breve anÁlise da obra “auto da Índia” de gil vicente...
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GOVERNO DO ESTADO DO PARÁ
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO PARÁ
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E EDUCAÇÃO
CURSO: LETRAS – LICENCIATURA PLENA EM LINGUA PORTUGUESA
MANOELLA GONÇALVES BAZZO
BREVE ANÁLISE DA OBRA “AUTO DA ÍNDIA” DE GIL VICENTE COM
ENFOQUE NO ADULTÉRIO DE CONSTANÇA
REDENÇÃO
2010
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO........................................................................................................04
2 ABORDAGEM DO CONTEXTO HISTÓRICO E SOCIAL .................................... 05
3 ANÁLISE DA OBRA “AUTO DA ÍNDIA” ............................................................... 06
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 13
5 REFERENCILA BIBLIOGRÁFICO ....................................................................... 14
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1 INTRODUÇÃO
No contexto cultural da Literatura Portuguesa é possível desfrutar e
apreciar com satisfação grandes obras que marcaram época e continuam deixando
sua marca no acervo das grandes obras universais.
Destaca-se, portanto a grande obra “Os Lusíadas” de Camões,
considerado o maior poema épico lusitano e por isso mesmo muito importante não
apenas na Literatura Portuguesa, mas em todo o mundo.
A partir destas considerações, destaca-se também outro forte nome da
Literatura Portuguesa, Gil Vicente que soube como poucos acompanhar as
manifestações culturais de seu tempo e ainda dar-lhes novo sopro de atualidade
com influências de uma época de transição e de fortes transformações que vinham
acontecendo em Portugal.
Através de seus teatros, Gil Vicente conseguiu alcançar não apenas o
gosto da corte e da alta nobreza, mas também marcou a história da literatura.
Utilizando-se da sátira, das alegorias, das farsas e outros aspectos em seus teatros
criticava e denunciava várias realidades que só poderiam ser atingidas através do
caminho que a arte proporciona.
Portanto, este trabalho procurou adentrar, mesmo que timidamente, neste
período social do final do século XV para início do século XVI que Gil Vicente
transportou para sua peças. Para isso, dentro de suas inúmeras obras foi escolhido
o “Auto da Índia”, uma farsa que representa a história de uma mulher que estando
sozinha, pois seu marido estava viajando para a Índia, mantêm casos extraconjugais
com outros dois amantes. A análise procurou contemplar os aspectos histórico-
sociais e estéticos da obra e ainda, enfocou uma parte no adultério constrói a trama
dentro da peça escolhida.
Convêm ressaltar que devido a dificuldades locais presentes o acesso a
obra somente foi possível por mídia virtual disponível pelo sistema mundial de rede -
“internet”. Portanto, desde já, se esclarece que as citações – somente as ligadas a
obra “Auto da Índia” e utilizadas neste trabalho - foram todas feitas a partir do
arquivo encontrado e não serão destacadas seu nome de origem, mas terão suas
devidas referências no referencial bibliográfico.
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2 ABORDAGEM DO CONTEXTO HISTÓRICO E SOCIAL
As obras vicentinas carregam em sua construção a realidade de um
momento marcado pela transição de valores e ideologias presentes em Portugal no
final do século XV a início do século XVI. É a transição entre o final da Idade Média
para uma era renascentista, a denominar-se Idade Moderna.
Neste período as grandes navegações advindas do comércio marítimo
trazem a expansão ultramarina. Essa nova realidade mercantil favorece a ascensão
da burguesia, responsável pelo desenvolvimento do comércio. O poder material
torna-se mais importante do que os títulos de nobreza.
Os pensadores da época, principalmente os letrados, percebem-se como
agentes de transformação capazes de mudar e agir sobre a realidade. É o
crescimento do racionalismo humanista colocando em crise o sistema feudal. Dessa
forma o teocentrismo entra em choque com a presença do antropocentrismo. Assim,
o homem começa a se valorizar sem, contudo, abandonar por completo o temor a
Deus.
Gil Vicente, como homem do seu tempo, sofre influências dessas
condições sociais entre traços do humanismo e aspectos renascentistas.
É graças às Grandes Navegações que florescem, em Portugal, o Renascimento e o Humanismo, e o nosso dramaturgo capta todas estas transformações, transmutando-as em uma obra de excepcional riqueza, marcando para sempre o teatro português. (PITILLO, p.33, 2002)
Conforme Pitillo (p.33, 2002), as obras de Gil Vicente eram apresentadas
na corte para a alta nobreza e os convivas do paço, trazendo representações destes
tipos sociais, mas também dos tipos característicos das classes menos privilegiadas
de Portugal. Suas peças teatrais se destacam por sua capacidade de inovação e
utilização de novas formas antes, até então, não utilizadas em Portugal.
Segundo Saraiva & Lopes (p.191, 2000), antes de Gil Vicente, as peças
teatrais se restringiam a pequenas apresentações de “sermões burlescos” que
serviam para a distração da corte de D. João II e D. Manuel. Todavia, Gil Vicente
não parece ligado a esta tradição:
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(...) Vai integrando, por outro lado, novas formas teatrais criadas fora de Portugal, como a fantasia alegórica de Torres Naharro (...); as moralidades e os mistérios franceses e ingleses (...) E vai principalmente aprendendo a estilizar a própria realidade nacional (...) (SARAIVA & LOPES, p.192, 2000)
Assim, nasce sua primeira criação o “Auto da Visitação” (ou monólogo do
Vaqueiro) de 1502, que pretendia comemorar o nascimento do príncipe João, futuro
rei D. João III. Sendo que seu último trabalho, “Floresta de Enganos”, foi escrito em
1536, ano que se presume seja o da sua morte.
Convém ressaltar que em sua peças, Gil Vicente não se preocupa com
conflitos psicológicos, como ocorre nos teatros clássicos, mas antes é:
(...) um teatro de sátira social ou um teatro de ideias. No palco vicentino não perpassam caracteres individualizados, mas tipos sociais agindo segundo a lógica de sua condição, fixada de uma vez para sempre (...) (SARAIVA & LOPES, p.198, 2000)
Portanto, segundo Saraiva & Lopes (p. 197, 2000) é possível encontrar nos
teatros vicentinos, três formas de estrutura cênica: a farsa, o auto de enredo e o auto
alegórico, sendo este último o que melhor represente a visão vicentina de teatro.
2 ANÁLISE DA OBRA “AUTO DA ÍNDIA”
O Auto da Índia é uma peça que abarca ideias feitas da corrente e da
ideologia oficial da época. Segundo Pitillo (p.87, 2002) sua crítica recai sobre os
homens mercantilistas e sua busca pelo enriquecimento fácil, satirizando o
casamento e os valores da sociedade mercantil.
Gil Vicente censura a realidade sem com isso causar escândalos. Para
conseguir isto ele utiliza-se da farsa, gênero que consiste num drama com o
propósito de provocar riso, utilizando-se de caricaturas, absurdos, situações
ridículas.
A farsa situa-se fora da ordem e da harmonia. É a imagem do mundo às avessas [...] O „mundo às avessas‟ da tradição popular estava ainda vivo em Portugal do primeiro terço do século XVI. Era tolerado pelo rei e pela Igreja. Foi essa tolerância que permitiu a Gil Vicente, fiel servidor do monarca na sua qualidade de poeta de corte, passar além da ordem estabelecida sem provocar escândalo...” (TEYSSIER apud PITILLO, p. 88, 2002).
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Conforme Saraiva & Lopes (p.195, 2000) pode-se considerar o Auto da
Índia como uma das “farsas mais desenvolvidas” de Gil Vicente por desenvolver
uma história completa com início, meio e fim. Nela é apresentado o caso de uma
mulher casada que após a ida de seu marido à Índia mantêm relacionamento
adúltero com outros dois amantes.
Percebe-se que na construção da peça, o autor utiliza-se do texto em verso
fazendo uso da linguagem híbrida, ou seja, Gil Vicente reproduz a linguagem dos
diversos falares dos diferentes estratos sociais, além do português antigo ele utiliza
o castelhano local. Isso se deve principalmente, ao fato da interação do autor na
corte bilíngüe de Portugal. As esposas dos reis portugueses, no século XVI eram
castelhanas. Esse aspecto encontra-se destacado na voz do personagem
Castelhano: “CASTELHANO Paz sea n' esta posada. / AMA Vós sois? Cuidei que
era alguém. / CASTELHANO A según esso, soy yo nada.”
Também, nas falas do Castelhano se observa a influência advinda da
esfera renascentista a qual Gil Vicente estava inserido. Destacam-se referências aos
clássicos da literatura greco-romana como a “Ilíada” de Homero.
CASTELHANO Assossiega, coraçón, adormiéntate, león, no eches la casa en tierra ni hagas tan cruda guerra, que mueras como Sansón. Esta burla es de verdad, por los ossos de Medea, si no que arrastrado sea mañana por la ciudad; por la sangre soverana se la batalla troyana, y juro a la casa sancta...
O auto pode ser dividido em três momentos: a expectativa da partida do
marido, o adultério e o retorno do marido, desenvolvido no espaço da casa da Ama,
onde se destacam o exterior da casa com escada de acesso a porta (“AMA Quem
sobre por essa escada?”) e próximo à essa porta há uma janela (“LEMOS Quem tira
àquela janela?”). No interior da casa, aponta-se uma cozinha (“AMA Metei-vos nessa
cozinha, / que me estão ali chamando.”) e um quarto com uma cama (“MOÇA Falo
cá co‟esta cama.”), a parte mais íntima da casa.
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É dentro deste ambiente que irão transcorrer os três anos do tempo da
ação do Auto. Para dar essa noção de passagem do tempo Gil Vicente utiliza-se
somente do diálogo entre as personagens. Como nota-se a seguir na passagem de
três dias a partir da partida do marido: “CASTELHANO (...) Supe que vuesso marido/
era ido. / AMA Ant' ontem se foi.”
Depois, na voz da Moça percebe-se que a viagem já tem uma demora de
dois anos: “AMA Que falas? Que t' arreganhas? / MOÇA Ando dizendo entre mi /
que agora vai em dous anos / que eu fui lavar os panos / além do chão d' Alcami; / e
logo partiu a armada, / domingo de madrugada. (...)”
E logo, os anos já são três: “MOÇA Três anos há / que partiu Tristão da
Cunha”. E, em seguida, o marido já está de volta ao lar: “MOÇA Ai, senhora! Venho
morta! / Noss' amo é hoje aqui”.
Este recurso utilizado pelo autor é muito importante e faz parte integrante
da estrutura e da forma desta obra, pois com a passagem dos dias e com o suporte
do diálogo, o público é transportado do dia da partida, primeira noite do marido fora,
para o dia da chegada, passados mais de três anos.
O Auto da Índia foi particularmente datado pelo autor: “Era de 1509 anos”.
Conforme Nora (2008), seria a primeira vez que Gil Vicente utilizou-se de
personagens femininas em suas obras.
(...) Em todos os textos que Gil Vicente produziu indubitavelmente antes da referida farsa (Visitação – 1502, São Martinho – 1504 e Sermão de Abrantes – 1506), não se utilizou de personagens do sexo feminino. Constança, principal personagem do Auto da Índia, desse modo, antecipa as grandes figuras criadas pelo autor (...) (NORA, p. 44, 2008)
A partir, do contexto marítimo comercial e da rota para à Índia, a
personagem feminina é tecida envolta pela ambição do marido que correndo atrás
de fama e riqueza parte à uma aventura em alto mar, deixando sua mulher sozinha
no lar. Esta se aproveita das condições para manter o adultério.
Gil Vicente coloca em questão um dos aspectos negativos das grandes
navegações, onde o desejo feminino assume liberdade com a ruptura de certos
costumes, ganhando espaço em campos antes privilegiados aos homens. Esta
imagem feminina também é contemplada em outras personagens como Inês da
“Farsa de Inês Pereira”. São tipos femininos que:
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subvertendo determinadamente a ordem normal das coisas, investem o terreno exclusivo do varão, com a complacência deste, reivindicam com força o direito ao espaço que lhes é negado, espaço público, espaço de poder, espaço da palavra, espaço da sexualidade livremente assumida (KLEIMAN apud NORA, p. 46, 2008)
Num primeiro momento, a apresentação da figura feminina, identifica-a nos
moldes da esposa ideal e virtuosa que chora desolada pela partida do marido. Mas,
segundo Nora (p. 46, 2008), esse modelo é quebrado, pois o choro não é o da
esposa infeliz retratada anteriormente, mas o da mulher que teme que a partida do
esposo não se concretize.
MOÇA Jesu! Jesu! que é ora isso? É porque se parte a armada? AMA Olhade a mal estreada! Eu hei-de chorar por isso? MOÇA Por minh' alma que cuidei e que sempre imaginei, que choráveis por noss' amo. AMA Por qual demo ou por qual gamo, ali, má hora, chorarei?
Após a presente cena, a Ama faz uma oração à Santo Antônio pedindo
para que o marido não regresse: “AMA A Santo António rogo eu / que nunca mo cá
depare: / não sinto quem não s'enfare / de um Diabo Zebedeu. (...)”.
Nessa parte, também se pode perceber a influência do contexto religioso
presente na obra, visto que, como já fora destacado, Gil Vicente vivia num momento
de transição entre a cultura medieval teocêntrica para uma cultura renascentista
antropocêntrica. Assim, em ele consegue misturar a temática religiosa com a
profana.
Com a partida do marido, a mulher é livre para viver sua aventura amorosa
com seus dois amantes, o castelhano e Lemos. Para manter a situação controlada a
Ama mantêm uma obrigada cumplicidade com a Moça. Em diversos diálogos esta
toma, portanto a voz ainda de repressão em defesa da moral de seu senhor.
O espaço da narrativa é sempre dentro da casa. O marido confia a
fidelidade e a castidade da esposa nos limites do espaço doméstico. Todavia,
Constança, a Ama, consegue subverter a ordem sem ultrapassar tais limites. Sua
única ligação com o exterior se dá pela porta e pela janela da casa.
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Conforme Nora (p. 48, 2008) “para os homens, as janelas e portas, quando
fechadas, exercem a função de vigilância da mulher”. Mas, neste caso são por estas
aberturas que a Ama consume seu adultério. Com seu primeiro amante, o
Castelhano (Juan de Zamora), a “janela” facilita a relação amorosa ao invés de
impedi-la.
AMA Vós queríeis ficar cá? Agora é cedo ainda; tornareis vós outra vinda, e tudo se bem fará. CASTELHANO A qué hora me mandáis? AMA Às nove horas e nô mais. E tirai üa pedrinha, pedra muito pequenina, à janela dos quintais.
A janela também é um recurso utilizado por Constança para conseguir
manter a duas relações extraconjugais. No momento em que um de seus amantes,
Lemos, então dentro do recinto percebe as pedrinhas nas janelas, jogadas pelo
outro, Castelhano, a Ama prepara-se para despistar tanto o de fora como o de
dentro.
AMA Digo que venhais embora. LEMOS Quem tira àquela janela? AMA Meninos que andam brincando, e tiram de quando em quando. LEMOS Que dizeis, Senhora minha? AMA Metei-vos nessa cozinha, que me estão ali chamando.
E depois:
CASTELHANO Ábrame, vuessa merced, que estoy aquí a la verguença! Esto úsasse en Siguença: pues prometéis, mantened. AMA Calai-vos, muitieramá até que meu irmão se vá!
Nota-se, portanto, a esperteza da mulher que consegue violar a fidelidade
imposta pelo casamento sem, contudo ultrapassar os limites dessa extensão que
está na casa.
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No espaço que deveria funcionar como modelador da virtude feminina – espaço de recato, pudor, fidelidade e de culto à honra do marido – a protagonista tem uma atitude de gozo diante da vida: afugenta o tédio, diverte-se com seus dois amantes, entrega-se ao desejo de ser e estar alegre. (NORA, p.52, 2008)
Já conhecendo os perigos das viagens marítimas, a Ama conta com a
certeza da morte de seu marido. Exprime alegria e jubilo perante a esperança do
não regresso do mesmo.
AMA Mas que graça, que seria, se este negro meu marido, tornasse a Lisboa vivo pera a minha companhia! Mas isto não pode ser, que ele havia de morrer somente de ver o mar. Quero fiar e cantar, segura de o nunca ver.
Todavia, a notícia que lhe vem é o contrário, e após três anos passados o
regresso do marido é certo. Assim, a alegria de Constança se vai e a raiva, que lhe
toma de conta, é descontada na Moça através do pedido de inúmeros serviços.
AMA Pois, casa, se t' eu caiar, mate-me quem me partiu! Quebra-me aquelas tigelas e três ou quatro panelas, que não ache em que comer. Que chegada e que prazer! Fecha-me aquelas janelas, deita essa carne a esses gatos; desfaze toda essa cama.
No trecho anterior, nota-se também o pedido de Constança à Moça para
fechar a janela. Com a volta do marido, a Ama precisa confiar-lhe a sua atitude de
recato e fidelidade que a casa a mantêm.
(...) Assim, a fim de manter a aparência de esposa recatada e fiel, sabe que é preciso cerrar as brechas que a colocam em contato com tudo aquilo que os homens consideram ser para suas esposas os perigos do mundo exterior. (...) (NORA, p. 51, 2008)
Neste ponto, Constança volta a seguir a recomendações sociais e se
mostra uma esposa atenciosa e saudosa do marido. Descreve seu sofrimento pela
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viagem do mesmo, e destaca sua decência de mulher casada que viveu “encerrada”
por todos esses anos a esperar pelo esposo. Neste caso, como aponta Nora (p. 52,
2008) Constança não mentiu visto que suas relações extraconjugais aconteceram
sempre dentro da casa.
O fato de a mulher não receber o castigo merecido pela infidelidade
conjugal assolaria o efeito engraçado que é característico da farsa. Gil Vicente,
portanto não crítica o adultério, mas deseja evitá-lo. Com isso, os risos e troças se
voltam para o marido que iludido pelo enriquecimento fácil das grandes navegações
e viagens marítimas volta pobre, pois a riqueza alcançada é recolhida pelo capitão
“MARIDO: Se não fora o capitão, / eu trouxera, a meu quinhão, / um milhão vos
certifico”, e ainda foi traído pela mulher que se entregou aos homens que a
procuravam.
Constança não carrega culpa de suas atitudes. Na conversa com a Moça
ela justifica tal comportamento colocando toda a culpa no marido que parte no auge
de sua mocidade: “AMA: Ha ah ah ah ah ah! / Est'era bem graciosa, /quem se vê
moça e fermosa / esperar pola irá má. (...) / Partem em Maio daqui, / quando o
sangue novo atiça: / parece-te que é justiça?” e por mulher acreditar que o marido
não retornaria para casa, visto as dificuldades enfrentadas em alto-mar. Conforme
Nora (p. 69, 2008) essa era uma constante na vida de muitas mulheres portuguesas
e esses fatos estão presentes na História, quando era constante a ida de muitos
portugueses que se aventuravam nas navegações, mas que não possuíam um
retorno certo.
Nota-se, portanto, que a condição de Constança como mulher casada não
a impede que quebre os rótulos a ela imposto pelo casamento. O adultério é uma
expressão que leva a refletir a posição da mulher frente às expectativas de uma
sociedade marcada pela imagem virtuosa e casta da mulher. Em Gil Vicente torna-
se uma oportunidade de reflexão sobre a realidade que o cerca.
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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O seguinte auto abre um leque para várias análises a partir de diferentes
focos. Mas aqui consideramos a construção do adultério de Constança. A esta parte
destaca-se sua motivação para tal atitude que demonstra uma quebra nos valores
destinados ao casamento.
Todavia, essa ruptura não acontece de forma a provocar escândalo, pois
ocorre sempre no interior da casa. Ou seja, o espaço doméstico que é visto como
fortaleza que protege a virtude da esposa aos olhos do marido torna-se palco das
quebras dos códigos sociais impostos pelo matrimônio. Para tanto, exige da Ama a
cumplicidade de sua criada, Moça, e a esperteza de encontrar as brechas (janela e
porta) necessárias para que tal ato aconteça.
Na farsa “Auto da Índia” é notável perceber a capacidade artística de Gil
Vicente em conceber e representar os tipos sociais que marcaram sua época. A
atitude da mulher adultera neste campo ressaltam casos da nova realidade mercantil
portuguesa.
Através da sátira e da farsa, o autor sabe como poucos denunciar essa
realidade sem, contudo entrar em divergências com as autoridades da época que
cresciam e enriqueciam com a exploração marítima. Isto porque sua intenção maior,
não era atingir instituições, mas os homens da sociedade. Sua crítica possuía um
teor moralizante que procurava a mudança de atitude.
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5 REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO
NORA, Andreza Barboza. “Quanto em caso de amores”: a relação (extra)conjugal
em três autos de Gil Vicente. 2008. 118 f. Trabalho de conclusão de curso (Mestrado em Literatura Portuguesa) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ cp064243.pdf>. Acesso em: 02 abr. 2010.
PITILLO, Silvana Assis Freitas. A personagem vicentina: uma representação do
Portugal dos quinhentos. 2002. 190 f. Trabalho de conclusão de curso (Pós-Graduação em História) – Universidade Federal de Uberlândia, Minas Gerais, 2002. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do? select_action=&co_obra=18916>. Acesso em: 03 abr. 2010. SARAIVA, António José; LOPES, Óscar. História da Literatura Portuguesa. 17. ed. [S. l.]: Porto, 2000. VICENTE, GIL. Auto da Índia. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/ download/texto/ bv000109.pdf>. Acesso em: 02 abr. 2010.