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BOLETIM DOS REGISTOS E DO NOTARIADO II Caderno PARECERES DO CONSELHO TÉCNICO 1/2002 Janeiro Proc. nº R.P. 129/2001 DSJ-CT - Título para registo de aquisição - Transacção em processo de inventário. 2 Proc. nº R.P. 139/2001 DSJ-CT - Averbamento à inscrição de locação financeira - Efeito sobre a validade do contrato de alteração de locação financeira da falta de reconhecimento presencial das assinaturas dos outorgantes. 7 Proc. nº R.P.202/2001 DSJ-CT - Registo de hipoteca - condições de aplicabilidade das restrições à alienação e oneração às situações de mudança de crédito e/ou de instituição de crédito. 9 Proc. nº 89/93 R.P.4 - Partilha. Falta de consentimento do cônjuge do herdeiro casado em regime de comunhão de adquiridos. 12 Proc. nº 90/93 R.P.4 - Loteamento. Penhora de parte do prédio. 16 Proc. nº 96/93 R.P.4 - Cláusulas acessórias. 20 Proc. nº 99/93 R.P.4 - Bem comum do casal. Disposição para depois da morte, por um dos cônjuges ou ex-cônjuge. Registo do mesmo bem em comum e sem determinação de parte ou direito. 26 Proc. nº 3/92 R.P.4 - Penhora. Cancelamento. Execuções fiscais. Apresentação complementar. 31 Proc. nº 4/92 R.P.4 - Aumento de capital. Sócio divorciado. Subscrição do aumento. 34 Proc. nº 6/92 R.P.4 - Averbamentos às descrições - Legitimidade para os pedir. 37 Proc. nº 7/92 Not.3 - Emolumentos. Isenções. Participações emolumentares dos notários e oficiais. 41 Proc. nº 7/92 R.P.4 - Registos provisórios. Prazo de vigência. Notificação do despacho de provisoriedade. 44 Proc. nº 7/92 R.C.3 - Da admissibilidade de o cônjuge conservar os apelidos do outro que tenha adoptado antes de decretada a separação judicial de pessoas e bens e da inadmissibilidade de os adoptar depois de decretada a separação. 46

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BOLETIMDOS REGISTOS E DO NOTARIADO

II Caderno

PARECERES DO CONSELHO TÉCNICO

1/2002Janeiro

Proc. nº R.P. 129/2001 DSJ-CT - Título para registo de aquisição - Transacção em processo de inventário. 2Proc. nº R.P. 139/2001 DSJ-CT - Averbamento à inscrição de locação financeira - Efeito sobre a validade

do contrato de alteração de locação financeira da falta de reconhecimentopresencial das assinaturas dos outorgantes. 7

Proc. nº R.P.202/2001 DSJ-CT - Registo de hipoteca - condições de aplicabilidade das restrições à alienaçãoe oneração às situações de mudança de crédito e/ou de instituição de crédito. 9

Proc. nº 89/93 R.P.4 - Partilha. Falta de consentimento do cônjuge do herdeiro casado em regime de comunhão de adquiridos. 12

Proc. nº 90/93 R.P.4 - Loteamento. Penhora de parte do prédio. 16Proc. nº 96/93 R.P.4 - Cláusulas acessórias. 20Proc. nº 99/93 R.P.4 - Bem comum do casal. Disposição para depois da morte, por um dos

cônjuges ou ex-cônjuge. Registo do mesmo bem em comum e sem determinação de parte ou direito. 26

Proc. nº 3/92 R.P.4 - Penhora. Cancelamento. Execuções fiscais. Apresentação complementar. 31Proc. nº 4/92 R.P.4 - Aumento de capital. Sócio divorciado. Subscrição do aumento. 34Proc. nº 6/92 R.P.4 - Averbamentos às descrições - Legitimidade para os pedir. 37Proc. nº 7/92 Not.3 - Emolumentos. Isenções. Participações emolumentares dos notários e

oficiais. 41 Proc. nº 7/92 R.P.4 - Registos provisórios. Prazo de vigência. Notificação do despacho de

provisoriedade. 44Proc. nº 7/92 R.C.3 - Da admissibilidade de o cônjuge conservar os apelidos do outro que

tenha adoptado antes de decretada a separação judicial de pessoas ebens e da inadmissibilidade de os adoptar depois de decretada aseparação. 46

Nº 1/2002 – Janeiro 2002 2

PARECERES DO CONSELHO TÉCNICO

Proc. nº R.P. 129/2001 DSJ-CT - Título

para registo de aquisição – Transacção em processo de inventário.

Relatório: 1 - Pela ap. 10 de 27 de Abril de 2001 foi

requisitado o registo de aquisição da fracção autónoma “G” do prédio descrito pela ficha n.º 00477 da freguesia de ... .

A instruir o pedido de registo foi junta certidão judicial de inventário passada pela 3.ª secção do ... juízo do Tribunal de Família e de Menores do ... e certidão matricial passada pelo 3.º Bairro Fiscal do ....

Qualificando tal pedido de registo, a Senhora Conservadora recusou-o com fundamento nos artigos 68.º, 69.º, n.º 1 alínea b) e 95.º, n.º 1, alínea a) do Código do Registo Predial, por o facto não se encontrar titulado nos documentos apresentados, na medida em que a certidão judicial não esclarecia se a causa da separação de meações era a separação de bens, separação de pessoas e bens ou o divórcio, sendo certo de que se tratava de um requisito especial da inscrição.

Inconformado com tal despacho da Senhora Conservadora, o interessado recorreu hierar-quicamente do mesmo, alegando em resumo que:

O facto da certidão judicial não esclarecer a causa da separação de meações, não fazia resultar que o facto sujeito a registo não se encontrava titulado nos documentos apresentados. Que do art.º 2.º do Código do Registo Predial, alínea a) do n.º 1, consta que estão sujeitos a registo os factos jurídicos que determinam a aquisição do direito de propriedade, tal como doutamente o anota Isabel Pereira Mendes, in Código do Registo Predial anotado, 1986, pag.111, “ a indicação dos factos sujeitos a registo consta do art.º 2.º”;

o legislador ao empregar a expressão “factos jurídicos”, não terá andado longe da definição que lhe dá Mota Pinto in “Teoria Geral do Direito Civil, isto é, de que facto jurídico é todo o acto humano ou acontecimento natural juridicamente relevante e que essa relevância jurídica se traduz,

principalmente, se não mesmo necessariamente, na produção de efeitos jurídicos – ob. cit. pág. 241.

Daí que, quando o legislador do registo predial determinou, no art.º 2.º, n.º1, alínea a), estarem sujeitos a registo os factos que determinem a aquisição do direito de propriedade, estivesse a referir-se, precisamente, aos factos jurídicos causais da aquisição do direito de propriedade sobre prédios, ou seja, aos previstos no artº 1316.º do C. Civil, v. g., contrato, sucessão por morte, usucapião, acessão etc.

E daí, também, que no art.º 95.º, n.º 1, alínea a) do Código do Registo Predial se tenha erigido em requisito especial do extracto da inscrição de aquisição a respectiva causa. Assim vistas as coisas, haverá que perguntar se dos documentos apresentados e destinados a instruir a requisição do acto de registo “aquisição”, consta ou não a respectiva causa, em obediência ao disposto no art.º 95.º, n.º 1, alínea a) do Código do Registo Predial. Isto é, se dos documentos apresentados resulta juridicamente provada a ocorrência de um facto jurídico que determine a aquisição do direito de propriedade por alguém sobre o prédio identificado na requisição de registo.

Refere de seguida o recorrente que a certidão judicial apresentada documenta autenticamente que entre ele e MECDM, foi celebrado um contrato de transacção e que tal contrato foi homologado por sentença judicial transitada em julgado. Que se a transacção é um contrato (art.º 1248.º do Código Civil) e se o contrato é um dos modos de aquisição do direito de propriedade (art.º1316.º do Código Civil); Se as concessões recíprocas através das quais as partes terminam um litígio ( o que é da essência do contrato de transacção – art.º 1248.º do Código Civil ) podem envolver constituição, modificação ou extinção de direitos diversos do direito controvertido; Se do contrato consta, da sua cláusula 3.ª, que a fracção autónoma nela descrita sob a verba n.º 14 ficou adjudicada ao recorrente; Se a Mm.ª Juíza homologou por sentença o referido contrato e declarou jurisdicionalmente “....efectuada a partilha, com a respectiva adjudicação dos bens e direitos....”; Se no art.º 408.º, n.º 1 do Código Civil se afirma que, salvo casos excepcionais, a transferência de direitos reais sobre coisa determinada, dá-se por mero efeito do contrato

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(que nunca por efeito de um divórcio); É manifesto que não é manifesto que o facto sujeito a registo não esteja titulado nos documentos apresentados. Que dos documentos apresentados, não consta, é certo, se a causa do processo de inventário para separação de meações foi, a separação de bens, a separação de pessoas e bens ou o divórcio. Só que, tais factos não poderão nunca ser havidos como causa da aquisição sobre o prédio indicado na requisição de registo, sendo esse factos apenas causa da partilha e não causa das aquisições que através da partilha se façam. A causa da partilha do casal é, de acordo com a lei, a cessação das relações patrimoniais entre os cônjuges – art.º 1689.º, n.º 1 do Código Civil, cessação que é causal da partilha, podendo ser causas dessa cessação das relações patrimoniais, a dissolução, a declaração de nulidade ou a anulação do casamento – art.º 1688.º do Código Civil, para além de outras que, sem a elas se reconduzirem, lhes são legalmente equiparadas – art.º 1770.º e 1772.º do Código Civil. Que a tudo isto acresce que o próprio art.º 1404.º do Código de Processo Civil apenas considera o divórcio, entre outras causas de cessação das relações patrimoniais entre os cônjuges, requisito de requerimento de processo judicial de inventário e não causa de aquisição do direito de propriedade.

Que, assim, se conclui, ao contrário do decidido, que dos documentos juntos com a requisição de registo, consta a causa jurídica da aquisição do direito de propriedade sobre o imóvel nele identificado a favor do recorrente, apesar de neles não se fazer a menção da causa ou do evento condicionante da instauração do processo de inventário facultativo para separação de meações, da transacção nele alcançada e da sentença que a homologou com trânsito em julgado. E sobretudo, não se poderá afirmar que seja manifesto, consoante o determina o art.º 69.º, n.º 1, alínea b) do Código do Registo Predial, que o facto jurídico que determinou a aquisição pelo ora recorrente do direito de propriedade sobre o imóvel indicado na requisição de registo, não esteja titulado nos documentos apresentados. Poderia eventual e remotamente, justificar uma provisoriedade por dúvidas, se se entendesse que a menção da causa, (divórcio) que possibilitou a causa judicial (processo de separação de meações) na qual surgiu

a causa de aquisição do direito de propriedade (transacção) constitui um elemento que deverá constar da inscrição, mas nunca para justificar uma recusa do registo, que é do que se reclama.

2 - A senhora Conservadora recorrida, na

sequência, veio em despacho de sustentação reafirmar o que já havia exarado no seu despacho de recusa, mais argumentando que na certidão judicial dos autos de inventário facultativo para separação de meações em que o recorrente se apoiou para obter o registo de aquisição da fracção autónoma, não é referida a causa que lhe deu origem. Que o que determinou o inventário para a separação de meações foi a partilha consequente à extinção da comunhão de bens entre os cônjuges, conforme dispõe o art.º 1326.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, que só pode ser provocada pela separação de bens, separação de pessoas e bens ou divórcio. Que de harmonia com o disposto nos artigos 1404.º e 1406.º do Código de Processo Civil, bem como nos artigos 1688.º e 1689.º do Código Civil, foi um destes factos que deu origem à aquisição e, consequentemente, deve constar como causa que determinou a aquisição, atento o disposto no art.º 95.º, n.º 1, alínea a) do Código do Registo Predial, sendo certo que constitui um requisito especial da inscrição. Que o que está em causa não é a forma como o ora recorrente obteve a aquisição do prédio, se houve decisão judicial ou acordo, outrossim o facto jurídico que lhe deu origem, que desencadeou o processo de inventário. A transacção só pode pôr termo a um processo se lhe estiver subjacente um facto, uma relação jurídica. Que o art.º 43.º do Código do Registo Predial dispõe que só podem ser registados os factos constantes dos documentos que legalmente os comprovem. Ora, no caso da dissolução da comunhão conjugal ter como causa o divórcio, a separação de bens ou a separação judicial de bens, é a sentença que os decreta, transitada em julgado, que faz a prova da dissolução da comunhão conjugal e dos correspondentes efeitos e, consequentemente, legitima a intervenção dos cônjuges na partilha dos bens que pertenciam ao casal. Do mesmo modo o registo de aquisição emergente de vocação sucessória, deferido em partilha, é efectuado com base em documento comprovativo da habilitação de herdeiros e na

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escritura tituladora do acto que ponha termo à indivisão hereditária, no caso de partilha extrajudicial ou efectuada mediante certidão dos autos de inventário, no caso de ter ocorrido partilha judicial. A partilha constitui, assim, acto meramente declarativo, limitando-se a concretizar em bens determinados os quinhões de cada herdeiro. Assim, como a escritura de partilha desacompanhada de titulo comprovativo de habilitação notarial ou judicial dos herdeiros do de cujus, não é documento suficiente para a prova de aquisição de direitos transmitidos por sucessão, também a aquisição titulada apenas por certidão dos autos de inventário para separação de meações desacompanhada da certidão de sentença transitada em julgado que decrete o divórcio, a separação de bens ou a separação de pessoas e bens, não constitui titulo suficiente para a aquisição. Conclui ser manifesto que o facto não se encontra titulado nos documentos apresentados, em obediência ao disposto nos artigos 69.º, n.º 1, alínea b) e 95, n.º 1, alínea a) do Código do Registo Predial, motivo pelo qual confirma o despacho de recusa.

Estas são as posições em confronto e que opõem recorrente e recorrida, centrando-se a controvérsia nos efeitos a atribuir à omissão na certidão judicial apresentada do facto que determinou a cessação das relações patrimoniais entre os cônjuges.

O processo é o próprio, as partes têm legitimidade, o recurso foi interposto em tempo e não existem questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito.

Fundamentação: A - O pedido de registo de aquisição a favor

do recorrente, anotado pela ap. 10 de 27 de Abril de 2001 e que foi recusado, tem por objecto a raiz ou nua propriedade da fracção autónoma designada pela letra “ G “, correspondente a uma habitação no 3.º andar designado pelo n.º 6 do prédio descrito pela ficha n.º 00477 da freguesia de .... Tal fracção autónoma encontra-se registada a favor do recorrente, JMCDL, casado na comunhão de adquiridos com MECDML. Sobre a mesma fracção encontra-se lavrado registo de usufruto a favor de outra pessoa.

O pedido teve por base uma certidão judicial extraída de inventário facultativo que terminou por

transacção por termo no processo. No mesmo foram descritas as verbas que compunham o património comum do casal, figurando aquela fracção autónoma na verba 14 e devidamente identificada, inclusivamente quanto aos elementos do registo.

Requerente e requerida (partes interessadas no processo de inventário) acordaram nos bens a adjudicar a cada um para preenchimento das suas meações, após tentativa falhada já em conferência de interessados, como resulta da cláusula 2.ª da transacção. Concordaram por outro lado que os bens descritos eram os que compunham o seu património comum tendo atribuído valor a cada uma das verbas descritas, procedendo desse modo à sua avaliação. Da composição das meações acordada resultou excesso de valor a favor do requerente que pagou tornas à requerida, que das mesmas deu quitação. Por sentença de 18.01.01 foi a transacção homologada, declarando-se efectuada a partilha com a respectiva adjudicação dos bens e direitos, tendo a mesma transitado em julgado em 15.2.2001. A fracção autónoma objecto do registo foi adjudicada, entre outros bens ao requerente e ora impugnante.

B - A partilha consequente à extinção da comunhão de bens entre cônjuges, pode realizar-se por inventário ( art.º 1326.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, ou extrajudicialmente por escritura pública (alínea j do n.º 2 do art.º 80.º do C. Notariado). Ainda nos termos do art.º 1404.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, decretada a separação judicial de pessoas e bens ou o divórcio, ou declarado nulo ou anulado o casamento, qualquer dos cônjuges pode requer inventário para partilha dos bens, salvo se o regime de bens do casamento for o de separação, dispondo ainda o n.º 3 do mesmo artigo que o inventário corre por apenso ao processo de separação, divórcio, declaração de nulidade ou anulação.

Por outro lado, os artigos 1788.º, 1789.º e 1795.º-A do Código Civil, definem os efeitos do divórcio e separação judicial de pessoas e bens quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges, sendo quanto a estas, equiparados à dissolução por morte. Tendo-se procedido a inventário para partilha dos bens comuns entre o recorrente e a pessoa que no registo figurava como seu cônjuge, terá de concluir-se que o mesmo terá tido por

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causa o divórcio, ou a separação judicial de pessoas e bens, para não falar da declaração de nulidade ou anulação do casamento, sendo certo que a separação de bens poderá também verificar-se ainda em casos especiais, nos termos definidos no art.º 1406.º do Código de Processo Civil. Nesta linha de raciocínio, a legitimidade das partes interessadas, à luz da causa que deu origem ao requerimento de inventário para partilha dos bens comuns, é de verificação pelo juiz no âmbito do processo, devendo dar-se por efectuada. O inventário agora em questão terminou pela transacção em que os interessados acordaram nos bens que constituíam o acervo do seu património comum e destes, os que integrariam a meação de cada um.

O recorrente em defesa da sua tese, de ser a transacção homologada a causa da aquisição, chama-lhe contrato de transacção, tal como se acha definido no art.º 1248.º do Código Civil e, sendo o contrato um dos modos de aquisição do direito de propriedade (art.º 1316.º do Código Civil), conclui ser manifesto que o facto sujeito a registo está titulado no documento. Parece pacífico que a transacção é de facto um contrato processual ou negócio jurídico processual, como já em diversos arestos tem sido referido1. Ao juiz, ao homologar a transacção por sentença, incumbe avaliar da sua legalidade pelo seu objecto, qualidade das pessoas intervenientes e cláusulas que a compõem (art.º 300.º do Código de Processo Civil). É da natureza da transacção a existência de um objecto controvertido, de um litígio, normalmente quanto à existência ou não de um direito alegado, traduzindo-se em mútuas concessões com vista à sua composição. No caso do inventário, a transacção não assume esse carácter (confrontar parecer deste Conselho de 30.11.81 in Regesta 1984, págs. 2/p e seguintes, proferido em momento em que ainda não existia no processo de inventário a norma do nº 6 do artº 1353º do Código de Processo Civil). O que fundamentalmente está em causa é a concretização desse direito pela imputação concreta daqueles bens, direitos e encargos na esfera jurídica própria de cada um, e daí a razão da Senhora Conservadora recorrida

1 Vide Ac.da Relação de Évora de 15.1.75 e Ac. do S.T.J. de 11.10.92.

referir que a partilha constitui um acto meramente declarativo, limitando-se a concretizar em bens determinados os quinhões de cada herdeiro. De facto, a transacção em processo de inventário e, nomeadamente no caso dos autos, praticamente confunde-se com o acordo que pode ocorrer na conferência de interessados.

E tal acordo, desde que seja unanime, opera como que uma antecipação da partilha, dele resultando a atribuição de bens e a determinação dos respectivos valores, configurando uma licitação não animosa2. Usualmente, e de acordo com a tramitação própria do processo de inventário, apesar do acordo alcançado, deverá ser proferido despacho determinativo da partilha e elaborar-se o respectivo mapa, reflectindo, naturalmente, o acordo alcançado.

Porém, à face do disposto no n.º 6 do art.º 1353.º do Código de Processo Civil, o inventário pode findar na conferência, por acordo dos interessados, desde que o juiz considere que a simplicidade da partilha o consente.

Ora, foi o que aconteceu no caso dos autos em que os interessados acordaram na enumeração dos bens que constituía o acervo da sua comunhão conjugal, no valôr a atribuir a cada verba, o seu valor global e o que a cada um competia, bem como os bens e direitos que a cada eram atribuídos para composição da sua meação. E, tal acordo, foi homologado por sentença que transitou em julgado, declarando-se efectuada a partilha e adjudicados os bens e direitos nos termos constantes daquele.

Estamos, assim, crentes que tal sentença transitada constitui titulo adjudicativo dos bens atribuídos a cada um dos ex-cônjuges em preenchimento das suas meações.

Outra questão, porém, é saber se do documento apresentado para registo (certidão judicial) consta ou não a titulação do facto. Para o efeito torna-se necessário atentar no que se dispõe no art.º 52.º do Código de Processo Civil. Tal dispositivo legal fixa os requisitos que se tornam indispensáveis à exequibilidade das certidões extraídas dos inventários. Ora, procedendo-se à análise da certidão judicial apresentada, conclui-se

2 Como escreve Lopes Cardoso in partilhas judiciais-vol. II, pag. 105.

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que tais requisitos são por ela evidenciados, procedendo-se às devidas adaptações. De facto, da certidão consta a designação do requerente e requerida, a indicação de que são as partes com interesse na separação das meações, a relacionação de todos os bens que constituíam a comunhão conjugal e os bens a cada um dos ex-cônjuges adjudicados para preenchimento das suas meações, bem como a declaração de se ter por efectuada a partilha por sentença transitada em julgado. Nestes termos, parece, salvo o devido respeito, não se poder afirmar que o facto não está titulado no documento apresentado. Como também não se pode perder de vista que a decisão judicial transitada em julgado se impõe ao conservador (artº 205º, nº 2 da Constituição).

C – Questão diferente, porém, é saber se, no presente caso, os documentos apresentados fornecem todos os elementos necessários do ponto de vista técnico-registral, com vista ao registo definitivo do facto. Não obstante a Senhora Conservadora recorrida ter fundamentado a sua recusa na circunstância do facto não estar titulado, argumentou sempre com a questão de não ser conhecida a causa da aquisição, que é um requisito especial da inscrição de aquisição, nos termos previstos no art.º 95.º, n.º 1, alínea a) do Código do Registo Predial. De facto, da análise dos documentos e até mesmo da requisição de registo não resulta qual tenha sido a causa que determinou o requerimento para abertura do processo de inventário, não se sabendo, efectivamente, que facto jurídico operou a cessação das relações patrimoniais entre os cônjuges. Assim, neste ponto, parece assistir razão à Senhora Conservadora. É que, no presente caso, a causa da aquisição, apresenta-se com um carácter mais complexo do que ocorre na generalidade das situações. Aqui a causa da aquisição resulta da conjugação de uma causa próxima com uma causa remota, isto é, uma causa imediata e uma causa mediata. Na realidade, a causa da aquisição por cada um dos interessados, pela concretização de direitos já existentes, dos bens que lhe foram adjudicados, radica na cessação das suas relações patrimoniais em consequência de divórcio, separação judicial de pessoas e bens ou só de bens, nulidade ou anulação do casamento, mas também não pode deixar de se centrar no titulo que deu

tradução à atribuição em concreto dos bens, ou seja, a partilha homologada por sentença. Daí ser prática habitual e corrente, nestes casos, mencionar no extracto da inscrição, como causa, a partilha subsequente a divórcio, separação de pessoas e bens etc.. Já era assim, que a esta questão se referia Seabra de Magalhães in formulário de registo predial3.

Há uma outra questão que não foi referida pela Senhora Conservadora recorrida e que não está em tabela, mas que não deixará de ser objecto de breve comentário. Prende-se ela com a plena identificação do requisitante interessado no registo e sujeito activo do facto e que constitui um requisito geral da inscrição nos termos previstos na alínea e) do n.º 1 do art.º 93.º do Código do Registo Predial conjugado com a alínea a) do n.º 1 do art.º 46.º, já que naturalmente diferente da identificação constante do registo anterior. Também quanto a este aspecto os documentos deveriam fornecer todos os elementos necessários à regular efectuação do registo e, certamente, que os autos de inventário ou o processo ao qual correu por apenso, conterão todos os dados que agora se mostram em falta.

Postas as coisas nestes termos, poderá concluir-se que embora o documento apresentado certifique a titulação do facto cujo registo se requisitou, não certifica outros elementos que se tornam necessários à efectuação do registo tal como foi requisitado, isto é, com carácter definitivo, sendo certo, por outro lado, que também não foram juntos outros documentos que complementarmente os certificassem.

Nestes termos, somos de parecer que o

recurso merece provimento parcial, devendo o registo ser lavrado provisoriamente por dúvidas, alinhando-se, em síntese, as seguintes

Conclusões 3 Aí, ob. Cit. pág. 62 refere que a causa da aquisição é a partilha, mas que partilha existe sempre que se põe fim a uma universalidade de bens. Consequentemente teremos partilha hereditária, partilha subsequente a divórcio, separação judicial de pessoas e bens ou simples separação judicial de bens.

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I - A «transacção» efectuada em inventário para separação de meações – na qual foram relacionados e avaliados os bens do casal e os seus contitulares acordaram na composição dos respectivos quinhões e na forma da partilha (tendo inclusivamente o credor das tornas dado a correspondente quitação) – homologada por sentença transitada em julgado que declarou «efectuada a partilha, com a respectiva adjudicação dos bens e direitos (...)», é título suficiente para o registo de aquisição dos bens a favor do adjudicatário (cfr. artºs 205º, nº 2 da Constituição e 300º, 1326º, nº 3 e 1353º, nº 6 do Código de Processo Civil. II - Não constando da certidão judicial sequer a referência ao processo que determinou a dissolução da comunhão conjugal, não é possível averiguar o facto jurídico que produziu o efeito da cessação das relações patrimoniais entre os cônjuges e precisar o estado civil dos sujeitos, pelo que o registo deverá ser efectuado provisoriamente por dúvidas (cfr. artigos 68º e 70º do Código do Registo Predial).

Este parecer foi aprovado em sessão do

Conselho Técnico da Direcção-Geral dos Registos e do Notariado de 20.12.2001. António Duarte Luís, relator, Ana Viriato Sommer Ribeiro, Maria Eugénia Cruz Pires dos Reis Moreira, João Guimarães Gomes de Bastos.

Este parecer foi homologado por despacho do director-geral, de 20.12.2001. Proc. nº R.P. 139/2001 DSJ-CT – Averbamento à inscrição de locação financeira – Efeito sobre a validade do contrato de alteração de locação financeira da falta de reconhecimento presencial das assinaturas dos outorgantes.

Registo a qualificar: Averbamento -

peticionado pela Ap. 14, de 20 de Setembro de 2000 – à inscrição de locação financeira em que é

locadora a ora recorrente e locatária ..., S.A. (no registo ainda como sociedade por quotas) e objecto a fracção autónoma designada pela letra A descrita na ficha nº 01014/170590 – A, da freguesia de ..., lavrada em F-1 (Ap. 06/951127), da alteração do prazo (de 10 anos para 13 anos e 3 meses). O registo foi requisitado com base em documento particular denominado “Alteração de Contrato de Locação Financeira”, em que foram contraentes a locadora e a locatária, com data de 20 de Janeiro de 2000, com reconhecimento das assinaturas dos representantes da locatária feitas na presença de funcionário notarial em 23 de Fevereiro de 2000, e com reconhecimento das assinaturas dos representantes da locadora feitas na presença de funcionário notarial em 4 de Setembro de 2000. Ficou anexo a este documento uma “Acta” do “PEC – Processo 37”, elaborada no âmbito do Decreto-Lei nº 316/98, de 20 de Outubro, subscrita pelos representantes da locatária, da locadora e de outros credores daquela, e por consultor e técnico superior do Gabinete PEC do IAPMEI, em que todos “confirmaram, no âmbito das medidas de consolidação financeira da ... aprovadas em 15 de Julho de 1999, as seguintes condições: 1. Prorrogação dos actuais contratos em mais 30% do período inicialmente contratado (...)”. A “Acta” tem a mesma data de 20 de Janeiro de 2000. Consta expressamente daquele documento particular “Alteração de Contrato de Locação Financeira” que “no âmbito do acordo PEC – processo 37 - ambas as partes, de mútuo acordo, vêm alterar os pontos 2, 4 e 5 contidos nas condições particulares inseridas no citado documento complementar, anexo à escritura celebrada em 27/10/95,do seguinte modo: 2- Prazo do Contrato – Duração do contrato passa a ser de 159 meses (13 anos e 3 meses) a contar de 27/10/95 (...)”. Consta ainda que o documento foi “feito em triplicado”. Este mesmo registo já havia sido pedido por duas vezes. A primeira pela Ap. 06, de 31 de Março de 2000, mas, a avaliar pelo respectivo despacho de recusa, apenas se encontravam reconhecidas presencialmente as assinaturas dos representantes da locatária. A segunda pela Ap. 02, de 8 de Junho de 2000, mas, a acreditar nos termos da presente impugnação, as assinaturas dos representantes da locadora foram

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reconhecidas com poderes para o acto mas não presencialmente.

Deliberação

I - O contrato de locação financeira é um contrato solene ou formal, sujeito à forma do documento particular, exigindo-se, no caso de bens imóveis, o reconhecimento presencial das assinaturas das partes e a certificação, pelo notário, da existência da licença de utilização ou de construção 1.

II - É título bastante para o averbamento à inscrição de locação financeira da alteração do prazo o documento particular - assinado pelos representantes da locadora e pelos representantes da locatária, com reconhecimento das assinaturas de uns e de outros feitas perante notário ulteriormente à data que figura no documento e em momentos distintos – ao qual foi anexado uma “acta” que titula um acordo celebrado em procedimento de conciliação regulado pelo Decreto-Lei nº 316/98, de 20 de Outubro, no âmbito do qual se integra aquela alteração2.

1 - Cfr. art. 3º do D.L. nº 149/95, de 24 de Junho, na redacção do D.L. nº 265/97, de 2 de Outubro. Na redacção inicial não se exigia a certificação notarial da existência da licença camarária. No domínio do D.L. nº 171/79, de 6 de Junho – revogado pelo citado D.L. nº 149/95 -, a locação financeira de imóveis estava sujeita à forma da escritura pública (artº 8º). A serem exactas as declarações insertas nos autos, o contrato de locação financeira que está a ser questionado foi celebrado por escritura pública em momento em que já não era esta a forma legalmente exigida. Mas é evidente a possibilidade de ir para além das formalidades impostas pela lei (cfr. artº 364º, nº 1, C.C.) e2A posição da 2A posição da Senhora Conservadora recorrida arranca do pressuposto de que o reconhecimento presencial das assinaturas das partes no documento particular é “requisito essencial do próprio negócio e das suas alterações”, pelo que tal formalidade se deve verificar “à data da sua celebração e início de vigência”. Não tendo sido observada a forma legalmente exigida, a sanção a aplicar não pode deixar de ser a nulidade (artº 220º, C.C.). Trata-se de nulidade absoluta, que não admite confirmação, apenas se configurando a hipótese de renovação ou reiteração, com eficácia retroactiva limitada às partes. Cita, a propósito, Manuel de Andrade, in Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, 1966, págs. 419 e 424.

Salvo o devido respeito, não concordamos com a posiçao assumida pela recorrida. Brevitatis causa diremos desde já que reconhecemos que estamos no campo da forma ad substantiam (cfr. Menezes Cordeiro, in Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo I, pág. 318). Mas é desde logo duvidoso que haja razões que justifiquem nesta alteração a exigência da forma legal do contrato. No Anteprojecto sobre a forma dos negócios jurídicos (de Rui de Alarcão, in B.M.J. nº 86, pág. 187) constava (artº 3º, nº 3) a presunção de que a razão da exigência da forma não abrangia os pactos modificativos quando se destinassem a cancelar ou reduzir as obrigações de alguma ou de ambas as partes. Ora a alteração dos autos foi efectuada na decorrência de um acordo que visou a viabilização da recuperação da empresa locatária, pelo que haveria que indagar se da “alteração” resultou ou não uma redução das obrigações da locatária perante a locadora. Mas, a nosso ver, o que deverá ser questionado é qual o «título» para o registo da alteração. Não será o acordo obtido no procedimento de conciliação, do qual a “alteraçao” documentada não será mais do que mera execução? Ora, se assim for – e nós não excluímos que assim não seja -, parece-nos líquido que o acordo obedece à fora legal (cfr. artº 8º do D.L. 316/98, de 20 de Outubro). Sustentar, como fez a recorrida, que existe in casu nulidade absoluta por vício de forma e que, tratando-se de nulidade manifesta, o registo deverá ser recusado nos termos do artº 69º,nº 1, d), do C.R.P., é, a nosso ver, uma posição demasiado redutora e que não colhe o nosso apoio. Pela nossa parte, afigura-se-nos que, verdadeiramente, o acordo - o consenso resultante das vontades (de acção, de declaração e negocial) das partes enquanto elemento subjectivo da declaração negocial, e da declaração (elemento objectivo) – está consubstanciado na “Acta”, que obedeceu à forma legal. Na data em que a “Acta” foi redigida e por todos assinada verificou-se a conclusão do acordo. Na mesma data terão sido elaborados (em triplicado) os documentos de alteração relativos a cada um dos contratos de locação financeira abrangidos pelo acordo. Mas tais documentos não terão sido logo assinados pelas partes. Só assim se explica que nos reconhecimentos notariais se ateste que as assinaturas foram feitas perante o funcionário notarial (e não que os reconhecimentos das assinaturas foram realizados estando os signatários presentes aos actos – cfr. artº 153º, nº5, do Cód. do Notariado) O que mais reforça a nossa convicção de que as partes se autovincularam na “Acta”. Afigura-se-nos, assim, não ser de levantar no caso dos autos a questão da nulidade da declaração negocial por vício de forma. Matéria, aliás, bem complexa, que demandaria uma análise das razões determinantes da forma (documento escrito) e das razões determinantes das formalidades (reconhecimento notarial e certificação notarial da licença), para se concluir sobre a natureza da nulidade, concretamente, se se tratava de nulidade típica ou antes de nulidade atípica (que não pode ser invocada por terceiros nem oficiosamente conhecida pelo conservador), e, neste caso, se a mesma seria passível de sanação ou convalidação, designadamente por posterior reconhecimento notarial das assinaturas (cfr., a

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Nos termos expostos, é entendimento deste Conselho que o recurso merece provimento.

Esta deliberação foi aprovada em sessão do Conselho Técnico da Direcção-Geral dos Registos e do Notariado de 20.12.2001.

João Guimarães Gomes de Bastos, relator.

Esta deliberação foi homologada por despacho do director-geral, de 20.12.2001. Proc. nº R.P. 202/2001 DSJ-CT – Registo de hipoteca – condições de aplicabilidade das restrições à alienação e oneração às situações de mudança de crédito e/ou de instituição de crédito.

Registo a qualificar: Conversão da inscrição de hipoteca voluntária C-3, que incide sobre as fracções autónomas designadas pelas letras E, L e P do prédio descrito na ficha nº 00500/160586, da freguesia de ..., e que foi requisitada pela Ap. 66, de 11 de Julho de 2001. Destas fracções autónomas é titular inscrito RMFCF (G-2, Ap. 60/110696), e credora hipotecária inscrita a ... (C-1, Ap. 61/110696). Em 7 de Março de 2001 (Ap. 08 e Ap. 09) foram registadas provisoriamente por natureza (C-2 e C-.3 – art. 92º, nº 1, i)) duas hipotecas voluntárias a favor do ora recorrente para garantia de empréstimos (o 1º registo foi instruído com declaração do Banco para os fins previstos no art. 31º do D.L. nº 349/98, de 11 de Novembro, e no D.L. nº 45/2001, de 10 de Fevereiro). Por escritura de 22 de Maio de 2001 foi titulado um contrato de mútuo com hipoteca e fiança, através do qual o Banco concedeu ao proprietário das fracções um empréstimo, pelo prazo de 20 anos, ao abrigo do regime de crédito a habitação jovem bonificado regulado pelo D.L. nº 349/98, destinando-se tal empréstimo à liquidação do empréstimo contraído propósito do contrato promessa, Calvão da Silva, in R.L.J., Ano 132º, págs. 259 e segs., em anotação ao Acórdão do S.T.J. de 12 de Novembro de 1998, in CJ VI-III, págs. 110 e segs.).

na ... em 16 de Maio de 1996, constando da escritura: “que tendo em conta o Rendimento Bruto Anual corrigido do Agregado Familiar, e considerando o prazo já decorrido na anterior Instituição de Crédito, o primeiro outorgante não beneficia durante o primeiro ano de vida do empréstimo de qualquer bonificação de juros”. Consta ainda do nº 7 da cláusula 4ª do documento complementar que faz parte integrante da escritura: “O mutuário não poderá alienar o fogo objecto do presente empréstimo antes de decorrido o prazo de cinco anos a contar da data da concessão do presente empréstimo, salvo nos casos previstos no número quatro do artigo doze do Decreto-Lei número trezentos e quarenta e nove barra noventa e oito, de onze de Novembro. Se a alienação do fogo se verificar antes de decorrido o prazo referido e fora dos casos ali mencionados, o Mutuário reembolsará o Banco do montante das bonificações entretanto usufruídas, acrescidas de penalização legal, nesta data fixada em dez por cento”. Por escritura da mesma data (22 de Maio de 2001) foi titulado um outro contrato de mútuo com hipoteca e fiança, através do qual o Banco concedeu ao proprietário das fracções um empréstimo pelo prazo de 25 anos. Refere expressamente o documento complementar que faz parte integrante da escritura que o contrato de mútuo tem “por fim específico o que da escritura consta”, mas o certo é que o texto da escritura é omisso quanto ao fim específico do empréstimo concedido. Em 11 de Julho de 2001 foi requisitado na Conservatória recorrida 1) o cancelamento da inscrição C-1 (Ap. 64), 2) a conversão da inscrição C-2 (Ap.65), e 3) a conversão da inscrição C-3 (Ap. 66). Os actos de registo referidos em 1) e 2) foram efectuados, tendo este último determinado a feitura oficiosa da inscrição do “ónus de inalienabilidade” previsto no art. 12º do D.L. nº 349/98 (F-2, Ap. 65 Of.) e da inscrição do “ónus de impossibilidade” previsto no art. 8º, nº 3, deste diploma legal (F-3, Ap. 65 Of.). O registo referido em 3) foi recusado porque se verifica a impossibilidade de dar o imóvel como garantia no prazo de 5 anos.

Questão prévia: O recurso, a nosso ver, é

extemporâneo, porquanto o despacho de qualificação considera-se notificado em 2 de

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Agosto de 2001 – dado que o registo nos CTT é de 30 de Julho (cfr. art. 254º, nº 2, C.P.C.) -, pelo que o prazo (de 30 dias) para a interposição do recurso terminou no dia 3 de Setembro de 2001 [cfr. art. 141º, nº 1, do C.R.P., e art.s 279º, e), e 296º, ambos do C.C.]. Ora a petição de recurso foi apresentada na Conservatória no dia 4 de Setembro (Ap. 75).

Sem embargo, não deixaremos de apreciar o mérito do recurso.

Deliberação

I - A hipoteca voluntária constituída pelo mutuário do regime de crédito bonificado em violação do disposto no art. 8º, nº 3, b), do D.L. nº 349/98, de 11 de Novembro, não está, por tal motivo, ferida de invalidade, pelo que o facto deve ser registado 1.

II - Em princípio a lei só dispõe para o futuro, pelo que os pressupostos de permanência no regime de crédito bonificado definidos no nº 3 do art. 8º do citado D.L. nº 349/98, com a redacção introduzida pelo D.L. nº 320/2000, de 15 de Dezembro, dever-se-ão verificar tão somente nas operações de crédito contratadas após a data da entrada em vigor deste último diploma legal (cfr. art. 12º, nº 1, do Cód. Civil, e art. 5º, nº 1, do D.L. nº 320/2000) 2.

1 - Este Conselho já tomou posição sobre a matéria no parecer emitido no Pº C.P. 20/2001 DSJ-CT, in BRN nº 9/2001, págs. 8 e segs., em termos que se nos afiguram suficientemente explícitos e que aqui damos por reproduzidos. Sobre o ponto incidem as conclusões 1ª a 4ª, inclusivé. Em face da posição aí assumida, parece-nos evidente que a argumentação do recorrido no despacho de qualificação não colherá, pelo que a impugnação deste despacho seria de proceder se não se verificasse a extemporaneidade do recurso. 2 - Cremos que a afirmação do texto não deve suscitar reparos. Sem embargo do enunciado da norma do nº 1 do art. 5º do D.L. nº 137-B/99, de 22 de Abril, nos suscitar algumas dúvidas quanto a saber se a impossibilidade de dar como garantia o imóvel – que por aquele diploma foi introduzida na alínea b) do nº 5 do art. 8º - se aplicaria às operações de crédito já contratadas. A aplicar-se – após o decurso do prazo aí fixado –, tal “ónus” às relações já constituídas, o que não cremos, cairiamos no âmbito do 2º segmento do nº 2

III - Nas operações de crédito contratadas após a entrada em vigor do citado D.L. nº 320/2000 com vista à concretização da opção por um outro regime de crédito dentro da mesma instituição de crédito mutuante ou por uma outra instituição de crédito mutuante, ao abrigo do mesmo ou de outro regime de crédito, nos termos permitidos pelo art. 28º do citado D.L. nº 349/98, os pressupostos de permanência do regime de crédito bonificado e do regime de crédito jovem bonificado definidos na versão actual da lei só serão de considerar e estarão sujeitos a registo enquanto “ónus” se o «novo empréstimo» for contraído num «outro regime de crédito» e este for um regime de crédito bonificado 3.

do art. 12º do C.C. De qualquer modo, em face do art. 5º, nº 1, do D.L. nº 320/2000, cremos que será válida a afirmação do texto. 3 - Afigura-se-nos que esta é a interpretação que vai ao encontro do pensamento legislativo. Sem pretendermos ser exaustivos – porque, verdadeiramente, a matéria não contende com a decisão da impugnação – sempre diremos que bem se justifica, a nosso ver, a sujeição do novo empréstimo aos requisitos de permanência da bonificação e a sujeição destes “ónus” a registo se o caso for de mudança do regime geral para um dos regimes de crédito bonificado, contando-se o prazo de vigência dos “ónus” a partir da data do «novo empréstimo». Mas já se nos afigura que o «novo empréstimo» não estará sujeito aos pressupostos de bonificação da lei na versão actual se apenas se verificar uma mudança de instituição de crédito mutuante, mantendo-se o regime bonificado. Isto porque o «novo empréstimo» concedido pela nova instituição de crédito mutuante – certamente que em condições mais favoráveis para o mutuário, num quadro concorrencial no sector do crédito bancário que a lei pretendeu estimular – obedece ao mesmo regime do empréstimo anterior (que aliás se destina a liquidar) e com este terá que se «conformar» (cfr. art. 28º do citado D.L. nº 349/98, maxime os nºs 2, 3 e 8). Daí que entendamos que 1) os requisitos legais de permanência no regime bonificado são os que vigoravam à data do empréstimo anterior (ou seja, os requisitos fixados pela LA – cfr. Baptista Machado, in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 1983, págs. 233/234), 2) o prazo de vigência dos “ónus” é o fixado pela lei em vigor na data do empréstimo anterior e conta-se a partir desta data, e 3) se à data do empréstimo anterior e à data do registo da hipoteca que o garante os “ónus” não estavam sujeitos a registo, também não deverão ser registados os “ónus” com o registo da hipoteca que garante o «novo empréstimo». É, portanto, nossa convicção que o «novo empréstimo» está sujeito aos requisitos legais de permanência da bonificação vigentes à

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IV - Consequentemente, estarão indevidamente lavrados os registos dos “ónus” previstos nos art.s 8º, nº 3, e 12º, do citado D.L. nº 349/98, se o título que lhes serviu de base for um contrato de mútuo concedido no regime de crédito jovem bonificado e destinado a liquidar um empréstimo contraído em outra instituição no mesmo regime de crédito anteriormente à data da entrada em vigor do citado D.L. nº 320/20004.

V - Estes registos indevidamente lavrados podem ser cancelados mediante consentimento da Direcção-Geral do Tesouro (cfr. art. 122º, nº 1, do C.R.P., e art.s 26º e 26º-A, do citado D.L. nº 349/98) 5.

Nos termos expostos, somos de parecer que:

data do empréstimo anterior e ao prazo iniciado nesta mesma data. 4 - Parece-nos – e resulta aliás da petição de recurso – que o empréstimo concedido pela anterior instituição de crédito - e que o novo empréstimo visou liquidar - também foi concedido no regime de crédito bonificado. Embora cumpra salientar que este entendimento está em contradição com o estatuído no nº 7 da cláusula 4ª do documento complementar. Na tese do recorrente – que merece a nossa concordância – o mutuário não deveria in casu estar vinculado ao “ónus” de não alienar. Pelo que tal cláusula se revela, a nosso ver, incompreensível. Comprovando-se que não houve mudança de regime de crédito, decorre do anteriormente exposto que os registos dos “ónus” – efectuados aliás em termos que não merecem a nossa adesão (cfr. citado parecer emitido no Pº C.P. 20/2001 DSJ-CT, nota 20) – estarão indevidamente lavrados, por manifesta insuficiência do título (cfr. art.s 16º, b), e 123º, nº 1, do C.R.P.). 5 - Cremos que a afirmação do texto não suscita reparos. Parece-nos incontroverso que o Estado é «afectado», a nível tabular, com o cancelamento dos “ónus”. Pelo que bem se justifica que a Direcção-Geral do Tesouro – que nesta matéria prossegue os fins públicos – deva prestar o seu consentimento ao cancelamento por «via administrativa». Admitimos até que o conservador, depois de se «convencer» de que no caso se trata de mudança de instituição de crédito mutuante ao abrigo do mesmo regime de crédito, tome a iniciativa do cancelamento, não convocando a conferência de interessados a que se refere o art. 126º do C.R.P. (ou não ordenando a citação a que se refere o art. 129º, na redacção do D.L. nº 273/2001, de 13 de Outubro, caso este diploma já então se encontre em vigor), mas antes relatando à Direcção-Geral do Tesouro o quadro factual em presença e solicitando a esta que preste o consentimento ao cancelamento.

a)- O recurso é intempestivo, pelo que deverá ser indeferido;

b)- O cancelamento dos registos dos

“ónus” só em processo de rectificação poderá ser ordenado;

c)- Ao Banco de Portugal, enquanto

entidade supervisora das instituições de crédito (cfr. art. 116º do D.L. nº 298/92, de 31 de Dezembro), deverá ser dado conhecimento do contrato de mútuo garantido pela hipoteca dos autos 6.

Esta deliberação foi aprovada em sessão do

Conselho Técnico da Direcção-Geral dos Registos e do Notariado de 20.12.2001.

João Guimarães Gomes de Bastos, relator. Esta deliberação foi homologada por

despacho do director-geral, de 20.12.2001. Proc. nº 89/93 R.P.4 – Partilha. Falta de consentimento do cônjuge do herdeiro casado em regime de comunhão de adquiridos.

1. O sr. Notário de ... interpõe recurso

hierárquico do despacho de indeferimento da reclamação que deduziu (usando da faculdade conferida pelo nº 4 do artº. 140º do Código do Registo Predial) contra a provisoriedade por dúvidas do registo de aquisição a que correspondem as apresentações nºs 16 e 17 de

6 - Como já se salientou, da escritura não consta o fim específico do mútuo garantido pela hipoteca cujo registo foi recusado. No despacho de qualificação esta questão não foi levantada. E não nos parece que a omissão do fim específico do empréstimo constitua vício que determine a manifesta nulidade do negócio jurídico. Pelo que não há, a nosso ver, motivo para a recusa do registo. Mas, por outro lado, afigura-se-nos que o Banco de Portugal deve tomar conhecimento do caso. Sugerimos pois que a Direcção-Geral dos Registos e do Notariado, através da Direcção dos Serviços Jurídicos, participe ao Banco de Portugal o caso dos autos e dele solicite informação sobre o procedimento adequado que deverá ser adoptado em situações futuras. Ulteriormente se ajuizará sobre a oportunidade e conveniência de emitir orientação aos serviços externos.

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26/3/1993 da Conservatória do Registo Predial de ... .

Trata-se da inscrição de aquisição de uma fracção autónoma de um prédio em propriedade horizontal, feita com base em escritura de partilha lavrada pelo recorrente em 12/2/1993, que foi efectuada provisoriamente por dúvidas por os cônjuges dos herdeiros casados sob o regime da comunhão de adquiridos não terem intervindo na escritura, faltando, portanto, a sua autorização.

A fracção autónoma, único bem a partilhar, foi atribuída em propriedade aos dois únicos filhos do "de cuius", casados na comunhão de adquiridos, na proporção de metade para cada um, e o direito de uso e habitação foi atribuído ao cônjuge sobrevivo, herdeiro e também meeiro, que ainda recebeu tornas daqueles.

2. Na petição da reclamação o sr. Notário

alegou que o raciocínio que levara o reclamado a levantar dúvidas assentava na ideia errada de que a partilha é um acto de alienação, quando, segundo a doutrina unânime, a partilha é um acto meramente declarativo e não constitutivo.

Por um lado, o quinhão hereditário dos herdeiros casados na comunhão de adquiridos não integra a comunhão conjugal (alíneas b) e c) do nº 1 do art. 1722º do Código Civil), por outro, a partilha não constitui acto de alienação ou oneração; por isso não compreendia a necessidade do consentimento do cônjuge do herdeiro casado na comunhão de adquiridos, pelo menos quando, como no caso, o quinhão deste era preenchido com bens ou direitos de valor não inferior ao quinhão, devendo o registo ser convertido em definitivo.

3. No despacho de sustentação o reclamado

esclareceu que lavrara o registo provisoriamente por dúvidas porque, devendo ter sido requerido como provisório por natureza, nos termos da alínea e) do nº 1 do artº. 92º do CRP, fora, pelo contrário, pedido como definitivo.

Rebateu que a doutrina fosse unânime em considerar a partilha um acto meramente declarativo.

São dessa opinião Cunha Gonçalves, Pereira Coelho e Paulo Cunha, que defendem que os bens adjudicados pertencem ao herdeiro desde a abertura da sucessão, por força de um direito

preexistente à partilha - a vocação sucessória - , ideia que tem expressão actual no artº. 2119º do CC.

Mas já Oliveira Ascensão entende que a partilha é um acto modificativo, porque altera o objecto e o conteúdo dos direitos preexistentes: com a partilha o direito de cada herdeiro amplia-se qualitativamente e restringe-se quantitativamente.

Outros ainda (entre eles, Flamino Martins) consideram a partilha um acto constitutivo, no sentido de que atribui ao herdeiro um direito que ainda lhe não pertencia.

Porém, qualquer que seja a sua natureza jurídica (acto declarativo, modificativo ou constitutivo), a partilha engloba sempre actos de alienação. Na verdade, o acto pode ser declarativo e ser simultaneamente de alienação; não são conceitos que se excluam. A oposição dá-se, sim, entre actos de administração e actos de alienação.

Ao invés do que pensa o reclamante, os actos declarativos não são o mesmo que actos de administração. Estes não comportam alienações.

Os actos praticados pelos herdeiros destinados a pôr fim à situação de indivisão, consubstanciados na partilha, não cabem na categoria de actos de administração, nem ordinária nem extraordinária.

Flamino Martins escreveu na vigência do CC de 1887 (mas mantendo actualidade) que nas licitações ou na composição dos lotes é frequentíssimo o herdeiro receber uma quota de bens imobiliários inferior àquela a que tem direito, sendo compensado em tornas, e que isso é uma forma de alienar bens imobiliários, e como tal, não pode um cônjuge usá-la sem consentimento do outro, pois os artºs. 1191º e 1193º do CC não permitem que qualquer dos cônjuges aliene bens imobiliários sem autorização do outro cônjuge. Se o interessado não licita ou licita em bens de valor inferior à sua quota, tudo se passa como se alienasse bens; se licita em bens de montante igual ou superior à sua quota, equivale a efectuar uma troca até ao valor da quota e uma compra pelo excedente. Por outro lado, se o cônjuge não pode aceitar ou repudiar uma herança sem consentimento do outro, por maioria de razão não poderá partilhar a herança sem tal consentimento.

No domínio da lei actual todos concordam que, salvo no caso da separação de bens, é

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necessária a intervenção de ambos os cônjuges para a cessão de quinhão hereditário relativo a imóveis, mesmo que o quinhão seja bem próprio. Ora também a partilha se decompõe em várias alienações de quinhão hereditário. Se na cessão do quinhão hereditário o acto é de alienação, por identidade de razão a partilha o é também.

Na partilha há transmitentes e transmissários, aqueles, os de cuja esfera jurídica o direito subjectivo sai, estes, os que recebem o direito subjectivo; na partilha há sempre cessões e aquisições, há saída e entrada de valores, abdica-se de um bem e recebe-se outro: permutas, ao fim e ao cabo.

Também na partilha judicial o cônjuge do herdeiro, qualquer que seja o regime de bens, é interessado na causa, pois que o artº. 1329º do Código do Processo Civil o manda citar para os termos do processo. Do mesmo modo, tem de ser notificado para os termos concretos do processo, particularmente a conferência de interessados e as licitações, sob pena de nulidade do acto, nulidade que é do conhecimento oficioso do tribunal.

Da mesma forma que a lei impõe a intervenção de ambos os cônjuges no repúdio da herança (nº 2 do artº. 1683º do CC), que impede o ingresso de valores no património familiar, o regime de saída de valores (pelo menos dos imóveis) deve ser exactamente o mesmo.

Se a lei obriga à intervenção de ambos os cônjuges em um acto menor que a partilha, que é o da oneração de imóveis compreendidos na massa a partilhar, seria absurdo que na partilha deixasse de fazer tal exigência.

4. Na petição de recurso o sr. Notário

reconheceu que não era unânime, mas apenas predominante, a doutrina de que a partilha é um acto declarativo.

Desenvolveu a ideia de que, face ao disposto no artº. 2119º do CC, cada herdeiro nunca chega a ter a propriedade dos bens hereditários adjudicados na partilha aos outros herdeiros, pois enquanto se não faz a partilha os herdeiros são titulares de um direito individual sobre a universalidade herança e não proprietários de uma quota parte em cada um dos bens da herança, que para eles são coisa alheia.

Assim, não fazia sentido dizer que na partilha os herdeiros trocam entre si ou vendem

uns aos outros direitos ou quotas partes sobre bens concretos, pois ninguém pode permutar ou vender aquilo que lhe não pertence.

O que não significava que não haja alienações nas partilhas, pois há alienações, mas não de direitos sobre bens da herança ou de quotas partes de bens da herança e, sim, dos quinhões ou partes dos quinhões (casos da atribuição de bens de valor inferior ao quinhão do herdeiro ou da não atribuição de quaisquer bens e sua substituição por tornas), em que é necessária a intervenção do cônjuge do herdeiro casado na comunhão geral ou na de adquiridos.

Deu como certo que o processo da partilha é constituido por um conjunto de actos de que podem resultar, de forma indirecta, disposição sobre direitos. Mas a partilha nem sempre implica alienação de direitos, como no caso em que todos os herdeiros quinhoam em todos os bens na proporção das respectivas quotas hereditárias.

Referiu que J.A. Lopes Cardoso é de opinião que a licitação é acto de administração ordinária, ainda que aquisitiva de bens, e que, portanto, o direito de licitar cabe àquele dos cônjuges que for herdeiro e se encontre na administração do casal. Bem assim, que no acordo sobre a composição dos quinhões na conferência de inventário devem intervir os cônjuges dos que são herdeiros desde que tenham comunhão nos bens a partilhar.

Portanto, o cônjuge do herdeiro casado na comunhão de adquiridos não tem legitimidade para participar no acordo da composição dos quinhões ou para licitar quaisquer bens. Contudo, deve dar o seu consentimento - suprível, se recusado - caso o herdeiro leve bens de valor inferior à sua quota.

Observou que a partilha em causa teve por objecto um imóvel que se vê ser a casa da morada do casal dissolvido, onde reside o cônjuge sobrevivo. Limitando-se, assim, a partilha a consagrar um direito preferencial legalmente estabelecido (artº. 2103º-A do CC), é de prescindir o consentimento dos cônjuges dos herdeiros, mesmo que estes levem menos do que lhes cabe (o que nem sequer acontecia).

Terminou pedindo o provimento do recurso, afirmando que:

1º) - A partilha tem natureza declarativa e

efeitos retroactivos.

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2º) - Antes dela os herdeiros cada um de per

si não têm o direito de alienar quaisquer bens ou quotas indivisas de bens.

3º) - Antes da partilha ou durante a mesma,

podem os herdeiros alienar a totalidade do seu quinhão ou abdicar de parte dele, aceitando tornas dos co-herdeiros.

4º) - A partilha extra-judicial deve ser

outorgada pelos cônjuges dos herdeiros casados em comunhão geral por os direitos inerentes integrarem o património comum do casal.

5º) - O cônjuge do herdeiro casado em

comunhão de adquiridos só tem que dar o seu consentimento aos actos que constituem a partilha se o seu consorte for pago com bens de valor inferior ao respectivo quinhão.

6º) - Na partilha que se limita a formalizar a

adjudicação ao cônjuge sobrevivo do direito preferencial ao uso e habitação da casa de morada de família, não precisa de intervir o cônjuge do herdeiro casado em comunhão de adquiridos, ainda que este leve bens de valor inferior à sua quota.

5. Cumpre emitir parecer. Há situações que pela sua repercussão

económico-jurídica no património familiar necessitam do acordo dos cônjuges na sua resolução.

Sempre que o legislador entende que o acto ou negócio jurídico é importante para a economia do casal e o interesse da família, que se pode traduzir numa perda patrimonial para a sustentação desta, exige, para sua inteira validade, o consentimento de ambos os cônjuges, mesmo que os bens que constituem o objecto desses actos tenham a natureza de bens próprios.

É o que acontece quanto aos actos de disposição de bens imóveis ou de estabelecimento comercial (nº 1 do artº. 1682º-A do CC) e ao repúdio da herança ou legado (nº 2 do artº. 1683º do CC), quando o regime de bens do casamento do disponente ou do repudiante não é o de separação.

Parece que este aspecto de defesa do património familiar, de protecção do interesse da família, deve estar presente ao procurar-se determinar se para a inteira validade da partilha é ou não dispensável o consentimento do cônjuge do herdeiro casado.

A atitude conceptualista afigura-se não ser a mais indicada, pois embora se reconheça a utilidade da elaboração doutrinária sobre a natureza jurídica da partilha, para a resolução da questão não é tanto se ela ë um acto declarativo, modificativo ou constitutivo, ou um acto de alienação ou de administração, que interessa determinar, uma vez que a partilha, consoante os pontos de vista sob que se encare e conforme as circunstâncias de cada caso, pode consubstanciar actos de uma ou outra natureza.

A perspectiva teleológica é mais pragmática, com a consideração dos interesses que o legislador pretendeu proteger ao exigir o consentimento do cônjuge para a validade dos actos patrimoniais praticados pelo outro cônjuge, tendo, contudo, sempre em conta o regime de bens do casamento e a natureza dos bens partilhados.

No regime da comunhão de adquiridos, o cônjuge não pode dispor dos seus bens próprios imóveis sem o consentimento do outro, sob pena de anulabilidade do acto (alínea a) do nº 1 do artº. 1682º-A e nº 1 do artº. 1687º do CC).

Embora no que respeita à regulamentação dos regimes matrimoniais o legislador não tenha previsto concreta e expressamente a partilha, parece que nada na lei permite entender que não tenha querido considerá-la, em caso algum, como acto de alienação.

Relativamente aos efeitos que pode produzir no património familiar do sujeito casado na comunhão de adquiridos, não se vê que diferença possa existir entre o acto de alienação de imóveis próprios e a partilha dos imóveis da herança: tanto esta como aquele se podem traduzir numa perda patrimonial para a sustentação da família.

Se para a inteira validade dos actos de alienação dos imóveis próprios a lei exige o consentimento do cônjuge do disponente casado na comunhão de adquiridos, parece que o consentimento do cônjuge do herdeiro casado nesse mesmo regime é igualmente de exigir para a

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inteira validade da partilha dos imóveis da herança.

Não constitui obstáculo ao que se disse o facto de ser válida, sem o consentimento do outro cônjuge, embora tendo igualmente a possibilidade de afectar o património familiar, a disposição de bens imóveis próprios, quando o regime de bens do casamento é o de separação, e a disposição de bens móveis próprios em certas circunstâncias e qualquer que seja o regime matrimonial, pois nestes casos o legislador atribuiu prioridade à tutela de outros interesses que não os da família.

Note-se, todavia, que para a disposição de estabelecimento comercial próprio do disponente casado na comunhão de adquiridos o legislador também exigiu o consentimento do cônjuge, e o estabelecimento comercial, tal como a herança, é uma universalidade de direito, na qual cabem bens imóveis, e que constitui em si mesma uma coisa móvel (artºs. 204º e segs. do CC).

Dizem Pires de Lima e Antunes Varela ("Código Civil Anotado", Vol. IV, 1975, pag. 267) que "havendo um estabelecimento comercial no património do casal, ele constituirá, em regra, um elemento fundamental na economia familiar, assim se justificando que não possa ser alienado sem o consentimento de ambos os cônjuges".

Também sendo um dos cônjuges herdeiro, poderá eventualmente a herança representar um elemento de grande interesse para a economia familiar.

Parece, por conseguinte, justificar-se o entendimento de que para a validade da partilha da herança que compreende bens imóveis é necessário o consentimento do cônjuge do herdeiro casado na comunhão de adquiridos, uma vez que neste regime de bens é exigido o consentimento do cônjuge para os actos de disposição de bens imóveis próprios.

6. No caso dos autos, a falta de

consentimento dos cônjuges dos herdeiros casados na comunhão de adquiridos torna a partilha anulável, não podendo, porém, o direito de anulação ser por eles exercido (ou pelos seus herdeiros) depois de decorridos três anos sobre a sua celebração (nºs 1 e 2 do artº. 1687º do CC).

Em principio, a anulabilidade dos actos não obsta ao seu registo definitivo, salvo se o legislador dispuser diferentemente.

Determina a alínea e) do nº 1. do artº. 92º do CRP que é provisório por natureza o registo de negócio jurídico anulável por falta de consentimento de terceiro ou de autorização judicial, antes de sanada a anulabilidade ou de caducado o direito de a arguir. A partilha não deixa de ser um acto jurídico voluntário e como tal é abrangida por esta norma (cfr. Pº 56/93-R.P.4).

Ao invés do que entende o sr. Conservador, embora o registo não tivesse sido pedido como provisório por natureza, nos termos da alínea e) do nº 1 do artº. 92º do CRP, era de lavrar como tal, visto que o conservador tem de proceder à qualificação de harmonia com a lei.

Sendo de três anos (renováveis) o prazo de vigência dos registos efectuados naqueles termos (nº 3 do artº. 92º do CRP), os interessados ficariam prejudicados com um registo provisório por dúvidas, que caduca pelo decurso do prazo de 6 meses se entretanto as dúvidas não forem removidas (nº 3 do artº. 11º do CRP).

Assim, poderá o registo ser convertido em definitivo se durante o prazo de 3 anos da sua vigência caducar o direito de arguir a anulabilidade da partilha ou se provar que essa anulabilidade foi sanada.

7. Termos em que somos de parecer que o

recurso não merece provimento. Não obstante, deve ser averbado ao registo

de aquisição em causa que a sua provisoriedade é por natureza, nos termos do aludido preceito.

Do que ficou dito poderão extrair-se as

seguintes

Conclusões

I - É de efectuar provisoriamente por natureza, nos termos da alínea e) do nº 1 do artº. 92º do Código do Registo Predial, o registo de aquisição de imóvel titulado por escritura de partilha em que não interveio para dar o seu consentimento o cônjuge do herdeiro casado na comunhão de adquiridos.

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II - A conversão do registo em definitivo deve ter lugar logo que se mostre sanada a anulabilidade ou caducado o direito de a arguir.

Este parecer foi aprovado em sessão do

Conselho Técnico da Direcção-Geral dos Registos e do Notariado de 28.06.1994.

Maria Odete Monteiro Rabaça e Pires

Coutinho de Miranda, relatora, Luís Gonzaga das Neves Silva Pereira, José Augusto Guimarães Mouteira Guerreiro, Ventura José Rocheta Gomes.

Este parecer foi homologado por despacho

do director-geral, de 29.06.1994.

Proc. nº 90/93 R.P.4 – Loteamento. Penhora de parte do prédio.

1. Na Repartição de Finanças do concelho de ... foram lavrados, em 6.ABR.93, dois autos de penhora para pagamento de determinada quantia proveniente de execução fiscal por dívida de impostos.

Do primeiro daqueles autos consta que se trata de um prédio rústico com a área de 245 520 m2, inscrito na matriz respectiva sob o artigo 10, secção DF1/DF2. Do segundo, consta um prédio urbano, no mesmo lugar, a confrontar de todos os lados "com o próprio" (mas do primeiro não consta que confronte com este), com a superfície coberta de 34,6 m2 e logradouro com 325,4 m2, inscrito na matriz sob o artigo 4896.

À margem é certificada a descrição dos prédios. Segundo todos estes dados e os da requisição de registo, ambos os prédios formam o descrito sob o nº 00537/290487.

O registo de penhora (ap. 01/120493) foi recusado na respectiva Conservatória, segundo despacho do seguinte teor:

"Recusado o registo de penhora, nos termos dos artºs. 68º e 69º, nº 2, do CRP e 314º do Código do Processo Tributário, dado terem sido efectuados dois autos de penhora para o prédio misto (um auto referente à parte rústica e outro auto referente à parte urbana) e não um só, como estipula o referido artº 314º do CPT; lavrar-se-à um auto em relação a cada prédio e observar-se-á o seguinte ....b)...identificar o prédio, designando a sua natureza rústica, urbana ou mista ...".

2. Não se conformando com tal qualificação,

o requerente interpôs reclamação para o conservador, argumentando, na respectiva petição, em síntese, que, desde logo, não terá sido cumprido o disposto nos artºs. 66º e 70º do Código do Procedimento Administrativo, porquanto não foi efectuada a notificação do despacho de recusa, sendo que o regime previsto neste diploma é aplicável supletivamente ao Registo Predial, quando existam lacunas, como é o caso.

Quanto ao fundamento da recusa, considera que, contrariamente ao que foi entendido, se deu integral cumprimento ao disposto no artº 314º do Código do Processo Tributário, identificando-se os prédios em distintos autos de penhora, uma vez que se tratava de prédios de diferente natureza e matricialmente autónomos. A face da lei fiscal só existem duas matrizes, a rústica e a urbana, não existindo, por enquanto, nenhuma matriz mista.

A figura do prédio misto aparece, todavia, referenciada no direito fiscal, que o define como aquele que é composto por parte rústica e parte urbana e nenhuma delas pode ser classificada de principal, por não ser possível estabelecer-se uma relação de subordinação entre o acessório e o principal, situação que, claramente, não ocorre no caso em apreço.

Com efeito, os prédios em causa, identificados nos autos de penhora, enquadram-se, inequivocamente, nos conceitos de rústico e urbano definidos nos artºs. 3º e 4º do Código da Contribuição Autárquica, pois ambos são economicamente autónomos e com afectações e destinos concretamente definidos, sem qualquer relação de subordinação, constituindo, portanto, unidades distintas e inconfundíveis.

De resto, a jurisprudência refere que ao efectuar-se a penhora de um prédio rústico, não

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fica abrangido o prédio urbano nele implantado, sendo de efectuar nova penhora da construção nele implantada para que a venda possa abranger, caso se queira, não só o terreno, como a construção.

Por conseguinte, pode penhorar-se apenas a parte rústica ou a parte urbana, ou ambas; e isto porque, sendo o objectivo final da penhora a venda do bem penhorado, deve-se considerar em cada auto uma unidade aliciante para os prováveis pretendentes à sua aquisição, para se obterem preços mais elevados.

Nota, ainda, que, apesar de fazerem parte da mesma descrição predial, os prédios em causa, atentas as suas características de autonomia física e económica, são passíveis de venda isolada e consequentemente de destaque ou desanexação.

3. A Sra. Conservadora manteve a

qualificação, sustentando que ao caso não se aplica o disposto nos artºs. 66º e 70º do Código do Procedimento Administrativo, mas sim o disposto no artº 75º do Código do Registo Predial.

Efectivamente, tendo o registo sido pedido em 12.04.93 e o despacho proferido a 24 do mesmo mês, isto é, dentro do prazo de 15 dias previsto no nº 1 do artº 71º do Código do Registo Predial, não tinha o interessado que ser notificado da decisão de recusa (face ao estatuído no nº 1 do artº 75º daquele diploma).

Relativamente à questão de fundo, parece-lhe clara a intenção do legislador, ao estipular no artº 314º do Código do Processo Tributário que deve ser lavrado um auto de penhora para cada prédio, seja ele rústico, urbano ou misto.

E, por isso, se o prédio está descrito na Conservatória como misto, deveria ter sido apresentado apenas um auto de penhora relativo a um prédio misto e não dois (o de um prédio rústico e o de um prédio urbano), senão o legislador teria omitido, no artº 314º do CRP, a referência a prédio misto.

De resto, os prédios penhorados não são parte da descrição predial nº 00537/290487 - ..., como menos correctamente se refere em cada um dos autos de penhora, antes constituindo um todo com a natureza mista, descrito sob a ficha 00537/290487, da freguesia de ... .

Por último, verifica-se que o reclamante desconhece não só o disposto na al. b) do artº 82º do Código do Registo Predial, por força do qual deve constar da descrição predial a sua natureza, rústica, urbana ou mista, como também o disposto no Decreto-Lei 448/91, de 29 de Novembro, que estabelece o regime jurídico dos loteamentos urbanos e as condições necessárias à realização de qualquer destaque, não constituindo a "autonomia física e económica dos prédios" factores inequívocos da possibilidade de fraccionamento dos mesmos.

4. Do despacho que indeferiu a reclamação,

vem interposto o presente recurso hierárquico, no qual o requerente reafirma os argumentos já anteriormente expendidos, sublinhando ser sua convicção ter sido integralmente cumprido o disposto no artº 314º do Código do Processo Tributário.

Acentua a definição de "prédio misto" dada pelo Código da Contribuição Autárquica, com a qual faz o enquadramento que considera legal do referido artº 314º. E acrescenta que é isto que devem ter presente os funcionários, ao ser lavrado o auto de penhora, pois que "não têm hipóteses de saber" qual a descrição do prédio da Conservatória, "nem se devem preocupar com isso".

Considera, ainda, não estar em causa o estatuído no Decreto-Lei nº 448/91, de 29 de Novembro, por a desanexação não envolver qualquer operação de loteamento, "porque ninguém vai construir ou urbanizar", e por se estar perante dois prédios distintos, com inscrições próprias em diferentes matrizes.

A concluir, refere não ter conhecimento de qualquer disposição legal que proíba a penhora de parte de prédio, afigurando-se-lhe que tal registo é sempre possível, sob pena de não se salvaguardarem os interesses da Fazenda Pública (cfr. artº 299º CPT).

Delineadas as posições em confronto,

cumpre apreciar e emitir parecer. 5. Antes da questão da registabilidade da

penhora e relativamente à pretensa aplicação ao caso do disposto nos artºs. 66º e 70º do Código do

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Procedimento Administrativo, refira-se que tais normas não são aplicáveis à situação vertente, por duas ordens de razões.

Por um lado, porque o Código do Registo Predial contém uma norma especial sobre essa matéria, pelo que não existe qualquer lacuna susceptível de ser preenchida pelo CPA, nos termos do artº 10º do Código Civil.

Com efeito, o artº 71º, nº 1, do CRP determina que os despachos de recusa ou de provisoriedade devem ser notificados aos interessados nos cinco dias seguintes a terem sido lavrados, desde que tenham sido lavrados fora do prazo de realização do registo (que é de 15 dias, por força do disposto no nº 1 do artº 75º CRP).

Como se disse no Pº 6/88-RP3, o processo registral é desencadeado a pedido do interessado e prossegue até quando o registo estiver feito ou recusado, cabendo ao registante indagar o resultado da sua petição.

Contudo, se, por atraso da Conservatória, o prazo do registo não for cumprido, então é que a lei muito justamente dispensa o interessado de cuidar de saber de quanto é esse atraso... Neste caso, o registante é logo notificado. Não tem mais o ónus de seguir o processo, cuja duração passa a ser variável, de harmonia com a extensão do atraso dos registos.

Como sobejamente resulta do Pº 58/93-RP4, deve ainda acentuar-se que o Código de Procedimento Administrativo não é de todo aplicável ao processo de registo, que se desenvolve através de uma actividade para-judicial, a qual não se confunde ao nível dos actos típicos do conservador e designadamente da função qualificadora, com a de um qualquer "órgão da administração pública", sem embargo de o conservador também ter funções materialmente administrativas. Além de que, os actos de registo, tendo por fim publicitar direitos privados, são recorríveis em fase contenciosa para os tribunais comuns, e não administrativos (artº 145º, nº 2, do CRP).

6. Também não é complicada a questão de

saber se a penhora de um prédio registado como misto deverá ser efectuada em auto único ou se poderão ser lavrados dois autos distintos, um para a parte urbana e outro para a parte rústica.

É que a situação não resulta do conceito fiscal de prédio. Este conceito, como se sabe, não é estritamente aplicável ao registo predial, cabendo referir que no Pº 101-RP 91, SIN, este Conselho Técnico fixou a orientação de que será sempre havido como misto, para efeitos registrais, o prédio composto por parte rústica e parte urbana, com inscrições matriciais próprias.

De resto, deduzir a solução a partir dos conceitos representaria uma aplicação do método de inversão, contrária a uma jurisprudência de valoração dos interesses em jogo. Esses interesses apontam para uma interpretação integrada, tendo em atenção todos os aspectos que na circunstância ocorrem e designadamente as realidades subjacentes ao regime jurídico do loteamento urbano.

O assunto já foi estudado no Pº 49/89-RP3, no qual se conclui o seguinte:

“I - É nulo e não pode ser objecto de registo o acto ou negócio jurídico que implique, directa ou indirectamente, o fraccionamento de prédios rústicos em lotes de qualquer área de um ou vários prédios, destinados, imediata ou subsequentemente, à construção, exceptuados os casos previstos no nº 2 do artigo 57º do Decreto-Lei nº 400/84, de 31 de Dezembro, sem que dos respectivos títulos de arrematação ou outros documentos judiciais conste a data do alvará de loteamento, ou do documento que o substitua, nos termos do disposto no nº 1 do mesmo artigo. II - A doutrina constante da conclusão anterior é aplicável mesmo no caso de se tratar de um acto de penhora."

Esta orientação foi firmada no domínio da lei anterior, mas nada foi alterado pela legislação vigente quanto à matéria em análise.

A única via para a penhora em separado de parte do prédio registado como misto será a prova de que os prédios correspondentes às inscrições que o formam já existiam autonomamente antes de 1973, ou seja, anteriormente à legislação do loteamento que primeiramente feriu de nulidade os actos praticados em infracção às suas normas (Decreto-Lei nº 289/73, de 6 de Junho, artº 27º).

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Só nessa altura é que a eventual desanexação de uma das partes do prédio a que correspondesse artigo próprio, por efeito da venda subsequente à penhora, não estará abrangida pela lei do loteamento (Decreto-Lei nº 448/91, de 29 de Novembro). Caso contrário, estaria encontrado o caminho para qualquer desanexação: construía-se e deixava-se penhorar.

Refira-se, por último, que o artº 44° do CRP obriga a mencionar em todos os actos, processuais ou outros, que contenham factos sujeitos a registo, o número da descrição dos prédios ou as menções necessárias à sua descrição – nº 1, al. b). Não estão exceptuados os termos de penhora, em quaisquer tribunais.

7. Isto não significa, no entanto, que a

presente recusa se mostre devidamente fundamentada.

Apresentado o pedido de registo da penhora sobre o prédio 00537/290487 - ..., instruído com os dois actos de penhora (um só pedido, uma só apresentação, um só prédio), a Conservatória não deveria ter hesitado em lavrar a inscrição sobre o prédio descrito, em estrita aplicação do princípio da instância.

Pelo contrário, ao invocar-se no despacho de recusa o nº 2 do artº 69º, remeteu-se implicitamente para a impossibilidade de se fazer um averbamento de desanexação, quando não era isso o que estava em causa, nem tinha sido pedido.

Aliás, o averbamento, em caso de recusa por motivos que não se prendam directamente com o facto averbado, é obrigatoriamente substituído por uma anotação, nos termos do nº 2 do artº 80º do CRP. Mas – repete-se - não era essa a situação vertente.

Entendemos, por conseguinte, que o recurso, nos termos formulados não merece provimento, porque não está demonstrado que possa haver lugar às duas penhoras: não foram pedidos dois registos; não consta que a desanexação (a ser pretendida) não violasse a lei do loteamento, que a proíbe.

Sem embargo, com os elementos constantes do processo de registo, deve ser lavrada a inscrição de penhora sobre o prédio misto descrito, com base nos autos que, no seu conjunto, contêm a penhora desse prédio.

8. Em consonância com quanto fica exposto,

firmam-se, assim, as seguintes

Conclusões

I - Dos actos processuais (nomeadamente termos de penhora) que contenham factos sujeitos a registo, deve constar o número da descrição dos prédios ou as menções necessárias à sua descrição.

II - Deve rigorosamente conter tal menção, por conseguinte, o termo de penhora que incida sobre a parte rústica ou a parte urbana de prédio descrito como misto.

III - Mas esse acto é nulo, e não pode ser admitido a registo, se implicar uma hipótese de fraccionamento não consentido pelas leis do loteamento urbano.

IV - Sem embargo, deve ser lavrado o registo pedido sobre determinado prédio misto, com base em termos de penhora da parte rústica e da parte urbana do prédio.

V - Para que possam ser lavrados registos de penhora separadamente, nos termos da conclusão II, torna-se mister demonstrar que os diversos prédios que constituem a descrição já existiam com autonomia anteriormente à legislação que comina de nulidade a infracção à lei do loteamento.

Este parecer foi aprovado em sessão do Conselho Técnico da Direcção-Geral dos Registos e do Notariado de 16.02.1994.

Ventura José Rocheta Gomes, relator, Luís

Gonzaga das Neves Silva Pereira, José Augusto Guimarães Mouteira Guerreiro, Maria Odete Monteiro Rabaça e Pires Coutinho de Miranda.

Este parecer foi homologado por despacho

da subdirectora-geral, em substituição, de 17.02.1994.

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Proc. nº 96/93 R.P.4 – Cláusulas acessórias. 1. A Secretaria de Estado do Turismo,

através da Inspecção Geral de Jogos, consulta esta Direcção Geral àcerca da legalidade das hipotecas registadas na Conservatória do Registo Predial de ... sobre o Casino de ... (prédio nº 04177/121290-...), constituídas pela respectiva proprietária inscrita, "..., S.A.", concessionária da zona de jogo permanente do ..., conforme contrato de concessão celebrado com o Estado em 10/5/1983, publicado no Diário da República, nº 122, III Série, de 27/5/1983.

A questão da legalidade coloca-se porque, face ao estipulado nos nºs. 3, 9 e 11 da cláusula 4ª daquele contrato e ao disposto na alínea a) do nº 1 do artº. 3º do Dec. Nº 49 463 de 27/12/1969, a propriedade do Casino e do terreno onde ele está implantado reverte para o Estado no termo da concessão (previsto para 31/12/2003), e de acordo com o determinado no nº 2 do artº 120º do Dec-Lei nº 422/89 de 2/12, o Estado, caso se verifique a rescisão da concessão, fica imediatamente investido na propriedade dos bens reversíveis, sem direito por parte da concessionária a qualquer indemnização.

Na eventualidade de as hipotecas serem ilegais, pretende a consulente ser esclarecida sobre a forma de conseguir a sua anulação.

2. O prédio nº 04177/121290-..., então

descrito como terreno com 45 000m2, destinado à construção do Casino definitivo de ...., foi registado em 12/6/1972, por compra, a favor da "...", não constando da respectiva inscrição qualquer convenção ou cláusula acessória.

Em 12/12/1990, por três apresentações sucessivas, foram sobre ele registadas as seguintes hipotecas, que abrangiam mais nove prédios: a primeira, a favor do "..., S.A.", para garantia de empréstimo de 300 000 contos, e as outras duas a favor do "..., S.A.", para garantia de empréstimos de 307 974 e 300 000 contos, respectivamente.

Em 11/6/1991 foram lavradas mais duas inscrições de hipoteca, de ampliação,

respectivamente, da primeira e da terceira anteriores.

Em 29/10/1992 foi actualizada a descrição: passou a ser o "...", com as áreas coberta de 10 125m2 e descoberta de 34 875m2.

Por último, em 5/8/1993, seis dias depois de formulada a consulta, foi registada outra hipoteca a favor do "..., S.A.", que abrangia mais cinco prédios, para garantia de empréstimo e abertura de crédito até ao valor de 650 000 contos.

O processo foi instruído com fotocópias das escrituras de compra e de constituição das hipotecas, efectuadas, aquela em 8/6/1972, e estas em 6/6/1991 e 23/7/1993.

Na primeira, a adquirente declarou que destinava o terreno adquirido "exclusivamente, à construção de um casino, reversível para o Estado, nos termos da alínea a) do nº 1 do artº. 3º do Dec. 49 463, conforme contrato de adjudicação da concessão do exclusivo da exploração de jogo na zona do ..., celebrado entre ela e o Estado em 16 de Dezembro de 1971 e publicado no Diário do Governo nº 303, 3º Série, de 30 do mesmo mês".

Das últimas não constava qualquer referência sobre se a constituição das hipotecas tinha sido previamente autorizada pelo Governo.

3. O processo foi remetido a este Conselho a

fim de que se pronunciasse sobre a consulta. Cumpre, pois, emitir parecer. Para esclarecimento da nossa opinião (para

cuja formação contribuem), faremos, primeiramente, algumas considerações, neste e nos três pontos seguintes.

A prática de jogos de fortuna ou azar não é actividade encarada sem restrições pelo legislador, que a regulamenta e fiscaliza, admitindo-a apenas como um meio de promoção turística de determinadas zonas nos mercados interno e externo, um factor favorável à criação e ao desenvolvimento de áreas turísticas.

Com efeito, o legislador considera o jogo de fortuna ou azar como contrato produtor de efeitos civis apenas quando praticado nas zonas em que é autorizado (artº. 1247º do Código Civil).

Fora dessas zonas o contrato não é lícito e não constitui fonte de obrigações civis ou naturais (artº. 1245º do CC).

Nº 1/2002 – Janeiro 2002 21

O direito de explorar jogos de fortuna ou azar é reservado ao Estado e só pode ser exercido por empresas a quem o Governo, mediante contrato administrativo, adjudicar a respectiva concessão (artº. 9º do Dec-Lei nº 422/89 de 2/12).

O Decreto com força de lei nº 14 643 de 3/12/1927 foi o primeiro diploma que regulamentou os jogos de fortuna ou azar e a concessão da sua exploração e que determinou a fiscalização do seu exercício.

O mesmo fizeram posteriormente os Decs-Lei nºs 41 562 de 18/3/1958, 48 912 de 18/3/1969 e 422/89 de 2/12, que se foram substituindo (o último entrou em vigor em 1/1/1990).

Entretanto, outros diplomas foram sendo publicados sobre aspectos parcelares da actividade, como o julgamento dos crimes relacionados com ela, as condições de adjudicação das concessões de exploração em exclusivo em diversas zonas de jogo temporário ou permanente, a estrutura das entidades fiscalizadoras, o regime tributário, etc..

A zona de jogo permanente do ... foi criada pelo mencionado Dec-Lei nº 48 912, que se encontrava em vigor à data da aquisição a favor da "...".

Entre outras disposições, estipulava o diploma que ficavam isentas de sisa as aquisições dos prédios indispensáveis à realização dos fins das empresas concessionárias e ao cumprimento das obrigações por estas assumidas nos respectivos contratos (artº. 10º); que as sociedades concessionárias das zonas de jogo deviam caucionar, por qualquer forma admitida em direito, a obrigação de entregarem ao Estado, em perfeito estado de conservação, os edifícios para ele reversíveis (artº. 12º); que a transferência para outrém da exploração directa do jogo e do mais que constituísse objecto da concessão só seria permitida, sob pena de nulidade, em casos justificados e mediante prévia autorização ministerial (artº. 13º); e que o Estado podia rescindir a concessão em certos casos de incumprimento de obrigações pela empresa concessionária, assumindo imediatamente a propriedade e posse dos bens considerados reversíveis, sem que houvesse lugar a qualquer indemnização (artº. 52º).

Logo em seguida, o Dec. Nº 49 463 de 27/12/1969 (alterado em parte pelo Dec-Lei nº 134/71 de 8/4) veio estabelecer o regime de concessão da exploração do jogo na referida zona do ...: a zona seria adjudicada a uma única empresa (artº. 1º), que teria de levar a efeito a construção, na sede da zona, de um casino, reversível para o Estado no termo da concessão, dotado, no mínimo, de cine-teatro, jardins, campos de ténis, logradouros, auditório, parque de estacionamento e respectivos acessos (alínea a) do nº 1 do artº. 3º); se, por qualquer motivo, fosse dada por finda a concessão sem que se efectivassem as construções a que a empresa concessionária se obrigara, estas seriam reversíveis para o Estado ainda que incompletas, ou apenas os terrenos em que tivesse sido aprovada pelo Governo a respectiva implantação, perdendo a concessionária a favor do Estado a caução da realização das construções (nº 2 do artº. 4º).

O Dec-Lei nº 422/89, já em vigor à data da constituição das hipotecas, mantem a isenção de sisa pelas aquisições dos prédios indispensáveis ao cumprimento das obrigações contratuais assumidas pelas empresas concessionárias (artº. 92º); a obrigação de as empresas concessionárias prestarem caução (mas apenas no penúltimo ano do termo da concessão) para garantir a entrega ao Estado, em perfeito estado de conservação, dos edifícios da propriedade deste ou para ele reversíveis (alínea c) do nº 1 do artº. 105º); a nulidade da transferência para terceiros da exploração do jogo e das demais actividades que constituam obrigações contratuais, se a transferência não for autorizada pelo Governo (artº. 15º); e o investimento imediato do Estado na propriedade dos bens reversíveis e na posse dos bens afectos à concessão, sem direito por parte da empresa concessionária a qualquer indemnização, logo que rescindidos os contratos (nº 2 do artº. 120º).

O mesmo diploma, no artº. 27º, define os casinos como estabelecimentos do património privado do Estado ou para ele reversíveis, por este afectados à exploração e prática dos jogos de fortuna ou de azar em regime de concessão.

4. No acto da compra do terreno, a empresa

concessionária declarou que ele se destinava

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exclusivamente à construção de um casino "reversível" para o Estado, nos termos da alínea a) do nº 1 do artº. 3º do Dec. 49 463.

"Reverter", na acepção vulgar, tanto pode significar "tornar", "voltar", "retroceder", "regressar", como "redundar", "resultar", "converter-se", "tornar-se".

É sabido que as palavras da lei, quando não possuam sentido técnico conhecido, se devem entender na acepção vulgar.

No Código Civil, o termo "reversão" é usado, nos artºs. 960º e 961º, relativamente à doação, e nos artºs. 1700º e 1707º, relativamente às liberalidades efectuadas na convenção antenupcial, no sentido de "regresso", "retorno": os bens doados ou deixados com a cláusula de reversão "regressam" ou "retornam" ao património do doador ou do disponente.

O mesmo acontece nas concessões administrativas em que são cedidos ao concessionário para o exercício da concessão bens da entidade concedente, os quais "regressam" ao domínio desta no termo da concessão.

Mas é com o segundo significado que a expressão "reverter" é utilizada no Dec. Nº 49 463: aí a expressão refere-se ao modo de aquisição de bens para o domínio privado do Estado, que consiste na transferência para o Estado de bens do património do concessionário, criados por este para o exercício da actividade concessionada.

5. Segundo o regime geral dos negócios jurídicos estabelecido no CC, pode estipular-se que a produção dos efeitos do negócio jurídico comece ou cesse a partir de um momento certo (termo suspensivo ou resolutivo – artº. 278º do CC - ) ou a partir da verificação de um acontecimento incerto (condição suspensiva ou resolutiva – artº. 270º do CC - ).

O negócio sujeito a termo ou a condição suspensivos não produz efeitos desde a sua realização, mas apenas a partir da verificação do termo ou da condição; o negócio subordinado a termo ou a condição resolutivos produz imediatamente os seus efeitos, os quais cessam quando o termo ou a condição se verificam.

Durante a pendência do termo ou da condição suspensivos, o adquirente não tem ainda um direito exercitável em relação ao alienante, e este deve agir por forma a não comprometer a

integridade do direito do adquirente; durante a pendência do termo ou da condição resolutivos, é o alienante que não tem um direito exercitável em relação ao adquirente, sendo este que deve proceder por forma a não prejudicar o direito do alienante (artºs. 272º e 278º do CC).

Também durante a pendência do termo ou da condição suspensivos, o adquirente pode praticar actos conservatórios, e igualmente os pode realizar, na pendência do termo ou da condição resolutivos, o alienante (artºs. 273º e 278º do CC).

O regime jurídico do termo é, em regra, o fixado a propósito de cada relação jurídica ou de cada grupo de relações jurídicas (Pires de Lima e Antunes Varela, "Código Civil Anotado", Vol. I, 2ª edição, 237).

Em princípio, a propriedade é perpétua e a propriedade temporária só é admitida nos casos especialmente previstos na lei (artº. 1307º, nº 2, do CC).

É, por exemplo, o caso do fiduciário, que é um verdadeiro proprietário a termo, visto que o seu direito só termina com a morte (artº. 2293º, nº 1, do CC), e que tem o gozo e a administração dos bens sujeitos ao fideicomisso (artº. 2290º, nº 1, do CC), embora só os possa alienar ou onerar em caso de necessidade ou utilidade e desde que autorizado pelo tribunal (artº. 2291º, nº 2, do CC).

De acordo com o disposto no artº. 274º, nº 1, do CC, a regra geral é a da subordinação dos actos de disposição de bens ou direitos que constituem objecto do direito condicional à mesma condição deste. Ninguém pode dispor de mais do que tem.

Assim, se alguém vende um prédio sujeito a condição resolutiva, a venda torna-se ineficaz verificada a condição. Quer dizer, é possível a alienação dos direitos condicionais, como condicionais (Pires de Lima e Antunes Varela, ibidem, 235).

E sendo possível a alienação, será também possível a oneração.

Da mesma forma, os direitos adquiridos ou alienados a termo (inicial ou final) podem ser transmitidos como tais, semelhantemente ao que sucede quanto à condição; a estipulação de termo só torna os negócios nulos se estes forem inaprazáveis (Castro Mendes, "Direito Civil - Teoria Geral", 1979, III, 532).

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O mesmo se diga pelo que respeita à oneração dos direitos adquiridos ou alienados a termo.

6. As coisas públicas, pelo facto de o serem,

estão subtraídas ao comércio jurídico privado, sendo insusceptíveis de posse civil por particulares e, como tal, indefensáveis pelos meios possessórios civis (Marcello Caetano, "Manual de Direito Administrativo", 10ª edição, II, 947).

O domínio público é um estado jurídico actual que envolve a submissão das coisas nele integradas ao regime especial da propriedade de Direito Público, diferente do regime da propriedade privada (Marcello Caetano, "O Problema da Dominialidade dos Bens Afectos à Exploração de Serviços Públicos Concedidos", in "Estudos de Direito Administrativo", 1974, 71).

A razão determinante do regime jurídico especial de domínio público a que estão submetidos certos bens administrativos é a afectação funcional desses bens à utilidade pública, é o facto de terem utilidade pública inerente, embora nem tudo o que oferece essa utilidade pública seja considerado por lei como dominial ("O Problema da Dominialidade", cit., 75/76).

Se as coisas públicas, pertencentes ao domínio público de pessoas colectivas de direito público, se encontram subtraídas ao comércio jurídico privado, já os bens do domínio privado das pessoas colectivas de direito público estão sujeitos ao regime do direito privado e inseridos no comércio jurídico correspondente (Marcello Caetano, "Manual", cit., 961).

Não quer isto dizer que o direito privado não ceda sempre que a sua aplicação ao domínio privado das pessoas colectivas de direito público contrarie a natureza própria deste domínio.

É que o domínio, mesmo privado, de uma pessoa colectiva de direito público sobre os bens que lhe pertencem pode ser influenciado pelos fins de interesse público do sujeito e escapar, nessa medida, à aplicação pura e simples do direito privado, levando, assim, à formação de um regime administrativo do domínio privado (Marcello Caetano, "Manual", cit., 962).

Por estarem subtraídos ao comércio jurídico privado imobiliário, os bens imóveis do domínio

público das pessoas colectivas de direito público são insusceptíveis de registo predial (artº. 1º do Código do Registo Predial).

Pelo contrário, os factos relacionados com os direitos reais que integram o domínio privado das pessoas colectivas de direito público, tal como os relacionados com os direitos reais que integram o património das pessoas de direito privado, estão sujeitos a registo, uma vez que tais direitos estão inseridos no comércio jurídico privado imobiliário.

Segundo o artº. 688º , nº 1, alínea d), do CC pode ser hipotecado o direito resultante de concessões em bens do domínio público, observadas as disposições legais relativas à transmissão dos direitos concedidos (esta restrição destina-se a salvaguardar o princípio, contido nas leis administrativas sobre a matéria, segundo o qual a hipoteca só é válida nestas circunstâncias quando autorizada pela autoridade competente). Neste caso, o direito hipotecado integra o património do concessionário, pessoa de direito privado. O objecto da hipoteca são os edifícios ou obras construídos no terreno dominial pelo concessionário e que lhe pertencem em propriedade. São essas coisas de que o concessionário é proprietário (pelo menos até que revertam para a entidade concedente) que podem ser objecto de hipoteca (Marcello Caetano, "Manual", cit., 944/945).

Os modos pelos quais se constitui o domínio privado das pessoas colectivas de direito público podem ser de direito privado (são os modos de aquisição previstos e regulados pelo CC, com algumas restrições), e de direito público, contando-se entre estes a reversão dos bens criados pelos concessionários para o exercício da concessão.

Nesta hipótese, o regime jurídico da reversão consta, em regra, da lei ou do acto ou contrato de concessão (Marcello Caetano, "Manual", cit., 983/989).

As principais espécies de contratos administrativos são a empreitada de obras públicas, a concessão de obras públicas, a concessão de serviços públicos, a concessão de exploração de jogos de fortuna ou azar, a concessão do uso privativo do domínio público, o fornecimento continuo e a prestação de serviços -

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transporte e provimento - (Freitas do Amaral, "Direito Administrativo", III, 1989).

Se o concessionário, na concessão administrativa, for obrigado, para o exercício da actividade concessionada, a criar o próprio estabelecimento, surge a questão de saber a quem pertence a propriedade deste enquanto durar a concessão quando, nos termos do acto de concessão, ele deva vir a reverter para a entidade concedente.

Há contratos de concessão em que o concessionário só adquire o direito a explorar a actividade concessionada mediante a prévia produção de determinados bens que, por natureza, têm carácter dominial: vias férreas, portos, pontes, etc. ("O Problema da Dominialidade", cit., 70).

Assim, se o estabelecimento constituir uma universalidade que a lei considere do domínio público, ele passa, desde a sua criação, a ser propriedade pública da titularidade da entidade concedente. Mas se os bens que constituem o estabelecimento são coisas meramente particulares, constituem propriedade do concessionário enquanto durar a concessão (Marcello Caetano, "Manual", cit., 1120).

O concessionário neste caso tem a propriedade perfeita dos bens, bens que contratualmente se obrigou a entregar à entidade concedente gratuitamente em certas circunstâncias, se a concessão atingir o termo previsto (Marcello Caetano, ibidem).

Esses bens são instrumento do exercício da actividade concessionada, cuja organização e funcionamento é objecto de prestações contratuais, mas não são objecto de uma prestação em si mesmos. A entidade concedente não tem um direito real sobre esses bens (Marcello Caetano, ibidem).

Trata-se antes da obrigação para o concessionário de fazer uma prestação de coisas à concedente, se a concessão for mantida e as suas cláusulas observadas por esta e quando o respectivo prazo de duração expirar (obrigação condicional e a termo). Se não se verificar a condição, ou se a concedente quiser obter os bens que constituem o estabelecimento antes do termo, terá de comprá-los pelo seu justo preço. A entidade concedente tem apenas, relativamente aos bens que constituem o estabelecimento e durante a

concessão, um direito de crédito, mas não quaisquer direitos reais (Marcello Caetano, ibidem, 1121).

Se o concessionário deixar de ter os bens a que pelo contrato se obrigou incorrerá, portanto, em responsabilidade contratual, mas não no crime de dano. Não há translação da propriedade por mero efeito do contrato de concessão, porque o objecto deste não é alienação de coisas. No termo do contrato de concessão é que se transfere a propriedade dos bens afectos à concessão (Marcello Caetano, "O Problema da Dominialidade", cit., 82/84).

Na concessão de exploração de jogos de fortuna ou azar, como nas outras concessões, o particular concessionário monta uma empresa comercial, com intuito lucrativo, "investe os seus capitais, estabelece o casino, explora-o por sua conta e risco, obtém dessa exploração a remuneração do capital investido e, no final, amortizado o investimento, devolve o casino ao Estado, que, no período seguinte, explorará directamente o casino ou o dará de novo em concessão a quem oferecer melhores condições" (Freitas do Amaral, ibidem, 446).

Freitas do Amaral ("O Caso do Tamariz, Estudo de Jurisprudência Crítica", 1965, 56/57) combate a ideia de que a reversão dos bens criados pelo concessionário de jogos de fortuna ou azar para o exercício da concessão se opera mediante a celebração de um contrato civil de compra e venda entre a entidade concedente e o concessionário e sustenta que a sua transferência para aquela se produz "ipso jure", cabendo ao concessionário apenas entregá-los, e não vendê-los.

7. A reversão do ... para o Estado tem a

natureza de termo resolutivo, porque se deve verificar em momento certo (o prazo fixado para a concessão), que, no entanto, poderá ser antecipado se se verificar a ocorrência dos eventos previstos no artº. 52º do Dec-Lei nº 48 912.

Tanto o Código do Registo Predial de 1967 (em vigor à data do registo de aquisição a favor da "..."), no nº 1 do artº. 186º, como o actual, no artº. 94º, estipulam que devem constar da respectiva inscrição as cláusulas suspensivas ou resolutivas que condicionam os efeitos de actos de disposição ou oneração de coisas imóveis.

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O direito do Estado à reversão para si do casino seria de natureza real se o casino fosse da propriedade do Estado aquando da celebração do contrato de concessão, isto é, se "reversão" significasse "retorno", "regresso". Todavia, na outra acepção indicada, criando o concessionário o próprio instrumento do exercício da actividade concessionada (o casino), a conclusão pode não ser necessariamente a mesma.

De harmonia com o que ensina o Prof. Marcello Caetano, o concessionário, enquanto durar a concessão, tem a propriedade perfeita do casino. O concessionário apenas se obrigou contratualmente a entregar o casino ao Estado, no termo da concessão, não tendo, durante esta, o Estado um direito real sobre o casino, mas apenas um direito de crédito.

Daí que o concessionário, enquanto durar a concessão, de acordo com o disposto no artº. 1305º do CC, goze de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição do casino, podendo, em consequência, hipotecá-lo (artº. 715º do CC).

Mas a natureza do direito do Estado sobre o casino no momento do final da concessão será a mesma que tem o seu direito sobre o casino durante a concessão?

A resposta seria afirmativa se nos encontrássemos no campo puro do direito privado, pois não seria natural o mesmo direito mudar de natureza conforme a fase da sua existência. Lembremos, porém, com o Prof. Marcello Caetano, que a reversão para o Estado do casino (estabelecimento criado pelo concessionário para o exercício da concessão) é um modo de direito público (e não de direito privado) de constituição do domínio privado do Estado, e que o domínio privado do Estado sobre os bens que lhe pertencem pode ser influenciado pelos fins de interesse público do sujeito e escapar à aplicação do direito privado.

O Prof. Marcello Caetano, no entanto, parece considerar que o concessionário apenas se obrigou a entregar o casino ao Estado no termo da concessão. Ora, como os direitos de crédito não são susceptíveis de registo predial, não seria de levar ao registo tal obrigação.

Este entendimento teria possibilidade de defesa face ao artº. 12º do Dec-Lei nº 48 912 e à

alínea c) do nº 1 do artº. 105º do Dec-Lei nº 422/89, que estabelecem o dever de o concessionário caucionar a obrigação de entregar ao Estado, em perfeito estado de conservação, os edifícios para ele reversíveis.

Na verdade, poderia argumentar-se que a reversão para o Estado ficaria suficientemente garantida com a prestação de caução pelo concessionário, não se mostrando necessária a protecção dada pelo registo predial aos direitos reais. Assim, o direito do Estado à reversão não teria a natureza de real.

Já o Prof. Freitas do Amaral sustenta claramente que a transferência do casino para o Estado no termo da concessão se produz "ipso jure", cabendo ao concessionário apenas entregá-lo, e não vendê-lo.

Quer dizer, o concessionário não tem de proceder à transferência do casino para o Estado, pois que ela se verifica automaticamente no final da concessão. Tal como o fideicomissário nada tem a fazer para haver para si, automaticamente, à morte do fiduciário, o direito de propriedade deste.

Com efeito, o carácter absoluto desta transferência imprime a natureza de real (Oliveira Ascensão, "Direito Civil-Reais", 4ª edição, 1983, 56/59) ao direito do Estado à reversão.

Este direito do Estado não podia ser desconhecido do registador, pois no título da compra se aludia expressamente à reversibilidade do Casino.

Por isso, uma vez que o modo previsto pelo legislador para o registo do direito à reversão é a inserção da respectiva cláusula na inscrição de aquisição a favor do sujeito passivo daquele direito, a cláusula de reversão para o Estado nos termos do Dec. Nº 49 463 deveria ter sido inserida no registo de aquisição a favor da "...".

Não constando a cláusula, a inscrição mostra-se inexacta e, com ela, também pelo mesmo motivo, as inscrições hipotecárias que se lhe seguiram, razão pela qual devem todas elas ser rectificadas, cabendo ao conservador a iniciativa da rectificação, se, entretanto, não tiver sido pedida por qualquer interessado, tudo nos termos dos artºs. 120º e segs. do CRP.

8. Do que ficou dito poderão extrair-se as

seguintes

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Conclusões

I - Do registo devem constar as cláusulas que afectam o acto registado, designadamente, a cláusula de reversão do prédio.

II - Se, não obstante, não constarem, o registo mostra-se inexacto e deve ser rectificado, tanto no caso de se tratar da inscrição de aquisição, como das subsequentes hipotecas.

Este parecer foi aprovado em sessão do

Conselho Técnico da Direcção-Geral dos Registos e do Notariado de 16.02.1994.

Maria Odete Monteiro Rabaça e Pires

Coutinho de Miranda, relatora, Luís Gonzaga das Neves Silva Pereira, José Augusto Guimarães Mouteira Guerreiro, Ventura José Rocheta Gomes.

Este parecer foi homologado por despacho

da subdirectora-geral, em substituição, de 17.02.1994. Proc. nº 99/93 RP4 – Bem comum do casal. Disposição para depois da morte, por um dos cônjuges ou ex-cônjuge. Registo do mesmo bem em comum e sem determinação de parte ou direito.

1. Vem o presente recurso da Conservatória

do Registo Predial de ..., do despacho que indeferiu a reclamação contra a recusa do registo a que se refere a ap. 2, de 17.JUN.93.

Fora então pedida a inscrição de aquisição a favor da ora recorrente, MRFPK, e de outros (MLEPPB, JARP, JCFP, JMFP e DAFP), em comum e sem determinação de parte ou direito, por óbito de MIPNB, AMPB e GSFP.

O despacho de recusa é do seguinte teor: "Ap. 02/170693 - Recusada (artº 69º, 1, d) do

CRP e 68º do mesmo diploma); a disposição testamentária de A a favor de ML apenas concede a esta o direito ao valor da coisa em dinheiro e não em espécie - tem por objecto coisa certa e determinada do património comum do seu casal

(artº 1685º, nº 2 do Código Civil e Acórdão do STJ de 29.05.79, BMJ,287) e não a sua meação nesse bem (1/2 do prédio sito na Rua ..., ou o valor, refere o testador): por outro lado, a declaração produzida em juizo pelos restantes herdeiros não convalida a deixa (não equivale à confirmação a que alude o artº 288º do C.Civil) mas, quando muito, implica a renúncia ao direito de arguir a nulidade (a aplicação do artº 1309º do C.C. não pressuporá o conhecimento por parte dos declarantes da invalidade? - cfr. artº 1308º), não estando, porém, vedado ao Tribunal o seu conhecimento (P. Lima e Antunes Varela, C.C. Anotado – artº 1685º; e Rui Alarcão - Confirmação dos Negócios Jurídicos Anuláveis); por último, a resolução extrajudicial da questão que no mesmo documento judicial dizem ter efectuado passará, neste caso, por uma dacção em cumprimento decorrente do acordo das partes (artº 837º C.C.) que não se comprova ter existido".

2. Na petição de reclamação começam os

interessados por explanar os factos que estiveram na origem da pretensão cuja recusa impugnam.

Dizem que instruíram o pedido de registo de aquisição, sem determinação de parte ou direito do prédio sito na Rua ..., nº ..., em ..., com os títulos aquisitivos, ou seja, com os testamentos efectuados, por MIPMB e por seu marido, APB, que foram casados com convenção antenupcial na qual instituíram "a comunhão de bens adquiridos por título oneroso".

No testamento cerrado com que faleceu MI, em 27.ABR.72, sem descendentes nem ascendentes, dispôs-se nestes termos:

"Deixo o usufruto dos meus bens a meu marido, que por sua morte serão divididos pelos meus sobrinhos.

A minha sobrinha e afilhada MLEPP o meu prédio da Rua ..., nº ... e o recheio da minha casa.

Os restantes bens que de direito me pertencem serão divididos em partes iguais pelos meus sobrinhos MFPK, JAP e RPP".

Um dos bens que fazia parte do acervo pertencente à autora da sucessão, adquirido a título oneroso na constância do seu matrimónio, era precisamente o prédio da Rua ..., que por sua morte deveria passar a pertencer aos herdeiros MF, JA e R.

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Mas, como este último faleceu antes da testadora, a esta sucedeu MLAPPB, em representação do pai, de quem foi única e universal herdeira.

Já depois da autora da herança, morreu a mulher de JAP, com quem fora casado em comunhão geral, GSFP, tendo-lhes sucedido os filhos, JCFP, JMFP e DAFP.

Em l0.ABR.81, por sua vez faleceu também sem descendentes nem ascendentes, AMPB, o viúvo da testadora, que, por testamento cerrado dispôs a favor de MLEPPB de "metade, do prédio urbano, que me pertence, situado na Rua ..., nº ...(ao ...) ou o valor de todos esses bens".

Após o falecimento de A - que enquanto vivera fora o usufrutuário de todos os bens de sua falecida mulher - os interessados requereram a cumulação do seu inventário com o de MIPMB, o qual veio a correr seus trâmites pela secção do Juizo Cível de ... (Pº nº 3742).

A estes autos apresentaram-se também uns sobrinhos do falecido A, residentes no ..., a requerer o reconhecimento da sua qualidade de únicos herdeiros de seu tio - que não de MIPMB -, por sua vez reconhecendo a qualidade de legatária de ML e alegando que, com excepção dos bens legados, todos os bens que o falecido A deixou lhes pertencem.

Os autos terminaram com um acordo no qual as partes declararam "terem sido resolvidas já extrajudicialmente todas as questões relacionadas com este inventário no que respeita aos eventuais direitos que reclamam, pelo que nada têm já a receber, o mesmo sucedendo aos outros interessados que declaram nada ter a receber igualmente dos residentes no ...".

3. Expostos assim os factos, argumentam os

reclamantes que a doutrina e a jurisprudência têm vindo a entender, unanimemente, que o nº 2 do artº 1685º do Cod.Civil tem natureza supletiva e portanto pode ser afastado por vontade dos interessados.

Como exemplo, citam o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29.MAI.79, no qual a dado passo se diz o seguinte:

"Admitindo a deixa de coisa certa e determinada do património comum, o nº 2 do artº 1685º impõe a sua conversão sistemática em

legado pecuniário, não facultando em princípio ao beneficiário a exigência da própria coisa.

É certo que sendo a norma supletiva não se exclui a dação em cumprimento decorrente do acordo das partes (artº 837º CC)."

Aduzem que o entendimento do STJ é também, de resto, o entendimento que perfilha BRAGA DA CRUZ, quando refere que a disposição sobre bens certos e determinados pertencentes à comunhão "é sempre válida quanto ao seu valor e sempre nula, em princípio, quanto à sua substância, de tal modo que o contemplado pode sempre exigir o respectivo valor, mas nunca pode, em princípio, exigir a própria coisa".

Deste modo não pode deixar de se concluir que a solução que foi consagrada no nº 2 do artº 1685º não é solução radical, pois pode ser afastada pela vontade das partes "em princípio", desde que fique salvaguardado o interesse familiar.

Como se pode ler no Acórdão da Relação de Coimbra de 27.OUT.78 (C.J., Tomo IV - pág. 1180), trata-se de "uma imposição que tem como fundamento principal a ideia de não prejudicar o direito ou simples expectativa do outro cônjuge sobre o património comum. É uma imposição que, no entanto, vai além do outro cônjuge por contemplar um interesse familiar, seja do outro cônjuge, seja dos sucessores deste, seja dos sucessores do próprio testador".

Sublinham que a aceitar-se a tese defendida pela Sra. Conservadora quem teria de fazer a conversão do valor económico correspondente seriam os herdeiros da falecida MI e então chegar-se-ia ao absurdo de ser a própria legatária, que também é herdeira de MI, a ter de pagar a si mesma uma parte desse valor.

4. A Sra. Conservadora, ao apreciar a

reclamação, reafirma a qualificação efectuada e em defesa da posição assumida sustenta que toda a questão radica na interpretação do disposto nos nºs 2 e 3 do artº 1685º do Código Civil.

Ora, sobre a aplicabilidade ao caso do disposto no artº 1685º (por força do preceituado no artº 2252º, nº 2), há unanimidade de posições, como acordo existe no enquadramento do caso na previsão do nº 2 daquela mesma norma, que não no seu nº 1.

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É, portanto, sua opinião (alicerçada na doutrina contida no "Código Civil Anotado", de PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, bem como na do acórdão do STJ de 29.MAI.79) que a deixa em questão se converte, "ope legis", em legado pecuniário.

É que, apenas mediante dação em cumprimento a contemplada tem direito ao bem em espécie, sendo o actual Código Civil mais rígido do que o anterior (cfr. artº 1766º do Cód. de Seabra), ao impor a conversão sistemática da disposição em legado pecuniário, sem prejuízo, evidentemente, da sua satisfação em espécie, mediante dação em cumprimento, se para tal houver o necessário acordo das partes (artº 837º).

Deste modo, a expressão "em princípio" utilizada pelos autores e no acórdão, não tem o significado que os interessados lhe pretendem atribuir, mas sim o de que a conversão sistemática da deixa de coisa certa e determinada do património comum só não é convertida em legado pecuniário se se verificar alguns dos condicional ismos previstos no citado nº 3 do artº 1685º, que constituem excepções à regra do nº 2.

Defendem os reclamantes ter o nº 2 do artº 1685º natureza supletiva, e que, por conseguinte, se as partes assim o acordarem, a coisa pode ser entregue em espécie e não em valor.

Crê a reclamada, porém, que no caso concreto tal acordo (que deve revestir a forma de dação em cumprimento) não existe, não constituindo a declaração prestada pelos interessados, no sentido de que a deixa é válida, documento bastante para o efeito.

Uma vez que nos autos de inventário que não chegaram a final, os herdeiros legítimos de A se limitaram a reconhecer os seus direitos sobre outros bens com exclusão dos legados, não se questionando sequer a situação jurídica desses bens, não tem cabimento alegar-se a obtenção do acordo nesses autos.

Por último, nota que não colhe o argumento de que o artº 1685º visa proteger o interesse do outro cônjuge e dos herdeiros legitimários, pois o citado preceito visa defender também os interesses dos sucessores do outro cônjuge e dos sucessores do próprio testador.

5. Inconformados com o desatendimento da reclamação, os interessados deduzem o presente recurso hierárquico, em cuja petição dão como reproduzidos os argumentos anteriormente expendidos.

Salientam, contudo, o facto de não ter sido atendido o pedido de urgência do registo, não obstante terem junto um documento comprovativo dos motivos dessa urgência.

Posto isto, cumpre apreciar e emitir parecer. 6. A situação controvertida, que levou ao

pedido do registo de aquisição de determinado prédio da herança dos "de quorum" e daí à recusa alegadamente por "manifesta nulidade" do facto – nº 1, al. d), do artº 69º do CRP -, resume-se em poucas palavras.

Do casal de MI e A, em cujo casamento vigorou o regime da comunhão de adquiridos, fazia parte um prédio urbano, situado na Rua ..., em ..., o qual, porque comprado na constância do casamento, tinha a natureza de bem comum.

MI faleceu em 1972 sem ascendentes vivos nem descendentes e com testamento em que, para além de fazer alguns legados, instituia seus herdeiros os sobrinhos MF, JA e R. Como este morreu antes da tia, sucedeu-lhe em direito de representação a filha, ML.

A herança aberta por óbito de MI não chegou a ser partilhada. A ela concorrem, pois, os sobrinhos MF e ML e ainda JA, que, sendo ao tempo casado no regime da comunhão geral, entretanto enviuvou - ficando a sua posição ocupada por si mesmo, no estado de viúvo, e pelos filhos JC, JM e DA.

São, por conseguinte, os seis indicados sobrinhos os herdeiros de MI, pelo que teriam legitimidade para pedir o registo de determinado prédio da universalidade-herança, assim formalmente autonomizado, a seu favor, em comum e sem determinação de parte ou direito. A este nível, nenhum problema é levantado no presente processo.

Acontece, porém, que, entrelaçando-se o acervo hereditário de MI na universalidade que é a comunhão conjugal dissolvida por sua morte, a autonomização de um prédio do casal também teria a ver com os demais interessados,

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precisamente o viúvo e depois da morte deste os seus herdeiros.

Simplesmente, o singular da questão é que o direito do cônjuge sobrevivo sobre este prédio foi legado pelo mesmo viúvo, enquanto tal (já nesse estado), a um desses mesmos herdeiros da autora da herança, ou seja, à sobrinha ML. Como foi legado, não entra no cômputo dos bens herdados - e isso mesmo em juízo o reconheceram os únicos herdeiros do testador ("os herdeiros do ...").

Foi naturalmente por isso, que, com exclusão de outrem, os herdeiros do cônjuge mulher e a legatária do marido (ela própria, portanto, também uma entre aqueles herdeiros) se apresentaram, em conjunto, a requerer o registo a seu favor, do referido prédio do dissolvido casal de MI e A, em comum e sem determinação de parte ou direito. Daí, também, que não se vislumbre qualquer nulidade no acto, e muito menos "manifesta".

Mas, então, e o falado artº 1685°- do Cód. Civil?

7. Entendemos que a doutrina consagrada no

artº 1685º não é posta em causa pela solução dada ao presente caso.

Efectivamente, este artº 1685º, que teve por fonte o artº 7º do anteprojecto de BRAGA DA CRUZ (BMJ, 69, p. 375), veio resolver os problemas suscitados pelo correspondente preceito, o artº 1766º do Código de Seabra. Mas, do que se trata é de um preceito que, permitindo, em geral, a disposição por morte da meação nos bens comuns por parte de cada um dos cônjuges, não autoriza, em regra, essa disposição em relação a coisas certas e determinadas, salvo nas circunstâncias expressamente enunciadas nas excepções.

O contemplado - como diz a lei - apenas tem o direito de exigir o respectivo valor em dinheiro, no âmbito de uma norma que visa defender, não só o interesse do outro cônjuge e dos herdeiros legitimários, como também os interesses dos sucessores do outro cônjuge e dos sucessores do próprio testador.

O legislador de 1966 quis estabelecer a nulidade do legado em substância, deixando subsistir a sua validade quanto ao respectivo valor em dinheiro.

No Código há ainda uma outra disposição, a do artº 2252º que, situando-se na regulamentação dos legados em geral, através do seu nº 2, submete à disciplina do artº 1685º a deixa de coisa certa e determinada do património comum dos cônjuges, o que abrange a própria deixa de coisa certa pertencente à herança indivisa do cônjuge predefunto feita pelo viúvo (Ac. do STJ, de 28.JUN.74; Revista dos Tribunais, 93º, p. 106; OLIVEIRA ASCENSÃO, Sucessões, p. 321).

No caso que nos ocupa, ao invés, por um lado, não há herdeiros legitimários e, por outro lado, quando o testador dispõe apenas de "metade do prédio urbano, que me pertence, situado na Rua ..., nº ..." não pretende ir para além da sua meação, não deixando desprotegidos os interesses do "outro cônjuge", neste caso dos herdeiros dele (presentes no processo), nem os dos seus próprios - que estão para além do legado e, inclusivé, exabundantemente, o confirmaram de forma definitiva e muito claramente, no inventário judicial.

Quem é aqui "o contemplado"? O que é que ele pretende do registo?

Dos interesses em jogo, quais são os que se visa proteger? Viola-se algum?

Faltando de todo os elementos pressupostos na fattispecie do artº 1685º,o que entendemos é que não são aplicáveis ao caso os preceitos da respectiva estatuição, em termos de o arrastar a uma nulidade manifesta.

É certo que o testador não tinha ainda determinado o direito a metade - e talvez por isso, embora tivesse querido dispor dessa metade, aceita, à cautela, que a legatária venha a receber apenas o valor, depois da liquidação da sua meação, que pressupõe a liquidação do património do casal.

Mas esta circunstância não nos impede de respeitar a sua vontade, em primeira linha manifestada, pela correspondência que tem no contexto do testamento, "ainda que imperfeitamente expressa" (artº 2187º do Cód. Civil). Quando alguém faz testamento - e para mais testamento cerrado - nem sempre pode contar com a preparação de um jurista na formulação correcta do texto.

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8. Sendo esta, pois, a vontade conjectural do testador, melhor dizendo, a sua vontade real, e no processo civil, bem como no processo registral, a de todos os interessados, inequivocamente apurada, nos termos da lei, não se vislumbra ao nível do registo predial, em nome de que princípios lhes havemos de impor outra.

Pelo contrário, a solução aqui propugnada, sobre ser a única que o registador pode seguir, no âmbito da função que lhe compete, é a que melhor se ajusta ao princípio fundamental da liberdade testamentária, que no dizer de GALVÃO TELLES constitui "pedra angular" do direito sucessório (O Direito, 122, p. 200).

Vamos até supor que, em vez de ter logo feito testamento, com o legado a favor da sobrinha, o viúvo tinha optado por fazer o registo do prédio a seu favor e dos herdeiros da sua falecida mulher - entre os quais se incluía a mesma sobrinha -, também em comum e sem determinação de parte ou direito.

Se depois disso tivesse vendido o prédio a terceiro, conjuntamente com os demais interessados inscritos, o registo poderia ser feito a favor do comprador (e deste para a sobrinha, que dele adquirisse por qualquer título).

Como não o poderá ser agora, seguindo os mesmos passos, se a diferença é só a de concentrar num dos falados herdeiros a posição do cônjuge sobrevivo - e quando estão de acordo todos quantos a ratio legis do artº 1685º, nºs 1 e 2, visaria proteger? Ou será que é preciso "acordar o doente para lhe dar o remédio que o fará dormir"? Outrem poderia fazê-lo, nanja o conservador.

De resto, a aplicação do princípio do trato sucessivo tornaria inadmissível que não fosse consentido concentrar numa só inscrição, em termos de trato comprimido ou abreviado, aquilo que a lei permitiria que fosse registado por uma inscrição e pelo correspondente averbamento.

Aliás, foi com base neste mesmo tipo de raciocínio que os interessados pediram, e a Conservatória aceitou, numa única inscrição o registo a favor de todos os sucessores de MI, através de diversos óbitos.

Dada a especificidade do presente caso, mostra-se, pois, desnecessária a protecção a que conduziria uma interpretação que a partir da expressão lata "património comum" fizesse aqui

intervir a restrição do artº 1685º -e tanto bastará para afastar a ideia de "nulidade manifesta" que está na base da recusa impugnada. Em termos de registo predial, esta é a chave da questão. Mais longe não nos parece legítimo ir.

9. Ainda uma palavra quanto ao problema,

que os recorrentes levantam, do indeferimento do pedido de urgência. A doutrina assente nesta Direcção-Geral é a de que se trata de matéria que cabe dentro dos poderes discricionários do conservador, não se lhe aplicando as regras do recurso hierárquico. Da respectiva decisão só cabe recurso com fundamento em desvio de poder (Pºs 1/55-RP87, 287-RP87 e 1/94-RP93).

Em todo o caso, cumpre fazer notar que o conservador goza da presunção de que exerce o poder discricionário tendo em vista o fim legal, apenas ficando ao seu critério a escolha em cada caso do procedimento mais adequado.

E se é certo que o expediente da urgência "é sempre um remédio, uma solução que tem custos para os serviços e para o utente", também é verdade que uma conservatória com o serviço atrasado "deve facilitá-lo, já que se trata de uma faculdade atribuída aos interessados para permitir a salvaguarda dos seus direitos" (MOUTEIRA GUERREIRO, Noções de Direito Registral, p. 160).

Geralmente falando, de resto, a colaboração dos serviços com os utentes é uma obrigação legal das conservatórias na feitura dos registos e uma constante da doutrina deste Conselho Técnico (entre outros, Pºs 18/90, 123/92 e 75/93-RP4).

10. Somos, pois, de parecer que o presente

recurso merece provimento, na conformidade de quanto fica exposto e se sintetiza nas seguintes

Conclusões

I - A disposição, para depois da morte, por um dos cônjuges ou ex-cônjuge, de coisa certa e determinada do património comum do casal apenas dá direito ao contemplado de exigir o respectivo valor em dinheiro.

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II - Não deve, porém, ser recusado o pedido de registo de aquisição de determinado prédio do casal, em comum e sem determinação de parte ou direito, a favor de todos os interessados nessa aquisição (os herdeiros do cônjuge predefunto e o legatário do cônjuge sobrevivo testador, legatário que é simultaneamente um daqueles herdeiros).

Este parecer foi aprovado em sessão do

Conselho Técnico da Direcção-Geral dos Registos e do Notariado de 16.02.1994.

Ventura José Rocheta Gomes, relator, Luís

Gonzaga das Neves Silva Pereira, Maria Odete Monteiro Rabaça e Pires Coutinho de Miranda, José Augusto Guimarães Mouteira Guerreiro.

Este parecer foi homologado por despacho

da subdirectora-geral, em substituição, de 17.02.1994. Proc. nº 3/92 R.P.4 – Penhora. Cancelamento. Execuções fiscais. Apresentação complementar.

1. O Chefe da Repartição de Finanças de ...

interpõe recurso hierárquico da decisão do Conservador do Registo Predial de recusar o cancelamento do registo de penhora - inscrição nº 8366, de 3.MAI.88, lavrada sobre diversos prédios pela ap. 12, de 3.MAI.91.

Sobre o pedido recaiu o seguinte despacho: "Recusado: Faltam os documentos com o teor das inscrições matriciais dos prédios".

Outro despacho ainda indeferiu a urgência, que afinal não tinha sido requerida por este interessado, mas por terceiros cujos registos estavam dependentes do cancelamento. Na notificação do despacho de recusa, refere-se também que "tem a pagar 200$00".

2. Contra este despacho reagiu o requisitante

deduzindo a competente reclamação, na qual, de relevante para o presente processo, expende os seguintes argumentos:

- A alegada falta dos documentos matriciais não se verifica, já que um funcionário da Repartição os entregou pessoalmente na Conservatória, apesar de se entender que os mesmos são desnecessários para o cancelamento pretendido;

- Incompreensível é a dualidade de critérios seguidos pela Conservatória, pois em situações idênticas já foram lavrados, outros cancelamentos sem tal exigência;

- O cancelamento do registo de penhora em execução fiscal, efectuado nos termos do artº 58º do CRP, pode fazer-se com base em ofício autenticado da Repartição de Finanças, que refira a decisão que ordena o cancelamento, sendo tal acto gratuito – Pº nº 149-RP 39 da DGRN e ofício-circular da DGCI, nº 490-B, de Maio de 1942 e despacho homologatório do Ministro da Justiça, de 7 de Maio de 1942.

Nestes termos, solicita a revisão dos despachos, com a feitura dos cancelamentos solicitados e a isenção de pagamento de emolumentos.

3. O Sr. Conservador defere a reclamação

apenas na parte respeitante à gratuitidade do cancelamento, apesar de discordar, já que, no seu entender, não existe disposição legal que a determine.

Previamente, esclarece que a urgência respeitante à ap. nº 12, de 3.MAI.91, foi requerida pelas sociedades "...., Lda." e pelo mandatário da "...", afirmando a legitimidade destes, uma vez que os actos pedidos pelos mesmos não podiam ser lavrados sem que se mostrasse efectuado o cancelamento da penhora que impende sobre os prédios nºs.19995, 19996 e 19997.

O pedido de urgência foi indeferido; os actos de registo ficaram a aguardar a sua vez.

Este facto, indevidamente, admite, foi notificado ao Chefe da Repartição de Finanças.

Solucionado este ponto prévio, explica os motivos por que mantém a necessidade de junção dos documentos matriciais:

Nos termos do disposto no nº 1 do artigo 31º do CRP, nenhum acto pode ser lavrado sem que se comprove documentalmente o teor da inscrição matricial dos prédios.

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Ora, tratando-se de um averbamento, não pode ser lavrado provisoriamente; daí a sua recusa, e a sustentação da mesma.

Quanto à entrega dos documentos matriciais em falta elucidou o funcionário da Repartição de Finanças de que devia proceder à junção daqueles nos termos do artº 73º do CRP, isto é, em impresso-requisição; porém, o referido funcionário voltou, dias mais tarde, com as certidões desacompanhadas da requisição porque o Chefe da Repartição não achava tal necessário.

No entanto, a Conservatória recebeu os documentos avulsos, que foram arquivados, como manda o artº 16º, nº 2, do Decreto-Lei nº 129/91, de 2 de Abril.

4. Da parte da decisão que não foi reparada

pelo Sr. Conservador vem agora, tempestivamente, o presente recurso hierárquico.

Das alegações não ressaltam, de relevantes, aspectos novos, limitando-se o recorrente a transcrever os sucessivos despachos e demais diligências da Conservatória.

Cumpre, pois, emitir parecer. 5. Como se salienta na douta informação dos

Serviços Técnicos, a questão do cancelamento de penhora a favor da Fazenda Nacional foi efectivamente apreciada no processo nº 149-RP.39, tendo-se concluído que o referido cancelamento se pode fazer com base em ofício autenticado da Repartição de Finanças, onde se invoque a decisão que o ordena. Isto, já à luz do artº 58º do actual CRP (Boletim dos Registos e do Notariado, 8º, 10).

Anteriormente, muito embora na vigência do CRP de 1967, o Conselho Técnico debruçara-se sobre o problema, tendo chegado à mesma conclusão de que, com base em ofício, devidamente autenticado, do Chefe da Repartição de Finanças (nos Juízos fiscais) ou dos Chefes de Secretaria (nos Tribunais das Execuções Fiscais de ... e ...), do qual conste a decisão que ordena o cancelamento, sua data e a menção do seu trânsito em julgado, pode cancelar-se o registo das penhoras consequentes de execuções fiscais (Pº 9-RP.2).

Não se torna, pois, necessário dilatar as considerações a este propósito, até porque aquilo

que agora está em causa não é esta questão, nem sequer a da gratuitidade do cancelamento, igualmente tratada no Pº149-RP 39 e também já reconhecida pelo recorrido. O que está em causa é a questão da apresentação postecipada dos documentos matriciais.

6. Há que distinguir: uma coisa é a

necessidade da apresentação (lato sensu) desses documentos, para a realização do registo; outra coisa é o formalismo da própria apresentação.

O recorrente acabou por aceitar a primeira, por isso que enviou os documentos à Conservatória. A divergência entre registrador e registante está limitada ao formalismo da junção superveniente dos documentos: se sim, ou não, por meio de impresso de modelo aprovado, como é, em geral, exigido para a apresentação do pedido de registo (artº 41º do CRP).

Damos de barato que o caso dos autos não faça excepção à exigência do nº1 do artº 31º do CRP, pela obrigação de se comprovar o teor da inscrição matricial do prédio, por documento emitido com antecedência não superior a seis meses. Tal prova só é dispensada quando já anteriormente tiver sido feita, nos termos do nº 2 do mesmo artigo.

Aliás, a Secção I do Cap. III do CRP, referente à conjugação do registo e das matrizes prediais (artºs. 28º a 32º) não representa senão um reforço das garantias da correcta identificação dos prédios, cuja identidade o conservador deve sempre verificar (artº 68º) e cuja descrição actualizada é um postulado da eficácia do próprio sistema (artº 90º). As matrizes, mal ou bem, são o cadastro que temos.

E ainda que a inscrição matricial não acarrete qualquer presunção na ordem civil (a presunção do artº 8º do Código da Contribuição Autárquica tem apenas significado fiscal), o certo é que o direito registral não pode deixar de apoiar-se nela, para acreditar a própria existência do prédio - e, dando mais do que exige, indo ao ponto de conferir através dela a satisfação dos deveres fiscais por banda dos registantes.

Por tudo isto, não pode dispensar-se a conjugação prevista na lei, que é de imposição genérica para todos os interessados, incluindo os próprios Serviços fiscais - ou a começar por eles

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mesmos. Como assim, é legal a exigência da apresentação dos documentos matriciais.

Mas, se não foram apresentados ab initio, será indispensável uma nova apresentação de natureza complementar, nos termos previstos no nº 2 do artº 73º do CRP? Ou bastará enviar os documentos à conservatória, para serem juntos ao processo?

7. Ainda aqui, importa fazer uma distinção. Se se pergunta se os documentos em falta

devem ser objecto de uma apresentação complementar, a resposta não pode deixar de ser afirmativa. Mas se se procura saber se para essa apresentação é preciso que o pedido seja formulado em impresso-requisição de modelo oficial, então a resposta é decididamente negativa.

O meio técnico adequado ao suprimento de deficiências do processo de registo, por falta de elementos, é, consabidamente, uma nova apresentação de documentos para sanar essas deficiências. Não se pode introduzir ou juntar quaisquer elementos destinados a fazer parte do processo senão através da competente anotação do livro Diário - o que bem se compreende num sistema de registo que se estriba no princípio da legalidade e encontra no princípio da prioridade a razão da sua segurança.

Nessa parte é correcta a posição do Sr. Conservador. Os documentos que não são legitimamente introduzidos no processo de registo não podem fazer parte desse processo.

Mas fenece-lhe razão quando exige um pedido formulado em impresso de modelo aprovado (artº 41º do CRP), como se a apresentação complementar não tivesse o mesmo tratamento de excepção da apresentação complementada.

Não há qualquer justificação para uma excepção à excepção.

Como justamente dizem os Serviços Técnicos, "quem permite o mais permite o menos". Até por uma questão de principio, não faria sentido exigir para a apresentação complementar um formalismo que não se exigiu para a apresentação respeitante ao próprio pedido.

8. Somos, pois, de parecer que o recorrente

deve apresentar na Conservatória, para poder ser

anotado no livro Diário, o pedido de junção dos documentos, nos termos e para os efeitos do disposto no nº 2 do artº 73º do CRP, prevalecendo-se da faculdade, reconhecidamente em vigor, de o fazer por ofício devidamente autenticado.

Como, porém, no momento da apresentação complementar, se trata de documentos já existentes na Conservatória, não terá senão que oferecê-los à qualificação do conservador, no processo de cancelamento.

Isto significa que entendemos não merecer provimento, sem mais, o recurso contra a recusa do averbamento de cancelamento pedido. Sem embargo, não deixamos de sublinhar que a função de assessoria que compete ao registrador não se compadece com a ausência de uma eficiente colaboração entre os serviços e destes, em geral, com o utente, no sentido que temos vindo a preconizar, de que os registos são para se fazer (cfr. "O Direito", 1990, I, p. 71).

Ou, como se escreveu no Pº 18/90-RP.4, "é óbvio que alguns destes obstáculos - ou todos eles - teriam sido de fácil remoção, ou não teriam sequer existido, se houvera colaboração no suprimento das deficiências do processo, a que numa visão moderna do que é o registo estão legalmente obrigados os serviços e, naturalmente, os interessados". O problema assume especial acuidade quando se trata de serviços públicos.

Sintetiza-se a doutrina exposta nas seguintes

Conclusões

I - O pedido de registo deve ser apresentado pelos interessados em impresso de modelo aprovado.

II - O cancelamento dos registos de penhora em processo de execução fiscal pode, porém, ser pedido por meio de oficio devidamente autenticado.

III - O mesmo regime de excepção se aplica, nesses casos, à faculdade de apresentação complementar para junção de documentos, prevista no nº 2 do artº 73º do Código do Registo Predial.

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Este parecer foi aprovado em sessão do

Conselho Técnico da Direcção-Geral dos Registos e do Notariado de 11.03.1992.

Ventura José Rocheta Gomes, relator, Maria

Ferraro Vaz dos Santos Graça Soares Silva, Luís Gonzaga das Neves Silva Pereira, José Augusto Guimarães Mouteira Guerreiro, Maria Odete Monteiro Rabaça e Pires Coutinho de Miranda.

Este parecer foi homologado por despacho do director-geral, de 13.03.1992.

Proc. nº 4/92 R.P.4 – Aumento de capital. Sócio divorciado. Subscrição do aumento.

1 - "..., Limitada" recorre hierarquicamente

da decisão que, na Conservatória do Registo Comercial do ... (Secção), foi proferida no sentido do indeferimento da reclamação que apresentara contra a recusa em ser lavrado o acto de registo apresentado sob o nº. 3, em 6 de Junho de 1991.

A recusa foi motivada por subsistirem as dúvidas anteriormente opostas à inscrição do aumento de capital da recorrente, do qual fazia, parte uma quota de 140 000$00 pertencente ao sócio JASS, casado com ER. Da escritura que titula o aumento constava que a esse sócio passou a pertencer uma quota de 400 000$00, mas no estado de casado com RGNS.

2 - Na reclamação afirma-se ter sido

apresentada prova do divórcio do sócio JS da sua 1ª mulher ER e de que, posteriormente, contraiu casamento com RGNS. No entanto, não houve partilha pela dissolução do 1º casamento.

Deste modo, a quota em causa continua a ser "coisa comum" do sócio e de sua ex-mulher E. Porém, só ele JA é sócio e gerente.

O Código das Sociedades Comerciais (CSC) indica claramente (artº. 8º, nº. 2) que, apesar da quota ser comum, só um dos cônjuges é sócio e gerente. Por isso, apenas o marido JA, que foi o outorgante do contrato de sociedade, seria admitido (como foi), a votar a deliberação do aumento de capital (artº. 8º, nº. 1 do CSC).

Acresce que, não era pelo facto de se ter divorciado da 1ª mulher E. que perdia a sua qualidade de sócio e gerente, nem, por outro lado, ela a ganhou.

O divórcio dá-lhe apenas o direito de exigir a partilha dos bens do dissolvido casal - o que, aliás, está na única disponibilidade dos ex-cônjuges e só deles. Não é pelo facto de a quota não ter sido partilhada que a sociedade fica impedida de realizar o deliberado aumento de capital. Portanto, o registo deve ser feito e apenas terá de mencionar que a quota não foi ainda partilhada.

A recusa foi ilegal devendo, consequentemente, lavrar-se a inscrição definitiva do aumento de capital.

3 - No despacho que indeferiu a reclamação

começa por se observar que não está em causa a qualidade de sócio ou de gerente do referido JA, mas sim a titularidade da quota - que pertence ao seu dissolvido casal.

Sem haver partilha não pode registar-se uma quota pertencente "a um casal comum, reforçada com outra", adquirida já na constância de um segundo matrimónio.

Depois de ter caducado um primeiro registo de aumento de capital, feito provisoriamente por dúvidas pelo mesmo motivo, a sociedade veio novamente pedi-lo, pelo que é correcta a recusa.

4 - A sociedade interessada na realização do

acto e discordante desta decisão, vem interpor o presente recurso hierárquico. Acentua, de novo, que sócio é apenas o indicado JA e não também sua ex-mulher E.

O aumento de capital só pode ser deliberado pelos sócios (artº. 85º, nº. 1 do CSC). Por isso, a ex-cônjuge nem sequer podia ter tomado parte na deliberação. Também não era necessária a sua intervenção na escritura.

O divórcio e o facto de os ex-cônjuges não terem efectuado a partilha são circunstâncias insusceptíveis de impedir o registo do aumento de capital, com a acordada repartição de todas as quotas.

A quota em questão continua a pertencer ao sócio JA e a sua ex-mulher e "o aumento" que a mesma teve "mantém intocável" a sua titularidade. Mais: a sociedade é que não pode ficar prejudicada

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pelo facto daquele seu sócio não ter procedido à partilha pelo divórcio, nem tem meios para o obrigar a tal.

Quando no despacho impugnado se pretende impor à sociedade essa obrigação - que não é legalmente imposta - significa que se está a praticar uma ilegalidade. Deve, pois, ser revogado, dando-se provimento ao recurso e determinando-se que se efectue o pretendido registo do aumento de capital.

Cumpre, agora, emitir parecer. 5 - Os dados da questão são simples, mas a

recorrente, apesar de invocar argumentos válidos, não equaciona o único aspecto essencial: o da unificação da quota.

A quota do sócio JA "aparece", na nova redacção (consequente ao aumento de capital) que foi dada ao artº. 3º do contrato de sociedade, como tendo o valor de 400 000$00. Como? É sabido que a quota representa uma parte certa do capital. Não pode ser de importância indeterminada, nem obviamente tem um valor elástico.

Por isso, se o sócio tinha uma quota de 140 000$00 e ficou a ter uma de 400 000$00 é necessário, antes do mais, apurar o modo como se efectuou o aumento e se ele era legalmente admissível.

6 - Na sociedade por quotas o CSC prevê

que o aumento de capital se concretize através de entradas (em bens ou em dinheiro) dos sócios (tanto dos já existentes como de novos) ou por incorporação de reservas.

Neste último caso, diz o nº. 1 do artº. 92º que lhe corresponderá um proporcional aumento do valor nominal da quota, salvo se estiver convencionado outro critério. Quer assim dizer que a participação do sócio no capital social, representada pela sua quota, fica acrescida. Não é, portanto, subscrita qualquer importância, nem uma outra quota, mas antes e apenas aumentada a já existente.

Diversa será a situação se o aumento de capital é realizado em bens ou em dinheiro. Determina neste último caso o artº. 266º que os sócios gozam do direito de preferência e que, quando a parte, relativamente a cada sócio, "não

for bastante para formar uma nova quota, acrescerá ao valor nominal da quota antiga". Parece, portanto, que não se estabelece um mero aumento da quota existente se a entrada for suficiente para formar uma outra quota. Haverá então, ou pelo menos poderá haver, uma nova quota. Esta concepção da lei, que prevê em determinados casos de aumento de capital a criação de novas quotas, ressalta ainda de outras disposições do CSC, designadamente do nº. 4 do artº. 269º.

Efectivamente, não teve o acolhimento do Código a ideia, defendida por Vaz Serra e Raúl Ventura (e vigente em alguns países, como a Áustria), da chamada "parte única permanente", segundo a qual as ulteriores subscrições do sócio se devem fundir na sua quota (cf. Raúl Ventura, "Sociedades por Quotas", I, pág. 375). Vingou antes a tese do Anteprojecto de Ferrer Correia (artº. 43º - cf. Ferrer Correia, Vasco Xavier, Mª. Ângela Coelho e António Caeiro - "Sociedades por Quotas de Responsabilidade Limitada", pág. 48) segundo o qual a parte única inicial do sócio pode coexistir com a posterior pluralidade de quotas que venha a adquirir. Acentuou-se ainda: "continua a valer o princípio (...) da autonomia da quota primitiva, em relação às posteriormente adquiridas pelo mesmo titular" (idem, pág. 49). Assim, não há mais dúvidas de que "a quota primitiva de um sócio e as posteriormente adquiridas são independentes" (cf. Meneres Pimentel, CSC, Anotado, pág. 192). O nº. 1 do artº. 219º apenas exige a quota única, correspondente à entrada inicial, sendo facultativa a unificação com as que o sócio posteriormente subscrever ou vier a possuir (nº . 4) . O sistema da quota inicial única "é compensado" com a ulterior "voluntária unificação" (cf. Raúl Ventura, op. cit., pág. 376).

7 - No caso, não ficou claramente titulado se

o aumento, realizado em dinheiro, formou uma nova quota, que o sócio tivesse unificado com a anterior. Mas, para além do que se fez, importa principalmente analisar o que validamente poderia ter sido feito.

É que o sócio possuía a sua quota no estado de casado em comunhão geral com uma mulher e veio a subscrever o aumento depois do divórcio e de um segundo casamento. Ora, pela dissolução do 1º casamento, cessou a comunhão conjugal - e,

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independentemente da perspectiva que se possa ter sobre a sua natureza jurídica - o facto é que passou a pertencer a título diferente aos dois ex-cônjuges.

Ora, como se disse no Proc. nº. 76/90-R.P.3, "é sabido que a pessoa solteira, casada ou viúva já não é juridicamente a mesma".

Quer dizer que, no momento em que foi subscrito o aumento de capital, o sujeito que possuía a quota primitiva era "juridicamente outro".

Esta a questão nuclear decorrente dos princípios do nosso direito que as disposições do CSC citadas pela recorrente não vieram alterar nem, evidentemente, o pretendiam fazer.

De resto, como escreveu Raúl Ventura, "quota primitiva" não pode equivaler a "quota que o sócio possua no momento em que adquire outra" (op. cit. pág. 380).

8 - Teremos agora de perguntar: no caso em tabela teria de ser subscrita uma nova quota? Embora pareça que não foi a verdade é que teria de ser. Como é óbvio, não se podem somar coisas de espécie diferente.

Isto é: não podia o sócio adicionar, na constância do 2º casamento, a importância da subscrição necessária ao aumento de capital, com a que correspondia à quota existente, que era sua em comunhão conjugal com a primeira mulher. Nem tão pouco poderia subscrever uma nova quota e unificá-la com a anterior.

Tornava-se, assim, impossível concretizar o pretendido aumento de capital como parece pretender a recorrente? De modo algum. A deliberação foi válida e era possível visto que, como acertadamente diz, sócio é o que possui a quota e não o seu cônjuge. A participação na vida da sociedade só a ele diz respeito.

Simplesmente, como isso não está em causa, nem tem nada a ver com o notório facto de não se poderem adicionar coisas diversas, o sócio, agora casado com RG, deveria ter subscrito a nova quota, (correspondente ao aumento), mas não a iria juntar com a que tinha no estado de casado com a ER, unificando-as indevidamente. Depois, o artº. 3º do contrato de sociedade só teria que traduzir essa realidade: dir-se-ia que o capital corresponde à soma das quotas de (...) e a outras duas do sócio JASS, sendo uma no valor de cento e quarenta mil escudos no estado de casado com ER, e outra de

duzentos e sessenta mil escudos no estado de casado com RGNS.

9 - Vemos, pois, que as dúvidas inicialmente

levantadas ao registo do aumento de capital foram pertinentes, e, não tendo sido removidas, continua a não haver alternativa à recusa.

Consequentemente, somos de parecer que o recurso não merece provimento, de acordo com as seguintes

Conclusões

I - Quando a quota for, por força do regime matrimonial de bens, comum aos dois cônjuges, é havido como sócio, nas relações com sociedade, aquele que a subscreveu. II - No entanto, sendo o casamento dissolvido por divórcio e permanecendo a quota por partilhar, não deve a mesma ser aumentada, por efeito de nova subscrição em dinheiro que o sócio faça posteriormente à dissolução do casamento.

III - Em tal caso, deverá a importância da subscrição ser representada por nova quota - que não poderá ser unificada com a primeira.

Este parecer foi aprovado em sessão do Conselho Técnico da Direcção-Geral dos Registos e do Notariado de 11.03.1992.

José Augusto Guimarães Mouteira

Guerreiro, relator, Maria Ferraro Vaz dos Santos Graça Soares Silva, Ventura José Rocheta Gomes, Maria Odete Monteiro Rabaça e Pires Coutinho de Miranda, Luís Gonzaga das Neves Silva Pereira.

Este parecer foi homologado por despacho do director-geral, de 13.03.1992.

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Proc. nº 6/92 R.P.4 – Averbamentos às descrições – Legitimidade para os pedir.

1. AIA interpõe recurso hierárquico do

despacho do Sr. Conservador do Registo Predial de ...que indeferiu a reclamação contra a recusa do pedido de cancelamento que teve a apresentação nº 10 de 19/1/1990 daquela Conservatória e contra a provisoriedade por dúvidas do registo de hipoteca pedido pela apresentação seguinte.

Os actos pedidos referiam-se ao prédio nº 00159/160586-... .

Da respectiva descrição constava que era um prédio sito na ..., a confrontar do norte, sul e nascente com particulares e do poente com caminho, composto de terra de cultura arvense, amendoeiras, figueiras e sobreiros, com a área de 9760m2 e o artigo 82º, Secção AG, que passara a misto por nele ter sido construído um edifício de rés-do-chão para habitação com a área coberta de 49,5m2, ainda omisso na matriz.

Sobre ele fora efectuada, em 16/5/1986, uma primeira inscrição de aquisição, a favor de JM e sua mulher, e depois, em 27/11/1986, uma segunda, a favor de APR, por compra àqueles. Posteriormente, em 14/5/1987, fora lavrado o registo da acção de simulação que o recorrente moveu contra aqueles três titulares e AA, em que pedia que fosse declarada a nulidade da venda feita pelos réus JM e mulher à ré APR, com as consequências previstas no artigo 2892, nº 1, do Código Civil, e que fosse ordenado o cancelamento do registo de aquisição para esta.

O primeiro dos dois actos de registo a que se reporta a reclamação é o cancelamento desta inscrição de acção.

Para o instruir o interessado apresentou uma certidão emitida pelo tribunal competente, que provava que a acção de simulação terminara por desistência da instância por parte do seu autor, desistência aceite pelos réus para os efeitos previstos no artigo 296º, nº 1, do Código do Processo Civil, e reconhecida por sentença transitada em julgado.

Esta sentença homologava, nos termos do artigo 300º, nºs 1 e 3, do mesmo diploma, a desistência da instância formalizada por transacção extrajudicial (por se verificar que esta era legal quanto ao objecto e à qualidade das partes nela

intervenientes), celebrada por escritura pública em que os outorgantes (o ora recorrente, autor na acção de simulação, e os réus APR e AA) acordavam em pôr termo por transacção àquela acção, desistindo o seu autor da instância e em contrapartida confessando-se a ele devedor da quantia de 5 000 000$00 (acrescida dos juros compensatórios à taxa máxima permitida por lei) o réu AA e constituindo a ré APR, a favor do autor desistente, para garantia dessa dívida, hipoteca sobre o prédio em causa, identificado na escritura tal como resultava da respectiva descrição predial.

E assim, com base nessa escritura, porque também era de constituição de hipoteca, foi feito o segundo pedido a que se refere a reclamação, o do registo da hipoteca.

Os pedidos foram instruídos também com certidão dos artigos 82º, Secção AG, e urbano 523º, emitida dias antes das apresentações, pela qual se verificava que o artigo cadastral coincidia com a descrição predial na área de 9760m2 e que o artigo urbano (casa de rés-do-chão para habitação e logradouro, sita na ..., confrontando de todos os lados com o próprio) tinha a área coberta de 49,5m2 e a descoberta de 9715,5m2.

No verso da requisição dos dois actos de registo, o seu apresentante, advogado do recorrente com procuração nos citados autos de simulação e na escritura de transacção e constituição de hipoteca, declarou complementarmente que o artigo urbano era o 523º.

Conforme entendimento do Sr. Conservador, expresso no despacho de recusa, por forma embora menos clara, o primeiro pedido (cancelamento da inscrição de acção) implicava a actualização oficiosa da descrição predial, que não podia ser efectuada provisoriamente, o que seria o caso não só por a matriz certificar que os dois artigos possuíam área idêntica (o que não era de admitir), como também por as declarações complementares relativas ao artigo urbano da descrição só poderem ser prestadas pelo seu proprietário inscrito. A impossibilidade de efectuar o averbamento de actualização ocasionava por sua vez dúvidas ao registo pedido, no caso a efectuar também por averbamento, pelo que este tinha de ser recusado por a sua natureza não permitir que fosse lavrado como provisório.

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Estas foram as razões que conduziram à recusa, mas que o Sr. Conservador não justificou com a menção das disposições legais em que se fundavam.

As dúvidas apontadas pelo Sr. Conservador como determinantes da provisoriedade do registo da hipoteca foram as mesmas atrás indicadas relativas aos artigos matriciais e à descrição predial, porquanto as que na altura levantou quanto aos juros e montante máximo a garantir pelo registo considerou-as ultrapassadas mais tarde, e bem, no despacho de indeferimento parcial da reclamação, pelo que averbou então à inscrição de hipoteca os elementos nela em falta.

2. Dos despachos de recusa e dúvidas

reclamou o interessado para o Conservador com alegações que revelavam não ter atingido o sentido e alcance das razões por este invocadas.

Na verdade, quanto ao primeiro acto: Afirmou que, a existir incerteza sobre a área

do prédio, esta proviria da própria certidão matricial, pelo que, nessa medida, o acto, quando muito, poderia ser efectuado como provisório por dúvidas, mas nunca recusado.

Formulou considerações quanto às declarações complementares prestadas no verso da requisição, as quais, segundo ele, apenas respeitavam aos juros garantidos pela hipoteca, e que podiam ser corrigidas ou até ignoradas pelo Conservador.

Considerou que o pedido não era um "acto por condição", mas sim a desistência da instância, homologada por sentença, plenamente eficaz para pôr termo à causa.

E quanto ao segundo acto afirmou que o montante do capital e acessórios do crédito constava das declarações complementares, em conformidade com os termos da transacção formalizada pela escritura, e que a hipoteca apenas garante o pagamento da dívida, mas não a cria nem fixa o seu montante.

3. No despacho em que apreciou a

reclamação o Sr. Conservador sustentou que o reclamante pedira que se fizesse um averbamento à descrição para o efeito de nela figurar a menção do artigo urbano 523º, pois que, a assim não se entender, a declaração complementar prestada

quanto ao artigo urbano não teria qualquer sentido útil.

Contudo, tal declaração não poderia ter tido acolhimento, pois que o reclamante, a par de não ser o proprietário inscrito do prédio, não procedera à notificação judicial da proprietária efectivamente inscrita, APR, pelo que não estavam verificados os pressupostos exigidos pelo artigo 38º do Código do Registo Predial para que o averbamento do artigo urbano pudesse ser feito.

Por isso mantinha a recusa do primeiro acto e a provisoriedade por dúvidas do segundo, sem embargo de, quanto a este, considerar removida a dúvida levantada quanto aos juros e montante máximo do crédito garantido.

4. Inconformado o interessado recorreu

hierarquicamente, afirmando que a divergência entre ele e o Conservador se limitava agora aos efeitos a extrair da certidão matricial e que nunca requerera, como o recorrido sustentava, que se fizesse um averbamento à descrição para nela ser mencionado o artigo urbano 523º.

Aliás, o prédio já passara a misto e por isso não se tratava de averbar o edifício, que já constava da descrição, mas apenas o artigo que lhe fora atribuído na matriz, averbamento a efectuar oficiosamente, nos termos do artigo 90º, nº 1, do Código do Registo Predial, uma vez que a alteração constava "de documento expedido por entidade competente para comprovar o facto".

Além disso, a proprietária inscrita interviera na escritura da transacção e constituição da hipoteca, onde o prédio fora identificado tal como resultava da sua descrição, isto é, prédio misto, inscrito na matriz cadastral sob o artigo 82º, Secção AG, e "omisso na matriz urbana mas apresentada já a declaração para a sua inscrição" em 28/5/1987.

Assim, a única dúvida que poderia subsistir seria a relativa à área do prédio na sua totalidade, mas como o artigo cadastral tinha a área de 9760m2 e o urbano praticamente a mesma área total, a única ilação possível era a de que o artigo rústico fora eliminado por ter ficado a constituir logradouro do edifício nele construído.

Como quer que fosse, não se justificava a recusa do cancelamento, pois que este não

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dependia senão da certidão extraída dos autos de simulação, comprovativa da extinção da instância por desistência, sendo para o caso irrelevante que a certidão matricial contivesse um erro, substancial ou não, mas em qualquer caso não imputável ao requisitante.

Já no tocante ao registo de hipoteca a dúvida seria lícita, não nos termos em que o Conservador a colocara, pois o recorrente não pedira, nem tinha de pedir, qualquer averbamento à descrição, mas relativamente à área total do prédio, dúvida sanável por apresentação de nova certidão compro- vativa da eliminação do artigo rústico.

5. Cumpre emitir parecer. As inscrições matriciais cadastral do artigo

82º, Secção AG, e urbana do artigo 523º são incompatíveis, pois não podem existir em simultâneo com os elementos que actualmente contêm de identificação dos prédios a que correspondem.

É que, por uma parte, tendo o prédio a que corresponde a primeira a área total de 9760m2 e o que corresponde à segunda a de 9765m2, não poderão os dois juntos constituir a descrição predial em causa, cuja área total é de 9760m2.

Por outra parte, as confrontações do prédio indicadas na segunda (confronta de todos os lados com o próprio) só poderão ser verdadeiras se o prédio não tiver logradouro ou, tendo-o, for de área inferior à nela mencionada de 9715,5m2; mas se isso se não verificar aquelas confrontações terão de ser harmonizadas com as constantes da descrição predial, sendo, pelo poente, um caminho, e pelos outros lados, terceiros particulares.

Estas incompatibilidades terão de ser sanadas mediante alteração das matrizes, quer pela eliminação da inscrição do artigo 82º, Secção AG, e rectificação das confrontações da inscrição do artigo 523º, quer pela rectificação da área do logradouro do prédio a que este artigo se refere e alteração da composição do prédio a que corresponde aquela inscrição cadastral com a menção de uma parcela urbana.

Tal como as matrizes se encontram não poderia proceder-se à actualização da descrição por não haver a certeza quanto aos seus próprios termos (se prédio misto, formado pelos artigos cadastral 82º, Secção AG, e urbano 523º), se

prédio urbano, inscrito na matriz sob o artigo 5232), sendo certo que o carácter definitivo dos registos que forem feitos sobre a descrição depende dessa sua actualização (artigo 28º do Código do Registo Predial).

6. Não fora essa incerteza, e se a alteração da

descrição consistisse apenas no facto de já se encontrar inscrito sob o artigo 523º o edifício que dela constava como ainda omisso na matriz, poderia a actualização ser feita, mesmo sem intervenção da pessoa com legitimidade para a pedir, pois que a alteração constava de documento expedido por entidade competente para comprovar o facto (a caderneta predial do artigo).

De facto, de acordo com o artigo 38º do Código do Registo Predial, os averbamentos às descrições só podem ser pedidos pelo proprietário ou possuidor definitivamente inscrito ou com a sua intervenção, e, não o havendo, por qualquer interessado inscrito ou com a sua intervenção, ou ainda por qualquer interessado inscrito que tenha requerido a notificação judicial do proprietário ou possuidor inscrito, sem oposição deste.

E segundo o artigo 90º, nº 1, do Código do Registo Predial, os elementos das descrições só podem ser actualizados oficiosamente (obviamente por averbamento), não constando a alteração de documento expedido por entidade competente para comprovar o facto (caso em que nada mais é necessário), se se verificar a intervenção da pessoa com legitimidade para pedir a actualização.

Não obstante, o Sr. Conservador afirma, no despacho de recusa, que as declarações quanto ao artigo urbano só podiam ser prestadas pelo proprietário inscrito, e diz, no despacho de indeferimento da reclamação, que no caso dos autos não se verificavam os pressupostos exigidos pelo artigo 38º para que pudesse ser feito o averbamento do artigo urbano à descrição, pois quem fizera a declaração do artigo fora o recorrente e nem ele era o proprietário inscrito nem tinha requerido a notificação judicial da pessoa como tal inscrita, como poderia ter feito por ele próprio ser um interessado inscrito.

7. Como vimos, a actualização da descrição

não podia ser feita. Não bastava deduzir que o artigo cadastral fora eliminado (como sugeriu o

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recorrente), antes era necessário prová-lo através dos documentos bastantes emanados da matriz (como o recorrente acabou por admitir).

Impunha-se por esse motivo a recusa do averbamento de cancelamento, de acordo com o artigo 69º, nº 2, in fine, do Código do Registo Predial, porque, contrariamente ao que o recorrente sustenta, tal averbamento não admite, por sua natureza, a provisoriedade, e impunha-se também a provisoriedade por dúvidas da inscrição de hipoteca (artigo 70º do diploma).

Uma divergência que parece ter passado despercebida ao Sr. Conservador, que a ela não se referiu, apesar de não se mostrar feita a prova exigida pelo artigo 46º, nº 1, alínea a), in fine, do Código do Registo Predial, foi a relativa ao estado civil do recorrente, identificado como solteiro na inscrição da acção e na escritura de transacção e constituição da hipoteca, e como divorciado na requisição do registo de hipoteca, no próprio registo desta e na petição do recurso.

8. Termos em que somos de parecer que o

recurso não merece provimento e que do exposto se poderão extrair as seguintes

Conclusões

I - Os averbamentos às descrições só podem ser pedidos pelas pessoas previstas no artigo 38º do Código do Registo Predial ou com a sua intervenção.

II - A actualização oficiosa das descrições, a menos que a alteração conste de documento expedido por entidade competente para comprovar o facto, não pode ser feita sem a intervenção das pessoas com legitimidade para pedir aqueles averbamentos.

Este parecer foi aprovado em sessão do

Conselho Técnico da Direcção-Geral dos Registos e do Notariado de 07.04.1992.

Maria Odete Monteiro Rabaça e Pires Coutinho de Miranda, relatora, Maria Ferraro Vaz dos Santos Graça Soares Silva, Ventura José Rocheta Gomes, Luís Gonzaga das Neves Silva Pereira, José Augusto Guimarães Mouteira Guerreiro.

Este parecer foi homologado por despacho do director-geral, de 10.04.1992.

Proc. nº 7/92 Not.3 – Emolumentos. Isenções. Participações emolumentares dos notários e oficiais.

A "..., S.A.", sociedade comercial anónima

com sede na ..., ..., ..., NIPC ..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de ... sob o nº 72, solicita a restituição dos emolumentos e demais encargos legais, no montante global de 1 095 990$00, pagos no Cartório Notarial de ..., pela escritura de fusão, por incorporação na requerente da sociedade comercial por quotas “..., Limitada", que teve a sua sede na Rua ..., nº ..., ..., ... com base no facto de tal isenção lhe ter sido concedida por despacho de 8/6/1991, de S. Exa. o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, nos termos do artº 1º, do Decreto-Lei 404/90, de 21/12.

A conta de que se reclama abrange um imposto, o do selo, e emolumentos.

No tocante ao imposto do selo não estamos perante uma isenção automática, mas sim perante uma isenção dependente de reconhecimento artº 4º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (vidé também o arte. 16º do mesmo Estatuto).

Na data da outorga da escritura - 30/04/1991 - ainda não tinha sido proferido o despacho que concedeu a isenção (este foi lavrado, segundo o oficio da Direcção Geral das Contribuições e Impostos, junto ao processo, em 8/6/1991, e comunicado aos interessados em 24 do mesmo mês); por isso o acto, e muito bem, foi instruído com o conhecimento comprovativo do pagamento da sisa devida pela transferência dos imóveis da sociedade incorporada para a incorporante e foram cobrados os emolumentos e o selo estipulados nas respectivas Tabelas.

Em sede de impostos, portanto, designadamente do selo, que nos termos legais foi liquidado, cobrado e depositado pelo cartório de

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acordo com o disposto nos artºs. 205 e 215 do Código do Notariado (a Sra. Notária confirma o depósito em oficio junto ao processo), à data em que se efectuou a sua liquidação e cobrança, o imposto era devido.

Quanto à sua restituição só o Senhor Ministro das Finanças (ou a pessoa em quem delegou poderes para tal) tem competência para a ordenar artºs. 254, 255 e 257 A, do Regulamento do Imposto do Selo (sobre o processo ver "Restituição do Imposto do Selo" - Processo - Laurentino da Silva Araújo, Atlantida Editora, Coimbra, 1971).

Fica, assim, a presente reclamação de conta confinada às quantias cobradas a título de emolumentos, ou seja à importância global de 377 509$00, pois só esta constituiu receita do cartório.

A lei que prevê a isenção emolumentar em causa - Decreto-Lei nº 404/90 - fixa os pressupostos para a sua concessão e exige que a verificação da existência desses mesmos pressupostos seja feita, casuisticamente, pelo Senhor Ministro das Finanças.

No caso em apreço constata-se que a lei já existia ao tempo da celebração da escritura e que a entidade que proferiu o despacho declarativo da isenção, não obstante a estranheza que causa o facto de uma isenção de emolumentos, que constituem receita de serviços dependentes do Ministério da Justiça, dever ser apreciada pelo Senhor Ministro das Finanças, tinha competência para o fazer (artº 3º do referido Decreto-Lei 404/90).

Assim, e tendo em consideração que a lei não exige que o despacho declarativo da isenção tenha de ser prévio relativamente à feitura do acto, uma vez que a isenção foi concedida afigura-se-nos que há que proceder à restituição do que a mais foi cobrado.

Torna-se pois necessário averiguar, antes de proceder à restituição de emolumentos solicitada, se estes foram cobrados indevidamente na sua totalidade ou se há uma parte, e qual o respectivo montante, que era devida.

Desde logo, no caso concreto, se verifica que não pode ser retirada ao notário e seus oficiais a comparticipação emolumentar por eles recebida relativamente ao acto em causa, pois a ela tinham

direito na data em que a receberam, já que não existia qualquer despacho de isenção.

Há que averiguar, porém, como seria se a isenção já existisse à data em que a escritura foi exarada.

No Proc. 98/91, R.P.4, que levantava um caso semelhante ao presente, o Exmo. Relator, Sr. Dr. Rocheta Gomes, defendeu, de forma clara e convincente, que as isenções emolumentares, constantes das várias leis avulsas que têm vindo a ser publicadas, não abrangem os emolumentos pessoais e as importâncias correspondentes às participações emolumentares dos conservadores, notários e respectivos oficiais pelos actos em que estes intervierem.

Este processo foi homologado pelo Exmo. Director Geral e mereceu despacho de concordância de Sua Excelência a Secretária de Estado da Justiça.

Posteriormente à data da elaboração do parecer citado, foi publicado o Decreto-Lei nº 164/92, de 5/8, cujo conteúdo vem reequacionar o problema do alcance da isenção de emolumentos concedida pelo Governo, em vários diplomas legais que tem, ultimamente, publicado em termos que não permitem entendimento diverso daquele que no indicado parecer foi defendido.

O vencimento dos notários, conservadores e respectivos oficiais é constituído por uma parte fixa e uma parte emolumentar – artºs. 52 e 61 da Lei Orgânica do Serviços dos Registos e do Notariado - sendo a parte fixa calculada de acordo com a classe do lugar (esta depende do rendimento do cartório ou conservatória) e a respectiva categoria profissional, e a parte emolumentar calculada por aplicação das percentagens estabelecidas na aludida Lei Orgânica à receita dos cartórios e conservatórias. Quer dizer: a Lei fixa o vencimento dos notários, conservadores e respectivos oficiais em função do montante dos emolumentos cobrados pelos actos que efectuam.

Ora a lei tem vindo a estabelecer, sucessivamente, a isenção do pagamento de emolumentos relativamente a um número cada vez maior de actos, alguns muito complexos, como é o caso das fusões e cisões previstas no Decreto-Lei nº 404/90, em causa. Para as estudar, minutar e lavrar tem de se dispender bastante tempo, tempo durante o qual podiam ser exarados muitos outros

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actos, mais simples, e que não gozam de qualquer isenção.

Na prática, a aplicação literal da norma que estabelece a isenção levaria a que os cartórios que se dedicassem à feitura dos actos enumerados no Decreto-Lei nº 404/90, veriam o seu trabalho e o seu esforço (todos os actos previstos neste diploma legal são, repete-se, complexos, longos e difíceis) retribuído com ... uma diminuição do vencimento dos respectivos funcionários face àqueles outros cartórios que lavraram durante todo o mês apenas compras e vendas, por exemplo, ainda que ao abrigo do sistema "Crédito-Jovem".

Do exposto afigura-se-nos que resulta evidente a impossibilidade de fazer uma tal interpretação das mencionadas disposições legais pois isso brigaria com o estabelecido no artº 59, nº 1 a) da Constituição que fixa para trabalho igual, salário igual. Aliás, mesmo quem não tivesse qualquer formação jurídica, sentiria que a situação era inaceitável face ao próprio direito natural.

Como defender que o legislador quer que os actos previstos no Decreto-Lei nº 404/90, todos eles relativos a empresas em condições de adquirir dimensão europeia, se façam à custa do trabalho gratuito dos notários, conservadores e oficiais do notariado e registo quando a lei impõe às empresas em situação de pré-falência (artº 27º do Decreto-Lei nº 177/86, de 2/7 e 21º do Decreto-Lei nº 10/90, de 5/1) o pagamento desse mesmo trabalho?!

A lei impôs ainda, e muito recentemente, o pagamento do referido trabalho aos jovens, (e estes têm sido objecto de protecção especial na legislação vigente) nas escrituras de aquisição de casa própria ao abrigo do Crédito à Habitação. E neste último caso a isenção concedida aos jovens é reduzida a uma pequena parte, a apenas 25%, e mesmo assim, a lei teve a preocupação de ressalvar a participação devida aos notários, conservadores e seus oficiais relativamente à parte abrangida pela isenção emolumentar Decreto-Lei nº 164/92, de 5/8.

No entanto nas aquisições feitas ao abrigo do sistema "Poupança-Habitação" - Dec.Lei nº 382/89, de 6/11 -, em que a lei estabelece uma isenção emolumentar superior à concedida no sistema "Crédito-Jovem" já não existe qualquer disposição expressa no sentido de ressalvar da

isenção os emolumentos devidos aos notários, conservadores e respectivos oficiais pela sua intervenção nesses actos.

A fazer-se uma interpretação puramente literal dos textos citados teriamos, nas compras e vendas feitas ao abrigo do "Crédito-Jovem", em que a isenção emolumentar só abrange 25% dos emolumentos devidos, as partes obrigadas a pagar a comparticipação devida ao notário e seus oficiais e, nas mesmas compras e vendas, se feitas ao abrigo do sistema "Poupança-Habitação" em que as partes têm uma isenção igual a 50% da conta emolumentar do acto, as partes a não pagar o trabalho do notário e seus oficiais.

Do exposto julgamos dever concluir-se que, sempre que não exista disposição legal expressa a ressalvar a comparticipação emolumentar dos conservadores, notários e seus oficiais em actos isentos total ou parcialmente de emolumentos, tenham de se aplicar, por analogia, as disposições que fixam a ressalva dessa comparticipação.

Mas há ainda uma outra razão para seguir a orientação proposta:

A lei estabelece, como já se disse, que a participação emolumentar dos notários, conservadores e seus oficiais constitui parte dos respectivos vencimentos.

A concessão de isenção sem a ressalva da referida participação, corresponderia à diminuição unilateral dos vencimentos.

Assim, pensamos que a partir do momento em que se estabeleceu que o vencimento dos notários e seus oficiais era calculado também em função da receita emolumentar da respectiva repartição, não é lícito - não é mesmo constitucional - retirar a comparticipação nessa receita.

Cremos pois que as isenções emolumentares têm de ser entendidas como isenção da parte emolumentar que ao Estado pertence. E que o legislador está consciente disso prova-o facto de, nas disposições legais que estabelecem isenções emolumentares, umas vezes se falar expressamente na ressalva da participação dos notários, conservadores e seus oficiais - Decretos-Leis nºs. 177/86, de 2/7, 10/90, de 5/1 e 164/92, de 5/8 - e outras não, caso do Decreto-Lei 404/90, de 21/12.

Quanto aos emolumentos pessoais a lei é expressa – artº 204, nº 3 do Cód. Not. - ao

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estabelecer que a isenção, ou gratuitidade dos actos notariais não abrange os emolumentos devidos pelos actos realizados fora do cartório e fora das horas regulamentares. Há, reconhece-se, outros emolumentos pessoais para além destes. Pensa-se, todavia, que a formulação do citado artº 204 do Cód. Not. se deve ao facto dos casos nele referidos, à data, constituírem a quase totalidade dos emolumentos pessoais, já que, dada a respectiva natureza nunca foi posto em dúvida que devessem ser pagos em todos os casos de isenção. Neste sentido existem despachos na Direcção-Geral dos Registos e do Notariado.

Neste ponto e no tocante ao modo como a participação emolumentar devida aos conservadores, notários e respectivos oficiais pela sua participação em actos isentos de emolumentos deve ser cobrada, remetemos para o citado Proc. 98/91 - R.P.4.

Conclusões

I - A restituição do imposto do selo não é da competência da Direcção-Geral dos Registos e do Notariado;

II - As isenções, totais ou parciais, de emolumentos estabelecidas por lei abrangem apenas a participação emolumentar que constitui receita do Cofre dos Conservadores, Notários e Oficiais de Justiça;

III - Os emolumentos cobrados devem ser restituídos depois de abatida a participação emolumentar devida ao notário e seus oficiais pela sua intervenção na escritura em causa.

Este parecer foi aprovado em sessão do

Conselho Técnico da Direcção-Geral dos Registos e do Notariado de 14.12.1992.

Zulmira da Natividade Martins Neto Lino da

Silva, relatora, Maria Ferraro Vaz dos Santos Graça Soares Silva, Luís Gonzaga das Neves Silva Pereira, Lídia Rodrigues Maia Devesa, António

Emílio de Abreu Dantas, Fernando Neto Ferreirinha.

Este parecer foi homologado por despacho do director-geral, de 18.12.1992. Proc. nº 7/92 R.P.4 – Registos provisórios. Prazo de vigência. Notificação do despacho de provisoriedade.

1. Vem o ..., SA, interpor recurso hierárquico

do despacho do Conservador da ... Secção da Conservatória do Registo Predial de ... que indeferiu a reclamação do despacho de recusa da conversão em definitivo do registo requerido sob a apresentação nº 77, de 20.MAR.91.

O referido registo fora lavrado provisoriamente por dúvidas em 28.MAR.91 e o pedido de conversão em definitivo apresentado em 30.SET.91. A Conservatória recusou a conversão com base na ideia de que "o registo caducou em 20.SET.91".

Na reclamação, a ora recorrente alega que, tendo o registo sido requisitado em 20.MAR.91, e lavrado provisoriamente por dúvidas em 28.MAR.91, só a partir desta última data teve conhecimento das dúvidas. Sendo o prazo fixado pelo artº 11º do Código do Registo Predial um prazo de caducidade, de acordo com o que dispõe o artº 329º do Código Civil, só começa a correr no momento em que o direito puder ser legalmente exercido.

Assim, o último dia do prazo para requerer a remoção das dúvidas seria o dia 30.SET.91 (28 e 29 foram sábado e domingo), data em que foi efectivamente requerida a conversão.

A reclamação mereceu o seguinte despacho do Sr. Conservador:

"Despacho - artigo 141º, nº 3 do CRP. Indefiro o pedido de reclamação, nos termos

das disposições conjugadas dos artigos 77º, nº 1, 11º, nºs. 2 e 3 e 75º, nº1, todos do CRP. De facto, a data do registo é a da apresentação dos documentos (artigo 77º, nº 1 , do CRP) e é a partir desta data que se conta o prazo de caducidade dos registos provisórios. Só assim não será em casos excepcionais de atraso dos Serviços.

Ora, na situação concreta e como, aliás, o reclamante reconhece, o registo foi efectuado no

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prazo legal (o pedido feito em 20.3.91 e as dúvidas lançadas em 28.3.91) - artigo 75º, nº 1, do CRP. Daqui decorre que a conversão tinha de ser pedida dentro de 6 meses a contar de 20.3.91. Como só o foi em 30.9.91, o registo estava já caducado".

É deste despacho, lavrado em 15.NOV.91, que vem interposto o presente recurso, que é o próprio, tempestivo e se encontra devidamente instruído.

Nas alegações de recurso, a recorrente invoca os mesmos argumentos que utilizou na reclamação.

Cumpre emitir parecer. 2. O prazo de vigência do registo provisório

por dúvidas é de seis meses, segundo a regra geral do nº 3 do artº 11º do CRP (Código do Registo Predial). O registo provisório lavrado nestas circunstâncias caduca se não for convertido em definitivo dentro desse prazo de seis meses (nº 2 do mesmo artigo). .

O Banco recorrente fez a apresentação do pedido e dos documentos para registo em 20 de Março e pediu a conversão em definitivo no dia 30 de Setembro. Alega que contou o prazo de 6 meses a partir da data da feitura do registo e não da própria data do registo. A Conservatória procedeu de modo inverso.

A data do registo é, nos termos do nº 1 do artº 77º do CRP, a da apresentação dos documentos. Logo, 20 de Março. A da feitura foi, neste caso, 28 de Março. Como o dia 28 de Setembro recaiu num sábado o interessado só pediu a conversão em 30, 2ª feira, ou seja, no último dia possível do prazo que contou.

Só que, não terá contado bem. O registo tinha caducado, na medida em que releva, para o efeito, a data do registo, uma data fixa, antecipadamente conhecida tanto do registrador como dos registantes.

O processo de registo inicia-se com a apresentação, a partir de cuja data se conta o prazo de 15 dias para a feitura dos registos, pela ordem de anotação no Diário (artº 75º, nº 1, do CRP), sem embargo da ordem da respectiva dependência (artº 75º, nº 2).

Dentro deste prazo, é emitida a competente nota de registo, que o interessado deverá levantar,

tomando conhecimento concreto do destino do seu pedido e pagando ou recebendo as diferenças do preparo que porventura tiver sido feito com inexactidão, por defeito ou por excesso - conforme se salienta no Pº 6/88-RP 3, onde, a propósito, se acrescenta o seguinte:

"O acto de apresentação implica o do levantamento da nota de registo e dos títulos que devam ser devolvidos.

Na previsão da lei - que é clara a este respeito -, o processo não está findo senão quando o registo estiver feito ou recusado nos precisos termos requeridos. Cabe ao interessado a estrita obrigação de procurar esse resultado e cumprir o mais devido, no final do prazo da feitura do registo, desde logo previsto na lei.

Os prazos do registo e da reclamação são, assim, sucessivos e rigorosamente determinados, a partir da própria apresentação do pedido de registo, que é um acto da iniciativa do registante. É este quem desencadeia todo o processo, nos limites do princípio da instância. A senha de apresentação que lhe é entregue traduz isto mesmo."

E mais adiante: "Se, por atraso da conservatória, o prazo do

registo não for cumprido, então é que a lei, muito justamente, dispensa o interessado de cuidar de saber de quanto é esse atraso. Foi a inovação dos novos Códigos, na clarificação do processo registral.

Nesse caso, o registante é logo notificado. Não tem mais o ónus de seguir o processo, cuja duração passa a ser variável, de harmonia com a extensão do atraso dos registos."

Decorre desse procedimento que as normas legais que regulam a impugnação das decisões do conservador só impõem a notificação dos despachos de registo provisório (como de recusa), se estes tiverem sido lançados fora do prazo de realização do registo. O prazo do recurso hierárquico é que já se conta, sempre, da notificação do despacho de indeferimento da reclamação. Mas naturalmente que se trata de outro aspecto da impugnação.

4. Donde resulta que o prazo de caducidade

do registo provisório lavrado no prazo legal se conta da mesma data do registo e não da data da sua feitura ou de qualquer outra, como seria a de

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uma notificação, que a lei dispensa, por isso que a torna implícita com a passagem da senha de apresentação. O contrário seria aumentar a burocracia sem reforço das garantias dadas ao utente.

"Que outro não foi o pensamento do legislador resulta do afloramento, que aparece no Código, da contagem do prazo para a impugnação das decisões do conservador a partir do termo do prazo para o registo (artº 141º, nº 1)."

É o que se lê no Pº 18/88-RP3, onde se faz notar, precisamente, que o prazo de realização do registo representa uma dilação no processo registral, acrescentando-se logo a seguir:

"É ao cabo desse período de 15 dias que o apresentante necessariamente se tem por notificado, pelo conhecimento que lhe foi dado logo no momento da apresentação. Estando os registos atrasados, faz-se a notificação dos despachos; estando em dia, presume-se o seu conhecimento.

É certo que o prazo de caducidade não se suspende nem se interrompe senão nos casos em que a lei o determine (artº 328º do C. Civil).

Mas, por outro lado, nos termos do artº 329º do mesmo Código, o prazo de caducidade começa a correr - e só começa - no momento em que o direito possa ser exercido, ou seja, no momento em que existe o registo ou a recusa dele.

O prazo de efectuação do registo, e designadamente da conversão do registo provisório, como período durante o qual o registante não pode exercer o seu direito, é legalmente um período de suspensão, que se inicia com a apresentação do pedido.

É o próprio CRP que o prevê, expressamente quando não haja atraso. Não se pode, dizer que uma tal consideração implique qualquer violação da lei vigente.

Na hipótese contrária, é que cairíamos numa situação ilegal e absurda.

Não se notificava o interessado, aquando da qualificação, por estar ainda a decorrer o prazo de 15 dias, que a lei prevê, para a feitura do registo.

Mas o mesmo interessado, findos esses 15 dias, podia encontrar-se perante um prazo de caducidade esgotado, sem dispor, para nova apresentação (complementar), do tempo que ainda lhe restava entre a data do pedido de conversão e o

termo do prazo normal de vigência do registo provisório.

E tudo isto à sua revelia, sem culpa sua - só porque a data do registo só raramente coincide com a da sua feitura."

E logo a seguir, depois de se ponderar que se há ocasiões em que a circunstância do desfasamento não produz efeitos externos desfavoráveis, outras há em que acontece precisamente o contrário:

“Não o pode ter querido a lei, cuja interpretação deve ter em conta a unidade e o espírito do sistema jurídico. Ao legislador deve dar-se o benefício de crer que consagrou as soluções mais acertadas. O trabalho do intérprete tem como limite apenas o encontro dessas soluções."

É o que acontece na presente situação, numa ideia de certeza que não perde de vista o valor da segurança. Antes o serve.

5. Do exposto decorre que o recurso não

merece provimento, sendo tido como certo, mesmo de lege ferenda, que o prazo de seis meses é su-ficiente para os trâmites de conversão do registo, em condições normais. Ponto é que não se exponham os interessados a que ocorra qualquer dificuldade de última hora.

Extraem-se de quanto fica dito as seguintes

Conclusões

I - Os registos provisórios devem ser convertidos em definitivos dentro do prazo da sua vigência, que é de seis meses, contados a partir da data do registo, independentemente de qualquer notificação.

II - As normas legais que regulam a impugnação das decisões do conservador só prevêem a notificação dos despachos de provisoriedade se estes tiverem sido lançados fora do prazo de realização do registo.

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Este parecer foi aprovado em sessão do Conselho Técnico da Direcção-Geral dos Registos e do Notariado de 11.03.1992.

Ventura José Rocheta Gomes, relator, Maria Ferraro Vaz dos Santos Graça Soares Silva, Luís Gonzaga das Neves Silva Pereira, Maria Odete Monteiro Rabaça e Pires Coutinho Miranda, José Augusto Guimarães Mouteira Guerreiro.

Este parecer foi homologado por despacho

do director-geral, de 13.03.1992

Proc. nº 7/92 R.C.3 – Da admissibilidade de o cônjuge conservar os apelidos do outro que tenha adoptado antes de decretada a separação judicial de pessoas e bens e da inadmissibilidade de os adoptar depois de decretada a separação.

I 1. A questão submetida á apreciação e

parecer do Conselho Técnico é a de saber se decretada a separação judicial de pessoas e bens pode o cônjuge que o não fez antes adoptar ainda os apelidos do outro.

Pronunciam-se os Serviços Técnicos no sentido da admissibilidade de o cônjuge adoptar os apelidos do outro mesmo depois de decretada a separação judicial de pessoas e bens com o fundamento de quer mantendo-se o vínculo conjugal com a separação, se mantém ao que se diz crer, o direito ao uso do nome do cônjuge, previsto no artigo 1677º, do Código Civil.

Faz-se também notar que "este entendimento não é prejudicado pelo disposto no artigo 1677º - B, do Código Civil, uma vez que o normativo em causa, tal como o anterior, apenas estipula regras para os casos em que os cônjuges viúvos ou separados judicialmente já têm apelidos adoptados”.

Finalmente, pondera-se que "se se admite que, dissolvido o casamento, um viúvo possa adoptar apelido do ex-cônjuge, por maioria de razão se terá de aceitar que um separado judicialmente de pessoas e bens adopte apelidos da

pessoa que continua a ser seu cônjuge, uma vez que o vínculo matrimonial se mantém".

2. Salvo melhor opinião a lei actual não sufraga a doutrina exposta na qual se vislumbra, mesmo, algo de contraditório.

Na verdade, se por um lado se funda o direito de o cônjuge separado judicialmente de pessoas e bens adoptar os apelidos do outro depois de decretada a separação no facto de o vínculo conjugal se manter, por outro lado dá-se como assente que o viúvo possa adoptar os apelidos do ex-cônjuge depois de dissolvido o vínculo, não se percebendo bem porque há-de ser o vínculo determinante, num caso, para a manutenção de um direito e, no outro, há-de idêntico direito subsistir, apesar da dissolução do vínculo.

A afirmação de que o viúvo pode adoptar o apelido o ex-cônjuge careceria, no mínimo, de ser reexaminada, pese embora a interpretação que no despacho do Exmo Director-Geral, de 30 de Março de 1982, se fez do artigo 1677º do Código Civil, no sentido de que "o adicionamento de apelidos de um cônjuge ao nome do outro pode verificar-se tanto na constância do matrimónio como durante a viuvez".

É que não se pode deixar de ter presente o conteúdo dos artigos 1677º - A e 1677º - B, do Código Civil, os quais se referem à possibilidade da simples conservação de apelidos anteriormente adoptados e não à sua adopção, seja no caso de viuvez, seja no caso da separação judicial de pessoas e bens. E não se diga que aqueles preceitos apenas estabelecem regras para os viúvos e separados que já têm apelidos adoptados, não constituindo qualquer óbice, assim, a uma posterior adopção de apelidos, pois isso equivaleria a reconhecer o seu carácter redundante e a sua manifesta inutilidade.

Também o argumento de maioria de razão usado para reconhecer ao cônjuge separado judicialmente de pessoas e bens o mesmo direito a adoptar os apelidos do outro de que gozaria o viúvo em relação ao ex-cônjuge, faz a aproximação, de modo impróprio, de situações que, entre si, são vincadamente diferenciadas.

De facto, na separação judicial de pessoas e bens a relação matrimonial resta modificada pela vontade de um ou até mesmo de ambos os cônjuges, enquanto que o estado de viuvez resulta

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da extinção da relação matrimonial por causas naturais a que os cônjuges em principio, são estranhos.

II 1. Parece indicado, antes de mais, que se

tenha na devida conta o que o próprio legislador da Reforma do Código Civil exprimiu, sobre esta matéria, no ponto 14 da exposição de motivos do Decreto-Lei nº 496/77, de 25 de Novembro, que a aprovou: "O direito ao uso dos apelidos do outro cônjuge na constância do matrimónio é regulado numa base não discricionária e o direito ao uso dos apelidos dos ex-cônjuges ou do cônjuge judicialmente separado de pessoas e bens, é objecto de nova disciplina (arts. 1667º a 1667º - C)".

Nos propósitos anunciados pelo legislador encontram-se assim, muito claramente expressas duas linhas de orientação: uma, respeitante ao uso dos apelidos do outro cônjuge, na constância do matrimónio a outra, no sentido de uma nova disciplina do direito ao uso dos apelidos dos ex-cônjuges (viúvos e divorciados) ou do cônjuge judicialmente separado de pessoas e bens.

2. No que respeita ao uso dos apelidos do

cônjuge na constância do matrimónio, a primeira nota a salientar é a de que esse direito, reflexo de antiga e enraizada prática, anteriormente reconhecido só à mulher, no artº 43º da Lei nº 1, de 25 de Dezembro de 1910 e, depois, no artº 1675º do Código Civil, foi estendido ao marido no novo artigo 1677º deste Código, como decorrência do principio da igualação dos sexos, estabelecido na Constituição.

Por outro lado, vê-se que se trata de um direito a exercer, ou não, livremente, por qualquer dos cônjuges, os quais têm a faculdade de acrescentar, aos seus próprios apelidos os apelidos do outro, até ao máximo de dois, não sendo suposto pela lei a verificação de acordo entre eles ou autorização de um para o seu exercício por parte do outro.

Ao contrário do pretendido por certa doutrina, não se visa, também, a constituição de um "nome familiar" ou "nome de casal", o que sempre implicaria a abdicação por parte de algum

dos cônjuges, do seu direito à adopção dos apelidos do outro.

Contando-se este direito entre os efeitos do casamento quanto às pessoas não é, porém, um elemento necessário do vínculo, o qual pode estabelecer-se, enfraquecer ou dissolver-se, sem que qualquer dos cônjuges haja procedido à adopção de apelidos, verificando-se do mesmo modo, a autonomia dos apelidos em relação ao vínculo sempre que, tendo sido adoptados, os cônjuges a eles renunciem, como lhes é reconhecido fazer em qualquer momento, situação ou estado, nos termos do artigo 129º, 2, d), do Código do Registo Civil.

3. Prosseguindo na encetada via de

caracterização do direito de um dos cônjuges adoptar os apelidos do outro por efeito do casamento, é importante verificar o tempo e o modo desse direito se exercer.

Um primeiro momento, é o da celebração do casamento, seja católico, seja civil, devendo a escolha efectuada constar do respectivo assento, conforme decorre dos artigos 1677º do Código Civil e 201º, 1, f), e 217º, 1, g), do Código do Registo Civil.

Um segundo momento poderá ter lugar a todo o tempo, na constância do matrimónio - artigo 129º, 2, a), do Código do Registo Civil, e o modo de efectivar o direito consistirá na apresentação de adequado requerimento na Conservatória detentora do assento de nascimento do respectivo cônjuge.

Sendo assim as coisas, parece que, por um lado, não pode o viúvo, nem pode o divorciado adoptar, no seu estado, fora da constância do matrimónio, os apelidos do respectivo ex-cônjuge e, por outro lado, poderia então o separado judicialmente de pessoas e bens gozar ainda desse, direito, uma vez que a separação não produz a extinção do vnculo conjugal, nos termos do artigo 1795º - A do Código Civil, o que como melhor se verá, não acontece.

4. Considera-se, pois, que a extinção do

vínculo pelo falecimento de um dos cônjuges ou por divórcio, faz cessar, de todo em todo, o direito de o cônjuge, no estado de viuvez ou de divorciado, adoptar os apelidos do seu ex-cônjuge.

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Este será mesmo um dos traços característicos daquela nova disciplina de que o legislador da Reforma de 1977 se reclama, ao menos quanto aos viúvos, já que, na vigência do anterior artigo 1675º do Código Civil, era reconhecido à mulher viúva o direito a usar os apelidos do marido, quer os adoptados na constância do casamento, quer os que, naquele estado, viesse a requerer, no caso de não ter exercido antes esse direito.

Um outro traço integrador da nova disciplia consistirá, quanto ao cônjuge viúvo, no direito à conservação automática, dos apelidos do ex-cônjuge adoptados na constância do casamento, com a possibilidade, até, de o seu uso se manter na constância de um segundo casamento (artºs 1677º - A e 1677º, 2, do Código Civil), e, quanto ao divorciado, no direito à conservação dos apelidos do ex-cônjuge, adoptados antes do divórcio, se autorizada por este ou pelo tribunal.

Ao permitir-se, consoante os casos, a conservação automática ou condicionada dos apelidos adoptados, teve-se em conta que a adopção destes ocorreu na constância do casamento e que a mesma era susceptível de criar expectativas e interesses de ordem moral, patrimonial ou de outra relevante natureza, a que devia corresponder adequada tutela e que precisamente se traduz, na prática, na possibilidade da conservação dos apelidos adoptados, nos termos dos artigos 1677º - A e 1677º - B, do Código Civil.

A temperar esta abertura da lei e a prevenir eventuais abusos, acha-se prevista a privação judicial do uso do nome ao cônjuge que conserve apelidos do outro, quando esse uso lese gravemente os interesses morais do outro cônjuge ou da sua família, com o que se estendeu, aos divorciados, uma disciplina que, antes da Reforma de 1977, apenas se aplicava aos cônjuges viúvos ou separados judicialmente de pessoas e bens.

III 1. A subsistência do vínculo conjugal que se

verifica quando decretada a separação judicial de pessoas e bens tem servido de suporte à ideia de que os separados mantêm o direito de, não o tendo feito antes, poderem ainda adoptar, cada um deles, os apelidos do outro, após a separação.

Diz-se que continuam casados e a ser considerados como marido e mulher.

Que a própria lei, os trata por cônjuges e não por ex-cônjuges.

Que, com a separação, o dever de coabitação cessa e em parte, o da assistência, mas que se mantém o de respeito e cooperação e, também, o de fidelidade.

Que, finalmente, pode verificar-se, na constância da separação, a reconciliação dos cônjuges.

Isto é, de facto, assim, pode ser visto e dito assim, mas, a verdade é que, se se consideram os cônjuges separados como marido e mulher o que isso significa, no fundo, é que nenhum deles pode contrair, sob pena de bigamia, um novo casamento.

Também, se por um lado, é legalmente mantido o dever de fidelidade, logo por outro se põe fim á obrigação da, coabitação, com o que se faz daquele platónico dever um fraco agente da manutenção da sociedade conjugal.

Se, por último, é dada aos cônjuges a possibilidade da reconciliação, a verdade é que, a dois curtos anos de prazo ou ainda em menor prazo nos casos prevenidos no artigo 1795º - D, do Código Civil, podem os mesmos cônjuges, isolada ou conjuntamente, requerer a conversão da separação em divórcio.

2. Outras amostras além das referidas se

poderão avançar de como o vínculo conjugal se relaxa e empobrece quando a separação judicial de pessoas e bens é decretada e de como só eufemisticamente se poderá falar, então, em "constância do casamento".

Como é sabido, em conformidade com o disposto no artigo 1979º do Código Civil, só duas pessoas casadas e não separadas judicialmente de pessoas e bens podem adoptar plenamente. Quer isto sem dúvida dizer que o legislador, ao apontar em matéria de adopção para a integração do adoptado na família dos adoptantes, exclui, para este efeito, do conceito de "família", a sociedade conjugal dos separados judicialmente de pessoas e bens.

Também o poder paternal que na "constância do matrimónio" pertence aos pais, como se estabelece no artigo 1901º do Código Civil, é regulado por forma diversa - artigo 1906º do

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mesmo Código-1 quando os pais dos menores se acham separados de pessoas e bens, considerando o legislador, ainda para este efeito, que os separados já não se encontram na "constância do matrimónio".

Ao prever a lei, para termo possível da separação de pessoas e bens a reconciliação, repare-se como ela própria fala do restabelecimento da vida em comum e do exercício pleno dos direitos e deveres conjugais – artº 1795º - C, do Código Civil.

O que esse restabelecimento significa ressalta, inequivocamente, do sentido que esta palavra tem. Restabelecer é estabelecer de novo, é renovar, é repor no antigo estado

A reconciliação dos cônjuges é, assim, um retornar à "constância do casamento", à plenitude do vinculo, ao refazer da vida em comum que a separação mantivera em suspenso.

3. Pela sua natureza, o direito ao nome do

cônjuge funda-se na existência de um matrimónio legalmente constituído e mantido na sua estrutura vincular original.

Só enquanto os cônjuges se encontram no exercício pleno dos direitos e deveres conjugais é que o mesmo direito pode ser exercido, o que não acontece depois de decretada a separação, situação em que já não há, verdadeiramente, "constância do casamento", no sentido pressuposto pelo legislador no artigo 1677º do Código Civil.

A subsistência do vínculo conjugal após a separação judicial não pode, pois, em função do seu relaxamento e da amputação que o casamento sofre na sua dimensão sociológico-afectiva, servir de fundamento à subsistência daquele direito, a exercer pelos cônjuges separados.

É que segundo a melhor doutrina e conforme sustenta o Prof. PEREIRA COELHO (Curso de Direito de Família, Coimbra, 1987) pp 520), os efeitos pessoais do casamento que se mantém com a separação são apenas os que lhe são absolutamente, essenciais, de tal forma que o casamento não possa conceber-se sem eles.

Ora, o direito ao nome não se conta entre esses efeitos que são absolutamente essenciais ao casamento.

Na verdade, cada um dos cônjuges é livre de exercer, ou não, esse direito, ainda que o

casamento se mantenha indissolúvel até á morte de um deles. E, mesmo tendo-o exercido, pode livremente renunciar a ele, sem que se produza sobre o casamento qualquer efeito.

Visto, pois, que este direito é inessencial à ideia do matrimónio, forçoso será concluir também que não perdura para além da sentença de separação judicial de pessoas e bens.

A pretensão da adopção do nome do cônjuge depois de decretada a separação seria sempre, no mínimo, de considerar suspeita, se é que não faria mesmo perigar os princípios da boa fés como disso pode ser sinal o caso concreto que subjaz ao pre sente parecer em que o cônjuge marido, de apelido ..., não o tendo feito na constância do casamento que contraiu em 1971, pretende agora, depois de separado, adoptar o apelido ... da mulher.

Tendo o Prof. ANTUNES VARELA chamado ao nome do marido adoptado pela mulher (o mesmo se podendo chamar agora ao nome da mulher adoptado pelo marido) "símbolo ou expressão de uma união pessoal", ficaria a perceber-se mal que aos cônjuges separados judicialmente de pessoas e bens fosse consentida, a adopção de um símbolo de união para exornar a sua separação.

4. O legislador reconheceu, todavia que cada

um dos cônjuges conserva os apelidos do outro que tenha adoptado antes de decretada a separação judicial de pessoas e bens.

É o que se contém no artigo 1677º - B, 1, do Código Civil, na redacção da Reforma de 1977, preceito que releva de uma preocupação de tutela das expectativas criadas em consequência da adopção dos apelidos do outro cônjuge na constância do casamento.

O cônjuge que não adoptou apelidos do outro não merece em principio protecção e o preceito interpretando, por via de um raciocínio a contrario, permite mesmo concluir que, muito pensada e avisadamente se bastou o legislador em dar aos separados judicialmente de pessoas e bens só ó que legitimamente entendeu que devia dar: o simples direito de conservação dos apelidos adoptados antes de decretada a separação e não o de manter o anterior direito de adopção de apelidos - direito que, como se tem vindo a demonstrar, já não tem razão legitima de existir.

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Se outro fosse o entendimento a dar ao preceito e outra a solução que integra a "nova disciplina" sobre esta matéria, o artigo 16772 - B, 1, do Código Civil tornar-se-ia redundante e inútil, pois se qualquer dos cônjuges pudesse adoptar os apelidos do outro mesmo depois de decretada a separação, por maioria de razão poderia conservar os que tivesse adoptado antes.

Ora, a lei não contém, em regra, preceitos inúteis.

Posto o que e quanto ao essencial, se conclui:

I - Decretada a separação judicial de pessoas e bens nenhum dos cônjuges pode acrescentar aos próprios apelidos os apelidos do outro.

II - Pode, porém, cada um dos cônjuges, conservar os apelidos do outro que tenha adoptado antes da separação.

VOTO DE VENCIDA do vogal Maria Helena Nunes

Não subscrevemos o parecer pelos motivos

seguintes: O problema da admissibilidade legal de

apelidos pelos CÔNJUGES, CASADOS mas judicialmente SEPARADOS DE PESSOAS E BENS, tem de ser considerado unicamente em face das disposições legais sobre DIREITO AO NOME – artº 1677º, DIVÓRCIO E SEPARAÇÃO JUDICIAL DE PESSOAS E BENS – artº 1677º-B e EFEITOS desta – artº 1795º-A.

E na solução cremos que não deve perder-se de vista a força jurídica dos preceitos constitucionais relativos aos direitos e liberdades dos cidadãos.

Estes só podem ser restringidos para salvaguarda de outros também legal e constitucionalmente protegidos.

Logo, considerações doutrinais ou outras, do género:

- o direito ao nome pressupõe um matrimónio que manter a sua estrutura vincular original;

- o vínculo conjugal, com a separação, faz com que o casamento, sofra uma amputação na sua dimensão sociológica-afectiva;

- o nome é símbolo ou expressão de uma união pessoal;

- na separação só se mantêm os efeitos que lhe são ABSOLUTAMENTE ESSENCIAIS, de tal modo que não é possível conceber-se um casamento sem eles;

- a própria expressão usada no preâmbulo do DL nº 496/77 ao referir-se " o direito ao uso dos apelidos do outro cônjuge na CONSTÂNCIA do matrimónio ",

Só as podemos considerar se tiverem

expressão legal. E não têm. São algumas até considerações

ultrapassadas no estádio actual das sociedades, mesmo da nossa, não têm correspondência com a realidade, são " frases feitas ", são mesmo repelidas pelo legislador.

Correndo embora o risco de nos afastarmos

do essencial, não resistimos a perguntar: - Quantos contratos são conceitualmente - e

logo desde o inicio! - CASAMENTOS nos termos do artº 1577º?

- Quantos matrimónios com toda a aparência " objectiva " de comunhão de vida, de amor e de harmonia, são e contribuíram para a negação mais completa - odiosa até - da realização pessoal dos cônjuges?

Porque mantêm muitos eles a estrutura vincular (que nunca tiveram)?

- Qual é a dimensão sociológica-afectiva dos casamentos de hoje?

- Onde estão definidos - ou quem os define - os elementos ABSOLUTAMENTE ESSENCIAIS à existência de UM CASAMENTO?

- o nome é símbolo ou expressão de uma união pessoal?

Quem tem legitimidade para dizer que a signatária, que não usa o apelido do marido, não tem uma união pessoal, ela que é casada há 44 anos?

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- E como poderia o legislador, no preâmbulo do DL nº 496/77 ao enumerar as alterações no domínio do casamento, deixar de se referir a CÔNJUGES, a CONSTÂNCIA DO MATRIMÓNIO para expressar as alterações mais significativas?

E o legislador usa sempre as expressões mais correctas e é límpido nas suas soluções? Nunca há que recorrer a interpretações extensivas ou analógicas?

Afastámo-nos, e muito, do essencial, mas

vejamos agora a lei. O artº 1677º permite que os CÔNJUGES

(que ainda o não são?) ACRESCENTEM aos seus nomes de família APELIDOS do outro (até ao máximo de dois ) – nº 1 do preceito.

E isto, na nova disciplina legal, vai constar do assento de casamento e de nascimento, ou ao invés, conforme o momento temporal do exercício do direito (a quem interessar e quiser fazer um estudo comparativo da faculdade ao uso, por parte da mulher, dos apelidos do marido e da inovação e disciplina do direito ao nome introduzidas pelo legislador de 77 pode ver o C.C. anotado pelos Professores Pires de Lima e Antunes Varela, 2º edição, páginas 272 e seguintes).

Mas o matrimónio pode dissolver-se por divórcio.

Neste caso o cônjuge, como, aliás já sucedia na legislação anterior - cfr. artº 43º do Decreto nº 1 - perde imediata e AUTOMATICAMENTE o direito ao uso dos apelidos adoptados, mesmo que não seja cônjuge culpado.

Mas o legislador de 77 introduziu uma disciplina nova: o casamento acabou e por um acto voluntário de um ou de ambos os cônjuges, mas o EFEITO do direito ao nome pode manter-se, em relação a um ou a ambos os ex-cônjuges, se para tanto for concedida autorização.

E porquê, se o EFEITO do direito ao uso resulta da existência afirmada da CONSTÂNCIA de um casamento - cfr. Capítulo IX ?

E porquê mesmo a EXTREMA FACILIDADE de meios concedidos para o efeito - cfr. artº 1677-B, nºs. 2 e 3 e artº 129º, nº 4, do C.R.C. - ?

São conhecidas as razões e não há que apreciá-las, nem para tanto nos julgamos habilitados.

Mas uma coisa nos parece resultar certa: a concepção tradicional do casamento e da família são outras e bem diferentes.

Não estamos convencidos de uma lacuna da lei, mas podemos admiti-la. E então há que integrá-la recorrendo ao disposto no artº 10º.

E então vamos colocar-nos- na posição do legislador de 77, do legislador que permitiu que o ex-cônjuge - que pode até ser o cônjuge culpado - vá buscar os apelidos que a lei automaticamente lhe retirou e os mantenha (com autorização do ex-cônjuge, ou até contra a vontade dele!). Vamos assumir a posição de um legislador que não respeitou a natureza e o significado dos APELIDOS de FAMÍLIA.

Vamos assumir a atitude de um legislador que permite que os ex-cônjuges transmitam a filhos - adulterinos ou não - os apelidos que foram autorizados a manter.

E perguntamo-nos: Este legislador não consentiria na hipótese

de separação judicial de pessoas e bens se o outro cônjuge autorizasse - vamos aceitar o paralelismo - a adopção de apelidos do seu CÔNJUGE, que o continua a ser ?

Ao legislador interessaria ou poderia sequer pôr em causa a boa-fé do cônjuge ( que quereria eventualmente corrigir o plebeismo do seu nome )?

O legislador considerou, no caso do divórcio, sempre inocentes os interesses da base ao pedido ?

Ocorre-nos, neste caso, a situação que parece que se está a passar com a oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa nos casamentos simulados ": a oposição não vinga, porque ... há casamento!

Este parecer foi aprovado em sessão do

Conselho Técnico da Direcção-Geral dos Registos e do Notariado de 01.10.1992.

Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho, relator, Maria Ferraro Vaz dos Santos Graça Soares Silva, Luís Gonzaga das Neves Silva Pereira, Maria Vitória Sampaio Barros Cunha Portocarrero, Maria Helena Nunes, Maria da Conceição Lobato da Cunha Guimarães.

Nº 1/2002 – Janeiro 2002 52

Este parecer foi homologado por despacho

do director-geral, de 20.10.1992.