c o n t e x t u a l i z à o

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C O N T E X T U A L I Z Ã O Profª. Dra. Bárbara Burns Resumo e Análise Crítica de Livros na Área de Contextualização com Conclusões Pessoais Por Lars Bertil Ekstrom Um trabalho em cumprimento às exigências da área de concentração de Missões do Curso de Mestrado em Teologia.

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Page 1: C O N T E X T U A L I Z Ã O

C O N T E X T U A L I Z Ã O

Profª. Dra. Bárbara Burns

Resumo e Análise Crítica de Livros na Área de Contextualização com Conclusões Pessoais

P o r

Lars Bertil Ekstrom

Um trabalho em cumprimento às exigências da área de concentração de Missões do Curso de Mestrado em Teologia.

FACULDADE TEOLOGICA BATISTA DE SÃO PAULOSão Paulo

1991

Page 2: C O N T E X T U A L I Z Ã O

CONTEUDO

PARTE 1

Resumo e Análise crítica do livro "Christianity in Culture" de Charles H. Kraft

PARTE 2

Resumo e Análise crítica do livro "Eternal Worc Changing Worlds" de Harvie Conn

PARTE 3

Breve Análise do livro "O Fator Melquisedeque" de Don Richardson

PARTE 4

Conclusões Finais

Bibliografia

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RESUMO E ANALISE CRÍTICA DO LIVRO "CHRISTIANITY IN CULTURE" DF, CHARLES H. KRAFT.

INTRODUÇÃO

Charles Kraft, em seu livro "Christianity in Culture", tem como ponto de partida a

preocupação missionária de como transmitir as verdades do Evangelho a uma nova cultura de

forma que a mensagem seja perfeitamente entendida e a cultura receptora respeitada.

Baseado em experiências próprias como missionário ria Nigéria e de outros em diferentes

partes do mundo, Kraft advoga um relativismo cultural onde a mensagem cristã precisa ser

reinterpretada em cada cultura distinta buscando o apoio escriturístico conforme sua própria

identificação da revelação divina.

Vemos, diz Kraft usando as palavras do apóstolo Paulo, como num espelho, apenas o

reflexo da realidade pouco nítido (1 Co 13:12) partindo daquilo que existe em "nossas cabeças"

e não da realidade de fato. Por isso são necessário humildade e adaptação considerando-se cada

cultura suficientemente completa e madura para interpretar a Bíblia e seguir seus padrões na

implantação da fé cristã.

Na verdade são as ciências que estudam o comportamento humano, e nem sempre a

teologia, que nos darão subsídios para a adaptação da mensagem e revelação divina referente

à determinada cultura.

Os Modelos que interpretam a realidade.

Para poder interpretar a realidade necessitamos de modelos padrões que se tornam o nosso

referencial de base e comparação. Os modelos podem ser principalmente de dois tipos:

paradigmas e cosmovisões.

Paradigma - é um modelo, exemplo ou padrão da realidade que descreve uma parte do

todo. "A forma como vemos as coisas de diferentes modos dependendo de diferentes

experiências e reflexões sobre a realidade" (pág. 26/27).

Cosmovisão - é a visão do todo, a organização da realidade de forma mais complexa e

completa que o paradigma, incluindo todos os aspectos da vida. (cp pág. 28/29).

Segundo Kraft existem quatro características destes modelos:

1. Os modelos diferem em complexidade

2. Os modelos podem ser estáticos ou dinâmicos

3. Os diferentes modelos podem ocorrer simultaneamente

4. Os modelos não podem automaticamente serem usados transculturalmente.

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É, portanto, necessário conhecer-se tanto os paradigmas e a cosmovisão de nossa própria

cultura (e pessoais) como os modelos existentes na cultura receptora na qual iremos trabalhar.

1. A Cultura Humana

Kraft define cultura como a totalidade da herança transmitida de forma não-biológica (pág.

45/46) usando uma definição já aceita por muitos. A desenvolve, no entanto, incluindo os

diferentes aspectos que compõem uma cultura, isto é, os padrões, que através de símbolos,

expressam e determinam o comportamento de um povo (pág. 46).

1.1. A Validade da Cultura

Uma das questões nevrálgicas para Kraft é até que ponto uma cultura tem valor

comparativo, podendo servir de padrão para outras culturas. Uma doutrina desenvolvida

pela Antropologia diz que "um observador precisa ter cuidado em avaliar uma cultura

primeiramente em termos de seus próprios valores, alvos e metas, antes de compará-la"

(pág. 4). Isto nos leva a um relativismo onde cada cultura só pode ser avaliada dentro de

seu contexto não existindo (ou pelo menos poucos) critérios normativos que "de fora"

podem julgar uma cultura. "Nenhuma cultura, principalmente não a nossa, pode ser vista

como superior de todas as maneiras em relação a qualquer outra cultura" (pág. 52). O

argumento de Kraft é reforçado com a citação bíblica de At. 14:17 onde o apóstolo Paulo

em seu discurso deixa claro que Deus trabalha em todas as culturas.

A conclusão é que todas as culturas são iguais em relação a:

- Sua adequação para as pessoas que estão imersas nelas;

- Sua completa infiltração da expressão do pecado humano manifestado em e através

delas;

- Sua utilidade em potencial como veículos da interação de Deus com a humanidade.

(pág. 52).

1.2. A cosmovisão

Já dissemos na introdução que o modelo maior que rege uma cultura é a cosmovisão. A

partir dela as regras do jogo cultural são determinadas e avaliadas. Kraft destaca cinco

funções primordiais da cosmovisão:

- Explanação, de como e porque as coisas se desenvolveram certa forma e porque

continuam ou mudam;

- Avaliação, julgando e validando os aspectos culturais;

- Reforço psicológico, principalmente em momentos de crise quando se busca na

cosmovisão a solução ou a compensação.

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- Integração, sistematizando e organizando as percepções realidade;

- Adaptação, mudando os modelos com as necessidades.

1.3. Componentes da Cultura

Para compreendermos uma cultura precisamos descobrir os seus componentes e analisá-

los de acordo com o seu papel. As formas, culturais são as partes observáveis que

compõem a cultura de um povo.

Cada forma cultural é usada pelas pessoas para uma determina da função.

Uma das mais importantes funções que uma forma cultural podo ter é de dar sentido

aos participantes da cultura. Intimamente ligado à função e ao sentido está a

questão de como uma forma cultural é usada.

Tudo isto está inserido num contexto de processo que pode si influenciado por necessidades

internas da cultura ou pelo confronto com outras culturas ou mesmo por uma verdade supra-

cultural, por exemplo, a atuação do Espírito Santo.

1.4. Aspectos comuns da Humanidade

Nida diz que “as similitudes que unem a humanidade como uma espécie cultural são

bem maiores que as diferenças que separam" e Kraft concorda citando algumas áreas onde

isto ocorre com mais clareza:

- As igualdades biológicas entre os seres humanos;

- As igualdades psicológicas,

- As igualdades espirituais, em termos de necessidades e até expressões;

- As igualdades sócio-culturais onde todos têm basicamente mesmas carências e

soluções.

1.5. Princípios de Ministério Transcultural

Com base nas declarações acima, Kraft propõe cinco princípios, para um ministério

transcultural:

1.5.1. Cada sistema cultural deve ser medido em termos do s próprio ideal;

1.5.2. A influência total do pecado é universal;

1.5.3. Nós entendemos apenas parte de como Deus tenta trabalhar em uma cultura;

1.5.4. A maior parte do sistema religioso de um povo serve mesmo depois da conversão

ao Cristianismo;

1.5.5. A necessidade universal de um relacionamento com Deu através de Cristo.

A base para esta argumentação e para os cinco princípios está na afirmação de que "o

Cristianismo está primeiramente nas funções servidas e no sentido dado pelas formas

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culturas empregadas e não nas formas em si mesmas” (Pág. 99)

1.6. A Atitude de Deus em Relação a Cultura.

Podemos definir Kraft como tendo uma posição de "Deus-acima-mas-através-da-cultura".

Deus tem, voluntariamente, escolhido de usar a cultura humana para interagir com a

humanidade. Inclusive, em muitos aspectos, se limitado à capacidade de compreensão

da cultura.

É, portanto, uma posição extremamente positiva, que Deus tem em relação à cultura.

1.7. Supracultural e cultural

A melhor forma de entender a intervenção de Deus na cultura humana é de definir o que

é supracultural achando assim os elementos que são válidos para todas as culturas. Para

Kraft estes elementos são poucos e estão principalmente ligados a atributos divinos. Ele

usa uma definição de Smalley que diz "Supracultural e absoluto é a própria pessoas de

Deus, sua natureza, seus atributos e seu caráter, os principies morai que fluem daquilo

que Ele é, seu plano e sua vontade total" (pág. 122).

Existem, entretanto, fatores que limitam a compreensão destas verdades supraculturais

como a limitação da revelação divina, a finitude do homem, a pecaminosidade, o

condicionamento cultural e o condicionamento individual psicológico e experimental.

Aqui entra o aspecto da revelação. É fácil haver interpretações equivocadas do

supracultural se não existe um cuidado em se aplicar traduções fiéis de equivalência

dinâmica.

1.8. Comunicando dentro da Cultura

A mensagem tem maior impacto, diz o autor, se não tem uma forma estereotipada e se

apresentada em cada situação da vida como relevante.

A mensagem precisa, também, para ser aceita, vir de encontro a necessidades reais do

ser humano proporcionando credibilidade, e se identificando com a situação do receptor

usando de uma linguagem que faz sentido em sua cultura sem impor as formas culturais

do comunicador.

2. A INSPIRAÇÃO DIVINA

Kraft reconhece que as Escrituras são inspiradas por Deus e que são um relato apropriado

para as percepções geradas pelo Espírito Santo em seres humanos comprometidos com Deus.

Esta inspiração, no entanto, não se estende a qualquer perspectiva interpretativa extra-bíblica

(pág. 33). A preocupação de Kraft, segundo entendo, é que fazemos, muitas vezes, de nossas

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interpretações verdades absolutas como se Deus, em sua palavra, já nos tivesse dado a

compreensão final. Criamos modelos, teorias e paradigmas e os sacramentamos como

supraculturais e únicos fiéis à intenção divina.

2.1. A Dinâmica da Inspiração

A revelação é orientada ao receptor, focaliza a pessoa que é alvo da mensagem se

identificando o máximo com sua situação. "Deus, em Jesus, se tornou de tal forma uma

parte de um contexto humano específico, que muitos nunca reconhecerem que ele tinha

vindo de outro lugar" (pág. 175).

Nesta dinâmica de se revelar ao homem Deus faz o que é imprevisível, se mostrando de

uma forma surpreendente ao homem e não aceitando a forma estereotipada imaginada

principalmente pelos líderes religiosos.

Mas a revelação é também algo constante, uma atividade contínua de Deus sempre em

harmonia com sua Palavra, as Escrituras.

2.2. O Livro de Casos Inspirado por Deus

Nesta contínua revelação ao ser humano Deus proporciona um livro, a Bíblia, como uma

coleção de casos, "descrição de ilustrativas exemplificações da vida real" que servem de

base para os princípios pregados.

Neste ponto temos algo da tese principal de Kraft sugerindo um relativismo extremo

quanto à revelação e sua aplicação em termos culturais. Deus escolhe, segundo ele,

duas culturas (e línguas) para, numa interação com o homem, produzir a Bíblia

focalizando o seu sentido mais profundo e não determinando formas para o

relacionamento com Deus. A própria inerrância é relativa às afirmações fundamentais do

texto e não aos acontecimentos em si.

Podemos resumir este ponto dos pensamentos de Kraft quanto a inspiração com os

seguintes tópicos:

2.2.1. Deus interage amorosamente com o ser humano

2.2.2. Deus escolhe usar a cultura humana como o meio ambiente para esta interação

com o homem

2.2.3. As Escrituras é uma coletânea destas interações

2.2.4. Nem todas as interações foram registradas.

2.2.5. Uma seleção tem sido preservada.

2.2.6. A inspiração ocorre em quatro sentidos:

- Deus levou pessoas a falarem;

- Deus levou certas pessoas a escreverem;

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- Deus levou a Igreja a preservar;

- O Espírito Santo é ativo interagindo com os leitores e os ouvintes deste

material.

Mas Deus, diz Kraft, não tem se limitado a trabalhar unicamente através de sua palavra

escrita, apesar dEle muitas vezes se acomodar à expectativa das pessoas. Pode, portanto,

haver uma revelação divinamente inspirada fora das Escrituras, mas que precisa

harmonizar com o que Deus já disse na sua essência.

A Bíblia como um livro de casos significa que existem poucas normas cósmicas e gerais

aplicáveis ao pé da letra em todas as culturas. Um exemplo de pronunciamento bíblico de

caráter universal seriam os dez mandamentos.

2.3. Os Componentes da Revelação

Existem dois tipos de ativadores ou estimulantes para a informação reveladora. Um é

externo sendo o ser humano dirigido pelo Espírito ou o próprio Espírito Santo. O outro é

o interno, isto é, a necessidade sentida e a habilidade do receptor de personalizar a

mensagem.

A essência da mensagem é a mesma desde o principio ao fim não havendo diferença

neste aspecto entre o Antigo e o Novo Testamento. Diz Kraft que: "as pessoas não são

obrigadas a responderem hoje a uma mensagem diferente simplesmente porque,

interpretando de nossa perspectiva cultural, entendemos ser uma mensagem diferente"

(pág. 231).

A questão que surge aqui e não é diretamente respondida pelo autor é se existe salvação

sem a proclamação acerca de Cristo. Tudo leva a entender que sim. Voltaremos a este

aspecto numa análise posterior.

2.4. Revelação através da Cultura

Continuando sua argumentação em favor de um relativismo cultural que tem

conseqüências para a proclamação do Evangelho, o autor afirma que cada cultura tem

informação suficiente acerca de Deus para existir a possibilidade de uma fé

salvadora em Deus. O que nós precisamos fazer é de ir e testemunhar para que a fé seja

estimulada. (cp pág. 256). Isto significa, de forma clara, que existe a possibilidade de

salvação sem o conhecimento acerca de Cristo! A questão é de direção correta. Existem

muitos pontos de partida que são seguidos por um processo, chegando

primeiro aos ideais de um povo para depois se aproximar dos ideais de Deus. A

comunicação do Evangelho tem, de acordo com este raciocínio, a finalidade

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de estimular os ouvintes à ação, elevando seus ideais e proporcionando um

desejo de resposta à revelação divina'.

3. A COMUNICAÇÃO DA MENSAGEM

Após as considerações sobre a cultura humana e a revelação divina, Kraft se volta para a

comunicação do Evangelho em contextos transculturais.

3.1. Equivalência Dinâmica

Uma tradução das Escrituras precisa necessariamente soar natural e ter um impacto tão

equivalente possível ao que experimentaram os leitores originais.

A correspondência formal traduz as palavras literalmente desconsiderando o contexto

cultural da época ou do povo receptor. Por isso se fala em tradução baseada numa

equivalência dinâmica onde o importante não é traduzir as palavras ao pé da letra, mas

de achar a expressão que dá o verdadeiro sentido à mensagem do texto no novo

idioma.

Alguns aspectos precisam ser considerados:

3.1.1. Cada idioma tem seu próprio gênio/caráter.

3.1.2. Para poder comunicar efetivamente em outra língua é necessário respeitar sua

unicidade.

3.1.3. Qualquer coisa que pode ser dita num idioma pode ser adequadamente representada,

mesmo não de forma exata, em outro idioma.

3.1.4. Para preservar o conteúdo da mensagem a forma precisa ser mudada.

3.1.5. As línguas usadas na Bíblia estão sujeitas às mesmas limitações de qualquer

outra língua natural.

3.1.6. Os escritores bíblicos esperavam ser entendidos.

3.1.7. O tradutor deve tentar reproduzir o sentido da passagem como entendida

pelo escritor.

3.2. Transculturação

Uma tradução não pode mudar os eventos históricos. Está presa ao sentido das palavras e

não pode fugir daquilo que o original diz. A transculturação, no entanto, busca representar o

sentido da mensagem usando termos e expressões da nova cultura que fazem com que a

essência do conteúdo seja transmitida.

3.3. Fazendo Teologia

A teologia feita também precisa ser contextualizada ao tempo e ao meio cultural onde se

vive. O interessante não é reproduzir a teologia em si, mas o processo teológico que

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encontramos, por exemplo, nas obras do apóstolo Paulo. A teologia com base na

equivalência dinâmica pode ser êmica ou ética (tentativa de tradução de "emic and etic"). No

primeiro caso trata-se de um processo interno onde as variações específicas de uma

cultura influenciam as conclusões teológicas. No segundo de uma comparação com ou-

tras culturas e compreensões buscando-se uma teologia aplicável universalmente.

Precisa haver um equilíbrio nestes dois processos paralelos respeitando-se tanto os prin-

cípios que podem ser considerados supraculturais como aqueles que têm apenas validade

dentro de certa cultura. O importante, diz Kraft, é que cada tempo, cada geração e cada

cultura precisam fazer a sua teologia!

3.4. Efeito nas Formas

Se a teologia é renovada a cada geração e para cada cultura é natural que as formas de

culto e de organização da vida religiosa também o sejam. "Cada nova geração e cultura

precisa experimentar o processo de produzir nas suas formas culturais em veículo

eclesiástico apropriado para a transmissão dos desejos de Deus" (pág. 315). O mero fato

de ser auto-governante, auto-sustentados e auto-propagador não assegura que a igreja seja

indígena, autóctone. A questão mais importante é como esta autonomia é expressa

quais as suas formas. (cp pág. 320). Os cristãos de um lugar precisam sentir que sua

igreja e um produto original dentro de sua própria cultura.

3.5. A Conversão

Nesta questão Kraft chega a um dos cernes de seu pensamento missiológico. O perigo é

de se converter a certa cultura apresentada, por exemplo, pelo missionário e não se

converter a Deus. As próprias formas que tradicionalmente expressam a conversão como

batismo e comunhão são vistas pelo autor como perigosos se apenas são rituais sem con-

teúdo e sentido para uma cultura receptora. Mantê-las seria apenas superstição (pág.

331). Existem algumas constantes no processo da conversão válidas para todas as cul-

turas. São elas:

3.5.1. Uma fidelidade consciente, um compromisso de fé com Deus.

3.5.2. Uma interação dinâmica entre Deus e o homem

3.5.3. Crescimento e maturidade.

3.5.4. A necessidade do processo de crescimento e madurez, acontecer também na

comunidade.

3.5.5. Manter-se dentro da cultura na qual está imersa.

3.6. Transformando a Cultura

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No confronto do Evangelho com uma cultura receptora inevitável algum tipo de

influência. O Evangelho, diz Kraft, deve ser mais um fermento do que uma

dinamite. Três passos podem ser dados na transformação cultural coar resultado da

propagação do Evangelho:

3.6.1. A mudança básica está no nível de mudança de comprometimento, agora com

Deus.

3.6.2. Mudança na cosmovisão

3.6.3. Reinterpretarão e reavaliação com base na nova cosmovisão com a conseqüente

revisão do comportamento

3.7. Princípios de Transformação Cultural

Seguindo o raciocínio acima, Kraft propõe alguns princípios gerais para a transformação

de uma cultura sem violentar a dignidade de um povo e seu sentimento de auto-expressão:

3.7.1. Entender o elemento cultural que se quer mudar vendo-o do ponto de vista do

povo.

3.7.2. Encorajar o mínimo de mudanças críticas na cosmovisão.

3.7.3. Relatar as mudanças aos lideres que são os primeira sentir os efeitos.

3.7.4. A mudança deve ser requerida por grupos não apenas indivíduos.

3.7.5. Contar com o fator tempo. Mudanças levam tempo!

CONCLUSÃO

Tentamos descrever de forma resumida os pensamentos de Kraft quanto a questão do

confronto entre o Cristianismo e uma cultura receptora do Evangelho, passando por definições

básicas sobre aspectos culturais a visão do autor sobre a revelação e a inspiração divina. Com

ajuda de Harvie Conn iremos à parte seguinte deste trabalho levantar algumas questões e ver

opiniões diferentes das de Kraft. No final, após uma breve análise também de Don Richardsson,

queremos chegar a algumas conclusões.

R esumo E Analise Critica do Livro " Eternal Word And Changing Worlds , _ T heology ,

Anthropology , And Mission In Trialogue " De Harvie Conn.

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INTRODUÇÃO

A principal preocupação do autor em seu livro "Eternal Word and Changing Worlds" é

analisar o relacionamento entre as diferentes ciências que se envolvem numa discussão sobre

aspectos culturais e o confronto entre culturas que ocorre, por exemplo, quando as missões

cristãs divulgam a fé do Cristianismo para povos que vivem num am3iente cultural diferente.

Conn faz uma síntese da história desta discussão evidenciando os pontos onde têm havido

concordância e os que têm sido objeto de discordância e até de desconfiança entre os defensores

de uma ou outra abordagem do assunto.

Vejo no trabalho de Conn uma importante abertura do assunto proporcionando condições

para um dialogo mais aberto entre as áreas envolvidas no contexto de missões. Sua forma de

abordar o assunto é de difícil compreensão usando uma linguagem fortemente acadêmica e

especifica. No entanto, creio ter captado suas idéias principais e as resumirei com

alguns comentários abaixo.

O diálogo começou entre a Antropologia e a Teologia. Foi inicialmente um diálogo difícil e

agressivo, durante o século 18. Era o período da Razão, dos pensamentos racionalistas e do

Iluminismo. Mentalidade Primitiva era representada por mitos e nesta categoria caía também o

Cristianismo.

O alvo do trabalho missionário era civilizar os primitivos, os selvagens ao mesmo tempo

em que se tentavam evangelizá-los. A Antropologia perguntava qual era a verdadeira natureza

das religiões primitivas e que papel o homem tinha na produção da religião e da cultura. A

teologia tinha poucas respostas.

O século 19 nasce com uma cosmovisão racionalista trabalhando estas questões. Para os

pensadores iluministas “ciência era ciência e religião era religião", não havendo qualquer valor

verídico na fé. O deísmo se torna forte declarando que existe a possibilidade de um

conhecimento natural de Deus antes e fora da fé cristã. Kant argumenta dentro desta linha

provas ontológicas da existência de Deus deixando em grande parte a revelação de lado. A

Teologia foi fortemente influenciada pelas colocações filosóficas e o Cristianismo se referia as

outras religiões de quatro formas. Para alguns as religiões pagãs serviam de reforço para suas

idéias provando que realmente existe uma possibilidade de conhecer a Deus fora da fé cristã. Para

outros, eram usadas para colocar os seus adversários em desvantagem mostrando que aspectos de

suas crenças e práticas existiam de forma igual ou parecida entre povos “primitivos”. Uma terceira

forma era de reconhecer que os argumentos de uma religião não podiam ser automaticamente

impostos sobre outra como no caso do confronto entre o Cristianismo e o Islamismo.

Finalmente, que o conjunto de crenças de uma religião poderia ser confirmado verídico quando

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se mostrava a falta de lógica e de raciocínio correta numa outra. (cp pág 26).

Conn cita Max Warren que por sua vez apresenta o pensamento do "pai das

missões modernas", William Carey: "Podemos ouvir que eles estão sem o Evangelho,

sem governo, sem leis, e sem artes e ciência; e não nos esforçarmos para introduzirmos entre

eles o sentimento humano e de cristãos? Não seria a expansão do Evangelho a forma

mais eficaz de civilizá-los? Isto não os faria membros úteis da sociedade?” (pág 35). Uma

demonstração da visão de superioridade dominante da época.

O desenvolvimento do diálogo e posteriormente de um triálogo é descrito por Conn

como estágios de "consciência".

1. CONSCIÊNCIA UM

O que significa ser um humano? Qual é a natureza da religião? E da cultura? E da

linguagem?

Estas eram questões que tanto a Antropologia como a Teologia faziam neste período

chamado por Conn de "Consciência Um". A Antropologia respondia através de

modelos de desenvolvimento ou evolução e pensamentos de difusão. A Teologia

liberal seguia os mesmos passos enquanto a evangélica (ou evangelical) reagia com

desconfiança e medo.

1.1. Resultados e características do período

O suposto diálogo trouxe algumas características que bem descrevem a mentalidade

reinante:

1.1.1. Despersonalização - reduzindo a maior parte da humanidade a "homem

primitivo". O nativo era um pré-homem. Surgiu como contraposição a tríplice fórmula

da autonomia da Igreja indígena ou nativa, através de missiólogos como Rufus Anderson

e Henry Venn declarando que a igreja autóctone precisa alcançar a auto-suficiência

econômica, a auto-propagação e a auto-liderança. No entanto, a idéia geral era que a

igreja nativa não tinha condições de se governar sem a participação do ocidental.

1.1.2. Dicotomia - a parte religiosa do homem era isolada do restante do seu ser. Mesmo

os evangelicais criam que a imagem de Deus no homem se resumia em sua razão.

1.1.3. Uma visão estática da cultura - não havia qualquer capacidade inerente numa

cultura para mudanças. A única possibilidade seria a troca por elementos culturais de

outro povo. A assimilação era impossível.

1.1.4. Passividade - o recipiente do Evangelho se tornava um agente passivo que

necessitava do missionário e que não tinha condições de, com recursos próprios, mudar

uma situação.

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1.2. A Polarização

O diálogo levou a uma polarização. Os defensores das idéias antagônicas radicalizavam

seus argumentos criando paradigmas completamente diferentes como fruto de

cosmovisões contrárias Na verdade se tratava de percepções da realidade organizadas de

forma puramente teórica dificultando um entendimento. Mesmo que, de certa

forma, o Cristianismo era o pai da Antropologia, muitos teólogos se opunham aos

antropólogos.

1.3. Questões Comuns

Citamos no inicio deste ponto algumas questões que, no entanto, uniam ambos os lados.

Nem sempre na resposta, mas pelo menos na preocupação.

A questão da humanidade se tornou atual com o encontro de raças diferentes e até a

convivência no mesmo país. Os antropólogos usavam termos como "primitivo" no sentido

de não civilizado, irracional, não igual a nós: os missionários falavam em "selvagem,

bárbaro". A unanimidade estava na concepção de que os d outra cultura eram inferiores

mesmo considerados humanos.

Outra questão era a da religião. De onde vem? Como evolui? O que deve ser considerado

mais elevado? Taylor, um evolucionista representa esta época bem com a idéia de que se

parte do primitivo para o mais complexo. Primeiro vem animismo, depois politeísmo e no

fim monoteísmo.

Uma terceira questão era a da cultura. Durkheim, por exemplo, como pai da sociologia, vê

nos ritos religiosos uma necessidade cultural e social. A cultura, como algo estático, não

tinha condições de mudar e por isso precisava como já vimos uma substituição. No

trabalho missionário isto teve grande influência e poucos missionários tiveram a

capacidade de ver nas culturas receptoras elementos que poderiam ser usados no culto

cristão.

A quarta questão era da linguagem, a origem dos idiomas e a influência da linguagem

na mitologia. Alguns interpretavam expressões veterotestamentárias fora do seu

contexto e conseguiam ver em termos como "o Deus de Abraão" o início de um culto

próprio do patriarca. A ênfase estava na palavra em si e não na "palavra-ação".

De modo geral a Antropologia apresentava suas respostas dentro de um pensamento

evolucionista. Ou de desenvolvimento positivo do mais simples ao mais complexo.

Ou de difusão de um ou mais centros de cultura para uma variedade. Por exemplo, de

monoteísmo a animismo, politeísmo ou mágica.

1.4. Uma Resposta Evangélica

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A resposta dos teólogos e missiólogos evangélicos, era de apreensão e receio. Conn

destaca alguns dados reveladores: em 1957 83% dos missionários que tinham ido ao

campo não tinham treinamento cultural e 72% não tiveram treinamento em outro idioma:

em 1980, 2 de 135 instituições de estudos elevados tinham antropologia cultural!

A visão dos evangelicais era que a antropologia era um relativismo absoluto e ignorante

intimamente ligado ao evolucionismo.

Gustav Warneck, o pai da missiologia, dizia que: "O Cristianismo é a completa e final

revelação de Deus e a religião absoluta". Com isto se encerrava o "diálogo".

2. CONSCIÊNCIA DOIS

A chamada "consciência dois" se deu na primeira metade de nosso século. Havia uma

crescente compreensão da multiplicidade de culturas e a Antropologia era menos antagônica

em relação à religião.

As mesmas questões levantadas na época da "consciência um" voltaram nesta. Mas as

respostas, em parte, eram diferentes. Uma nova mentalidade surgiu mesmo não solucionando

todos os velhos problemas,

2.1. Funcionalismo

O Funcionalismo era uma das descobertas da Antropologia. Isto dava uma legitimação à

religião. Sendo importante na sua função e exercendo tal, tinha seu lugar numa cultura.

Uma revisão da despersonalização e da visão estática levava à estudos no campo

focalizando as funções dos elementos culturais e religiosos ao invés de julgá-los

genericamente pelo povo imerso na cultura.

Malinowski, um dos principais nomes do Funcionalismo, achava que o homem era um

ser primeiramente emotivo e que a partir seus desejos e receios elaborava os elementos

religiosos que respondiam, em função, de, a estas necessidades. A religião servia para

reforçar as práticas e crenças costumeiras dando ao homem biológico e emocional um

escape.

2.2. Fenomenologia

A idéia de Van der Leeuw e outros era que a religião não podia simplesmente ser estudada

e avaliada a partir de funções, mas precisa haver um estudo profundo dos fenômenos

religiosos, achar a própria essência da crença. Religião é uma propriedade humana

legítima em si.

2.3. Características e Resultados do período

Tentando resumir a época da "consciência dois", podemos dizer que houve uma melhora

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nas relações entre as ciências da Antropologia e da Teologia sem, entretanto, se acharem.

A influência positiva sobre a teologia foi que se aceitou a existência de diferentes culturas

equivalentes em validade e nível e que para se alcançar um povo com o Evangelho era

necessário aprender o seu idioma e a sua cultura.

Esquematicamente houve uma mudança de ênfase conforme abaixo:

2.3.1. De despersonalização para funcionalismo

2.3.2. De dicotomia para particularidade

2.3.3. De visão estática para uma estática pluralidade de culturas.

2.3.4. De passividade para determinismo.

Antes de passarmos para a próxima época vale a pena ressaltar o nome de C.G. Jung,

discípulo até certo ponto de Freud, que declarou que "a religião é a chave para se

compreender a humanidade”. (pág 9)

3. DESAFIADOS PELO PRESENTE

Se o século 18 enfatizou as questões filosóficas e o século 19 a antropologia cultural,

nesta segunda metade do século 20 existe uma mudança de ênfase. Trata-se da Missiologia,

evangelismo transcultural e implantação de igrejas. Uma nova ciência que entra no diálogo da

Antropologia com a Teologia e aplica para si elementos dos dois.

3.1. Linhas Convergentes

Os anos 70 deste século trouxeram o "triálogo" entre missões, teologia e antropologia. O

ponto focal é principalmente a contextualização. Usando-se de conceitos como

"equivalência dinâmica" e "tagmemics" a Antropologia Missionária tem dado grandes

passos modificando a visão dos envolvidos nestes últimos anos.

3.1.1. Equivalência Dinâmica - um conceito emitido principalmente por Nida sugere que

se capte o sentido e o espírito de um texto original das Escrituras sem se prender à

estrutura lingüística das palavras (correspondência formal) e se ache expressões no

idioma da nova cultura que expressem este sentido e espírito.

3.1.2. Tagmemics - uma contribuição de Pike para ver a linguagem de um povo como parte

integrante do comportamento humano.

3.1.3. Etnoteologia - um terceiro conceito que emerge como resultado dos dois acima e do

triálogo desta época e a etnoteologia apresentada por Kraft. Descreve um processo de

interação entre o homem e a verdade divina percebida e definida de acordo com a

situação cultural e contextual. Já analisamos os pensamentos: de Kraft no trabalho

anterior.

Tanto os antropólogos como os missionários hoje falam de uma abordagem

Page 17: C O N T E X T U A L I Z Ã O

holística no encontro com outras culturas e povo. Até o presente momento havia uma

atitude negativa para com trabalho missionário devido a:

- À visão idealista da natureza orgânica da cultura - não havia necessidade de

mudanças;

- À idéia de que as crenças religiosas eram sem sentido;

- À reação dos antropólogos à atitude negativa dos missionários para com a

antropologia: e

- Ao receio dos missionários que o trabalho antropológico traria secularização.

Vemos uma mudança radical de atitudes e posições proporcionando condições para

um diálogo, ou triálogo como Conn vê.

3.2. Correntes Perigosas na Maré

"Três preocupações fizeram com que os evangelicais se mostraram relutantes em abraçar

uma etnoteologia bíblica" (pág 162).

O primeiro foi a ênfase na parte humana da compreensão da revelação divina, usando-se

os sistemas da antropologia.

O segundo foi o sincretismo que levou a se perder elemento: básicos do Evangelho no

processo da contextualização.

O terceiro foi o provincialismo, levando a teologia a ser tão contextualizada e

definida localmente que tende a perder os aspectos universais e supraculturais.

Voltarei as criticas feitas a Kraft no ponto 4 quando parte desta discussão será citada.

3.3. Fazendo Teologia

Nesta nova fase do movimento missionário e das ciências envolvidas no encontro e no

confronto cultural, novos cursos, caminhos, estão sendo tomados e procurados. Como fa-

zer teologia hoje é uma das questões que necessita uma reavaliação por parte da

missiologia e da própria teologia.

As mudanças no mundo de nossa época são enormes. Já não podemos mais localizar os

países cristãos ao hemisfério norte como o fizemos tradicionalmente. As mudanças

políticas no mundo, os problemas da pobreza, da superpopulação, da violência e

opressão demandam novas preocupações na teologia. Conn coloca seis critérios para se

fazer teologia hoje:

3.3.1. Reter o elemento dinâmico da revelação como processo;

3.3.2. Aplicar a verdade divina no estilo de vida;

3.3.3. Fazer a teologia específica para cada cultura e orientada ao receptor;

3.3.4. Resgatar a tarefa evangelifstíca na teologia;

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3.3.5. Deixar cada povo fazer a sua teologia;

3.3.6. Levar a teologia a ser profética.

Usando uma série de exemplos de diferentes partes do mundo, Conn chega a conclusão

que a "reforma não acabou". A grande pergunta é como fazer a teologia de tal forma que

ela é ao mesmo tempo universal e especifica para um segmento da sociedade? Este é o

desafio contemporâneo, sem dúvida, ainda não solucionado. Os critérios acima dão dicas

do caminho a ser trilhado, mas os perigos existem e Kraft é mais uma vez colocado

como exemplo disto!

3.4. Educação Teológica

No aspecto da educação teológica, que determina inclusive as condições humanas

para se fazer teologia, também há uma busca de novos modelos e possibilidades. Até

o presente a educação teológica no chamado Terceiro Mundo segue o modelo do

mundo ocidental. Um renovo educacional é necessário tentando responder as seguintes

perguntas:

3.4.1. Quem é o povo de Deus? Qual é a sua visão de ministério?

3.4.2. Como ensinar a prática da teologia?

3.4.3. Como ensinar a verdade de tal forma que se torna algo que se faz e não apenas

teoria?

Em suma trata-se de um processo de despertamento consciente e de uma liberação que

muda o estilo de vida.

Neste ponto é importante trazer a tona o conceito de ministério. No ocidente se vê o

ministro como um pedagogo, um profissional indispensável. Na América Latina já existe

uma visão de incluir o "leigo" dando-se cursos por extensão. Há em muitos lugares uma

busca por uma integração entre educação e prática sendo que o ideal é um treinamento

feito dentro do próprio ministério sem um isolamento normal das instituições

teológicas.

Orlando Costas define a diferença entre a teologia feita no hemisfério norte e no sul: "no

hemisfério norte a teologia missiológica é bem pensada, uma reflexão escrita. No sul,

é oral, uma reflexão popular feita 'na rua' onde está. No norte é a província de teólogos

especializados. No sul, é incentivado normalmente por membros comuns da igreja,

geralmente pobres, que agem coletivamente e são ajudados por alguns poucos teólogos

profissionais" (pág 304).

4. CRÍTICAS A CHARLES KRAFT

Conn levanta vários aspectos da etnoteologia de Kraft em seu livro e se preocupa

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bastante em refutar as suas idéias ao mesmo tempo em que reconhece pontos positivos como o

respeito pelas culturas diferentes e receptoras do Evangelho.

Entre as questões levantadas por Conn, gostaria de destacar três.

4.1. A Revelação e a Inspiração

Para Kraft as Escrituras são inspiradas por Deus e denotam sua revelação. Não obstante

existe um processo continuo de revelação divina e toda vez que o Evangelho chega a uma

nova cultura Deus inspira uma revelação de acordo com as características desta cultura.

Em outras palavras, não existe uma teologia fixa e universal, mas relativa e

contextualizada. É claro que a Bíblia é o modelo, a vara de medir (o cânone), mas apenas

no aspecto de que a inspiração ocorrida na interação entre Deus e os escritores é

exemplar e ocorre num processo continuo e dinâmico.

Conn rechaça as críticas não fundadas contra Kraft e coloca alguns pontos discutíveis

questionando se:

4.1.1. O modelo, o paradigma, usado por Kraft em sua definição de revelação e

inspiração não enfatiza apenas o lado humano da questão esquecendo-se de que se trata

de uma auto-revelação de Deus? A análise da revelação tende a buscar uma

compreensão meramente do ponto de vista do homem e quem sabe, dos escritores

bíblicos.

4.1.2. A revelação que ocorrerá em determinada cultura fica a mercê do sucesso do

empreendimento cientifico, seja ele teológico e/ou antropológico? Deus se faria

completamente dependente da nossa capacidade de contextualizar, achar a "equivalência

dinâmica" para poder se revelar. Mesmo que Kraft veja a ajuda divina neste processo fica a

dúvida, porém poderia também ser comparada a "dependência" de Deus na

evangelização feita pela Igreja na terra.

4.1.3. Não existe o perigo do Funcionalismo, já descrito anteriormente, onde só vale

aquilo que funciona dentro de uma determinada cultura? É a questão de que para Kraft o

Antigo Testamento é tão válido quanto o Novo, apenas depende de que cultura está

sendo atingida.

4.2. A Bíblia como "livro inspirado de casos"

O pensamento de Kraft é que as Escrituras apenas são um relato de como Deus tem

agido nas diferentes situações vividas pelo ser humano e que servem de modelo, de

exemplo, para novas situações. É uma série de estudos de caso feitos por escritores

inspirados por Deus e que necessitam ser vistos dentro do seu contexto especifico e

cultural.

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A preocupação de Conn e outros neste ponto é a própria autoridade das Escrituras,

delegada à um segundo plano quando em confronto com as culturas humanas. A Bíblia

tem uma revelação progressiva com uma clara mensagem central que não pode apenas

ser vista como mais um caso na história humana.

4.3. O Relativismo

O terceiro ponto deriva dos dois anteriores. A visão de Kraft quanto a revelação e quanto

às Escrituras leva a um forte relativismo. Há um perigo concreto de que não existe mais

verdades supraculturais e qualquer Deus normativo torna-se um absurdo, uma

contradição! O próprio fato de que uma revelação independente da proclamação de

Cristo possa ocorrer de forma salvadora deixa o Novo Testamento numa posição de

inverdade e incoerência. Que Deus pode se revelar nas culturas diretamente é

testemunhado pelo apóstolo Paulo (Rm 1.20; 2.15; At. 14.17, etc.) e até pode-se aceitar

que em sua soberania Deus salva quem ele quer, mas isto não nos dá o direito de tornar

relativo a sua revelação. No fim podemos conforme Conn diz, usar o Evangelho e as

Escrituras consoante ao que nós queremos - sempre acharemos algum "caso" que nos

dê cobertura!

CONCLUSÃO

O último capítulo do livro de Conn é dedicado ao futuro. O que fazemos a partir do

triálogo já existente? Que novos passos precisam ser dados para se chegar a "Consciência

Três"?

Conn sugere que as seguintes importantes questões sejam discutidas:

1. Como devemos entender a natureza da formação de paradigmas e sua

relação com a cosmovisão?

2. Como entender o Mito e o Simbolismo?

3. Até que ponto podemos aceitar um relativismo, respeitando tanto a essência

do Evangelho e os elementos culturais do povo receptor?

Conn lamenta que poucos teólogos tenham uma especialização na antropologia. Uma

exceção é justamente Kraft. Faltam as perguntas endereçadas aos antropólogos cristãos

pelos teólogos!

Vejo no livro de Conn um equilibrado desejo de promover um entendimento geral nas

questões missiológicas e culturais, não buscando unanimidade em tudo, mas abertura para uma

discussão franca e sincera. Um bom exemplo disto é sua análise do pensamento de Kraft onde

ele consegue tanto ver os pontos positivos como os negativos defendendo de críticas

Page 21: C O N T E X T U A L I Z Ã O

infundadas e criticando os pontos questionáveis.

Certamente Conn contribui para, quem sabe no início do século 21, chegarmos a

"Consciência Três", uma cooperação ampla e completa entre os cristãos representantes

das diferentes ciências que precisam ser envolvidas em missões. Aí, quem sabe, a revelação

divina alcançará de forma clara e persuasiva a todos os povos, nações e culturas.

Breve Análise do Livro "O Fator Melquisedeque" De Don Richardson

INTRODUÇÃO

O livro de Don Richardson, missionário e missiólogo, "O Fator Melquisedeque" e uma

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sistematização de pensamentos já expostos pelo autor em livros anteriores como "Senhores da

Terra" e "Totem da Paz". Nestes, ele descreve experiências vividas pessoalmente e por outros

missionários em campos de missões narrando também aspectos culturais dos povos com os

quais houve contato.

Em "O Fator Melquisedeque" (gosto mais do titulo em inglês - "Eternity in Their

Hearts"), Richardson desenvolve suas idéias buscando um apoio escriturístico para suas

afirmações, completando com um vasto trabalho de pesquisa em, por exemplo, literatura grega e

na antropologia.

O tema principal está na convicção de que Deus deixou os povos preparados para o

Evangelho para que, quando a testemunha de Cristo alcançasse um determinado povo ou nação

houvesse condições de criar elos de contato com o "testemunho de Deus" presente desde

tempos remotos com a mensagem cristã.

Irei sintetizar os principais pontos do livro e tentar avaliar os aspectos mais críticos.

1. UM MUNDO PREPARADO PARA O EVANGELHO

Partindo do texto de Atos 14:15-17, quando Paulo e Barnabé se encontram em Listra na

primeira viagem missionária do apóstolo, o autor afirma a existência de um testemunho de

Deus entre os povos desde o tempo da dispersão das raças no inicio da história da humani-

dade. Mesmo os povos que se afastaram de Deus levaram consigo uma revelação divina ou uma

participação divina em sua cultura que, de alguma forma, poderia lembrar do Criador. O texto

de Atos sugere uma preocupação de Deus em manter contato constante com os povos através da

natureza e da própria consciência do homem. Isto é reforçado pelas palavras do mesmo

apóstolo em Rm 1:18-20 e Rm 2:13-15.

O importante desta afirmação, no contexto de estudo de Richardson, e o preparo dos povos

para a futura evangelização. Alguns exemplos são dados dividindo-se os povos em três

categorias, a saber:

1.1. Povos do Deus Remoto

Existem povos, constata o autor, que têm uma clara idéia de um Deus Soberano e Criador,

mas que, segundo suas tradições, está distante e sem qualquer influencia direta na vida do povo.

Antigo Testamento e que também servem de apoio para a explanação do desejo divino

de salvar os povos.

Finalizando o capitulo sobre o Fator Melquisedeque, o preparo das nações para o

Evangelho, o autor analisa alguns conceitos filosóficos expostos por eruditos na linha do

evolucionismo. Estes elaboram com uma falsa premissa de que o desenvolvimento positivo da

humanidade partiu de uma cultura sem Deus. Com a reflexão sobre a alma surgiu o animismo

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para mais tarde, na elitização de classes, passar a um politeísmo. Quando as elites concentram o

poder num governante vem a idéia de um deus superior e soberano dando origem ao

monoteísmo. O ideal pregado por estes representantes da evolução é um retorno a origem

sem qualquer preocupação com um Deus. A conseqüência é a pregação do ateísmo aceita,

por exemplo, pelo Comunismo. Apesar de todo o estudo feito entre povos primitivos e sua

crença primeira, "monoteísmo nativo", que prova o contrário das teorias evolucionistas

apresentadas por estes eruditos como Taylor, as teorias continuam a ser divulgadas e

apresentadas como verdadeiras.

2. O EVANGELHO PREPARADO PARA O MUNDO

Aqui se trata do "Fator Abraão", a revelação especial de Deus a um povo, Israel, mas

que teria sua validade para a humanidade como um todo: "Em ti serão benditas todas as

famílias da terra" (Gn 12:3). Diz Richardson que esta é a "viga-mestra" da revelação especial,

a "espinha dorsal" da mensagem da Bíblia.

2.1 A Conexão de Quatro Mil Anos

Desde a formação do povo Israelita Deus tem uma declarada preocupação em reaver a

comunhão com o ser humano, perdida na queda. A própria escolha de um povo através de

Abraão visa a reconquista do homem. A salvação é colocada em termos de benção e é

destinada a todos os povos da terra. Já no inicio fica claro a abrangência da ação divina e Israel

seria um canal desta benção.

Portanto, missões não é uma invenção de última hora por parte de Jesus ou mesmo

pela Igreja atual, mas uma ênfase dada por Deus desde o tempo de Abraão.

2.2 Um Messias para Todos os Povos

Jesus Cristo encarna a promessa divina de benção para todas as nações e povos. Isto é

exaustivamente afirmado pelo Mestre tanto em seu ensino como em seu ministério. Enquanto

os lideres judaicos e os próprios discípulos viviam num exclusivismo, Jesus se preocupava

também pelos gentios que passavam ou viviam na Palestina.

2.3 A Mensagem Oculta de Atos

No livro de Atos dos Apóstolos temos a continuação do ministério de Jesus através

dos apóstolos. Não houve por parte deles uma compreensão satisfatória do universalismo da

tarefa, mas com a ajuda do Espírito Santo alcançaram aos poucos outros povos. Foi em Paulo

que Deus encontrou o "apóstolo dos gentios" que levaria a cabo, dentro das limitações da

época, a comissão missionária. A tradição cristã nos relata viagens dos demais apóstolos e

sabemos pela continuação do Novo Testamento que Pedro e João saíram, com o tempo, de

Jerusalém.

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Atos pode ser visto como um manual missionário, afirmam alguns, contendo um desafio

para uma continuação da tarefa missionária até se alcançar, efetivamente, os confins da

terra.

Este é o "fator Abraão", a revelação especial de Deus a humanidade, o Evangelho sobre

Jesus Cristo, que pela fé aceito leva a um novo nascimento e uma comunhão com o Criador.

3. AVALIAÇÃO PESSOAL E CONCLUSÃO

Vejo no livro de Don Richardson importantes aspectos que devem ser ponderados na

nossa reflexão missiológica. Gostaria de destacar alguns pontos positivos e também colocar

algumas criticas sobre sua exposição.

3.1 A Soberania de Deus

Fica bem patente a convicção do autor na soberania divina em dirigir a história humana de

tal forma que sempre existe um controle por parte do Criador mesmo quando os povos escolhem

os seus próprios caminhos. Em sua sabedoria, Deus deixa algo de si mesmo entre as diferentes

culturas, Esta presença divina se faz notória em tradições das mais variadas tendo um aspecto de

revelação geral e irrestrita a todos.

3.2 Fator Melquisedeque versus fator Abraão

É bem sugestiva a diferença feita entre os dois “fatores” com boa argumentação e

ricamente exemplificada. Mesmo havendo alguns pontos fracos, como veremos abaixo, me

parece que Richardson encontrou algo de valioso na determinação do que vem a ser revelação

geral e revelação especial. Não podemos negar que os exemplos bíblicos aludidos e as

experiências coletadas ao longo da história missionária apontam para a veracidade destes

"fatores".

3.3 Valorização das Culturas

A afirmação de que cada cultura tem uma influência, por mínima que seja da parte de

Deus faz com que as culturas sejam valorizadas. Não se pode desprezar algo que Deus tem

aceitado e usado para se comunicar assim como não se pode escolher uma cultura especifica

como a única verdadeira e consoante ao desejo divino.

3.4 A Preocupação Evangelística

O estudo feito pelo autor, segundo posso entender, tem como causa primeira a

preocupação em levar o Evangelho a todos os povos da terra. Principalmente achar pontos de

contato entre a mensagem bíblica e a cultura em foco, usando estes pontos como cabeças de

ponte para transmitir um Evangelho contextualizado e compreensível. Não significa que

qualquer similitude pode ser usada, precisa haver critérios definidos para as analogias.

Richardson tem critérios e tanto em sua experiência pessoal como em sua argumentação busca

o bem do Evangelho.

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3.5 Generalizações

Um ponto fortemente crítico em sua exposição é a facilidade em partir para generalizações. Quando algo é evidenciado por número, segundo ele, suficiente de casos, pode-se afirmar um conceito definido e válido para todas as culturas e povos. Mesmo que o conceito seja verdadeiro, é difícil provar o contrário, o método científico correto parece exigir um pouco mais do que a soma de casos parecidos.

Sei que parte do material é espiritual e metafísico e não cabe dentro das regras normais

da ciência, mas neste caso também as afirmações perdem o seu valor científico.

Gostaria que Richardson tivesse razão em suas afirmações e até creio que sim, mas dificilmente suas conclusões num todo seriam incontestadas por estudiosos, por exemplo, na área da antropologia, mesmo se tratando de cristãos confessos.

3.6 Uma Atitude Negativa para com Teólogos

Provavelmente aqui também se trata de uma generalização. Vez após vez o autor fala da

categoria de teólogos como incrédulos quanto as possibilidades de Deus em falar através de

culturas pagãs. Mesmo na abordagem sobre conceitos básicos de missões parece que apenas

missiólogos entendem o conteúdo bíblico. Sou, naturalmente, forte adepto da teologia de

missões e vejo estes conceitos em toda a Bíblia, mas seria injusto classificar os teólogos como,

de forma generalizada, contrários a esta ênfase.

3.7 A divisão CósmicaFiquei um tanto surpreso com a afirmação do autor sobre a divisão cósmica em quatro

níveis (pág. 106-107). Mesmo que isto possa de alguma forma transparecer na linguagem

fenomenológica das Escrituras me parece um tanto arriscado afirmá-lo categoricamente.

Segundo entendo, as Escrituras combatem veemente qualquer separação que possa gerar uma

dicotomia da realidade, comumente advogada pelos gregos no Gnosticismo em suas diversas

formas e apresentações históricas. Mas pode ser que, por não ter me confrontado com esta

idéia anteriormente, esteja reagindo forte demais.

3.8 Frustrações para Missionários

Um dos efeitos menos positivos da exposição e o julgamento in-

Um exemplo bíblico disto, na experiência do próprio apóstolo Paulo é a descoberta de

um altar em Atenas com a inscrição "Ao Deus desconhecido”. O autor, após pesquisas sobre

filósofos da época e acontecimentos que possam explicar o fato na história da Grécia, nos

apresenta uma interessante narrativa que daria significado a abordagem de Paulo e seu uso

deste altar para a divulgação de Cristo. Por trás da inscrição havia uma manifestação do Deus

vivo na vida dos gregos mostrando que, pelo menos em algum momento de sua história, houve

uma preocupação em adorar a este Deus, ou usando o termo grego, usado por Paulo, este

Theos.

Os Cananeus com seu E1 Elyon, os Incas com seu Viracocha, os Santal com seu Thakur Jiu, os Gedeos da Etiópia com seu Magano, os Mbaka da República Centro-Africano com seu Koro, os Chineses com o Senhor do Céu - Shang Ti e os Coreanos com seu Hananim, são exemplos dados de povos com noções de um Deus Criador e Sustentados do Universo que há muito tempo tinha sido adorado e obedecido, mas que com o passar dos anos foi deixado de

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lado.

É justamente no exemplo dos Cananeus e o contato de Abraão com o rei Melquisedeque que temos uma evidência de que Deus age através de uma revelação geral entre os povos. Abraão reconhece o sacerdócio de Melquisedeque e lhe oferece o dizimo. Da mesma forma, diz Richardson, temos nos demais exemplos citados, claras provas de revelação geral como testemunho vivo de Deus nas mais diversas culturas. Este é o "Fator Melquisedeque".

1.2.Povos do Livro Perdido

Analogamente existem povos que têm uma tradição verificável de um livro sagrado

perdido na história. Exemplos disto são povos principalmente na Ásia (Birmânia, China e

índia, etc.) que têm uma expectativa de um dia encontrar novamente o escrito sagrado trazido,

pois alguém de fora, geralmente um branco!

Assim como esta expectativa se encaixa bem na vinda de missionários com a Bíblia

"em baixo do braço", também têm ocorrido situações quando outras religiões, por exemplo, o

Islamismo, tem se aproveitado de tais crenças. Mas, não há dúvida, que este fato de esperarem

um mensageiro, ou com uma palavra do Deus Remoto ou com o Escrito Sagrado, cria cabeças

de ponte para a contextualização do Evangelho de Cristo.

1.3.Povos com Costumes EstranhosDa mesma forma como Deus colocou alguns costumes estranhos entre os Israelitas no

Antigo Testamento, encontra-se em alguns povos espalhados pela terra rituais pouco familiares

aos demais. O barquinho emissário na ilha de Bornéu, ou o ritual de paz do povo Asmat em

Nova Guine têm claros paralelos com os costumes estranhos narrados no An-

direto de missionários que nunca acharam o elo de contato, o elemento redentor de uma

cultura onde trabalharam. Várias vezes durante as exemplificações, dão-se a entender que quem

não achou, fracassou. Não podemos, segundo meu ver e na pele de missionário, limitar a atuação

de Deus e do seu Santo Espírito a nossa perspicácia e habilidade de encontrar estes elementos.

Naturalmente a descoberta se dá com a ajuda do Espírito Santo, mas parece que nem sempre Ele dá

esta mão. Isto não significa que não devemos nos esmerar em buscar pontos de contate, mas

precisamos ter cuidado em emitir juízos sobre o ministério de dedicados missionários que

certamente foram sinceros em seu serviço ma, nunca tiveram qualquer treinamento transcultural

para exercer sua vocação.

Concluindo, creio que Don Richardson consegue de forma persuasiva e emocionante transmitir um conceito válido sobre a sabedoria de Deus em preparar tanto as nações para o Evangelho como o Evangelho para os povos. "Eternidade em seus corações” nos lembra a própria criação quando Deus coloca no homem algo de si mesmo, fazendo-o à sua imagem. Todo ser humano é portador deste elemento divino e precisa ser restaurado através do novo nascimento em Cristo Jesus. Precisamos encontrar caminhos para alcançar a todos os povos levando-os um Evangelho relevante e atual que vem de encontro às suas necessidades.

CONLUSOES FINAIS

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Diante do material estudado e exposto nas três partes que correspondem aos três livros,

de Kraft, de Conn e de Richardson, quero finalizar o trabalho com algumas conclusões finais

sintetizando algo do que considero essencial dentro da área de Contextualização.

No final da análise de cada livro assim como entrelaçado na discussão a tenho declarado opiniões e avaliações e pretendo aqui somente resumir os pontos cardeais.

1. Visão das EscriturasQualquer tentativa de contextualizar a mensagem do Evangelho parte fundamentalmente

da visão da Bíblia que a pessoa tem. Temos visto em Kraft uma visão que lhe dá condições

de manejar o texto bíblico com muita liberdade apenas conservando uns poucos pontos

como supraculturais e universalmente válidos. Tanto Conn como Richardson têm uma visão

diferente dando maior ênfase a uma fidelidade ao conteúdo da Palavra de Deus mesmo que o

último não declara isto de forma dogmática.

Para mim é essencial afirmar a validade das Escrituras no seu todo como a revelação total

de Deus à humanidade sendo, em todos os aspectos, normativo para nossas vidas. Creio que

Deus se revela também pela natureza e consciência do homem assim como pode se revelar

de formas sobrenaturais em sonhos, profecias, visões, etc. No entanto, é a Bíblia que serve de

critério para avaliar as outras formas de revelação. Reconheço, igualmente, que é preciso se fazer

uma leitura das Escrituras levando em conta o tipo de linguagem empregado o contexto histórico

e cultural e a finalidade daquilo que é registra do. Mas isto é bem diferente de reduzir a Bíblia a

um livro de casos que apenas serviria de exemplo da atuação divina em situações especificas.

Se não existe um caráter normativo, se os modelos bíblicos de padrão moral e ético e as

características da comunidade cristã apenas são elementos culturais cambiáveis conforme o

contexto fica difícil achar qualquer identidade cristã. O relativismo não ocorrerá somente entre

culturas distintas em povos distintos como também haverá claras contradições dentro da

mesma sociedade composta por grupos sociais e subculturas diversas. Num pluralismo vivido

por exemple no mundo ocidental tudo pode ser aceito como cristão e consonante aos planos

divinos. Sei que mesmo Kraft reserva como dissemos acima, alguns pontos básicos como os

Dez Mandamentos e do gênero, mas dando-se esta abertura relativista fica tremendamente difícil

colocar os limites da contextualização.

É necessário reafirmarmos a posição única da Palavra de Deus come autoridade máxima no trabalho transcultural buscando transmitir seu conteúdo, como um todo, ás culturas que estão sendo alcançadas.

2. A Valorização das Culturas

Todos os três autores têm grande respeito pelas culturas existentes e até as já mortas.

Vez após vez nos é lembrado o fato de que Deus direta ou indiretamente é a origem de todas

as culturas dando ao ser humano a tarefa de formar a sua sociedade e consequentemente

também sua cultura especifica. Através de culturas Deus tem se comunicado e segundo textos

bem esclarecidos em nosso estudo, Deus tem preservado um testemunho seu em todas elas.

É importante, segundo meu ver, renovadamente declarar a igualdade de valor das culturas

como próprias para as pessoas que nelas vivem. Qualquer etnocentrismo ou sentimento de

superioridade racial e cultural é estranho ao contexto missionário bíblico.

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Por outro lado também é necessário ter uma visão critica das culturas vendo seus aspectos positivos e negativos. Num trabalho transcultural com vistas à implantação de igrejas precisa haver discernimento e sensibilidade tendo condições de reforçar os elementos culturais que harmonizam com os conceitos bíblicos e trabalhar em função de uma eliminação dos que são contrários.

3. A Necessidade da contextualização

Fica mais uma vez clara a necessidade de uma contextualização verdadeira e completa da

mensagem acerca de Cristo. É essencial que cada povo sinta que o Evangelho é deles, assim

como a igreja que está sendo implantada.

Nesta contextualização busca-se elementos da tradição e da cultura que podem

expressar os conceitos cristãos de uma forma compreensível e relevante numa equivalência

dinâmica, sem por isso descaracterizar o Evangelho. Acredito como Richardson bem enfatiza

que em cada cultura existam pontos de contato, lendas, estórias, fatos da história do povo,

tradições, rituais, símbolos, etc., que servem de cabeças de ponte para uma comunicação

eficiente e sóbria. Até que ponto sempre é possível achar o "elemento redentor" fica em aberto,

mas a procura de termos, atitudes e costumes que lembram algum aspecto do Criador é

recomendável.

Embora a contextualização seja a mais completa possível sempre sobrará conceitos

bíblicos que trarão confrontos com a cultura reinante. Esta confrontação faz parte do espírito da

mensagem e quer levar o ser humano inserido em determinada cultura a refletir sobre sua

cosmovisão e sua necessidade espiritual. Em outras palavras, não é possível fazer uma

contextualização tal ou uma adaptação tão completa que não haja pontos conflitantes com a

cultura humana, seja ela qual for.

4. A Interdependência das Ciências

Conn advoga um diálogo mais aberto e franco entre as ciências envolvidas na questão

transcultural. Kraft faz forte uso da antropologia e de outras ciências afins para sua

argumentação. Richardson, tanto em seu ministério transcultural, como em suas afirmações

conceituais, lança mão da teologia e da antropologia, além da literatura da Antiguidade.

Pessoalmente estou convencido de que precisa haver uma cooperação ampla e generosa entre as ciências que se preocupam com o bem-estar do ser humano e que analisam o seu comportamento. A desconfiança e o exclusivismo devem dar lugar à colaboração e ao entendimento. Naturalmente cada ciência tem o seu ponto de partida. Em cada ciência tem também diferentes linhas de pensamento que norteiam o estudo. Não obstante há condições de um trabalho conjunto e principalmente há espaço, tanto no estudo missiológico como na prática missionária, para um aproveitamento maior das contribuições que outras ciências podem fornecer.

5. A Soberania de DeusQuero finalizar o trabalho com a declaração da soberania divina e nossa dependência do

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Senhor que através do seu Espírito Santo dirige os empreendimentos missionários. O fator

surpresa parece sempre estar presente na história de missões. Deus faz muitas vezes o que para

nós parece impossível ou pelo menos muito difícil. Ele tem o direito de escolher as formas de

revelação e de utilizar os instrumentos que lhe deseja para a divulgação do seu nome. Ao mesmo

tempo Ele tem incumbido a Igreja da tarefa de pregar até aos confins da terra. Isto significa uma

enorme responsabilidade que necessariamente precisa ser cumprida e assumida com toda a

seriedade e esmero.

Qualquer que seja, no entanto, nosso esforço em contextualizar a mensagem e em nos

adaptar a uma cultura receptora do Evangelho, o êxito e o sucesso dependem da atuação divina

frutificando o trabalho.

Vários textos de Paulo foram citados ao longo dos livros e deste trabalho. Termino com 1

Co 3:6 - "Eu plantei, Apolo regou-, mas Deus deu o crescimento".

BIBLIOGRAFIA

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