permitam responder, do ponto de vista cognitivo, a duas perguntas: como a escrita se organiza? Para que ela pode e deve ser usada?

    a primeira pergunta requer do alfabetizando a percepo de que a escrita no um desenho da fala, mas um sistema de signos a partir dos quais possvel representar os sons da fala. em geral as crianas chegam a essa percepo por sua insero num ambiente em que esto presentes materiais escritos e pessoas fazendo uso desses materiais em situaes sociais significativas, a partir da interveno de mediadores que as orientem e estejam disponveis para satisfazer s suas curiosidades.

    a resposta segunda pergunta para que ela pode e deve ser usada? nunca ser ple-namente respondida, pois medida que, ao longo da vida, h o envolvimento em variadas situaes que demandam diferentes habilidades de leitura, d-se a essa pergunta novas respostas. nos anos iniciais do processo de escolarizao a resposta a essa segunda per-gunta requer do alfabetizando o desenvolvimento de um conjunto de habilidades preciso saber: interagir com diferentes gneros textuais, reconhecer as especificidades dos mesmos, extrair deles informaes relevantes, inferir outras pela conjugao de informaes textuais e, dessas, com o conhecimento de mundo do leitor, identificar qual o assunto abordado no texto, dentre outras habilidades igualmente importantes. em geral, no processo de ensino essas habilidades so vivenciadas de forma integrada, compondo um conjunto que define

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    a capacidade de interagir com textos de diferentes graus de complexidade e com objetivos comunicativos distintos.

    no processo de elaborao de Matrizes de Referncia para avaliao da alfabetizao necessrio que cada uma dessas habilidades pelo menos aquelas passveis de se avaliar em testes em larga escala sejam descritas. Tal descrio contribui para dar visibilidade a essas habilidades, que muitas vezes no so percebidas em suas especificidades pelos professores alfabetizadores.

    ao definirem, em suas Matrizes de Referncia para avaliao, as habilidades envolvidas no processo de construo da leitura e da escrita e dos conhecimentos matemticos, as avalia-es em larga escala tm cumprido o relevante papel de oferecer subsdios s escolas para: a) identificar as diferentes dimenses envolvidas em processos cognitivos que, no cotidiano das salas de aula, ficam, muitas vezes, obscurecidos por metodologias de ensino que no necessariamente investem nessas habilidades; b) promover um diagnstico precoce de como os estudantes esto desenvolvendo tais habilidades ao longo do processo de escolarizao, e no apenas em sries de concluso das diferentes etapas (por exemplo, o 5 ano/4 srie ou 9 ano/8 srie); c) realizar intervenes pedaggicas qualificadas, capazes de promover situaes de ensino que conduzam s aprendizagens necessrias; d) estabelecer metas de aprendizagem para as diferentes etapas do processo de escolarizao e para um compro-metimento da ao docente com o alcance dessas metas.

    a Provinha Brasil, parte do sistema de avaliao da educao Bsica (saeb), aplicada desde 2008, um instrumento de avaliao diagnstica da alfabetizao que tem por objetivos os pontos destacados acima. Por essa razo, a provinha aplicada no incio e ao trmino do 2 ano de escolarizao. em suas primeiras edies, a Provinha avaliou apenas a leitura, em 2011 passou a avaliar, tambm, conhecimentos matemticos.

    na Matriz de Referncia para a avaliao de leitura da Provinha Brasil (anexo 1) encontram--se descritas habilidades ligadas: apropriao do sistema de escrita, que dizem respeito dimenso lingustica do reconhecimento dos princpios que organizam o sistema de escrita; leitura, enquanto processo de produo de sentidos para o que se l, e ao reconhecimento das funes sociais dos textos que circulam em diferentes esferas da vida social.

    na Matriz de Referncia para a avaliao da alfabetizao matemtica (anexo 2) encontram--se as habilidades ligadas: ao reconhecimento dos nmeros e operaes matemticas; geometria; s grandezas e medidas e s formas de tratar informaes veiculadas a partir de dados numricos.

    embora no devam ser tomadas como orientaes curriculares, pois estas ltimas devem ser mais abrangentes e englobar habilidades que no so passveis de avaliao em larga escala, as Matrizes de Referncia para avaliao descrevem habilidades fundamentais, que

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    precisam ser contempladas na alfabetizao inicial em lngua Portuguesa e Matemtica. Justamente pelo carter basilar das habilidades que descrevem, essas Matrizes tm dado suporte a trabalhos de pesquisa que focalizam as prticas alfabetizadoras dos docentes, buscando compreender como tais habilidades so contempladas por essas prticas e as repercusses disso no desempenho dos estudantes.

    Morais, leal e Pessoa (2011) realizaram uma pesquisa que analisa a recepo e o uso da Provinha Brasil em escolas de trs regies do estado de Pernambuco que obtiveram bom desempenho na avaliao. constataram que habilidades de compreenso e leitura avaliadas pela Provinha localizar informaes em textos, inferir informaes, reconhecer o assunto de um texto ainda so pouco exploradas pelos professores no cotidiano das classes de alfabetizao, dado que aponta para a importncia de que os resultados das avaliaes em larga escala sejam apropriados pelas escolas e pelos professores, e que deles decorram um movimento de reflexo sobre a prtica, no mbito da escola. esse movimento vem sendo implementado em muitos estados da federao, que tm encontrado, nas avaliaes em larga escala dessa fase da escolarizao, subsdios para reverter quadros de baixo desem-penho escolar a partir da implementao de polticas pblicas voltadas s especificidades desses estados.

    as avaliaes externas tm contribudo para dar visibilidade no apenas aos problemas que ainda persistem no que concerne alfabetizao, mas tambm a dimenses desse processo que estiveram, por um longo tempo, obscurecidas no debate educacional.

    soares (2004) destaca o papel que as avaliaes externas escola vm desempenhando, na realidade brasileira, de evidenciar os limites e lacunas do processo de formao de lei-tores nas diferentes etapas da educao Bsica, avaliadas tanto por programas de mbito internacional (Programa internacional de avaliao de estudantes - Pisa) como de mbito nacional (saeb) e estadual.

    ao diagnosticarem o baixo desempenho em leitura e em tarefas envolvendo o conhecimento matemtico de estudantes concluintes dos anos iniciais e finais do ensino Fundamental e do ensino Mdio, tais avaliaes apontaram, a partir da dcada de 1990 quando foi institudo o saeb a necessidade de se compreender como o processo de formao de sujeitos aptos a responder s demandas de uma sociedade letrada vem sendo conduzido em etapas mais precoces de escolarizao.

    em suma, as avaliaes em larga escala da alfabetizao tm cumprido o importante papel de dar visibilidade dimenso lingustica da alfabetizao ao descreverem, em suas Matrizes de Referncia, as diferentes habilidades envolvidas no processo de apropriao da lngua escrita. Tais habilidades se referem tanto quelas percepes iniciais, pelo alfabetizando, de como a lngua escrita funciona enquanto sistema de representao, quanto aos processos de produo de sentidos para a leitura e ao reconhecimento da funo social dos textos.

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    no que concerne ao desenvolvimento de habilidades lgico-matemticas, as avaliaes sinalizam, s escolas e aos professores, a necessidade de se expandir o trabalho com as crianas, desde os anos iniciais de escolarizao, para alm das prticas ligadas exclusiva-mente aritmtica, envolvendo diferentes dimenses do conhecimento lgico-matemtico.

    com vistas a ilustrar as discusses que se problematizam aqui, apresenta-se ao leitor as experincias de avaliao em larga escala da alfabetizao de dois estados: cear e Minas Gerais. dessa forma, ser possvel perceber as repercusses dessas avaliaes para o enfrentamento dos desafios da alfabetizao nesses estados. cabe ressaltar que a escolha dos exemplos se justifica na medida em que ambos foram pioneiros na introduo das avaliaes externas de alfabetizao.

    4. a avalIao da alfaBeTIzao no Cear

    a avaliao em larga escala da alfabetizao foi implementada no cear em 2007. o quadro do desempenho dos estudantes de vrios municpios cearenses nas avaliaes em larga escala do saeb era bastante adverso, fato que levou constatao de que muitos desses estudantes, ao trmino dos anos iniciais do ensino Fundamental, ainda no haviam desen-volvido habilidades bsicas de leitura. esse dado sinalizava a premncia de aes capazes de garantir o acompanhamento/monitoramento dos processos de ensino e aprendizagem da lngua escrita com vistas a intervenes precoces nesse processo, capazes de corrigir possveis distores. com o objetivo de atender a essa demanda foi criado, no mbito do programa de avaliao do estado, denominado sistema Permanente de avaliao do estado do cear (spaece), o spaece-alfa, vertente voltada exclusivamente avaliao da alfabeti-zao estudantes do 2 ano do ensino Fundamental de nove anos.

    a criao do spaece-alfa foi parte de um conjunto de aes implementadas pelo estado do cear com o objetivo de reverter o quadro de baixa proficincia dos estudantes do ensino Fundamental em leitura. o projeto no avalia os conhecimentos matemticos nessa etapa de escolaridade.

    no processo de elaborao da Matriz de Referncia do spaece-alfa buscou-se uma definio daquelas habilidades fundamentais ao processo de apropriao da escrita alfabtica que permitissem o prosseguimento dos estudantes em etapas posteriores do processo de esco-larizao com perspectivas de sucesso. da mesma forma que na Provinha Brasil, a Matriz do spaece-alfa (anexo 3) est organizada em dois eixos: eixo 1, apropriao do sistema de escrita e eixo 2, leitura. em seu conjunto, os descritores que compem a Matriz permitem mapear habilidades desenvolvidas pelos estudantes que concorrem para uma apropriao

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    da escrita alfabtica e para a capacidade de utiliz-la para interagir com textos de gneros diversos, compatveis com a etapa de escolarizao avaliada.

    no contexto do spaece-alfa, alm das aes de avaliao, foram implementadas pela secre-taria estadual de educao do cear, em parceria com o centro Polticas Pblicas e avaliao da educao da universidade Federal de Juiz de Fora (caed/uFJF), outras estratgias, voltadas divulgao dos resultados dessas avaliaes nas escolas e formao de professores, no intuito de permitir que os mesmos compreendessem as habilidades avaliadas pelo teste, estabelecendo um dilogo entre elas e suas prticas alfabetizadoras.

    uma das formas de divulgao dos resultados a apresentao das proficincias dos es-tudantes nos Boletins. a partir da medida dos desempenhos escolares, possvel alocar os estudantes em Padres de desempenho, os quais apresentam perfis cognitivos que compreendem determinadas habilidades. no caso do spaece-alfa foram determinados cinco padres: no alfabetizado, alfabetizao incompleta, intermedirio, suficiente e desejvel.

    alm das mdias de proficincia do estado e de cada municpio, as avaliaes ainda permi-tem identificar, em cada escola, os estudantes que se enquadram nos referidos padres e, a partir desse diagnstico, possvel realizar aes para a melhoria do ensino e aprendizado, que reflete em melhores desempenhos.

    importante destacar que a realizao das avaliaes por si s no conduzem a uma me-lhoria dos nveis de proficincia dos estudantes. necessrio que, do processo de avaliao, decorram polticas de acompanhamento dos municpios e das escolas que apresentam pro-blemas com relao aprendizagem dos estudantes, alm da implementao de aes que permitam aos professores uma apropriao desses resultados, uma melhor compreenso das habilidades descritas nas Matrizes e a definio de intervenes pedaggicas capazes de promover o desenvolvimento dessas habilidades pelos estudantes.

    nesse sentido, a avaliao em larga escala da alfabetizao precisa ser concebida como um instrumento a servio dos professores e das escolas, pois somente nessa perspectiva ela pode oferecer contribuies para a promoo da alfabetizao.

    5. a exPerInCIa de MInaS GeraIS

    a avaliao da alfabetizao no estado de Minas Gerais realiza-se atravs sistema Mineiro de avaliao da educao Pblica (simave). integrado a esse sistema, desenvolve-se o Programa de avaliao da alfabetizao (Proalfa), cujo foco a avaliao do processo de alfabetizao.

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    assim como no caso anteriormente apresentado do estado do cear, o simave foi institudo, em Minas Gerais, com o objetivo de reverter quadros de baixa proficincia dos estudantes em anos finais do ensino Fundamental constatado a partir das avaliaes nacionais. com o intuito de monitorar o processo de formao do leitor, em etapas precoces de seu processo de escolarizao, foi institudo o Proalfa.

    a Matriz de Referncia do Proalfa (anexo 4) est organizada em cinco tpicos: tpico 1, Reconhecimento das convenes do sistema alfabtico; tpico 2, apropriao do sistema alfabtico; tpico 3 usos sociais da leitura e da escrita, tpico 4, leitura: compreenso, anlise e avaliao; e tpico 5, Produo escrita. assim como as outras Matrizes de Refe-rncia para avaliao, j discutidas neste texto, essa Matriz tambm descreve habilidades de apropriao do cdigo alfabtico e aquelas que se referem produo de sentidos para a leitura, incluindo, num tpico separado, habilidades que focalizam os usos sociais da leitura e da escrita, voltadas, portanto, dimenso do letramento. alm das habilidades de leitura, so contempladas, tambm pela Matriz do Proalfa, habilidades de escrita.

    a primeira avaliao do Proalfa ocorreu em 2005 e teve carter amostral, sendo aplicada aos estudantes do 2 ano do ensino Fundamental. essa mesma avaliao se repetiu no ano de 2006. no ano de 2007, foram avaliados estudantes do: 2 ano, de forma amostral; 3 ano, de forma censitria; 4 ano, de forma amostral e, ainda, 4 ano que apresentaram baixo desempenho em avaliaes anteriores e que frequentaram programas de acompanhamento, com a finalidade de reverso do quadro de baixo desempenho. esse mesmo esquema, que alterna avaliaes amostrais nos 2 e 4 anos e censitrias nos 3 e 4 anos, neste ltimo para estudantes de baixo desempenho, se repetiu nos anos de 2008 a 2011.

    a experincia de Minas Gerais aponta para outro modelo de realizao de avaliaes da alfa-betizao, no qual existe a alternncia entre avaliaes amostrais e censitrias. as avaliaes do 2 ano permitem traar um panorama das habilidades em leitura, desenvolvidas pelos estudantes no meio do perodo de trs anos, ao final do qual se espera que os estudantes estejam alfabetizados. desse panorama decorre a definio de metas a serem alcanadas ao trmino do 3 ano de escolarizao, as quais so monitoradas a partir de avaliao censitria e acompanhadas de forma mais prxima, em se tratando dos estudantes que apresentaram baixo desempenho na avaliao. o alcance das metas previstas novamente avaliado ao final do 4 ano, de forma amostral para o conjunto dos estudantes e, de forma censitria, para aquele grupo que apresentou baixo desempenho na avaliao realizada no 3 ano. esse conjunto de aes tem contribudo para uma elevao progressiva das mdias de proficincia dos estudantes do 3 ano do ensino Fundamental, como possvel perceber pela anlise comparativa dessas mdias no perodo de 2006 a 2011, no grfico abaixo:

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    Grfico 7 evoluo das PRoFicincias Mdias de 2006 a 2011 no 3 ano no ensino FundaMenTal das Redes esTadual e MuniciPais.

    Fonte: Revista Pedaggica Proalfa, 3 ano do Ensino Fundamental, 2011.

    o Proalfa determinou trs Padres de desempenho para alocar os estudantes de acordo com suas Proficincias: Baixo, intermedirio e Recomendado. como podemos notar no grfico acima, em 2011, a mdia de Proficincia da Rede estadual e Municipal enquadrava os estudan-tes, do 3 do ensino Fundamental de Minas Gerais, no Padro de desempenho intermedirio, j em 2011, com o aumento da mdia de Proficincia, de ambas as redes, observamos que a mdia se encontra no Padro Recomendado, que engloba pontuaes maiores.

    6. da avalIao ao enSIno

    nas sees anteriores, destacamos que as avaliaes em larga escala tm contribudo para dar visibilidade a aspectos do processo de alfabetizao que muitas vezes se encontram obscurecidos no cotidiano dos professores alfabetizadores. entretanto, importante consi-derar que a descrio das habilidades envolvidas na apropriao da lngua escrita e dos conhecimentos matemticos nas Matrizes de Referncia um esforo analtico para a cons-truo de instrumentos de avaliao capazes de captar dimenses de processos cognitivos que so vivenciados pelos sujeitos de forma integral e integrada. ao mesmo tempo em que se apropriam das regularidades que organizam a escrita alfabtica, as crianas interagem com

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    textos reais, produzem sentidos para eles, identificam as situaes da vida cotidiana na qual esses textos circulam e reconhecem as finalidades dos mesmos. do mesmo modo, em suas brincadeiras, como, por exemplo, no jogo tradicional de amarelinha, vivenciam situaes nas quais o conhecimento dos nmeros e suas diferentes funes se misturam ao reconhecimento de formas geomtricas e percepo dos deslocamentos do corpo no espao.

    esses fatos apontam a necessria diferenciao entre situaes de ensino e situaes de avaliao, especialmente avaliaes no modelo discutido neste texto, que se caracterizam por abarcarem um amplo universo de estudantes devendo, portanto, atender igualmente a esse conjunto muitas vezes bastante heterogneo de aprendizes. Tambm importante estabelecer diferenciaes entre os instrumentos utilizados nas avaliaes em larga escala itens dos testes de mltipla escolha daqueles utilizados pelos professores na escola.

    Resguardadas as especificidades das situaes de ensino e de avaliao, possvel ao professor se beneficiar de um conhecimento das habilidades que concorrem para a cons-truo de competncias mais amplas pelos estudantes para, com base nesse conhecimento, organizar intervenes pedaggicas que favoream o desenvolvimento dessas habilida-des. essas intervenes, entretanto, no devem abordar de forma isolada tais habilidades, privilegiando-se uma integrao das mesmas em situaes de aprendizagem significativas para os estudantes.

    a seguir, so apresentados alguns exemplos de como tal perspectiva integradora pode se concretizar nas prticas docentes. o ponto de partida para essa exemplificao uma atividade importante para o processo de alfabetizao e letramento dos estudantes: a prtica de ouvir e contar histrias.

    ao realizar a leitura de histrias com ou para os estudantes, os professores dispem de excelentes oportunidades para desenvolver algumas das habilidades descritas nas Matri-zes de Referncia para avaliao da alfabetizao. Pode-se comear a refletir sobre essas habilidades pensando, ao mesmo tempo, nas aes e mediaes docentes envolvidas nesse processo que se constitui de vrios momentos.

    1. a escolha do texto a ser lido para/com os estudantes: importante que o professor escolha textos de boa qualidade literria, que possam ser apreciados pelas crianas por sua beleza e atratividade.

    2. a formulao de hipteses sobre o contedo dos textos: sempre que possvel o suporte no qual o texto se encontra deve ser levado para a sala e apresentado s crianas, que devem ser convidadas a observ-lo, formular hipteses sobre seu contedo e finalidades. assim, estaro sendo exploradas aquelas habilidades ligadas ao reconhecimento dos diferentes gneros textuais e suas finalidades.

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    3. a diferenciao e reconhecimento de letras: ao observarem as capas de livros, por exemplo, as crianas vo se familiarizando com escritas em diferentes padres de letras, por isso elas devem sempre ser convidadas a ler o ttulo da histria. o professor deve mediar e orientar esse processo a partir do qual, ao mesmo tempo em que se familiarizam com o sistema de representao que a escrita, os estudantes produzem sentidos para a atividade de leitura na medida em que tm a possibilidade de fruio do texto literrio.

    4. a produo de sentidos para a leitura: ao ler a histria para os estudantes, o professor deve emprestar entonao a sua leitura, torn-la expressiva e viva, dessa forma os estudantes percebem que o texto tem algo a dizer. aps a leitura importante que o professor discuta com os estudantes o que foi lido. Perguntar qual o assunto do texto, instigar a turma a inferir informaes que no esto postas claramente na superfcie textual, solicitar que recuperem informaes apresentadas pelo texto so estratgias importantes, que levam ao desenvolvimento de habilidades de leitura fundamentais formao de um leitor proficiente. ao mesmo tempo, ao discutirem o que foi lido, os estudantes exercitam prticas de oralidade fundamentais para a organizao das ideias, o desenvolvimento da competncia comunicativa, a defesa de pontos de vista. essas so habilidades que no so avaliadas pelos testes em larga escala, mas que concorrem para o desenvolvimento de outras habilidades contempladas pelos mesmos.

    nesse exemplo, foram abordadas possibilidades de intervenes pedaggicas a partir da prtica de contao de histrias, na qual o professor o leitor. alm desse tipo de atividade, so fundamentais tambm aquelas nas quais o aluno convidado a ler de forma autnoma e a refletir sobre as regularidades da escrita: a letra que inicia uma palavra, os sons que se repetem, por exemplo, em poesias e trava-lnguas, o estabelecimento de correspondncias entre o falado e o escrito a partir, por exemplo, de textos de memria, como cantigas do folclore popular. nessas atividades, so exploradas, de forma integrada, as dimenses do ensino das regularidades que organizam a escrita alfabtica e a vivncia da alfabetizao como processo discursivo, que permite a insero do alfabetizando no universo letrado e a produo de sentidos para o que l e escreve.

    no campo da alfabetizao inicial em Matemtica tambm importante integrar conheci-mentos referentes aos diferentes tpicos abordados nas Matrizes de Referncia para ava-liao. numa atividade como a construo de um mercadinho na sala de aula, por exemplo, os estudantes desenvolvem habilidades ligadas a diferentes tpicos: a organizao dos produtos do mercadinho em sees favorece a classificao; a observao dos rtulos dos produtos e a definio se eles so vendidos a quilo, metro, ou litro permite aproximaes ao tema grandezas e mediadas; nmeros e operaes esto envolvidos nas situaes de compra e venda das mercadorias.

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    como possvel observar a partir dos exemplos dados, importante que os professores planejem situaes de ensino capazes de promover a integrao daquelas habilidades des-critas nas Matrizes para fins de avaliao.

    7. ConSIderaeS fInaIS

    ao longo deste texto, buscamos refletir sobre as contribuies da avaliao em larga escala para o enfrentamento do desafio que a alfabetizao ainda representa na realidade brasileira. Percebemos, a partir de uma incurso experincia da avaliao nacional da alfabetizao e s experincias de dois estados da federao, que tal contribuio tem consistido numa recolocao do tema da alfabetizao aos professores, s escolas e sociedade de modo mais amplo, resgatando a dimenso lingustica envolvida nesse processo. entretanto, no se pode incorrer no erro de realizar uma transposio linear entre instrumentos de avaliao e situaes de ensino. preciso reconhecer que aqueles atendem a objetivos bem distintos destas e, portanto, se organizam a partir de outros princpios. as Matrizes de Referncia para avaliao, ao descreverem habilidades cognitivas, procedem a um processo de anlise no qual operaes cognitivas complexas como, por exemplo, a leitura so fatiadas para que se possam avaliar suas vrias dimenses. nas prticas de ensino, o movimento, ao contrrio, deve ser de sntese, de integrao dessas habilidades, como destacado no tpico anterior deste texto.

    outra contribuio importante que as avaliaes da alfabetizao em lngua Materna e Matemtica podem trazer subsidiar discusses relativas ao estabelecimento de metas para as diferentes etapas da escolarizao. a partir da lei 11.274/2006, que institui o ensino Fundamental de nove anos, com o ingresso das crianas de seis anos, passamos ter os trs primeiros anos da educao Bsica como aqueles destinados alfabetizao. esses anos, ento, constituem-se em um ciclo inicial de alfabetizao ao longo do qual foroso conhecer quais os progressos alcanados pelos alfabetizandos e como intervir para que novos avanos sejam possveis, para que se tenha, ao trmino desses trs primeiros anos, uma massa de estudantes alfabetizados. que habilidades, em lngua Materna e Matemtica, devem ser desenvolvidas pelos estudantes em seu primeiro, segundo e terceiro anos de escolarizao? a resposta a essa pergunta orienta a definio das Matrizes de Referncia para a alfabetizao e tambm o que buscam muitas escolas, professores e professoras em suas tentativas de encontrar a melhor forma de conduzir suas prticas pedaggicas frente realidade de um ensino Fundamental que agora recebe crianas de seis anos e deve cumprir o seu compromisso de que nenhuma delas conclua seu terceiro ano de escolarizao sem estar alfabetizada.

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