brevíssima introdução ao ofício divino

2
Formação 01/2014 Introdução ao Ofício Divino (Liturgia das Horas) "Caros amigos, nestas últimas Catequeses tenho desejado apresentar-vos alguns Salmos, preciosas orações que encontramos na Bíblia e que refletem as várias situações da vida e os vários estados de ânimo que podemos ter diante de Deus. Queria agora renovar a todos o convite de rezar com os Salmos, e de acostumar-se com o uso da Liturgia das Horas da Igreja: as Laudes pela manhã, as Vésperas ao anoitecer, as Completas antes de dormir. Nosso relacionamento com Deus só se enriquecerá no caminho cotidiano rumo a Ele e se realizará com maior alegria e confiança." (Bento XVI, trecho da audiência de 16/11/2011) A expressão "Ofício Divino" Esta expressão significa etimologicamente um dever cumprido por Deus; em virtude de um preceito divino, significa, na linguagem eclesiástica, certas orações a serem recitadas em horas fixas do dia ou da noite por sacerdotes, religiosos, ou clérigos e, em geral, por todos os que estejam obrigados por sua vocação a cumprir este dever. O Ofício Divino é constituído apenas da recitação de certas orações no Breviário, e não inclui a Missa e outras cerimônias litúrgicas. "Horas Canônicas", "Breviário", "Ofício Diurno e Noturno", "Ofício Eclesiástico", "Cursus ecclesiasticus" ou simplesmente "Cursus" são sinônimos de "Ofício Divino". "Cursus" é a forma usada por São Gregório Magno ao escrever: "exsurgente abbate cum monachis ad celebrandum cursum" (De glor. martyr., xv). "Agenda", "agenda mortuorum", "agenda missarum", "solemnitas", "missa" também foram usados. Os gregos empregam "synaxis" e "canon" neste sentido. A expressão "officium divinum" é usada no mesmo sentido pelos Concílios de Aix-la- Chapelle (800), IV de Latrão (1215) e de Viena (1311); mas também é usada para significar qualquer ofício da Igreja. Assim Valfredo Strabo (monge e teólogo franco do séc. IX), Pseudo-Alcuíno, Ruperto de Tuy dão às suas obras sobre cerimônias litúrgicas o título de "De officiis divinis". Melquior Hittorp, no séc. XVI, intitulou sua coleção de obras litúrgicas medievais de "De Catholicae Ecclesiae divinis officiis ac ministeriis" (Colônia, 1568). Na França, o uso da expressão "saint-office" como sinônimo de "office divin" é incorreto. "Saint-office" significa uma congregação romana, cujas funções são conhecidas, e as palavras não deveriam ser usadas para substituir o nome "Ofício Divino", que é muito mais apropriado e tem sido usado desde tempos antigos. Forma primitiva do Ofício O costume de recitar orações em certas horas do dia ou da noite vem dos judeus, de quem os Cristãos adquiriram o uso. Nos Salmos encontramos expressões como: "Meditarei em vós ao amanhecer"; "Levantei-me no meio da noite para louvar-vos"; "Pela tarde e pela manhã e ao meio dia falarei e declararei e ele ouvirá a minha voz"; "Sete vezes por dia eu vos louvei"; etc. (cf. "Jewish Encyclopedia", X, 164-171, s. v. "Prayer").Os Apóstolos observaram o costume judaico de rezar à meia noite, às horas terceira, sexta e nona (At 10,3-9;16,25; etc.). A oração cristã daquele tempo consistia quase dos mesmos elementos da judaica: recitação ou canto dos salmos, leitura do Antigo Testamento, a que logo foi acrescentada a dos Evangelhos, Atos e Cartas, e às vezes cantos compostos ou improvisados pelos assistentes. "Gloria in excelsis" e "Te decet laus" são aparentemente vestígios dessas primitivas inspirações. Atualmente os elementos que compõem o Ofício Divino parecem mais numerosos, mas são derivados, através de mudanças graduais, dos elementos primitivos. Como aparece nos textos dos Atos citados acima, os primeiros cristãos preservaram o costume de ir ao Templo na hora da oração. Mas eles tinha suas reuniões ou sinaxes em casas privadas para a celebração da Eucaristia e para sermões e exortações. Mas a sinaxe eucarística logo gerou outras orações; o costume de ir ao Templo desapareceu; e os abusos do grupo judaizante forçou os cristãos a se separarem mais distintamente dos judeus e de suas práticas e culto. Daí em diante a liturgia cristã raramente tomou algo do judaísmo. Desenvolvimento O desenvolvimento do Ofício Divino seguiu provavelmente esta maneira: A celebração da Eucaristia era precedida por uma recitação de salmos e leituras do Antigo e do Novo Testamento. Isto era chamado de Missa dos Catecúmenos, que foi preservada quase em sua forma original. Provavelmente esta parte da Missa foi a primeira forma de Ofício Divino, e, no início, as vigílias e a sinaxe eucarística eram uma só coisa. Quando o serviço eucarístico não era celebrado, a oração se limitava à recitação ou canto dos salmos e à leitura das Escrituras. As

Upload: luis-augusto-rodrigues-domingues

Post on 06-Dec-2015

2 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

Informações sobre a origem do Ofício Divino (tipo de celebração litúrgica católica para fins de santificação do cotidiano), sobretudo quanto ao Rito Romano.ARS - Associação Redemptionis Sacramentum

TRANSCRIPT

Page 1: Brevíssima Introdução ao Ofício Divino

Formação 01/2014

Introdução ao Ofício Divino (Liturgia das Horas)

"Caros amigos, nestas últimas Catequeses tenho desejado apresentar-vos alguns Salmos, preciosas orações que encontramos na Bíblia e que refletem as várias situações da vida e os vários estados de ânimo que podemos ter diante de Deus. Queria agora renovar a todos o convite de rezar com os Salmos, e de acostumar-se com o uso da Liturgia das

Horas da Igreja: as Laudes pela manhã, as Vésperas ao anoitecer, as Completas antes de dormir. Nosso relacionamento com Deus só se enriquecerá no caminho cotidiano rumo a Ele e se realizará com maior alegria e confiança."

(Bento XVI, trecho da audiência de 16/11/2011)

A expressão "Ofício Divino" Esta expressão significa etimologicamente um dever cumprido por Deus; em virtude de um preceito divino, significa, na linguagem eclesiástica, certas orações a serem recitadas em horas fixas do dia ou da noite por sacerdotes, religiosos, ou clérigos e, em geral, por todos os que estejam obrigados por sua vocação a cumprir este dever. O Ofício Divino é constituído apenas da recitação de certas orações no Breviário, e não inclui a Missa e outras cerimônias litúrgicas. "Horas Canônicas", "Breviário", "Ofício Diurno e Noturno", "Ofício Eclesiástico", "Cursus ecclesiasticus" ou simplesmente "Cursus" são sinônimos de "Ofício Divino". "Cursus" é a forma usada por São Gregório Magno ao escrever: "exsurgente abbate cum monachis ad celebrandum cursum" (De glor. martyr., xv). "Agenda", "agenda mortuorum", "agenda missarum", "solemnitas", "missa" também foram usados. Os gregos empregam "synaxis" e "canon" neste sentido. A expressão "officium divinum" é usada no mesmo sentido pelos Concílios de Aix-la-Chapelle (800), IV de Latrão (1215) e de Viena (1311); mas também é usada para significar qualquer ofício da Igreja. Assim Valfredo Strabo (monge e teólogo franco do séc. IX), Pseudo-Alcuíno, Ruperto de Tuy dão às suas obras sobre cerimônias litúrgicas o título de "De officiis divinis". Melquior Hittorp, no séc. XVI, intitulou sua coleção de obras litúrgicas medievais de "De Catholicae Ecclesiae divinis officiis ac ministeriis" (Colônia, 1568). Na França, o uso da expressão "saint-office" como sinônimo de "office divin" é incorreto. "Saint-office" significa uma congregação romana, cujas funções são conhecidas, e as palavras não deveriam ser usadas para substituir o nome "Ofício Divino", que é muito mais apropriado e tem sido usado desde tempos antigos. Forma primitiva do Ofício O costume de recitar orações em certas horas do dia ou da noite vem dos judeus, de quem os Cristãos adquiriram o uso. Nos Salmos encontramos expressões como: "Meditarei em vós ao amanhecer"; "Levantei-me no meio da noite para louvar-vos"; "Pela tarde e pela manhã e ao meio dia falarei e declararei e ele ouvirá a minha voz"; "Sete vezes por dia eu vos louvei"; etc. (cf. "Jewish Encyclopedia", X, 164-171, s. v. "Prayer").Os Apóstolos observaram o costume judaico de rezar à meia noite, às horas terceira, sexta e nona (At 10,3-9;16,25; etc.). A oração cristã daquele tempo consistia quase dos mesmos elementos da judaica: recitação ou canto dos salmos, leitura do Antigo Testamento, a que logo foi acrescentada a dos Evangelhos, Atos e Cartas, e às vezes cantos compostos ou improvisados pelos assistentes. "Gloria in excelsis" e "Te decet laus" são aparentemente vestígios dessas primitivas inspirações. Atualmente os elementos que compõem o Ofício Divino parecem mais numerosos, mas são derivados, através de mudanças graduais, dos elementos primitivos. Como aparece nos textos dos Atos citados acima, os primeiros cristãos preservaram o costume de ir ao Templo na hora da oração. Mas eles tinha suas reuniões ou sinaxes em casas privadas para a celebração da Eucaristia e para sermões e exortações. Mas a sinaxe eucarística logo gerou outras orações; o costume de ir ao Templo desapareceu; e os abusos do grupo judaizante forçou os cristãos a se separarem mais distintamente dos judeus e de suas práticas e culto. Daí em diante a liturgia cristã raramente tomou algo do judaísmo. Desenvolvimento O desenvolvimento do Ofício Divino seguiu provavelmente esta maneira: A celebração da Eucaristia era precedida por uma recitação de salmos e leituras do Antigo e do Novo Testamento. Isto era chamado de Missa dos Catecúmenos, que foi preservada quase em sua forma original. Provavelmente esta parte da Missa foi a primeira forma de Ofício Divino, e, no início, as vigílias e a sinaxe eucarística eram uma só coisa. Quando o serviço eucarístico não era celebrado, a oração se limitava à recitação ou canto dos salmos e à leitura das Escrituras. As

Page 2: Brevíssima Introdução ao Ofício Divino

vigílias, assim separadas da Missa, tornaram-se um ofício independente. Durante o primeiro período o único ofício celebrado publicamente era a sinaxe eucarística precedida pelas vigílias, mas formando com ela uma coisa só. Nesta hipótese a Missa dos Catecúmenos seria o cerne do inteiro Ofício Divino. A sinaxe eucarística iniciando ao entardecer não terminava até o amanhecer. As vigílias, independentemente do serviço eucarístico, foi dividido naturalmente em três partes; o início das vigílias, ou Ofício da tarde; as vigílias propriamente ditas; e o fim das vigílias ou Ofício matutino. Quando as vigílias eram o único Ofício e eram celebradas raramente, elas continuavam durante a maior parte da noite. Assim, o Ofício que chamamos de Ofício da tarde ou Vésperas, o da meia noite, e o da manhã, chamado primeiramente de Matinas e depois de Laudes, eram originalmente apenas um Ofício. Se esta hipótese é rejeitada, deve-se admitir que primeiro havia um só ofício público, as Vigílias. O serviço do entardecer, Vésperas, e o da manhã, Matinas ou Laudes, foram gradualmente separados daquele. Durante o dia, Terça, Sexta e Nona, horas costumeiras de oração privada tanto para judeus como para os primeiros cristãos, tornaram-se, depois, horas eclesiásticas, assim como Vésperas ou Laudes. As Completas aparecem como uma repetição das Vésperas, primeiro no séc. IV. A Prima é a única hora cuja origem e data precisas se conhece - o final do séc. IV. De toda forma, durante o curso do séc. V, o Ofício era composto, como hoje, de um Ofício noturno - as Vigílias e depois Matinas - e de sete Ofícios diurnos, Laudes, Prima, Terça, Sexta, Nona, Vésperas e Completas. Nas "Constituições Apostólicas" lemos: "Precationes facite mane, hora tertia, sexta, nona, et vespere atque galli cantu" (VIII, iv). Tais eram as horas como então existiam. Ausentes estão apenas Prima e Completas, que se não se originaram antes do fim do séc. IV, e cujo uso somente se difundiu gradualmente. Os elementos de que essas horas eram compostas eram primeiramente poucos em número, idênticos aos da Missa dos Catecúmenos, salmos recitados ou cantados ininterruptamente (Trato) ou por dois coros (antífonas) ou por um cantor alternando com o povo (responsos e versículos); lições (leituras do Antigo e do Novo Testamento, a origem dos Capítulos), e orações. Este desenvolvimento do Ofício Divino, no que diz respeito à Liturgia Romana, completou-se no fim do séc. VI. Alterações posteriores não tocaram em pontos essenciais, mas referem-se a acréscimos, como as antífonas de Nossa Senhora no final em certos ofícios, calendário, ofícios opcionais, como os de sábado, ou dos mortos, e a celebração de novas festas. A influência de São Gregório Magno na formação e fixação do Antifonário Romano, uma influência que foi questionada, aparece agora como certa (cf. "Dict. d'archéol. et de liturgie", s.v. "Antiphonaire"). Enquanto permitindo uma certa liberdade quanto à forma exterior do ofício (por exemplo: a liberdade dos monges do Egito e, depois, de São Bento, na constituição do Ofício Beneditino), a Igreja insistia desde tempos antigos em seu direito de supervisionar a ortodoxia das fórmulas litúrgicas. O Concílio de Milevis (416) proibiu algumas fórmulas não aprovadas por um concílio ou por uma autoridade competente (cf. Labbe, II, 1540). Os Concílios de Vannes (461), Agde (506), Epaon (517), Braga (563), Toledo (especialmente o quarto) promulgaram decretos similares para a Gália e a Espanha. Nos séc. V e VI, vários fatos tornaram conhecidos para nós os direitos clamados por papas em matéria litúrgica. O mesmo fato se estabelece pela correspondência de São Gregório I. Sob os seus sucessores a Liturgia Romana tende gradualmente a substituir as outras, e isto é uma prova adicional do direito da Igreja de controlar a liturgia (uma tese bem estabelecida por Dom Guéranger em suas "Institutions Liturgiques", Paris, 1883, e em sua carta ao Arcebispo de Reims sobre a lei litúrgica, op. cit., III, 453 sq.). Do séc. XI, sob São Gregório VII e seus sucessores, esta influência cresce gradativamente (Bäumer-Biron, "Hist. du Bréviaire", especialmente II, 8, 22 sqq.). A partir do Concílio de Trento a reforma dos livros litúrgicos entra em uma nova fase. Roma torna-se, sob os Papas Pio IV, São Pio V, Gregório XIII, Sisto V, Gregório XIV, Urbano VII e seus sucessores, Bento XIV, o cenário de um empreendimento laborioso - a reforma e correção do Ofício Divino, resultando no costume moderno, com todas as suas rubricas e regras para recitação do Ofício Divino e sua obrigação, e com a reforma dos livros litúrgicos, corrigidos de acordo com as decisões do Concílio de Trento e solenemente aprovados pelos papas (Bäumer-Biron, "Hist. du Bréviaire"). Fonte: Cabrol, Fernand. "Divine Office." The Catholic Encyclopedia. Vol. 11. New York: Robert Appleton Company, 1911. Disponível em: http://www.newadvent.org/cathen/11219a.htm

Tradução do original em inglês por Luís Augusto Rodrigues Domingues.