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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS MESTRADO EM LINGÜÍSTICA “BRINCANDO DE CONSUMIR”: AS FIGURAS DE LINGUAGEM NA PUBLICIDADE EM REVISTAS PARA CRIANÇAS NEUZA MARIA PONTES DE MENDONÇA RECIFE 2005

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Page 1: “BRINCANDO DE CONSUMIR”: AS FIGURAS DE LINGUAGEM … · Mendonça, Neuza Maria Pontes de “Brincando de consumir”: as figuras de linguagem na publicidade em revistas para crianças

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS

MESTRADO EM LINGÜÍSTICA

“BRINCANDO DE CONSUMIR”:

AS FIGURAS DE LINGUAGEM NA PUBLICIDADE EM REVISTAS

PARA CRIANÇAS

NEUZA MARIA PONTES DE MENDONÇA

RECIFE

2005

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NEUZA MARIA PONTES DE MENDONÇA

“BRINCANDO DE CONSUMIR”:

AS FIGURAS DE LINGUAGEM NA PUBLICIDADE EM REVISTAS PARA

CRIANÇAS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal de Pernambuco como requisito para a obtenção do Título de Mestre em Lingüística.

Orientadora: Profª Drª Nelly Carvalho

Recife

2005

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Mendonça, Neuza Maria Pontes de

“Brincando de consumir”: as figuras delinguagem na publicidade em revistas para crianças /Neuza Maria Pontes de Mendonça. – Recife: O Autor,2005.

97 folhas: fig., quadros.

Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Pernambuco. CAC. Lingüística, 2005.

Inclui bibliografia.

1. Lingüística – Análise do discurso. 2. Textos publicitários – Recursos lingüísticos e figuras de linguagem . 3. Publicidade para crianças – Revistas infantís – Recepção da criança, sedução e cores. I. Título.

81’42 CDU (2.ed.) UFPE 401.41 CDD (22.ed.) BC2005-177

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NEUZA MARIA PONTES DE MENDONÇA

“BRINCANDO DE CONSUMIR”:

AS FIGURAS DE LINGUAGEM NA PUBLICIDADE EM REVISTAS PARA CRIANÇAS

Dissertação apresentada à Universidade Federal de Pernambuco, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Lingüística.

Aprovada em 8 de novembro de 2004

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À professora, orientadora e amiga Nelly Carvalho pela sua

alegria contagiante, pela sua dedicação e amor pelo estudo das

palavras, por sua capacidade de compreender as pessoas pelas

suas diferenças e limites, minha eterna admiração.

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AGRADECIMENTOS

• A meus pais,

que sempre despenderam seus esforços para o meu crescimento como ‘gente’ e

profissional;

• Ao meu tio Bá (Luismar) e à minha tia-mãe Fátima,

por sempre acreditarem que eu poderia ir além e me ame acolheram;

• A Nanô (Flam),

que apareceu na minha vida para ser meu companheiro e me fazer amada e feliz;

• Aos meus primos (Márcio, Isabela, Márcia e Mércia),

que me “socorreram” nos momentos de aflição em frente ao computador;

• Aos meus colegas do CEEGP,

pela disponibilidade (computador, impressora, sala), ajuda, amizade e contribuição

para a concretização deste trabalho;

• A Eraldo,

pela paciência, simpatia e compreensão;

• Às minhas colegas de Curso (Sandra – in memorian, Sônia e Rosa),

pela força e contribuição para o meu crescimento durante esta jornada;

• Ao professor José Ricardo Paes Barreto,

pelo incentivo e apoio para que eu conseguisse chegar até aqui;

• E a todos,

que pela força da emoção com a qual consigo concluir este trabalho, não consegui

registrar seus nomes, e simplesmente, ajudaram.

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“Chega mais perto e contempla as palavras. Cada uma tem mil

faces secretas sob a face neutra e te pergunta, sem interesse

pela resposta, pobre ou terrível, que lhe deres: Trouxeste a

chave?”

(Carlos Drummond de Andrade – Procura da

Poesia)

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RESUMO

Este trabalho descreve o papel dos recursos retóricos ou figuras de linguagem na construção

de textos publicitários destinados ao público infantil, considerando também os recursos

lingüísticos polissemia e antonímia, responsáveis pela plurissignificação das palavras.

Situando-se no campo dos estudos lingüísticos da Semântica, da Retórica, com o suporte de

alguns conceitos da Teoria dos Gêneros e da Tipologia Textual, numa abordagem qualitativa,

analisa as estruturas argumentativa, descritiva e narrativa do discurso, e da presença dos

recursos retóricos para a construção dos discursos persuasivos. Para tanto, utiliza-se de um

corpus de dezesseis (16) textos de diversos produtos destinados ao público infantil, extraídos

da revista semanal Recreio da Editora Abril, no período de outubro de 2000 a outubro de

2003. Também caracteriza-se o público a que se destina o objeto desta pesquisa – as crianças,

a fim de mostrar como se comportam e reagem frente a ações que dependem, na maioria dos

casos, da interferência dos adultos – o processo de compra / aquisição dos produtos. Sabe-se

também que esse tipo de publicidade, pelo meio que é veiculado, é destinado a um público

infantil de famílias de classe média à rica. O estudo e a investigação conduziram à

constatação de que a presença dos recursos retóricos: metáfora, metonímia e hipérbole, o

‘jogo’ polissêmico e o antonímico, a influência das cores e das imagens constroem um

discurso que se propõe a convencer, seduzir, provocar a mudança de idéias e formas de

comportamento.

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ABSTRACT

This is a study of the rhetorical resources or figures of speech used in advertisement aimed at

children. It also considers the linguistic resources: polysemy and antonym, responsible for the

many means of the words. Placing in the area of the linguistic studies of the Semantics and of

the Rhetoric, with the support of some concepts of the Theory of Genre and Typology of the

texts. It makes a qualitative approaching, and it analyzes the argumentative, descriptive and

narrative structures of the speech. It also identifies the presence of the rhetorical resources for

the construction of the advertisements. In this study there are sixteen (16) texts aimed at

children. They were extracted from Recreio magazine published by Abril Company, from

October of 2000 until October of 2003. It also characterizes the children as object this

research, in order to show their behavior in relation the interference of the adults to bye some

products. We also know that this type of advertisement, by the way, is aimed at children of

families of middle class to the rich one. The study and the investigation identified that the

presence of the rhetorical resources: metaphor, metonymy and hyperbole, as well as

polysemic game, the antonym, the influence of the colors and of the images, they make a

speech to convince and to provoke the change of ideas and forms of behavior.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.......................................................................................................................10

Os meios de Comunicação de Massa e a Publicidade para Crianças........................................10

Justificativa e Objetivos............................................................................................................11

Aspectos Metodológicos: Caracterização do Corpus e Tratamento dos Dados.......................13

Hipóteses do Trabalho..............................................................................................................16

Organização do Trabalho..........................................................................................................16

CAPÍTULO 1– PUBLICIDADE E ANÁLISE DE TEXTOS PUBLICITÁRIOS ...........19

1.1 – Conceitos de publicidade e a linguagem publicitária...........................................20

1.2 – O texto publicitário argumentativo e sua análise.................................................25

1.3 - O modelo de Greimas e sua relação com a publicidade.......................................31

1.4 – Gênero publicitário: integridade genérica X tendência à inovação......................36

1.5 - Verdade e verossimilhança na publicidade...........................................................47

CAPÍTULO 2 – O PÚBLICO ALVO E SUA RELAÇÃO COM A PUBLICIDADE......51

2.1 - “O brinquedo”: a criança – o público alvo...........................................................52

2.2 - O universo infantil das cores................................................................................56

CAPÍTULO 3 - RECURSOS LINGÜÍSTICOS..................................................................60

3.1 – A polissemia – caracterização e ocorrência.........................................................61

3.2 – A antonímia – o jogo dos contrários....................................................................67

CAPÍTULO 4 – A RETÓRICA E O USO DAS FIGURAS................................................74

4.1 – História e conceitos da Retórica...........................................................................75

4.2 – Figuras retóricas...................................................................................................78

4.2.1 – A metáfora no texto publicitário............................................................80

4.2.2 – A metonímia no texto publicitário.........................................................83

4.2.3 – A hipérbole no texto publicitário...........................................................85

CONCLUSÃO.........................................................................................................................90

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................................94

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INTRODUÇÃO

Os Meios de Comunicação de Massa e a Publicidade para Crianças

A partir da segunda metade do século XX, os meios de comunicação de massa, pelo

seu poder de penetração na vida cotidiana das sociedades humanas têm exercido significativa

influência nos usos e costumes, valores e concepções ideológicas das pessoas.

O mundo moderno obriga-nos a conviver com esses meios, que nos envolvem para

informar, instruir, convencer e persuadir, provocando nas pessoas mudança de atitudes e de

formas de comportamento, ou seja, assumem a finalidade essencial de estabelecer a

comunicação com e entre os indivíduos da sociedade.

Além disso, os meios de comunicação possibilitam alcançar o público de forma

massiva e possuem características que são arroladas na perspectiva de sua utilização como

veículos de propaganda com propósitos vários. Assim, segundo Pinho (1990: 82), é através

deles que a propaganda constitui-se como um dos recursos “mais eficazes e econômicos para

atingir diferentes públicos”.

Nessa proposta, observa-se que o jornal, a revista, o rádio, a televisão, o outdoor,

enquanto meios de comunicação de massa, servem-se da linguagem para transmitir

mensagens várias às sociedades, através de inúmeros e diversificados recursos lingüísticos,

explícitos ou implícitos, retóricos e semióticos, “têm o poder de influenciar e orientar as

percepções e pensamentos, ou seja, o modo de estar no mundo e de vivê-lo, podendo permitir

ou vetar determinados conhecimentos e experiências” (Carvalho, 2002: 19). Portanto, as

empresas preocupadas com a promoção de seus produtos, têm utilizado boa parte da mídia

impressa, sobretudo de revistas de grande circulação nacional, para veicularem suas

mensagens publicitárias.

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Assim, atualmente, o mercado abre as portas para uma grande variedade de

consumidores, entre os quais se destaca o público infantil; que apesar de não ter dinheiro

próprio, muito menos cartão de crédito, dita as escolhas da família, na maioria das vezes. As

empresas e as lojas já perceberam o poder das crianças e usam-nas para vender seus produtos.

A jornalista Michelle de Assumpção afirmou em reportagem para o Diário de Pernambuco

(12 de janeiro de 2003), que numa pesquisa realizada com famílias de São Paulo pelo Instituto

Interscience, constatou-se que mesmo quando não vão às compras com as mães, 73% (setenta

e três por cento) dos filhos sempre pedem produtos do supermercado e 44% (quarenta e

quatro por cento) escolhem marcas. Na maioria dos casos, as crianaçs são atraídas por

produtos som personagens conhecidos que aparecem na televisão ou pelo colorido das

embalagens.

É desse gosto por imagens coloridas, do desejo de ser um personagem e de viver o

mundo imaginário da TV e das histórias em quadrinhos, que a publicidade aproveita-se para

criar seus anúncios e atingir esse público pelos meios de comunicação de massa, como o rádio

e a TV, e também pela mídia impressa, as revistas infantis.

Justificativa e Objetivos

O discurso da propaganda, segundo Citelli (2000: 43), “nasce da conjugação de vários

fatores, quer psico-sociais-econômicos, quer do uso daquele enorme conjunto de efeitos

retóricos aos quais não faltam as figuras de linguagem, as técnicas argumentativas, os

raciocínios”.

Nesse contexto, o léxico é considerado um dos elementos lingüísticos fundamentais

para o processo de argumentação e da persuasão. Outro aspecto de importância significativa é

a “estrutura circular” do discurso da propaganda impressa, pois além de sua força persuasiva

que determina, ela evita o questionamento e objetiva levar o leitor a conclusões definitivas,

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visto que “prescreve-nos o que devemos desejar, compreender, temer, querer e não querer”

(Umberto Eco, 1976: 280).

Dessa maneira, o signo, na visão dicotômica saussureana – significante / significado –

tem participação efetiva na estrutura discursiva, construída, normalmente, através de relações

associativas por analogia dos seus significados, a partir de um paradigma, “a palavra

geradora”, o que o torna, retoricamente, mais expressivo, e como tal, sedutor e persuasivo,

levando, conseqüentemente, o destinatário a ter uma percepção positiva do objeto

referenciado.

Mais um aspecto significativo para uma mensagem publicitária é o uso das figuras

retóricas, que, embora sejam próprias do “discurso aberto”, por seu poder de ampliar a

expressividade lingüística da mensagem, reforçando a união de interesses tanto do enunciador

como do enunciatário, foram conduzidas para o “discurso fechado” ou persuasivo.

Vasconcelos (1997) declara que o desenvolvimento da mercadoria, enquanto objeto de

desejo extremado na sociedade tecnológica, aperfeiçoa estratégias para criar novos

consumidores e atinge a infância, contradizendo o mito da pureza e da incapacidade às

delícias do consumo. Isso corrobora a idéia de que cada vez mais as crianças tornam-se

consumidoras em potencial e um público atingível, pois parte da infância sacia os seus desejos

de consumista, já que uma outra parte, aquela que não tem poder aquisitivo para tal, é

marginalizada, excluída por não estar atendendo aos padrões ditados pela sociedade, pela

mídia.

Um outro aspecto de destaque no comportamento infantil é a imaginação. Krammer

(1993) já defendia que a imaginação e a realidade estão também relacionadas, na medida em

que é possível criar uma obra, um objeto ou um instrumento, que não corresponde a nenhum

objeto real. Assim, a experiência – ampliada pela imaginação – materializa-se num produto.

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Por tudo isso, propõe-se neste trabalho, analisar os recursos lingüísticos e retóricos

empregados em mensagens publicitárias impressas em revistas direcionadas ao público

infantil, bem como o uso de outros recursos, como imagens e cores, e as relações entre eles,

para construir a persuasão. E, a partir desse objetivo maior, pretende-se: (1) distinguir e

caracterizar propaganda e publicidade; (2) descrever e analisar os textos publicitários

argumentativo, narrativo e descritivo; (3) identificar, caracterizar e analisar a ocorrência dos

recursos polissemia e antonímia na construção das publicidades; (4) caracterizar e analisar as

figuras de retórica (metáfora, metonímia e hipérbole), enquanto estratégias de construção das

mensagens publicitárias.

Por fim, pretende-se esclarecer que o discurso publicitário para crianças será, neste

trabalho, visto como uma construção que se vale da retórica não como recurso de

ornamentação discursiva, mas como fonte de elementos lingüísticos geradores e

fortalecedores da persuasão.

Aspectos Metodológicos: Caracterização do Corpus e Tratamento dos Dados.

O corpus analisado constitui-se de 15 (quinze) textos publicitários impressos, de

dezesseis produtos diferentes destinados ao público infantil de empresas nacionais e

multinacionais, selecionados em 36 (trinta e seis) edições da revista infantil Recreio da

Editora Abril, no período de outubro de 2000 a outubro de 2003, que foram escolhidas da

coleção pessoal de uma criança com 8 (oito) anos hoje, conforme a discriminação no quadro

abaixo:

MESES / ANOS

EDIÇÕES

Nº DE TEXTOS

SELECIONADOS

10 / 2000 31 02

03, 05, 12 / 2001 54, 55, 62, 94 04

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01 / 2002 98 02

03, 04, 05, 06, 07, 08, 09,

10, 11 / 2003

179, 183, 173, 193, 175, 187, 163,

167, 174, 188, 190, 169, 195, 194,

182, 177, 168, 170, 172, 166, 180,

191, 176, 181, 165, 171, 184, 156,

186 / 2003

07

Os textos serão utilizados para análise durante o desenvolvimento do trabalho, ou seja,

o corpus será analisado concomitantemente com a fundamentação teórica, através da

descrição das bases teóricas pertinentes, no próprio capítulo temático, ou seja, em alguns

casos, motivado pela abrangência do tópico de discussão aliada aos objetivos deste trabalho,

no final do mesmo, ou ainda, em itens distintos. Ressalte-se, também, que a análise dos textos

será feita, ora sob a forma de fragmentos, ora utilizando-se a totalidade de alguns deles,

sempre de acordo com suas respectivas particularidades lingüísticas e, sobretudo, em

conformidade com o objeto de estudo desta pesquisa.

Saliente-se que os textos serão aqui identificados pelo nome do produto ou Empresa,

objeto da publicidade. A seguir, apresentamos, em um quadro, a relação dos títulos dos textos,

numerados seqüencialmente e com a identificação da edição da revista Recreio que os

apresentou:

Nº DE ORDEM TÍTULO DO TEXTO EDIÇÕES DE ORIGEM

01 KELLOG’S Ano 4, nº 179, 14 / 08 / 2003

02 RIACHUELO Ano 4, nº 174, 10 / 07 / 2003

03 NESTLÉ NESCAU Ano 1, nº 31, 04 / 10 / 2000

04 MOCINHA Ano 2, nº 55, 29 / 03 /2001

05 CARTOONS NETWORK Ano 4, nº 163, 24 / 04 / 2003

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06 MILKYBAR Ano 2, nº 62, 17 / 05 / 2001

07 CHUPA CHUPS MARGARIDA Ano 2, nº 98, 24 / 01 / 2002

08 REI LEÃO Ano 4, nº 190, 30 / 10 / 2003

09 CRAZY SHOCKS Ano 2, nº 98, 24 / 01 / 2002

10 STICKERS WITCH Ano 4, nº 188, 16 / 10 / 2003

11 LOJAS AMERICANAS Ano 4, nº 186, 02 / 10 / 2003

12 BISCOITOS DIGIMON Ano 1, nº 31, 04 / 10 / 2000

13 REVISTA SERAFIM Ano 2, nº 62, 17 / 05 / 2001

14 HOPI HARI Ano 4, nº 163, 24 / 04 / 2003

15 ESTRELA Ano 2, nº 55, 29 / 03 / 2001

A escolha do meio “revista” deu-se por ser um meio de comunicação e informação de

maior vida útil que o jornal, o rádio e a TV, e por ser específica para um determinado público,

no caso, a revista Recreio tem como público direto as crianças e, indireto, os pais que são os

compradores da revista.

Entre as diversas revistas para o público infantil, selecionamos a revista Recreio da

Editora Abril por publicar reportagens e propor atividades que despertam na criança o

encantamento pelo conhecimento de si mesmo e do mundo ao seu redor; tentar fazer do

conhecimento uma diversão, numa perspectiva pedagógica de desenvolver a capacidade

lógica, criativa e leitora, ao trabalhar com textos de vários gêneros, inclusive textos científicos

e de informação cultural. A revista apresenta seções, como: jogos, atividades, curiosidades,

coleções, fique por dentro, dicas de leitura e outras. Sabe-se que a revista atende a uma

parcela do público infantil, pois tem um custo alto, periocidade semanal, e isso, representa

uma despesa a mais no orçamento familiar, logo, atinge apenas crianças de classes sociais

mais favorecidas.

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16

Quanto à metodologia de análise, submetemos os dados à caracterização dos textos

publicitários em argumentativos, narrativos e descritivos, à semântica, como suporte para os

recursos da polissemia e da antonímia, além da Retórica, com as figuras de linguagem e os

outros recursos visuais para atingirmos os objetivos propostos.

Destacamos que a análise qualitativa é predominante em todo o desenvolvimento da

investigação, já que os dados sofrem um tratamento fundamentalmente interpretativo.

Por último, salientamos que este estudo concentrar-se-á nas diversas manifestações do

corpus, recursos lingüísticos, escolha e significação das palavras, uso de imagens e cores,

utilização de argumentos persuasivos e das figuras de retórica para atingir os sentimentos e

desejos de seus leitores – compradores / consumidores.

Hipóteses do trabalho

Esta dissertação objetiva investigar o tema proposto, sob duas hipóteses: (1)

Atualmente, as crianças de famílias de classes média e alta tornaram-se “consumidoras” em

potencial, pois influenciam seus pais e familiares na compra de vários produtos, pos isso, as

empresas investem cada vez mais em publicidades destinadas ao público infantil; (2) os textos

publicitários para as crianças utilizam-se de recursos lingüísticos, como a polissemia e a

antonímia, e figuras retóricas, como a metáfora, a metonímia e a hipérbole para a construção

de mensagens persuasivas, além do jogo das cores e das imagens.

Organização do Trabalho

Este trabalho contém, inicialmente, a Introdução, em que se situa e defini-se a

“publicidade infantil”, no meio de comunicação de massa “revista”, e apresentam-se a

justificativa e os objetivos que nortearam a investigação, os procedimentos metodológicos e o

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tratamento e natureza dos dados, além das hipóteses de trabalho e esta estrutura

organizacional da dissertação.

Seguem-se à introdução, a fundamentação teórica e análise do corpus, num enfoque

integrado – teoria e análise -, que se estende ao longo dos três capítulos.

Assim, a análise do corpus dar-se-á simultaneamente à descrição dos fundamentos

teóricos pertinentes, ou, em alguns casos, como já foi dito, por necessidade da abrangência

temática e, principalmente, por atendimento aos objetivos propostos por esta dissertação,

seqüenciará o suporte teórico dos capítulos correspondentes.

A necessidade de distinguir e caracterizar “propaganda” e “publicidade”, entendidas,

muitas vezes, como sinônimos ou empregadas indistintamente, e a construção do discurso

argumentativos para a construção dos textos publicitários, bem como a caracterização do

gênero publicitário, levaram-nos ao primeiro capítulo – Publicidade e análise dos textos

publicitários -, que estará fundamentado nas teorias de Sandmann (1997), Reboul (1998),

Vestergaard & Schroder (1988), Carvalho (2002) e Bhatia (1997).

No segundo capítulo – O público alvo e sua relação com a publicidade - ,

procuramos caracterizar o público infantil, seus desejos e sua influência na construção das

publicidades, além da relação das cores com o verbal, com o constexto em que são produzidos

os textos, observando as teorias de Calligaris (1994), Vasconcelos (1997), Crepaldi (s.d.) e

outros.

O terceiro capítulo – Recursos Lingüísticos -, fundado nas teorias de Biderman

(1994), Pezatti (1998), Carvalho (1996) e (2002), Correia (1998), Kagan (1984), Lyons

(1970), entre outros pesquisadores, abordará a polissemia e a antonímia como recursos

construtores da plurissignificação das palavras, resultantes do emprego das figuras de retórica.

O quarto capítulo – A Retórica e o Uso das Figuras -, abordará a relação da retórica

com a publicidade, ao se construir o discurso persuasivo e o emprego das figuras mais

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recorrentes (metáfora, metonímia e hipérbole) para a construção das publicidades, conforme

as abordagens de abordagens de Citelli (2000), Volquin & Capelle (s.d.), Dubois (1974),

Perelman (1996), Carvalho (2002), Lopes (1986), Platão & Fiorin (1990), entre outros

teóricos da Ciência Lingüística.

Seguir-se-á ao desenvolvimento descritivo-analítico desses capítulos, a Conclusão que

apresentará as considerações finais do analista sobre o tema pesquisado, suas constatações

pertinentes e sugestões. Depois dela, encontrar-se-á a Bibliografia que serviu de base teórica

a este estudo.

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CAPÍTULO 1 - PUBLICIDADE E ANÁLISE DE TEXTOS

PUBLICITÁRIOS

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1.1 – Conceitos de publicidade e a linguagem publicitária

“A propaganda seduz nossos sentidos, mexe com nossos desejos, revolve nossas

aspirações, fala com nosso inconsciente, nos propõe novas experiências, novas atitudes, novas

ações”. Com essa asserção, Sampaio (1999:21) nos faz refletir sobre o fantástico poder da

propaganda, bem como da publicidade, sua influência na mudança de atitudes, nos costumes e

valores dos povos.

Os termos propaganda e publicidade são usados por alguns cientistas da

comunicação e da linguagem com distinção conceitual e prática. Um deles é Patrick

Charaudeau (1984), que considera o termo propaganda mais abrangente do que publicidade.

O primeiro constituir-se-ia de mensagens políticas, religiosas, institucionais e comerciais,

enquanto o segundo relacionar-se-ia apenas a mensagens comerciais.

Para Carvalho (2002, p. 10), embora a propaganda e a publicidade utilizem-se

de métodos semelhantes para a consecução de seus propósitos, distinguem-se quanto ao

universo que exploram. Assim, “a propaganda política (institucional, religiosa, ideológica)

está voltada para a esfera dos valores éticos e sociais, enquanto a publicidade comercial

explora o universo dos desejos, um universo particular”, sendo mais “leve” e mais “sedutora”,

já que o seu objetivo é de convencer e influenciar o receptor na compra de determinado

produto, sem demonstrar suas verdadeiras intenções, utilizando recursos de ordem (fazendo

agir), a persuasão (fazendo crer) e a sedução (buscando o prazer).

Ramos (1998, p. 13-14), por sua vez, afirma que muitos estudiosos do assunto –

“professores e teóricos da comunicação” – costumam fazer essa distinção com base na raiz

inglesa, em que “propaganda nomeia o geral da atividade, advertising o particular do negócio

e publicity ou free-publicity se associa mais a relações públicas”.

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Semelhante afirmação nos é dada também por Sandmann (1993, p. 9-10), quando

diz que, no inglês, o termo “propaganda é usado exclusivamente para a propagação de idéias,

especialmente políticas, tendo muitas vezes uma conotação depreciativa, sendo que para a

propaganda comercial ou de serviços se usa o termo advertising”. Já na língua portuguesa,

segundo esse mesmo autor, costuma-se fazer certa distinção entre publicidade e propaganda: o

primeiro se usa para a venda de produtos e serviços, enquanto o segundo se presta “tanto para

a propagação de idéias como no sentido de publicidade”.

Assim tal como Charaudeau (1984), conclui Sandmann (1993) que o termo

propaganda é mais abrangente, podendo, por isso mesmo, ser usado em quaisquer sentidos.

Sampaio (1999, p. 25) também defende estar no inglês a diferença entre

advertising, que seria o anúncio comercial, ou a “propaganda que visa divulgar e promover o

consumo de bens (mercadorias e serviços); assim como a propaganda dita de utilidade

pública, que objetiva promover comportamentos e ações comunitariamente úteis”; e publicity,

que se referiria a informações disseminadas editorialmente sobre pessoas, empresas, produtos,

entidades, idéias e eventos, sem que para isso o anunciante desembolse qualquer quantia pelo

espaço ou tempo na mídia para a divulgação da informação ou comunicação publicitária.

Por outro lado, propaganda seria a divulgação de idéias “de caráter político,

religioso ou ideológico”.

Embora reconheça que em inglês haja essa distinção, o autor conclui que esses três

conceitos, em português, fundem-se nos termos ‘propaganda’ e ‘publicidade’, os quais usa,

indistintamente, es sua considerações pertinentes ao tema.

Já Vestergaard & Schroder (1998), numa tentativa de dirimir a questão sobre o

conceito propaganda, falam dos seus tipos e começam expondo a opinião de Leech (1966, p.

25), segundo a qual, a propaganda, em sua maior parte, é do tipo comercial ao consumidor,

aquela esfera onde se aplica mais dinheiro e mais talento e que nos afeta mais profundamente.

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Ainda cabe a reflexão sobre algumas contradições que envolvem, num sentido

mais restrito, as definições de ambos os termos. Assim, para o publicitário francês Roberto

Leduc, propaganda é ‘o conjunto dos meios destinados a informar o público e convencê-lo a

comprar um produto ou serviço’. Em contrapartida, Eugênio Malanga define publicidade, de

modo totalmente oposto, como ‘o conjunto de técnicas de ação coletiva utilizadas no sentido

de promover o lucro de uma atividade comercial, conquistando, aumentando ou mantendo

clientes’ (Pinho, 1990, p. 15).

Convém registrar, ainda, sob forma de ilustração um adiantamento histórico a esse

respeito: em 18 de julho de 1965, a Lei nº 4.860 regulamentou o exercício da profissão de

publicitário no Brasil, e, sem polemizar, utilizou “sem distinguir os dois termos”. Nela se

definem publicitários os “que exercem funções de natureza técnica da especialidade, nas

agências de propaganda”, e agência de propaganda a “pessoa jurídica especializada na arte e

técnicas publicitárias”.

Desse modo, entende-se que, “na prática, as expressões agência de publicidade e

agência de propaganda são usadas indistintamente, enquanto os termos publicidade e

propaganda são sinônimos”, conclui Pinho (op. cit.: 16).

No entanto, neste trabalho, usaremos apenas o termo publicidade para designar os

textos que visam a “persuadir o ouvinte e provocar a realização de uma ação predeterminada”,

pois não trabalharemos com aqueles que visam à difusão de serviços ou idéias, mas apenas

produtos.

No mundo da publicidade, o texto deve ser criado a partir do efeito desejado;

pensa-se inicialmente nas conseqüências, para se pensar na causa e na sua composição. E para

tal, são explorados os mais variados recursos semânticos, léxicos e estilísticos de que a língua

dispõe. O importante é conquistar mercados e a confiança dos consumidores.

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A linguagem publicitária tem o papel de transformar os nossos desejos em

realidade, o “paraíso dos sonhos”; ela sempre torna as coisas simples em algo extraordinário.

Nas relações sociais estabelecidas em casa, na escola, no trabalho evitamos dar ou receber

ordens, ou melhor, construímos atos de fala que caracterizam o contexto íntimo, fraternal ou

de amizade por solicitações, como: “Por favor, feche a porta!”; entretanto, na publicidade, o

receptor está disposto a receber ordens do tipo: “Faz um 31!”, através de uma linguagem

sutil, construída pelo emprego inadequado do verbo no imperativo.

Segundo De Plaas e Verdier (1979, p. 32), a mensagem publicitária é elaborada

seguindo cinco etapas:

1. Impacto fisiológico – escolha do meio, lugar, visibilidade, legibilidade, audibilidade. 2. Impacto psicológico – efeito surpresa, despertar do interesse, riso e agrado. 3. Manutenção de atenção – reação mnemônica e criação de ambiente otimista. 4. Convencimento – desenvolvimento da argumentação e da credibilidade. 5. Determinação de compra – fim último da mensagem, que busca manter a clientela por meio da convicção (persuasão) ou da simpatia (sedução).

O objetivo da mensagem publicitária é mudar a atitude do receptor, a fim de que

ele adquira o produto. Para tal, ao elaborar o texto, o publicitário leva em consideração,

primeiramente, o público para o qual a mensagem está sendo criada; depois, a escolha de

palavras que consigam convencer por estarem relacionadas ao seu mundo, grupo social ou às

suas preferências. Também considera o interior do ser humano, suas expectativas, seus

desejos, valorizando as qualidades e não os defeitos das coisas e dos seres. Assim, vale-se de

palavras e expressões positivistas, ou melhor, adjetivos com traços de positividade. Matos

(1996) mostra que uma determinada campanha publicitária lançada numa revista de

circulação nacional capitalizou 20 adjetivos com traço de positividade: única, novos,

especiais, avançada, incontestável, exclusivas, marcante, moderno, inteligente, irresistíveis,

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melhor, excelente, sofisticados, absoluto, constante, total, tranqüilo, instantâneas, sem falha,

com economia.

Carvalho (2002, p. 39) também apresenta uma pesquisa em que há alta freqüência dos

seguintes adjetivos: perfeito, bom, único, leve, prático, gostoso, moderno, grande, original,

natural, verdadeiro, bonito, elegante, completo, especial, sofisticado, saudável, delicado,

confortável e delicioso. Esse uso justifica os três atos fundamentais da mensagem publicitária,

segundo Péninou (apud Carvalho, 2002): nomear – conferir uma identidade por meio de um

nome; qualificar – estabelecer uma personalidade por meio de atributos; exaltar – garantir a

promoção por meio da celebração do nome e seus atributos.

Nos textos publicitários para as crianças detectamos um grande número de palavras e

expressões positivas que tentam seduzir o consumidor para adquirir o produto, através da

realização dos seus anseios, seja pelo uso de adjetivos ou de intensificadores. Levantamos a

seguinte lista: energia, turbinado, surpresa, perfeita, deliciosa, força radical, supercrocante,

motivação, deliciosos, divertido, gostoso, diferente, incrível, especial, fofos, novidade,

alegria, diversão, grandes, aventura, famoso, o melhor.

Por último, vale a pena acrescentar uma curiosidade relativa à temática propaganda /

publicidade: Crystal & Crystal, in Words on Words: Quotations about language and

languages (2000, p. 277), reportando-se às questões de linguagem da ‘propaganda’ e

‘publicidade’, afirmam que o escritor canadense Vilhjalmur Stefansson (1879 – 1962), em sua

obra póstuma Discovery (1964), diz que ‘a publicidade não-ética utiliza mentiras para enganar

o público; a propaganda ética usa a verdade, para o mesmo fim’. E, ainda, segundo o autor

britânico Francis M. Cornford, no Prefácio à Microcosmographia Acadêmica (1922), apud

Crystal & Crystal (2000: 180), ‘propaganda é o ramo de mentir que consiste em quase

enganar seus amigos sem bem enganar seus inimigos’.

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A publicidade é, assim, talvez, a manifestação lingüística legítima e efetivamente mais

rica da atualidade. Através dela, as instituições, com um discurso convincente e persuasivo,

até mesmo “auto-afirmador”, buscam, antes de “vender” um produto, construir, junto à

opinião pública, ao destinatário primeiro de suas mensagens, uma imagem positiva, ou seja,

uma “imagem desejada pelos outros”, no dizer de Brown & Levinson (1987), ou ainda, uma

imagem que se identifique “com os gostos, causas, interesses e sonhos de seus interlocutores”,

conforme pensamento de Halliday (1987:24) e como afirmam os seguintes teóricos:

A publicidade não cria necessidades novas. Ela não é capaz disso. Ela as pode revelar, despertá-las, mas nunca fabricá-las: aquilo que nos impõe já está em nós. (BAYLON, Christian & MIGNOT, Xavier. La publicité. La communication. Paris: Nathan, 1994).

1.2 - - O texto publicitário argumentativo e sua análise

Vestergaard e Schroder (1988) afirmam que a publicidade constitui uma forma de

comunicação pública verbal e não-verbal, assim como a maior parte das diversões públicas: o

cinema, a televisão e as histórias em quadrinhos.

O que se passa entre os participantes do processo de comunicação recebe o nome

de texto e o objeto de estudo numa análise da comunicação, seja uma conversa durante uma

recepção, um romance, um filme ou um anúncio. No estudo dos textos, deve-se observar que

o texto existe numa situação particular de comunicação; é uma unidade estruturada e

comunica significado.

No entanto, como se tem evidenciado no dia-a-dia da vida social humana, a

comunicação não se limita apenas à faculdade de tornar comum aos outros as coisas que

desconhecem, nem tampouco se restringe a transmitir informações ou conhecimentos

necessários ao cotidiano da vida social. Antes deve ser vista sob o aspecto da influência na

mudança de atitudes e formas de comportamento das pessoas, pois, segundo Berlo (1989),

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“nós nos comunicamos para influenciar – para afetar com intenção. Todo comportamento de

comunicação tem um objetivo, uma meta, que é produzir certa reação”.

E, nessa busca de influenciar as pessoas através da comunicação, é preciso “extrair

dela a informação, julgar o valor dos argumentos e perceber os ‘efeitos de sugestão’. Faz-se

necessário, portanto, levar em conta o destinatário, estabelecendo com ele uma comunicação

verdadeira, pois “comunicar é também reconhecer a existência do outro. É antes de tudo uma

questão de respeito” (Vanoye, 1993, p. 110).

Vestergaard & Schroder (1988) ratificam a afirmação de Vanoye (1993),

esclarecendo que a comunicação depende, em grande parte, dos acontecimentos anteriores

que envolvam emissor e receptor, além do conhecimento que ambos detêm da sua própria

situação sociocultural, pois “todo ato de comunicação se verifica em dada situação, num

contexto”.

Ressaltam também os autores que, em se tratando do discurso publicitário, objeto

deste trabalho, “a relação entre esse modelo abstrato e genérico de comunicação e a

verdadeira situação é perfeitamente clara”, uma vez que, nesse tipo de discurso, quem anuncia

é o emissor e quem recebe e a mensagem é o ouvinte ou o leitor. Uma mensagem que pode

“vender” um produto, uma marca ou um serviço a ser prestado. O código (no caso do anúncio

impresso), por sua vez, resume-se à linguagem escrita, e, às vezes, a “uma certa espécie de

código visual”, cujo canal se constitui de publicações impressas e o contexto inclui aspectos

como a situação do leitor.

A partir disso, o texto publicitário, a fim de garantir a comunicação, ou seja,

conduzir o receptor a dar respostas aos estímulos recebidos, a fazê-lo se sentir como ser

pensante e influente a agir no mundo, utiliza-se do discurso argumentativo para se constituir

como tal.

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Charaudeau (1992, p. 803) declara que argumentar não significa apenas emitir

idéias sobre o mundo, faz-se necessário que estas idéias estejam inseridas no âmbito de um

questionamento que poderá acarretar um ato de persuasão.

Todo processo argumentativo é constituído de uma opinião (ou tese) construída

pela combinação de asserção e encadeamento; de que o sujeito que fala tome posição em

relação à veracidade de uma tese existente; e que ele diga porque ele está concordando ou

discordando, que ele desenvolva um ato de persuasão.

Esse mesmo autor afirma que há uma razão demonstrativa (mecanismos que

estabelecem as ligações lógicas) e uma razão persuasiva (mecanismos que se empenham em

estabelecer a prova mediante argumentos que justifiquem as opiniões ditas sobre o mundo).

Os mecanismos lingüísticos que estabelecem a articulação lógica são as categorias

lógico-lingüísticas denominadas conjunção, disjunção e casualidade (implicativa, explicativa

e hipotética).

O modo argumentativo desenvolve-se numa intenção racionalista e se presta ao

raciocínio que é marcado por uma lógica e um princípio de não contradição.

Para que ocorra a argumentação é preciso:

1. uma opinião (idéia a respeito do mundo);

2. um sujeito-argumentante (alguém que se comprometa em relação a uma

convicção);

3. um sujeito-meta (o alvo da argumentação, para quem a opinião é dirigida).

Ao analisarmos o texto 1 (Kellogg’s), percebe-se que, através de uma relação

lógica entre o verbal e o não-verbal, estabelece-se a argumentação. Ela se caracteriza a partir

da opinião de que “Sucrilhos Kellogg’s é energia para vencer nos esportes, nas brincadeiras e

na escola”, construída por um sujeito-argumentante – não se evidencia através do lingüístico,

o enunciado torna-se delocutivo; o “eu” é mascarado pela opinião que surge do nada, a

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verdade imposta; para um sujeito-meta que, no caso, são os pais (compradores) e real-

consumidor, as crianças; estrutura própria da publicidade infantil, na qual o adulto é o

comprador, mas a criança é o consumidor real. A lógica argumentativa é construída por

asserções de partida, passagem e de chegada, como a declara Charaudeau (1992, p. 787). A

asserção de partida é quem vai indicar a asserção de chegada, ela é o problema: “Como

vencer nos esportes, nas brincadeiras e na escola?”; as asserções de passagem são

construídas por argumentos, classificados segundo Perelman (1998) em pragmáticos e de

autoridade. Os pragmáticos revelam um julgamento de valor quanto à funcionalidade ou

praticidade de algo em função de suas conseqüências presentes ou futuras. O que há de mais

interessante neste tipo de argumento é que ele pode considerar as boas conseqüências de uma

tese como prova de uma verdade. Isso ocorre quando se diz que ‘Kellogg’s’ é energia e que

você pode fazer parte desse time, o time dos que consomem este produto. Já os de autoridade

são construídos a partir de atos ou julgamentos de uma pessoa ou grupo de pessoas de

prestígio, como prova de uma tese. O valor desse argumento dependerá da opinião da pessoa

ou do grupo de pessoas a quem o argumento se destina. Normalmente, usam-se as

declarações, opiniões, fotografia ou imagem de personagens do mundo artístico, esportivo,

cultural e, algumas vezes, político; no texto 1, esse argumento é construído pela figura do

tigre. Ainda em relação a esse texto, destacamos o procedimento da singularização ao

empregar o advérbio SÓ, procurando distinguir o produto de todos os outros possíveis,

tornando-o único. Segundo Charaudeau, para construir a organização argumentativa do

discurso publicitário, utilizam-se os recursos da singularização e da pressuposição. A

singularização é uma estratégia que visa contrapor uma possível objeção do tipo “existem

outros meios de obter R”, afirmando que só aquela tal marca permitirá obter R= resultado. A

marca lingüística típica da singularização é o adjetivo “único (a)” e outras formas menos

freqüentes: qualificação (o melhor, a melhor), a novidade (o mais novo, a mais nova), o

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modelo (ser igual a tal produto / marca) ou a exclusividade (o, a, só), ocorrente neste texto. Na

pressuposição, tenta-se construir uma imagem do destinatário de modo que ele não recuse o

produto; no texto 1, a pressuposição visa contrapor outra objeção: “Você não quer ser fraco

ou ficar fora desse time, por isso, você não deixar de querer os Sucrilhos Kellogg’s” = R

(resultado).

Um outro aspecto a ser destacado é a relação que o texto estabelece com a realidade;

o produto (sucrilhos), normalmente, é consumido por pessoas de classe média e alta, bem

como a revista que é destinada também ao público infantil dessas classes, assim, o não-verbal

remete-se a esse contexto, através da imagem de um bairro com a presença de prédios altos,

quadras, arborização, características próprias dos bairros onde moram as classes mais

privilegiadas.

Além disso, o texto e a imagem constroem uma metáfora ao comparar o adolescente a

um tigre, seja pela figura, seja pelas características: força, energia, ser “turbinado”,

construindo o juízo comparativo da relação subjetiva dos atributos à forma da imagem; e até

mesmo pelas expressões: “água na boca” e “sede de energia”, atitudes dos carnívoros ao sentir

fome. Também a presença da hipérbole, ao descrever o exagero de atividades a serem

realizadas por quem consome o produto – vencer nos esportes, nas brincadeiras e na escola.

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TEXTO 1

(Revista Recreio, ano 4, nº 179, 14 / 08 / 2003)

Ao analisar diversas publicidades destinadas ao público infantil, encontramos tanto

argumentos pragmáticos como de autoridade. Os de autoridade causam maior influência, pois

trazem para o mundo infantil os personagens da TV, dos quadrinhos. Hoje, há produtos dos

mais variados gêneros, de um pacote de biscoitos a um microcomputador, alusivos a várias

figuras artísticas (sandalinha da Sandy, cozinha da Eliana, bicicleta da Barbie, computador da

Xuxa, etc). Dentre as dezesseis (16) publicidades analisadas neste trabalho, nove (9)

apresentam argumentos de autoridade, principalmente, através de imagens de personagens da

TV e das histórias infantis.

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Assim, de maneira geral, o discurso publicitário dos meios populares de difusão

(TV, revista, outdoor, etc) apelam para a razão persuasiva, diferentemente dos textos

publicitários divulgados em revistas técnicas que buscam a razão demonstrativa, pois a

argumentação baseia-se em configurações explícitas, a fim de construir a lógica do

convencimento, a sedução.

1.3 - O modelo de Greimas e sua relação com a publicidade

Greimas (1996) propõe vários modelos para a análise da estrutura do conteúdo de

textos. Um modelo interessante, empregado normalmente para a análise de mitos e contos

populares, é o actancial.

De acordo com Greimas (apud Vestergaard/ Schroder 1998), as narrativas são

analisáveis em termos de três pares de actantes e respectivas relações:

Sujeito – objeto

Adjuvante – opositor

Doador - receptor

O sujeito compete por algum “objeto” desejado; um “opositor” vai de encontro aos

seus esforços; surge um adjuvante para ajudar o sujeito que, finalmente, é contemplado pela

decisão do “doador” que dá o objeto ao “receptor”.

Aplicamos esse modelo, através do esquema, na análise do conto de fadas Branca

de Neve e os Sete Anões.

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No caso, Branca de Neve (sujeito) compete com seu opositor, a madrasta/espelho,

pelo seu objeto de desejo, a beleza. Surge então, os anões com o papel de adjuvantes que,

com a decisão do caçador (doador) devolve a beleza (vida na história) a Branca de Neve que

se une ao príncipe, o receptor da beleza da Branca de neve. Observa-se que os actantes

desempenham papéis abstratos que, na narrativa concreta, são representados por atores

concretos.

Como em qualquer anúncio publicitário, três elementos são indispensáveis para o

sucesso: o anunciante, o produto e o comprador em potencial; um está ligado intimamente ao

outro. É necessário identificar quem quer vender, o quê e para quem o produto se destina ao

se construir o texto. Vestegard & Schroder (1998) afirmam que o modelo actancial de

Greimas ajusta-se muito bem para a análise do conteúdo dos textos publicitários que exploram

o que ele considera “bisbilhotice”. Talvez por isso ou por adequar-se à análise de textos

narrativos e populares, este modelo sirva tão bem para a publicidade infantil.

DOADOR (caçador)

OBJETO (beleza)

RECEPTOR (príncipe)

ADJUVANTE (anões)

SUJEITO (Branca de

Neve)

OPOSITOR (madrasta/espelho)

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TEXTO 2

(Revista Recreio, ano 4, nº174, 10 / 07 / 2003)

Ao aplicarmos o modelo de Greimas para analisar uma publicidade infantil (texto

2), construímos o seguinte esquema:

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DOADOR (mãe)

OBJETO (brincadeira)

RECEPTOR (criança)

SUJEITO (criança)

OPOSITOR (compras de valor inferior a R$ 30)

brinc

brinc

propõ

adjuv

se co

poder

comp

valor

objet

Riach

argum

Riach

você)

argum

suste

de br

ADJUVANTE(roupinha da Riachuelo)

Pelas imagens das crianças e o ícone em destaque do ioiô, não há dúvidas de que a

adeira do ioiô é o objeto desejado que o sujeito ‘a criança’ persegue, algo abstrato (a

adeira), não o objeto ioiô. Para adquirir o objeto, o sujeito é auxiliado pela loja que

e a compra da roupinha Disney para que se consiga o brinquedo, nesse caso, o

ante. O opositor está representado pelo poder de compra, de certo modo a loja exige que

mpre acima de R$ 30,00 para que o sujeito possa conseguir o objeto. Mas só quem

á decidir pela compra é a mãe da criança, que exerce o papel de doador ao realizar as

ras, pois não é normal que uma criança dirija-se a uma loja e faça um compra acima do

proposto. Finalmente, a criança também é o receptor, porque é quem irá usufruir o

o.

A construção da argumentação se dá a partir da opinião de que passando na

uelo, você ganha uma roupa da Disney e um ioiô, apresentada pelo sujeito-

entatante que não aprece claramente, é um ‘alguém’ que faz o convite para que se vá a

uelo (locutor effacé). O sujeito-meta é identificado pelas marcas lingüísticas (sua, seus e

, representado pelo consumidor-real: a criança; pelo comprador: a mãe. A lógica

entativa parte do problema “Quer ganhar uma roupinha da Disney e um ioiô?”,

ntada pelos argumentos pragmáticos “poder brincar; ter um objeto novo; fazer coleção

inquedos” e pelos argumentos de autoridade: as figuras dos personagens da Disney.

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Assim, é possível construir a inferência de que se a criança conseguir levar a mãe até a loja,

ganhará uma roupa e um brinquedo novo; além disso, caso ela compre mais de R$ 30,00 terá

a chance de ganhar outros ioiôs para brincar com os amigos e fazer a coleção, para se chegar

a solução: passar com a mãe numa loja Riachuelo. Percebemos que a persuasão é construída

através de argumentos baseados no jogo ganhar ou perder, desencadeando uma solução. A

prova da razão persuasiva está em procurar advertir o sujeito-meta (consumidor real): “Quer

ganhar uma roupinha da Disney e um ioiô?”; e se oferecem sugestões de como conseguir:

“Hipnotize sua mãe balançando o anúncio pra lá e pra cá”; “seus amiguinhos da Disney

acabam de chegar na Riachuelo. E a cada 30 reais em compras você ganha um ioiô para

brincar. São cinco deles para colecionar”, através dos procedimentos de pressuposição: “Quer

ganhar uma roupinha da Disney e um ioiô?” e singularização: “É só pedir pra sua mãe passar

na Riachuelo”.

Concluímos através da análise a típica representação dos papéis actanciais que, às

vezes, torna-se mais evidente em alguns anúncios que outros. Mas nos anúncios infantis,

percebe-se uma clara distribuição dos actantes. Vale salientar que é de interesse da

publicidade que o objeto não seja algo concreto, o produto, mas alguma qualidade ou estado

associado a ele, e de que os papéis de sujeito e receptor sejam representados por você,

consumidor. Enfim, a publicidade realmente apresenta o seu objetivo maior – realizar desejos,

sonhos, fantasias – e não de que precisamos dos produtos em si; eles nos ajudam a

conseguirmos atingir aquilo que sentimos ou que nos falta, no caso das crianças, as

publicidades sempre recorrem às brincadeiras.

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1.4 – Gênero Publicitário: Integridade genérica X tendência à inovação

O trabalho de análise de gêneros de Bhatia (1993) parte da posição de Swales

(1990), enfatizando a partir da definição deste, os aspectos de propósito comunicativo e

comunidade discursiva.

Swales assim define gênero:

Um gênero é um evento comunicativo caracterizado por um conjunto de propósitos comunicativos mutuamente reconhecidos pelos membros da comunidade profissional ou acadêmica na qual ele regularmente ocorre. Na maioria dos casos, ele é altamente estruturado e convencionalizado com restrições quanto às contribuições admissíveis em termos de suas intenções, forma, posição e valor funcional. As restrições, no entanto, são muitas vezes exploradas pelos “experts” da comunidade discursiva para conseguir intenções particulares no quadro de objetivos socialmente reconhecíveis.

Apesar de reconhecer a importância das considerações de Swales acerca da

associação de elementos lingüísticos e fatores sociológicos em sua definição, Bhatia

(1993:16) critica a omissão dos fatores de natureza psicológica que desencadeia a idéia de que

os gêneros são estáticos. Sendo assim, propõe sua própria noção de gênero: “Gênero é uma

instância de uma realização bem sucedida de um propósito comunicativo específico, usando

um conhecimento dos recursos lingüísticos e discursivos”.

Reportando-nos aos estudos da teoria dos gêneros na tradição clássica, vale

salientar a proposta de Aristóteles em sua obra “Arte Retórica” de que há três gêneros de

discurso retórico: o deliberativo, o judiciário e o demonstrativo, ou epidítico. Reboul

esquematizou essa construção teórica associando formas, funções e tempo, da seguinte forma:

OS TRÊS GÊNEROS DO DISCURSO

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GÊNERO AUDITÓRIO TEMPO ATO VALORES ARGUMENTO-

TIPO

Judiciário Juízes Passado

(fatos a

julgar)

Acusar /

Defender

Justo /

Injusto

Entinema

(dedutivo)

Deliberativo Assembléia futuro Aconselhar /

Desaconselhar

Útil /

Nocivo

Exemplo

(indutivo)

Epidítico Espectador Presente Louvar /

Censurar

Nobre / Vil Amplificação

Fonte: Olivier Reboul, 1998, p.47 (apud Marcuschi, 2002)

Partindo dessa classificação, pode-se afirmar que o gênero deliberativo é dominante na

construção dos anúncios, cujo objetivo é aconselhar (ato) o público (assembléia) a julgar um

produto / serviço (útil / nocivo), de preferência útil, que o levará (futuro) a realizar uma

compra (ação indutiva).

No texto 3, a lógica persuasiva é construída principalmente pelo não-verbal, ao

apresentar a imagem da canoa numa tigela de Nescau, cujo objetivo é aconselhar as crianças e

os adolescentes a escolher o produto, para que possam ter motivação e energia como

propõem o texto e a própria imagem, comprando-o. Isso implica no gênero deliberativo como

defende Aristóteles. Além disso, a utilização dos argumentos pragmáticos – combinação

perfeita, um cereal supercrocante, o cereal radical, motivação e energia de uma tigela de

Nescau – contribuem para a construção da razão persuasiva. Outros elementos significativos

para a construção do texto é o emprego dos termos força, radical, supercrocante que remetem

à idéia de superioridade, heroísmo, desejos próprios do universo infanto-juvenil. O jogo

polissêmico, através dos termos força radical, tiraram e tigela favorece as figuras de

linguagem; a hipérbole, através do exagero das imagens e das cores, das expressões

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supercrocante, força radical; a metonímia, ao substituir o continente pelo conteúdo – “uma

tigela de Nescau Cereal – favorecendo a idéia de grandeza, ratificada pela imagem; a

metáfora, através da combinação da imagem ao texto verbal, comparando um esporte radical

(canoagem) ao produto anunciado, destacando os sentidos do termo ‘radical’ (1. perigoso; 2.

diferente) ao construir o juízo comparativo, a partir desses atributos.

TEXTO 3

(Revista Recreio, ano 1, nº 31, 04 / 10 / 2000)

A partir dessas definições, o gênero publicitário ou promocional é situado com o

propósito comunicativo de persuadir alguém a comprar um produto, reconhecido pela

imprensa e pela mídia. Além disso, procura estruturar-se atendendo a suas intenções quanto à

forma, à posição, ao valor funcional e aos recursos lingüísticos utilizados que,

convencionalmente, são empregados de maneira criativa e dinâmica.

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Essa teoria de gêneros proposta por Swales e Bhatia, orientada pela consistência de

propósitos comunicativos, caracteriza-se pela ênfase no conhecimento convencionado, que

confere a cada gênero sua integridade, a versatilidade da descrição dos gêneros e a tendência

para a inovação, que destacamos, neste trabalho, no gênero publicitário.

Bhatia declara que os gêneros se definem essencialmente diante do uso da linguagem

em contextos comunicativos convencionados, dando origem a propósitos comunicativos

específicos a determinados grupos que, por sua vez, estabelecem formas estruturais

relativamente estáveis e também podem impor restrições quanto ao emprego de recursos

léxico-gramaticais. Além disso, ressalta três aspectos convencionais interrelacionados que se

destacam na literatura sobre gêneros: recorrência de situações retóricas, propósitos

comunicativos compartilhados e regularidades de organização estrutural.

Aplicando esses três aspectos convencionais ao gênero publicitário, percebemos que

mesmo sendo criativo e dinâmico, apresenta a sua integridade genérica, pois a recorrência a

situações retóricas está diretamente relacionada ao contexto sociocultural, já que no anúncio

promocional o discurso / texto produzido só é compartilhado com o público a que se destina.

Se o anúncio não se refere a um contexto comum de uma determinada comunidade

comunicativa, o seu propósito não terá êxito. Vale ressaltar também que o anúncio não é algo

institucionalizado “da noite para o dia”, desenvolve-se por um bom período de tempo até que

adquire uma estrutura própria que o configura como tal, regularidade genérica.

Sendo assim, a teoria de gêneros tem enfatizado os aspectos institucionalizadores da

construção e interpretação de gêneros.

O segundo aspecto mais importante da teoria de gêneros é a versatilidade genérica,

pois trata do relacionamento entre texto e contexto em sentido estrito, do uso que as pessoas

fazem da linguagem e o que torna isso possível, e de língua e cultura em sentido amplo.

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Swales (1990) e Bhatia (1993) declaram que a análise de gêneros é realmente estreita

em seu foco e ampla em sua visão, pois de um lado combina as vantagens de uma visão mais

geral dos usos da língua, por outro, com sua realização bem específica, usando como critério

privilegiado o propósito comunicativo ligado a uma situação retórica específica. Bhatia

também acrescenta que até mesmo o conceito de propósito comunicativo é muito versátil. A

partir disso, discute a idéia de que dependendo do nível de generalização e detalhamento em

que o propósito comunicativo é especificado, pode-se chegar à condição de identificar o status

de um gênero em particular, bem como o uso que ele faz das convenções genéricas. Para

ilustrar tais considerações, tomamos como exemplo o discurso promocional / publicitário,

através do diagrama:

Acerca do esquema acima, Bhatia tece o comentário de que embora os gêneros sejam

identificados essencialmente em termos dos propósitos comunicativos aos quais tendem a

servir, esses propósitos comunicativos podem ser caracterizados em diferentes níveis de

generalização. Eles podem ser vistos em termos de uma combinação de processos retóricos

que também podem ser considerados como valores genéricos primários. No caso dos gêneros

profissionais, sempre é possível postular diversos níveis de generalização, no qual se

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enquadra o gênero promocional / publicitário que se encontra no nível mais alto de

generalização, diríamos que é uma constelação de gêneros intimamente relacionados, dotados

de um mesmo propósito comunicativo de promover um produto ou serviço para um cliente

potencial. Esses gêneros relacionados seriam os anúncios, as cartas promocionais, inscrições

para empregos, sinopses de livros, panfletos comerciais e tantos outros que apresentam um

alto grau de superposição no propósito comunicativo a que procuram atender, e isso faz com

que façam parte de uma colônia discursiva intimamente relacionada, apesar de que podem

apresentar diferenças sutis em sua realização. Buscando então um nível mais baixo de

generalização, o anúncio, podemos fazer realizações mais específicas, tendo como exemplos

os anúncios impressos, comerciais de TV, anúncios radiofônicos e outros. Mesmo

apresentando disparidades referentes ao meio do discurso, o propósito comunicativo é o

mesmo e, portanto, pertencem à mesma categoria de gêneros, o publicitário / promocional. Se

observarmos o nosso objeto específico de estudo, o anúncio impresso, podemos categorizá-lo

ainda em anúncios diretos, anúncios com associação de figuras e legendas, anúncios baseados

na imagem, homenagens, falsos gêneros, etc. Entretanto, não importam as subcategorias,

todos esses anúncios servem ao mesmo conjunto de propósitos comunicativos, mesmo que

utilizem estratégias diferentes para promover o produto ou serviço.

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TEXTO 4

(Revista Recreio, ano 2, nº 55, 29 / 03 / 2001)

Ao analisarmos o texto 4, assim como os demais textos analisados neste trabalho,

percebemos que todos atendem ao propósito comunicativo do gênero publicitário: o de tentar

persuadir alguém a comprar algo, seja por processos retóricos, lingüísticos, do dinamismo e

criatividade, apresentam sua integridade genérica. Neste texto, o propósito da publicidade é

alcançado, pois ela se refere ao contexto da comunidade comunicativa – os adolescentes - , ao

utilizar questões da mudança da fase infantil para a puberdade, em relação à descoberta da

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relação homem / mulher, assim como ao mundo infantil, ao construir o trocadilho: mocinha /

moçadinha. Em relação aos processos retóricos e lingüísticos, destacamos a relação de

contigüidade promovida pelo termo Mocinha que, nesse caso, sugere o jogo polissêmico

através dos diversos sentidos da palavra: 1. a menina adolescente; 2. o produto Leite Moça da

Nestlé; a partir disso, estabelece a metáfora e a metonímia. A metonímia na substituição do

consumidor (a adolescente) pelo produto; ao se construir o juízo comparativo entre os

atributos do produto (bom, doce, satisfaz sua vontade) com o beijo de uma menina, produz-se

a metáfora.

Bhatia e Swales também propõem as subcategorias dos anúncios impressos – os

anúncios diretos e os baseados em imagem. No caso das publicidades infantis analisadas neste

trabalho, elas apóiam-se mais especificamente no estabelecimento de credenciais como fonte

principal do convencimento – as imagens - , do que a ‘avaliação do produto’, como principal

estratégia persuasiva.

Ainda se referindo ao texto 4, as imagens foram utilizadas como a fonte principal de

convencimento. Além disso, em relação ao uso dos recursos lingüísticos, a publicidade

apoiou-se tanto em estratégias verbais, através dos argumentos, como os estímulos visuais,

inclusive a cor amarela que remete à idéia de sede, fome.

Essas diferenças sutis no uso de estratégias para descrição, avaliação ou diferenciação

do produto não indicam que são gêneros diferentes, pois isso só ocorrerá se houver uma

diferença substancial nos propósitos comunicativos. Além disso, essas diferenças

eventualmente ocasionarão usos específicos dos recursos lingüísticos.

A partir das considerações de Bhatia (1993) já mencionadas, os gêneros podem ser

vistos como o resultado das práticas discursivas convencionadas e institucionalizadas de

comunidades discursivas específicas. Esse conhecimento das convenções genéricas ajuda os

profissionais mais experientes (membros das comunidades discursivas e específicas) a

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identificá-las. No entanto, vale salientar que os gêneros mesmo sendo tipicamente associados

a contextos retóricos recorrentes e sejam identificados com base em propósitos comunicativos

compartilhados, com restrições a possíveis contribuições no uso das formas discursivas e

léxico-gramaticais, eles são construtos dinâmicos. É importante ressaltar o que esclarece

Berkenkotter e Huckin (1995): “... gêneros são estruturas retóricas inerentemente dinâmicas

que podem ser manipuladas de acordo com as condições de uso, e que o conhecimento de

gêneros é, por conseguinte, melhor conceituado como uma forma de cognição situada e

imbricada em culturas disciplinares”.

Surge então, uma contradição da teoria de gêneros: ênfase no aspecto convencional e

na tendência à inovação. Há urna posição que vê o gênero corno um evento textual

teoricamente situado, altamente institucionalizado, o que Bhatia (1993) chama de "integridade

genérica"; outra atribui ao gênero a tendência à mudança e à inovação, explorada na criação

de novas formas para responder a contextos retóricos familiares ou nem tão familiares assim

por membros experientes da comunidade especializada.

Berkenkotter e Huckin (1995) situam os gêneros como "lugar de contenda entre a

estabilidade e a mudança", já que os gêneros mesmo se situando em contextos socioretóricos

específicos, podem responder a novos contextos retóricos, dependendo da necessidade a que é

"obrigado a modelar". Essa habilidade em responder a novos contextos retóricos com base no

conhecimento genérico estabelecido também confere considerável liberdade tática aos

membros especializados da comunidade discursiva em questão, podendo manipular recursos e

convenções genéricas "para expressar intenções particulares dentro da estrutura dos

propósitos comunicativos socialmente conhecidos".

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TEXTO 5

(Revista Recreio, ano 4, nº 163, 24 / 04 / 2003)

O texto 5 atende ao propósito do gênero publicitário, pois o sujeito-argumentante

oferece um produto a alguém, o consumidor-real – as crianças e o comprador, os pais. Além

disso, utiliza as imagens como estratégias para a persuasão, sempre remetendo ao objeto

desejado ‘a diversão, a brincadeira’, ou seja, ao abstrato. No entanto, neste caso, ele se

apresenta como um construto dinâmico, com tendência à inovação, numa imbricação de

gêneros, ao propor, na construção da publicidade, um gênero tipicamente oral, o diálogo:

“Você gosta de cartoons de aniversário?”. O profissional que criou esta publicidade tentou

atender ao propósito comunicativo, aproximando-se do público consumidor, através de uma

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pergunta que, necessariamente, não espera uma resposta, mas sim a compra do produto; até

por que se uma criança fosse responder, certamente, ele diria que “não”, pois criança gosta de

ganhar presentes, não cartões. Apesar de que a tradição do recebimento de cartões é uma

questão cultural, mas é usada desencadear uma relação metonímica, ao substituir o termo

cartões por cartoons (desenho animado), nome de um canal infantil de TV por assinatura,

cuja programação apresenta desenhos animados.

Se analisarmos o gênero publicitário apenas sob o aspecto do seu propósito

comunicativo, o de convencer alguém a adquirir um produto/serviço, validamos a sua

integridade genérica, atendendo aos propósitos estruturais dos gêneros promocionais, mesmo

sendo caracterizados em diferentes níveis de generalização, como os níveis de descrição

genérica apresentados anteriormente.

No entanto, ao se buscar esclarecer as estratégias cognitivas empregadas pelos

membros da comunidade profissional específica desse gênero para atingir esses propósitos,

percebemos a busca constante da inovação, advinda da natureza essencialmente dinâmica dos

gêneros. Essa tendência gera uma complexidade dinâmica que se atribui ao uso dos recursos

multimídia, à explosão da tecnologia informacional, aos contextos multidisciplinares no

mundo do trabalho, ao ambiente profissional crescentemente competitivo e, acima de tudo, à

necessidade de criatividade e inovação na comunicação profissional, como afirma Bhatia

(1997).

O gênero publicitário, em destaque o anúncio impresso, encaixa-se perfeitamente

nessas características. Atualmente, a publicidade é uma das atividades mais concorridas no

mercado de trabalho. Além disso, alia tecnologia 'de ponta' à criatividade na construção de

seu produto, a propaganda, a fim de conquistar cada vez mais mercados e 'seduzir'

consumidores a adquirirem produtos /serviços, através do que Carrascoza (1999, p. 18)

chama de "algo mais".

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Conclui-se então que o gênero publicitário mesmo apresentando sua integridade

genérica, pois todas as suas generalizações ou subcategorias atendem a um mesmo propósito

comunicativo e são exploradas em situações retóricas similares por membros experientes das

comunidades discursivas, desenvolvem essa 'tendência à inovação' devido à criatividade

utilizada para atingir as intenções próprias do gênero.

Bhatia (1995) assim ressalta:

As convenções de gênero são freqüentemente exploradas pelos membros experientes das comunidades discursivas para criar novas formas; contudo, tal liberdade, inovação, criatividade e exploração, seja como for a que chamemos, invariavelmente se realiza antes dentro do que fora das fronteiras do gêneros, seja como for que estas são estabelecidas, em termos de recorrência de situações retóricas (A1iller, 1984), consistência de propósitos comunicativos (Swales, 1990 e Bhatia, 1993) ou combinação de elementos estruturais obrigatórios (Halliday e Hasan, 1985). A inovação nunca é uma atividade completamente livre. A natureza da manipulação do gênero é realizar-se invariavelmente dentro dos limites amplos dos gêneros específicos e ser, freqüentemente, muito sutil. A negligência explicita a essas convenções genéricas implicará o abandono do gênero e será vista como estranha pala comunidade especializada.

1.5 - Verdade e Verossimilhança na publicidade

O que é e o que não é verdade? São muitas as abordagens acerca desse

questionamento pelas Ciências e até mesmo pelo senso comum. Sabemos que a publicidade

vale-se de todos os mecanismos possíveis para convencer os consumidores a adquirirem

produtos, inclusive fazer com que algo se transforme em verdade.

Segundo Citelli (2000), quem persuade leva o outro à aceitação de uma dada idéia,

como sugere a etimologia da palavra: per + suadere = aconselhar; “aconselha” o outro acerca

da procedência do que está sendo anunciado. No entanto, o persuador pode não estar

trabalhando com uma verdade, mas apenas com algo que se aproxime de uma certa

verossimilhança.

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Imagine que você está na rua e vê um outdoor com a propaganda de um enorme

sanduíche da empresa Mc Donald’s com cores vivas, brilhantes, pedindo para ser comido.

Entretanto, quando vamos à lanchonete, ele apresenta-se menor e menos apetitoso, não é

aquele que estava no cartaz. Mas não podemos dizer que aquilo que está lá é mentira, pois

sabemos que os modernos processos fotográficos produzem milagres. Acontece que ao

olharmos a fotomontagem, somos convencidos, pela própria imagem, da qualidade do

sanduíche da Mc Donald’s. Enfim, o que estamos vendo é verossímil, é capaz de convencer-

nos pela lógica interna do próprio cartaz, não quer dizer que seja verdade.

Assim, vale destacar a afirmação de Citelli (2000, p. 14):

Verossímil é, pois, aquilo que se constitui em verdade a partir de sua própria lógica. Daí a necessidade, para se construir o ‘efeito verdade’, da existência de argumentos, provas, perorações, exórdios, conforme certas proposições já formuladas por Aristóteles na Arte Retórica. Persuadir não é apenas sinônimo de enganar, mas também o resultado de certa organização do discurso que o constitui como verdadeiro para o receptor.

No texto 6, o gênero publicitário atende ao seu propósito ao tentar convencer alguém

sobre o produto; esse alguém, as crianças – o consumidor-real que influencia o comprador (a

mãe). Novamente, o objeto de desejo empregado como recurso pragmático é a “brincadeira”,

a “diversão”, como propõe Greimas em seu modelo actancial, algo abstrato. A imagem é a

estratégia principal para a persuasão. A cor amarela predominante remete à idéia de fome e

sede. No entanto, o tamanho aumentado gera uma verossimilhança, pois, na realidade, o

tamanho original do produto não é maior que a criança, parece ‘verdade’, mas não é. A idéia

do produto ser grande cria o efeito hiperbólico de que ele é capaz de saciar e de que é gostoso

de beber.

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TEXTO 6

(Revista Recreio, ano 2, nº 62, 17 / 05 / 2001)

Além disso, Vesteergaard e Schroder (1998) afirmam que a publicidade não

reflete o mundo real da forma que o vivenciamos, mas por meio de representações

imaginárias do futuro tal como ele poderia ser – uma utopia – o mundo do devaneio,

aproximando mais uma vez a idéia de verossimilhança e não de verdade. Esse fenômeno

acontece, pois no mundo atual, devido a questões socioeconômicas, sempre existem lacunas

entre o que se é e o que se deseja ser, assim, as pessoas encontram na publicidade a solução

para os seus problemas, já que ela insinua apenas o lado positivo das coisas, através da

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imagem de pessoas belas, felizes, socialmente seguras e bem-sucedidas; ela preenche essas

lacunas.

Mesmo que o produto adquirido não cumpra a promessa do anúncio, isso não gera

a descredibilidade da publicidade, porque o consumidor já está acostumado à idéia de que a

busca da felicidade pessoal e do sucesso é normalmente uma busca vã, mas é preciso

alimentar o mundo dos sonhos e da fantasia, e a publicidade oferece o “paraíso”, como afirma

Carvalho (2002, p. 11), “verdadeira ilha da deusa Calipso, que acolheu Ulisses em sua

Odisséia – sem guerras, fome, deterioração ou subdesenvolvimento. Tudo são luzes, calor e

encanto, numa beleza perfeita e não-perecível”.

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CAPÍTULO 2 – O PÚBLICO ALVO E SUA

RELAÇÃO COM A PUBLICIDADE

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2.1 - “O brinquedo”: a criança – o público alvo

Internet, blog, celulares, games, fotos digitais, tudo isso faz parte do mundo das

crianças que pertencem a famílias de maior poder aquisitivo; assim, a bola da vez do

marketing e, em conseqüência, da publicidade, é o público infantil – crianças até doze anos de

idade. Um movimento claro está sendo feito nesse sentido e já se fazem pesquisas mais

profundas e análises mais acuradas sobre o poder de compra das crianças e também sobre a

sua influência na decisão de compra dos adultos. Cada vez mais se produzem consumidores

em potencial.

A Viacom, dona do canal infantil Nickelodeon, publicou um estudo do mercado

infantil mostrando que mais de 40 por cento das compras dos pais são influenciadas pelos

filhos e 65 por cento dos pais revelam que ouvem a opinião das crianças sobre os produtos

comprados para toda a família, como o carro, por exemplo. Elas dão palpite sobre cores, som,

tipo do carro, bancos e até o modelo das portas.

No entanto, isso não é novo. A história do homem burguês constrói-se pela história da

família e da criança burguesa. O homem burguês caracteriza-se pela busca da individualidade

– o patrimônio – através do trabalho e do estabelecimento de uma política de produção e

consumo. A família é o elemento impulsionador na construção desse pilar. E por conta disso,

contribui para a adultização infantil para garantir o espaço de sucessão paterna e

automaticamente a do gerenciamento do patrimônio. Assim, a infância acaba sendo um

período de adestramento para as perspectivas ideológicas da família.

Além da família, a mídia desempenha papel fundamental na formação desse

consumidor, quando lhe garante vida e permanência, através da criação de um ‘outro’ que

alimenta o imaginário coletivo das crianças. Para tal, investe na programação dos meios de

comunicação de massa e na criação de publicidades, utilizando-se da imagem com cor e

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movimento, para evidenciar um mundo ágil, mágico, fantasioso e desejável por ser algo novo,

a fim de garantir um público fiel, capaz de influenciar a opinião de outros (pais, amigos,

parentes), criando arquétipos do bom, do herói, do mau e do espaço da aventura.

Vale salientar que as crianças não são seduzidas, ou melhor, convencidas, por qualquer

imagem ou colorido que lhe possam transmitir; hoje, ela capaz de compreender, fazer

inferências, deduções. Por isso, os anúncios publicitários voltados ao público infantil

investem cada vez mais na criatividade, na capacidade de interpretação desse público, na

elaboração de mensagens significativas, sejam verbais ou não, destacando-se por sustentar o

projeto midiático – a nível econômico – e simula dar conta de uma produção cultural, mesmo

prestando-se ao serviço de aliciamento ao consumo.

As crianças são um alvo publicitário fácil de convencer. Na televisão e nas revistas

infantis em quadrinhos elas vêem com a mesma atenção o que é programa ou matéria editorial

e o que é anúncio. O mundo fantasioso da infância consome com a mesma intensidade um

comercial e um desenho animado, o que vem provocando debates paralelos sobre o que é ou

não validamente ético fazer para seduzir as crianças. Segundo dados da Revista do

Consumidor, publicada pelo IDEC, as crianças ficam expostas, em média, anualmente, a 30

mil mensagens publicitárias veiculadas pelos meios de comunicação, inclusive a televisão. O

que dá mais de oitenta mensagens por dia.

Em entrevista ao site da 4ª CMMCA, Armando Strozemberg, presidente da

Associação Brasileira de Propaganda (ABP), afirma que na publicidade infantil, as crianças

são retratadas com o estereótipo que está entre a traquinagem que vem das histórias infantis e

as disputas de afirmação - o gordo versus o magro; o pequeno, de óculos, inteligente,

disputando com o atleta; a menina da beleza explícita versus a tímida de beleza escondida, e

declara: “Felizmente, na publicidade brasileira, não há caso, por exemplo, de utilização da

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prática condenável de erotização das crianças. Preocupa-me, no entanto, a falta das diferenças

que criam a realidade democrática”.

Destacamos também que a criança por si só já remete à imagem de “vendas”, pois

compram ou aliciam os adultos a comprar, e vendem para retribuir o mítico – carinho e amor.

Dentre as publicidades analisadas percebemos que elas tentam induzir as crianças a

convenceram os adultos de adquirirem os produtos quando empregam expressões, como:

“Você e seus pais não podem perder...”; “quer ganhar uma roupinha e um ioiô? Hipnotize sua

mãe balançando a revista pra lá e pra cá...” (Texto 2).

Em contrapartida, nos últimos anos, a imagem da criança adultizada ganha espaço,

como afirma Calligaris (1994) que a infância talvez tenha sido a mais duradoura das utopias

concebidas pela modernidade. Com tantos outros ideais imaginados nos últimos 200 anos, o

mundo maravilhoso das crianças também entra em crise na era pós-industrial e pós-moderna.

Enfim, o mito que criamos de que a infância se recobria de uma aura de congelamento está

ultrapassada.

Vasconcelos (1997) declara que o desenvolvimento da mercadoria, enquanto objeto de

desejo extremado na sociedade tecnológica, aperfeiçoa estratégias para criar novos

consumidores e atinge a infância, contradizendo o mito da pureza e da incapacidade às

delícias do consumo. Isso corrobora a idéia de que cada vez mais as crianças tornam-se

consumidoras em potencial e um público atingível, pois parte da infância sacia os seus desejos

de consumista, já que uma outra parte, aquela que não tem poder aquisitivo para tal, é

marginalizada, excluída por não estar atendendo aos padrões ditados pela sociedade, pela

mídia. Até mesmo os espaços de lazer não são mais os mesmos; o quintal, as praças, as

brincadeiras de roda, os folguedos foram substituídos pelos vídeos-games, micros, celulares,

DVD. Tudo gira em torno do novo objeto lúdico industrial que faz a manutenção do cultural.

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Isso leva ao confinamento infantil em seus apartamentos, condomínios fechados;

tendência oriunda mesmo antes da idade moderna, quando desde da idade média surge a idéia

de privatização da vida social com a ascensão da burguesia. Entretanto, a parcela pobre, mão-

de-obra da indústria, não dispensa de tempo para tutela e entrega seus filhos ao Estado, que

não tem mais condições de atender a esse grande número, gerando o desgaste da escola

pública ou de outros espaços especializados (creches, internatos e outros).

Além desse confinamento socioeconômico, a criança também é vítima de um

confinamento cultural, visto que a escola pública segrega o grupo de baixa renda, afastando-o

dos demais grupos sociais, contribuindo para a não circulação da cultura entre esses grupos, é

a minimização da identidade cultural. Por isso, a mídia preenche esse papel, porque é ela

quem conseguirá atingir a todos, não importa a classe. E em particular, a reinterpretação do

cultural se dará através da publicidade, pois a mídia elege aquilo que é viável ao seu projeto

maior - o consumo.

Um outro aspecto de destaque no mundo infantil é a imaginação. Krammer (1993) já

defendia que a imaginação e a realidade estão também relacionadas, na medida em que é

possível criar uma obra, um objeto ou um instrumento, que não corresponde a nenhum objeto

real. Assim, a experiência – ampliada pela imaginação – se materializa num produto.

Sabemos da capacidade imaginativa da criança, uma vez que ela remete à fantasia –

imaginação é a derivação latina da fantasia em grego – e o homem só conhece a essência pela

aparência, pois habitamos na aparência da linguagem, da representação e da imaginação,

segundo Costa (1989).

A presença das marcas vem se acentuando também nas escolas, como parte do

material didático e como referência inserida nas lições. O debate já está em curso. Nos

Estados Unidos e na França os pais de alunos levantam a questão sobre se é ou não aceitável

que seus filhos sejam expostos à propaganda comercial dentro das salas de aula. Com a

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carência de material escolar nas escolas públicas, as marcas passaram a propor aos educadores

alguns suportes pedagógicos destinados a animar os trabalhos de classe.

No caso da França, Danone, Kellogs, Liebig, Mars, Microsoft e outras grandes marcas

resolveram se associar na educação dos 12,5 milhões de crianças nas escolas, futuros

consumidores que hoje já representam o equivalente a 100 milhões de dólares de poder de

compra. E além disso, os estudos de marketing asseguram que os hábitos de consumo, como

quase todos os hábitos, são adquiridos na infância. Colgate ensina a higiene da boca, Kellog’s

inicia os alunos ao equilíbrio alimentar, Danone explica a alimentação com prazer e os bancos

introduzem o Euro, a nova moeda européia. O material que entregam às escolas são cassetes,

vídeos, arquivos, cadernos, testes, jogos e CD. A Microsoft presenteia as escolas com

computadores e lança concursos, cujos vencedores recebem seus prêmios das mãos do próprio

Bill Gates.

Assim, conclui-se que as crianças tornam-se verdadeiros “brinquedos” nas mãos do

mercado capitalista que tenta conquistar cada vez mais consumidores e, por isso, utiliza o

marketing como arma para tal que, por sua vez, emprega todos os recursos disponíveis, sejam

lingüísticos ou semióticos para construir as publicidades. Além disso, as crianças adultizadas

e influenciadas pela mídia, que fazem parte das classes mais favorecidas da sociedade, são

capazes de fazer suas próprias escolhas e de sugerir, ou até mesmo, determinar as escolhas da

família.

2.2 - O universo infantil das cores

Já dissemos que as cores, o movimento, o mágico fazem parte do mundo infantil. E

como tal, também passam a fazer parte da publicidade que pretende seduzir esse público.

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Crepaldi (...) afirma que a experiência dos seres humanos com as cores foram bastante

profundas e significativas durante o processo civilizatório, dando origem a simbologias e

significados psicológicos. Por isso, certas cores despertam emoções fortes, outras são

excitantes, já algumas são depressivas ou até mesmo são usadas universalmente como sinal de

perigo, de cautela e de paz.

Num anúncio publicitário, o autor deseja que entenda o que ele quis dizer. É

justamente, na comunicação, que a cor tem uma função bem definida e específica, pois ela

ajudará na clareza da mensagem. Às vezes, a cor sozinha é capaz de transmitir essa

mensagem; e isso deve ser aproveitado tecnicamente.

O ser humano é bastante influenciado pelas cores nas suas escolhas pessoais no dia-a-

dia, desde uma escova de dentes, a uma roupa, a um sapato, etc. São inclinações afetivas, de

significação subjetiva, por nos despertarem prazer ou proporcionarem satisfação. Já outras

vezes elas podem nos causar desprazer ou impressões desagradáveis que as associamos.

Para crianças e jovens as cores que mais despertam emoções, segundo estudos já

realizados, são o vermelho, o laranja e o amarelo, por indicarem fantasia, adereços de festas

populares, alegria e espontaneidade. Percebemos a freqüência do uso dessas cores nos

anúncios apresentados neste trabalho, através da utilização de pelo menos uma delas em dez

(10) textos, confirmando essa idéia. Outra cor bastante presente nas publicidades para

crianças é o amarelo-avermelhado que remete às funções metabólicas, despertando fome e

modificando as atividades gástricas. Um exemplo é a rede de ‘fast food’ McDonald’s que

espera um cliente para fazer um lanche reforçado, mas rápido; o amarelo desperta a fome e o

vermelho excita para que saia logo.

Crepaldi (...) alerta que ao se utilizar as cores para se produzir um anúncio publicitário

deve-se levar em consideração as que são influenciadas pela moda / modismo, tempo, lugar,

nível socioeconômico, idade, sexo e cultura. Por isso, nas propagandas de artigos para

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crianças e jovens, o uso do vermelho, do laranja e do amarelo é a recomendada por serem

festivas, espontâneas e falarem mais de perto à alegria despreocupada daqueles que ainda não

tiveram experiência amargas na vida. Estatisticamente, são as preferidas pelas pessoas com

menos de dezoito anos.

Ao analisarmos o texto 7, percebemos a construção da argumentação através da

relação do verbal com o não-verbal. O sujeito-argumentante não está explícito, não há

nenhuma marca lingüística que o identifique; o sujeito-meta é o consumidor-real, as crianças,

não os pais, por se tratar de um produto de baixo custo. São empregados argumentos

pragmáticos que são a diferença na forma do pirulito e os sabores, além de marcas lingüísticas

que sugerem um outro procedimento – a singularização, caracterizada pelo uso dos adjetivos:

diferente, incrível, novo; salientando a idéia de que apenas esse produto é que oferece o que

você deseja. O gênero atende ao seu propósito comunicativo, ao deixar clara a lógica

argumentativa que se desenvolve, basicamente, através das imagens e das cores, mas isso não

o descaracteriza como tal, pois ele procura remeter-se ao contexto da comunidade discursiva,

no caso, as crianças. No entanto, o que mais chama à atenção é o emprego das cores – o

amarelo, o vermelho e o laranja - , as mais recomendadas para construção do textos

publicitários para crianças, pois despertam alegria, espontaneidade, festividade, características

próprias da infância. Um outro aspecto que contribui para a criatividade e poder de persuasão

do texto são as formas dos pirulitos (flores) que se relacionam ao nome do produto e a

estrutura da imagem do centro do texto, remetendo às flores e às brincadeiras, tornando o

texto alegre e atrativo. Mais uma vez, o objeto de desejo – a brincadeira, a diversão – é

representado pelo pirulito que se apresenta com nova forma, novas cores e sabores, a fim de

relacionar-se ao dinamismo do mundo infantil com brincadeiras e alegria.

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TEXTO 7

(Revista Recreio, ano 2, nº 98, 24 / 02 / 2002)

Assim, concluímos que as publicidades tentam aproximar-se cada vez mais do público

infantil, através do seu mundo; o mundo da alegria, das brincadeiras, da diversão, atingindo

seu propósito comunicativo de fazer alguém adquirir um produto ou, até mais, o das crianças

influenciarem os adultos nas compras ou induzi-los, a fim de realizar seu desejo que é

explorado pelos argumentos por todas as publicidades destinadas a esse público: a

brincadeira, a diversão, seja através dos elementos lingüísticos, seja pelas imagens e cores.

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CAPÍTULO 3 - RECURSOS LINGÜÍSTICOS

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3.1 - A polissemia – caracterização e ocorrência

O usuário de uma língua dispõe de um conjunto “infinito” de palavras para

compor seu texto, seu discurso, e cada lexema que forma esse vocabulário, através do seu

significado, contribui para a construção dos sentidos de uma comunicação.

É difícil encontrarmos uma palavra que não tenha mais de uma acepção, já que o

contexto é quem define as conotações. Charles Bally (1962:59) declara a inexistência de

palavras que não tenham vários sentidos e que, não se prestem à confusão. Quando uma

mesma forma de uma palavra assume significados diferentes, só esclarecidos pelo contexto,

temos um caso de polissemia, fenômeno que atinge um grande número de palavras.

Segundo Biderman (1994), “a polissemia é uma propriedade inerente à linguagem

humana, em virtude do fenômeno da economia lingüística e das conseqüências advindas do

uso metafórico e metonímico das palavras”. Para Carvalho (2002), ela é uma propriedade de

itens lexicais que consiste na associação de mais de uma leitura ou semema a um determinado

item do léxico, e acrescenta que é um traço fundamental da fala humana, permitindo nossa

liberdade de expressão e pensamento.

Diante de tais considerações, percebe-se uma relação semântico-lexical das

palavras na construção dos sentidos, gerando o fenômeno polissemia. É importante ressaltar o

que afirma Pezatti (1998) sobre essa questão:

A polissemia é uma relação semântico-lexical que consiste na correspondência de um significante (SE) com um significado básico (SO), que pode sofrer especificação, gerando as variantes contextuais ou sentidos (so)”

Pezatti (1998) apresenta o seguinte esquema para as suas considerações:

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so 1 S = signo lingüístico

S = SO so 2 SO = significado básico, ou seja, a base semântica

SE so 3 do signo lingüístico, que é genérica e vaga.

SE = significante, parte sensível, perceptível do signo lingüístico

so = variante semântico-contextual do mesmo SO.

Apliquemos essa estrutura apresentada, utilizando o vocábulo papagaio:

“ave trepadora, de bico grosso e recurvado”.

caracterizada, principalmente, pela capacidade

PAPAGAIO = de imitar a voz humana”

/ papa’gayo/

so 1 = “ave trepadora”

so 2 = “pessoa que repete de cor o que ouve ou lê”

so 3 = “brinquedo que consiste em uma armação de varetas; pipa”

O signo papagaio aplica-se a qualquer um dos sentidos, dependendo do contexto

em que está sendo utilizado:

1. Os papagaios da fauna brasileira continuam em extinção. (so 1)

2. Meu irmão é um papagaio. (so 2)

3. Crianças gostam de brincar com papagaios na praia. (so 3)

Logo, o sentido será determinado pela interpretação que lhe será dada, a partir da

situação contextual em que aparece.

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Virhwegeer (apud Araripe, 1999) faz uma consideração mais consistente acerca da

definição de polissemia, acrescentando que a própria análise de uma palavra polissêmica pode

gerar multiplicidade de sentidos:

A polissemia é uma propriedade de itens lexicais, que consiste na associação de mais de uma leitura ou semema a um determinado item do léxico. Do ponto de vista etimológico, o termo ‘polissemia’ é um tanto inadequado, uma vez que ‘multiplicidade de sentidos’ não se patenteia somente, por exemplo, na ambivalência do lexema comprar entre os sememas ‘adquirir por dinheiro’ e ‘subornar’. Cada uma dessas leituras é também, em si mesma, polissêmica, na medida em que se pode analisar como estrutura de sentidos ou conceitos menores, denominados semas.

Vale salientar que quanto mais freqüente for o uso de um termo, maior será a

quantidade de acepções. Segundo Biderman (1994), as palavras mais antigas no idioma e de

alta freqüência são geralmente mais polissêmicas.

Muitas vezes, identificar uma palavra polissêmica oferece dúvidas. Martinet

(1976: 194) afirma que na polissemia, os sentidos são próximos, ou seja, têm algo em comum,

os significados são parcialmente idênticos.

Nos dicionários, um vocábulo polissêmico apresenta-se através de um só verbete

em que se dispõem as variações semânticas mais usuais.

Vista pelo lexicólogo, a polissemia é descrita no repertório lingüístico como algo

sedimentado e de uso coletivo. Entretanto, o discurso literário amplia esses limites, pois cada

palavra assume novos valores toda vez que, em função dos mecanismos imaginativo-

sensoriais, passa a ter um sentido figurado.

Margarita Correia (1998) nos diz que a polissemia contribui decisivamente para

tornar o léxico de uma língua um sistema profundamente econômico, além de afetar

praticamente todas as palavras de uma língua, sendo explicável por mecanismos mais ou

menos regulares que garantem a inteligibilidade dos usos polissêmicos das palavras.

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Carvalho (2002) e Pezatti (1998) afirmam que a polissemia contribui para a

ambigüidade; esta pressupõe a idéia de que no fenômeno há sempre a interferência de campos

semânticos, seja através de justaposição, cruzamento ou superposição, gerando discursos

ambíguos; aquela, afirma que a polissemia sendo um jogo programado de sentido, capaz de

permitir várias leituras de um texto, desencadeia a ambigüidade. Sendo assim, os contextos

ambíguos, utilizando a polissemia, levam a alterações semânticas, resultantes de fatores

intrínsecos à própria língua.

E o que gera a polissemia? Correia (1998) afirma que praticamente todos os casos de

polissemia podem ser explicados por mecanismos de metáfora e metonímia. Para Carvalho

(1996), ela pode resultar da mudança de aplicação da palavra (belo poema – belo animal), da

especialização no meio social (operação cirúrgica, financeira, operação aritmética), linguagem

figurada (pirata, corsário, conquistador amoroso, homem desonesto).

Biderman (1994) acrescenta com a idéia de reiteração de signos lingüísticos como

geradora da polissemia, uma vez que através do princípio da economia lingüística

reutilizamos continuamente as mesmas unidades lexicais, acompanhadas por um conjunto de

regras para geração de novos vocábulos, expandindo-se o léxico.

Logo, seja através de processos de derivação de significado ou transposição

semântica, reconhecemos que a metáfora e a metonímia são os mecanismos básicos para a

geração da polissemia.

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TEXTO 8

(Revista Recreio, ano 4, nº 190, 30 / 10 / 2003)

A publicidade constrói sua lógica argumentativa, a partir de argumentos de

autoridade, por trazer a imagem dos personagens infantis (o Reio Leão, Pumba, Timão e

outros), conseguindo atender ao seu propósito comunicativo ao aproximar o contexto do

discurso ao contexto real do sujeito-meta: a criança, que não é o comprador, apenas o

consumidor-real. O uso das cores relacionado às imagens também contribui para a construção

da persuasão; o marrom-avermelhado remete à idéia de força, altivez, características próprias

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do Rei Leão. O texto é construído a partir do duplo sentido da palavra REI: a tradição do leão

ser considerado o rei dos animais (sentido 1) e o personagem de destaque dos desenhos

animados (sentido 2), gerando o sentido metafórico através da transposição semântica da

palavra REI, construindo o jogo polissêmico. A relação metonímica também está presente,

quando substitui o personagem (leão) pelo produto (revista + vídeo), afirmando que este

‘pode ser seu’, também gerando a polissemia do termo LEÃO; sentido 1 = o animal e sentido

2= a revista do personagem Rei Leão.

TEXTO 9

(Revista Recreio, ano 2, nº 98, 24 / 01 / 2002)

No texto 9, constatamos que a publicidade foi construída empregando a metáfora,

a metonímia e a hipérbole, produzidas a partir da polissemia do termo “pedrinhas” e “estalar”,

aplicando a teoria proposta por Pezatti (1998), temos:

PEDRINHAS

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So1 = “corpo duro e sólido, da natureza das rochas” (Rocha, 2000).

So 2 = bombons que fazem barulho.

ESTALAR

So 1 = desmanchar-se.

So 2 = produzir estalo; barulho.

A metáfora constitui-se quando se compara o bombom a ‘pedrinhas’, produzindo o

juízo comparativo do atributo da pedra – estalar – ao barulho produzido pelo produtor ao estar

na boca.

A metonímia concretiza-se na substituição da marca pelo produto: Crazy Shocks

por bombons.

A hipérbole configura-se através da imagem e do colorido exagerado do anúncio,

além da expressão – ‘estalam na sua boca e no seu ouvido’.

A persuasão é construída por argumentos pragmáticos (“pedrinhas que estalam na

sua boca e no seu ouvido”), baseada na imagem e na cor predominante, o rosa, remetendo-se

à idéia de infantilidade e alegria. O objeto desejado – a brincadeira de estalar o bombom – é

representado pelo produto, algo concreto.

3.2 - A Antonímia – o jogo dos contrários

Este recurso é também bastante explorado na construção dos textos publicitários,

pois geralmente tentar remeter à idéia de que com muito pouco pode se conseguir muito. A

antonímia caracteriza-se pelo jogo das palavras ou unidades lingüísticas que têm como

referentes idéias opostas – parcial ou totalmente incompatíveis -, aparecendo na forma binária

(vivo x morto), como parte de uma toxonomia (vermelho x preto, azul ou amarelo), em pares

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conversos (comprar x vender, aluno x professor, marido x mulher, sacar x depositar), etc.

(Carvalho, 2002, p. 55).

Ela já era tema de alguns estudiosos há muito tempo; Heraclitus, Sócrates e

Aristóteles já haviam observado a tendência que as coisas têm de se desviarem; Rychalk et

alii (1989) entendiam que os princípios de contrário e oposto constituíam formas de

aprendizagem, eram modos implícitos de associação de idéias; em pesquisas posteriores,

psicólogos britânicos revelaram que a oposição é um fenômeno presente no processo

cognitivo do ser humano, mas não está ligada inerentemente à aprendizagem. Eles

argumentam que a relação de oposição de sentido entre os termos é arbitrária e que só se

impõe devido às freqüentes associações de sentido que o indivíduo faz entre determinados

termos em sua vida. Assim, essencialmente, não há distinção entre a associação apositiva de

termos como: feio / bonito e magro / bonito. Rychalak et alii aceitam o resultado da pesquisa

dos britânicos e fazem referência, como argumentação, ao trabalho de Kagan (1984) sobre a

aquisição da linguagem, no qual defendiam a idéia de que a oposição é realizada muito cedo e

facilmente, ou seja, é um aspecto intrínseco da atividade mental humana. E esse princípio não

depende da intervenção dos pais ou pessoas que convivem com as crianças para a aquisição

da linguagem.

A oposição é fundamental para o funcionamento da linguagem, por ser prático à

disposição de qualquer falante que pretende estabelecer distinções de sentido entre pares de

palavras e de sentenças, bem como aprender o significado de certas palavras e de sentenças

pela presença de um único elemento do par opositivo.

Segundo Gomes de Matos, em Português Positivo (1991), faz-se um levantamento

dos lexemas (verbos, substantivos e adjetivos) com traços positivos. A cada um deles

relaciona-se um antônimo com semas de negatividade. Sendo a publicidade superlativa, esses

termos positivos são, na sua maioria, de uso corrente nos anúncios, que se utilizam da dupla

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para estabelecer o contraste. Exemplo: “Meus cabelos eram secos e quebradiços; hoje são

sedosos graças ao xampu de aveia Davene”. (Carvalho, 2002)

Apesar desse papel, ainda não há muitos estudos sobre o tema, mesmo sendo um

traço essencial na estruturação da linguagem, além do que é dotado de relativa complexidade,

diferente do que muitos pensam.

Vilela (1995) declara que o termo antonímia só começou a ser usado no século

XIX, embora o conceito seja muito antigo. Palmer (1978), ratificando as idéias de Lyons,

desconsidera que a antonímia seja o inverso da sinonímia, observando que esses dois tipos de

relação de sentido têm mecanismos de funcionamento muito diferentes, pois uma língua pode

abrir mão dos sinônimos, mas não funciona sem antônimos. Assim, Lyons (1970) não entende

por que os semanticistas deram sempre tanta atenção aos estudos da sinonímia.

Devido essa falta de discussão sobre o assunto, ocorrem problemas de imprecisão

e formulação do conceito, bem como equívocos em relação à identificação de alguns pares

antonímicos. Há definições de contrário, oposto, incompatível, concebidas como sinônimos,

fato que perturba qualquer distinção séria que se deseje estabelecer entre a antonímia e outras

relações de oposição de sentido, ou melhor, não há um consenso entre autores acerca do

conceito de antonímia que, de maneira geral, tem sido definida como tudo que é equivalente a

todo tipo de oposição de sentido (contrário, contraditório, recíproco) sem se estabelecer

qualquer distinção entre eles. O que de fato devemos observar é que as relações antonímicas

só se realizam plenamente quando contextualizadas.

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TEXTO 10

(Revista Recreio, ano 4, nº 188, 16 / 10 / 2003)

O texto 10 consegue atingir seu propósito comunicativo, pois através da imagem,

das cores e dos argumentos consegue construir a lógica argumentativa, a fim de persuadir o

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seu auditório, bem definido, as meninas. Os argumentos empregados são de autoridade, ao se

apresentar as personagens dos quadrinhos infantis e pragmáticos, ao sugerir que toda menina

adora os adesivos, que você ganha um superpôster, que você vai amar e que pode avisar às

amigas a novidade; se comprar logo, vai ser a primeira a ter essa coleção. A imagem reproduz

a realidade do público consumidor que, por pertencerem a famílias privilegiadas

economicamente, possuem objetos, como: celular, mochilas coloridas; e o acesso a veículos

de comunicação como revistas infantis, podendo até adquirir coleções de adesivos, como

propõe o anúncio. A predominância da cor rosa é proposital, visto que a publicidade tem

como sujeito-meta as meninas. Em relação aos recursos retóricos e lingüísticos, o texto é

construído a partir da relação antonímica produzida pelos termos ‘descolada’ e ‘cola’, que, na

realidade, complementam-se: toda a garota desinibida consegue se “dar bem” em qualquer

situação e uma das formas de ser ‘descolada’ é adquirindo os adesivos para colar em seus

objetos pessoais. Na realidade, a antonímia favorece a multiplicidade de sentidos, a

polissemia. Também percebemos a relação de contigüidade estabelecida pelo texto quando

apresenta os objetos de uma garota considerada ‘descolada’ substituindo a pessoa. O uso de

termos – superpôster, especiais, muito fofos, ‘você vai amar’ – e da predominância de uma

cor remetem ao grandioso, ao extraordinário, sugerindo uma hipérbole.

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TEXTO 11

(Revista Recreio, ano 04, nº 186, 02 / 10 / 2003)

Nesse texto, o sujeito-argumentante desenvolve a argumentação a partir da opinião de

que alegria, diversão e brinquedo de montão é só no Planeta Criança das Lojas Americanas,

tentando persuadir o sujeito-meta, as crianças que influenciam os compradores, os pais, como

já propõe a publicidade: “Você e seus pais não podem perder!” Mais uma vez o objeto

desejado é algo abstrato que é representado pelo concreto: a alegria e a diversão são os

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objetos de desejo representados pelos brinquedos. Além disso, o texto é construído a partir de

várias relações de oposição: “Você e seus pais não podem perder” e “Um mundo de

brinquedos espera por você; ‘perder’, no contexto, remete à idéia de ganhar descontos, preços

promocionais e ‘esperar’ também adquire conotação de positividade, de ganhar, pois, na

realidade, o mundo de brinquedos não está esperando, eles estão na Loja prontos para serem

comprados. Assim, a Loja ganha porque vendeu e a criança ganha um brinquedo. O slogan da

Loja,“Grandes marcas, preços baixos” é construído pela oposição no par grandes / baixos; a

idéia de que se pode adquirir algo grande, numa loja grande, e também referindo-se à

expressão “mundo de brinquedos” com pouco dinheiro. Há também a presença dos recursos

retóricos, a quantidade de imagens, as expressões “montão”, Planeta Criança”, “mundo de

brinquedos” criam o efeito hiperbólico. A metonímia é construída pela substituição da Loja

por um mundo de brinquedos, pois quem espera os consumidores não são os brinquedos, mas

sim a Loja.

A partir das análises, percebe-se que os recursos lingüísticos são responsáveis pela

construção dos argumentos retóricos, pois através do “jogo das palavras” é possível trazer o

mundo infantil da brincadeira, da imaginação e da alegria para os textos publicitários,

conseguindo atingir o público pela relação que se estabelece pelo contexto discursivo.

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CAPÍTULO 4 – A RETÓRICA E O USO DAS

FIGURAS

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4.1 - História e conceitos da Retórica

Desde da Antigüidade, os homens das grandes civilizações já perseguiam o

propósito de convencer os outros. Entre os gregos e depois os romanos, a arte de convencer as

pessoas chamava-se retórica.

O domínio da expressão verbal nasceu entre os gregos. Isso se deve ao contexto

sociocultural da época, no qual praticavam um certo conceito de democracia em que o homem

grego teria de expor suas idéias publicamente, apresentando habilidade com as formas de

argumentação; não há democracia e liberdade de debate sem persuasão através de

argumentação. Historicamente, situa-se a origem da retórica com o tratado escrito por Tísias e

Corax em 465 a. C, considerados primeiros mestres da arte do discurso, oradores que se

destacaram através do discurso argumentativo, a fim de ajudar os proprietários das terras da

Silícia a defenderem seus direitos violados por tiranos. No entanto, reconhece-se em período

anterior a esse, a acentuada valorização da palavra, do discurso, presente nas falas dos heróis

homéricos que nos leva a pensar na existência de uma retórica assistemática.

Logo após, é introduzida em Atenas através dos sofistas, primeiros protagonistas

importantes da história da Retórica. Eles preocupavam-se mais com o bem falar, a destreza

verbal, do que com a veracidade dos fatos, o que se tornou objeto de críticas. Demóstenes,

Quintiliano, Górgias foram alguns nomes que se destacaram pela habilidade com que

encaminhavam suas lógicas argumentativas.

Diante disso, as escolas criaram disciplinas que melhor ensinassem o domínio da

palavra: a eloqüência, a gramática e a retórica. O problema não era apenas o do bem falar, mas

fazê-lo de forma convincente e elegante, unindo arte e espírito. Assim, começa-se a estudar a

linguagem não enquanto ‘língua’, mas enquanto ‘discurso’; esse é o primeiro testemunho duma

reflexão sobre a linguagem, na tradição ocidental, segundo Ducrot e Todorov.

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Platão critica a Retórica ao se tentar utilizar técnicas persuasivas para fins desonestos

e defende a superioridade da sabedoria e da verdade sobre a habilidade verbal.

Entre os romanos, a retórica não passava de uma técnica mecanicista de construção

do discurso, apresentando a proposta de organização em cinco fases: a) a invenção – etapa da

escolha da matéria do discurso; b) a disposição – etapa de ordenar o que fora selecionado; c) a

elocução – etapa da elaboração formal, estética e expressiva de cada uma das partes; d) a

memorização – retenção do discurso; e) enunciação – apresentação do discurso.

Mas é Aristóteles que difunde a arte do discurso em sua estrutura e funcionamento

através do manual Arte Retórica. A obra pode ser considerada uma síntese dos estudos retóricos

e das técnicas de construção do texto persuasivo. Segundo sua concepção, a retórica deve

apresentar qualidades como máximas de estilo, clareza e adequação dos meios de expressão ao

assunto e ao momento do discurso, a fim de provocar mudanças numa determinada situação.

Além disso, acrescenta que a Retórica é antes de tudo uma técnica de argumentação, mais do

que de ornamentação.

Aristóteles alerta para a questão de que retórica não é persuasão e afirma:

“Assentemos que a retórica é a faculdade de ver teoricamente o que, em cada caso, pode ser capaz de gerar a persuasão. Nenhuma outra arte possui esta função, porque as demais artes têm, sobre o objeto que lhes é próprio, a possibilidade de instruir e de persuadir; por exemplo, a medicina, sobre o que interessa à saúde e a doença; a geometria, sobre as variações das grandezas; a aritmética, sobre o número, e o mesmo acontece com as outras artes e ciências. Mas a Retórica parece ser capaz de, por assim dizer, no concernente a uma dada questão, descobrir o que é próprio para persuadir. Por isso, dizemos que ela não aplica suas regras a um gênero próprio e determinado”. 1

Citelli (2000) tenta resumir esses conceitos deduzindo que retórica não é persuasão,

apenas revela como se faz a persuasão; os discursos institucionais da medicina, da história, do

judiciário, da família são o lugar da persuasão; a retórica é analítica, procura descobrir o que é

próprio para persuadir; é uma espécie de código dos códigos, está acima do compromisso

1 VOILQUIN, Jean & CAPELLE, Jean. Introdução. In: Aristóteles. Arte retórica e arte poética. Rio de Janeiro, ouro, s. d. p. 21-2.

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estritamente persuasivo (não aplica suas regras a um gênero próprio e determinado), pois abarca

todas as formas discursivas.

A partir disso, percebe-se que a retórica não pode ser ética, pois ela não se preocupa

com o que está sendo dito, mas como está sendo dito e de modo eficiente. Para tal eficácia é

preciso o domínio de processos, de formas e modos de argumentar. Um dos mecanismos mais

óbvios indicados por Aristóteles é o que fixa a estrutura do texto em quatro instâncias

seqüenciais e integradas: o exórdio, a narração, as provas e a peroração. Ele procurava entender

o funcionamento do discurso. Daí, a atribuição a Aristóteles do papel de um dos primeiros

sistematizadores da teoria do discurso, mas não de inventor da retórica como muitos costumam

afirmar.

Após a queda do império romano, a retórica foi progressivamente perdendo sua

importância e, mesmo sobrevivendo como prática, não era considerada como objeto de estudo.

Tudo isso foi agravado pelo predomínio do pensamento cartesiano – positivista na filosofia e na

ciência ocidentais. Da preocupação com as técnicas organizacionais do discurso e com a

persuasão, particularmente no final do século XIX, a retórica passa a vincular-se apenas com a

idéia de embelezamento do texto. Essa presença das figuras de linguagem serviu para encobrir,

muitas vezes, a insuficiência de idéias dos discursos.

No entanto, nos últimos anos a retórica ressurge renovada, através dos trabalhos

desenvolvidos por Jean Dubois e o grupo da Universidade de Liège e a partir da importância

dada à filosofia da linguagem e à filosofia dos valores, na qual diversos filósofos e estudiosos

começaram a considerar a retórica como um objeto digno de estudo, seja sob sua vertente

formal, seja sob a ótica que privilegia seu aspecto de instrumento de persuasão. Um importante

nome que contribuiu para o rompimento da tradição cartesiano-positivista foi o filósofo Chaim

Perelman.

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Sendo assim, o novo papel da retórica vincula-se ao estudo das figuras de linguagem

e das técnicas de argumentação; reaparece o estudo do discurso na perspectiva de análise dos

procedimentos que permitem ligar a adesão de um ponto de vista àquelas idéias que lhes são

apresentadas, através dos múltiplos processos de articulação dos raciocínios textuais e das

possibilidades criadas pelo uso das figuras de linguagem. E é nessa última proposta que nos

debruçaremos a seguir, ou seja, a valorização e o emprego de figuras, como a metáfora, a

metonímia e a hipérbole.

4.2 - As figuras retóricas

Carvalho (2002) afirma que usar os recursos retóricos, ou seja, empregar as palavras

de forma diferente do uso comum, a fim de examinar, descrever, perceber e avaliar atos e

eventos que venham a influenciar percepções, sentimentos, atitudes e ações, é usar a

comunicação para definir a realidade do modo como se deseja que ela seja vista.

Para Aristóteles (apud Lopes, 1986) a utilização da linguagem trópica deve estar

relacionada às suas condições de uso. Assim, a linguagem figurada surge sempre que o

enunciador experimenta a necessidade de chamar a atenção do público de modo especial para a

sua mensagem, o que o leva a marcá-la de modo também especial, por meio de realizações que

a separam da banalidade do discurso utilitário. Para impressionar o sujeito-meta e conseguir

seus efeitos, é preciso “dar ao estilo um aspecto estrangeiro, pois o que vem de longe suscita a

admiração”, afirma Aristóteles, ratificando a idéia de que é necessário esquecer os modos de

dizer comuns.

O grupo de Liège propõe em a Retórica Geral, uma classificação das figuras

retóricas, ou metáboles, a partir de sua articulação segundo os eixos de oposição propiciados por

(1) desvios no plano de expressão versus desvios no plano de conteúdo; (2) desvios da

expressão como figura morfológica versus como figura sintática; e (3) desvio do conteúdo como

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figura semântica versus como figura lógica. Esses três eixos articulados com as três classes de

desvios (subtração, adição e permuta), deixando de lado a comutação, temos a seguinte estrutura

como mostra a tabela2:

CLASSES DE

DESVIOS

METÁBOLES (FIGURAS)

EXPRESSÃO CONTEÚDO

FIGURA MORFOLÓGICA

FIGURA SINTÁTICA

FIGURA

SEMÂNTICA FIGURA LÓGICA

METAPLASMOS METATAXES METASEMEMAS METALOGISMOS SUBTRAÇÃO

Aférese, apócope, síncope, sinérese,

apagamento

Crase, elipse, zeugma,

assíndeto, parataxe

Sinédoque, generalizante, comparação, metáfora in praesentia

Lítote, reticência, suspensão, silêncio

ADIÇÃO

Prótese, diérese, afixação, epêntese, redobro, rima, aliteração, assonância, paronomásia

Parêntese, concatenação, expleção, enumeração, polissíndeto, métrica, simetria

Sinédoque particularizante, arquilexia

Hipérbole, repetição, pleonasmo, antítese

SUBTRAÇÃO-ADIÇÃO

Linguagem infantil,

trocadilho, arcaísmo,

neologismo, etimolog.

Fantasiosa, empréstimo

Silepse, anacoluto, transf.

de classe, quiasmo

Metáfora in absentia,

metonímia, oximoron

Eufemismo, alegoria, parábola, fábula, ironia,

paradoxo, antífrase

PERMUTA Anagrama, metátase,

palíndromo

Tmese, hipérbato, inversão

Inversão lógica,

inversão cronológica (na história)

As figuras de retórica ou de linguagem são importantes recursos para prender a

atenção do receptor, pois adotam os discursos de mecanismos persuasivos. Segundo Gonzales

(2003), no texto publicitário, as figuras cumprem a função de redefinir um determinado campo

de informação, criando efeitos novos e que sejam capazes de atrair a atenção do receptor. São

2 LOPES, Edward. São Paulo: Atual Editora, 1986.

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expressões figurativas que conseguem quebrar a significação própria e esperada daquele campo

de palavras. No momento, trabalharemos a expressividade sob o ponto de vista semântico

através do emprego de metáfora, metonímia e hipérbole na construção dos anúncios

publicitários para o público infantil.

4.2.1 - A metáfora no texto publicitário

Na Retórica Antiga definia-se a metáfora como uma comparação abreviada,

elíptica, concebida nos termos de uma figura do plano de conteúdo (um metassemema)

resultante de uma comparação entre dois termos, A e B, tomados como semelhantes entre si,

mesmo impropriamente, com supressão de partícula comparativa. Mas Lopes (1986) afirma que

sempre que traduzirmos um dado segmento discursivo por meio de um paradigma inesperado,

pouco familiar, utilizando-o no lugar do paradigma esperado, programado em nossa memória,

estaremos produzindo uma metáfora.

Platão & Fiorin (1990, p. 122) definem a metáfora como a figura que consiste na

alteração de sentido de uma palavra (ou imagem) quando entre o sentido que o termo ou

imagem tem e o que ele adquire existe uma intersecção, pontos comuns. Ou ainda, é quando

ocorre uma comparação implícita entre a significação própria da palavra ou imagem e o seu

efeito figurado, completa Citelli (2000). A associação entre os elementos ocorre de forma

subjetiva.

As metáforas são metassememas que exprimem juízos ou raciocínios resultantes de

duas idéias que se comparam, cada uma das quais vem manifestada por meio de um enunciado

atributivo. Podemos perceber como ocorre essa comparação, através do gráfico, aplicado ao

texto 12:

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A partir disso, entendemos que a metáfora constitui um enunciado derivado de uma

comparação expandida correspondente, da qual se origina por meio de operações

transformadoras que, alterando-se, constituem tantos outros desvios. Assim, faz-se uma

metáfora manifestando-se que a definição do termo comparado A traduz um saber ao modo do

ser, indicação essa fornecida pela supressão da partícula comparativa (trata-se de uma definição

de A ao modo dissimulado, do [/ser/ + /não parecer/], formando-se a metáfora ao se suprimir o

conector comparativo e ao se fazer uma metáfora condensada:

JUÍZO COMPARATIVO = expressão de duas idéias que se comparam

Sujeito Relator Atributo Enunciado Comparado + Conector + Enunciado comparante Atributo A + Comp. Relator + Atributo B O biscoito Digimon é diferente como uma aventura é diferente

• O biscoito Digimon é diferente como uma aventura é diferente.

• O biscoito Digimon é uma aventura.

Citelli (2000) também esclarece que a metáfora ocorre por dois processos: a)

transferência ou transposição – passagem do plano de base (a significação própria da palavra, ou

expressão) para o plano simbólico (representativo, figurativo); b) associação – na transposição

ocorre um processo de associação subjetiva entre a significação própria e o efeito figurativo.

TEXTO 12

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(Revista Recreio, ano 1, nº 31, 04 / 10 / 2000)

Neste texto, a lógica argumentativa foi construída pelo sujeito-argumentante, através

da relação da imagem e da avaliação do produto que se dá pelo emprego da linguagem figurada

a partir da metáfora – “Cada biscoito é uma aventura diferente em sua boca -, devido o

emprego do atributo “diferente” próprio da aventura ao objeto biscoito; esse é o ponto comum

entre os elementos comparados. Além disso não há o conector comparativo. São empregados

argumentos pragmáticos e de autoridade; os pragmáticos, ao declarar que cada biscoito é uma

aventura diferente e que você pode ganhar tatuagens quando compra-se o produto; o de

autoridade, ao utilizar a imagem do personagem do desenho animado “Digimon”. As cores

empregadas, o verde e o azul como predominantes recorrem à sensação de aventura, por

relacionarem-se a elementos da natureza. O propósito comunicativo realiza-se, visto que o texto

demonstra a representação do contexto discursivo da comunidade a que se destina o produto, o

desenho animado, o personagem da TV, o brinde da tatuagem, as roupas do personagem e

outros elementos. Mais uma vez, o objeto de desejo é algo abstrato – a aventura, a diversão - ,

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representado pelo concreto, o biscoito. O tamanho do pacote de biscoito remete à estratégia da

verossimilhança construída pela publicidade e também o efeito hiperbólico.

4.2.2 - A metonímia no texto publicitário

Assim como a metáfora, a metonímia é uma relação de transferência, ou seja, um

significante de signo passa a referir-se a outro objeto ou fato do nosso universo, só que a base

de transferência é outra: é a contigüidade, é a associação espacial, histórica. Citelli (2000)

afirma que ao contrário da metáfora, a metonímia nasce de uma relação objetiva entre o plano

base e o plano simbólico.

Platão & Fiorin (1990) completa que a metonímia é a alteração de sentido de uma

palavra, expressão ou imagem quando entre o sentido que o termo ou imagem tem e o que

adquire há uma relação de inclusão ou de implicação.

Há vários tipos de metonímia:

• Parte pelo todo

• Produto pela matéria-prima

• Marca pelo produto

• Continente pelo conteúdo

• Autor pela obra

• Traços físicos pelo ser e outros.

A metonímia é um dos recursos da linguagem figurada mais utilizados nas publicidades

infantis, talvez por estabelecer essa relação mais objetiva do produto com o simbólico,

aproximando-se do mundo imaginário das crianças.

TEXTO 13

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(Revista Recreio, ano 2, nº 62, 17 / 05 / 2001)

A lógica argumentativa do texto 13 é construída pelo sujeito-argumentante, através das

imagens e do texto verbal, ao empregar argumentos pragmáticos e de autoridade; os

pragmáticos: “o anjinho mais famoso da TV e seus amigos agora vão estar com você o tempo

todo”, “concorra a 10 bikes”; os de autoridade: a imagem do personagem da TV – o anjinho e

da revista. A predominância da cor azul influencia na construção da persuasão, pois remete aos

sentimentos de tranqüilidade, calma e ao contexto do personagem – um anjo do “bem”.

Também, o texto é construído pela estratégia de pressuposição: “Se você resistir e não comprar

a revista, você não vai ter um produto do ‘bem’ com o personagem com ‘carinha de anjo’. O

emprego de palavras positivas também contribui para a argumentação: mais famoso, revista do

bem, o anjinho que vai mudar a sua vida, bem como o emprego da antonímia entre o par bem /

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mal, para reforçar a idéia de herói, a fim de revelar os ‘poderes’ do anjinho como seu amigo

para proteger as crianças do mal. Além disso, a publicidade é construída a partir da metonímia

(REVISTA = CARINHA DE ANJO) do personagem pelo produto, estabelecendo uma relação

de contigüidade entre o consumidor, o “anjinho” e a revista, contribuindo para a polissemia do

termo RESISTIR que remete à idéia de que o consumidor irá se encantar com a carinha de anjo

e ao sentido de não querer, ignorar.

4.2.3 - A hipérbole no texto publicitário

Segundo Gonzales (2003) a hipérbole é o recurso expressivo que intensifica, exagera

o que, na verdade, é mais atenuado.

Vestergaard & Schroder (1988) afirmam ser esse recurso expressivo muito comum

em títulos publicitários, pois, exagerando em qualquer aspecto referente ao produto, o anúncio

desperta a atenção do consumidor. Poderíamos considerar a promessa de brindes grátis ou

desconto no preço como variante da hipérbole, como diz Gonzales (2003).

Os discursos que visam influenciar o receptor, como a publicidade, utilizam-se do

recurso de exagero lingüístico denominado intensificadores, por Carvalho (2002). Essa

intensificação é um processo semântico manifestado por meio de advérbios, adjetivos, locuções

adverbiais, gradação de nomes e sua repetição.

Segundo Quirk (1988), os intensificadores têm em comum o efeito de ampliação ou

diminuição em algumas unidades da frase e podem ser classificados semanticamente em

enfatizadores, amplificadores e moderadores.

Os intensificadores mais utilizados na publicidade são os amplificadores e os

enfatizadores, pois destacam aspectos positivos do produto. Já os moderadores, só são

empregados quando se quer atenuar os aspectos negativos do produto ou os positivos do

concorrente, segundo Carvalho (2002).

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O uso de aumentativos e diminutivos também se presta à intensificação do produto

anunciado.

No texto 14, a lógica argumentativa é construída pela relação entre o verbal e o não-

verbal, através de argumentos pragmáticos – comida italiana, malabaristas e o melhor de tudo:

montanha-russa; uma festa do tamanho do mundo - , atingindo o propósito comunicativo de

persuadir alguém ao oferecer o objeto desejado pelas crianças – a brincadeira, a diversão - ,

mais uma vez representado pelo concreto. No entanto, a publicidade é destinada a um público

consumidor-real, as crianças, e aos pais que, neste caso, são os compradores e também podem

ser consumidores. É interessante perceber a presença das imagens de bandeiras de vários países,

relacionando-as à expressão “uma festa do tamanho do mundo”. Além disso, o texto propõe a

idéia de exagero, quantidade, grandiosidade, através de termos como: ‘melhor de tudo’, ‘do

tamanho do mundo’ e outros elementos presentes, como a quantidade de imagens e a

predominância do colorido, a descrição das atividades desenvolvidas pelo parque: “danças

folclóricas, pratos típicos de 12 países, malabaristas,...”, gerando o efeito hiperbólico.

TEXTO 14

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87

(Revista recreio, ano 4, nº 163, 24 / 04 / 2003)

No texto 15, a hipérbole é a estratégia responsável pela construção da persuasão, seja

pela predominância da cor vermelha que remete à empresa do produto anunciado, seja pela

quantidade de imagens de brinquedos que tem como objetivo propor à criança a diversidade de

presentes que ele pode pedir; ele tem opções para pedir a todos os adultos da família que são os

compradores. Também a seqüência de frases remete à ação, a idéia de exagero, construindo o

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jogo hiperbólico. As cores, as imagens, as expressões, tudo é exagero. Além da sugestão de sair

colando as figuras dos brinquedos nos lugares em que ele encontra as pessoas que podem

comprar esses presentes e conclui afirmando que desse modo ele vai ganhar um monte de

brinquedos Estrela. Esta estratégia também desencadeia o processo de singularização do

produto, ao destacar a marca ESTRELA, inferindo a idéia de que é o melhor. Mais uma vez a

publicidade recorre ao objeto de desejo das crianças – a brincadeira. Percebemos também o

jogo de sentidos na expressão “todo mundo” que não se refere ao mundo por inteiro, mas a

“todo mundo”, ou seja, qualquer pessoa que possa comprar um presente da Estrela.

A partir dessas análises, concluímos que as figuras retóricas metáfora, metonímia e

hipérbole são empregadas para a construção da persuasão do discurso publicitário que tenta

realizar o seu propósito comunicativo de convencer alguém a adquirir algo, através da

linguagem figurada que também favorece a plurissignificação das palavras. Além disso, em

todas as análises realizadas percebemos a relação entre o verbal, as imagens e as cores que

contribuem para a construção das publicidades destinadas ao público infantil que nem sempre é

o comprador, mas sim, o consumidor-real.

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TEXTO 15

(Revista Recreio, ano 2, nº 55, 29 /03 / 2001)

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CONCLUSÃO

Acreditamos que atingimos o objetivo principal deste trabalho que era analisar os

recursos lingüísticos e retóricos empregados nas publicidades impressas em revista

direcionada ao público infantil, bem como o uso de outros recursos, como cores e imagens, e

as relações entre eles para construir o discurso persuasivo.

Os estudos e experiências desenvolvidos na investigação possibilitaram discernir que a

publicidade tem por função primeira influir sobre o comportamento das pessoas, através da

criação, mudança ou reforço de imagens e atitudes mentais. Em outras palavras, procura

convencer, persuadir e predispor favoravelmente as pessoas em relação ao objeto do anúncio

de suas mensagens discursivas.

Também a investigação lingüística reconheceu a existência do fenômeno da

linguagem figurada no discurso publicitário. Considerando-se que o campo da argumentação

é o do verossímil, do plausível e do provável, na medida em que este último foge às certezas

matemáticas, observou-se, na análise do corpus, que certas palavras tinham, no texto, a

capacidade de sugerir, ou implicar algo além do seu significado predominantemente dito, do

literal, do denotativo-referencial, reunindo nelas mesmas um conjunto de valores afetivos que

lhes eram meticulosamente impostos pelo sujeito-argumentante, ou seja, pela instituição

responsável pela propaganda, ou mesmo pelo contexto onde foram empregadas.

Assim, constatamos a construção de metáforas, metonímias e hipérboles em todos os

textos analisados, apresentando a ocorrência de pelo menos uma das figuras retóricas, seja em

relação ao verbal como o não-verbal.

Dessa forma, concebendo a publicidade em função do seu público-alvo, viu-se que as

instituições lançavam mão das figuras de retórica, enquanto mecanismos utilizados para fazer

algo ganhar a dimensão de verdade, a fim de que, estrategicamente, seus múltiplos e variados

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argumentos estivessem sempre de acordo com os desejos, sonhos, interesses e aspirações dos

receptores de suas mensagens discursivas.

Além disso, o ‘poder’ e o jogo das palavras nos permitiu desenvolver o estudo, pois é

evidente o quanto é fascinante a ‘manipulação’ e a plurissignificação das palavras, como diz

Morris West em O Embaixador: “As palavras são como dentes de dragão. De cada dente

plantado, nascem guerreiros prontos para combater”.

O texto publicitário sempre busca atender aos nossos mais profundos desejos,

aumentar nossa auto-estima, valorizar as qualidades e não os defeitos das coisas e dos seres.

Para tal, vale-se de palavras e expressões positivistas, ou melhor, adjetivos com traços de

positividade. Matos (1996) mostra que uma determinada campanha publicitária lançada numa

revista de circulação nacional capitalizou 20 adjetivos com traço de positividade: única,

novos, especiais, avançada, incontestável, exclusivas, marcante, moderno, inteligente,

irresistíveis, melhor, excelente, sofisticados, absoluto, constante, total, tranqüilo,

instantâneas, sem falha, com economia.

Carvalho (2002, p. 39) também apresenta uma pesquisa em que há alta freqüência dos

seguintes adjetivos: perfeito, bom, único, leve, prático, gostoso, moderno, grande, original,

natural, verdadeiro, bonito, elegante, completo, especial, sofisticado, saudável, delicado,

confortável e delicioso. Esse uso justifica os três atos fundamentais da mensagem publicitária,

segundo Péninou (apud Carvalho, 2002): nomear – conferir uma identidade por meio de um

nome; qualificar – estabelecer uma personalidade por meio de atributos; exaltar – garantir a

promoção por meio da celebração do nome e seus atributos.

Nos textos publicitários para as crianças analisados neste trabalho detectamos um

grande número de palavras e expressões positivas que tentam seduzir o consumidor para

adquirir o produto, através da realização dos seus anseios, seja pelo uso de adjetivos ou de

intensificadores. Levantamos a seguinte lista: energia, turbinado, surpresa, perfeita,

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deliciosa, força radical, supercrocante, motivação, deliciosos, divertido, gostoso, diferente,

incrível, especial, fofos, novidade, alegria, diversão, grandes, aventura, famoso, o melhor.

Assim, ao analisarmos os textos, fomos construindo questionamentos que sugerimos,

para que outros trabalhos possam empregá-los, avaliá-los ou que sirvam como orientação para

a interpretação objetiva de uma mensagem publicitária, analisando a sua construção

lingüística, verificando o emprego de recursos retóricos:

1. Para que público consumidor ou real comprador destina-se o produto?

2. O que o produto apresenta de diferencial entre os outros da mesma espécie?

3. O texto foi construído com o uso do verbal e do não-verbal?

4. Quais as cores mais empregadas? Que sentimentos elas transmitem?

5. Os ícones e as imagens apresentam alguma relação com o mundo real do público a que

se destina?

6. As palavras e expressões das mensagens remetem a múltiplos sentidos? São sentidos

próximos ou contrários?

7. A mensagem faz uso da linguagem figurada? Há comparação, substituição ou idéia de

exagero no texto? Isso contribui para a inteligibilidade e objetivo do texto?

8. O texto é capaz de informar com exatidão sobre o produto anunciado?

9. A mensagem influencia a compra do produto sem fazer nenhuma referência à sua

importância, ao que ele se presta?

10. Que elemento da mensagem é definitivo para que o consumidor seja ‘seduzido’ a

adquirir o produto?

Logo, após uma análise das mensagens através dessas e outras questões, é possível

caracterizar a publicidade e identificar qual a sua finalidade, e se foi construída para

‘persuadir’ o consumidor ou ‘enganá-lo’, pois ‘seduzir’ nem sempre é sinônimo de enganar: a

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função do texto publicitário é prestar-se à conquista de consumidores através da informação e

da persuasão.

Na sociedade moderna, o poder da publicidade amplia-se cada vez mais, sobretudo

pela forma como usa a linguagem, segundo Carvalho (2002), pois utiliza da linguagem o que

ela mais tem de significante: o jogo, a imaginação, a poesia. Ensina a seduzir, a argumentar e

a reproduzir o sonho, o mágico. A partir disso, surge o interesse das crianças, visto que ela

transporta o mundo da fantasia, do herói, dos desejos para a realidade.

Assim, as crianças podem ser consideradas, hoje, como um cliente ‘potencial’, pois ela

capaz de comprar e fazer comprar. Ela interfere nas compras da família, ao solicitar a compra

de um iogurte, uma massa, da ‘marca’ que traz o seu super-herói favorito ou personagem

infantil. Até mesmo os pais são influenciados por tentarem transpor aos filhos seus desejos

não realizados na infância; os filhos acabam sendo o reflexo dos sonhos ‘guardados’ de seus

pais. Tudo isso influenciados pelas publicidades que têm como alvo o desejo das crianças: a

brincadeira, a diversão; constatado em todas as análises deste trabalho. Dessa forma, levam as

crianças a se tornarem consumidoras, mesmo que não compradoras, através da “brincadeira”,

da realização da fantasia e da imaginação, ou seja, “Brincando de consumir”.

Enfim, este estudo reafirma nossa sedução pelas palavras, pela capacidade humana de

empregá-las e torná-las ‘vivas’, a rigor, citando Cecília Meireles: “Ai palavras, ai, palavras /

que estranha potência a vossa! / ... sois de vento, ides no vento / no vento que não retorna, / e,

em tão rápida existência, / tudo se forma e transforma!”

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