brum_os novos vândalos do brasil

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  • 8/13/2019 BRUM_Os novos vndalos do Brasil

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    25/12/13 Os novos vndalos do Brasil | Opinio | Edio Brasil no EL PAS

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    OPINIO

    ELIANE BRUM 23 DEZ 2013 - 09:51 BRST

    COLUNA

    Os novos vndalos do BrasilO rolezinho, a novidade deste Natal, mostra que, quando a juventude pobre e negra das periferias deSo Paulo ocupa os shoppings anunciando que quer fazer parte da festa do consumo, a resposta

    a de sempre: criminalizao. Mas o que estes jovens esto, de fato, roubando da classe mdiabrasileira?

    Arquivado em: Msica latina So Paulo Opinio Msica brasileira Estado So Paulo Violncia Brasil Estilos musicais Amrica do Sul Amrica Latina Consumo

    Msica Problemas sociais Acontecimentos Amrica Sociedade

    O Natal de 2013 f icar marcado como aquele em que o Brasil tratou garotos pobres, a maioriadeles negros, como bandidos, por terem ousado se divertir nos shoppings onde a classemdia faz as compras de fim de ano. Pelas redes sociais, centenas, s vezes milhares dejovens, combinavam o que chamam de rolezinho, em shopping prximos de suascomunidades, para zoar, dar uns beijos, rolar umas paqueras ou tumultuar, pegar geral, sedivertir, sem roubos. No sbado, 14, dezenas entraram no Shopping Internacional deGuarulhos, cantando refres de funk da ostentao. No roubaram, no destruram, noportavam drogas, mas, mesmo assim, 23 deles foram levados at a delegacia, sem que nadajustificasse a deteno. Neste domingo, 22, no Shopping Interlagos, garotos foram revistadosna chegada por um forte esquema policial: segundo a imprensa, uma base mvel e quatrocambures para a revista, outras quatro unidades da Polcia Militar, uma do GOE (Grupo de

    Operaes Especiais) e cinco carros de segurana particular para montar guarda. Vriosjovens foram convidados a se retirar do prdio, por exibirem uma aparncia de funkeiros,como dois irmos que empurravam o pai, amputado, numa cadeira de rodas. De novo, nenhumfurto foi registrado. No sbado, 21, a polcia, chamada pela administrao do Shopping CampoLimpo, no constatou nenhum tumulto, mas viaturas da Fora Ttica e motos da Rocam(Ronda Ostensiva com Apoio de Motocicletas) permaneceram no estacionamento para inibir orolezinho e policiais entraram no shopping com armas de balas de borracha e bombas de gs.

    Se no h crime, por que a juventude pobre e negra das periferias da Grande So Paulo estsendo criminalizada?

    Primeiro, por causa do passo para dentro. Os shoppings foram construdos para mant-los dolado de fora e, de repente, eles ousaram superar a margem e entrar. E reivindicando algotransgressor para jovens negros e pobres, no imaginrio nacional: divertir-se fora dos limitesdo gueto. E desejar objetos de consumo. No geladeiras e TVs de tela plana, smbolos dachamada classe C ou nova classe mdia, parcela da populao que ascendeu com aampliao de renda no governo Lula, mas marcas de luxo, as grandes grifes internacionais,aqueles que se pretendem exclusivas para uma elite, em geral branca.

    Antes, em 7 de dezembro, cerca de 6 mil jovens haviam ocupado o estacionamento doShopping Metr Itaquera, e tambm foram reprimidos. Vrios rolezinhos foram marcadospelas redes sociais em diferentes shoppings da regio metropolitana de So Paulo at o f inalde janeiro, mas, com medo da represso, muitos tm sido cancelados. Seus organizadores,jovens que trabalham em servios como o de office-boy e ajudante geral, temem perder o

    emprego ao serem detidos pela polcia por estarem onde supostamente no deveriam estar numa lei no escrita, mas sempre cumprida no Brasil. Seguranas dos shoppings foramorientados a monitorar qualquer jovem suspeito que esteja diante de uma vitrine, mesmo quesozinho, desejando culos da Oakley ou tnis Mizuno, dois dos cones dos funkeiros da

    http://brasil.elpais.com/tag/musica_latina/a/http://brasil.elpais.com/tag/sao_paulo/a/http://brasil.elpais.com/tag/opinion/a/http://brasil.elpais.com/tag/musica_brasilena/a/http://brasil.elpais.com/tag/estado_sao_paulo/a/http://brasil.elpais.com/tag/violencia/a/http://brasil.elpais.com/tag/brasil/a/http://brasil.elpais.com/tag/estilos_musicales/a/http://brasil.elpais.com/tag/sudamerica/a/http://brasil.elpais.com/tag/latinoamerica/a/http://brasil.elpais.com/tag/consumo/a/http://brasil.elpais.com/seccion/opinionhttp://brasil.elpais.com/tag/sociedad/a/http://brasil.elpais.com/tag/america/a/http://brasil.elpais.com/tag/sucesos/a/http://brasil.elpais.com/tag/problemas_sociales/a/http://brasil.elpais.com/tag/musica/a/http://brasil.elpais.com/tag/consumo/a/http://brasil.elpais.com/tag/latinoamerica/a/http://brasil.elpais.com/tag/sudamerica/a/http://brasil.elpais.com/tag/estilos_musicales/a/http://brasil.elpais.com/tag/brasil/a/http://brasil.elpais.com/tag/violencia/a/http://brasil.elpais.com/tag/estado_sao_paulo/a/http://brasil.elpais.com/tag/musica_brasilena/a/http://brasil.elpais.com/tag/opinion/a/http://brasil.elpais.com/tag/sao_paulo/a/http://brasil.elpais.com/tag/musica_latina/a/http://brasil.elpais.com/tag/fecha/20131223http://brasil.elpais.com/autor/eliane_brum/a/http://brasil.elpais.com/seccion/opinionhttp://elpais.com/
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    As novelasj vendiamuma vidade luxo hmuitotempo, sque nelasos ricoseram osque

    pertenciamao mundode riqueza.

    Nosvideoclipesde funk

    ostentao,

    ostentao. s vsperas do Natal, o Brasil mostra a face deformada do seu racismo. E precisaencar-la, porque racismo, sim, crime.

    Eita porra, que cheiro de maconha foi o refro cantado pelos jovens ao entrarem noShopping Internacional de Guarulhos. O funk de MC Daleste, que afirma no nome artstico aregio onde nasceu e se criou, a zona leste, a mais pobre de So Paulo, aquela que todo overo naufraga com as chuvas, por obras que os sucessivos governos sempre adiam,

    esmagando sonhos, soterrando casas, matando adultos e crianas. Daleste morreuassassinado em julho com um tiro no peito durante um show em Campinas e assassinato aprimeira causa de morte dos jovens negros e pobres no Brasil, como os que ocuparam oShopping Internacional de Guarulhos.

    A polcia reprimiu, os lojistas fecharam as lojas, a clientela correu. Uma das frequentadores doshopping disse a frase-smbolo reprter Laura Capriglione, na Folha de S. Paulo: Tem deproibir este tipo de maloqueiro de entrar num lugar como este . Nos dias que se seguiram, emdiferentes sites de imprensa, leitores assim definiram os rolezeiros (veja entrevista abaixo):maloqueiros, bandidos, prostitutas e negros. Negros emerge aqui como palavra deofensa.

    O funk da ostentao, surgido na Baixada Santista e RegioMetropolitana de So Paulo nos ltimos anos, evoca o consumo, oluxo, o dinheiro e o prazer que tudo isso d. Em seus clipes, os MCsaparecem com correntes e anis de ouro, vestidos com roupas degrife, em carros caros, cercado por mulheres com muita bunda epouca roupa. (Para conhecer o funk da ostentao, assista aodocumentrioaqui). Diferentemente do ncleo duro do hip hoppaulista dos ano 80 e 90, que negava o sistema, e tambm domovimento de literatura perifrica e marginal que, no incio dos anos2000, defendia que, se para consumir, que se compre as marcasproduzidas pela periferia, para a periferia, o funk da ostentaocoloca os jovens, ainda que para a maioria s pelo imaginrio, emcenrios at ento reservados para a juventude branca das classesmdia e alta. Esta, talvez, seja a sua transgresso. Em seus clipes,os MCs tm vida de rico, com todos os signos dos ricos. Graas aosucesso de seu funk nas comunidades, muitos MCs enriqueceramde fato e tiveram acesso ao mundo que celebravam.

    Esta exaltao do luxo e do consumo, interpretada como adeso aosistema, tornou o funk da ostentao desconfortvel para umaparcela dos intelectuais brasileiros e mesmo para parte daslideranas culturais das periferias de So Paulo. Agora, os rolezinhos e a represso que se seguiu a eles deram a esta vertente do funk

    uma marca de insurgncia, celebrada nos ltimos dias por vozes daesquerda. Ao ocupar os shoppings, a juventude pobre e negra dasperiferias no estava apenas se apropriando dos valores simblicos,como j fazia pelas letras do funk da ostentao, mas tambm dosespaos f sicos, o que marca uma diferena. E, para alguns setoresda sociedade, adiciona um contedo perigoso quele que j foichamado de funk do bem.

    A resposta violenta da administrao dos shoppings, das autoridadespblicas, da clientela e de parte da mdia demonstra que essesatores decodificaram a entrada da juventude das periferias nosshoppings como uma violncia. Mas a violncia era justamente o fato

    de no estarem l para roubar, o nico lugar em que se acostumarama enxergar jovens negros e pobres. Ento, como encaix-los, em quelugar coloc-los? Preferiram concluir que havia a inteno de furtar e

    http://www.youtube.com/watch?v=5V3ZK6jAuNI
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    so ospobres queaparecem

    nestemundo.

    A ideia daimaginaocomo uma

    foracriativaapresenta-se

    fortementeno funk

    ostentao.

    destruir, o que era mais fcil de aceitar do que admitir que apenasqueriam se divertir nos mesmos lugares da classe mdia, desejandoos mesmo objetos de consumo que ela. Levaram uma parte dosrolezeiros para a delegacia. Ainda que tivessem de solt-los logodepois, porque nada de fato havia para mant-los ali, o ato jestigmatizou-os e assinalar suas vidas, como historicamente se fezcom os negros e pobres no Brasil.

    Jefferson Lus, 20 anos, organizador do rolezinho do ShoppingInternacional de Guarulhos, foi detido, alvo de inqurito policial, suame chorou e ele acabou cancelando outro rolezinho j marcado pormedo de ser ainda mais massacrado. Ajudante geral de umaempresa, economizou um ms de salrio para comprar a corrente dourada que ostenta nopescoo. Jefferson disse ao jornal O Globo: No seria um protesto, seria uma resposta opresso. No d para ficar em casa trancado.

    Por esta subverso, ele no ser perdoado. Os jovens negros e pobres das periferias de SoPaulo, em vez de se contentarem em trabalhar na construo civil e em servios subalternosdas empresas de segunda a sexta, e ficar trancados em casas sem saneamento no fim de

    semana, querem tambm se divertir. Zoar, como dizem. A classe mdia at aceita quequeiram po, que queiram geladeira, sente-se mais incomodada quando lotam os aeroportos,mas se divertir e nos shoppings? Mais uma frase de Jefferson Luiz: Se eu tivesse umquarto s pra mim hoje j seria uma ostentao. Ele divide um cmodo na periferia deGuarulhos com oito pessoas.

    Neste Natal, os funkeiros da ostentao parecem ter virado os novos vndalos, como sochamados todos os manifestantes que, nos protestos, no se comportam dentro da etiquetaestabelecida pelas autoridades institudas e por parte da mdia. Nas primeiras notcias daimprensa, o rolezinho do Shopping Internacional de Guarulhos foi tachado de arrasto. Masno havia arrasto nenhum. O antroplogo Alexandre Barbosa Pereira faz uma provocaoprecisa: Se fosse um grupo numeroso de jovens brancos de classe mdia, como aconteceuvrias vezes, seria interpretado como um flash mob?.

    Por que os administradores dos shoppings, polcia, parte da mdia eclientela s conseguem enquadrar um grupo de jovens negros epobres dentro de um shopping como arrasto? H vrias respostaspossveis. Pereira prope uma bastante aguda: Ser que a classemdia entende que os jovens esto roubando o direito exclusivo deeles consumirem?. Seria este o roubo imperdovel, que colocouas foras de represso na porta dos shoppings, para impedir aentrada de garotos desarmados que queriam zoar, dar uns beijos ecobiar seus objetos de desejo nas vitrines?

    Para nos ajudar a pensar sobre os significados do rolezinho e dofunk da ostentao, entrevisto Alexandre Barbosa Pereira nestacoluna. Professor da Universidade Federal de So Paulo (Unifesp),ele dedica-se a pesquisar as manifestaes culturais das periferiaspaulistas. Em seu mestrado, percorreu o mundo da pichao. Nodoutorado, mergulhou nas escolas pblicas para compreender o que zoar. Desde 2012, pesquisa o funk da ostentao. Mesmo que osrolezinhos, pela fora da represso, se encerrem neste Natal, hmuito que precisamos compreender sobre o que dizem seusprotagonistas e sobre o que a reao violenta contra eles diz dasociedade brasileira

    - O rolezinho aparece ligado ao funk da ostentao. Em quemedida h, de fato, essa ligao?

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    Alexandre Barbosa Pereira O funk ostentao uma releitura paulista do funk carioca,feita a partir da Baixada Santista e da Regio Metropolitana de So Paulo, na qual as letraspassam a ter a seguinte temtica: dinheiro, grifes, carros, bebidas e mulheres. No se falamais diretamente de crime, drogas ou sexo. Os funkeiros dessa vertente comearam aproduzir videoclipes inspirados na esttica dos videocliples do gangsta rap estadunidense.Mas o mais curioso desse movimento a virada que os jovens fazem ao mudar a pauta que,at ento, era principalmente a criminalidade para o consumo. As msicas deixam de falar decrime para falar de produtos que eles querem consumir. Assim, ao invs de cantarem: Roubamoto, rouba carro, bandido no anda p (Bonde Sinistro), os funkeiros da vertenteostentao cantam: Vida ter um Hyundai e um hornet, dez mil para gastar, rolex, juliet.Melhores kits, vrios investimentos. Ah como bom ser o top do momento (MC Danado).Deste modo, os MCs comearam a ter mais espaos para cantar em casas noturnas epassaram a produzir videoclipes cada vez mais elaborados, com mais de 20 milhes deacessos no YouTube, o que levou a um sucesso s margens da mdia tradicional. Alguns MCschegaram a alcanar grande repercusso entre um segmento do pblico jovem, sem nunca teraparecido na televiso. Vi meninas chorando por MCs em bailes, mesmo antes de o funkostentao alcanar o destaque que conseguiu na grande mdia. Surgiram empresasespecializadas na produo de clipes no estilo ostentao, como a Kondzilla e a Funk TV,

    claramente inspirados no gangsta rap, em que os jovens aparecem em carres e motos,exibindo-se com roupas, dinheiro e mulheres. Uma reflexo interessante a se fazer como amdia tradicional, que antes execrava o chamado funk proibido, que falava de crime, drogas esexo abertamente, agora comea a elogiar o funk ostentao, denominando-o at como funkdo bem e ressaltando a trajetria econmica e social ascendente dos MCs.

    Pergunta.Fazendo um parntese aqui, antes de chegar ao rolezinho, qual o caminho paraum jovem pobre ter acesso ao consumo de luxo, segundo o olhar do funk da ostentao? Estavirada que voc mencionou...

    Resposta.Primeiro que esse bem de luxo no to de luxo assim, afinal uma garrafa deusque a 60 ou 80 Reais no nenhum absurdo. sempre possvel comprar uma rplica

    daqueles culos escuros que custam mais de mil reais. Nas casas noturnas de funk queobservei, este era o preo. Pensemos num grupo de pelo menos quatro amigos dividindo ovalor da compra. No sai to caro brincar de ostentar. Agora, tem os carros. Estes sim estofora do alcance da maioria desses jovens. Mas a h uma explicao interessante, queMontanha, um produtor e diretor de videoclipes da Funk TV, em Cidade Tiradentes,sabiamente me deu. Ele me disse que as novelas j vendiam uma vida de luxo h muitotempo, s que nelas os ricos eram os que pertenciam ao mundo de luxo. Nos videoclipes defunk ostentao, so os pobres que aparecem como um mundo de riqueza ou de luxo, comcarros, manses, roupas de marcas mais caras. Os jovens agora poderiam, segundo afirmouMontanha, ver-se como parte de um mundo de prestgio, da a grande identificao. O crimepode ser um caminho para acessar esse mundo de luxo ou o que esses jovens entendem por

    um mundo de luxo, mas no nico. Esta a lio que muitos MCs de funk tm tentandopassar em suas falas na grande mdia. Eles de certa forma mostram um outro caminho, que,alis, sempre esteve presente para esses jovens da periferia: tornar-se famoso pela msica oupelo futebol. Alis, esses so caminhos que aparecem como os mais possveis para osjovens negros e pobres das periferias do pas imaginarem um futuro de sucesso. Num mundoem que h uma forte diviso entre trabalho intelectual e manual, com a extrema valorizao doprimeiro, o uso do corpo em formas ldicas como meio de ganhar dinheiro mostra-se comoopo para uma transformao da vida. Crime, futebol, msica, caralho, eu tambm noconsegui fugir disso a , esse o Negro Drama cantado pelos Racionais MCs. Os MCs defunk ostentao esto tentando dizer que possvel construir uma vida de sucesso pelamsica. E o que era fico, os videoclipes com carros importados emprestados ou alugados,com dinheiro cenogrfico jogado para o ar, comea a tornar-se realidade. Muitos deles

    comeam a ganhar uma quantidade razovel de dinheiro com os shows. Acho que a ideia daimaginao como uma fora criativa apresenta-se fortemente no funk ostentao.

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    Ser que aclassemdiaentendeque os

    jovensestoroubando

    o direitoexclusivode elesconsumirem?

    Direitoque, porsua vez,vinhasendoroubadodesses

    jovenspobres hmuitotempo.

    Por outro lado, preciso destacar que masculinidades pautadas pelodesejo de possuir um automvel ou uma motocicleta no foramconstrudas pelo funk ostentao. J existia h um tempo. Para osmeninos da periferia, possuir um bom carro, bonito e potente, umadas metas principais de vida. A posse do carro , no imaginriodesses jovens, mas tambm da populao em geral, um indicativode sucesso econmico e social, garantindo, consequentemente,sucesso com as mulheres.

    Neste caldo cultural, o consumo cada vez mais exaltado comoespao de afirmao e de reconhecimento para os jovens. ,inclusive, bastante complexa a forma como se d a relao entrecriminalidade e consumo no funk. Na virada que produziram, pareceque h o recado de que essas duas aes sociais podem constituirdois lados de uma mesma moeda. Eles no deixam de falar docrime. Acabam citando-o indiretamente, como nas msicas do MCRodofilho, nas quais ele celebra: Ai meu deus, como bom ser vidaloka!. O importante entender como o crime e o consumo so

    pautas constantes nas relaes de sociabilidade dos jovens daperiferia. Os mais pobres tambm querem que ipads, iphones eautomveis potentes faam parte de seu mundo social. Aindapreciso observar e refletir mais sobre isso, mas acho que tanto nocaso do crime, como no do consumo temos que atentar mais para omodo como se do as relaes entre pessoas e coisas. Ficopensando que a busca de realizao apenas pelo consumo envolvesentimentos e posturas extremas de um egosmo hedonista e de umprofundo desprezo pelos outros humanos. As mercadorias, ou ascoisas almejadas, de certa forma tm conformado as subjetividadescontemporneas. E nessas novas subjetividades, pautadas peloinstantneo e o instvel, parece no haver muito espao para asolidariedade. H uma nova tendncia na discusso antropolgicaafirmando que no podemos entender as coisas apenas comorepresentao ou resultado do social. Precisamos pensar tambmem como as coisas fazem as pessoas e mesmo o social, como ascoisas, ou as mercadorias mais desejadas hoje, motivam tanto umconsumismo desenfreado, irracional e egosta, quanto o ingresso dejovens na criminalidade. Sempre fico espantado quando vejo asimagens, em outros pases, das pessoas correndo desesperadaspara comprar um novo lanamento de smartphone, videogame outablet... Mas no s isso, tais coisas tambm motivam e determinamformas de estar, pensar, relacionar-se e sentir no mundo

    contemporneo.

    Penso muito nisso quando parte da classe mdia critica o consumodesses jovens, dizendo que apenas eles da classe mdia que,supostamente, pagaria os impostos tm direito a consumir, ou serelacionar com certos produtos. Ser que, desse modo, a classemdia entende que os jovens esto roubando o direito exclusivo deeles consumirem ou de se relacionarem com esses objetos deprestgio? Direito que, por sua vez, vinha sendo roubado dessesjovens pobres h muito tempo?

    Essa crtica pode vir inclusive de certa classe mdia mais intelectualizada e mesmo com ideias

    polticas progressistas, mas que acha que sabe o que melhor para os pobres. A fazem acrtica, a partir dos seus ipads e iphones, ao que entendem como um consumo irracional dosmais pobres, que deveriam poupar ao invs de gastar com produtos que no seriam para o

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    importante

    perceberque osshoppingsonde osrolezinhos

    ocorreramesto emregiesmais

    perifricas.Eles no

    tm ido aos

    nvel econmico deles. Enfim, tem a um jogo de perde e ganha e tambm de busca desatisfaes individuais que envolve o roubo do direito de alguns ao consumo, que precisoaprofundar para entendermos melhor essas dinmicas contemporneas. Todos tm o direito aconsumir o que quiserem hoje? E seria vivel, hoje, todos consumirem em um alto padro?Que implicaes ambientais teramos? E se no sustentvel ou vivel que todos consumamem tamanha intensidade, por que incentivamos tal consumismo? Com isso, o que quero dizer que no se pode pensar a relao entre crime e consumo apenas entre os pobres, mascreio que precisamos tambm olhar para as classes mdias e altas e para os crimes que,historicamente, tm sido cometidos contra os mais pobres e o meio ambiente para proteger oconsumo dos ricos.

    P. neste ponto que os rolezinhos aparecem e criam uma tenso das mais reveladoras nesteNatal?

    R.Os rolezinhos nos shoppings esto ligados diretamente a esse contexto. No sei dizercomo surgiram efetivamente, mas me parece que despontaram por essas novas associaesque as redes sociais permitem fazer, de forma que uma brincadeira possa virar algo srio. Derepente, uma convocatria feita na internet pode levar centenas de jovens a se encontraremnum shopping, local onde podem ter acesso a esses bens cantados nas msicas, ainda que

    apenas por acesso visual. Agora, o que importante ressaltar que no foram os rolezinhosnem o funk ostentao que criaram essa relao de fascinao com consumo. Esta j existiah muito tempo. Os Racionais, h mais de dez anos, j cantavam sobre isso, com afirmaescomo: Voc disse que era bom e a favela ouviu, l tambm tem usque, red bull, tnis nike efuzil ou Fartura alegra o sofredor

    P.Algumas anlises relacionam os rolezinhos a uma ao afirmativada juventude negra e pobre, a uma denncia da opresso e a umareivindicao de participao, neste caso no mundo do consumo.Como voc analisaria este fenmeno to novo?

    R.No me arriscaria a dizer que h um movimento poltico muito

    claro. Pode indiretamente constituir-se como uma ao afirmativa dajuventude negra e pobre. Talvez a tenso que se criou com acriminalizao desses jovens, durante os rolezinhos, possa levar aalgum tipo de reflexo e ao poltica maior, mas difcil prever. Emum livro intitulado Cidadania Insurgente, (o antroplogo americano)

    James Holston analisa o surgimento das periferias urbanas no Brasil,particularmente em So Paulo, apontando a discriminao contracertas espcies de cidados no Brasil. Esse autor mostra como,historicamente, as formulaes de cidadania elaboradas pelos maispobres se deram a partir de sua ocupao dos bairros nas periferiasdas grandes cidades. Noes e prticas prprias de cidadania que

    se produziram, ao mesmo tempo, por meio das experincias detornar-se proprietrio, de participar de movimentos sociais pormelhorias dos bairros e de ingressar no mercado consumidor.Primeiro se ocupou os bairros, mesmo sem estrutura mnima.Depois, ocorreram as reivindicaes pela legalizao dos terrenosocupados. E, enfim, vieram as lutas pela chegada da energia eltrica,saneamento bsico e asfalto. Acho sempre muito interessante, emconversas com lideranas antigas dos bairros perifricos de SoPaulo, observar que elas indicam a chegada do asfalto como ogrande marco de transformao do bairro e a integrao deste aoespao urbano.

    Encaro, portanto, aes como estas, dos rolezinhos, do ponto devista dessa cidadania insurgente, referindo-se a associaes decidados que reivindicam um espao para si e, assim, se

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    templosmaiores doconsumo

    de luxo nacidade.

    H umatendnciade

    perceber osjovens

    pobres apartir detrs

    perspectivas:a dobandido, a

    da vtima ea do heri.

    contrapem ao grande discurso hegemnico ou, se no sedissociam do discurso hegemnico, ao menos provocam rudosnele. Trata-se de uma reivindicao por cidadania, participaopoltica e direitos que, historicamente, foi feita na marra, pelos maispobres, muitas vezes nas costuras entre o legal e o ilegal, e quecomeou com a prpria ocupao dos bairros na periferia da cidadede So Paulo, como forma de habitar e sobreviver no mundo urbano.Essa cidadania no necessariamente se apresenta como resistncia,mas pode tambm querer, em muitos casos, associar-se aohegemnico, produzindo dissonncias.

    O que so o funk ostentao e os rolezinhos se no essareivindicao dos jovens mais pobres por maior participao na vida social mais ampla peloconsumo? Estas aes culturais parecem situar-se nessa lgica, que no necessariamente secontrape ao hegemnico, na medida em que tenta se afirmar pelo consumo, mas provoca umdesconforto, um rudo extremamente irritante para aqueles que se pautam por um discurso euma prtica de segregao dos que consideram como seus outros.

    P.Como definir este desconforto? O que so os outros neste contexto? E que papel estes

    outros desempenham?

    R.O desconforto em ver pobres ocupando um lugar em que no deveriam estar, como o deconsumidores de certos produtos que deveriam ser mais exclusivos. um tipo de espanto,que indaga: Como eles, que no tm dinheiro, querem consumir produtos que no so para aposio social e econmica deles?. Estes outros so os considerados subalternos.Podem ser funkeiros, pobres e pardos da periferia, mas podem ser tambm as empregadasdomsticas, os motoboys, os pichadores, entre outros outros, que muitas vezes soutilizados como bode expiatrio das frustraes de uma parcela considervel da classe mdia.

    Os rolezinhos no so protestos contra o shopping ou o consumo,mas afirmaes de: Queremos estar no mundo do consumo, nos

    templos do consumo. Entretanto, por serem jovens pobres debairros perifricos, negros e pardos em sua maioria, e que ouvemum gnero musical considerado marginal, eles passam a ser vistos eclassificados pela maioria dos segmentos da sociedade comobandidos ou marginais. Vamos pensar que, na prpria concepo doshopping, no est prevista a presena desse pblico, ainda maisem grupo e fazendo barulho. Pergunto-me se fosse em um shoppingmais nobre, com jovens brancos de classe mdia alta, vestidoscomo se espera que um jovem deste estrato social se vista, se arepercusso seria a mesma, se a criminalizao seria a mesma.Talvez fosse considerado apenas um flash mob. H uma tendncia,

    por parcela considervel da classe mdia, da mdia e do poderpblico de perceber os jovens pobres a partir de trs perspectivas,quase sempre exclusivistas: a do bandido, a da vtima e a do heri.

    P.Como funcionam estas trs perspectivas bandido, vtima eheri?

    R. So muito mais formas de enquadrar esses jovens por aquelesque querem tutel-los do que categorias assumidas pelos prpriosjovens. Por isso, so contextuais. Dependendo da situao e dosatores sociais com quem dialogam, o jovem pode ser entendido apartir de uma dessas categorias. O pichador, por exemplo, um

    agente que pode mobilizar todas essas classificaes, dependendodo contexto e dos interlocutores: a polcia, a secretaria de cultura, ospesquisadores acadmicos ou a ONG que quer salvar os jovens daperiferia da violncia. No caso do funk, por exemplo, j h

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    25/12/13 Os novos vndalos do Brasil | Opinio | Edio Brasil no EL PAS

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    O que soosvideoclipesde funkostentao

    que noimagensque os

    jovensproduzemsobre o queseria

    comentrios e mesmo textos de pessoas mais politizadas vendo osrolezinhos como uma ao afirmativa ou extremamente contestatria.Para estes, os protagonistas dos rolezinhos so vtimas que se tornaram heris. Outros, comoa polcia, a administrao dos shoppings e a clientela, mas tambm seus vizinhos, que moraml nos bairros pobres da periferia, enxergam neles principalmente viles e mesmo bandidos.

    Jovens como estes que esto nos rolezinhos no necessariamente aceitam se encaixar

    nesses rtulos, mas, em alguns casos, podem tambm se encaixar em todos eles ao mesmotempo. No se pode simplificar um fenmeno como este. Porm, se pensarmos essemovimento que surge principalmente com o hip hop, de valorizar a periferia como espaopoltico e de afirmao positiva, possvel ver, sim, ainda que em menor intensidade, umacerta ao poltica. De dizer: Somos da quebrada e temos orgulho disso. Um movimento dereverso do estigma em marca positiva.

    P.Mas h, de fato, uma ao consciente, organizada, com um sentido poltico prvio? Ou osentido est sendo construdo a partir dos acontecimentos, o que igualmente legtimo?

    R.Olha, sinceramente, difcil dizer se h um sentido poltico, direto, consciente e/ouexplcito. Talvez por parte de alguns, mas pelo que vi nas redes sociais, no da maioria. Se o

    movimento persistir ou tomar outras formas, pode ser que tal sentido pol tico fique mais forte.Por enquanto difcil analisar esse ponto. O antroplogo (indiano) Arjun Appadurai analisa halgum tempo as mudanas que se processam no mundo por causa do avano das tecnologiasde comunicao e de transporte. Segundo este autor, as pessoas cada vez mais se deslocamno mundo atual, e no apenas fisicamente, mas tambm e talvez principalmente pelaimaginao, por causa de meios de comunicao como a televiso e, mais recentemente, pelainternet. Hoje possvel imaginar-se nos mais diferentes lugares do mundo, mas tambm emdiferentes classes sociais. O que so os videoclipes de funk da ostentao que noimagens/imaginaes que os jovens produzem sobre o que seria pertencer a outra classesocial ou possuir melhores condies econmicas para o consumo?

    Essa imaginao, segundo esse autor, pode constituir-se como um

    projeto pol tico compartilhado, mas pode tambm ser apenas umafantasia, como algo individualista e egosta, sem grandes potenciaispolticos. Parece-me que o funk da ostentao em So Paulo emovimentos como o dos rolezinhos nos shoppings tm intensamenteessas duas potncias. Difcil saber se alguma delas ir prevalecer outornar-se hegemnica.

    P.A escolha da msica do MC Daleste, assassinado num show emCampinas, para o rolezinho promovido no Shopping Internacional deGuarulhos, pode ter um significado a mais?

    R.A escolha da msica do MC Daleste na entrada dos jovens no

    shopping de Guarulhos me pareceu bastante significativa, por vriosmotivos. Principalmente, porque a morte dele no palco, cantandofunk, de certa forma construiu um marco para esse funk daostentao. O seu assassinato acabou por dar ainda mais visibilidadea esta vertente do funk paulista. MC Daleste cantava proibido antese, assim, essa relao confusa entre crime e consumo manifesta-sede modo bastante forte no que o MC Daleste representa. H no seuprprio nome artstico essa afirmao de um certo orgulho do lugarde onde vem e de ser da periferia, que tanto o funk quanto o hip hopexpressam. No por acaso que ele Da Leste. Lembremos queGuarulhos tambm est leste da Regio Metropolitana de SoPaulo.

    P.Hoje, uma parte significativa da gerao que se criou nasperiferias com movimentos contestatrios como o hip hop e a

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    pertencer aoutraclasse

    social?

    Devemosquestionarno a aodosmeninos,

    mas asrelaessociais

    fomentadasna

    contemporaneique se

    literatura perifrica ou marginal tem, pelo funk da ostentao,assumido os valores de consumo das classes mdias e alta. Comovoc analisa este fenmeno e o insere no contexto histrico atual doBrasil?

    R.O que um evento como esse parece evidenciar , por um lado,esse anseio por consumir e por afirmar-se pelo consumo que esses

    jovens vm demonstrando j h algum tempo, pelas letras dos funks,mas que tambm j visto no hip hop. Apesar das crticas de certossegmentos do hip hop, no sei se o funk ostentao rompe com ohip hop mais politizado dos anos 1980 e 1990 ou se oferece uma das muitas possveiscontinuidades a esse movimento cultural. Parece-me que o funk ostentao uma releiturapaulista, muito influenciada pelo hip hop, do funk carioca. Muitos MCs de funk eram MCs de hiphop, muitos deles, alm dos funks, cantam tambm raps, e msicas dos Racionais soouvidas nos shows. Trechos de letras de msicas dos Racionais podem ser encontradosfacilmente nas letras do funk. Agora, o fato que o funk no to marcado pela questopoltica como o hip hop. O Montanha, de Cidade Tiradentes, disse-me algo interessante, certavez, de que, na verdade, o hip hop ofereceria um espao de expresso poltica que faltava aos

    jovens, j o funk um espao de lazer e de sociabilidade. Parece-me uma reflexointeressante. No que o hip hop no possa conter lazer e sociabilidade tambm, nem o funk,protesto poltico, mas que as duas vertentes tendem para um dos polos. O funk, alis, ganhouesse grande espao junto aos jovens das periferias de So Paulo porque, nessa articulaode um espao de lazer, configurou-se um espao para as mulheres que, no hip hop, era maisdifcil. As mulheres so presena fundamental nos bailes funks. O protagonismo da danasempre foi delas. Ainda que os meninos tambm dancem e as meninas participem cada vezmais como MCs. O hip hop sempre foi muito mais masculino, da dana ao estilo de se vestir.

    P.Mas qual a diferena, na sua opinio, entre a forma como, por exemplo, os Racionaisfalam em consumo e os MCs da ostentao falam de consumo?

    R.H a duas perspectivas. Quando digo que os Racionais jcantavam isso, quero dizer que eles j identificavam essanecessidade de consumir da juventude. E de consumir o que elesachavam que era bom, nada de consumo consciente. Por isso digoque os Racionais j faziam, h mais de dez anos, uma leitura desseanseio por consumir dos jovens pobres. Por outro lado, h essadimenso de movimentos como o dos escritores da periferia,promovendo produtos da periferia, pela periferia. O funk ostentaocomea sem se preocupar com essa questo diretamente. Ele notem dor na conscincia por cantar o consumo em suas msicas eaderir ao sistema, por exemplo. Porm, indiretamente, se acabachegando a um outro ponto, na medida em que uma parcela

    considervel de jovens da periferia passa a possuir algum tipo derenda com a produo do funk. Sejam os meninos que gravam osvideoclipes, os prprios MCs, mas tambm empresrios, produtores,tcnicos e mesmo alguns MCs tornando-se empreendedores ecriando seus prprios negcios. Como o MC Nego Blue, queobservando de perto o sucesso das roupas de grife entre os jovens,criou a Black Blue, uma loja de roupas cujo smbolo uma carpacolorida. Hoje, alm de possuir lojas prprias, j vende suas roupasem lojas multimarcas, ao lado de camisas da Lacoste ou de outrasmarcas famosas que os meninos procuram, e por um preo muitoparecido. Uma das empresas que agencia shows de funk em Cidade

    Tiradentes chama-se justamente Nis por nis.

    Os rolezinhos parecem dizer: no apenas queremos consumir, masqueremos ocupar em massa e se divertir a nos seus shoppings, nos

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    pautamcada vezmais pela

    busca doreconheciment

    peloconsumo,

    pela possede bens.

    como sea

    sociedadedissesse:Vocs,

    pobres,podem

    consumir,mas ir ao

    seus ou nos nossos. importante perceber tambm que osshoppings onde os eventos ocorreram esto em regies maisperifricas, provavelmente prximos ao prprio bairro de moradiados jovens. Por enquanto, eles no tm ido aos templos maiores doconsumo de luxo na cidade, na regio dos Jardins, Faria Lima,Marginal Pinheiros etc. Pode haver a tambm um componente deum termo que surgiu muito forte para mim na pesquisa que fiz emescolas de ensino mdio, no meu doutorado, que a ideia do zoar.Eles querem zoar, que chamar a ateno para si e se divertir,namorar, brincar e, se for preciso, brigar.

    P.Por que, neste momento, o lazer se impe como umareivindicao desta gerao, acima de questes como sade,educao e transporte de qualidade?

    R.Acho que no h uma reivindicao poltica bem formuladinhacomo acontecia com o hip hop: queremos mais sade, educao elazer. Eles simplesmente querem estar nos shoppings para zoar evo. No h essa reflexo mais elaborada que o hip hop produz,

    mais espontneo. Esse talvez possa ser um ponto de distino. E oprprio funk , por si s, lazer e diverso, um dispositivopoderosssimo para danar e motivar paqueras. O zoar pode ser lido como um ato poltico,mas no me parece intencional. Acho que cria uma tenso que poltica, que de disputa depoder pelos espaos da cidade, mas no h um manifesto pela zoeira ou pelos rolezinhos,como houve, por exemplo, no caso do manifesto da arte perifrica dos escritores.

    P.H tambm um movimento maior para sair dos guetos e ocupar os guetos da classe mdia?Em massa e no mais individualmente, como quando um grupo de rap aparecia numa TV,mesmo sendo a MTV, ou um escritor do movimento literrio marginal ou perifrico publicavanuma grande editora? Esta uma novidade importante?

    R.Acho que abre, sim, para fora do gueto, do bairro onde se vive, mas no para muito longe,pois, afinal, os shoppings para os quais eles vo esto do lado de suas casas. Neste sentido,acho que o hip hop, apesar de falar mais do gueto, abre-se muito mais para fora do gueto, namedida em que conquista um espao importante nas polticas pblicas de cultura, porexemplo.

    Claro que esse espao de lazer problemtico e conflitivo mesmodentro dos bairros das periferias onde moram esses jovens. Seentrevistarmos os seus vizinhos, certamente a maioria vai seposicionar totalmente favorvel proibio das festas de rua queeles organizam, com som alto que muitas vezes toma a madrugadatoda. Por isso, acho importante no tomar o funk nem como um

    movimento libertador, nem como o grande vilo ou o grandemovimento de corrupo da juventude contempornea, comosetores mais moralistas, esquerda e direita, tendem a fazer.

    A questo do consumo tambm me parece problemtica. O desejopelo consumo sempre existiu. Bem antes do governo Lula, oprocesso de urbanizao induz a esse apego maior ao consumo.Porm, no d para se negar que houve, nos ltimos anos, tambmuma melhora econmica para segmentos que antes estavambastante afastados do mercado. Porm, acho que reduzir o sucessodo funk da ostentao a isso simplif icar demais o movimento eesquecer que ocorreram e ocorrem movimentos juvenis parecidosem outras partes do mundo, como o prprio gangsta rap, nosEstados Unidos, no qual os videoclipes se inspiram.

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    shoppingemgrandes

    grupos, spara zoar ecantar

    funk, a j vandalismo.

    Oscomentriosem sites eredessociaisrevelamesse

    profundoracismo

    Devemos questionar no a ao dos meninos, mas as relaessociais fomentadas na contemporaneidade. preciso conceder aosjovens, e no apenas aos pobres, mas aos de classe mdia e altatambm, outros espaos de reconhecimento e de estabelecimentode relaes sociais que no sejam pautados pela afirmao por meioda posse e do consumo de bens. Porque, afinal, como dizem osRacionais, mais uma vez: Quem no quer brilhar, quem no? Mostraquem. Ningum quer ser coadjuvante de ningum. De repente, paraalguns, ter um tnis caro, um smartphone de ltima gerao ou ir aoshopping para zoar, pode ser uma forma encontrada para tentarbrilhar.

    P.Ao ocupar os shoppings, os adeptos do funk da ostentaoestariam promovendo sua primeira atitude de insurgncia contra osistema, no sentido de: Vou ocupar o espao que me negado ouonde no me querem. isso? Ou as prprias letras das msicas,interpretadas, em geral, como adeso ao sistema, j seriam, de fato,uma insurgncia, na medida que se apropriam, simbolicamente, dos

    valores da elite e da classe mdia e, agora, com os rolezinhos, tambm de seus espaosfsicos?

    R.Sim, acho que essa a maior irritao da classe mdia com esses movimentos. Basta veros comentrios aos videoclipes no YouTube, irritados com os meninos ostentando e exibindo-se com produtos mais caros, que no deveriam estar com aqueles meninos, pobre e negros,em sua maioria. Esta a principal insurgncia que eles provocam. A classe mdia, de umamaneira geral, a mais pobre ou a mais rica, a mais ou menos intelectualizada, irrita-se bastantequando os subalternos compram bens caros, mesmo antes deles. J ouvi comentriosindignados, do tipo: Minha empregada comprou uma televiso de ltima gerao, melhor doque a minha. Isso tem antecedentes histricos que parecem refletir at hoje. James Holston,ainda no livro sobre cidadania insurgente, que citei anteriormente, traz como exemplo a

    legislao colonial portuguesa, que proibia aos negros o uso de joias e artigos consideradosfinos...

    P.Parece que os rolezeiros dos shoppings esto ocupando o mesmo lugar simblico dosvndalos nas manifestaes, na narrativa feita por parte da grande mdia e pelas autoridadesinstitudas. Como voc interpreta essa reao?

    R.O que me assustou de verdade nessa histria toda foram asreaes, de mdia e de polcia, condenando e mandando prender,mesmo em casos em que disseram que no houve arrastes, mascorrerias. Fico questionando quem provocou a correria: os jovens oua ao dos seguranas e da polcia? Eventos como estes revelam

    tambm uma faceta complicada e extremamente preconceituosa daclasse mdia brasileira. Dei uma entrevista curta para o site de umgrande grupo de comunicao e fiquei assustado ao ler oscomentrios dos leitores, de um dio terrvel contras os meninos emeninas que foram aos shoppings, contra os pobres, contra mim,que tive uma fala dissonante na entrevista, ressaltando a formapreconceituosa com que tal tema vinha sendo tratado. Ao falarem doevento, algumas palavras utilizadas como categorias de acusaocontra os jovens e as jovens foram bastante reveladoras dopreconceito, e mesmo do racismo, deste segmento social:favelados, maloqueiros, bandidos, prostitutas e negros.Nesse ltimo caso, inclusive, fica evidente o racismo que apareceem muitos comentrios dessa notcia, mas tambm nascomunidades dos rolezinhos que os jovens criaram nas redessociais. Um dos comentrios pede para que os jovens voltem para a

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    entranhadoem parcelaconsidervel

    dapopulaobrasileira.

    Para umaparcela da

    classemdia de

    frica. Isso muito grave. Revela esse profundo racismo entranhadoem parcela considervel da populao. Como se tal sociedadedissesse, por meio dos representantes dos shoppings, da mdia eda polcia, brincando um pouco com a questo das manifestaesde junho: Vocs, pobres, podem consumir, mas ir ao shopping emgrandes grupos, s para zoar e cantar funk, a j vandalismo.

    P.A classe mdia racista?

    R.O que chamamos de classe mdia no um todo homogneo. possvel segment-la em diferentes nveis e a partir de diferentescontextos, possvel pensar em uma classe mdia intelectualizadaou no intelectualizada. Contudo, parece-me que a diviso maisimportante para se pensar a classe mdia em So Paulo a que sed por critrios socioeconmicos e espaciais. H a classe mdia queest concentrada principalmente no entorno do eixo central, que vai do Centro a Pinheiros,passando pela Avenida Paulista e bairros prximos. Esta, em sua maioria, vive numa bolha etem poucos contatos com outras classes sociais, com exceo dos trabalhadores subalternos:porteiros, empregadas domsticas etc. Para esta, em grande medida, o Shopping Itaquera

    pode estar mais distante do que Paris ou Londres.

    Porm, h tambm certa classe mdia baixa que vive na periferia. Citando novamente oHolston, ele fala de uma diferenciao que se produziu nas periferias de So Paulo entreaqueles que compraram seus terrenos, ainda que por meio de contratos obscuros, e aquelesque ocuparam os espaos da cidade, formando as favelas. Essa pequena diferena no criaum grande abismo econmico, mas produz uma profunda diferenciao, por meio do qual umgrupo estigmatiza o outro. J vi um indivduo desta classe mdia da periferia questionandoprogramas como o bolsa famlia, porque tinha visto potes vazios de iogurte no lixo da favela.Este indivduo afirmava que nem ele consumia iogurte com tanta frequncia, como eles sedavam ao direito de consumir tal produto, que era um luxo, raro, mas sobre o qual ele detinhacerta exclusividade?

    A questo do auxlio aos mais pobres, principalmente o bolsa famlia, um forte fator deestigmatizao por parte desses diferentes segmentos da classe mdia, mas principalmentepor parte dessa classe mdia da periferia. Estive, recentemente, em uma escola pblicaprxima a uma grande favela de So Paulo. Segundo os professores, um dos problemasdaquela escola era o fato de que 90% dos alunos vinham da favela vizinha. E que, hoje, essesalunos estavam muito acomodados, pois viviam de bolsas e na favela tinham tudo muito fcil,com a grande quantidade de projetos presentes por l. Inclusive, projetos de msica, ressaltouum professor. muito importante refletir sobre isso, porque esses professores, se no moramna favela, so vizinhos dela. Mas, ainda assim, permitem-se diferenciar-se dos jovens porquestes muito pequenas. E so estes professores os responsveis por formar esses jovens.

    Ser que, com este olhar, so capazes de lutar para que a escola se torne um espao deconvivncia, afirmao e reconhecimento para os jovens?

    P.Como voc, que tem acompanhado o cotidiano de escolas pblicas, em So Paulo,percebe a educao?

    R. necessrio pensarmos em uma educao para as diferenas,para que no caiamos mais na armadilha da intolerncia e dasanlises apressadas e preconceituosas de setores das elites e dascamadas mdias, ao se referirem aos subalternos. Lembro-me deum documentrio portugus, que vale a pena ser assistido, sobre ahistria de um arrasto que no existiu. Chama-se: Era uma vez umarrasto (assista aqui). Nele, conta-se do dia em que jovenscaboverdianos ou descendentes de caboverdianos resolveramfrequentar a nobre praia de Carcavelos, em Portugal. A polcia, aover a concentrao de jovens de origem africana, assustou-se e

    http://www.dailymotion.com/video/xe4px_era-uma-vez-um-arrastao_news
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    So Paulo,o Shopping

    Itaquera

    pode estarmaisdistante doque Parisou

    Londres.

    Aqui nofoi precisoa chegadade

    estrangeirospara a

    resolveu intervir, provocando uma grande correria, que foi noticiadacomo arrasto. Mas, de fato, os jovens fugiam da represso policialgratuita. Isso talvez nos ensine algo sobre os arrastes que estamosa criar todo dia, criminalizando jovens pobres cotidianamente.

    Quando estive pesquisando em escolas pblicas da periferia de SoPaulo, era comum ouvir dos professores que, naquela escola, os

    alunos eram todos bandidos ou marginais. O discurso dacriminalizao efetivo e poderoso e condena muita gente aofracasso escolar e mesmo ao crime. O socilogo polons ZygmuntBauman, num livro sobre educao e juventude, ressalta anecessidade cada vez mais premente, na contemporaneidade, dedesenvolvermos a arte de conviver com os estranhos e a diferena.Em especial num mundo no qual as migraes tendem a aumentarcada vez mais. No nosso caso, no foi preciso a chegada deestrangeiros para a expresso das mais brutais formas depreconceito, pois os estrangeiros ramos ns, os brasileiros. Masbrasileiros que moram muito, muito distante, ainda que vizinhos.

    Moram em Guaianazes, Capo Redondo, Graja, Cidade Ademar,Cidade Tiradentes, Vila Brasilndia...

    P.Em que medida, na sua opinio, os rolezinhos se ligam s manifestaes de junho?

    R.Acho que no h uma ligao direta. Mas, indiretamente, possvel perceber areivindicao comum do uso do espao pblico e de quebra das marcas da segregao.Lembro-me que, antes das manifestaes de junho, para a imprensa conservadora era umtabu ocupar a Avenida Paulista. Os movimentos sociais mostraram que no apenas no era umtabu, como era um direito, o direito de ir s ruas e ocup-las para protestar. Os rolezinhos noparecem ter uma pauta to clara, mas tambm esto, ainda que indiretamente, dizendo:Vocs no disseram que era bom consumir? Pois bem, ns tambm queremos!

    P.Essa ocupao de espaos que supostamente pertenceriam a outros, tanto no caso dasmanifestaes como no caso dos rolezinhos, parece marcar uma novidade importante. O queest acontecendo?

    R. Acho que a novidade est a, mas difcil dizer o que est acontecendo ou o queacontecer. Pode ser apenas um surto algo parecido com o que foi a revolta da vacina comoreao s propostas polticas opressoras de reforma sanitria do Rio de Janeiro, por exemplo ou pode ser uma nova forma de pensar os espaos pblicos e privados nas cidadesbrasileiras. Porm, difcil prever. Os rolezinhos podem ter acabado nesta semana, porexemplo. E movimentos como os de junho no se repetiram com tanta intensidade erepercusso. Contudo, o que movimentos como estes garantem a possibilidade de setensionar essa ocupao dos espaos urbanos, amplamente negada at ento.

    P.Por que este nome, rolezinho? E que significados ele contm?

    R.Rolezinho um termo que est diretamente ligado ideia de lazer.De sair para se divertir e usufruir da cidade. Os pichadores, com osquais realizei pesquisa no mestrado, tambm usam a ideia de rol,para se referirem s suas pichaes. Com isso esto dizendo quepichar dar voltas para conhecer e se apropriar da cidade. Pareceque, por este termo, indiretamente, podemos entender umareivindicao pelo direito de se divertir na cidade.

    P.Divertir-se na cidade no seria um ato de insubordinao para

    jovens pobres e negros? Talvez at o maior ato de insubordinao?R.Sim, principalmente numa sociedade em que pobres e negros tmque trabalhar e apenas trabalhar sem reclamar. Lembremos de

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    expressodas maisbrutais

    formas depreconceito,pois osestrangeirosramosns, osbrasileirosquemoram emGuaianazes,Capo

    Redondo,Graja,Cidade

    Ademar,CidadeTiradentes,Vila

    Brasilndia...

    que a ROTA, no final do regime militar, atuava nas periferiasabordando os moradores e cobrando-lhes a carteira profissionalcomo prova de que eram trabalhadores e no vagabundos.Devotados, portanto, ao trabalho e no diverso. Agora, claro queesses jovens no esto pensando exatamente nisso. Querem muitomais se divertir.

    P.Como entender este fenmeno, que , ao mesmo tempo, umainsubordinao e uma adeso ao sistema?

    R. Acho que a melhor palavra paradoxo. O funk da ostentao emSo Paulo paradoxal: no d para situ-lo num polo ou noutro,dentro do modo tradicional de pensar a poltica. Conservador ourevolucionrio? Nenhum dos dois, mas com possibilidade para osdois ao mesmo tempo.

    Eliane Brum escritora, reprter e docum entarista. Autora dos li vros de no ficoA Vida Que Ningum

    v, O Olho da RuaeA Menina Quebrada e do romance Uma Duas. Email: [email protected].

    Twitter: @brumelianebrum

    EDICIONES EL PAS, S.L.

    http://www.prisa.com/http://clasificados.elpais.com/http://elviajero.elpais.com/http://www.meristation.com/http://www.tareasymas.es/http://www.rollingstone.es/http://www.cinemania.es/http://www.tvi24.iol.pt/http://www.pluralent.com/http://www.moderna.com.br/pagina-inicial.htmhttp://www.richmondelt.com/http://www.kebuena.com.mx/http://www.cadenadial.com/http://www.m80radio.com/http://www.maxima.fm/http://www.continental.com.ar/http://cincodias.com/http://www.wradio.com.co/http://www.sistemauno.com/web/index.htmlhttp://www.huffingtonpost.es/http://www.caracol.com.co/http://www.adnradio.cl/http://www.as.com/http://www.cadenaser.com/http://www.tvi.iol.pt/http://www.canalplus.es/http://www.alfaguara.com/http://www.gruposantillana.com/http://www.los40.com/http://www.elpais.com/http://elpais.com/corporativos/https://twitter.com/brumelianebrummailto:[email protected]