bruit, hector. o imperialismo

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  • Dados de Catalogao na Publicao (CIP) Internacional (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Bruit, Hctor H. B916i 0 imperialismo / Hctor H. Bruit. - 2. ed. - So Paulo: Atual; 2.ed. Campinas, SP: Editora da Universidade Estadual de Campinas, 1987.

    (Discutindo a histria)

    Bibliografia,

    1. Imperialismo 2. Imperialismo - Histria I. Ttulo. II. Srie. ' e

    CDD-325.32 87-0269 -352.3209

    ndices para catlogo sistemtico: 1. Imperialismo: Cincia poltica325.32 2. Imperialismo: Histria: Cincia poltica325.3209

    Obra em co-edio com a EDITORA DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS (UNICAMP) Reitor: Paulo Renato Costa Souza Coordenador Geral da Universidade: Carlos Vogt

    CONSELHO EDITORIAL: Alfredo Miguel Ozrio de Almeida, Attlio Jos Giarola, Aryon DallTgna Rodrigues (Presidente), Eduardo Roberto Junqueira Guimares, Fernando Galembeck, Humberto de Arajo Rangel, Michael MacDonald Hall, Jayme Antunes Maciel Jr., Ubiratan D'Ambrsio.

    Diretor Executivo: Eduardo Roberto Junqueira Guimares

    Rua Ceclio Feltrin, 253 Cidade Universitria - Baro Geraldo Fone: (0192) 39-1301 (ramal 2585) 13083 CAMPINAS - SP

  • discutindo a histria

    o imperialismo hctor h. bruit

    2 . a edio

    coord.: jaime pinsky

  • Capa: Sylvio Ulhoa Cintra Filho Fotos da Capa e miolo: Fil

    Mapas: Maria Azevedo Pesquisa iconogrfica: Letcia V. de Souza Reis

    Copyright Hctor H. Bruit

    Todos os direitos reservados ATUAL EDITORA LTDA.

    Rua Jos Antnio Coelho, 785 Fone: 575-1544

    04011 - So-SP

    Este livro foi impresso pela llK-* t f i l c fUMU S/cU Rod. Presidente Outra.km 214 Fone: 912-1388 GuarulhOS

    LUYLNVI

    2 4 6 8 109 7 5 3

    NOS PEDIDOS TELEGRFICOS BASTA CITAR O CDIGO ANCH0125L

  • sumrio

    Bate-papo com o Autor 1 1. O que imperialismo? 5 2. O Imperialismo na frica 14 3. O Imperialismo na sia 30 4. A Amrica latina Entra em Cena 44 5. O legado: Sangue, Desprezo e Misria 58 Bibliografia 72 Cronologia 75 Discutindo o Texto 78

  • bate-papo com o autor

    Hctor Hernn Bruit chileno, mas adotou o Brasil h vrios anos. J lecionou em Maria, Tupi e em Santa Catarina entre outras cidades e atualmente professor junto ao Departamento de Histria da UNICAMP.

    Segundo filho de uma famlia de sete, fez o curso secundrio noi-te e, durante esse perodo, desempenhou funes bastante distantes do in-telectual que acabou se tornando, a partir de 1968, como docente da Uni-versidade do Chile onde se licenciara quatro anos antes. Primeiro traba-lhou durante trs anos como operrio de uma fbrica de papel fotogrfico e depois notificou protestos de duplicatas como funcionrio de um cart-rio.

    Ps-graduado em Histria da Amrica pela Universidade do Chile e Doutor pela USP, Bruit hoje em dia sente-se mais um professor do que um intelectual, "talvez porque", diz ele, "eu sempre tenha acreditado que a prtica pedaggica tambm uma forma de militncia poltica renovadora, marcante e transformadora, e menos elitista do que a profisso de intelec-tual". Para Bruit, ser professor tambm implica realizar "aquelas aspiraes que no puderam concretizar-se, aspiraes estticas como o teatro e a dana, formas de expresso corporal que de alguma forma o professor pra-tica a um nvel mais modesto".

    E a dana moderna, que um de seus hobbies, justamente uma for-ma de enfrentar o excesso de racionalismo que alimenta o mundo moder-no: "A dana para mim uma verdadeira terapia; ela me desintoxica do in-telectualismo asfixiante, me liberta das teorias alienantes."

    Alm de inmeros artigos e comentrios crticos, Bruit autor dos livros Acumulao Capitalista na Amrica Latina e Estado e Burguesia Nacional na Amrica Latina (este ainda no prelo), do qual tambm orga-nizador.

  • A seguir, Hernn Bruit responde a cinco questes: P. Brasileiro por adoo, chileno de origem, qual sua relao pessoal com o tema deste livro? R. O fato de ser latino-americano, de viver o continente como experincia individual e pens-lo teoricamente, implica um envolvimento total, vital e poltico com o tema. No h dvida de que ser latino-americano signifi-ca ser antiimperialista, e esta prtica permite pensar o continente como uma unidade social e poltica dentro do capitalismo mundial, compreender a histria dramtica dos povos submetidos e empunhar a nica bandeira de luta possvel: o socialismo. P. Seu tema o imperialismo, mas nada vimos sobre a espoliao atual de que so vtimas as naes latino-americanas, espoliadas pelos banqueiros e FMs da vida. Ou isso no uma manifestao imperialista? R. O fato de no avanar para a poca atual tem uma razo tcnica: o li-mitado espao disponvel da prpria coleo. Escrever sobre o imperia-lismo aproximar-se da histria mundial, o que no deixa de ser um pou-co pretensioso. Desse modo, o assunto foi encarado muito mais historica-mente que politicamente, quer dizer, era necessrio delimitar o tema a par-tir de suas prprias determinantes ideolgicas, ajustadas ao contexto hist-rico que as define; descrever aquele processo que os historiadores chama-ram de "poca do imperialismo", ou a partilha fsica do mundo. Este pro-cesso, que poderamos chamar de "imperialismo clssico", tem uma cro-nologia definida, cinqenta ou sessenta anos que se estendem entre fins do sculo passado e incio do atual. Isto no significa que o fenmeno impe-rialista tenha acabado. Muito pelo contrrio, ele persiste, vive e se alimen-ta com uma fora demolidora. Entretanto, nos ltimos quarenta anos, a histria do mundo outra, as foras em ao so diferentes, o sentido da poltica internacional tem outras caractersticas. Agora existe o mundo socialista dominado pelos soviticos, usando e abusando de seus prprios mtodos imperialistas; os pases colonizados pelo imperialismo clssico fi-zeram sua independncia; a China construiu seu socialismo, e a Amrica Latina foi remexida pela revoluo cubana e nicaragense. Ento, o impe-rialismo atual merece uma abordagem diferente, centrada na ao das em-presas multinacionais, na estruturao de um sistema econmico mundial, numa guerra fria cada vez mais quente, onde os antigos imperialistas euro-peus no so mais que apndices do imperialismo norte-americano. Alguns autores chamam tudo isto de "ultra-imperialismo", e bem mereceria um t-tulo nesta coleo. + P. Por que naes oprimidas no se juntam para lutar contra o imperialis-mo ? Afinal, muitos fracos podem ter mais fora que alguns fortes... R. As naes no se juntam para lutar contra o imperialismo porque as na-es no so mais que abstraes, particularmente no mundo atual. A luta contra o imperialismo se d ao nvel da estrutura de classe, forma parte da

  • luta entre os que defendem o sistema capitalista e os que o combatem. No interior de qualquer pas latino-americano, existem os grupos burgueses in-ternacionalizados que marcham ao lado das multinacionais; os grupos bur-gueses que ainda acreditam melancolicamente num capitalismo nacional e independente; os trabalhadores com interesses que os colocam em confron-to com os dois primeiros, e ainda outros grupos sociais perdidos no tecido cotidiano da histria. Em outras palavras, a unio das naes oprimidas passa necessariamente pela revoluo poltico-social. P. A doutrina Monroe (Amrica para os americanos) o pretexto da inter-veno estadunidense na Nicargua, Granada, El Salvador? R. A doutrina Monroe no mais lembrada. Desde a Segunda Guerra Mun-dial, o intervencionismo ianque est fundado na defesa das instituies e valores norte-americanos ameaados pelo comunismo internacional. Se fos-se necessria uma doutrina para essa parania, teramos que indicar a dou-trina Truman de 1947, que declarou guerra ao comunismo supostamente infiltrado em todas as instituies norte-americanas. Esta doutrina foi o caldo de cultivo que permitiu a apario desse pitoresco poltico chamado McCarthy, que colocou dvidas no general Marshall e nas foras armadas.

    A parania anticomunista, o medo doentio de que a Unio Sovitica destruiria o mundo ocidental orientou, desde ento, toda a poltica inter-nacional dos Estados Unidos. Eisenhower ordenou a interveno na Gua-temala, em 1954, porque este pas estava infestado de comunistas. A cam-panha eleitoral de Kennedy esteve fundada num verdadeiro terror psicol-gico de que os Estados Unidos seriam destrudos pelos comunistas. A mes-ma coisa com o governo Nixon para justificar a interveno no Vietn, no Chile, etc.

    uma hipocrisia armar uma guerra contra a Nicargua em nome da democracia, porque jamais os Estados Unidos se importaram com a demo-cracia na Amrica Latina. Pelo contrrio, apoiaram todas as ditaduras he-diondas que se instalaram nestes pases, nada fizeram, nem sequer uma voz de protesto, contra o genocdio praticado pelos generais na Argentina, e nada dizem sobre a massacrante ditadura no Chile. P. Lutar contra multinacionais uma forma de enfrentar o imperialismo? R. Evidentemente que sim, porque o imperialismo atual, como ficou dito numa resposta anterior, est centrado na ao das multinacionais que cria-ram um sistema econmico mundial. Mas a luta no pode ser a mesma de trinta anos atrs, quando o imperialismo impunha, nos pases perifricos, a monoproduo de matrias-primas, a importao de produtos industriais e exportava capitais para equilibrar o balano de pagamentos. O imperialis-mo atual no mais aquele definido por Lnin. Primeiro, porque as multi-nacionais internacionalizaram a produo industrial: o sudeste asitico, cer-tas reas da frica e Amrica Latina so regies privilegiadas pelo investi-mento industrial das multinacionais, pois os custos so muito baixos como

  • conseqncia da abundante e barata mo-de-obra. Em segundo lugar, por-que os investimentos no Exterior, particularmente no caso dos Estados Unidos, no saem deste pas, mas de mercados financeiros como Brasil, pases da Europa etc. Isto significa que existem movimentos de fundos das filiais de pases pouco desenvolvidos para as filiais de pases desenvolvidos, todas integradas na mesma empresa. Se usarmos a definio de Lnin pode-mos dizer que somos ns, da Amrica Latina, os imperialistas, pois de algu-ma forma exportamos capitais...

    O fato de que as multinacionais fazem seus investimentos em regies diversas, com graus de desenvolvimento diferentes, com regimes polti-cos e sociais distintos, cria uma base econmica comum e consegue a inte-grao mundial que rompe as fronteiras tradicionais entre nacional e in-ternacional, entre pases desenvolvidos e subdesenvolvidos e, mesmo, en-tre economias capitalistas e socialistas, na medida em que elas tambm atuam em alguns pases da Europa Oriental.

    O significativo de tudo isto que as multinacionais apresentam um tal grau de autonomia, que so capazes de desenvolver estruturas de gesto em escala mundial e de alguma forma comeam a superar ou, pelo menos, a colocar em risco o poder do Estado-nao.

    Entretanto, o governo dos Estados Unidos tem usado o poder das multinacionais como instrumento de poltica externa. Basta lembrar a cri-se de 1960, que levou invaso da baa dos Porcos e ao problema dos ms-seis. Tudo comeou no conflito entre Cuba e as empresas de petrleo que operavam neste pas. As empresas negaram-se a refinar o leo cru impor-tado a baixos preos da URSS. O governo de Fidel respondeu com a na-cionalizao.

  • 1. o que imperialismo?

    Entre 1870 e 1914, a Europa Ocidental e os Estados Unidos arquite-taram a conquista poltica, econmica e cultural da frica, sia, Oceania e Amrica Latina. Repartiram o mundo entre si e organizaram poderosos im-prios coloniais que s tinham em comum o desenvolvimento da acumula-o capitalista.

    A mdia de expanso territorial, durante este perodo, foi de 560.000 km2 por ano.

    Este perodo ficou conhecido como imperialista e as causas desta ex-panso foram diversas. No entanto, todas se relacionam com o desenvol-vimento do capitalismo industrial nos pases imperialistas.

    Efetivamente, o desenvolvimento capitalista destes pases, unidos a um crescimento demogrfico que se processava desde o sculo XVIII, sig-nificou uma transformao acelerada na estrutura econmica e nos hbi-tos sociais destes pases. O desenvolvimento industrial ampliou a demanda de matrias-primas, muitas das quais se produziam em condies mais van-tajosas fora da Europa e Estados Unidos, e, ao mesmo tempo, o aumento na produo de artigos industriais ia ampliando a necessidade de merca-dos exteriores que consumissem os excedentes. Por outro lado, o cresci-mento das populaes urbanas fez aumentar a demanda de aumentos, cu-ja produo na Europa havia diminudo pelo xodo rural ou simplesmente porque se tornara mais barato compr-los em mercados externos.

    A este conjunto de processos denominou-se imperialismo comercial, na medida em que foi o comrcio das matrias-primas, alimentos e bens ma-nufaturados que estimulou os pases industrializados a penetrar, controlar e dominar vastas regies do mundo.

    Contudo, o imperialismo tinha outras mscaras e razes mais sutis e menos transparentes. A conquista militar e poltica de milhes de seres hu-manos de outras raas e culturas era induzida pela exportao de capitais que no rendiam juros suficientes na Europa. Esta forma de penetrao conhecida como imperialismo financeiro, comandado por poderosos mo-noplios de banqueiros, investidores e industriais.

    Em 1902, o economista ingls John A. Hobson abria o jogo ao escre-ver: "O fator econmico mais importante, a grande distncia dos demais, do imperialismo a influncia que tem nos investimentos. O crescente cos-

  • 6

    Cartaz alemo de 1919 com os seguintes dizeres: "Sem nossas colnias, no teramos matria-prima."

  • mopolitismo do capital constituiu-se na mudana econmica mais notvel que se registrou nas ltimas geraes. Todas as naes industrialmente de-senvolvidas trataram de colocar uma grande parte de seu capital fora dos 7 limites de sua prpria rea poltica, em pases estrangeiros ou em colnias, e de receber uma renda cada vez mais alta por este investimento". E mais adiante arremata: "A riqueza destes grupos financeiros, a magnitude de suas operaes e suas ramificaes organizativas espalhadas por todo o mundo convertem-nos em elementos decisivos e fundamentais na marcha da poltica imperial. Tm mais interesses do que ningum nas atividades imperialistas e os maiores meios de impor sua vontade s decises polti-cas nas naes".

    Anos depois, outros autores retomaram as idias de Hobson e tor-naram-nas mais precisas. Lnin, em um famoso livro publicado em 1916, O Imperialismo, Etapa Superior do Capitalismo, definia este processo his-trico da seguinte forma: "O imperialismo um capitalismo na fase de de-senvolvimento, quando tomou corpo a dominao dos monoplios e do capital financeiro, quando ganhou significativa importncia a exportao de capitais, quando se iniciou a partilha do mundo pelos trustes interna-cionais e terminou a repartio de toda a terra entre os pases capitalistas mais importantes".

    Isto significava prognosticar um perodo de guerras e revolues co-mo conseqncia da luta entre os pases imperialistas, entre os monoplios internacionais, pelos mercados externos e melhores condies para arran-car lucros maiores.

    De fato, os grandes trustes internacionais, muitos dos quais dariam origem s grandes empresas multinacionais de hoje em dia, nasceram em fins do sculo XDC. Antes de 1914, existiam 122 trustes de origem ameri-cana, 60 ingleses e 167 franceses, alemes e suos.

    Particularmente, os monoplios que associavam grandes industriais e poderosos bancos foram um fenmeno caracterstico da economia ameri-cana e alem dessa poca, e, de forma menos intensa, na Gr-Bretanha e 'rana.

    Alm do mais, em todos esses pases existia um grande excedente de apitais para ser exportado. Em 1885, os quatro maiores investidores mun-

    diais em ordem de importncia, Gr-Bretanha, Frana, Alemanha e Es-tados Unidos haviam colocado no exterior 2.681 milhes de libras es-terlinas. Em 1914, esta cifra foi para 7,659 milhes.

    Um empresrio americano, em 1898, dizia: "Quem escreve isto no um advogado do imperialismo por sentimentalismo, mas no teme s-lo se isso significa que os Estados Unidos defendero seu direito a mercados li-vres em todos os velhos pases que esto se abrindo para os recursos exce-dentes dos pases capitalistas e obtendo por isto os benefcios da civiliza-o moderna. Que esta poltica leve consigo o governo direto dos arquip-

  • lagos semi-selvagens pode ser objeto de discusso, mas do ponto de vista econmico s h uma opo: entrar, de alguma forma, na competio, em-pregando capitais e empresas norte-americanas nestes pases..."

    Alm destes fatores de ordem econmica, outros de natureza polti-co-estratgica, diplomtica e nacionalista intervm na expanso imperia-lista.

    A idia de que um pas deve transformar-se em uma potncia mundial no s est ligada prpria natureza do capitalismo como sistema mundial, mas tambm se vinculou ao pensamento poltico de certos governantes, grupos de intelectuais e polticos nacionalistas em geral. Esta idia de po-tncia mundial tinha muito a ver com o prestgio da nao, o equilbrio poltico europeu e a influncia que a nao podia e devia exercer no mundo.

    Desde 1870, quando a Itlia e a Alemanha acabavam de unificar-se politicamente, a concorrncia internacional e as relaes entre os pases ha-viam se tornado mais complexas. Surgem, neste perodo, grandes blocos de poder. Os Estados, levados a uma concorrncia poltica crescente com os vizinhos, estabelecem alianas para evitar o isolamento. A primeira aliana internacional foi a austro-alem de 1879, que se transformou em Trpli-ce Aliana em 1882, com o ingresso da Itlia. A Frana, totalmente isola-da, buscou seus prprios aliados: primeiro a Rssia, com a qual firmou uma aliana em 1894, e em seguida, em 1904, a Gr-Bretanha. Finalmente o acordo anglo-russo de 1907 fez surgir a Entente Cordiale. Os blocos be-ligerantes da I Guerra Mundial estavam formados.

    Este jogo poltico significou que qualquer mudana de posio, de poder, dentro e fora da Europa, prejudicaria o vizinho. Neste sentido, a formao de um imprio colonial por parte de um pas foi vista como instrumento de fora e prestgio que podia romper o equilbrio entre as potncias. Um exemplo claro disto, como veremos mais adiante, foi a dis-puta do Egito entre Gr-Bretanha e Frana.

    Enfim, para muitos governantes, polticos e militares a condio de potncia implicava a necessidade de ter colnias, protetorados, bases navais em todos os continentes, nica forma de proteger os co-nacionais, no ape-nas dos governos desses lugares, como tambm da ao das outras po-tncias ocidentais.

    O temor de que uma potncia estrangeira ameaasse uma possesso colonial, estimulava a conquista de uma fronteira mais extensa. Este ele-mento, que alguns historiadores chamaram de um "acumulativo processo preventivo", esteve muito presente na expanso britnica sobre a ndia, co-mo ser visto, detalhadamente, mais adiante.

    Por outro lado, a condio de potncia mundial estava ligada pos-sibilidade de controlar matrias estratgicas tais como cobre, ferro, borra-cha, petrleo etc.

    Tambm necessrio lembrar outras motivaes que, parcialmente,

  • constituem outras tantas explicaes do processo de colonizao mundial. Assim, foi notria a viso de que a colonizao era uma misso civilizado-ra de uma raa superior, a branca. Esta convico baseava-se na superiori- 9 dade que o europeu e o americano viam em suas instituies polticas, na organizao da sociedade, no desenvolvimento industrial. Ao mesmo tem-po, esta imagem era estimulada por doutrinas marcadamente racistas, co-mo a elaborada pelo filsofo ingls H. Spencer, conhecida por "darwinis-mo social". Segundo essa filosofia, a Teoria da Evoluo de Darwin podia ser aplicada perfeitamente evoluo da sociedade. Assim como existia uma seleo natural entre as espcies, ela tambm existia na sociedade. A luta pela sobrevivncia entre os animais correspondia concorrncia ca-pitalista; a seleo natural no era nada alm da livre troca dos produtos entre os homens; a sobrevivncia do mais capaz, do mais forte era demons-trada pela forma criativa dos gigantes da indstria que engoliam os compe-tidores mais fracos, em seu caminho para o enriquecimento. O sucesso dos negcios demonstrava habilidade superior de adaptao s mudanas; o fracasso indicava capacidade inferior. Por estas razes, a interveno do Es-tado era prejudicial, j que interrompia o processo pelo qual a natureza im-pessoal premiava o forte e eliminava o fraco.

    Em outras palavras, se a luta pela existncia resultava na sobrevivn-cia e predomnio dos animais e plantas mais capazes, como afirmara Dar-win, uma luta semelhante se produzia entre as raas humanas e as naes com idnticos resultados. Esta dura concorrncia em mbito internacional, que justificava a conquista e destruio de sociedades inferiores, era fei-ta em nome do progresso.

    Um autor da poca, Edmond Desmolins, escrevendo sobre o conflito com os bores da regio do Cabo, na frica, formula a questo da seguin-te forma: "Quando uma raa se mostra superior a outra nas manifestaes da vida nacional, de modo inevitvel, termina por dominar a vida poltica e impor, de modo permanente, sua superioridade. Seja que esta superiori-dade se reafirme por meios pacficos, seja pela fora das armas, chega um momento em que fica estabelecida oficialmente. Afirmei que esta lei a nica que explica a histria da raa humana e as revolues dos imprios e que, alm disso, esclarece e justifica a apropriao, pelos europeus, do territrios da sia, frica e Oceania, e todo o processo de nosso desenvol-vimento colonial".

    Escrevendo sobre a vida e faanhas de Hubert Hervey, alto funcion-rio da British South African Chartered Co., o conde Grey acaba concluindo que o branco, e particularmente o ingls, o nico que sabe governar, o que lhe outorga direitos indiscutveis para dominar as raas de cor eviden-temente inferiores: "Provavelmente todo mundo estar de acordo que um ingls tem direito a considerar que sua forma de entender o mundo e a vi-da melhor que a de um hotentote ou um maori e ningum se opor, em

  • princpio, a que a Inglaterra faa o possvel para impor a estes selvagens os critrios e modos de pensar ingleses, posto que so melhores e mais eleva-

    10 dos. H alguma probabilidade, por remota que seja, de que num futuro previsvel possa desaparecer o abismo que agora separa os brancos dos ne-gros? Pode haver alguma dvida de que o homem branco deve impor e im-por sua civilizao superior sobre as raas de cor?..."

    No entanto, como os darwinistas sociais estabeleceram, no s o

    Mulheres africanas acorrentadas, no Congo de Leopoldo II.

  • branco superior ao homem de cor, como tem o direito indiscutvel de apoderar-se de tudo o que o negro, o ndio e o amarelo no sabem usar convenientemente. Este princpio usado em nome da humanidade e no 11 se discutem os meios. A natureza foi injusta porque repartiu de forma desi-gual os recursos, deixando em mos de povos inferiores riquezas que os po-vos mais capacitados no podem aproveitar. justo que tal estado de coi-sas se prolongue indefinidamente? Esta a pergunta que se formula um dos mais intransigentes defensores do imperialismo francs, Albert Sarrault, respondendo que, em nome da humanidade, esta injustia no pode ser ad-mitida. A desigualdade criada pela natureza deve ser eliminada em nome da humanidade, ainda que isto crie a desigualdade entre os homens.

    Em um livro publicado em 1931, Grandeza y servidumbres colonia-les, Sarrault exps seus argumentos com fria e cega convico. Vejamos al-guns trechos: "Em nome do direito de viver da humanidade, a colonizao, agente da civilizao, dever tomar a seu encargo a valorizao e a circula-o das riquezas que possuidores fracos detenham sem benefcio para eles prprios e para os demais. Age-se, assim, para o bem de todos. A Europa no abandonar, absolutamente, sua autoridade colonial. Apesar de alguns perigos e de algumas servides que a Europa deve suportar e de algumas compulses para abdicar que recebe, no deve desertar de sua linha colo-nial. Ela est no comando e no comando deve permanecer. Eu nego com todas minhas foras e repudio com toda a energia de meu corao todas as tendncias que procuram, tanto para a Europa como para meu pas, o des-pejo da tutela ocidental nas colnias".

    Representantes da Igreja defenderam este princpio de "direito de colonizao" que na realidade um "direito violncia" contra o mais fra-co. E isto no surpreendente, pois a teologia espanhola do sculo XVI formulou toda uma teoria para justificar a conquista da Amrica. Alguns dos princpios formulados por Francisco de Vitoria em Relecciones teo-lgicas, particularmente o da "guerra justa", sero retomados por leigos e eclesisticos da poca do imperialismo moderno. Por exemplo, as seguin-tes palavras do reverendo padre Mller, transcritas por um catlico defen-sor do imperialismo francs, J. Folliet, doutor em filosofia tomista: "A hu-manidade no deve, nem pode aceitar mais que a incapacidade, a neglign-cia, a preguia dos povos selvagens deixem indefinidamente sem emprego as riquezas que Deus lhes confiou, com a misso de utiliz-las para o bem de todos. Se forem encontrados territrios mal-administrados por seus pro-prietrios, direito das sociedades prejudicadas por esta administrao defeituosa tomar o lugar destes administradores incapazes e explorar, em benefcio de todos, os bens dos quais eles no sabem tirar partido".

    Poder-se-ia pensar que estas idias no passavam de simples curiosi-dades arqueolgicas europias, mas, em um pas to novo como os Esta-dos Unidos, a viso racista da colonizao foi alimento nacional. Ali, a

  • Extica decorao de um teatro ao ar livre francs no incio do sculo XX.

    doutrina do Destino Manifesto, inspirada do darwinismo social, serviu para justificar todo o expansionismo do sculo XIX, primeiro contra os ndios para conquistar as terras do Oeste, depois para construir um imprio eco-nmico e poltico no ultramar.

    A doutrina era uma espcie de sentimento com vistas a um objetivo final, com a proteo da Divina Providncia. Em 1885, o pastor Josiah Strong escreveu que os anglo-saxes estavam encarregados pela divindade de ser os guardies da espcie humana e que Deus os havia preparado para a guerra final entre as raas. Os anglo-saxes deviam estender-se sobre toda a superfcie terrestre, comeando pelo Mxico, Amrica Central e do Sul, sobre a frica e sobre todo o mundo.

    O historiador John Fiske endossava essas idias em um ensaio inti-tulado Manifest Destiny, de 1885.

    Como veremos mais adiante, este princpio racial da expanso colo-nial foi levado prtica pelo aventureiro norte-americano William Walker

  • que, em 1855, conquistou a Nicargua, Honduras e El Salvador para cum-prir os desgnios ou o destino de uma raa superior. Walker fundamentou sua saga com as seguintes palavras tomadas de seus escritos doentios: "S 13 os nscios falam de estabelecer relaes durveis sem o emprego da fora entre a raa americana pura, tal como existe nos Estados Unidos, e a raa mestia hispano-ndia, tal como se encontra no Mxico e na Amrica Cen-tral. A histria do mundo no oferece uma viso to utpica como a de uma raa inferior submetendo-se mansa e pacificamente influncia domi-nadora de um povo superior".

    Poder-se- dizer que uma minoria trabalhou com essas idias e que a maioria dos europeus e americanos lhes foi indiferente, mas o que o impe-rialismo fez na frica, sia e Amrica Latina constitui a prova mais irre-futvel de que aqueles tericos interpretaram acertadamente o sentir coti-diano de qualquer branco que vivia em Londres, Paris ou Nova Iorque. Bas-tou que alguma dessas personagens chegasse a estes continentes, como sol-dado, funcionrio, comerciante ou simples turista, para sentir-se interpre-tado por aquelas extravagantesteorias.

    Como veremos mais adiante, o imperialismo aglutinou todos estes elementos econmicos, polticos, racistas etc; porm em todos os casos o

    que estava por trs era a expanso a nvel mundial das relaes capitalistas de produo.

  • 2. o imperialismo na frica

    A frica foi, provavelmente, o continente que mais sofreu com a de-vastadora ao do imperialismo, talvez porque fosse o mais dbil ou, ao contrrio, como aconteceu em algumas reas, a resistncia que ops signi-ficou um esmagamento maior. Em todo o caso, foi o nico continente a ser dividido sem que se respeitasse a unidade lingstica e cultural de seus povos. Por estas razes, a penetrao imperialista tem de ser examinada por partes ou reas de conquista.

    O imperialismo na frica

  • A Caverna de Aladim

    A penetrao europia np mundo muulmano, norte da frica e Ori-ente Prximo, foi iniciada gradualmente desde o comeo do sculo XIX. Em primeiro lugar, atravs de tratados comerciais com as sociedades ra-bes. Em 1830, os franceses obtiveram um tratado de comrcio com a Tun-sia. Em 1838, realizou-se a conveno comercial com o Imprio Otomano, que cancelou os monoplios do sulto e outorgou grandes benefcios e li-berdades aos comerciantes ingleses. Em 1856, os ingleses conseguem um tratado semelhante com o Marrocos.

    O sistema dos tratados de comrcio, garantias diplomticas etc. per-mitiu ao capitalismo europeu extrair desses pases os produtos necessrios indstria, desequilibrar a economia domstica, influenciar o sistema pol-tico, para logo transform-los em colnias.

    Outro instrumento de penetrao e domnio foi a poltica de melho-rar as comunicaes desses pases, seja por via martima, fluvial ou terres-tre, o que permitia aplicar os capitais excedentes da Europa. Desde 1834, uma linha de navegao inglesa unia Suez, no Egito, a Bombaim, na ndia. Em 1845, outra companhia de navegao une Alexandria e Constantino-pla. Em 1872, o Egito estava unido a Constantinopla pelo Mediterrneo e o estreito dos Dardanelos; a Odessa, pelo Bsforo e mar Negro; ao Iraque pelo golfo Prsico; ndia e China pelo mar Vermelho e oceano Indico; Frana, Itlia e Inglaterra, por 21 linhas martimas, das quais 17 eram eu-ropias.

    A navegao a vapor ganha os rios. Desde 1839, o Tigre e o Eufrates, no Iraque, so navegados por quatro vapores ingleses.

    Em 1869, inaugurado o canal de Suez. Em 1870,486 navios nave-gam pelo canal. Em 1910, so 4.500 navios que transportam mais de 16 milhes de toneladas de mercadorias.

    A primeira grande estrada do Oriente Mdio construda por uma companhia francesa inaugurada em 1863 e faz a ligao entre Damasco e Beirute. Em 1869, inaugura-se outra, de Jerusalm a Jafa. Estas duas cida-des sero unidas por estrada de ferro em 1889. O mesmo faro os france-ses, entre Damasco e Beirute. De 1900 a 1908, constri-se a ferrovia Da-masco-Medina.

    Dentro do mundo muulmano, o norte da frica exerceu grande atrao sobre os europeus, por vrias razes, entre as quais a mais decisiva, era o carter estratgico dessa regio na poltica mundial. A proximidade com a Europa, atravs do Mediterrneo e, desde 1869, com o canal de Suez, que unia esse mar ao mar Vermelho e ao oceano ndico, era de grande importncia para a Inglaterra e para a Frana, pases que acabaram domi-nando a regio.

    Outro elemento importante era o estado de organizao social e po-

  • ltica bastante superior ao resto da frica. Isto permitiu a instalao dos europeus, sem grandes dificuldades, para fazer o comrcio, emprestar di-nheiro e construir ferrovias.

    O Imprio Turco, tambm conhecido por Otomano, devido ao nome da dinastia reinante, fundado pelo sulto Osm no incio do sculo XIV, depois do esplendor e poder que o levaram a conquistar a pennsula Bal-cnica, na Europa (1354-1453), e no sculo XVI o norte da frica, caiu na mais profunda decadncia durante o sculo XIX. Apesar de sua impor-tncia, passou a merecer o ttulo de "homem doente", dado pelos russos, por dominar a regio dos estreitos entre os Blcs e a sia Menor. Se para os russos era importante destruir o imprio para obter uma sada para o Mediterrneo, para os ingleses e austracos era importante mant-lo para frustrar a poltica russa.

    As potncias foram destruindo o Imprio Otomano aos poucos, des-membrando primeiro as partes europias, Grcia, Srvia, Bulgria etc, de-pois as provncias africanas.

    Com exceo do Marrocos, os outros pases, Trpoli, Tunsia, Ar-glia e Egito, eram provncias do imprio, fraco demais para exercer qual-quer autoridade efetiva sobre essas regies.

    Desde 1847 o Egito conseguira sua independncia formal, e para os europeus estava claro que os demais seguiriam o mesmo caminho. Esta perspectiva permitiu aos banqueiros facilitar o dinheiro necessrio para a independncia.

    A Arglia constitui um caso especial, pois foi conquistada pelos fran-ceses em 1830, mais por razes de poltica interna francesa que por inte-resses econmicos.

    Na verdade, a conquista foi decidida por esses acidentes que no se adaptam a nenhuma teoria: uma bofetada no rosto do cnsul francs, da-da pelo governante rabe, por causa de uma dvida de 13 milhes de fran-cos da Frana para com o pas rabe. O prestgio poltico do reino de Car-los X, muito deteriorado e estando prximo de uma revoluo, no pode-ria suportar tal injria. Evidentemente que existiam outros velhos motivos como a pirataria, sediada em Argel, que perturbavam o comrcio francs no Mediterrneo.

    De qualquer forma, a conquista da Arglia permitiu aos franceses ori-entar toda a poltica imperialista sobre o norte da frica e o interior do Sa-ara.

    Desde 1830 os franceses tiveram que enfrentar uma resistncia cons-tante das populaes rabes, entre as quais se destaca a guerra liderada por Abd-el-Kader, entre 1834 e 1847, denotado com o esforo de um exrcito de mais de 100 mil soldados. As sucessivas insurreies que colo-cavam em perigo as fronteiras da colnia obrigaram a Frana a conquistar a Tunsia em 1881 e o Marrocos em 1911.

  • importante assinalar que alm dos interesses econmicos o impe-rialismo da Frana foi dinamizado por uma poltica preventiva que resistia a qualquer ameaa mais sria a suas possesses coloniais. Nesse sentido, a 17 Arglia representou tambm o que se denominou de imperialismo mili-tar, isto , o prestgio internacional fundado sobre as glrias do exrcito.

    A conquista da Tunsia pelos franceses representa um bom exemplo de imperialismo financeiro, sem menosprezar o interesse estratgico, no apenas por se situar na fronteira oriental da Arglia, como porque a It-lia, Gr-Bretanha e Alemanha tambm tinham interesses no pas.

    Vejamos, porm, a questo financeira em primeiro lugar. Em 1859, a dvida pblica tunisiana era de 12 milhes de francos; em 1862, era de 28 milhes; em 1863, de 35 milhes; e em 1867 a dvida chegava a 160 mi-lhes. O governo tunisiano havia contratado emprstimos sobre emprsti-mos para pagar os juros e amortizaes dos antigos. Este foi o mecanismo mais transparente do imperialismo. Quando o governo tunisiano percebeu que no tinha nenhuma condio para pagar sequer os juros atrasados, os pases credores, Frana, Itlia e Inglaterra organizaram uma comisso in-ternacional para administrar a dvida e as rendas do pas. De fato, o gover-no real passou s mos dos europeus, ainda que formalmente o pas con-tinuasse independente.

    Evidentemente havia uma infinidade de outras razes que faziam do pas rabe um objeto de poltica internacional. Os intrincados meandros do jogo diplomtico no podem ser expostos em todos os detalhes. Apon-temos apenas alguns deles.

    A Itlia no s tinha interesses econmicos, como um interesse sen-timental que no pode ser desprezado: a antiga Cartago havia sido parte do Imprio Romano.

    Quanto Frana, a posio geogrfica da Tunsia era fundamental para a estratgia poltica no Mediterrneo e a segurana da Arglia.

    O pas interessava Alemanha e Gr-Bretanha porque viam nele um ponto de equilbrio do sistema internacional. Os dois pases estavam de acordo em que a Frana deveria ocupar a Tunsia para compens-la man-tendo o equilbrio de foras pela aquisio do Chipre pelos ingleses ar-rancado da Turquia e pela Alscia-Lorena que os alemes haviam tirado dos franceses ao final da guerra franco-prussiana de 1870. Da mesma for-ma que se repartiam brindes, no Congresso de Berlim de 1878, reunido pa-ra discutir a questo dos Blcs criada pela guerra russo-turca, Alemanha e Gr-Bretanha decidiram que a Frana deveria ocupar a Tunsia.

    No menos importante o fato de que o prprio governo tunisiano, como fizeram outros pases em vias de ser transformados em colnias, ex-plorou as diferenas entre as potncias, s vezes com uma finalidade estri-tamente mercantil de algum de seus ministros. Assim, quando em 1880, um grupo financeiro francs decidiu comprar uma fazenda de 90.000 hec-

  • tares para especular com a terra e o crdito agrcola, o primeiro-ministro tunisiano tentou benefcios ilcitos atraindo os italianos e colocando obs-tculos compra francesa. Este fato exasperou a diplomacia francesa que considerou abalado seu prestgio no pas.

    Algo semelhante ocorreu com o monoplio ferrovirio. O governo rabe, atravs de uma poltica duvidosa, no fez mais do que enfrentar uma dura luta diplomtica contra franceses e italianos.

    Finalmente, a revolta tunisiana de 1881 deu motivo ocupao mili-tar. O Tratado de La Marsa, assinado em 1883, tornou o pas um proteto-rado francs.

    O Marrocos era outro pas rabe que interessava s potncias por ra-zes estratgicas uma provvel influncia sobre o estreito de Gibraltar -por razes comerciais e financeiras. Ali a penetrao europia foi muito difcil, pois este Estado islmico, independente e bem organizado, ops forte resistncia a qualquer tipo de contato com os infiis. A no ser alguns tratados comerciais muito limitados, os europeus nada conseguiram do pas. S no comeo do sculo XX que se apoderam do Marrocos.

    A conquista do Marrocos colocou em conflito Frana e Alemanha, enquanto a Espanha, com interesses no pas desde o sculo XVI, ficou em segundo plano.

    A Frana tinha um interesse especial porque este pas era vizinho ocidental da Arglia e abrigava os movimentos de insurreio contra o colonialismo francs.

    A Alemanha se opunha a um protetorado francs ou de qualquer ou-tra potncia, justamente porque podia ou pretendia com esta poltica ob-ter vantagens. Em 1905, o imperador Guilherme II, em um discurso pro-nunciado em Tnger, declarou que a Alemanha daria proteo indepen-dncia do Marrocos. Esta poltica remontava poca de Bismarck, mais precisamente 1887, quando o chanceler alemo apoiou os "acordos medi-terrneos" entre Inglaterra, Itlia, ustria e Espanha para manter o status quo neste mar e com isto impedir a expanso francesa na rea, especial-mente sobre o Marrocos.

    Contudo, a poltica alem de manter isolada a Frana no daria os resultados esperados, pois em 1894 assinava-se o tratado franco-russo. Alm do mais, a poltica agressiva da Alemanha na China e o desenvolvi-mento industrial separaram-na definitivamente da Gr-Bretanha.

    Um ano antes do discurso de Guilherme II em Tnger, em 1904, a Gr-Bretanha e a Frana assinaram a Entente Cordiale que, entre outras coisas, regulamentava os conflitos coloniais. A Frana renunciou defini-tivamente a qualquer pretenso sobre o Egito, e a Inglaterra aceitava apoiar um protetorado francs no Marrocos.

    Os interesses espanhis no Marrocos remontam ao sculo XVI. No entanto, na poca do imperialismo moderno a Espanha no era uma potn-

  • A corrida para o Marrocos, em 1906, segundo o chargista Assus. Biblioteca Nacional, Paris.

    cia mundial, e por isso teve que se conformar com alguns acordos que lhe permitiam manter suas antigas possesses. Em 1904 assinou com a Frana, um tratado que lhe deu o controle da parte norte marroquina. Em 1906, foi assinado o Tratado de Algeciras entre o governo do Marro-cos, Frana e Espanha, que permitia aos pases europeus manter uma po-lcia militar nos portos para combater a pirataria, com a condio de que o interior do pas continuasse sob as ordens dos soldados rabes.

    Em 1911, a Frana rompeu este acordo ao ter que intervir no inte-rior do pas, acolhendo pedido do governo marroquino. A Alemanha se va-leu deste fato para enviar um navio de guerra a Tnger e forou a Frana a um acordo segundo o qual a Alemanha aceitava o protetorado francs so-bre o Marrocos, em troca de uma parte do Congo francs.

    Em 1912 o sulto do Marrocos aceitou o protetorado francs.

    "Do alto destas pirmides cinco mil anos os contemplam"

    Palavras de Napoleo a seus soldados acampados junto s pirmides de Giz, logo aps a ocupao do Egito (1798-1801). Estas palavras encer-ravam uma admirao e uma curiosidade cientficas que bem poderiam re-sumir o que mais tarde se transformaria nos "interesses culturais" france-ses por este pas. De fato, a mal-sucedida conquista napolenica pois a destruio da esquadra francesa pelos ingleses deixou Napoleo preso em

  • sua prpria conquista serviu para desencadear, durante o sculo XIX, uma srie de estudos e escavaes sobre o passado milenar da civilizao egpcia. Sbios franceses como Berthollet, Champollion, Mariotte etc. ini-ciadores da egiptologia, criaram nos franceses e no mundo do sculo XIX este interesse pelas coisas do Egito.

    Antes da ocupao britnica de 1882, o Egito era uma provncia do Imprio Turco que havia conseguido a independncia virtual sob o reinado de Muhammed Ali, que governou entre 1811 e 1847. Sob este governo ini-ciou-se a modernizao do pas: ampliaram-se as comunicaes, estimula-ram-se as exportaes, melhorou-se o sistema de recolhimento de impos-tos. Alm do mais, estabeleceu-se o poder egpcio sobre o Sudo Oriental e o mar Vermelho.

    At 1860 o Egito era considerado na Europa como um integrante do sistema econmico europeu. Naquela poca, havia no pas cerca de 100.000 europeus dedicados ao comrcio, sistema bancrio e melhoria dos servios pblicos. O pas contava com 1.500 km de vias frreas, 8.000 km de telgrafos e 13.000 km de canais de irrigao. A Alexandria e o Cairo eram centros de civilizao europia.

    As inverses de capital europeu adotaram em sua maior parte a for-ma de emprstimos ao governo a juros de 12%, que era o dobro do normal, resgates atravs de bnus e obrigaes que constituram a dvida pblica egpcia. Em 1880 essa dvida era de 90 milhes de bras egpcias e seus ju-ros consumiam totalmente as rendas pblicas.

    Novamente os interesses culturais, polticos, estratgicos e econmi-cos estiveram estreitamente misturados, determinando, em conjunto e, s vezes, em separado, cada momento da intensa luta diplomtica pelo pas.

    Sem dvida, o desastre financeiro egpcio comandou os momentos decisivos. Em 1875, o governo teve que vender suas aes no canal de Suez para poder pagar parte da dvida atrasada. No ano seguinte, a falncia era iminente. Para evit-la, a Gr-Bretanha e a Frana criaram o "Controle Dual" formado por um interventor ingls e outro francs, que fiscalizari-am as finanas e que, de fato, passariam a governar o pas, enquanto o que-diva\ fingiria governar atravs de um gabinete formado exclusivamente por egpcios.

    Alm disso criou-se a Comisso Internacional de Liquidao da D-vida, formada por dois britnicos, dois franceses, um alemo, um austra-co e um italiano. Sua funo era utilizar os fundos proporcionados pelos interventores para pagar os juros e liquidar a dvida. Como definiu um his-toriador importante, "a verdadeira inteno do plano em conjunto era cla-ramente poltica. A Gr-Bretanha e a Frana podiam controlar o governo

    Quediva: ttulo prprio do vice-rei do Egito.(N. do T.)

  • Disraeli comprando do quediva as aes da Sociedade do Canal de Suez, o que asseguraria o controle ingls sobre a rota da ndia. Punch, 26 de fevereiro de 1876.

    egpcio por meio dos interventores e dominar a Comisso da Dvida graas sua maioria de quatro membros contra trs".

    Os interesses franceses no Egito eram financeiros e culturais. A influ-ncia da cultura e tecnologia francesas remontavam poca em que Napo-leo invadiu o pas. Engenheiros franceses haviam construdo o canal; a maioria das obrigaes financeiras egpcias estava em mos dos investido-res franceses e o comrcio com Marselha havia se desenvolvido desde o s-culo XVIII.

    Para os britnicos, o Egito era um objetivo poltico-estratgico. A poltica britnica no Mediterrneo Oriental e os fortes interesses no oceano ndico projetaram essa poltica sobre o mar Vermelho, Suez e, conseqen-temente, sobre o Egito. Foi justamente este domnio que induziu os ingle-ses a comprar as aes egpcias no canal e foi a justificativa do primeiro-mi-nistro Disraeli perante o Parlamento: o canal tinha muito mais importn-cia poltica que financeira para o Imprio Britnico.

    A ocupao militar do Egito pelos britnicos deveu-se, basicamente, ao temor do governo ingls de que a Frana ocupasse o pas, pressionada pelos investidores franceses.

    Com efeito, as dificuldades financeiras levaram o governo egpcio a reorganizar a administrao, destituindo os funcionrios europeus que ad-ministravam a dvida pblica. Isto desagradou a Frana e assustou os acionistas. Foi neste momento que a Gr-Bretanha pressentiu a interven-

  • o. Para o primeiro-ministro alemo Bismarck, que no tinha interesse es-pecial no pas, a situao era grave e era necessria uma interveno coleti-va que pudesse conter os franceses.

    Alm do mais, o pas comeava a ser agitado pelos nacionalistas que resistiam ao poder estrangeiro. Dentro da administrao a luta era con-tra os funcionrios europeus; no exrcito, contra os oficiais turcos que ti-nham o comando; no campo, contra os pesados impostos.

    O movimento nacionalista foi liderado por um grupo de oficiais egpcios dirigidos pelo coronel Arabi. Era um movimento que no tinha uma ideologia poltica definida: era xenfobo, mas nunca exigiu a sada dos estrangeiros do pas; pedia reformas polticas, mas no chegou a pro-por uma nova constituio; reclamava contra a situao econmica, mas nunca props a suspenso do pagamento da dvida externa.

    O movimento dirigido por Arabi recebeu apoio de todos os setores do pas e organizou levantamentos populares no Cairo e Alexandria. Es-ta ltima cidade foi bombardeada pela frota anglo-francesa em 1881 pa-ra conter a revolta.

    De fato, at 1881, era Arabi quem governava o pas, atravs da C-mara de Notveis composta por 65 latifundirios rabes.

    Em 11 de junho de 1882, estalou em Alexandria um violento motim popular que deixou como saldo o assassinato de 46 europeus. Em 15 de ju-lho, os britnicos ocuparam Alexandria e em 13 de setembro, o exrcito de Arabi era derrotado em Tell-el-Kabir.

    A organizao de um novo governo, o saneamento das finanas, a pacificao da populao no foram tarefas fceis. Em 1883, os ingleses te-riam que enfrentar a ameaa militar do movimento nacionalista do Sudo, que comeava a expulsar e destruir a ocupao egpcia.

    A conquista do Egito foi um fato fundamental para a orientao do imperialismo britnico na frica Oriental, regio sobre a qual os ingleses no tinham interesses definidos. A frica Oriental era a chave do Alto Nilo.

    Do Cabo ao Cairo

    Unir a colnia do Cabo, na frica do Sul, ao Cairo, no norte da fri-ca, foi provavelmente um grande sonho estratgico dos ingleses, especial-mente do conquistador da frica do Sul, Cecil Rhodes.

    Este projeto foi-se concretizando paulatinamente, medida que era induzido por outros fatos construdos pelo prprio imperialismo. Na fri-ca Oriental, adquiriu importncia inusitada, como j foi dito aqui, logo aps a ocupao militar do Egito. Contudo, o avano de norte a sul e de sul a norte simultaneamente no foi coisa fcil, pois os obstculos polti-cos e militares foram muito maiores que os imaginados pelos visionrios. No Sul, guerras cruentas com as populaes autctones, bosqumanos, ho-

  • tentotes, bantus; uma sangrenta guerra de dois anos com os bores, abrin-do uma passagem atravs dos territrios reivindicados pelos portugueses. No Norte, o eterno temor da influncia francesa sobre o Alto Nilo, as rebe-lies sudanesas; e, no corao da frica Oriental, a disputa com os alemes que afinal impediram a to sonhada comunicao.

    Os ingleses estavam na regio do Cabo desde 1806, ocupada pelos holandeses desde o sculo XVII. Em 1815 o Congresso de Viena ratificou o domnio britnico sobre a regio e os.holandeses, emigraram para o nor-te, onde instalaram dois Estados independentes: a Repblica Livre de Oran-ge e a Repblica de Transvaal, mais conhecidas com o nome de repblicas beres.

    O interesse dos ingleses pelo Cabo era fundamentalmente estratgico, pois assegurava as comunicaes ocenicas com a ndia. Alm do mais, o domnio sobre esta regio, com autonomia poltica desde 1872, permitia o acesso frica Central na regio da Becuanalndia, que estava na mira dos alemes, dos portugueses de Angola e das repblicas beres.

    O governo britnico, como costumava fazer, entregou a um particu-lar, Cecil Rhodes, uma carta de privilgio real para ocupar e governar as re-gies da rbita do rio Zambeze, que com o tempo tornaram-se Rodsia do Sul e do Norte.

    At rheados da dcada de 80, Rhodes j era um personagem famoso na Europa pela imensa fortuna conseguida na explorao de diaman-tes em Kimberley, na fronteira de Orange, e de ouro em Rand, regio do Transvaal.

    Para colonizar a regio do Zambeze, Rhodes fundou a British Suda-frican Company. A empresa e os projetos deste aventureiro satisfaziam as aspiraes dos ingleses do Cabo, isto , de. exercer um domnio at o nor-te. Satisfaziam tambm as aspiraes do governo britnico de neutralizar a influncia alem e portuguesa na frica Central e administrar Becuanaln-dia sem gastos para o contribuinte ingls.

    A pretenso de ampliar a influncia da colnia do Cabo at o norte se chocou frontalmente com as repblicas beres, dando incio a uma guer-ra que comeou em 1899 e terminou em 1902.

    As causas da guerra dos beres eram complexas pois no s estavam em jogo milhes de libras investidas na explorao do ouro, como uma de-licada situao poltica que afetava tanto a estabilidade da colnia inglesa, como o prprio poder britnico em toda essa regio.

    Por outro lado, o governo de Transvaal exercia um estreito controle sobre a explorao, atravs do sistema de monoplio sobre certos instru-mentos necessrios produo, como, por exemplo, a dinamite, cujo mo-noplio de venda era concedido a particulares como os Nbel com a obrigao de entregar ao Estado uma parte dos benefcios. O Estado tam-bm cobrava elevados impostos sobre os lucros, transporte ferrovirio etc.

  • Esta situao foi criando fortes tenses entre as companhias e o go-verno ber. As companhias julgavam ter direito a uma participao, atra-

    24 vs dos direitos polticos, no governo de Transvaal. Outro elemento que ajudou a crise foi o transporte do metal precio-

    so. At 1890, o nico meio de transporte era a ferrovia que unia Pretria ao Cabo. Isto significava uma dependncia dos beres aos ingleses do Cabo. Para romper essa dependncia das exportaes, o governo ber apoiou a construo de uma linha frrea que comunicasse Pretria com a baa de Delagoa em Moambique, terminada em 1894. Desta forma, o eixo comer-cial de Transvaal se deslocou para uma regio que no estava controlada pelos britnicos do Cabo. Posteriormente construiu-se outra linha at Na-tal, colnia inglesa ao sul de Delagoa.

    As razes polticas da guerra ficaram evidentes como conseqncia dos contatos econmicos dos beres com os portugueses de Moambique. Essa aproximao foi abertamente estimulada pelos alemes, pois era uma forma de quebrar o predomnio britnico na regio. Alm disso, a pequena repblica ber, situada em territrio virtualmente controlado pelos brit-nicos, Becuanalndia, passava a dominar economicamente toda a regio e punha em perigo a independncia do Cabo, que assegurava as comunica-es ocenicas com a ndia.

    O imperialismo britnico devia neutralizar politicamente os beres. Primeiro, impedindo qualquer apoio internacional. Como veremos mais adiante, a Gr-Bretanha j havia conseguido pr-se de acordo com os ale-

    Cavalaria ber durante a Guerra do Transvaal, L'Illustration, 6 de janeiro de 1900.

  • mies na frica Oriental. Em 1898 assinaram um acordo segundo o qual ambos os pases facilitariam emprstimos a Portugal, que estava em situa-o econmica delicada. Como supunham que estes emprstimos no se-riam pagos, cobrariam das colnias portuguesas. A Alemanha se compro-metia a no intervir na questo ber e a no permitir a interveno de ou-tra potncia.

    Contudo, o imperialismo britnico se frustraria, pois os portugueses no quiseram vender a baa de Delagoa e abriram crditos na Frana.

    Assim, o outro caminho do imperialismo foi estimular os ingleses que viviam em Transvaal a exigir os direitos polticos. O governo ber aceitou dar o direito de voto aos ingleses com residncia de cinco anos, e entregar um quarto das cadeiras no Parlamento aos distritos mineiros, em troca do reconhecimento, por parte da Gr-Bretanha, da soberania das duas pequenas repblicas. Como os ingleses no aceitaram esta ltima con-dio, a l i de outubro de 1899 os comandos beres iniciaram a guerra que os ingleses acabaram ganhando.

    A guerra ber mostra bem a natureza e os interesses do imperialis-mo: a interao dos fatores econmicos, polticos e estratgicos to clara como gua. Os interesses privados das companhias se sobrepem aos inte-resses polticos e fiscais dos dois pequenos Estados de origem europia e arrastam a nao imperialista guerra, justificada por razes estratgi-cas. sombra do imperialismo ficaram os povos e a terra africana, cober-tos de sangue e misria.

    A frica Oriental, situada entre o Egito ao norte, Madagascar ao sul e o vale do Nilo a oeste, foi repartida entre Inglaterra, Alemanha e Itlia, depois de 1884, apesar de j ter sofrido uma diviso provisria entre a In-glaterra e a Alemanha, em 1866.

    Sem grandes interesses comerciais, a Gr-Bretanha interviera nesta regio para convencer o sulto de Zanzibar a pr fim ao trfico de escra-vos negros para a Arbia, o que conseguiu finalmente em 1873.

    De fato, como j dissemos, a Gr-Bretanha era a potncia com maio-res interesses nesta regio. Desde 1815, estendera sua influncia polti-ca, baseada no poderio naval, por todo o oceano ndico, desde os Estados islmicos do golfo Prsico at o cabo da Boa Esperana, e no desejava.a influncia de outra potncia. Conseguiram eliminar a Frana que, domi-nando Madagascar, projetava-se sobre a frica Oriental. Firmou-se um acor-do em 1862 que obrigava os dois pases a respeitar a independncia do sul-to de Zanzibar e de seus territrios na costa oriental da frica. A Frana ficava excluda desta regio.

    Com os alemes as coisas foram diferentes, porque entenderam rapi-damente as pretenses inglesas, isto , de abrir um corredor de comuni-cao entre o Cabo e o Cairo.

    A bem da verdade, antes da dcada de 80, nem a Inglaterra nem a

  • Alemanha tinham um interesse oficial na frica Oriental. A regio era ex-plorada por duas companhias privadas, uma alem e outra inglesa, dedi-cadas especulao com terra, e nenhuma das duas recebeu apoio oficial at ento. S a partir de 1884, quando a iniciativa de capitalistas alemes, liderados por Carl Peters, organizou uma companhia de explorao que ne-gociou vrios tratados com o sulto de Zanzibar, o governo alemo se in-teressou oficialmente pela regio. Bismarck apoiou resolutamente a inicia-tiva de Peters. Em conseqncia, a companhia inglesa pressionou o governo britnico a adotar uma postura oficial.

    Os dois pases chegaram a um acordo em 1890: criava-se oficialmen-te a frica Oriental alem, na medida em que o governo alemo passava a administrar e governar a colnia funes anteriormente exercidas pela companhia de Peters. Em troca, os alemes renunciavam a qualquer in-fluncia no Alto Nilo. Por sua vez, os ingleses renunciavam ao corredor entre o lago de Niassa e Uganda, que permitira a unio por ferrovia entre o Cabo e o Cairo. No entanto, apesar da frustrao, os britnicos estavam livres para ocupar uma vasta regio compreendida entre a costa, o lago Al-berto e o Sudo egpcio.

    Em 1894, o governo ingls estabeleceu oficialmente o protetorado sobre Uganda.

    O branco trocou a Bblia pela terra

    A penetrao e a conquista da frica Ocidental e equatorial lembra a conquista da Amrica. O maior obstculo foi o geogrfico: climas inspi-tos, selvas impenetrveis. O segundo, a organizao das sociedades africa-nas, muitas das quais viviam do comrcio de escravos.

    At 1830, s havia algumas feitorias europias na costa do Senegal, Gmbia e Serra Leoa, mais alguns portos comerciais ingleses e holandeses na Costa do Ouro.

    O conhecimento do interior se devia, em grande parte, aos missio-nrios e aos expedicionrios como Brazza, Stanley, Gallieni, Livingstone, que, aps grandes dificuldades conseguiram alguns acordos com os reis ne-gros. Conta-se que Savorgnan de Brazza andou perdido 4.000 km antes de chegar ao Congo. Gallieni vai do Senegal a Niger por ordem do rei Amadu e ali pra por dez meses, abatido pela disenteria que o deixa prostrado.

    O interesse dos europeus pela frica Ocidental nasceu pela produo e exportao do azeite vegetal que servia para a fabricao de sabo e para usos industriais. O amendoim era produzido em abundncia em Gmbia e no Senegal, e o azeite-de-palma na Costa do Ouro e no delta do Niger.

    O desenvolvimento crescente do comrcio desses produtos estimu-lou o desenvolvimento das marinhas mercantes europias. A primeira linha

  • regular de vapores foi estabelecida pelos ingleses em 1852. Da para a fren-te, outras linhas escandinavas, holandesas e francesas passaram a percor-rer o trajeto.

    A^perietrao pelos rios at o interior colocou os comerciantes euro-peus em contato direto com os produtores, eliminando-se os intermedi-rios africanos.

    A transformao desta regio em colnias europias ocorreu paulati-namente por meio de controles oficiosos, protetorados, reas de influn-cia etc. Os britnicos ocuparam Lagos, na Nigria, em 1861. Dez anos de-pois j ocupavam boa parte da Costa do Ouro. Os franceses, da mesma for-ma, foram ocupando todas as reas vizinhas do Senegal, Costa do Marfim, Niger mdio etc.

    Recepo do rei Makoko, que aceitou o protetorado da Frana, registrada durante a viagem de Savorgnan de Brazza na direo do Congo. L'Illustration, 1882.

  • Por volta de 1880, a rivalidade franco-britnica pelo comrcio do azeite vegetal chegou a um ponto particularmente delicado no norte de Serra Leoa, na regio ocidental de Lagos e no Niger. A guerra entre as companhias comerciais no interior da frica Ocidental est to cheia de detalhes intrincados, em que os interesses econmicos e as polticas oficiais se entrecruzam de forma complexa, que no possvel exp-los aqui. Con-tudo, os estudiosos da questo admitem que aqui se desenvolveu o imperia-lismo em sua forma mais pura. Deixemos um historiador autorizado con-cluir sobre o que aconteceu nesta regio africana.

    "Uma breve reviso do papel da Gr-Bretanha na repartio sugere que desde o princpio at o final as consideraes econmicas ditaram a poltica. Era o imperialismo econmico em sua forma mais pura, virtual-mente no compreendendo consideraes de prestgio nacional ou estra-tgia e s marginalmente afetado por outros aspectos da situao africana, tais como a do Egito. At meados da dcada de 1890 o comrcio foi o cri-trio da poltica e de maneira significativa os interesses comerciais levaram consigo muito pouca ampliao em termos de territrios." (David K. Field-house, Economia e Imprio - La Expansion de Europa, 1830-1914.)

    Foi justamente depois de 1880 que os franceses lanaram-se decidi-damente conquista de grande parte da frica Ocidental e equatorial, sendo precisamente o Senegal o ponto de partida. Neste sentido, o subim-perialismo do Senegal, estruturado por alguns dos governadores da col-nia, assemelhava-se ao dos ingleses do Egito e da ndia.

    O grande projeto francs era controlar o vasto tringulo que se es-tende entre Saint-Louis, no Senegal, Bamaco no Niger, e Serra Leoa, que proporcionaria acesso direto ao delta do Niger e uma unio, via Tombuctu, com a Arglia. Por outro lado, j se discutia em Paris a construo do tran-sariano que uniria a Arglia ao Senegal.

    Este projeto se tornaria mais ambicioso medida que o imperialis-mo francs se projetava at o Sudo Ocidental, no apenas a partir do Se-negal, mas tambm da Arglia. Para esta grande conquista organizou-se um exrcito especial que foi abrindo o interior aos comerciantes. At 1897, todo o interior da costa oeste at o Niger mdio fora conquistado. Estabe-lecida uma linha norte que unia Senegal, Niger e Chad, a conquista se ori-entou para o sul e sudeste em uma campanha militar na qual os comandan-tes, com um poder quase independente de Paris, tornaram-se heris para os franceses e bandidos para os africanos.

    O frentico avano francs intimidou as outras potncias. A Alema-nha rapidamente declarou o protetorado sobre o Camerum (atual Rep-blica Unida do Camaro) e Togo em 1884. Os ingleses se apressaram a de-clarar protetorado sobre toda a costa desde Lagos ao rio dei Rei, no limi-te ocidental da colnia alem.

    Entre 1889 e 1891, os ingleses foraram acordos com os franceses e

  • alemes para delimitar as fronteiras da Costa do Ouro, especialmente o in-terior ameaado pela expanso francesa e alem no Alto Volta.

    O avano francs em direo ao Sudo Ocidental foi detido pelos bri-tnicos em Codoc, em 1898. As duas potncias estiveram a um passo de um confronto blico, mas preferiram chegar a um acordo razovel.

    No interior da frica equatorial nasceu o Congo belga, colnia cons-tituda como uma empresa privada do rei Leopoldo II, sem qualquer apoio do governo belga. Em teoria, tratava-se de um projeto estritamente econ-mico para explorar as supostas riquezas da regio do rio Congo.

    Contudo, devido expanso francesa no limite norte do Congo, Leo-poldo viu-se na necessidade de completar seu projeto com a possesso pol-tica do territrio. Em 1884, conseguiu dos soberanos africanos, tratados que lhe outorgavam a plena soberania poltica desses territrios. Desde en-to, a regio passou a ser governada pela Associao Internacional do Con-go e o pas passou a chamar-se Estado Livre do Congo.

    A Conferncia de Berlim de 1885, que sancionou a partilha da fri-ca, reconheceu a colnia belga como propriedade do rei, pois isso evitava um confronto perigoso entre Frana, Alemanha e Gr-Bretanha.

    Nessa diviso e luta por colnias na frica, s dois pases permanece-ram livres: a Libria, na costa ocidental, cuja independncia em relao aos Estados Unidos era problemtica, e a Etipia (Abissnia), que conseguiu evitar a conquista italiana.

  • 3. o imperialismo na sia

    Entre 1830 e 1880, quatro potncias europias desenvolveram pol-ticas imperialistas na sia: Inglaterra, Rssia e Holanda, que j possuam territrios antes de 1830, e a Frana que iria adquiri-los a partir desta po-ca. Potncias menores tambm estavam instaladas no continente desde o sculo XVI: a Espanha nas Filipinas; Portugal em Macau (China), nas ilhas

    TURQUESTO SIA

    BETE

    handernagor(Fr.)

    COREI Jj JAPO

    Hong Kong

    l i n^ FORMOSA

    INDOCHINA

    O O

    *::%! Possesses japonesas Possesses francesas

    | .] Possesses alems Possesses norte-americanas

    Possesses holandesas

    Possesses inglesas

    TASMNIA NOVA

    ZELNDIA

    O imperialismo na sia

  • Timor (Indonsia), Goa, Damo e Diu (na ndia). Depois da primeira meta-de do sculo XIX, uma nova potncia ingressou ativamente no concerto imperialista: os Estados Unidos.

    Durante o sculo XIX e, particularmente desde a segunda metade, os interesses comerciais do Ocidente no continente asitico eram importantes. Por volta de 1860, a sia proporcionava 13,5% do total de importaes britnicas e recebia 16,4% do total de suas exportaes desse pas. ndia, China e Singapura eram os principais clientes.

    A ndia constitua um mercado vital para o algodo e as exportaes metalrgicas britnicas. A China era outro mercado excelente para os teci-dos de algodo e um grande produtor de ch, seda e outros produtos pri-mrios.

    Alm do interesse comercial e das enormes possibilidades de investi-mentos, a expanso imperialista foi estimulada pelos obstculos colocados pelos governos asiticos. A China e o Japo no permitiram o acesso direto a seus portos e muito menos aos mercados internos. At 1842, a China s possibilitava aos estrangeiros comerciar diretamente com Canto e todo es-te comrcio sofria o monoplio de uma associao oficial de comerciantes chineses, o Co-hong. O Japo s permitia o comrcio com os portugueses.

    No caso de outros Estados como An, Sio e Birmnia, o comrcio era realizado em condies muito difceis para os ocidentais, pois no havia nenhuma proteo para as mercadorias e para as pessoas.

    O processo de penetrao, persuaso e acerto de acordos comerciais foi lento. Em 1855, a Gr-Bretanha conseguiu um tratado satisfatrio com o Sio. Em 1862, a Frana acertou um acordo com An. Os portos da Chi-na se abriram aos poucos, logo aps as guerras intermitentes entre 1839 e 1880. O Japo se rendeu ameaa naval americana em 1854. Na verdade, neste longo processo, as palavras e os tiros de canhes se alternaram como argumentos.

    As exigncias ocidentais aos governos asiticos eram basicamente as seguintes: liberdade comercial em maior nmero de portos; maior liberda-de de movimentos em direo ao interior; direito de estabelecer empresas comerciais no interior; autorizao para construir ferrovias e servios pbli-cos; melhores condies para os residentes estrangeiros, que em termos ju-rdicos era o direito de extraterritorialidade, isto , o direito de os estran-geiros serem julgados por tribunais e leis de seu pas de origem. Esta lti-ma exigncia, como veremos adiante, transformou certas cidades asiticas em redutos ocidentais, onde as autoridades e as leis do pas no tinham ao.

    Enquanto os governos asiticos se dispuseram a fazer essas conces-ses, as relaes foram pacficas. No entanto, quando novas exigncias dei-xaram de ser aceitas, as relaes se agravaram.

    Por volta da dcada de 80, os problemas haviam se acumulado peri-

  • gosamente. A China mostrou-se irredutvel em no permitir a construo de ferrovias e o acesso de comerciantes para o interior. A Birmnia tam-bm colocou obstculos construo da ferrovia que uniria o rio Irawadi e a provncia de Iun, no sul da China. Os franceses fracassaram em sua ten-tativa de unir Tonquim com o sul da China, atravs do rio Mekong.

    A terra do desejo Assim o filsofo Hegel chamou a delia. E foi realmente o desejo dos

    europeus, desde a chegada de Vasco da Gama a Calicute, em 1498 na cos-ta sudoeste. No entanto, at o comeo do sculo XIX, os europeus s ha-viam conseguido instalar-se em pequenas feitorias comerciais com direito apenas a exercer o comrcio: os portugueses em Goa, Damo e Diu e os ho-landeses em Conchim, uma praa fortificada de pouco mais de 1 km 2; os franceses tinham um entreposto em Pondichry e as pequenas feitorias de Carical, Ma e Chandernagor; os ingleses estavam bem instalados em Sur-rate, Madras, Calcult, Bengala e Bombaim.

    Dentre todos esses pases foi a Gr-Bretanha que fez da ndia sua col-nia principal. De 1750 a 1858, a colnia foi administrada pela Companhia das ndias Orientais, que efetivamente conquistou grande parte do pas. O governo desptico, o banditismo administrativo e a explorao sem li-mites originaram a primeira grande rebelio hindu, a Guerra dos Sipaio* em 1858, que foi o pretexto para o governo ingls tomar em mos o gover-no da colnia.

    De forma geral at 1880 s a Gr-Bretanha e a Rssia tinham na sia interesses nacionais. A ndia era uma incrustrao na alma dos ingleses e assim como os russos possuam territrios nacionais na sia, para os ingle-ses a ndia era um prolongamento asitico do territrio nacional. Neste sentido, manter com segurana as fronteiras era objetivo de uma poltica nacional. E as fronteiras da ndia sempre estiveram ameaadas por algum Estado expansionista asitico e pelas potncias europias. Em grande par-te, foi esta ameaa que estimulou, desde cedo, o subimperialismo de Calcu-t. Para Londres, surgia a necessidade imperiosa de dominar todo o oceano ndico, nica forma de estruturar solidamente o vasto imprio que se es-tendia pelo Egito, Sudo, frica Oriental, Cabo, controlando as comunica-es ocenicas e os mares e golfos interiores.

    A necessidade de proteger a fronteira norte da ndia fez com que os ingleses conquistassem as regies do Sind (184243), Pundjab (1846-49), tentassem a anexao do Afeganisto duas vezes em 1839-1842 e em 1878-1880 sempre ameaados pelos russos e, por ltimo, acertassem a diviso do Ir em duas esferas de influncia, uma inglesa e outra russa, em 1887.

    2 Sipaio - soldado hindu, alistado ao servio europeu. (N. do T.)

  • Algo semelhante aconteceu na fronteira nordeste, onde o Estado ex-pansionista da Birmnia foi ocupando sucessivamente Arac, Assam e Sio, conquistas que colocaram em perigo a regio de Bengala. Aps duas guer- 33 ras, 1824-26 e 1852, os ingleses se apoderaram da Birmnia. A conquista definitiva da parte norte deste pas em 1886 foi conseqncia do medo da penetrao francesa em Tonquim e da necessidade de defender os interes-ses comerciais no sul da China.

    A leste de Singapura, na Malsia, os interesses britnicos eram menos definidos do ponto de vista da ndia. Ali adotou-se a poltica de "portas abertas" e igualdade de oportunidades para o desenvolvimento comercial. As guerras com a China orientaram-se neste sentido, at se conseguir a ane-xao de Hong Kong pelo Tratado de Nanquim de 1842.

    Conseqentes com esta poltica, os ingleses aceitaram sem temores a ocupao francesa da Cochinchina (1867). No entanto, quando os france-ses se apoderaram de Tonquim (1884), a Gr-Bretanha considerou a Alta Birmnia ameaada e com ela a ndia, ocupando-a em 1886.

    A Cochinchina dos almirantes

    As causas polticas e econmicas no so suficientemente claras pa-ra explicar a ocupao da Cochinchina em 1858-62 e, mais tarde, de todo o Imprio de An e parte do Camboja, em 1885. Parece que o imperialis-mo francs de meados do sculo XIX dinamizou-se como uma resposta frustao de haver perdido definitivamente a ndia para o imperialismo britnico.

    Sem descartar os interesses econmicos, o interesse pela Cochinchina parece ter sido produto da necessidade francesa de possuir uma base naval no Oriente, para facilitar sua penetrao no mercado da China. A ocupao de Saigon coincidiu com a terceira guerra do pio (1858) em que a Frana aliou-se Gr-Bretanha.

    Outro aspecto importante para explicar as origens do imperialismo na Indochina relaciona-se com as misses religiosas que atuam na pennsula desde o sculo XVIII. Embora os governos franceses nunca tivessem dado um apoio real e efetivo a essas misses, encarava-as como uma forma de manifestar concretamente a presena francesa no Oriente, o que, de alguma forma, equilibrava a influncia inglesa.

    Desde o final do sculo XVIII, os missionrios haviam estabelecido boas relaes com o governo de An, que se preparava para iniciar uma guerra com os reinos vizinhos e hostis de Tonquim e Camboja. Por inter-mdio das misses religiosas, An solicitou ajuda ao governo de Lus XVI, que no chegou a concretizar-se devido revoluo que irrompeu em 1789. Apesar disto, em 1802, An conquistara os reinos inimigos.

    Pelo fato de no terem recebido ajuda francesa, talvez os sucessivos governos anamitas tenham instaurado uma poltica hostil s misses.

  • A proteo aos catlicos, fossem franceses ou anamitas, foi o pretex-to para os almirantes que governavam a Cocltnchina fizessem ostensivas demonstraes navais frente a Tourane, em 1847 e 1858, para intimidar o governo anamita e obrig-lo a aceitar as disposies do Tratado de Wham-poa. Este tratado fora firmado com a China em 1844, e por ele os catli-cos receberiam proteo das autoridades deste pas, pois An se conside-rava um feudo da China.

    A essa motivao religiosa, juntou-se o interesse comercial, princi-palmente com relao China, que podia fornecer seda para a indstria txtil francesa quase paralisada em meados do sculo XIX, devido en-fermidade que tomara conta do bicho-da-seda. Lion, principal centro tx-til, teve que procurar outras fontes produtoras. Eram os ingleses, na Euro-pa, que comercializavam a seda chinesa. Fazia-se necessrio que os indus-triais franceses obtivessem a matria diretamente daquele pas, para evitar o intermedirio. Isto exigia uma poltica agressiva na Indochina, como trampolim para a China meridional.

    Como os ingleses na ndia, os franceses foram conquistando a penn-sula como soluo para os problemas que surgiram na prpria Indochina. Estabelecidos primeiro no extremo sul, Saigon e Cochinchina, avanaram at o Camboja, quando este reino pediu ajuda contra o reino do Sio. Para evitar uma possvel conquista por parte do Sio, os franceses estabelece-ram o protetorado sobre o Camboja em 1867.

    A ocupao de Tonquim (1883), no extremo norte, foi iniciada por um comerciante que vendia armas europias na China. Esta regio era im-portantssima, como ponto inicial para a penetrao em Iun, provncia meridional da China.

    A ocupao do Laos se completaria em 1893, importante ponto de penetrao no sul da China, atravs do Rio Mekong.

    O assalto ao Drago

    A China foi um dos poucos Estados (os outros foram Turquia, Ja-po e Sio) que, agredido pelo imperialismo, pde evitar a diviso, no es-tilo africano. Em compensao, sofreu ameaas, bombardeios e humilha-es; seu povo foi submetido destruio lenta pelos traficantes de drogas e suas cidades mais importantes foram transformadas, pelos ocidentais, em verdadeiros bordis internacionais.

    Este pas de histria milenar e de 500 milhes de habitantes oferecia, mais que qualquer outro, um mercado consumidor imenso para as manu-faturas europias e um campo inimaginvel para investimentos, pois at 1880 no tinha dvida pblica, no tinha nenhuma ferrovia, nem possua indstrias e servios pblicos modernos.

    O primeiro-ministro francs, Jules Ferry, discursando na Cmara de

  • Primeira estrada de ferro francesa na China: inaugurao da linha de Tien-Tsin Tsching-Yang, 20 de novembro de 1886; Journal des voyages.

    Deputados em 1883, via as potencialidades da China para o imperialismo da forma mais otimista: "De todas as direes convergem os interesses ou a cobia pela China, tesouro do Pacfico, sonho e aspirao de muitos; a velha e prodigiosa China, a China de todos os clculos e de todas as espe-ranas, com seu imenso mercado de 400 a 500 milhes de consumidores, com seu subsolo cheio de jazidas de carvo de pedra de mais de 700.000 km2 de superfcie, com files minerais inesgotveis, gigantescas provncias que esperam seu equipamento industrial, suas ferrovias e seu fornecimento metlico. Foi na China que chegaram primeiro os concorrentes europeus em busca do Eldorado para garantir sua zona de influncia, seu domnio privilegiado".

    Como j foi dito, a penetrao dos ocidentais foi difcil devido po-sio irredutvel do Imprio Manchu, uma mescla de despotismo burocr-tico e militar no qual o imperador, "Filho do Cu", governava assistido por diversos mandarins que formavam o Conselho Privado. A administrao central estava a cargo de colgios ministeriais compostos de um presidente, um vice e diversos membros. Existiam seis ministrios: Interior, Rituais, Justia, Finanas, Guerra e Trabalhos Pblicos.

    Esses ministros tinham, sob suas ordens, toda uma hierarquia de mandarins, residentes em prefeituras e subprefeituras, de primeira, segun-da e terceira classes. Esta organizao se estendia por todo o pas, dividi-do em 18 provncias. No entanto, o imperador tinha autoridade sobre ou-

  • tras regies com regime especial como An, Manchria, Monglia, Turques-to e Tibete.

    A burocracia chinesa era absolutista. Os funcionrios estavam investi-dos de poder de controle, censura etc, mas de fato eram os mandarins que mandavam nas provncias.

    A populao camponesa e os artesos no tinham direitos polticos. Para dobrar este "Imprio do Centro", o imperialismo ingls e fran-

    cs utilizou o comrcio do pio, produto proibido no pas. A droga era cultivada na ndia pela Companhia das ndias Orientais e introduzida em contrabando na China. Para os ingleses, era um comrcio lucrativo e permitia equilibrar a balana comercial. Em 1818, as exportaes de pio para a China representavam apenas 17% da exportao total. Em 1833, sig-nificavam 50%.

    Os efeitos desastrosos que a droga produzia na populao obrigaram as autoridades a proibir esse comrcio e a confiscar o pio introduzido no pas.

    As autoridades chinesas solicitaram rainha Vitria que proibisse seus sditos de fazer esse comrcio: "Pensamos que essa substncia perni-ciosa fabricada clandestinamente por artificiosos maquinadores que de-pendem de vossa nao. Seguramente, Honrada Soberana, Vs no haveis ordenado a cultura e a venda dessa planta. Se reconhecido ser to nociva, como podereis procurar obter lucros, expondo os outros ao seu poder ma-lfico?".

    Contudo, o governo ingls e a soberana estavam perfeitamente cons-cientes desse comrcio criminoso, atravs dos relatrios minuciosos entre-gues pelo Comit da London East ndia and China Association. Um des-ses relatrios dizia:

    "Quando vemos que a cultura do pio rios territrios da Companhia das ndias Orientais um monoplio estrito, que a droga vendida pelo Governo da ndia nos mercados pblicos e que sua destinao to conhe-cida que em 1837 o Conselho Diretor da Companhia das ndias Orientais prometeu, publicamente, grandes prmios aos navios qua se dirigissem China naquele ano; quando constatamos que as comisses da Cmara dos Lordes e da Cmara dos Comuns interessaram-se minuciosamente pela cul-tura do pio, pelo total das rendas que ela trazia para a ndia e que, saben-do perfeitamente qual era sua destinao final, no hesitaram em concluir que no parecia conveniente abandonar uma fonte de rendas to importan-te... Quando, ainda mais, sabemos que o Ministrio da ndia, presidido por um membro do Gabinete, controla completamente a Companhia das ndias Orientais e tem toda a liberdade de impedir o que ela no aprova, devemos confessar que seria mais que injusto lanar a censura ou o desprezo ligados ao comrcio do pio sobre os mercadores cuja atividade tinha a sano di-reta e indireta das mais altas autoridades".

  • O imperialismo assumia toda sua pureza. Os negcios no poderiam ser prejudicados pela deciso de algumas autoridades que no entendem de negcios, que nada sabem da importncia dos lucros nem dos riscos dos in-vestimentos. necessrio que aprendam pela fora. Os negcios devem ter o respaldo militar. Esta era a opinio dos negociantes ingleses que agiam na China e foi manifestada publicamente em artigo do jornal China Reposi-tory:

    " absolutamente inconcebvel que nosso comrcio e lucros que in-teressam tanto ndia quanto Gr-Bretanha, fiquem assim merc de um capricho, enquanto bastariam para resolver a pendncia alguns barcos de guerra ancorados ao largo da cidade e algumas descargas de morteiro... No pode haver dvida quanto ao desfecho de uma guerra com a China."

    O recado foi entendido rapidamente pelas potncias imperialistas que lanaram a primeira guerra do pio a qual durou dois anos (1840-42). A China foi derrotada e obrigada a assinar o Tratado de Nanquim, segundo o qual ela abria cinco portos ao comrcio estrangeiro e entregava Hong Kong Inglaterra. Oficiais consulares eram autorizados a residir nesses por-tos. Os americanos obtiveram concesses semelhantes pelo Tratado de Wanghia (1844) e os franceses pelo Tratado de Whampoa (1844).

    Em 1857, o imperialismo inicia a segunda guerra do pio. A esqua-dra anglo-francesa bombardeia Canto. No ano seguinte, terceira guerra do pio, o exrcito anglo-francs marcha sobre Pequim. Em 1860, A China es-t derrotada. O exrcito europeu saqueia Pequim e para impressionar o im-perador destri o Palcio de Vero. Os chineses so obrigados a abrir onze portos ao comrcio europeu, a aceitar a livre navegao do rio Iangts, a pagar vultosa indenizao de guerra e a permitir o estabelecimento de re-laes diplomticas com o Ocidente. A sorte da populao est selada, o pas invadido pelo pio.

    Contudo, por um paradoxo histrico, a debilidade do Imprio Man-chu no ficou totalmente em evidncia por causa do vendaval imperialis-ta do Ocidente, mas pelo surgimento de uma nova potncia imperialista no Oriente, o Japo.

    Assim como a China, esse pas mostrou-se irredutvel em aceitar a penetrao dos ocidentais, mas teve que se render perante o ultimato da es-quadra americana, comandada pelo comodoro Perry. Os japoneses assina-ram um tratado que abria dois portos aos americanos e permitia a instala-o de representantes diplomticos. Um novo tratado foi assinado em 1857, em Nagasaki, autorizando os americanos a residir nesses portos. Em 1858 os japoneses reconheciam aos americanos o direito de extraterritoria-lidade.

    Em seguida, o Japo assinou tratados da mesma espcie com outras potncias, no sem resistncia e agitaes populares antiocidentais.

    O surpreendente foi que este milenar imprio feudal no dormiu so-

  • bre antigas glrias, ao contrrio: com o primeiro embate do imperialismo e passada a primeira impresso, abriu os olhos e compreendeu que para evi-

    38 tar a conquista e as humilhaes seria necessrio imitar as potncias ociden-tais. As palavras de ordem eram: fukoku kyohei, que quer dizer, "pas ri-co e exrcito forte" e comeou a transformao. A revoluo de Meiji (era das luzes) de 1867-68, transformou radicalmente a estrutura polti-ca do pas. Com a diplomacia aprendida dos ocidentais, conseguiu-se que estes organizassem um moderno exrcito e uma esquadra e comprassem ar-mamento ocidental. O lder da revoluo, Saigo Takamori, estava conven-cido de que um grande pas se constri atravs do expansionismo e da con-quista militar.

    A eterna rivalidade entre os dois pases asiticos foi o estmulo pa-ra a nova potncia que nascia no Oriente ocupar militarmente a Coria o que desencadeou a guerra de 1895, na qual a China sofreu uma derrota de-sastrosa. Alm disso, os japoneses desejavam conquistar a Manchria.

    O concerto das potncias ocidentais impediu as reinvindicaes terri-toriais japonesas, em troca, entre outras coisas, de uma indenizao de guer-ra de 150 milhes de dlares que, evidentemente, a China no poderia pa-gar a no ser pedindo dinheiro ao Ocidente.

    A crise de 1895 deixou claro que as potncias no desejavam a divi-so territorial da China, porque nenhuma delas sabia com certeza se essa diviso serviria ou prejudicaria seus interesses. No fundo, o imperialismo oscilou entre dois desejos embriagadores: dividir a China, sempre e quando a parte que cada potncia recebesse fosse melhor que a dos outros, ou manter a integridade territorial sobre o princpio de "portas abertas", para salvar os interesses j criados por cada potncia. De fato, essas duas tendn-cias acabaram equilibrando-se e o pas apenas foi dividido em esferas de in-fluncia.

    Sem dvida, o pas com mais interesses econmicos era a Gr-Bre-tanha, pois controlava 70% do comrcio ultramarino da China. Contro-lava 39% das obrigaes da dvida externa do pas em 1902, e 30% dos in-vestimentos diretos, calculados em 150 milhes de dlares. Para os brit-nicos, a manuteno do status quo era um grande benefcio.

    Os interesses franceses estavam limitados s provncias meridionais, como parte de seu domnio sobre a Indochina. Enquanto a Frana conse-guisse boas concesses minerais e ferrovirias nessa regio, tudo o que po-deria desejar seria manter a integridade territorial do pas e a igualdade de oportunidades.

    Por seu lado, os alemes, apesar do atraso com que entraram na par-tilha colonial, haviam conseguido firmar solidamente seu comrcio e os in-vestimentos. Detinham 28% das obrigaes do governo chins e o investi-mento direto de 17% em 1902; ocupavam o terceiro lugar depois dos rus-sos e ingleses. Concorriam, com sucesso, no vale do rio Iangts e os ban-

  • queiros alemes agiam em estreita colaborao com os banqueiros ingle-ses. Em 1898 haviam conseguido a concesso para construir duas ferrovias em Chaotung; o direito de explorar minas num raio de 17 quilmetros de 39 cada lado destas ferrovias; e a prioridade para fornecer conhecimentos pr-ticos, capital e materiais ao governo chins, para qualquer finalidade na provncia de Chaotung. Tambm conseguiram o arrendamento do porto de Kiaustschau por 99 anos.

    Para a Alemanha era importante conservar a integridade do pas e quando decidiu ocupar militarmente este porto em 1897, para reprimir o assassinato de missionrios alemes, o fez para compensar a base bri-tnica de Hong Kong.

    At 1880, os interesses americanos eram bastante insignificantes na China, mas tendiam a crescer. Sua participao na crise que antecedeu guerra russo-japonesa foi secundria, pois os Estados Unidos estavam en-volvidos na guerra com a Espanha pela questo de Cuba. Em todo caso, os americanos insistiram na poltica de "portas abertas", apoiando a integri-dade territorial do pas.

    Os russos no s tinham grande interesse na China, como a sia era um assunto de poltica nacional. O expansionismo russo para leste do mar Cspio, na regio do Turquesto, teve o objetivo de proteger os colonos instalados nesta rea, das investidas blicas dos povos das estepes. Este in-

    Diplornacia armada: chefes de delegaes estrangeiras em Pequim no inicio do sculo XX.

  • 4 0

    Caricatura do final do sculo XIX acerca da demolio em curso da velha China: o Japo e os Estados Unidos do as mos aos europeus.

    teresse nacional refletiu-se tambm na crena de que a Gr-Bretanha avan-aria pelo Indisto, buscando uma sada para a Sibria. Assim, a ocupao de toda essa regio se transformou em poltica oficial do Imprio Russo.

    No Extremo-Oriente, a fundao de Vladivostoque (1858-60) pelo conde Nicols Muraviev, o grande visionrio do espao nacional russo, rea-lizava a grande aspirao de sada para o Pacfico, ainda que essa extensa regio no tivesse para o imprio czarista nenhum interesse econmico. Era

  • basicamente o interesse nacional que cresceria no final do sculo devido s pretenses japonesas na regio.

    A poltica russa na sia remonta ao sculo XVII. Em 1689, o Trata- 41 do de Mertchinsk com a China deu aos russos uma base no Pacfico e toda a Sibria situada ao norte dos montes Stanovoi.

    Em 1707, os russos ocuparam a pennsula de Kamchatka onde cons-truram uma base .naval. Dali os comerciantes russos exploraram o estreito de Bering, as ilhas Curilas, as Aleutas e o Alasca. Em 1797, uma companhia, a Russian American Co., recebeu o monoplio comercial e a responsabili-dade de administrar toda essa regio.

    Quando se iniciou a era do imperialismo moderno, a Rssia j havia projetado sua influncia sobre toda a regio asitica, que se estende dos Urais ao Pacfico.

    Sem dvida o velho imperialismo russo na sia se viu renovado no sculo XIX, particularmente sob o pretexto de um interesse econmico ca-da vez maior. Era sumamente claro que o desenvolvimento comercial de-pendia das concesses chinesas. At a primeira guerra do pio, os russos s estavam autorizados a comerciar com os chineses atravs de um local, Kiaj-ta, ao sul do lago Baical e a leste de Ircutsqui. A ampliao do comrcio com a China era uma forma, praticamente a nica naquela poca, de abas-tecer a Sibria. E na medida em que os ingleses, franceses e americanos conse-guiram abrir novos portos para o comrcio, os russos se sentiram com os mesmos direitos.

  • Por outro lado, a ampliao do comrcio com a China era produto do prprio desenvolvimento industrial russo, cujo crescimento foi estima-do em 350% entre 1824 e 1854, sendo a indstria txtil a responsvel pela maior parte do crescimento.

    Nesta primeira metade do sculo XIX, o comrcio atravs de Kiajta aumentou em mais de sete vezes, elevando consideravelmente os direitos aduaneiros russos. Assim, fazia-se necessrio conseguir maior liberdade co-mercial, tanto na fronteira da Sibria, como no Pacfico.

    A penetrao acelerou-se depois do Tratado de Nanquim de 1842, ao qual j nos referimos. Os russos anexaram toda a regio banhada pelos rios Amur e Ussuri. O imperialismo britnico assustava os russos e, ao mesmo tempo, estimulava o esforo de So Petersburgo para no perder uma influ-ncia sobre a China, que considerava como perfeitamente natural.

    Em 1853, Muraviev escrevia: "Se no tomarmos medidas especiais no oceano oriental, os resultados da guerra britnica na China e a expanso de seu poder martimo nos mares destas regies tero efeitos cada vez mais prejudiciais, no s para nosso comrcio com a China, como para nosso do-mnio real sobre estes remotos pases e podero pr, para sempre, um im-pedimento s futuras aspiraes da Rssia nessa regio".

    A segunda guerra do pio serviu aos russos para obrigar os chineses a reconhecer a ocupao de Amur e Ussuri. Tambm conseguiram que Pe-quim autorizasse o comrcio por sete portos e em um ponto qualquer da Sibria.

    Alguns anos mais tarde, a China reconheceu a soberania russa sobre a regio de Amur, onde os russos fundaram o porto de Vladivostoque, que em russo significa "domnio sobre o Oriente".

    Em 1867 a Rssia renunciou ao Alasca que passou para o poder dos Estados Unidos. Em 1875, ocupou a ilha Sacalina, cedida pelos japoneses em troca das ilhas Curilas.

    Em resumo, o imperialismo russo sobre a sia Oriental tinha um ca-rter poltico-estratgico m