bryanfrancisco m - dissertacao de mestrado

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Artigo sobre o desenvolvimento do setor de transportes realizada no IG da Universidade Estadual de Campinas.

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    NMERO: 138/2011 UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

    INSTITUTO DE GEOCINCIAS PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM

    GEOGRAFIA NA REA DE ANLISE AMBIENTAL DE DINMICA TERRITORIAL

    FRANCISCO BRYAN

    Mobilidade Urbana em Campinas: anlise do espao de circulao

    Dissertao apresentada ao Instituto de Geocincias Ps graduao em Geografia como parte dos requisitos para obteno do ttulo de Mestre em Anlise Ambiental e Dinmica Territorial.

    Orientador: Profa. Dra. Regina Clia Bega dos Santos

    CAMPINAS - SO PAULO Maio 2011

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    FICHA CATALOGRFICA ELABORADA PELO Sistema de Bibliotecas da UNICAMP / Diretoria de Tratamento da Informao

    Bibliotecrio: Helena Joana Flipsen CRB-8 / 5283

    Ttulo e subttulo em ingls: Urban mobility in Campinas : analysis of circulation space.

    Palavras-chave em ingls (Keywords): Urban policy - Campins (SP); City transportation - Campinas (SP); City planning - Campinas (SP); Human geography - Campinas (SP).

    rea de Concentrao: Anlise Ambiental e Dinmica Territorial.

    Titulao: Mestre em Geografia.

    Banca examinadora: La Francesconi, Ricardo Castilho.

    Data da Defesa: 18-05-2011

    Programa de Ps-Graduao em Geografia.

    Bryan, Francisco. B84m Mobilidade urbana em Campinas : anlise do espao de circulao / Francisco Bryan. -- Campinas, SP : [s.n.], 2011.

    Orientador: Regina Clia Bega dos Santos. Dissertao (mestrado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Geocincias.

    1.Poltica urbana - Campinas (SP). 2. Transporte urbano - Campinas (SP). 3. Planejamento urbano - Campinas (SP). 4. Geografia humana - Campinas (SP). I. Santos, Regina Clia Bega dos Santos. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Geocincias. III. Ttulo.

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    AGRADECIMENTOS

    Meus sinceros agradecimentos vo para todas as pessoas que cito abaixo: Aos professores da banca examinadora Arlete Rodrigues, Ricardo Castilho e La

    Francesconi pelo afinco ao qual se dedicaram leitura e aos comentrios sobre esta dissertao; Regina Bega dos Santos, por ter tido a pacincia e a dedicao ao me orientar durante estes meses; aos funcionrios da secretaria de Ps Graduao e da biblioteca do IG; aos funcionrios da biblioteca jurdica e da Secretaria de Planejamento, em especial Maria Conceio Pires; ao Joo Ernesto, da EMDEC; ao Josias Lech, da Cmara dos Vereadores de Campinas; ao ex-secretrio de Transportes de Campinas Marcos Bicalho; Fernanda Torresan, responsvel pela reviso textual desta pesquisa; Nina Chechim, pela diagramao e reviso das normas ABNT; aos sempre amigos Ana, Carlos, Cau, Emlio, Fbio, James (tradutor do Abstract desta pesquisa para o Ingls), Marcos (diagramador dos grficos e tabelas), Rafael Tubino, Fbio, Rafael Craveiro, Robinson, Cris e Marco; s coordenadoras do Colgio Progresso Cristina e Eugnia. Em especial aos meus pais, Newton e Rosa, principais responsveis pela minha afinidade com a Geografia e com os transportes. Em especial tambm; ao meu irmo Guilherme, que dedicou seu tempo, com muito carinho, a leituras e palpites sobre esta dissertao; Claudia, Isabela e Bianca, que me amam tanto e me do o apoio dirio na vida para continuar a busca pelo conhecimento.

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    SUMRIO Sumrio ......................................................................................................................................... vii

    LISTA DE SIGLAS ........................................................................................................................xi INTRODUO ...............................................................................................................................1 CAPTULO 1. Noes tericas ..................................................................................................17

    1.1 Deslocamentos: necessidade de meios de circulao e de transporte. .............................17 1.2 Noes de espao-tempo e de circulao.........................................................................18 1.3 Deslocamento das foras produtivas................................................................................23 1.4 O transporte de pessoas na cidade....................................................................................26 1.5 Os espaos para circulao so desiguais ........................................................................29

    CAPTULO 2 A Dinmica Territorial e o Espao de Circulao de Campinas na Atualidade..35 2.1 Condicionantes do transporte de pessoas.........................................................................35 2.2 O uso do solo, a distribuio espacial da populao e dos locais onde so realizadas as atividades humanas cotidianas ...................................................................................................43 2.3 O espao de circulao disponvel na cidade...................................................................50 2.4 Os meios de transportes usados........................................................................................65 2.5 As condies scio-econmicas da populao ................................................................71 2.6 Acessibilidade ao transporte em Campinas (macro e micro)...........................................74

    CAPTULO 3 A CIDADE INDUSTRIAL E OS PLANOS ESTRUTURADORES .................79 3.1 Contexto histrico ...........................................................................................................79 3.2 - A industrializao redefine a cidade paulista.....................................................................83 3.3 - O Plano de Melhoramentos................................................................................................85 3.4 Anos 60 e 70 ....................................................................................................................97 3.5 Anos 1990: novos projetos e problemas. .......................................................................108

    CAPTULO 4 Planos Nacionais e Experincias no Brasil .......................................................123 4.1 Anlises e propostas.......................................................................................................123 4.2 Polticas Pblicas do setor de Transporte Urbano em mbito nacional ............................128

    CONSIDERAES FINAIS.......................................................................................................135 LISTA DE TABELAS, FIGURAS, IMAGENS E GRFICOS.....................................................ix BIBLIOGRAFIAS UTILIZADAS...............................................................................................145 BIBLIOGRAFIAS CONSULTADAS .........................................................................................151

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    SITES VISITADOS .....................................................................................................................153 LEIS, DECRETOS E NORMAS .................................................................................................155

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    LISTA DE TABELAS, FIGURAS, IMAGENS E GRFICOS Tabela 1 Indicadores comparativos de modos de transporte (nibus como base 1,0).......33 Tabela 2 Corredores de nibus de Campinas.....................................................................59 Tabela 3 Distribuio do servio e dos passageiros de nibus pelas reas de atuao das empresas concessionrias .....................................................................................................61 Tabela 4 - Vias destinadas bicicleta em Campinas ............................................................64 Tabela 5 Sistema virio proposto para Campinas em 1938...............................................91 Tabela 6: Taxa de motorizao em Campinas ....................................................................119

    Figura 1 Macrozonas do Municpio de Campinas .............................................................45 Figura 2 - reas de operao, terminais e estaes de transferncia....................................54 Figura 3 Renda mdia do chefe de famlia por rea de Campinas ....................................72 Figura 4 Malha ferroviria campineira ..............................................................................81

    Figura 5 Planta da cidade de Campinas em 1929 ..............................................................88 Figura 6 Linhas de bondes eltricos de Campinas na dcada de 1930 ..............................94 Figura 7 Volume dirio de veculos nas principais vias de Campinas na dcada de 196099 Figura 8 Hiptese confirmada dos eixos de crescimento urbano de Campinas...............101 Figura 9 Linhas de desejo de deslocamento .......................................................................120 Figura 10 Linhas de desejo de deslocamento .....................................................................121

    Grfico 1: Em Campinas, 1.546.833 viagens so realizadas diariamente ............................51 Grfico 2: So 416.399 viagens por dia (transporte pblico) ...............................................68 Grfico 3: So 348.226 viagens por dia (transporte individual)...........................................69 Grfico 4: Percursos a p ......................................................................................................71

    Grfico 5 Evoluo de passageiros transportados em Campinas .......................................116

    Imagem 1 Estao de Transferncia da Avenida Senador Saraiva Centro da cidade.....56 Imagem 2 Faixas exclusivas e preferenciais da Avenida Anchieta Centro da cidade ....57 Imagem 3: Ciclofaixa que circunda o Parque Taquaral........................................................63 Imagem 4 Avenida das Amoreiras na dcada de 1980....................................................107 Imagem 5 O que restou da Estao Aurlia do VLT.......................................................113 Imagem 6 Perueiros na Avenida Anchieta, no centro da cidade.....................................117

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    LISTA DE SIGLAS

    - ANTP Agncia Nacional dos Transportes Pblicos - BRT Bus Rapid Transit (Trnsito rpido de nibus) - BNDE Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico - BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social - CCTC Companhia Campineira de Transportes Coletivos - CEASA Centrais de Abastecimento de Campinas S.A. - CIMCAMP Central Integrada de Monitoramento de Campinas - COHAB Companhia de Habitao Popular de Campinas - DIC Distrito Industrial de Campinas - EBTU Empresa Brasileira de Transportes Urbanos - EMDEC Empresa Municipal de Desenvolvimento de Campinas - EMPLASA Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano S/A - FEPASA Ferrovia Paulista S.A.

    - FINEP - Financiadora de Estudos e Projetos - GDF Governo do Distrito Federal - GEIPOT - Empresa Brasileira de Planejamento de Transportes Urbanos - GETU Grupo Executivo de Transporte Urbano - INTERCAMP Sistema de Transporte Pblico de Campinas - IPTU Imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana - PlanMob Plano de Transportes e Mobilidade Urbana - PPDI Plano Preliminar de Desenvolvimento Integrado de Campinas - PUCCAMP Pontifcia Universidade Catlica de Campinas - REPLAN Refinaria do Planalto Paulista - RMC Regio Metropolitana de Campinas - SEDU/PR Secretaria Espacial de Desenvolvimento Urbano / Presidncia da Repblica - SeMob Secretaria Nacional de Transporte e Mobilidade Urbana - SETEC - Servios Tcnicos Gerais - SETRANSP Secretaria Municipal de Transportes

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    - STAM Sistema de Transporte Alternativo em Campinas - STM Secretaria de Estado dos Transportes Metropolitanos - TIM Trem Intra Metropolitano

    - TRANSCAMP Associao das Empresas de Transportes de Passageiros da Regio de Campinas - TRANSURC Associao das Empresas de Transporte Coletivo de Campinas - UNICAMP Universidade Estadual de Campinas - VBTU Viao Bonavita de Transporte Urbano - VLP Veculo Leve Sobre Pneus - VLT Veculo Leve Sobre Trilhos

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    UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE GEOCINCIAS

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM GEOGRAFIA NA REA DE

    ANLISE AMBIENTAL DE DINMICA TERRITORIAL

    MOBILIDADE URBANA EM CAMPINAS: ANLISE DO ESPAO DE CIRCULAO RESUMO

    Dissertao de Mestrado Francisco Bryan

    Esta dissertao tem por objetivo realizar uma anlise do da mobilidade urbana da cidade de Campinas SP sob o ponto de vista de seu processo de urbanizao e seu sistema de circulao. Com este fim, ser estudado a estrutura atual do sistema de transporte pblico e como este se relaciona com o processo temporal de crescimento e desenvolvimento urbano. Composto por diversos perodos significativos (que so abordados de maneira distinta entre os estudiosos do assunto), tal processo ser objeto de reflexo crtica utilizando como mtodo a anlise geogrfica de circulao. Pretende-se debater o processo de crescimento e estruturao da rea urbana do ponto de vista da Geografia com relao aos sistemas de circulao urbana, de modo a compreender melhor a dinmica da questo do transporte pblico na cidade. Para tanto, necessrio compreender como se deu e como se d a distribuio espacial dos principais eixos de circulao utilizados pela populao a partir do transporte pblico a fim de subsidiar propostas para a melhoria de sua circulao pelo espao urbano, considerando principalmente as pessoas que mais necessitam deste transporte, e, portanto, de polticas pblicas que priorizem esta parcela da populao.

    O objetivo do trabalho, portanto, discutir o espao do cidado mobilidade, sob condies minimamente aceitveis de segurana atravs de uma nfase maior nas propostas de ampliao permanente da infra-estrutura das cidades como um todo, e no apenas do transporte rodovirio, ao invs de analisar as causas dos problemas existentes, considerando esses deslocamentos como sendo meras rotas de ida e volta do local de trabalho. A principal alternativa para isso levar em conta todas as formas de circulao no espao; a p, de bicicleta, carro, nibus, trem e metr. Todos devem ter condies para realizar suas atividades, e, portanto, a estrutura viria deve considerar todos os meios de transporte apontados acima.

    O enfoque aqui pretendido contempla a viso do uso social do espao urbano sobre o tema estudado, considerando algumas regras tcnicas utilizadas pelo enfoque tradicional, destacando-se a anlise do espao urbano onde estes deslocamentos so mensurados tecnicamente e utilizado por pessoas cujas relaes sociais, polticas e econmicas so complexas e ocorrem ao mesmo tempo.

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    UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE GEOCINCIAS

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM GEOGRAFIA NA REA DE

    ANLISE AMBIENTAL DE DINMICA TERRITORIAL

    Urban mobility in Campinas : analysis of circulation space. ABSTRACT

    Dissertao de Mestrado Francisco Bryan

    The goal of this dissertation is to analyze urban mobility in Campinas-SP through its urbanization process and circulation system development. Therefore, this work aims to study Campinas public transit system structure nowadays and how it reflects the urban development process through time. Split into several significant periods (which are approached through different viewpoints by scholars), such process will be object of critical reflection using as method the geographical analysis of circulation.

    Towards a better comprehension of public transport dynamics in Campinas, we intend to discuss the relationship between urban growth and development process and urban circulation systems. Therefore, it is necessary to understand how spatial distribution of the circulation axes most used by public transport users was developed through time in order to contribute on designing improvement proposals to these users circulation in the city. Such proposals should always consider first the users that rely most on public transport as much as the public policy framework focused on these users.

    This work also aims to debate the appropriation of urban spaces in order to guarantee all citizen mobility under minimum standards of safety through greater emphasis on proposals for perennial enhancement of urban infrastructure in cities as a whole - not focusing only on road transport - instead of only dealing with existing problems and their causes, an approach that usually demotes user displacements to simple commuting issues. The main alternative here is to consider all modes of transportation to get around in urban spaces: by foot, by bike, by car, by bus, by train, by subway, etc. Everyone should be able to carry out their activities; hence, transit structure should consider every one of these different modes.

    Our focus here is a social approach (instead of pure technical approach) towards the analysis of spatial use in cities regarding the main issues dealt with in this study, even though some of the technical rules used by traditional approaches are taken here into consideration, such as urban spatial analysis in which these displacements are technically measured. But it should never be taken for granted the fact that urban spaces are stages for complex social/political/economical relations.

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    INTRODUO

    Quando pensamos na cidade atual, logo nos vem cabea um espao heterogneo, com variadas possibilidades e opes de interaes; com pessoas de etnias, culturas, modos de vida e de trabalho diferentes; com espaos mltiplos que so construdos e reconstrudos pelo homem. Vm-nos, tambm, os mais diversos problemas enfrentados pelos citadinos cotidianamente, como a falta de moradias, a dificuldade de mobilidade gerada pelo trnsito, a violncia, a inacessibilidade aos transportes pblicos, a falta de redes de saneamento, o desemprego, entre outros.

    A cidade como conhecemos hoje - em particular a brasileira , com sua configurao - fruto principalmente do processo de industrializao, que constante indutor dos problemas relativos ao crescimento e planificao urbana (Lefebvre, 2006). esse processo que caracteriza a sociedade moderna. Portanto, podemos considerar que a problemtica urbana tem menos de dois sculos de existncia, perodo em que o valor de troca ganha papel central nas relaes do homem com o espao urbano. O valor de troca e a generalizao da mercadoria pela industrializao tendem a destruir, ao subordin-las a si, a cidade e a realidade urbana. (Lefebvre, 2006 Pg. 06)

    Toda e qualquer ao do homem no sentido de resolver o aparente caos vivido nas cidades deve considerar que o capital tende a se apropriar de tudo o que ocorre nelas, dando valor inclusive s coisas imateriais. Vende-se at o ar puro que determinadas reas da cidade possuem, sendo oferecidas a pblico restrito, com preos elevados. A apropriao dos espaos da cidade e das atividades realizadas no dia-a-dia feita de forma pensada e articulada. As festas e os espetculos agora so realizados para, alm de entreter, obter-se lucro, seja pela cobrana de entradas, seja pela venda de souvenires e de alimentos, ou ainda pela transmisso de novas regras sociais de comportamento. As aes pblicas e privadas no espao urbano contribuem para a mercantilizao da vida. Cada vez mais, o Estado permissivo com as atividades mercantilistas em reas pblicas urbanas. Mesmo que algumas aes se pretendam humanistas, essas no so suficientes para dar um fim aos problemas existentes nas cidades, uma vez que tais medidas pontuais podem minimizar os problemas, mas no acabam com eles. Ou pior, muitas das aes tomadas por determinados grupos sociais, embora aparentem boas intenes de seus

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    idealizadores, no passaram de novos degraus construdos para a escalada do capital em todas (ou quase todas) esferas de nossas vidas.

    De acordo com essas consideraes, o objetivo principal desta pesquisa discutir a problemtica urbana atual do municpio de Campinas, localizada no interior do estado de So Paulo, a mais ou menos 100 km da Capital do estado, sob a tica de objetos especficos: o espao de circulao e o transporte de pessoas.

    Na atualidade, o crescimento e desenvolvimento de Campinas esto relacionados a transformaes amplas no mundo capitalista que ocorrem, de modo particular, na regio onde est inserida. A reestruturao produtiva, ligada terceirizao e a desconcentrao industrial, tem gerado, a partir, sobretudo, da dcada de 1970, um intenso fluxo interdependente industrial e migratrio.

    Sua expanso urbana, caracterstica de uma sociedade com distribuio de renda desigual, resultou em uma estrutura urbana fragmentada, com intenso espraiamento da mancha urbana e esvaziamento populacional de sua rea central, dando espao s atividades de comrcio e servio. (PIRES, 2007), (PIRES E CAIADO, 2006)

    O sistema de transporte pblico de Campinas, tal qual o das grandes cidades brasileiras, bastante discutido em diversas esferas da sociedade que a habita. Afinal, esse um bem que faz parte das atividades cotidianas de seus cidados. Todas as relaes sociais estabelecidas na cidade so facilitadas (ou dificultadas), entre outros aspectos, pela forma como os indivduos se deslocam pelo espao.

    Hoje, a cidade possui principalmente duas modalidades de transporte pblico motorizado, nibus e micro-nibus1. H ainda uma terceira modalidade, o Veculo Leve sobre Trilhos (VLT), que se encontra desativado, embora a cidade necessite ampliar suas opes de deslocamento. As outras modalidades, no menos importantes, so o automvel (moto e carro), pedestre, bicicleta e nibus fretado.

    Campinas uma cidade com mais de um milho de habitantes (e ainda sede e centro de uma Regio Metropolitana com aproximadamente trs milhes de pessoas) e, provavelmente, possui infra-estrutura insuficiente para viabilizar minimamente a circulao de todas as pessoas. A cidade encontra-se com um sistema de transporte pblico ineficaz e obsoleto, praticamente

    1 O nome utilizado pelo poder pblico e pela populao seletivo, dado por cobrar tarifa um pouco mais

    elevada, justificada pelo suposto melhor servio prestado. Seus operadores so antigos perueiros da cidade, que entraram em acordo com a Prefeitura Municipal para operar no sistema de forma regulamentada.

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    incapaz de oferecer aos usurios o direito de fcil circulao pela rea urbana onde vivem, com a devida qualidade, equidade e segurana que o servio deve prestar. A infra-estrutura disponvel para cada modalidade de transporte dever ser levantada e avaliada quanto priorizao de algumas modalidades em detrimento de outras.

    necessrio teorizar algumas questes ligadas ao espao urbano contemporneo e importncia da circulao nas sociedades capitalistas. o caso da apropriao desigual deste espao e de noes de tempo e espao, as quais ganham importncia para que a pesquisa no seja um mero levantamento de dados do municpio sobre os transportes, negligenciando as mais diversas condicionantes que a circulao representa para o espao urbano. Tal discusso ser desenvolvida no captulo 1 desta pesquisa.

    As variveis espao e tempo na cidade contempornea sero consideradas de modo a permitir o debate sobre a aparente supresso do espao pelo tempo num mundo onde os fluxos (movimentos de pessoas, mercadorias, informaes etc) parecem eliminar os espaos fsicos. Pelo contrrio, o espao ganha ainda mais importncia nas relaes de todos os nveis, reconfigurando os territrios. (MONGIN, 2009, pg. 22)

    Esta reconfigurao do espao, entretanto, no ocorre em um espao qualquer, mas em espaos que recebem, cada vez mais, mltiplas funes e atribuies para a reproduo do capital. A mercantilizao do espao vai ganhando fora em todas as esferas e as atividades humanas, sejam elas ligadas ao trabalho ou ao lazer, seguem essa mesma dinmica. Ao mesmo tempo, o espao passa a ser apropriado de maneira desequilibrada, com espaos de circulao igualmente desiguais.

    A transformao do espao geogrfico para possibilitar e gerar novas espacialidades ocorre em dois mbitos concomitantemente, sendo o primeiro de processos mais amplos, que seguem a dinmica mundial da sociedade, da poltica e da economia; e o segundo local, que gera especificidades. No caso da circulao de pessoas nas cidades, os mesmos processos globais interferem especificamente em cada lugar.

    A realizao de um levantamento e de anlise da estrutura fsica e governamental do transporte da cidade de Campinas e dos espaos de circulao disponveis atualmente torna-se importante para identificar os problemas fundamentais encontrados no que diz respeito ao tema proposto. O captulo 2 traz, portanto, essa discusso, que ser realizada a partir de um levantamento de dados sobre a atual configurao espacial do municpio para a circulao de

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    pessoas e das condies oferecidas pelo poder pblico local para que este espao seja usado democraticamente.

    O perfil do transporte de Campinas traado a partir do local onde se vive e onde se exercem as atividades cotidianas (trabalho, compras, lazer, etc), das condies de uso e ocupao do solo determinadas pelas leis municipais, do espao de circulao disponvel na cidade, dos tipos de transportes usados e das condies scio-econmicas da populao. Todas essas variveis interferem diretamente no nvel de mobilidade urbana existente. Nesse captulo, portanto, todas as caractersticas atuais do municpio sero apresentadas para que fique evidente a atual situao da mobilidade urbana de sua populao. Inmeras questes podem ser previamente elaboradas para posterior anlise a partir da discusso a ser desenvolvida: Campinas oferece equidade em seu espao de circulao? O municpio est preparado ou est se preparando para ampli-la em sua mobilidade urbana no futuro, caso seu espao no seja distribudo equitativamente? Que espaos poderiam ser usados para que isso ocorra? O que o poder pblico municipal pode fazer para que isso acontea?

    As caractersticas urbanas da Campinas atual foram traadas ao longo de sua histria por processos gerais que tiveram impactos especficos no municpio. No captulo 3 sero abordadas questes referentes histria do processo de urbanizao ali ocorrido. Ser estudada a estrutura atual do sistema de transporte e como esse se relaciona com o processo temporal de crescimento e desenvolvimento urbano. Composto por diversos perodos significativos, abordados de maneira distinta entre os estudiosos do assunto, tal processo ser objeto de reflexo crtica utilizando como metodologia a anlise geogrfica de circulao. O levantamento e a anlise dos principais projetos de transporte para o municpio, desenvolvidos durante os ltimos 80 anos, so igualmente importantes, pois traam uma linha evolutiva das polticas pblicas que, de modo significativo, conseguiram atender aos anseios das classes sociais interessadas.

    Pretende-se debater ainda o processo de crescimento e estruturao da rea urbana do ponto de vista da Geografia, no que se refere aos sistemas de circulao urbana, de modo a compreender melhor a dinmica da questo do transporte na cidade. preciso compreender como se deu e como se d a distribuio espacial dos principais eixos de circulao utilizados pela populao a partir do transporte pblico, a fim de subsidiar propostas para a melhoria de sua circulao pelo espao urbano, considerando principalmente as pessoas que mais necessitam

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    desse transporte. So necessrias, portanto, polticas pblicas que priorizem essa parcela da populao.

    Levantadas as questes tocantes ao processo de formao da cidade atual, suas relaes com o espao de circulao e com a disposio dos transportes de Campinas, e todos os temas correlacionados, necessrio que se faa ainda uma anlise das polticas pblicas elaboradas em nvel nacional e local. Este o assunto abordado no captulo 4. Ao serem identificados, em Campinas, problemas relacionados ao tema, com suporte de polticas pblicas ao longo dos anos, ser possvel tratar de questes como: qual o programa do governo municipal para a busca de um transporte que use e leve ao uso mais igualitrio do espao urbano? Existem parmetros nacionais sobre polticas pblicas em transporte urbano capazes de dar suporte terico e tcnico aos municpios? Caso existam, como eles so utilizados pelo atual governo municipal? Criou-se a possibilidade de se fazer polticas pblicas efetivas, ou ainda estamos diante de gestes que empreendem aes especficas?

    Nesse captulo sero apresentadas algumas experincias positivas que podem servir como exemplo para administraes como a de Campinas, tanto no que se refere busca de mecanismos de avaliao dos nveis de mobilidade de sua populao, como busca de solues prticas que podem contribuir para a distribuio mais equnime do espao urbano campineiro.

    O processo de urbanizao e o sistema de circulao oferecido pela cidade aos indivduos so fundamentais para explicar os usos e as apropriaes dirias pelos moradores de Campinas, tanto por aqueles que tm o privilgio de utilizar o transporte individual, sobretudo o automvel, quanto por aqueles que utilizam o transporte pblico. As caractersticas comuns s cidades brasileiras em decorrncia do crescimento urbano tambm sero abordadas nesta pesquisa, tais como o processo de industrializao, a especulao imobiliria, a valorizao das terras urbanas, os processos de excluso da populao de menor renda para as periferias, a verticalizao, as polticas pblicas ineficazes de transporte pblico; entre outras. Essas variveis tambm se manifestam de maneira no menos importante para o estudo geogrfico.

    Os projetos desenvolvidos para as cidades devem se preocupar com os atos cotidianos e com as especificidades existentes nos diferentes lugares de cada centro urbano. Essas especificidades podem ser pautadas em condies polticas, econmicas e sociais que, na maioria das vezes, so determinadas por condies locais e gerais. Por isso necessria a anlise dos

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    processos histricos nas cidades que esto sendo estudadas. O autor Milton Santos reflete a esse respeito:

    A cidade onde tantas necessidades emergentes no podem ter resposta, est desse modo fadada a ser tanto o teatro de conflitos crescentes como o lugar geogrfico e poltico da possibilidade de solues. Estas para se tornarem efetivas, supem ateno a uma problemtica mais ampla, pois o fato urbano, seu testemunho eloqente, apenas um aspecto. Da a necessidade de circunscrever o fenmeno, identificar sua especificidade, mensurar sua problemtica, mas, sobretudo buscar uma interpretao abrangente. Desse modo, deve ser tentada uma pequena teoria da urbanizao brasileira como processo, como forma e como contedo dessa forma. O nvel da urbanizao, o desenho urbano, as manifestaes das carncias da populao so realidades a serem analisadas luz dos subprocessos econmicos, polticos e socioculturais, assim como das realizaes tcnicas e das modalidades de uso do territrio nos diversos momentos histricos. (SANTOS, 1994 pg. 11).

    A anunciada crise urbana campineira, no incio de sua industrializao, precisou de aes rpidas e precisas da elite municipal no sentido de estabelecer mecanismos ou meios de se fazer uma reforma urbana que atendesse aos seus interesses. Ao buscar a periodizao destes acontecimentos, foi possvel estabelecer a dcada de 1930 como o momento em que grandes mudanas comeam a ser realizadas para que Campinas pudesse responder crise urbana da melhor forma, preparando-a para se transformar de cidade agrcola-comercial para industrial. Para Carpintero, esta crise se apresenta com diversas faces, tornando-a, por assim dizer, contnua, at se manifestar em sua forma mais crtica, e exigir ento soluo ou diluio com polticas de cunho mais amplo, no caso o Plano de Melhoramentos Urbanos elaborado a partir de 1934. (CARPINTERO, 1996, pg. 37)

    O perodo que vai da dcada de 1930 at os dias atuais contempla as principais mudanas estruturais de Campinas para receber os novos moradores vindos de outras regies do pas em busca de trabalho e melhores condies de vida, oferecendo a eles moradias em locais distantes do centro da cidade, com menos infra-estrutura. A cidade passa a ser concebida para receber os automveis das multinacionais do setor automotivo que comeam a chegar no final dos anos 1950. Em mbito nacional Vasconcellos identifica esse como o momento em que

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    ... a reorganizao urbana e regional estava relacionada importncia da indstria automotiva, como parte de um projeto de desenvolvimento econmico do ps-guerra, que desmanchou as redes ferrovirias, investiu pesadamente em sistemas rodovirios e manteve o transporte pblico em ms condies e crise permanente. (VASCONCELLOS, 2000, pg. 117)

    A substituio de transporte ferrovirio para rodovirio a fim de desenvolver a indstria automotiva no Brasil exigiu a construo de infra-estrutura para o automvel e uma propaganda contnua do novo meio de transporte, apresentando-o com carter de progresso e criando um sentimento de necessidade de consumi-lo. O desenvolvimentismo de Juscelino Kubtschek (JK), que atraiu as principais montadoras de automveis do mundo, teve um papel fundamental para essa substituio e deve ser analisado. Em Campinas, no perodo que antecede a total desativao dos bondes, a mdia local tambm fazia a sua parte, divulgando o carro como produto relacionado ao progresso e ao futuro.

    A pesquisadora Maria Slvia Duarte Hadler salientou, em suas pesquisas, a tentativa incessante de se criar uma identidade em apreo ao automvel em Campinas. A admirao pelos automveis, esses explendidos vehiculos, alimenta reclamaes contra o estado de ruas e estradas prximas, pois todas as cidades modernas procuram adaptar suas estradas e ruas para o percurso dos automveis, nivelando-as e asphaltando-as. urgente melhorar o estado de estradas urbanas e suburbanas, para ligar os arrabaldes ao centro, desenvolvendo o gosto automobilstico2.

    O que vemos hoje uma cidade construda para o automvel. Um pouco diferente de So Paulo, que apresenta suas vias rodovirias saturadas e, por isso, j existe um sentimento de comoo da sociedade para a melhoria do transporte pblico, Campinas ainda apresenta certa fluidez nos transportes, sobretudo para quem desfruta do privilgio de possuir veculos particulares. As grandes vias que circundam a cidade, construdas inicialmente com propsito de facilitar a circulao em mbitos regional e nacional, ganhou, com o passar do tempo, ares de facilitador induzido ao acesso dos carros a quase toda a cidade, permitindo que as reas mais bem servidas fossem valorizadas.

    Cabe a esta pesquisa, de algum modo, demonstrar esse fenmeno. A noo de que o automvel, apesar de ser objeto que permite maior mobilidade queles mais abastados, separa as pessoas no espao urbano, deve ser discutida com cuidado. Ao invs dessa mobilidade resultar

    2 Jornal Dirio do Povo 27/04/1912

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    em maior uso do espao, ela provavelmente acaba por dividir ainda mais os grupos humanos j divididos espacialmente em classes.

    ... o uso macio do automvel (meio de transporte privado), a mobilidade (alis, freada e insuficiente), a influncia dos mass-media separaram do lugar e do territrio os indivduos e os grupos (famlias, corpos organizados). A vizinhana se esfuma, o bairro se esboroa; as pessoas (os habitantes) se deslocam num espao que tende para a isotopia geomtrica, cheia de ordens e de signos, e onde as diferenas qualitativas dos lugares e instantes no tm mais importncia. Lefebvre (2006, pg. 77):

    Algumas questes a serem levantadas durante a pesquisa so: o que a cidade hoje? Pode ser o lugar de encontro? A mquina do Estado foi capaz de criar, por meio de polticas pblicas, espaos desiguais de circulao humana em Campinas? Os espaos de circulao, se desiguais, foram capazes de reforar as diferenas de classe e as diferenas na apropriao do espao urbano? Qual o papel do transporte de pessoas na busca da equidade espacial, se que ela existe? Como esperar que parte da populao deixe de usar o carro, se ele permite maior facilidade de acesso e rapidez do que o nibus? Por que as pessoas devem deixar de usar o carro para usar o transporte pblico? As respostas no so simples de serem encontradas, e muitos estudiosos buscam-nas em diversas reas do conhecimento, utilizando diferentes metodologias.

    Uma das questes iniciais postas a respeito do tema transporte em Campinas saber o que se espera da cidade ou o que se entende por cidade. Aqui ela ser entendida como o lugar do encontro das diversidades, dos embates, da troca de experincias entre os citadinos e os grupos aos quais eles pertencem. Ela forma, estrutura construda, sede administrativa. o local onde as atividades humanas ocorrem. Nesse sentido, a cidade precisa restabelecer sua funo, sua vocao original. A cidade atual, cada vez menos, permite essas interaes entre as pessoas. Os espaos so segregados, isolando ricos e pobres, sendo que os primeiros tm maior capacidade de uso desses espaos.

    As elites saram dos centros e fazem suas atividades de lazer, compras e trabalho em outras regies da cidade, tambm segregadas. Evita-se ao mximo o contato com o diferente, com quem no pertence mesma classe social. Entretanto, por mais que os usos e encontros na cidade

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    mnguem, nunca deixam de existir. Alguns habitantes jamais deixaro, na cidade, de realizar esses encontros e de us-la de maneira que no seja para consumi-la.

    A cidade obra, a ser associada mais com a obra de arte do que com o simples produto material. Se h uma produo da cidade, e das relaes sociais na cidade, uma produo e reproduo de seres humanos por seres humanos, mais do que uma produo de objetos. A cidade tem uma histria; ela a obra de uma histria, isto , de pessoas e de grupos bem determinados que realizam esta obra nas condies histricas. (Lefebvre, 2006 pg. 46)

    O que se pretende aqui - atravs da reflexo sobre as atuais condies de mobilidade em Campinas e de proposies de alternativas para a mobilidade dos seus habitantes de forma mais humanizada - contribuir para a construo de um ambiente que permita o uso do lugar de forma que as pessoas se encontrem, troquem experincias e se relacionem com outras pessoas diferentes de sua realidade de vida. Isto , no lugar, na cidade, deve existir a diversidade e a mesma precisa ser usufruda pelos moradores. Mais do que isso, o transporte pblico pode permitir que as pessoas tenham acesso mais democrtico a todos os espaos da cidade, diminuindo os espaos segregados dentro dela. Vasconcellos explica: A necessidade de circular est ligada ao desejo de realizao das atividades sociais, culturais, polticas e econmicas consideradas necessrias na sociedade. (Vasconcellos, 2001 pg. 85)

    A discusso a respeito da melhoria dos transportes nas grandes cidades no representa apenas a busca de caminhos para que as pessoas cheguem mais rpido ao trabalho, ou que elas tenham mais segurana ao circularem pelo espao urbano. Essas so tambm importantes, mas ao pensar dessa forma, estamos esquecendo as questes centrais da vida humana, que so as nossas realizaes pessoais, muito maiores do que ir e vir do trabalho de forma mais rpida e com mais segurana. O transporte pblico pode ter um papel importante nessa forma de pensar a cidade a que as pessoas tm direito e tende a diminuir a segregao espacial. Os habitantes devem ter a oportunidade de circular livremente, afinal a cidade feita por todos, e, por isso, deve ser usada por todos. Os investimentos nos transportes pblicos tm de vir acompanhados de uma diminuio gradativa dos investimentos destinados exclusivamente aos transportes privados, de modo que estes no sejam mais prioridade do poder pblico. Em mbito nacional, o governo deve incentivar, cada vez mais, a substituio gradativa do transporte privado (carro, principalmente)

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    para o transporte pblico, por meio de investimentos neste setor, que serve a todos e diminui a segregao espacial.

    possvel considerar aqui uma varivel estratgica: limitar a importncia da indstria automobilstica na economia de um pas e o lugar do objeto carro na vida quotidiana, na circulao, nos meios de transporte. Substituindo o carro por outras tcnicas, outros objetos, outros meios de transporte (pblicos, por exemplo). (LEFEBVRE, 1996, pg. 128)

    A mobilidade dos habitantes da cidade fator importante para o acesso dos mesmos a ela e ao que ela oferece. O sistema capitalista, tendo na mobilidade importante mecanismo de gerao de consumos diferenciados de espao da cidade, tratou logo de se apoderar das estruturas que permitem e impedem a mobilidade, sob o domnio das empresas ou do Estado, e s vezes de ambos, fazendo parcerias que privilegiam determinadas fraes da sociedade.

    Estratos de renda mais elevada gastam menos tempo por deslocamento, circulam a velocidades mais altas, consomem mais espao por pessoa e apresentam uma diversidade maior de atividades, viabilizada pela maior disponibilidade de tempo. Os estratos de renda mais baixa, ao contrrio, circulam mais vagarosa e desconfortavelmente e dispem de pouco tempo para atividades no ligadas ao trabalho, reproduo biolgica pura e simples. (VASCONCELLOS, 2000 pg. 204)

    Apenas o investimento nos transportes pblicos no eliminaria a segregao espacial nas cidades, pois se sabe que muitos outros fatores esto ligados a essa questo. Tambm no faria com que todos substitussem o carro pelo transporte pblico, haja vista que outros aspectos esto ligados preferncia das pessoas em deslocar-se de uma ou outra maneira. Entretanto, a construo de outra realidade no pode ser vista sem levar em conta todas as condicionantes ligadas vida na e da cidade.

    A cidade sempre teve relaes com a sociedade no seu conjunto, com sua composio e funcionamento, com seus elementos constituintes (campo e agricultura (...). Portanto, ela muda quando muda a sociedade no seu conjunto. Entretanto, as transformaes da cidade no so os

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    resultados passivos da globalidade social, de suas modificaes. A cidade depende tambm e no menos essencialmente das relaes de imediatice, das relaes diretas entre as pessoas e grupos que compem a sociedade (famlias, corpos organizados, profisses e corporaes, etc.); ela no se reduz mais organizao dessas relaes imediatas e diretas, nem suas metamorfoses se reduzem s mudanas nessas relaes. (LEFEBVRE, 1996 pg. 46)

    Apresentam-se cidade de Campinas processos histricos particulares, com os quais buscam-se garantir os interesses das elites locais referentes manuteno do poder, por meio de aes articuladas entre poder pblico e privado em relao ocupao e ao uso do solo urbano. Ao mesmo tempo, tais processos so de mbito nacional. A substituio do transporte ferrovirio pelo rodovirio, estratgia nacional, sentida em Campinas de modo particular pelas suas especificidades locais.

    A esse respeito, Milton Santos avalia que a questo estrutural. Seu entendimento passa pela histria social, poltica e territorial recente da sociedade brasileira como um todo e as formas de insero do pas na economia mundial e suas conseqncias internas. (SANTOS, 1994a. Pg. 142)

    Campinas insere-se na economia brasileira e global a partir de uma elite estabelecida durante o perodo cafeeiro, cuja produo voltada para a exportao em parte do sculo XIX e incio do sculo XX, e, posteriormente, de uma transformao radical de sua estrutura para receber a indstria e novos moradores atrados por elas. Nesse perodo a cidade passa por um crescimento rpido e desordenado de seu tecido urbano. As terras mais baratas (e mais distantes) recebem empreendimentos de habitao popular financiados pelos governos estadual e municipal, enquanto reas mais prximas do centro, com melhor infra-estrutura, ficam merc dos especuladores que aguardam sua valorizao para vend-las. A partir da dcada de 1970, uma nova transformao ocorre para que a cidade possa adequar-se ao processo mais amplo de reestruturao produtiva, que resulta na descentralizao de parte da indstria paulista, que sai da capital para se instalar em regies do interior do estado, entre elas, a de Campinas. Juntamente com tais processos citados acima, ela se transforma localmente para adequar-se a essa nova realidade, reposicionando sua elite em um novo contexto. Essas transformaes da cidade em mbito local e geral so lembradas por Lefrebvre, que as identifica como sendo parte de processos que ocorrem em todas as cidades, porm de maneiras distintas:

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    A cidade se transforma no apenas em razo de processos globais relativamente contnuos (tais como o crescimento da produo material no decorrer das pocas, com suas conseqncias nas trocas, ou o desenvolvimento da racionalidade) como tambm em funo de modificaes profundas no modo de produo, nas relaes cidade-campo, nas relaes de classe e de propriedade. O trabalho correto consiste aqui em ir dos conhecimentos mais gerais aos conhecimentos que dizem respeito aos processos e s descontinuidades histricas, sua projeo ou refrao na cidade, e inversamente, dos conhecimentos particulares e especficos referentes realidade urbana para o seu contexto global. (LEFEBVRE, 1996 pg. 53)

    Notadamente, o primeiro grande plano urbanstico da cidade de Campinas aprovado em 1938, com o nome de Plano de Melhoramentos Urbanos (CARPINTERO, 1996). O estudo de todos os planos similares, e no apenas deste citado, ocorridos durante o perodo do recorte temporal optado, torna-se fundamental para identificar as especificidades locais de um plano mais amplo, de nvel nacional, de reorganizao espacial das cidades para que elas possam receber seu mais novo habitante, o carro.

    A partir dessa anlise poderemos avaliar at que ponto os investimentos propostos pelos planos de melhoramentos urbanos foram efetuados e quais os impactos gerados em Campinas. Se o resultado a ser obtido nos levar a afirmar que tais investimentos foram os responsveis diretos pela mudana estrutural da cidade at sua configurao atual, ser possvel concluir que as polticas pblicas realmente foram capazes de transformar esse espao urbano. Sendo assim, elas podem ser usadas para que a cidade permita cada vez mais o encontro das pessoas, a partir do uso dela de forma plena.

    preciso ter a ntida noo de que os investimentos realizados para melhorar os transportes pblicos na sociedade atual jamais vo reverter especulao dos usos do solo nas cidades, uma vez que qualquer interveno, estatal ou privada, ir valorizar ou desvalorizar as reas prximas dos locais onde houver tais investimentos. Entretanto, os efeitos especulativos tendem a ser minimizados pelo investimento nos transportes pblicos, com vistas a melhorar a mobilidade das pessoas de modo a permitir que elas transitem facilmente por toda a rea. Se tivssemos transporte pblico sendo oferecido com qualidade e distribuio do espao de forma igualitria, no teramos menores possibilidades de ao dos especuladores? Sabemos que as decises polticas que determinam as aes esto permeadas de interesses da sociedade, em

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    geral misturadas a interesses particulares. Especificamente no Brasil, a elite sempre utilizou os poderes pblicos para alavancar interesses particulares. So muitos os trabalhos acadmicos que mostram essa prtica, corriqueira em todos os nveis de governo do pas.

    Em Campinas, no foi e no diferente. Seu espao constantemente reformulado para atender aos interesses das elites locais e nacionais.

    Os impropriamente chamados Bens de Consumo Coletivo so, sobretudo, esse Capital Geral apropriado legalmente, estatutria ou especulativamente, pelos capitais particulares. Esses bens de consumo coletivo que so o Capital Geral so cada vez mais planejados, para que seu uso seja discriminatrio: a gua, os esgotos, a eletricidade, que existem abundantemente nas cidades, mas que no esto ao alcance de todos; os telefones, as estradas, os transportes, mas tambm e isso cruel a sade e a educao. (SANTOS, 1994, pg. 141)

    As intervenes do Estado so realizadas para criar, na cidade, espaos discriminatrios, associando as medidas aos interesses de quem as fazem.

    Como a diviso social do trabalho e a diviso territorial do trabalho dependem, em proporo crescente, de decises polticas, o presente e a evoluo futura das cidades dependem, em propores semelhantes, do papel que, na economia, cabe aos atores do jogo poltico, segundo diferentes nveis, e da forma como, respondendo a essas determinaes, o espao urbano , a cada momento, reorganizado. (...). A importncia desse tipo de enfoque sobressai tanto mais quando o Estado intervm, direta ou indiretamente, nas relaes de trabalho, estimula de forma seletiva e freqentemente discriminatria as diversas atividades, estabelece os usos do solo, impondo regalias e interdies, e cria, at mesmo, zonas espaciais, como distritos industriais ou as prprias Regies Metropolitanas. Cada parcela do territrio urbano valorizada (ou desvalorizada) em virtude de um jogo de poder exercido ou consentido pelo Estado. Uma anlise urbana supe, desse modo, que todos esses fatores sejam levados em conta e deve permitir que se identifique melhor o lugar real que ocupa cada agente ou grupo de agentes no processo de desenvolvimento urbano, a cada momento histrico. (SANTOS, 1994, pg. 62)

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    Por isso mesmo, torna-se importante realizar levantamento e avaliao dos trabalhos atuais realizados pelo poder pblico municipal, para que novas perspectivas sejam contempladas para o futuro. Entre os principais trabalhos esto os atuais contratos entre Secretaria de Transportes de Campinas e as empresas de nibus que prestam servios de transporte para grande parcela da populao da cidade e que, por processos histricos analisados durante a elaborao desta pesquisa, sempre receberam tratamento secundrio. Deve-se avaliar a formulao e a execuo dos contratos de prestao de servios, pois a partir dos mesmos possvel identificar se as empresas de nibus cumprem as polticas pblicas em transporte para a cidade definidas pelo poder municipal. Os contratos firmados entre poder pblico e empresas privadas que prestam servio sociedade so as ferramentas que esta tem para acompanhar e cobrar pelos servios prestados, pagos por todos. Mais ainda, como ferramentas, os contratos devem ser formulados em debate com a populao para que o servio seja oferecido de acordo com o que ela determina como de qualidade. O mesmo levantamento deve ser feito sobre a atual lei de zoneamento do solo, sem a qual no possvel pensar polticas pblicas de mobilidade urbana.

    Milton Santos aponta que, nas grandes cidades brasileiras, atualmente:

    ... h interdependncia do que podemos chamar de categorias espaciais relevantes dessa poca: tamanho urbano, modelo rodovirio, carncia de infra-estruturas, especulao fundiria e imobiliria, problemas de transporte, extroverso e periferizao da populao, gerando, graas s dimenses da pobreza e seu componente geogrfico, um modelo de centro-periferia. (Santos, 1994, pg. 106) aponta que, nas grandes cidades brasileiras, atualmente:

    Cabe aqui, portanto, considerar esses pontos como caractersticas importantes para entender a concepo do espao urbano de Campinas. Mesmo que o objeto desta pesquisa esteja limitado rea administrativa do municpio, necessrio, ao estud-la, considerar todo seu entorno, quase todo conurbado por diversas cidades.

    A pesquisa proposta tem o objetivo de contribuir para a avaliao das condies atuais de transporte e de trnsito na cidade de Campinas, resultantes do processo de desenvolvimento econmico, social e de polticas pblicas de transporte e de trnsito da cidade. Possivelmente,

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    ser identificada uma crise nos transportes urbanos, em todas as suas categorias. O estudo do espao geogrfico encarado como papel fundamental para a existncia da urbanizao e suas complexidades na relao homem-espao, pode permitir avanos na discusso sobre o transporte, ao ser relacionado com outros enfoques de pesquisa, no no sentido de super-los, mas para dar ao espao geogrfico papel central na discusso sobre a cidade e seus problemas.

    O caminho central da pesquisa ser desvendar um espao de circulao mais humano para a cidade, considerando-o como direito da populao, a partir da mudana no enfoque das aes realizadas na circulao de pessoas, para priorizar o transporte pblico no lugar do individual motorizado, porque o direito ao transporte integrante do direito de participar das atividades sociais, polticas, econmicas e culturais que fazem parte da vida. Para isso, tais mudanas precisam ser perseguidas de forma integrada, beneficiando-se da complementaridade e reforo mtuos entre um uso do solo mais denso e sistemas de transporte pblico e no motorizado.

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    CAPTULO 1. Noes tericas

    Neste captulo ser realizado o aporte metodolgico sobre as questes ligadas ao espao urbano, aos deslocamentos humanos nele realizados e sobre as formas e os motivos conhecidos para que os deslocamentos ocorram.

    1.1 Deslocamentos: necessidade de meios de circulao e de transporte.

    Todas as atividades humanas necessitam de deslocamentos, seja por conta prpria (a p) ou por meio de algum produto mecnico ou motorizado. Exceto as pessoas portadoras de deficincia ou com dificuldades devido idade, as demais pessoas apresentam condies iguais, em princpio, para realiz-los. Na sociedade moderna, as cidades apresentam um ambiente construdo necessrio sustentao do processo de desenvolvimento capitalista, capaz de promover os deslocamentos.

    Denominaremos esse ambiente de espaos de circulao, ou estrutura construda, uma vez que, sobretudo nas cidades, o deslocamento de pessoas realizado em espaos construdos, que so ruas, avenidas, estradas, linhas de trem, rios, entre outros. Dear e Scott, a respeito do espao de circulao, concordam que:

    (...) em cada cidade se materializa um sistema espacial complexo, compreendendo uma montagem interdependente de reas funcionais (privadas e pblicas). Estas (...) podem ser denominadas tanto como espao de produo (no qual o processo de acumulao ocorre) ou de reproduo (no qual a recuperao da fora de trabalho ocorre). Ambos os espaos so mediados por um terceiro espao, dedicados s necessidades da circulao. (Dear e Scott, 1981, pg.10)

    O papel de mediao entre produo e reproduo atinge um aspecto fundamental para o capitalismo, pois a espacializao dos espaos de circulao privilegia alguns ambientes, valorizando-os, ao mesmo tempo em que outros espaos menos privilegiados so desvalorizados. Existem casos de bairros relativamente prximos ao centro da cidade e de locais onde as principais atividades urbanas so realizadas que no possuem facilidade de acesso, seja atravs de

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    carros, transporte pblico ou a p. Em Campinas, por exemplo, o acesso por carro e nibus bastante prejudicado no bairro Parque Industrial, localizado prximo ao Centro, em funo da presena da linha frrea entre os dois bairros, o que se torna uma barreira fsica difcil de ser superada. Tal regio teve sua importncia estratgica at certo perodo. Atualmente, o bairro no faz parte do eixo de valorizao imobiliria estipulado pelas grandes construtoras e viabilizado pelo poder pblico e, portanto, deixa de receber investimentos de melhoria da mobilidade de seus moradores.

    Classificaremos ainda como meios de transportes, ou meios de circulao, as formas como as pessoas se deslocam pelos espaos de circulao, que no precisam, necessariamente, ser mecanizados. Na verdade, o transporte realizado a p o mais utilizado pelas pessoas, apesar de possuir cada vez menos espao. H deslocamentos tambm por carros, nibus, trens, metrs, barcos, etc.

    De acordo com inmeros estudos que buscam retratar as vantagens e desvantagens dos diferentes meios de transporte usados existem alguns dados que devem ser considerados nessa pesquisa. No captulo 2 feito um levantamento de todos os meios de transporte usados em Campinas, com suas caractersticas principais, disponibilidades e problemas.

    1.2 Noes de espao-tempo e de circulao

    A mediao entre produo e reproduo na cidade capitalista pressupe algumas observaes quanto s noes de espao, de tempo e de circulao. Abordaremos a seguir diversas questes relacionadas atual distribuio e s condies do sistema de transporte existentes em Campinas, com nfase ao espao de circulao ocupado pelo transporte pblico. As condies ofertadas podem dar a ideia de como e com qual qualidade as pessoas circulam pela cidade e tm acesso aos seus mais diversos lugares, o que provavelmente mostrar os principais problemas pontuais e estruturais do sistema. Antes, no entanto, se faz necessrio assinalar alguns elementos importantes, como explicar qual esta cidade referida, ou seja, de que cidade se trata num sentido mais amplo. Suas caractersticas principais, funes, relaes humanas estabelecidas, entre outras, so fundamentais para que no se perca o foco metodolgico proposto.

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    A primeira questo est ligada diretamente circulao de pessoas no espao urbano, realizada pelo transporte pblico e outros meios, a noo de espao e de tempo que adotaremos para discutir a circulao dentro da cidade ou entre esta e outras.

    Milton Santos analisa a importncia da circulao no mundo atual. Para ele, um dos significados da globalizao contempornea :

    ... a acelerao de todas as formas de circulao e seu papel crescente na regulao de atividades localizadas, com o fortalecimento da diviso territorial e da diviso social do trabalho e a dependncia deste em relao s formas espaciais e s formas sociais (jurdicas e outras) em todos os escales. (SANTOS, 1994, pg.50)

    Conforme a cidade cresce e amplia a gama de atividades dentro dela realizadas, mais aumenta a complexidade das relaes espaciais entre elas, tornando a viso do conjunto cada vez mais necessria, j que nenhum setor pode bastar-se a si mesmo (CASTELLS, 18983, pg. 237), ampliando cada vez mais a importncia de se existir uma rede de transporte tal que garanta essas relaes.

    Ao circular, o homem utiliza o espao (fsico, construdo) e para que isso ocorra necessria uma quantidade de tempo. Usamos diferentes meios de transporte para nos deslocarmos por determinadas vias, durante certo perodo de tempo, at atingirmos o local desejado. O espao e o tempo so categorias bsicas da existncia humana (HARVEY, 2004). A questo da circulao de pessoas, apesar de ser tratada sob o ponto de vista temporal, ou seja, o tempo gasto por elas ao realizar seus deslocamentos, jamais poder deixar de lado a questo espacial.

    O desenvolvimento, cada vez maior, de novas tcnicas de transporte, no representa o fim do espao como objeto de anlise. Este apenas muda de qualidade. Para Milton Santos, as diversas estradas, ruas, logradouros, no so percorridos igualmente por todos. Os ritmos de cada qual empresas ou pessoas no so os mesmos. Com isso, so criados espaos da hegemonia, ocupados e reproduzidos pelos indivduos hegemnicos de cada sociedade. O autor diz ainda que o espao se impe atravs das condies que ele oferece para produo, circulao, residncia, comunicao, lazer, exerccio da poltica e das crenas, e como condio de viver bem. (SANTOS, 1994, pg. 15). O tempo, de certa forma, engole o espao por meio

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    da tecnologia, otimizando ainda mais o uso desse espao. Assim, possvel desenvolver mais aes em menos tempo, permitindo maior intensidade do uso do espao.

    Cada vez que o planejamento de transporte urbano for feito considerando o espao apenas como algo a ser vencido, por meio de elementos tcnicos que visam diminuir os tempos dos deslocamentos, ele estar deixando de lado a questo central, que a configurao dos diferentes lugares dentro da cidade. Este deve ser o motivo pelo qual as pesquisas sobre deslocamentos em reas urbanas assumam o tempo como principal elemento a ser trabalhado. O autor David Harvey aponta que esta viso est ligada questo do progresso, da modernidade, ou seja, ... o progresso implica a conquista do espao, a derrubada de todas as barreiras espaciais e a aniquilao [ltima] do espao atravs do tempo. A reduo do espao a uma categoria contingente est implcita na prpria noo de progresso (HARVEY, 2004, pg. 190). Isto, de certa forma, deixaria de lado questes como concentrao de atividades em determinados lugares da cidade, periferizao de parte considervel da populao e especulao imobiliria. Esse planejamento tambm trataria de um deslocamento sem sentido de existir, ou seja, sem levar em conta as motivaes que levam uma pessoa a se deslocar.

    Estudar o transporte de pessoas em uma cidade, buscando eliminar, ou ignorar a questo espacial, , possivelmente, um dos grandes equvocos dos planejamentos de transportes urbanos, pois deixa de lado as diversas condicionantes que o espao impe para que haja o deslocamento. Os espaos construdos para o transporte determinam e so determinados por atividades sociais existentes em diferentes reas da cidade. Desse modo, eles no podem ser pensados separadamente das polticas de uso e ocupao do solo, e de polticas sociais definidas pelo poder pblico.

    Reduzir os estudos e anlises sobre transporte em uma cidade questo temporal, ou seja, quanto tempo se leva para ir de um lugar a outro, significaria ignorar a funo objetiva dos deslocamentos, que justamente de criar e recriar os espaos. Os caminhos entrecruzados da cidade do a ela sua forma. Eles unem lugares e, assim, criam a cidade por meio de atividades e movimentos dirios (HARVEY, 2004). No se trata, portanto, de reduzir o tempo gasto nos deslocamentos, mas de uma redefinio da cidade como local onde as pessoas se realizam e se relacionam com outros e com o prprio meio.

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    O espao e os meios de circulao utilizados na cidade precisam ser estudados, pois esses so o que Milton Santos denomina tcnicas constantemente aperfeioadas para diferenciar a apropriao do espao urbano. Seriam condies espao-temporais desenvolvidas ao longo da histria, que contribuem para segregar espaos da cidade quanto aos usos e apropriaes.

    O termo circulao ser entendido aqui como o movimento das pessoas e das mercadorias pelo espao utilizando alguns meios para realiz-lo. Segundo Moacir Silva, Circulao ou realizao de transportes propriamente ditos a movimentao de massas econmicas por um conjunto de vias (caminhos, estradas, rios, canais, etc.), utilizando-se os vrios meios adequados (animais, veculos, sistemas). (SILVA, 1949). O Programa Brasileiro de Mobilidade Urbana vai alm: diz que a circulao o elo de toda ao da mobilidade urbana. Para todo e qualquer movimento a se realizar no espao urbano sempre haver a necessidade de se deslocar de algum ponto para o outro. (MCidades, 2006).

    Muitas vezes o mesmo espao de circulao ocupado por diferentes meios de transporte. As ruas, por exemplo, podem ser usadas por carros, nibus, motos, bicicletas, bondes, etc. Ao mesmo tempo, para organizar o espao de circulao, os rgos pblicos dividem as reas a serem utilizadas por cada meio de transporte, segregando-as para evitar acidentes e racionalizar o uso do espao de acordo com as necessidades locais. Essa organizao sempre priorizar um ou outro meio de transporte, dependendo do momento histrico e dos grupos hegemnicos que esto nos rgos pblicos.

    Os denominados corredores de nibus vm ganhando espao nas grandes cidades brasileiras nas ltimas dcadas, aps a saturao quase completa das vias urbanas pelos carros particulares, para tentar dar aos nibus velocidade e mais agilidade nos deslocamentos. A implantao desses, no entanto, deve vir acompanhada por estudos minuciosos que demonstrem onde eles so necessrios. As ciclovias, vias exclusivas para bicicletas, ainda so uma novidade em muitas cidades brasileiras e, geralmente, esto localizadas em regies prximas a parques e praias, o que nos leva a crer que, para os rgos pblicos, esse meio de transporte restringe-se principalmente ao lazer das pessoas. A implantao desses dois tipos de espaos segregados em Campinas ser estudada mais adiante.

    Para fazermos uma anlise eficaz do sistema de transportes de passageiros necessrio realizar um levantamento do espao de circulao campineiro, sem excluir qualquer estrutura que permita ou facilite os deslocamentos. Ao final do levantamento, ser possvel explicitar a

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    priorizao dos meios de transporte privados, sobretudo o automvel, dada a distribuio desigual dos espaos de circulao. As ruas, por exemplo, na maioria das vezes so largamente ocupadas pelos carros, em detrimento dos demais meios de locomoo.

    Por este motivo, devemos refletir a respeito dos meios para transformar os espaos de circulao das cidades, de modo que estes atendam maioria. Eduardo Vasconcellos sinaliza que:

    .... um dos maiores desafios do planejamento de transportes e trnsito nos pases em desenvolvimento viabilizar politicamente a redistribuio do espao de circulao. A mudana mais profunda deveria vir da reapropriao do espao pelos papis mais numerosos e vulnerveis, como os de pedestre, ciclista e passageiro de transporte pblico. (VASCONCELLOS, 2000, pg. 70)

    Compete a esta pesquisa identificar o sentido ou a funo da cidade, no sentido mais amplo do termo, nos dias atuais e ao longo da histria recente, sob as condies impostas pelo sistema capitalista que a transformou e a moldou, considerando suas especificidades locais, cujas caractersticas tambm esto baseadas em contextos regionais, nacionais e supranacionais. Em outras palavras, a cidade de Campinas e seu espao de circulao esto inseridos em um contexto amplo, de acordo com o qual o sentido da cidade tomou rumo, mas que guarda especificidades que podem ser identificadas apenas pela anlise dos processos histricos ocorridos na cidade. Nesse sentido, no se pretende nesta pesquisa concluir que os espaos de circulao foram determinados por um ou outro meio de transporte, como o bonde em um momento e o carro noutro. Como dito por Manuel Castells:

    A anlise da circulao urbana deve ser entendida como uma especificao de uma teoria mais geral da troca entre os componentes do sistema urbano, o que quer dizer que, concretamente, que devemos estabelecer o contedo circulante para poder explicar o tipo de circulao. [...] Em outras palavras, uma anlise da circulao (e, a partir da, uma anlise dos transportes, definidos como meios de circulao) coloca em questo as relaes entre o conjunto dos elementos da estrutura urbana; isto , ela coroa tal esforo, mais do que precede. (CASTELLS, 1983, pg. 237).

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    O caminho para enfrentar os problemas a serem discutidos acerca do tema proposto passa, necessariamente, pela anlise dos contedos que formam Campinas, para verificar a configurao e utilizao dos sistemas e dos meios de circulao. O lugar urbano um vetor e um permutador de fluxos, como o de transportes, e no o contrrio. (MONGIN, 2009).

    A questo dos transportes est colocada, portanto, como essencial do que podemos chamar de urbanidade. O autor Jacques Levy trabalha com esse termo indicando que o mesmo est intimamente ligado mobilidade do indivduo. No seu entendimento a mobilidade tem muito a ver com o que se poderia chamar de urbanidade a priori, isto , a estrutura espacial fundamental de um espao urbano. Trata-se [...] da possibilidade de uma inter-acessibilidade entre os diferentes lugares que compem a cidade. (LEVY, 2000). Para ele, o nvel de urbanidade pode ser medido de acordo com o grau de mobilidade que seus habitantes possuem. Aquelas cidades cuja mobilidade da populao grande possuem elevado nvel de urbanidade, ou seja, elevado grau de relaes sociais estabelecidas entre as pessoas responsveis pela criao do espao urbano.

    1.3 Deslocamento das foras produtivas

    Sob o capitalismo, a circulao assume um elemento essencial para o deslocamento da fora de trabalho, fazendo a ligao entre a casa, o local de trabalho e as demais atividades de reproduo, enquanto pertencente determinada classe social. O predomnio destes deslocamentos em nossa sociedade nos coloca questes que sero discutidas mais frente nesta pesquisa, mas possvel adiantar que a cidade, detentora de espaos de circulao, teve que se adequar, ao longo da histria, chegada e tomada do capitalismo.

    No Brasil, buscou-se, durante o incio da industrializao, construir vilas operrias prximas das fbricas, cujos objetivos eram manter o controle sobre o operariado, diminuir o dficit habitacional inflado pelo crescente xodo rural e tentar diminuir os custos de deslocamentos. Entretanto, conforme as relaes capitalistas foram se tornando mais complexas e as cidades aumentando cada vez mais de tamanho, os donos das indstrias passaram s mos do Estado a funo de construir moradias para os trabalhadores e seus familiares3. A logstica, a

    3 Voltando ao exemplo dado na pgina 19, a Vila Industrial abrigou principalmente trabalhadores da Paulista

    quando foi construda. Com o sucateamento dos transportes ferrovirios no pas, a rea ocupada pela estao e por

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    partir de ento, passam a representar um ingrediente ainda mais importante na cadeia produtiva. (VASCONCELLOS, 2001)

    Seja pela iniciativa privada ou pblica, os espaos de circulao tiveram que ser construdos ao longo da histria e os meios de circulao cada vez mais aperfeioados para facilitar os deslocamentos populacionais. Se tempo dinheiro para o capitalista, quanto menos perdermos tempo, entre um lugar e outro, melhor. David Harvey comenta que o tempo de giro do capital, quando as empresas realizam o caminho da descentralizao industrial, tende a aumentar, e o lucro vai depender de investimentos em infra-estrutura para reduzir os custos de produo. (HARVEY, 2001). O autor no cita o transporte da fora de trabalho em especfico, mas dedutvel que este custo tambm deve ser reduzido, por meio de infraestruturas, para garantir maior eficincia da produo industrial. O interesse dos empresrios da indstria e do comrcio de que seus funcionrios sejam transportados o mais rpido possvel, pelo menor preo, e com maior conforto possvel, para que eles estejam descansados para realizar melhor o trabalho, configura-se em um fator de grande relevncia no momento dos investimentos pblicos e privados no sistema de transporte.

    Contraditoriamente, os empresrios de nibus, que recebem a concesso do servio de transporte, querem transportar seus usurios gastando o menor valor possvel, o que significa abrir mo da qualidade dos servios prestados (menos nibus em circulao para transportar o maior nmero de pessoas possvel pelo valor mais alto possvel). O trabalhador, em meio a essa disputa de foras, obrigado, de algum modo, a se desdobrar para agradar os dois grupos. Assim sendo, possvel notar o grau de importncia dos transportes na sociedade capitalista. A oferta (ou no) de transporte vai representar uma parcela importante dos lucros. Geralmente, aquele lugar que mais bem servido de meios de transportes, humanos ou de mercadorias, tem vantagens significativas na operao do sistema econmico. A esse respeito Josef Barat analisa:

    O setor de transportes tem importncia fundamental na operao do sistema econmico, pois os servios que produz so, praticamente, absorvidos por todas as unidades produtivas. Como produo basicamente intermediria, esses servios tm o nvel e a localizao de sua demanda influenciados pelo desenvolvimento econmico geral, uma vez que o crescimento da

    galpes passou a ser vista como um enclave, pois no permitia a construo de vias de automveis para o centro da cidade.

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    produo e do consumo de bens e servios, a especializao da atividade econmica no espao e as modificaes estruturais afetam aludidos nvel e localizao de maneira decisiva. Por outro lado, dado a presena difundida destes servios no processo produtivo, o setor de transportes, em termos dinmicos, tambm atua, muitas vezes, como determinantes das atividades de outros setores, criando sua prpria demanda. (BARAT, 1978, pg. 04)

    Os investimentos realizados em toda a estrutura construda para a realizao dos deslocamentos representam o domnio do espao de determinados grupos, e sero influenciados intensamente pelos mais diversos setores da sociedade, levando vantagem queles que conseguem se apoderar da estrutura estatal, que utilizada para favorec-los. O domnio do espao reflete o modo como indivduos ou grupos poderosos dominam a organizao e a produo mediante recursos legais ou extralegais, a fim de exercerem um maior grau de controle quer sobre a frico da distncia ou sobre a forma pela qual o espao apropriado por eles mesmos ou por outros. (HARVEY, 2004, pg. 202)

    A importncia do domnio dos investimentos pblicos em transporte nas cidades ressaltada por Barat em um de seus trabalhos sobre transporte no Brasil:

    O investimento em transportes, [...], tem importncia fundamental na localizao da atividade econmica, numa economia em crescimento, pois os fluxos que ligam reas de produo e consumo frequentemente no se encontram bem definidos do ponto de vista espacial. O investimento em transportes, atuando como poderoso fator no espao econmico, condiciona novos esquemas de diviso geogrfica do trabalho nessas economias, influenciando a localizao de atividades industriais, extrativas e agrcolas. (BARAT, 1978, pg. 04)

    O investimento em transporte para a eliminao da barreira fsica, que o espao a ser percorrido em um determinado tempo, prejudicial obteno do lucro sob o capitalismo, apresenta uma importante contradio que deve ser aqui considerada. Conforme coloca David Harvey, essas barreiras s podem ser vencidas atravs de investimentos em infra-estruturas fsicas que no podem ser levadas de um lugar para o outro (HARVEY, 2001). O principal exemplo disto a malha ferroviria, que durante muito tempo teve papel fundamental para

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    oferecer os lucros almejados por cafeicultores e industriais de So Paulo, mas que depois passou a representar um enclave expanso espacial do capitalismo neste mesmo lugar.

    Esta pesquisa no se dispe a discutir a questo do transporte de mercadorias, embora esta seja extremamente importante, por estar inserida nas polticas destinadas aos transportes urbanos que utilizam a mesma estrutura de circulao existente na cidade para ocorrer, e, sobretudo, por ser elemento fundamental para o funcionamento da sociedade, como ela ocorre nos moldes atuais.

    1.4 O transporte de pessoas na cidade

    A priorizao do transporte de pessoas nesta pesquisa justifica-se por algumas questes centrais. Como visto anteriormente, na cidade atual os deslocamentos humanos ganham sentido de deslocamento de foras produtivas. No entanto, o movimento humano pelo espao urbano tem um sentido muito mais importante, que d sentido cidade na sua compreenso mais ampla. Se a cidade o local do encontro das diferenas, das relaes humanas que do sentido vida, o livre deslocamento das pessoas ganha importncia fundamental, pois permite que os encontros aconteam.

    Nas cidades atuais, cada vez menos as pessoas tm a possibilidade de se encontrar e se relacionar com o diferente. Apesar de o transporte individual ser o exemplo principal de um meio de deslocamento que aparentemente reduz os encontros, outras questes tambm so importantes. Sua atual configurao espacial dificulta cada vez mais os deslocamentos para atividades que no sejam as de trabalho e/ou consumo. Os prprios estudos a respeito de transportes nas grandes cidades consideram, principalmente, os deslocamentos casa-trabalho-casa. Outros deslocamentos so apontados, mas quase sempre como menos importantes, possivelmente porque representam menor lucratividade aos sistemas de transportes existentes. Muitos deslocamentos so completamente ignorados pelos estudos, como visitas a amigos e parentes, idas aos parques etc.

    Como os transportes pblicos ignoram, muitas vezes, outros deslocamentos que no sejam os da realizao da fora de trabalho, muitas demandas permanecem escondidas ou inexistentes por falta de opes de deslocamentos. Tais demandas apenas apareceriam caso o sistema de transporte adotado permitisse o seu aparecimento. Essas demandas reprimidas podem ocorrer tanto pelo obstculo financeiro como pela falta de linhas perimetrais e no radiais como costumeiramente ocorre. A cobrana de tarifa em um deslocamento representa um importante

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    impedimento para que ele ocorra e esse fato nunca pode ser ignorado pelos estudos. Mesmo com as dificuldades financeiras dos poderes pblicos, gratuidade em datas especficas deveria ser algo considerado.

    Campinas assistiu, no incio da dcada de 1990, a uma medida que demonstra como o transporte pblico, quando visto de maneira mais abrangente, pode criar demandas que at ento estavam escondidas. Nesse perodo, a prefeitura municipal determinou que, durante dois finais de semana por ms, os nibus seriam gratuitos a toda a populao. O projeto recebeu o nome de Passe Passeio. A respeito dele, o pesquisador Flvio Castro demonstra a sua importncia, como forma de poltica que visa socializar os espaos pblicos da cidade como um todo e abrir a possibilidade de aparecimento de deslocamentos at ento reprimidos:

    Facilitado o acesso ao lazer, a populao ocupa as praas, bosques e equipamentos pblicos. Aumenta sobremaneira o nmero de pessoas nos estdios de futebol, cinemas, praas de esportes ou simplesmente passeando pela cidade, especialmente pelo seu centro, que grande parte de seus conterrneos desconhecia. Os antes seletos espaos pblicos, ganharam um novo perfil com sua ocupao massiva. (CASTRO, 2000, pg. 54).

    O autor ainda toca em um ponto-chave para esta pesquisa, que a funo do poder pblico de criar mecanismos para que o sistema de transporte no seja empecilho, mas meio para facilitar a mobilidade urbana:

    Nota-se uma enorme participao de crianas entre as famlias de usurios que se deslocam para visitas, alm de grupos religiosos, escolas, times de futebol [...]. O que demonstra que o custo proibitivo do transporte coletivo urbano obriga que os trabalhadores s se utilizem dele para a venda de sua fora de trabalho, e no h absolutamente nenhuma orientao empresarial para abrigar esta enorme demanda reprimida e, igualmente a administrao pblica se interessa por esta faceta social do transporte, no intervindo, embora seja o poder concedente, para solucionar esta visvel carncia. (CASTRO, 2000, pg. 54)

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    A iniciativa bem sucedida do Passe Passeio para transformar o transporte pblico urbano em sistema efetivamente facilitador da mobilidade dos habitantes em geral serve para pensarmos o quanto a tarifa cobrada atrapalha a realizao social plena da populao. Se for encarado como servio bsico essencial da cidade, o sistema de transporte pblico poderia ser gratuito, inteiramente subsidiado pelo Estado. Este, no entanto, pode subsidiar indiretamente o empresrio de nibus, apropriando-se de recursos pblicos.

    O transporte pblico um sistema fundamental, sobretudo nas cidades, para a realizao humana. A questo central desta pesquisa buscar subsdios metodolgicos que permitam ao espao urbano campineiro (mas que podem ser transferidos para outras cidades) servir de modo efetivamente democrtico populao a partir da estrutura viria urbana e os meios de transporte que dela se utilizam.

    Os transportes nas cidades, no entanto, caminham sempre junto com o uso e ocupao do solo, que tende a segregar os espaos urbanos. Vasconcellos alerta que a mobilizao da fora de trabalho est sob contradio bsica:

    O objetivo do planejamento de transporte pode ser visto como o de propiciar uma ampla mobilizao de fora de trabalho, o que pode ser obtido por meio da organizao de meios de transporte. Mas este objetivo permanentemente prejudicado pela lgica da ocupao do espao, que promove a segregao espacial como reflexo da diviso social do trabalho. (VASCONCELLOS, 2001, pg. 35)

    Ou seja, muitas vezes as transformaes organizacionais dos transportes geram desequilbrio ainda maior no uso e ocupao do solo. O metr de So Paulo um caso de sistema de transporte que vem valorizando regies por onde passa, enquanto reas por onde o metr no passa so constantemente desvalorizadas. Outras questes esto envolvidas na queda e no aumento do valor da terra em So Paulo, mas ntido que o metr o sistema pblico de transporte que mais interfere no mercado de terras.

    Com o crescimento espacial e populacional de Campinas, os deslocamentos realizados a p foram perdendo espao para os motorizados, apesar de ainda representar meio fundamental de deslocamento das pessoas. Vasconcellos aponta para grande diferenciao de mobilidade urbana

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    entre aqueles que possuem transporte individual motorizado e os que no o possuem: O uso de qualquer tipo de transporte mecanizado introduz uma grande diferena na capacidade de deslocamento, definindo uma linha divisria entre as pessoas. (VASCONCELLOS, 2000, pg. 44).

    A vantagem sempre maior para o indivduo que possui o transporte individual motorizado (carro, moto), pois este permite ao seu usurio, a princpio, muito mais agilidade e rapidez em seus deslocamentos, aumentando sensivelmente as possibilidades de uso do espao urbano. A estrutura fsica das cidades, e em particular de Campinas, com grandes vias para o uso do automvel, amplia drasticamente a diferena entre os deslocamentos feitos por carros em comparao ao realizados por transporte pblico, j que o ltimo gera custos que nem todos podem pagar. Polticas devem ser desenvolvidas para dar prioridade aos deslocamentos a p, como forma de garantir o deslocamento e a segurana do pedestre. Quanto acessibilidade, segundo Vasconcellos:

    ... o transporte mecanizado aumenta a velocidade, fazendo com que a pessoa possa alcanar um nmero maior de destinos no mesmo tempo. Em outras palavras, o transporte mecanizado altera drasticamente o consumo do espao de circulao, assim como os destinos finais: o acesso efetivo aos meios mecanizados altamente dependente de caractersticas sociais e econmicas das pessoas, causando portanto uma grande desigualdade no acesso ao espao. (VASCONCELLOS, 2000, pg. 95)

    1.5 Os espaos para circulao so desiguais

    Entende-se por espao de circulao o espao construdo, a estrutura fsica que permite o deslocamento das pessoas nas cidades. So elas, principalmente, ruas, caladas, rodovias, ferrovias, ciclovias. Os investimentos em estruturas de circulao so realizados por diversos atores, entre eles o poder pblico, responsvel pela maior parte desses, que, por meio de impostos, constri e mantm ruas, caladas de reas pblicas, rodovias, ferrovias, terminais, entre outros; a iniciativa privada, responsvel pela construo de ruas e caladas em seus empreendimentos urbanos; e o indivduo responsvel pela construo e conservao das caladas.

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    Segundo dados da Associao Nacional de Transportes Pblicos (ANTP), aproximadamente 20% da populao das grandes cidades, detentora dos meios motorizados privados de transporte (de automveis, sobretudo), ocupa quase 80% das vias pblicas. (PL 1867/2007) EM Interministerial n 7/2006 - MCIDADES/MF As diretrizes polticas de transportes urbanos, tanto pblicos quanto privados, determinam os investimentos a serem realizados para melhorar a estrutura de circulao das cidades, e essas so parciais, priorizam sempre os grupos mais influentes em detrimento de outros. Afinal, no existe forma de atender a todos os grupos ao mesmo tempo, no mesmo espao.

    No toa que grande parte dos gastos pblicos em cidades como Campinas feita nas vias de circulao de automveis. Enquanto isto, o transporte pblico, usado principalmente pelas classes baixas e menos influentes, recebem apenas investimentos para a manuteno do status quo.

    Denominaremos meios de circulao os veculos ou outras formas de locomoo que auxiliam no deslocamento das pessoas, entre eles andar a p, automveis, bicicletas, trens, nibus e caminhes. Nesse caso, estes podem ser ofertados tanto pelo Estado, como por agentes privados e pelo prprio indivduo. H prioridade no uso do automvel como principal meio de circulao nas sociedades atuais. Em quase todos os cantos do mundo ele passou a ocupar um papel (e espao) central nas cidades, em alguns pases com maior ou menor nfase. No caso dos pases europeus, em sua maioria:

    (...) o automvel entrou (...) de forma bastante diferenciada da que ocorreu nos Estados Unidos. As grandes cidades e os subrbios europeus, possivelmente dada a prpria natureza da coalizo fordista keynesiana na Europa, com a predominncia de partidos social-democratas, no so, como nos Estados Unidos, refns do automvel, ou porque j tinham sistemas de transporte e suburbano sobre trilhos, como Londres, ou porque os construram nestas dcadas, como Estocolmo e Paris. Nesta cidade, de cada 100 famlias com condies econmico-financeiras para adquirir um veculo, apenas 64 o fazem. (LIMONCIC, 1997, pg. 179)

    So inmeros os fatores responsveis pelo crescimento do transporte individual nas ltimas dcadas, sobretudo nos pases menos desenvolvidos. A introduo da indstria automobilstica no Brasil ocorre, sobretudo, num momento histrico em que o pas passa a

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    implementar montadoras sob a poltica de desenvolvimentismo de JK. Esse tema ser discutido mais adiante, a partir da pesquisa das polticas pblicas de urbanizao elaboradas e postas em prtica em Campinas, que interferiram diretamente nos espaos de circulao destinados s diferentes modalidades de transporte existentes at os dias atuais.

    Algumas questes acerca do crescimento do nmero de automveis e de espaos de circulao a eles destinados so importantes, uma vez que a escolha de uma pessoa pelo uso do automvel no simples, muito menos est ligada apenas a um ou outro fator isoladamente. Vasconcellos concorda que:

    ... a deciso de comprar uma mercadoria to cara, requerendo com freqncia anos de economia e dedicao, no pode ser comparada deciso de comprar uma camisa. Deve haver outros motivos por trs da deciso de comprar a tecnologia automvel, que devem estar ligados tanto s questes especficas segundo as quais esta tecnologia oferecida, quanto viso das pessoas sobre como ela vai atender s suas necessidades de deslocamento. (VASCONCELLOS, 2000, pg. 107)

    O primeiro ponto de anlise, diretamente ligado compra do carro, a facilidade inquestionvel em se realizar um grande leque de deslocamentos. Com exceo de cidades onde o trnsito j atingiu nveis alarmantes e interfere sensivelmente nesta multiplicidade de opes de deslocamentos, que tem So Paulo como o caso mais claro, o automvel extremamente vantajoso para a circulao em cidades. Essa vantagem ocorre por dois fatores principais: o transporte coletivo apresenta condies inferiores de circulao, dada a sua falta de qualidade expressada por grande parte de seus usurios; e porque as cidades construram a estrutura de circulao priorizando o veculo particular, em detrimento do coletivo. Mas o fato que as pessoas, obviamente, buscam meio de transporte em que o custo-benefcio seja favorvel a elas. A atual configurao da estrutura de circulao de Campinas favorece a escolha do carro como o meio principal para serem realizados os deslocamentos da populao. Mesmo que no seja ainda a parcela maior da populao da cidade usuria do automvel, sempre que o usurio do transporte pblico tem a possibilidade, principalmente financeira, de compr-lo, ele o faz. Os estudos sobre a atual situao do transporte em Campinas realizados a seguir nesta pesquisa tiveram o objetivo de discutir que, mesmo com o trnsito ascendente nas ruas e o custo elevado do automvel, o

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    veculo particular continua sendo vantajoso populao. Nesse sentido, quais so, ento, as medidas a serem tomadas pelo poder pblico para reverter essa tendncia nefasta para a cidade como lugar de uso democrtico do espao e de encontro das diferenas? Antes de realizar essa discusso, porm, preciso destacar que o status tambm interfere na escolha do carro como meio preferido de transporte, ainda que esse ponto seja visto aqui como secundrio se comparado escolha, pura e simples, do meio de transporte que oferea mais rapidez, segurana e qualidade populao.

    A funo do carro como status to importante nas sociedades atuais que, a cada ano, so lanados no mercado modelos com diferentes designs, cores e velocidades, por preos cada vez mais altos. Seus compradores certamente no esto preocupados apenas com a facilidade que esses carros tm em realizar deslocamentos em comparao com os transportes pblicos. Milton Santos aponta que:

    Com o veculo individual, o homem se imagina mais plenamente realizado, assim respondendo s demandas de status e do narcisismo, caractersticas da era ps-moderna. O automvel um elemento do guarda-roupa, uma quase-vestimenta. Usado na rua, parece prolongar o corpo do homem como uma prtese a mais, do mesmo modo que outros utenslios, dentro de casa, esto ao alcance da mo. Jean Baudrillard O sistema dos objetos (1973) in SANTOS, 1999, pg. 54).

    A pesquisa para a realizao desta dissertao teve como u