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Caderno 1 da Biblioteca Municipal da Póvoa de Lanhoso. Poemas de João Augusto Bastos

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Page 1: Caderno 1 da Biblioteca Municipal

Fado Corrido

João Augusto Bastos

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FADO CORRIDO

Eu quero cantar o fado, Fado corrido, ligeiro, A pensar em mim e em todos, A pensar no mundo inteiro. Fado corrido, ligeiro, Mais veloz que um puro sangue, Que corre as pistas do mundo, Sem nunca tombar exangue. Fado corrido, ligeiro, Como a chula e como o vira, Nas voltas que a vida dá,

Nas danças que o mundo gira. Fado corrido, ligeiro, Como quem vai de fugida, Com saudades de quem fica, Mesmo antes da partida…

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PENAS

Tenho pena de ter pena Das penas que tu não tens, Uma pena, quando é pena, Não é assim tão pequena Que se perca nos vai-vens, A tua boca sorri, Quando choram os meus olhos, Não tenho pena de ti Nem nunca penas senti E conto as penas aos molhos. Tenho pena de ter pena, Das penas que tu não sentes, Sinto a alma tão pequena Que nem sei o que é ter pena, Das penas de tantos entes. Nos meus olhos nem há pranto, Secou a fonte do fado. São como os olhos dum santo, Parados, talvez de espanto, Do meu olhar magoado!

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O LUGRE

Nem sequer uma oração, Nos lábios frios do vento. Meu lugre, sem coração, Acabou-se o teu tormento. Meu lugre bacalhoeiro, Meu lugre desmantelado, Foste alguém que já lutou, Fazes parte do passado.- - sem remos: pobre sem braços, - sem vela: pobre sem alma. A lua atira farrapos De luar na noite calm. Não tens braços pra abraçar As sombras do teu tormento. Não tens lábios pra beijar A boca fria do vento. Não tens popa nem tens ré, Meu lugre desmantelado. Nem tens alma, nem tens fé, Nem sequer já tens passado. Riscaram-te até o nome, Meu pobre lugre velhinho. És como a boca da fome, És como o pó do caminho. Já não podes navegar, Meu velho de pés pra cova. Meu lugre desmantelado, Já não vais pra Terra Nova. Não há velas nem gageiro, No mastro velho que, treme. Partiram os pescadores E o arrais partiu também. “Nossa Senhora das Dores” Contigo não vai ninguém. Nos braços do nevoeiro, Dormes no cais – rude prova -. Meu lugre bacalhoeiro, Já não vais pra Terra Nova

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SAUDADE

Nessa batalha de Ourique, Que Afonso Henriques venceu, El-rei gritou: Portugal! E a saudade, então, nasceu. Quem não sentiu a saudade, Nem que seja uma só vez, Não conhece o que é sentir, Como sente um português. A dor que dói cá dentro, Por alguém que está ausente, Sempre é dor, mas só saudade Se é um português que a sente. A lua tem tais encantos, Que eu tenho quase a certeza, Que a lua, como a saudade, É de origem portuguesa.

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CEGUEIRA

Cegueira que não quer ver, O que as almas tem no fundo É como o sol a nascer Em nevoeiro profundo. Sei que vês de olhos fechados, O que vai dentro de mim, É que os meus olhos, coitados, Só sabem dizer que sim. Com os teus lábios selei, Contratos de coração E ainda hoje não sei, porque sim e porque não. O teu coração não finge, Nem me engana o teu olhar. Tu és pra mim uma esfinge Que tento, em vão, decifrar. Uma verdade é mais dura, Do que a mais dura mentira. A ilusão dá-me a ventura Que uma verdade me tira. As verdades são escolhos, Das mentiras que tu negas E por mais que eu abra os olhos, Continuo a andar às cegas…

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QUEM ESPERA…

Vais com pressa, toda afoita, Que nem olhas para mim. O bem-me-quer não se acoita, Numa torre de marfim. De vagar se vai ao longe, Lá diz o velho rifão. Anda a passo o velho monge E lá vai onde outros vão. De vagar, que tenho pressa, Outro rifão assim diz. Há quem não perca a cabeça, Muitas vezes… por um triz! E há quem perca a sua alma, Por andar sempre a correr. Não há nada como a calma, Pra chegar-se onde se quer! Olha o jerico troteiro, Sempre atrás da moleirinha, A dar tempo que o moleiro Leve ao moinho a farinha. De vagar não é parado… - porque corres, meu amor? Um beijo, bem demorado, Tem sempre melhor sabor! Espera por mim, meu bem, Não vá assim de fugida. Nove meses, tua mãe, Esperou por ti, querida…

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ADEUS

Não disse, nem digo, nunca adeus, Na hora da partida, ou fique ou parta, Pois se a distância o corpo aparta, As almas aproximam-nos de Deus. No amor só há fiéis, não há ateus E há fome, de carinhos, que não farta, Quer sejam letras de saudosa carta, Quer sejam longos beijos, meus e teus. Nós somos o nó cego de um só laço, Para cabermos no mesmo abraço, Tornando grandes coisas bem pequenas. Até as rosas amam os espinhos E até as aves querem aos seus ninhos Mesmo que sejam feitos só de penas.

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CADERNOS DA BIBLIOTECA MUNICIPAL DA PÓVOA DE LANHOSO,2008

Nº1

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