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Junho/2018 Sessões de 28 de maio a 29 de junho de 2018 80 número

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Junho/2018

Sessões de 28 de maio a 29 de junho de 2018

80 número

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Junho de 2018

Compilação dos Informativos nos 904 a 908

O Informativo por Temas apresenta todos os resumos de julgamentos divulgados pelo

Informativo STF concluídos no mês a que se refere e é organizado por ramos do Direito e por

assuntos.

SUMÁRIO

Direito Administrativo Servidores públicos

ADI MC: Funpresp e data limite para adesão ao regime de previdência complementar

Direito Civil

Direito de Família

Impenhorabilidade do bem de família e contratos de locação comercial

Direito Constitucional

Aposentadoria

Guardas municipais e aposentadoria especial Competência Legislativa

ADI: ITCMD e Procuradoria Geral do Estado Controle de Constitucionalidade

ADI e providências diante de greve de servidores públicos

ADI e vinculação de receitas de impostos

Constituição estadual e constitucionalidade

ED: juiz de paz e remuneração

ICMS: ED e modulação de efeitos em ADI

Direitos e garantias fundamentais

Reforma trabalhista e contribuição sindical Garantias eleitorais

ADI e sigilo do voto Reclamação

Cabimento de reclamação: censura e liberdade de expressão Tributos

Imunidade tributária e maquinário para impressão de livros

Direito Eleitoral

Eleições

Período eleitoral e liberdade de expressão

Direito Penal

Aplicação da Pena

Acordo de colaboração premiada e delegado de polícia Legitimidade ativa

Legitimidade ativa do Ministério Público e crime de estupro sem lesão corporal Tipicidade

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Descaminho e crédito tributário

Homicídio na direção de veículo automotor e competência do tribunal do júri

Direito Penal Militar Crime militar

Configuração de crime militar e licenciamento

Direito Processual Civil Honorários

Honorários advocatícios e seu fracionamento

Direito Processual Penal

Ação Penal

Corrupção passiva e lavagem de dinheiro Competência

Reclamação e diligências em residência de parlamentar

Condução coercitiva

Condução coercitiva para interrogatório e recepção pela Constituição Federal de 1988 Execução Penal

Remição ficta e omissão do Estado

Direito Tributário

Contribuição

PIS e alteração da base de cálculo para instituição financeira Contribuições

Instituições financeiras e majoração de alíquota da COFINS

Instituições financeiras: Lei 7.787/1989 e contribuição adicional de 2,5% sobre a folha

de salários Prescrição

Prazo prescricional e tributo declarado inconstitucional

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DIREITO ADMINISTRATIVO

Servidores públicos

ADI MC: Funpresp e data limite para adesão ao regime de previdência

complementar

O Plenário, em conclusão de julgamento e por maioria, indeferiu pedido de

medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade que pretendia suspender a

eficácia dos artigos 3º, § 7º, da Lei 12.618/2012 e 92 da Lei 13.328/2016, com vistas a

afastar qualquer restrição temporal à opção pelo regime de previdência complementar.

A teor do disposto no § 16 do art. 40 da Constituição Federal (CF), o servidor que

houver ingressado nos quadros da Administração até o dia da publicação do ato de

criação do correspondente regime de previdência complementar somente será a ele

vinculado por meio de prévia e expressa opção.

Com a instituição do regime de previdência da União, o legislador assinou o prazo

de 24 meses a partir do início da sua vigência para que o servidor exerça o direito de

escolha (Lei 12.618/2012, art. 3º, § 7º). Em 2016, o prazo foi postergado, sendo o

término em 29.7.2018 (Lei 13.328/2016, art. 92).

O Colegiado observou que o Poder Executivo justificou a reabertura do período

para a opção pelo novo regime, com adesão à Fundação de Previdência Complementar

do Servidor Público Federal (Funpresp), diante do contexto trazido pela Medida

Provisória 664, de 30.12.2014, convertida na Lei 13.135/2015. A legislação promoveu

importantes mudanças tanto no Regime Geral de Previdência Social quanto no Plano de

Seguridade Social dos Servidores Públicos Federais, com alterações na Lei 8.112/1990.

O deferimento da liminar representaria indevida manipulação de opção político-

normativa do Parlamento. Ao Supremo Tribunal Federal (STF), à semelhança do que

ocorre com as demais Cortes Constitucionais, cabe exercer o papel de legislador

negativo. É sua a relevante função de extirpar do ordenamento jurídico normas

incompatíveis com a Lei Maior, devendo, exatamente por esse motivo, atuar com

parcimônia.

Não há, sob o ângulo material ou formal, qualquer traço de incompatibilidade

direta com a Constituição Federal. Quanto ao prazo, o conteúdo dos dispositivos revela

legítima atuação parlamentar por meio da fixação de razoáveis balizas temporais ao

exercício da opção franqueada aos servidores públicos.

Também foi rejeitada a argumentação de que se mantém o quadro de insegurança

jurídica derivado da imposição de escolha, em caráter irrevogável e irretratável, pelo

ingresso em regime de previdência que poderá vir a ser invalidado pelo STF. Acolher

essa alegação subverteria o princípio da presunção de constitucionalidade dos atos

normativos.

Além da ausência de plausibilidade jurídica da pretensão, não se vislumbrou

prejuízo decorrente do retardamento da decisão para os servidores que,

tempestivamente, fizerem opção pelo ingresso em regime de previdência complementar,

caso o Tribunal, no julgamento do mérito da ação direta, declare a inconstitucionalidade

dos preceitos nela impugnados.

Na hipótese de vir a ser assentada a inconstitucionalidade da instituição de

entidade fechada de previdência complementar de natureza pública, o cenário anterior

deverá ser restaurado, com a devida reparação dos danos causados aos servidores

públicos atingidos pelas normas eventualmente glosadas pelo STF.

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Vencidos os ministros Luiz Fux e Ricardo Lewandowski, que deferiram a

cautelar. Consideraram presente o “fumus boni iuris”, porque o art. 93, VI (1), da CF

remete a disciplina da previdência dos magistrados à lei complementar de iniciativa do

STF. O ministro Ricardo Lewandowski entendeu demonstrado, também, o “periculum

in mora”, em razão da proximidade do prazo de opção. (1) CF: “Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da

Magistratura, observados os seguintes princípios: (...) VI - a aposentadoria dos magistrados e a pensão de seus

dependentes observarão o disposto no art. 40; (Redação dada pela Emenda Constitucional 20, de 1998)”

ADI 4885 MC/DF, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 27.6.2018. (ADI-4885)

(Informativo 908, Plenário)

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DIREITO CIVIL

Direito de Família

Impenhorabilidade do bem de família e contratos de locação comercial

Não é penhorável o bem de família do fiador, no caso de contratos de locação

comercial. Com base neste entendimento, a Primeira Turma, por maioria e em

conclusão de julgamento, deu provimento a recurso extraordinário em que se discutia a

possibilidade de penhora de bem de família do fiador em contexto de locação comercial.

Vencidos os ministros Dias Toffoli (relator) e Roberto Barroso que negaram

provimento ao recurso. Ressaltaram que o Supremo Tribunal Federal pacificou o

entendimento sobre a constitucionalidade da penhora do bem de família do fiador por

débitos decorrentes do contrato de locação. A lógica do precedente é válida também

para os contratos de locação comercial, na medida em que — embora não envolva o

direito à moradia dos locatários — compreende o seu direito à livre iniciativa. A

possibilidade de penhora do bem de família do fiador — que voluntariamente oferece

seu patrimônio como garantia do débito — impulsiona o empreendedorismo, ao

viabilizar a celebração de contratos de locação empresarial em termos mais favoráveis.

Por outro lado, não há desproporcionalidade na exceção à impenhorabilidade do bem de

família (Lei nº 8009/1990, art. 3º, VII [1]). O dispositivo legal é razoável ao abrir a

exceção à fiança prestada voluntariamente para viabilizar a livre iniciativa.

(1) Lei 8009/1990: “Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal,

previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: (...)VII - por obrigação decorrente de fiança

concedida em contrato de locação. ”

RE 605709/SP, rel. Min. Dias Toffoli, red. p/ ac. Min. Rosa Weber, julgamento

em 12.6.2018. (RE-605709)

(Informativo 906, Primeira Turma)

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DIREITO CONSTITUCIONAL

Aposentadoria

Guardas municipais e aposentadoria especial

Diante da ausência de legislação específica, não cabe ao Poder Judiciário garantir

aposentadoria especial [CF; art. 40, § 4º, II (1)] a guarda municipal.

Com base nessa orientação, o Plenário, em julgamento conjunto e por maioria,

negou provimento ao agravo regimental no MI 6.515, e deu provimento aos agravos

regimentais nos MIs 6.770, 6.773, 6.780 e 6.874.

O Tribunal entendeu que o referido benefício não pode ser estendido aos guardas

civis, uma vez que suas atividades precípuas não são inequivocamente perigosas e,

ainda, pelo fato de não integrarem o conjunto de órgãos de segurança pública

relacionados no art. 144, I a V (2) da CF.

A proximidade da atividade das guardas municipais com a segurança pública é

inegável, porém, à luz do § 8º (3) do mesmo dispositivo constitucional, sua atuação é

limitada, voltada à proteção do patrimônio municipal. Conceder esse benefício por via

judicial não seria prudente, pois abriria margem reivindicatória a diversas outras classes

profissionais que, assim como os guardas municipais, lidam com o risco diariamente.

Ademais, cabe ao legislador, e não ao Judiciário, classificar as atividades profissionais

como sendo ou não de risco para fins de aposentadoria especial.

Vencidos os ministros Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski e Marco

Aurélio, que reconheceram o direito dos guardas civis ao benefício da aposentadoria

especial, por considerarem que a atividade por eles exercida ostenta periculosidade

inequívoca. O risco inerente é corroborado pelo fato de integrarem o rol do Sistema

Único de Segurança Pública [Lei 13.675/2018; art. 9º, caput (4)], entre os quais

figuraram os agentes penitenciários, que também receberam o benefício da

aposentadoria especial .

(1) CF: “Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos

Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e

solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas,

observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo. [...] 4º É vedada a

adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo regime de que

trata este artigo, ressalvados, nos termos definidos em leis complementares, os casos de servidores: (...) II - que

exerçam atividades de risco; ”

(2) CF: “Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para

a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I -

polícia federal; II - polícia rodoviária federal; III - polícia ferroviária federal; IV - polícias civis; V - polícias militares

e corpos de bombeiros militares. ”

(3) CF: “Art. 144 (...) § 8º Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus

bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei. ”

(4) Lei 13.675/2018: “Art. 9º. É instituído o Sistema Único de Segurança Pública (Susp), que tem como órgão

central o Ministério Extraordinário da Segurança Pública e é integrado pelos órgãos de que trata o art. 144 da

Constituição Federal, pelos agentes penitenciários, pelas guardas municipais e pelos demais integrantes estratégicos e

operacionais, que atuarão nos limites de suas competências, de forma cooperativa, sistêmica e harmônica. ”

MI 6515/DF, rel. Min. Roberto Barroso, julgamento em 20.6.2018. (MI – 6515)

MI 6770/DF, rel. Min. Alexandre de Moraes, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso,

julgamento em 20.6.2018. (MI – 6770)

MI 6773/DF, rel. Min. Alexandre de Moraes, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso,

julgamento em 20.6.2018. (MI – 6773)

MI 6780/DF, rel. Min. Alexandre de Moraes, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso,

julgamento em 20.6.2018. (MI – 6780)

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MI 6874/DF, rel. Min. Alexandre de Moraes, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso,

julgamento em 20.6.2018. (MI – 6874)

(Informativo 907, Plenário)

Competência Legislativa

ADI: ITCMD e Procuradoria Geral do Estado

A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) é meio processual inadequado para

o controle de decreto regulamentar de lei estadual.

As disposições legais sobre a forma de cobrança do Imposto sobre Transmissão

“Causa Mortis” e Doação de quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD) pela Procuradoria

Geral do Estado e de sua intervenção em processos de inventário, arrolamento e outros

de interesse da Fazenda Pública são regras de procedimento que não violam o Código

de Processo Civil (CPC).

Com base nesses entendimentos, o Plenário, em conclusão de julgamento, não

conheceu da ação direta de inconstitucionalidade proposta em face da alínea “b” (1) do

inciso I do art. 23 do Decreto 46.655/2002 do Estado de São Paulo. Além disso, por

maioria, julgou improcedente pedido formulado contra os §§ 1º e 3º (2) do art. 10 e o art.

28(3) da Lei 10.705/2000 do Estado de São Paulo.

Prevaleceu o voto do ministro Alexandre de Moraes (relator).

De início, firmou a prejudicialidade da apontada ausência de procuração com

poderes específicos para ajuizamento de ADI contra os referidos dispositivos. A

exigência constitui vício sanável e houve a regularização da representação processual.

Ademais, os legitimados listados na Constituição Federal detêm capacidade

postulatória.

Consignou a inadequação da ação direta para apreciar dispositivo de decreto

regulamentar. O Decreto 46.655/2002 interpreta a lei, não é autônomo.

Quanto aos preceitos da Lei 10.705/2000, considerou as normas eminentemente

procedimentais, autorizadas pelo art. 24 da CF, que prevê a competência concorrente da

União e dos Estados. A possibilidade de a Procuradoria-Geral do Estado intervir e ser

ouvida nos inventários, arrolamentos e outros feitos em nada atrapalha o processo.

Pela legislação federal, a Fazenda Pública não fica adstrita ao valor declarado no

processo dos bens do espólio. Será sempre notificada e irá instaurar procedimento

administrativo para verificar se aqueles valores estão corretos ou não.

A lei estadual dispõe que será instaurado o respectivo procedimento

administrativo — como estabelece o CPC — se a Fazenda não concordar com o

montante declarado ou atribuído a bem ou direito do espólio. Ponderou que,

concordando com o valor, encerra-se “ab initio” qualquer procedimento administrativo.

Reputou constitucionais os §§ 1º e 3º do art. 10 por não afrontarem divisão de

competência e terem finalidade de facilitação para o contribuinte, com vistas à

celeridade da prestação jurisdicional. Acrescentou estarem inseridos também na

competência concorrente em matéria tributária.

Por fim, salientou ser o art. 28 norma de organização administrativa. A esse

respeito, rememorou precedente desta Corte segundo o qual os Estados possuem

competência legislativa para organização administrativa, a fim de estabelecer aqueles

que podem atuar dentro dos seus órgãos (ADI 1916/MS).

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Vencidos os ministros Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski, que julgaram

parcialmente procedente o pleito para assentar a inconstitucionalidade dos dispositivos

legais impugnados. Entenderam que o Estado inovou em matéria processual.

(1) Decreto 46.655/2002 do Estado de São Paulo: “Art. 23. Se o Fisco não concordar com os valores

declarados, no mesmo prazo do artigo anterior, serão adotados os seguintes procedimentos: I - na hipótese de

arrolamento: (...) b) o Procurador do Estado, mediante petição, discordará expressamente da expedição de alvará,

formal de partilha ou carta de adjudicação, enquanto o débito não for liquidado; ”

(2) Lei 10.705/2000 do Estado de São Paulo: “Art. 10. O valor do bem ou direito na transmissão "causa

mortis" e o atribuído na avaliação judicial e homologado pelo Juiz. § 1º - Se não couber ou for prescindível a

avaliação, o valor será o declarado pelo inventariante, desde que haja expressa anuência da Fazenda, observadas as

disposições do artigo 9°, ou o proposto por esta e aceito pelos herdeiros, seguido, em ambos os casos, da

homologação judicial. (...) § 3º - As disposições deste artigo aplicam-se, no que couber, ás demais partilhas ou

divisões de bens sujeitas a processo judicial das quais resultem atos tributáveis. ”

(3) Lei 10.705/2000 do Estado de São Paulo: “Art. 28. Compete à Procuradoria Geral do Estado intervir e ser

ouvida nos inventários, arrolamentos e outros feitos processados neste Estado, no interesse da arrecadação do imposto

de que trata esta lei. ”

ADI 4409/SP, rel. Min. Alexandre de Moraes, julgamento em 6.6.2018. (ADI-4409)

(Informativo 905, Plenário)

Controle de Constitucionalidade

ADI e providências diante de greve de servidores públicos

O Plenário, por maioria, julgou improcedente pedido formulado em duas ações

diretas de inconstitucionalidade ajuizadas contra o Decreto 4.264/1995, da Bahia, que

dispõe sobre as providências a serem adotadas, em caso de paralisação de servidores

públicos estaduais, a título de greve.

A norma impugnada determina aos secretários e dirigentes da Administração

Pública direta: i) a convocação dos grevistas a reassumirem seus cargos; ii) a

instauração de processo administrativo disciplinar; iii) o desconto em folha de

pagamento dos dias de greve; iv) a contratação temporária de servidores. Prevê, ainda, a

exoneração dos ocupantes de provimento temporário e de função gratificada que

participarem da greve.

Alegava-se ofensa aos artigos 9 (1), 22, I (2) e 37, VII (3), da Constituição Federal

(CF).

O Tribunal considerou tratar-se de decreto de caráter autônomo, que disciplina,

nos termos da competência reservada ao chefe do Poder Executivo pelo art. 84, IV (4),

da CF, as consequências — estritamente administrativas — do ato de greve dos

servidores públicos e as providências a serem adotadas pelos agentes públicos no

sentido de dar continuidade aos serviços públicos.

Observou que o decreto não cuida especificamente do direito de greve do servidor

público, não regulamenta seu exercício, e, ainda que o fizesse, essa matéria não está

incluída entre aquelas tidas como de Direito do Trabalho, pois o vínculo do servidor

com a Administração Pública não é de natureza trabalhista, mas estatutária.

Asseverou que a norma impugnada apenas prevê a instauração de processo

administrativo para se apurar a participação do servidor na greve e as condições em que

ela se deu, bem como o não pagamento dos dias de paralisação, o que está em

consonância com a orientação fixada pela Corte no julgamento do MI 708. Nele, o

Plenário também determinou, até a edição da legislação específica a que se refere o art.

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37, VII, da CF, a aplicação das Leis 7.701/1988 e 7.783/1989 aos conflitos e às ações

judiciais que envolvam a interpretação do direito de greve dos servidores públicos civis.

No que se refere à possibilidade de contratação temporária excepcional (CF, art.

37, IX (5)) prevista no decreto, concluiu que o Poder Público baiano tem o dever

constitucional de prestar serviços essenciais que não podem ser interrompidos e que a

contratação, no caso, foi limitada ao período de duração da greve e apenas para garantir

a continuidade dos serviços. Frisou, no ponto, que a jurisprudência do STF reconhece a

inconstitucionalidade da contratação temporária excepcional para admissão de

servidores para funções burocráticas ordinárias e permanentes (ADI 2.987 e ADI

3.430).

Vencidos os ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Marco Aurélio e Ricardo

Lewandowski que julgaram o pedido formulado procedente.

Para o ministro Fachin, o decreto estadual, mantido como está, na atual quadra da

compreensão da Constituição que o Tribunal exarou nos MI 670, 708 e 712, é

incoerente com a ordem constitucional, quer do ponto de vista formal, quer do material.

Isso porque o art. 37, VII, da CF requer lei específica. Mais do que estabelecer

restrições ao exercício do direito de greve, a norma impugnada acaba por vedar a

própria existência do direito de greve. Além disso, infringe o texto constitucional por

estabelecer uma nova hipótese de contratação de trabalhador temporário pela

Administração.

Vencido, em parte, o ministro Roberto Barroso, que julgou o pedido parcialmente

procedente, para declarar inconstitucionais o inciso II do art. 1º e o art. 2º do decreto

estadual, porque partem do pressuposto de que a greve é ilegítima, o que não

corresponde ao atual entendimento da Corte.

O inciso II do art. 1º determina a instauração de processo administrativo

disciplinar para apuração do fato e aplicação das penalidades cabíveis e o art. 2º aplica a

sanção de exoneração imediata aos ocupantes de cargo de provimento temporário e de

função gratificada que participarem do movimento grevista. (1) CF: “Art. 9º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade

de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender. § 1º A lei definirá os serviços ou atividades

essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade. § 2º Os abusos cometidos

sujeitam os responsáveis às penas da lei. ”

(2) CF: “Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: I - direito civil, comercial, penal,

processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho; ”

(3) CF: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do

Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e

eficiência e, também, ao seguinte: (...)VII - o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei

específica; ”

(4) CF: “Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: (...) IV - sancionar, promulgar e fazer

publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução; ”

(5) CF: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do

Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e

eficiência e, também, ao seguinte: (...) IX - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para

atender a necessidade temporária de excepcional interesse público; ”

ADI 1306/BA, rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 13.6.2017. (ADI – 1306)

ADI 1335/BA, rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 13.6.2017. (ADI - 1335)

Parte 1: Parte 1:

Parte 2: Parte 2:

(Informativo 906, Plenário)

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ADI e vinculação de receitas de impostos

São inconstitucionais as normas que estabelecem vinculação de parcelas das

receitas tributárias a órgãos, fundos ou despesas, por desrespeitarem a vedação contida

no art. 167, IV1, da Constituição Federal (CF).

Com esse entendimento, o Plenário julgou procedente pedido formulado em ação

direta para declarar a inconstitucionalidade do art. 226, § 1º2 (renumeração do art. 223),

da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, que cria o Fundo de Desenvolvimento

Econômico e a ele destina recursos provenientes do Fundo de Participação dos Estados.

O Colegiado julgou, ainda, prejudicada a ação quanto ao art. 563 do Ato das

Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição estadual por se tratar de norma

cuja eficácia se exauriu há dezoito anos.

(1) CF: “Art. 167. São vedados: (…) IV – a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa,

ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de

recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino e para realização

de atividades da administração tributária, como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, § 2º, 212 e 37, XXII, e

a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem como o

disposto no § 4º deste artigo. ”

(2) Constituição do Estado do Rio de Janeiro: “Art. 226 – Fica criado o Fundo de Desenvolvimento

Econômico, voltado para o apoio e estímulo de projetos de investimentos industriais prioritários do Estado. § 1º – Ao

Fundo de Desenvolvimento Econômico serão destinados recursos de, no mínimo, 10% (dez por cento) do total

anualmente transferido para o Estado, proveniente do Fundo de Participação dos Estados, previsto no artigo 159,

inciso I, letra ‘a’, da Constituição da República, dos quais 20% (vinte por cento) se destinarão a projetos de

microempresas e de empresas de pequeno porte. ”

(3) Ato das Disposições Constitucionais Transitórias do Estado do Rio de Janeiro: “Art. 56 – Durante dez

anos o Estado aplicará, no mínimo, 10% (dez por cento) dos recursos do Fundo para o Desenvolvimento de que trata

o artigo 226 nos projetos de infra-estrutura para industrialização, assegurando o desenvolvimento econômico das

regiões norte e noroeste fluminenses, de acordo com os planos municipais e regionais de desenvolvimento, ficando

assegurada aos Municípios do noroeste fluminense a metade dos recursos destinados às regiões. ”

ADI 553/RJ, rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 13.6.2018. (ADI - 553)

(Informativo 906, Plenário)

Constituição estadual e constitucionalidade

O Plenário, por maioria, julgou parcialmente procedente o pedido formulado em

ação direta de inconstitucionalidade para: 1) julgar prejudicada a ação em relação aos

artigos 140, parágrafo único; 141, III; 145; 152, “caput”, I, III, IV; 168, § 5º; 176, § 10;

183, parágrafo único; 187, § 2º; 189, § 2º; 335, parágrafo único, todos da Constituição

do Estado do Ceará, bem como do art. 37 do seu ADCT; 2) declarar a

inconstitucionalidade dos artigos 147, § 1º; 154, § 2º; 167, XII e XIII, e §§ 1º e 2º; 174;

184, §§ 1º a 3º, da Constituição do Estado do Ceará, e dos artigos 27 e 28 do ADCT

estadual; 3) declarar a inconstitucionalidade da expressão “procuradorias autárquicas”

contida no parágrafo único do art. 152 da Constituição estadual; e 4) declarar a

inconstitucionalidade da expressão “das autarquias e das fundações” contida no § 1º do

art. 166 da Carta estadual, bem assim a não recepção da parte remanescente do art. 166,

§ 1º, em face da Emenda Constitucional (EC) 19/1998.

De início, o Tribunal registrou a revogação expressa dos artigos 145; 168, § 5º, e

335, parágrafo único, da Constituição estadual. Houve alteração substancial de conteúdo

dos artigos 140, parágrafo único; 141, III; 152, “caput”, I, III, IV; 176, § 10; 183,

parágrafo único; 187, § 2º; e 189, § 2º, todos da Carta cearense, de forma a

descaracterizar o substrato normativo antes confrontado com a Constituição Federal

(CF). Outrossim, ocorreu o exaurimento dos efeitos da regra de anistia tributária

prevista no art. 37 do ADCT estadual, na medida em que o termo “a quo” de

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aplicabilidade do benefício fiscal foi atingido ao final do ano de 1989. Essa situação

implica na perda parcial de objeto da ação direta de inconstitucionalidade.

Tendo em vista que a ação direta foi ajuizada em 1989, algumas disposições

constitucionais apontadas como parâmetro de controle foram alteradas durante o

transcurso do seu processamento. No ponto, o Plenário afastou a alegação de prejuízo

da ação em virtude dessas alterações, na linha do que decidido na ADI 2.158, ADI

2.189, ADI 94 e ADI 239, no sentido de que a alteração do parâmetro constitucional,

quando o processo ainda está em curso, não prejudica a ação.

O Colegiado, por outro lado, reconheceu a constitucionalidade dos artigos 135,

“caput” e I, e 136 da Constituição do Estado do Ceará. A falta da expressão “autonomia

financeira” no art. 127, § 2º, da CF não invalida a construção interpretativa de sua

efetiva existência como garantia do livre exercício das funções institucionais do

Ministério Público. Mesmo antes da EC 19/1998, o STF já havia consagrado a

competência do Ministério Público para a fixação da política remuneratória de seus

membros e serviços auxiliares.

Por outro lado, reputou inconstitucional o art. 147, § 1º, da Carta estadual, que

concede aos defensores públicos a aplicação do regime de garantias, vencimentos,

vantagens e impedimentos do Ministério Público e da Procuradoria-Geral do Estado. O

estatuto jurídico das carreiras do Ministério Público e da Defensoria Pública foram

tratadas de forma diversa pelo texto constitucional originário. Ademais, a equivalência

remuneratória entre as carreiras encontra óbice no art. 37, XIII, da CF, que veda a

equiparação ou vinculação remuneratória.

A previsão original do art. 39, § 1º, da CF, que assegurava isonomia

remuneratória aos servidores de atribuições iguais ou assemelhadas, não poderia ter sido

invocada em favor dos Defensores Públicos, tampouco adotado como paradigmas os

membros do Ministério Público, pois referida entidade goza de autonomia financeira

que, à época, ainda não dispunham as Defensorias Públicas Estaduais, o que somente

foi-lhes assegurado pela EC 45/2004 (CF, art. 134, § 2º).

Reconheceu, também, a inconstitucionalidade do art. 152, parágrafo único, da

Constituição cearense, que impõe ao Governador o dever de encaminhar à Assembleia

Legislativa projeto de lei sobre a organização e o funcionamento da Procuradoria-Geral

do Estado e das procuradorias autárquicas, além de admitir, de forma geral e para o

futuro, a existência de órgãos jurídicos, no âmbito das autarquias e fundações, distintos

da Procuradoria-Geral.

Tal regramento afronta o modelo constitucional do art. 132 da Carta Federal. A

CF estabeleceu um modelo de exercício exclusivo, pelos Procuradores de Estado e do

Distrito Federal, de toda a atividade jurídica, consultiva e contenciosa, das unidades

federadas estaduais e distritais, nele incluídas as autarquias e as fundações. Assim, tal

previsão constitucional, também conhecida como princípio da unicidade da

representação judicial e da consultoria jurídica dos Estados e do Distrito Federal,

estabelece competência funcional exclusiva da Procuradoria-Geral do Estado.

A exceção prevista no art. 69 do ADCT da CF deixou evidente que, a partir da

Constituição de 1988, não se permite mais a criação de órgãos jurídicos distintos da

Procuradoria-Geral do Estado, admite-se apenas a manutenção daquelas consultorias

jurídicas já existentes quando da promulgação da Carta. Trata-se de exceção direcionada

a situações concretas e do passado e, por essa razão, deve ser interpretada

restritivamente, inclusive com atenção à diferenciação entre os termos “consultoria

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jurídica” e “procuradoria jurídica”, uma vez que esta última pode englobar as atividades

de consultoria e representação judicial.

É igualmente inconstitucional a expressão “das autarquias e das fundações”

contida no § 1º do art. 166 da Carta cearense. Isso porque a equiparação remuneratória

entre servidores, a teor da redação originária do art. 39, § 1º, da CF, restringiu-se aos

servidores da administração direta, não mencionando os entes da administração indireta,

como o faz a norma impugnada.

Além disso, o dispositivo estadual não foi recepcionado, em sua integralidade,

pela redação atual do art. 39 da Constituição Federal, na forma EC 19/1998.

A vedação de vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias de

pessoal do serviço público, prevista no art. 37, XIII, da CF torna inconstitucionais o

referido § 1º do art. 166 e os parágrafos do art. 184 da Constituição do Ceará, que

estabelecem equiparação remuneratória entre a carreira dos delegados de polícia e a de

promotores de justiça, além de isonomia e vinculação de remuneração entre os

servidores das diferentes carreiras da polícia civil.

Por outro lado, não ofende o art. 37, XIII, da CF, a previsão contida no art. 215,

IV, da Constituição cearense, a qual assegura isonomia salarial para docentes em

exercício, com titulação idêntica, respeitando-se o grau de ensino em que estiver

atuando. Não há, no caso, equiparação salarial de carreiras distintas, pois se trata

especificamente da carreira de magistério público.

São inconstitucionais os artigos 154, § 2º; 167, XII e XIII, §§ 1º e 2º; e 174, da

Constituição estadual, e os artigos 27 e 28 do seu ADCT. Tais dispositivos tratam de

remuneração e direitos de servidores públicos, que, por não encontrarem similares na

CF, somente poderiam ser veiculados por meio de lei de iniciativa do Chefe do Poder

Executivo. São previsões específicas que não tratam da organização e estruturação do

Estado-membro ou de seus órgãos, mas que versam sobre o regime jurídico de

servidores públicos.

No mesmo sentido, a fixação de teto de vencimento para os escrivães de entrância

especial em valor não excedente a oitenta por cento dos vencimentos dos juízes de

entrância inferior, prevista no art. 174 da Constituição do Estado, além de incidir em

vinculação de vencimentos de carreiras distintas, afronta a iniciativa legislativa do

Poder Judiciário (CF, art. 96, II, “b”).

Por fim, o art. 167, XIII e § 2º, da Constituição estadual, ao estabelecer

aposentadoria em montante remuneratório superior ao previsto para o cargo

desempenhado em atividade e remeter o valor dos proventos aos cargos imediatamente

superiores do quadro funcional ou com acréscimo de gratificação, não encontra

paradigma na CF.

Essa previsão não era considerada materialmente inconstitucional à época da

edição da Carta, uma vez que a superação da remuneração em atividade era tolerada na

redação original da CF. Porém, toda a parte previdenciária contida no art. 167 da

Constituição estadual não foi agasalhada pela Constituição Federal a partir da EC

20/1998. Com essa emenda, a vedação à superação do patamar remuneratório da

atividade e a impossibilidade de incorporação da remuneração do cargo em comissão

para fins de aposentadoria foram estabelecidas expressamente pelo art. 40, §§ 2º e 3º, da

CF.

Vencido, em parte, o ministro Marco Aurélio, que apontou a necessidade de

aditamento à petição inicial na hipótese de modificação na norma de parâmetro.

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ADI 145/CE, rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 20.6.2018. (ADI-145)

(Informativo 907, Plenário)

ED: juiz de paz e remuneração

O Plenário, por maioria, acolheu embargos de declaração para prestar

esclarecimentos referentes a acórdão que, em assentada anterior, declarou a

inconstitucionalidade da expressão “recolhidas à disposição do Juiz de Paz”, contida no

parágrafo único do art. 2º da Lei 10.180/1990 do Estado de Minas Gerais (Informativo

617).

O dispositivo, que alterou a Lei estadual 7.399/1978 (Regimento de Custas do

Estado de Minas Gerais), determinava que as custas cobradas para o processo de

habilitação de casamento fossem recolhidas à disposição do Juiz de Paz.

O embargante pleiteava: a) a concessão de eficácia “ex nunc” à declaração de

inconstitucionalidade; e b) a fixação de prazo razoável para as providências necessárias

à regularização normativa da matéria.

O Colegiado acolheu os embargos para esclarecer que a declaração de

inconstitucionalidade não afeta as hipóteses em que os juízes de paz tenham exercido

suas atribuições até 26 de maio de 2011, data da publicação do acórdão no Diário de

Justiça.

Vencido o ministro Marco Aurélio, que desproveu os embargos. A seu ver, o

Tribunal não poderia encampar a chamada “inconstitucionalidade útil”, ou seja, a edição

de leis, sabidamente inconstitucionais, a contar com possível morosidade judicial e

eventual modulação dos efeitos de futura declaração de inconstitucionalidade.

ADI 954 ED/MG, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 20.6.2018. (ADI-954)

(Informativo 907, Plenário)

ICMS: ED e modulação de efeitos em ADI

O Plenário, por maioria e em conclusão de julgamento, rejeitou embargos de

declaração opostos com vistas à modulação dos efeitos da decisão proferida pelo

Supremo Tribunal Federal (STF) que julgara procedente o pedido formulado na ação

direita inconstitucionalidade, por ofensa ao art. 155, § 2º, XII, “g” (1), da Constituição

Federal (Informativo 423).

Naquela assentada, foi aplicada interpretação conforme à Constituição ao inciso I

do art. 5º da Lei paraense 6.489/2002, no sentido de determinar a exclusão do seu

âmbito de aplicação dos créditos relativos ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias

e Serviços (ICMS) que não tivessem sido objeto de convênio anterior.

O Colegiado asseverou que a proposta de modulação de efeitos foi enfrentada e

recusada no próprio julgamento de mérito.

Vencidos os ministros Dias Toffoli e Edson Fachin, que acolheram os embargos.

Para eles, o Tribunal deveria modular os efeitos da decisão, diante do entendimento

atual do STF sobre modulação nos casos de guerra fiscal, o fato de a norma estar em

vigor há muitos anos e a edição da Lei Complementar 160/2017.

(1) CF: “Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (...) § 2º O imposto

previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (...) XII - cabe à lei complementar: (...) g) regular a forma como, mediante

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deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e

revogados.”

ADI 3246 ED/PA, rel. Min. Alexandre de Moraes, julgamento em 13.6.2018.

(ADI- 3246)

(Informativo 906, Plenário)

Direitos e garantias fundamentais

Reforma trabalhista e contribuição sindical

São compatíveis com a Constituição Federal (CF) os dispositivos da Lei

13.467/2017 (Reforma Trabalhista) que extinguiram a obrigatoriedade da contribuição

sindical e condicionaram o seu pagamento à prévia e expressa autorização dos filiados.

Com base nesse entendimento, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF),

por maioria, julgou improcedentes os pedidos formulados em ações diretas de

inconstitucionalidade, e procedente o pedido apresentado em ação declaratória de

constitucionalidade, para reconhecer a constitucionalidade do art. 1º da Lei

13.467/2017, que alterou a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

No âmbito formal, o STF entendeu que a Lei 13.467/2017 não contempla normas

gerais de direito tributário [CF, art. 146, III, “a” (1)], dispensada a edição de lei

complementar para tratar sobre matéria relativa a contribuições.

Também não se aplica ao caso a exigência de lei específica prevista no art. 150, §

6º (2), da CF, pois a norma impugnada não disciplinou nenhum dos benefícios fiscais

nele mencionados, quais sejam, subsídio ou isenção, redução de base de cálculo,

concessão de crédito presumido, anistia ou remissão.

Sob o ângulo material, o Tribunal asseverou que a Constituição assegura a livre

associação profissional ou sindical, de modo que ninguém é obrigado a filiar-se ou a

manter-se filiado a sindicato [CF, art. 8º, V (3)]. O princípio constitucional da liberdade

sindical garante tanto ao trabalhador quanto ao empregador a liberdade de se associar a

uma organização sindical, passando a contribuir voluntariamente com essa

representação.

Ressaltou que a contribuição sindical não foi constitucionalizada no texto magno.

Ao contrário, não há qualquer comando ao legislador infraconstitucional que determine

a sua compulsoriedade. A Constituição não criou, vetou ou obrigou a sua instituição

legal.

Compete à União, por meio de lei ordinária, instituir, extinguir ou modificar a

natureza de contribuições [CF, art. 149 (4)]. Por sua vez, a CF previu que a assembleia

geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será descontada

em folha, para custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva,

independentemente da contribuição prevista em lei [CF, art. 8º, IV (5)]. A parte final do

dispositivo deixa claro que a contribuição sindical, na forma da lei, é subsidiária como

fonte de custeio em relação à contribuição confederativa, instituída em assembleia geral.

Não se pode admitir que o texto constitucional, de um lado, consagre a liberdade

de associação, sindicalização e expressão [CF, artigos 5º, IV e XVII, e 8º, caput (6)] e,

de outro, imponha uma contribuição compulsória a todos os integrantes das categorias

econômicas e profissionais.

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Desse modo, a discussão a respeito do modelo de gestão sindical a ser adotado no

Brasil é eminentemente política, cujo protagonista é o Congresso Nacional. O STF deve

ser autocontido, de forma a respeitar as escolhas políticas do Legislativo.

Ademais, a reforma trabalhista busca a evolução de um sistema sindical

centralizador, arcaico e paternalista para um modelo mais moderno, baseado na

liberdade. O modelo de contribuição compulsória não estimulava a competitividade e a

representatividade, levando a um verdadeiro negócio privado, bom apenas para

sindicalistas.

A sistemática anterior criou um associativismo com enorme distorção

representativa. No Brasil, são quase 17 mil sindicatos, enquanto em outros países

apenas algumas centenas. A contribuição compulsória vinha gerando oferta excessiva e

artificial de associações sindicais, o que configura perda social em detrimento dos

trabalhadores. Esse número estratosférico de sindicatos não se revertia em aumento do

bem-estar de nenhuma categoria.

Nesse contexto, as entidades sindicais frequentemente se engajam em atividades

políticas, lançando e apoiando candidatos, conclamando protestos e mantendo estreitos

laços com partidos políticos. Ocorre que o discurso político é o núcleo por excelência da

liberdade de expressão. Ao exigir que indivíduos financiem atividades políticas com as

quais não concordam, por meio de contribuições compulsórias a sindicatos, o regime

anterior certamente vulnerava a garantia fundamental da liberdade de expressão,

protegida pelo art. 5º, IV (6), da Constituição.

Por sua vez, a nova sistemática leva a um novo pensar da sociedade sobre como

lidar com as categorias econômicas e trabalhistas e com as formas de atuação na

sociedade, sem depender necessariamente do Estado. Os sindicatos passarão a ser

sustentados por contribuições voluntárias, do mesmo modo que as demais associações.

O STF já reconheceu, inclusive, a constitucionalidade de normas que afastam o

pagamento compulsório de contribuição sindical, por não configurar interferência

indevida na autonomia nem no sistema dos sindicatos (ADI 2.522).

Por fim, a despeito de considerar conveniente a adoção de normas de transição

entre o regime compulsório e o facultativo, entendeu que sua ausência não é suficiente

para tornar a legislação incompatível com o texto constitucional.

Vencidos os ministros Edson Fachin (relator), Rosa Weber e Dias Toffoli, para

quem as alterações legislativas são inconstitucionais formal e materialmente.

Sob o aspecto formal, entenderam que parte da contribuição sindical obrigatória

(10%) é destinada à Conta Especial Emprego e Salário (FAT), nos termos do art. 589 (7)

da CLT. Nessa parte, a arrecadação da contribuição é receita pública que somente

poderia ter sido alterada mediante a indicação da estimativa do seu impacto

orçamentário e financeiro [ADCT, art. 113 (8)], o que não foi demonstrado nos autos.

Com relação ao material, a inexistência de uma fonte de custeio obrigatória

inviabiliza o direito constitucionalmente reconhecido a um regime sindical, que é

sustentado no tripé da unicidade sindical, representatividade obrigatória e custeio das

entidades sindicais por meio de um tributo, a contribuição sindical, expressamente

autorizada pelo art. 149 (4) da CF. Ainda que fosse possível a mudança de regime,

deveria ter sido observado um período de transição para a implantação de novas regras

relativas ao custeio das entidades sindicais. (1) CF: “Art. 146. Cabe à lei complementar: (...) III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação

tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos

discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes.”

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(2) CF: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos

Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) § 6º Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo,

concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser

concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima

enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º, XII, g.”

(3) CF: “Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte: (...) V - ninguém será

obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato.”

(4) CF: “Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio

econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas

respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º,

relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.”

(5) CF: “Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte: (...) IV - a assembleia

geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será descontada em folha, para custeio do

sistema confederativo da representação sindical respectiva, independentemente da contribuição prevista em lei.”

(6) CF: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos

brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à

segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o

anonimato; (...) XVII - é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar; e Art. 8º É

livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte: (...).”

(7) CLT: “Art. 589. Da importância da arrecadação da contribuição sindical serão feitos os seguintes créditos

pela Caixa Econômica Federal, na forma das instruções que forem expedidas pelo Ministro do Trabalho: (...) II - para

os trabalhadores: (...) e) 10% (dez por cento) para a ‘Conta Especial Emprego e Salário’. ”

(8) ADCT: “Art. 113. A proposição legislativa que crie ou altere despesa obrigatória ou renúncia de receita

deverá ser acompanhada da estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro. ”

ADI 5794/DF, rel. Min. Edson Fachin, red. p/ o ac. Min. Luiz Fux, julgamento em

29.6.2018. (ADI-5794)

Parte 1: Parte 1:

Parte 2: Parte 2:

Parte 3:

(Informativo 908, Plenário)

Garantias eleitorais

ADI e sigilo do voto

O Plenário, por maioria, deferiu medida cautelar em ação direta de

inconstitucionalidade para suspender, com eficácia “ex tunc”, o art. 59-A (1) da Lei

9.504/1997, incluído pela Lei 13.165/2015 (Lei da Minirreforma Eleitoral), o qual

determina que, na votação eletrônica, o registro de cada voto deverá ser impresso e

depositado, de forma automática e sem contato manual do eleitor, em local previamente

lacrado.

Prevaleceu o voto do ministro Alexandre de Moraes no sentido de que o

dispositivo impugnado, em princípio, viola o art. 14(2) e o § 4º do art. 60(3) da

Constituição Federal (CF), os quais garantem o voto livre e secreto. Ele foi

acompanhado pelos ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Marco Aurélio,

Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Celso de Mello e Cármen Lúcia (presidente).

O ministro Alexandre considerou que o art. 59-A e o seu parágrafo único

permitem a identificação de quem votou, ou seja, a quebra do sigilo, e,

consequentemente, a diminuição da liberdade do voto.

Cabe ao legislador fazer a opção pelo voto impresso, eletrônico ou híbrido, visto

que a CF nada dispõe a esse respeito, observadas, entretanto, as características do voto

nela previstas.

Ressaltou o sucesso da adoção das urnas eletrônicas no Brasil e a ausência de

indícios de fraude generalizada ou de mal funcionamento do sistema a justificar a

implantação do voto impresso.

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O modelo híbrido trazido pelo dispositivo impugnado constitui efetivo retrocesso

aos avanços democráticos conquistados pelo Brasil para garantir eleições realmente

livres, em que as pessoas possam escolher os candidatos que preferirem.

Vencidos, em parte, os ministros Gilmar Mendes (relator) e Dias Toffoli, que

concederam a liminar, em parte, para que a implementação da regra fosse realizada

paulatinamente, de acordo com as possibilidades financeiras e técnicas da Justiça

Eleitoral.

O relator concluiu que a implantação do modelo impresso de registro do voto

deveria ocorrer de forma gradual, haja vista não ser possível promover uma mudança

tão abrupta no processo eleitoral além de colocar em risco a segurança das eleições com

gastos de recursos de forma irresponsável.

(1) Lei 9.504/1997: “Art. 59-A. No processo de votação eletrônica, a urna imprimirá o registro de cada voto,

que será depositado, de forma automática e sem contato manual do eleitor, em local previamente lacrado. Parágrafo

único. O processo de votação não será concluído até que o eleitor confirme a correspondência entre o teor de seu voto

e o registro impresso e exibido pela urna eletrônica. ”

(2) CF: “Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com

valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante (...). ”

(3) CF: “Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: (...) § 4º Não será objeto de

deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: (...) II - o voto direto, secreto, universal e periódico; ”

ADI 5889/DF, rel. orig. Min. Gilmar Mendes, red. p/ o ac. Min. Alexandre de

Moraes, julgamento em 6.6.2018. (ADI-5889)

Parte 1: Parte 1:

Parte 2: Parte 2:

(Informativo 905, Plenário)

Reclamação

Cabimento de reclamação: censura e liberdade de expressão

A Primeira Turma, por maioria, deu provimento a agravo regimental para julgar

procedente reclamação ajuizada com fundamento em afronta à autoridade do acórdão

proferido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento da Arguição de

Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 130/DF.

A decisão reclamada determinou, cautelarmente, a retirada de matéria de “blog”

jornalístico, bem como a proibição de novas publicações, por haver considerado a

notícia ofensiva à honra de delegado da polícia federal.

Quanto ao cabimento, o colegiado entendeu que a ADPF 130/DF pode ser

utilizada como parâmetro para ajuizamento de reclamação que verse sobre conflito entre

a liberdade de expressão e de informação e a tutela das garantias individuais relativas

aos direitos de personalidade.

No julgamento da citada ADPF, o STF considerou que a Lei de Imprensa (Lei

5.250/1967) não foi recepcionada por incompatibilidade com a Constituição Federal

(CF). Posteriormente, passou a entender que a transcendência dos motivos

determinantes daquela decisão se projeta, de modo a flexibilizar o critério da aderência

estrita para fins de cabimento do remédio constitucional nessas situações.

No mérito, entendeu que a determinação de retirada de matéria jornalística afronta

a liberdade de expressão e de informação, além de constituir censura prévia. Essas

liberdades ostentam preferência em relação ao direito à intimidade, ainda que a matéria

tenha sido redigida em tom crítico.

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O Supremo assumiu, mediante reclamação, papel relevante em favor da liberdade

de expressão, para derrotar uma cultura censória e autoritária que começava a se

projetar no Judiciário.

Vencidos os ministros Alexandre de Moraes (relator) e Marco Aurélio, que

negaram provimento ao agravo. Entenderam que não houve cerceamento prévio da

liberdade de expressão, ausente estrita aderência entre o ato reclamado e o paradigma da

citada ADPF, de modo que o seu conhecimento representaria hipótese de supressão de

instância.

Rcl 28747/PR, rel. Min. Alexandre de Moraes, red. p/ ac. Min. Luiz Fux,

julgamento em 5.6.2018. (Rcl-28747/PR)

(Informativo 905, Primeira Turma)

Tributos

Imunidade tributária e maquinário para impressão de livros

A imunidade tributária prevista no art. 150, VI, “d” (1), da Constituição Federal

(CF), não abarca o maquinário utilizado no processo de produção de livros, jornais e

periódicos.

Com base nesse entendimento, a Primeira Turma, por maioria, deu provimento ao

agravo regimental.

A Turma entendeu que a imunidade tributária visa à garantia e efetivação da livre

manifestação do pensamento, da cultura e da produção cultural, científica e artística.

Assim, é extensível a qualquer material assimilável a papel utilizado no processo de

impressão e à própria tinta especial para jornal, mas não é aplicável aos equipamentos

do parque gráfico, que não são assimiláveis ao papel de impressão, por não guardarem

relação direta com a finalidade constitucional do referido artigo da Constituição, na

linha do que decidido no RE 202.149.

Vencido o ministro Marco Aurélio (relator), que negou provimento ao agravo.

Para o relator, a imunidade tributária não alcança somente o papel destinado à

impressão, mas também os insumos utilizados.

(1) CF: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos

Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: [...] VI - instituir impostos sobre: [..] d) livros, jornais, periódicos e o

papel destinado a sua impressão. ”

ARE 1100204/SP, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Alexandre de

Moraes, julgamento em 29.5.2018. (ARE-1100204)

(Informativo 904, Primeira Turma)

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DIREITO ELEITORAL

Eleições

Período eleitoral e liberdade de expressão

O Plenário confirmou os termos da medida cautelar (Informativo 598) e julgou

procedente pedido formulado em ação direta para declarar a inconstitucionalidade do

inciso II, da segunda parte do inciso III e, por arrastamento, dos §§ 4º e 5º, todos do art.

45 da Lei 9.504/1997.

Os dispositivos impugnados da “Lei das Eleições” estabeleceram ser vedado às

emissoras de rádio e televisão, em sua programação normal e noticiário, a partir de 1º de

julho do ano da eleição: a) “usar trucagem, montagem ou outro recurso de áudio ou

vídeo que, de qualquer forma, degradem ou ridicularizem candidato, partido ou

coligação, ou produzir ou veicular programa com esse efeito” (inciso II) e b) “difundir

opinião favorável ou contrária a candidato, partido, coligação, a seus órgãos ou

representantes” (segunda parte do inciso III). Os §§ 4º e 5º explicam o que se entende,

respectivamente, por trucagem e por montagem.

Prevaleceu o voto do ministro Alexandre de Moraes (relator).

De início, esclareceu que o constituinte, ao tratar da comunicação social, optou

por atribuí-la a agentes econômicos privados. Para impedir direcionamentos específicos

dos meios de comunicação, a Constituição Federal (CF) prevê princípios na produção e

difusão de conteúdo informativo pelas emissoras de rádio e televisão (art. 221), proíbe a

formação de monopólios e oligopólios (art. 220, § 5º) e limita aspectos da atividade a

brasileiros natos e a empresas de determinado perfil (art. 222).

No “caput” do art. 220, define que “a manifestação do pensamento, a criação, a

expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão

qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”. Em seguida, reforça a

garantia fundamental “lato sensu” da liberdade de expressão no cenário da comunicação

social [CF, art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV (1)].

Historicamente, a liberdade de discussão, a ampla participação política e o

princípio democrático sempre estiveram interligados com a liberdade de expressão.

Todos têm por objeto a proteção de pensamentos, ideias, opiniões, crenças, realização

de juízo de valor e críticas a agentes públicos, com vistas a garantir a real participação

dos cidadãos na vida coletiva.

A Constituição protege a liberdade de expressão no seu duplo aspecto: positivo e

negativo. O positivo é a livre possibilidade de manifestação de qualquer pessoa e

permite a responsabilização nos termos constitucionais. É a liberdade com

responsabilidade. O negativo proíbe a ilegítima intervenção do Estado por meio de

censura prévia.

Não existe permissivo constitucional para limitar preventivamente o conteúdo do

debate público em razão de conjectura sobre o efeito que alguns conteúdos possam vir a

ter junto ao público. O exercício do direito à liberdade de expressão não pode ser

cerceado pelo Estado ou por particular.

O traço marcante da censura prévia, com seu caráter preventivo e abstrato, está

presente em ambas as normas questionadas. São inconstitucionais porque consistem na

restrição, subordinação e forçosa adequação programática da liberdade de expressão a

mandamentos normativos cerceadores durante o período eleitoral, pretendendo diminuir

a liberdade de opinião e de criação artística e a livre multiplicidade de ideias, com a

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nítida finalidade de controlar ou mesmo aniquilar a força do pensamento crítico,

indispensável ao regime democrático. Deste modo, está configurado a ilegítima

interferência estatal no direito individual de criticar.

Não se ignora a possibilidade de riscos impostos pela comunicação de massa ao

processo eleitoral — como o fenômeno das “fake news” —, porém se revela

constitucionalmente inidôneo e realisticamente falso assumir que o debate eleitoral, ao

perder em liberdade e pluralidade de opiniões, ganharia em lisura ou legitimidade. Ao

contrário, o combate às “fake news” dá-se pelos meios legais e pela boa imprensa, que

rapidamente podem levar a correta notícia à população.

A censura prévia desrespeita diretamente o princípio democrático, pois a liberdade

política termina e o poder público tende a se tornar mais corrupto e arbitrário quando

pode usar seus poderes para silenciar e punir seus críticos.

Numa democracia representativa, a liberdade de expressão e a participação

política se fortalecem em ambiente de total visibilidade e possibilidade de exposição

crítica das diversas opiniões sobre todos os assuntos e governantes, que nem sempre —

tratando da liberdade de expressão e da liberdade de imprensa — serão “estadistas

iluminados”. É necessário o exercício da política de desconfiança na formação do

pensamento individual e na autodeterminação democrática para o livre exercício dos

direitos de sufrágio e oposição. Além disso, não existe fiscalização sem informação.

Todas as opiniões são possíveis em discussões livres, uma vez que faz parte do

princípio democrático “debater assuntos públicos de forma irrestrita, robusta e aberta”.

O direito fundamental à liberdade de expressão não se direciona somente a proteger as

opiniões supostamente verdadeiras, admiráveis ou convencionais, mas também as

duvidosas, exageradas, condenáveis, satíricas, humorísticas, bem como aquelas não

compartilhadas pelas maiorias.

Não cabe ao Poder Público previamente escolher ou ter ingerência nas fontes de

informação, nas ideias ou nos métodos de divulgação de notícias ou no controle do juízo

de valor das opiniões dos meios de comunicação e na formatação de programas

humorísticos a que tenham acesso os indivíduos.

O funcionamento eficaz da democracia representativa exige absoluto respeito à

ampla liberdade de expressão, proporcionando a liberdade de opinião, de criação

artística, a proliferação de informações, a circulação de ideias, de modo a garantir os

diversos e antagônicos discursos.

A liberdade de expressão autoriza que os meios de comunicação optem por

determinados posicionamentos e exteriorizem seu juízo de valor, bem como autoriza

programas humorísticos, “charges” e sátiras realizados a partir de trucagem, montagem

ou outro recurso de áudio e vídeo, como costumeiramente se realiza, não havendo

nenhuma justificativa constitucional razoável para a interrupção durante o período

eleitoral.

A plena proteção constitucional da exteriorização da opinião não significa a

impossibilidade posterior de análise e de responsabilização por eventuais informações

mentirosas, injuriosas, difamantes.

Por fim, o relator assinalou serem inconstitucionais quaisquer leis ou atos

normativos tendentes a constranger ou inibir a liberdade de expressão a partir de

mecanismos de censura prévia, como na presente hipótese, em que os dispositivos

interferem prévia e diretamente na liberdade artística e na liberdade jornalística e de

opinião.

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O ministro Luiz Fux distinguiu a liberdade de expressão da propaganda eleitoral

sabidamente enganosa e que causa dano irreversível à candidatura alheia. A seu ver, as

notícias fraudulentas (“fake news”) importantes para o Direito Eleitoral são aquelas que

violam a lisura informacional da opinião pública, que deve ser livre.

(1) CF: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos

brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à

segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o

anonimato; V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material,

moral ou à imagem; (...) X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado

o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; (...) XIII - é livre o exercício de

qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer; XIV - é

assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício

profissional; ”

ADI 4451/DF, rel. Min. Alexandre de Moraes, julgamento em 20 e 21.6.2018. (ADI-4451)

(Informativo 907, Plenário)

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DIREITO PENAL

Aplicação da Pena

Acordo de colaboração premiada e delegado de polícia

O Plenário, por maioria, julgou improcedente pedido formulado em ação direta

para assentar a constitucionalidade dos §§ 2º e 6º do art. 4º (1) da Lei 12.850/2013, a

qual define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de

obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal.

A ação impugnava as expressões “e o delegado de polícia, nos autos do inquérito

policial, com a manifestação do Ministério Público” e “entre o delegado de polícia, o

investigado e o defensor, com a manifestação do Ministério Público, ou, conforme o

caso”, contidas nos referidos dispositivos, que conferem legitimidade ao delegado de

polícia para conduzir e firmar acordos de colaboração premiada (Informativo 888).

Prevaleceu o voto do ministro Marco Aurélio (relator), no sentido de que o

delegado de polícia pode formalizar acordos de colaboração premiada, na fase de

inquérito policial, respeitadas as prerrogativas do Ministério Público, o qual deverá se

manifestar, sem caráter vinculante, previamente à decisão judicial.

No que se refere ao § 2º do art. 4º da Lei 12.850/2013, o relator esclareceu que o

texto confere ao delegado de polícia, no decorrer das investigações, exclusivamente no

curso do inquérito policial, a faculdade de representar ao juiz, ouvido o Ministério

Público, pela concessão de perdão judicial ao colaborador, ainda que esse benefício não

haja sido previsto na proposta inicial, aplicando-se, no que couber, o art. 28 (2) do

Código de Processo Penal (CPP). O perdão judicial é instituto que possibilita ao juiz

deixar de impor sanção diante da existência de determinadas circunstâncias

expressamente previstas em lei.

Considerou que o dispositivo, portanto, traz nova causa de perdão judicial,

admitido a depender da efetividade da colaboração. Não se trata de questão afeta ao

modelo acusatório, deixando de caracterizar ofensa ao art. 129, I (3), da Constituição

Federal (CF), relacionada, apenas, ao direito de punir do Estado, que se manifesta por

intermédio do Poder Judiciário.

A representação pelo perdão judicial, proposta pelo delegado de polícia, ante

colaboração premiada, ouvido o Ministério Público, não é causa impeditiva do

oferecimento da denúncia pelo órgão acusador. Uma vez comprovada a eficácia do

acordo, será extinta pelo juiz, a punibilidade do delator.

Quanto ao § 6º do art. 4º da mesma lei, asseverou que o ato normativo em nenhum

ponto afasta a participação do Ministério Público em acordo de colaboração premiada,

ainda que ocorrido entre o delegado de polícia, o investigado e o defensor. Não há,

portanto, afronta à titularidade da ação penal. Ao contrário, a legitimidade da autoridade

policial para realizar as tratativas de colaboração premiada desburocratiza o instituto,

sem importar ofensa a regras atinentes ao Estado Democrático de Direito, uma vez

submetido o acordo à apreciação do Ministério Público e à homologação pelo

Judiciário.

Embora o Ministério Público seja o titular da ação penal de iniciativa pública, não

o é do direito de punir. A delação premiada não retira do órgão a exclusividade da ação

penal.

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A norma fixa as balizas a serem observadas na realização do acordo. Estas, porque

decorrem de lei, vinculam tanto a polícia quanto o Ministério Público, tendo em vista

que a nenhum outro órgão senão ao Judiciário é conferido o direito de punir.

O acordo originado da delação não fixa pena ou regime de cumprimento da

sanção. Ao Poder Judiciário, com exclusividade, compete, nos termos do § 1º do art. 4º (4) da Lei 12.850/2013, para fins de concessão de vantagens, levar em conta a

personalidade do delator, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão

social do fato criminoso e a eficácia da colaboração.

Os benefícios que tenham sido ajustados não obrigam o órgão julgador, devendo

ser reconhecida, na cláusula que os retrata, inspiração, presente a eficácia da delação no

esclarecimento da prática delituosa, para o juiz atuar, mantendo a higidez desse instituto

que, na quadra atual, tem-se mostrado importantíssimo. Longe fica o julgador de estar

atrelado à dicção do Ministério Público, como se concentrasse a arte de proceder na

persecução criminal, na titularidade da ação penal e, também, o julgamento, embora

parte nessa mesma ação penal.

A norma legal prevê que, na prolação da sentença, serão estipulados os benefícios.

Não se confunde essa definição, que só cabe a órgão julgador, com a propositura ou não

da ação penal. No campo, é soberano o Ministério Público. Mas, quanto ao julgamento e

à observância do que se contém na legislação em termos de vantagens, surge o primado

do Judiciário. Para redução da pena, adoção de regime de cumprimento menos gravoso

ou concessão do perdão judicial, há de ter-se instaurado o processo, garantindo-se a

ampla defesa e o contraditório. Na sentença o juiz, ao verificar a eficácia da

colaboração, fixa, em gradação adequada, os benefícios a que tem direito o delator.

Concluiu que os textos impugnados versam regras claras sobre a legitimidade do

delegado de polícia na realização de acordos de colaboração premiada, estabelecendo a

fase de investigações, no curso do inquérito policial, como sendo o momento em que é

possível a utilização do instrumento pela autoridade policial.

Há previsão específica da manifestação do Ministério Público em todos os

acordos entabulados no âmbito da polícia judiciária, garantindo-se, com isso, o devido

controle externo da atividade policial já ocorrida e, se for o caso, adoção de

providências e objeções.

As normas legais encontram-se em conformidade com as disposições

constitucionais alusivas às polícias judiciárias e, especialmente, às atribuições

conferidas aos delegados de polícia. Interpretação que vise concentrar poder no órgão

acusador desvirtua a própria razão de ser da Lei 12.850/2013.

A supremacia do interesse público conduz a que o debate constitucional não seja

pautado por interesses corporativos, mas por argumentos normativos acerca do

desempenho das instituições no combate à criminalidade. A atuação conjunta, a

cooperação entre órgãos de investigação e de persecução penal, é de relevância maior.

Vencidos, em parte, os ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Luiz Fux e Dias

Toffoli.

O ministro Edson Fachin julgou parcialmente procedente a ação, para, sem

redução de texto, excluir a interpretação aos §§ 2º e 6º do art. 4º da Lei 12.850/2013 que

contemple poderes aos delegados de polícia para celebrar, sem a manifestação do

Ministério Público, acordo de colaboração premiada em que se estabeleça transação

envolvendo o poder punitivo estatal. E, por arrastamento, declarar como excluído da

expressão “ou do delegado de polícia”, constante do inciso IV do art. 6º (5) da referida

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lei, o sentido de firmar, sem manifestação do Ministério Público, acordo de colaboração

premiada.

Os ministros Rosa Weber e Luiz Fux julgaram improcedente o pedido principal,

quanto à declaração da inconstitucionalidade das expressões impugnadas nos §§ 2º e 6º

do art. 4º da Lei 12.850/2013, e julgaram parcialmente procedente o pedido sucessivo

para dar interpretação conforme no sentido de que manifestação positiva, ou seja, a

anuência do Ministério Público aos termos de colaboração premiada celebrado pelo

delegado de Polícia é uma condição de procedibilidade da própria colaboração, ou seja,

o juiz sequer dela conhece se não houver a anuência do Ministério Público.

O ministro Dias Toffoli julgou parcialmente procedente a ação para: 1) dar

interpretação conforme ao art. 4º, § 2º, da Lei 12.850/2013, para assentar a legitimidade

da autoridade policial para, diante da relevância da colaboração prestada, representar

nos autos do inquérito policial ao juiz, para a concessão de perdão judicial ao

colaborador, ouvido, previamente, o Ministério Público; 2) dar interpretação conforme

ao art. 4º, § 6º, da Lei 12.850/2013, para assentar a legitimidade da autoridade policial

para firmar acordos de colaboração premiada, desde de que, nas condições de sua

proposta — art. 6º, II (6), da Lei 12.850/2013 —, somente figurem, de modo genérico,

as sanções premiais expressamente previstas no art. 4º, “caput” e seu § 5º (7), da Lei

12.850/2013, a que poderá fazer jus o colaborador, a critério do juiz, em razão da

efetividade de sua cooperação, exigindo-se, antes de sua homologação, a manifestação,

sem caráter vinculante, do Ministério Público.

(1) Lei 12.850/2013: “Art. 4º O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3

(dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e

voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes

resultados: (...) § 2º Considerando a relevância da colaboração prestada, o Ministério Público, a qualquer tempo, e o delegado de

polícia, nos autos do inquérito policial, com a manifestação do Ministério Público, poderão requerer ou representar ao juiz pela

concessão de perdão judicial ao colaborador, ainda que esse benefício não tenha sido previsto na proposta inicial, aplicando-se,

no que couber, o art. 28 do Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. (...) § 6º O juiz não participará das negociações

realizadas entre as partes para a formalização do acordo de colaboração, que ocorrerá entre o delegado de polícia, o investigado

e o defensor, com a manifestação do Ministério Público, ou, conforme o caso, entre o Ministério Público e o investigado ou

acusado e seu defensor. ”

(2) CPP: “Art. 28. Se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a, requerer o arquivamento do inquérito

policial ou de quaisquer peças de informação, o juiz, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa do

inquérito ou peças de informação ao procurador-geral, e este oferecerá a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público

para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender. ”

(3) CF: “Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: I - promover, privativamente, a ação penal pública,

na forma da lei; ”

(4) Lei 12.850/2013: “Art. 4º (...) § 1º Em qualquer caso, a concessão do benefício levará em conta a personalidade do

colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso e a eficácia da colaboração. ”

(5) Lei 12.850/2013: “Art. 6º O termo de acordo da colaboração premiada deverá ser feito por escrito e conter: (...) IV -

as assinaturas do representante do Ministério Público ou do delegado de polícia, do colaborador e de seu defensor; ”

(6) Lei 12.850/2013: “Art. 6º (...) II - as condições da proposta do Ministério Público ou do delegado de polícia; ”

(7) Lei 12.850/2013: “Art. 4º (...) § 5º Se a colaboração for posterior à sentença, a pena poderá ser reduzida até a metade

ou será admitida a progressão de regime ainda que ausentes os requisitos objetivos. ”

ADI 5508/DF, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 20.6.2018. (ADI-5508)

(Informativo 907, Plenário)

Legitimidade ativa

Legitimidade ativa do Ministério Público e crime de estupro sem lesão corporal

Trata-se de recurso ordinário em “habeas corpus”, interposto contra acórdão do

Superior Tribunal de Justiça, em que se discute a nulidade do processo por ilegitimidade

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do Ministério Público (MP) para propor ação penal nos casos de crime de estupro sem

lesão corporal [art. 213(1), Código Penal].

A defesa alegou que, de acordo com o Enunciado 608(2) da Súmula do Supremo

Tribunal Federal, a violência real praticada no crime de estupro estaria vinculada à

existência de lesão corporal, a qual não ficou comprovada no exame de corpo de delito.

O MP não teria, assim, legitimidade para ajuizar a ação penal, pois, nos crimes contra a

liberdade sexual sem violência real, a ação penal pública está condicionada à

representação. O processo seria, portanto, nulo desde o início.

Com base nas especificidades do caso, a Segunda Turma negou provimento ao

recurso.

(1) CP: “Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a

praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. ”

(2) Súmula do STF: “Enunciado 608: No crime de estupro, praticado mediante violência real, a ação penal é

pública incondicionada. ”

RHC 117978/SP, rel, Min. Dias Toffoli, julgamento em 4.6.2018. (HC-117978)

(Informativo 905, Segunda Turma)

Tipicidade

Descaminho e crédito tributário

É dispensada a existência de procedimento administrativo fiscal com a posterior

constituição do crédito tributário para a configuração do crime de descaminho (CP, art.

334), tendo em conta sua natureza formal.

Com base nessa orientação, a Primeira Turma denegou a ordem em “habeas

corpus” no qual se pleiteava o trancamento de ação penal ante a alegada ausência de

condição objetiva de punibilidade.

O impetrante sustentava ser indispensável, para a consumação do descaminho, a

existência de dano à Fazenda Pública, apurado por meio de procedimento administrativo

fiscal, bem como a constituição do crédito tributário.

HC 121798/BA, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 29.5.2018. (HC-121798)

(Informativo 904, Primeira Turma)

Homicídio na direção de veículo automotor e competência do tribunal do júri

A Primeira Turma, por maioria, denegou a ordem de “habeas corpus” em que se

pleiteava a reforma da decisão que reconheceu a ocorrência de dolo eventual em relação

a homicídio cometido por motorista embriagado na direção de veículo automotor,

firmada a competência do tribunal do júri.

O impetrante apontava equívoco no enquadramento legal realizado na origem.

Pleiteava a desclassificação da conduta para o crime previsto no art. 302(1) do Código de

Trânsito Brasileiro.

O Colegiado considerou legítima a tipificação da conduta como crime doloso, de

competência do tribunal do júri, ante o reconhecimento da evolução jurisprudencial na

análise do que vem a ser dolo eventual e culpa consciente.

No caso, verifica-se a existência de dolo eventual no ato de dirigir veículo

automotor sob a influência de álcool, além de fazê-lo na contramão. Esse é, portanto,

um caso específico que evidencia a diferença entre a culpa consciente e o dolo eventual.

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O condutor assumiu o risco ou, no mínimo, não se preocupou com o risco de,

eventualmente, causar lesões ou mesmo a morte de outrem.

Vencidos, em parte, os ministros Marco Aurélio (relator) e Luiz Fux, que

deferiram a ordem para desclassificar a conduta imputada ao paciente para a prevista no

art. 302 do Código de Trânsito Brasileiro, ante a aplicação dos princípios da

especialidade e da legalidade.

(1) Código de Trânsito Brasileiro: “Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor:

Penas - detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir

veículo automotor. ”

HC 124687/MS, rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso,

julgamento em 29.5.2018. (HC-124687)

(Informativo 904, Primeira Turma)

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Direito Penal Militar

Crime militar

Configuração de crime militar e licenciamento

Na configuração de crime militar observa-se a data do evento delituoso,

considerado neutro o fato de o autor estar licenciado.

Com base nesse entendimento, a Primeira Turma denegou a ordem de “habeas

corpus”.

A defesa sustentou a ausência de condição de procedibilidade, uma vez que os

pacientes se encontram licenciados do Exército. Requereu a absolvição de um dos réus

diante da insuficiência probatória. Arguiu a nulidade processual decorrente da inversão

da ordem dos interrogatórios. Por fim, pleiteou a aplicação do art. 400 (1) do Código de

Processo Penal (CPP), que prevê o interrogatório como último ato da instrução criminal.

Presente no título judicial condenatório a materialização criminosa e a

comprovação da autoria, incabível a absolvição por falta de prova. Ademais, ante o

princípio da especialidade, o disposto do art. 400 do CPP não se aplica ao processo-

crime militar.

(1) CPP: “Art. 400. Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 60

(sessenta) dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas pela

acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos

dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado.”

HC 132847/MS, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 26.6.2018. (HC-132847)

(Informativo 908, Primeira Turma)

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Direito Processual Civil

Honorários

Honorários advocatícios e seu fracionamento

É válido o fracionamento dos honorários advocatícios em litisconsórcio simples

facultativo, por se tratar de cumulação de ações com o mesmo pedido.

O Colegiado entendeu ser o litisconsórcio facultativo simples, em última análise,

uma cumulação subjetiva de demandas autônomas, que, por motivos de racionalidade

do sistema judicial, são julgadas conjuntamente. Assim, tratando-se de um conjunto de

ações com o mesmo pedido, nada impede que o valor dos honorários advocatícios

sucumbenciais seja recebido de forma fracionada.

Inviabilizar o recebimento de honorários advocatícios de maneira proporcional e

individualizada ofende a racionalização do sistema judicial, causando a proliferação de

demandas individuais, e pune o advogado por utilizá-lo de forma lógica.

Vencidos os ministros Marco Aurélio (relator) e Rosa Weber, que consideram os

honorários sucumbenciais crédito exclusivo e único dos patronos das partes e, por isso,

insuscetíveis de fragmentação na proporção dos litisconsortes representados. (1) CF: “Art 100. [...] § 8º É vedada a expedição de precatórios complementares ou suplementares de valor

pago, bem como o fracionamento, repartição ou quebra do valor da execução para fins de enquadramento de parcela

do total ao que dispõe o § 3º deste artigo”.

RE 913536/RS, rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso,

julgamento em 24.6.2018. (RE – 913536)

(Informativo 908, Primeira Turma)

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DIREITO PROCESSUAL PENAL

Ação Penal

Corrupção passiva e lavagem de dinheiro

A Segunda Turma, em conclusão de julgamento, condenou parlamentar pela

prática dos crimes de corrupção passiva [Código Penal (CP), art. 317(1) ] e lavagem de

dinheiro [Lei 9.613/1998, art. 1º, § 4º (2)], e seus filhos pelo segundo delito

(Informativos 902 e 903).

Na denúncia, o parlamentar, na qualidade de integrante de cúpula partidária, foi

acusado de ter concorrido para desvios de recursos realizados na estatal, por meio de

apoio político à indicação e manutenção de diretor naquela entidade, o qual lhe teria

repassado valores ilícitos, como contraprestação.

Para o Colegiado, os acusados efetivamente cometeram os crimes cuja prática lhes

foi atribuída, embora em extensão menor do que a descrita na denúncia. O juízo

condenatório se impõe, considerada a existência de provas da autoria e da materialidade

dos fatos delituosos, bem como do nexo de causalidade entre a conduta desses acusados

e os resultados.

Ressaltou que o regime presidencialista brasileiro confere aos parlamentares um

espectro de poder que vai além da mera deliberação de atos legislativos, com

participação nas decisões de governo, inclusive por meio da indicação de cargos no

Poder Executivo. Essa dinâmica é própria do sistema presidencialista brasileiro, que

exige uma coalizão para viabilizar a governabilidade.

A despeito desse “presidencialismo de coalizão”, a Constituição Federal (CF)

atribui ao Congresso Nacional (CN) competência exclusiva para fiscalizar e controlar,

diretamente, ou por qualquer de suas Casas, os atos do Executivo, incluídos os da

Administração Indireta [CF, art. 49, X (3)].

Nesse âmbito, o CN foi dotado de poderes próprios de autoridade judicial, quando

instituídas comissões parlamentares de inquérito para apuração de fatos determinados,

com encaminhamento de suas conclusões ao Ministério Público para responsabilização

civil e criminal de infratores [CF, art. 58, § 3º (4)].

Ademais, para evitar conflitos de interesses, aos deputados e senadores é

constitucionalmente vedado, desde a expedição do diploma: “a) firmar ou manter

contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade

de economia mista ou empresa concessionária de serviço público, salvo quando o

contrato obedecer a cláusulas uniformes; e b) aceitar ou exercer cargo, função ou

emprego remunerado, inclusive os de que sejam demissíveis "ad nutum", nas entidades

constantes da alínea anterior.” [CF, art. 54, I, “a” e “b” (5)].

Nesse contexto institucional, a percepção de vantagens indevidas, oriundas de

desvios perpetrados no âmbito de entidades da Administração Indireta, em troca de

sustentação política a detentores de poder de gestão nessas instituições, implica evidente

ato omissivo quanto à função parlamentar de fiscalizar a lisura dos atos do Poder

Executivo.

Quanto à corrupção passiva, a integral realização de sua estrutura típica exige uma

relação entre a conduta do agente — que solicita, ou que recebe, ou que aceita a

promessa de vantagem indevida — e a prática, que até pode não ocorrer, de um ato

determinado de seu ofício.

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O exercício ilegítimo da atividade parlamentar, mesmo num governo de coalizão,

é apto a caracterizar o ato de ofício viciado que tipifica o delito, se motivado pela

solicitação, aceitação ou recebimento de vantagem indevida.

Esse tipo penal tutela a moralidade administrativa e tem por finalidade coibir e

reprimir a mercancia da função pública, cujo exercício deve ser pautado exclusivamente

pelo interesse público. Não se trata simplesmente de criminalizar a atividade político-

partidária, mas de responsabilizar os atos que transbordam os limites do exercício

legítimo da representação popular.

No caso, a Turma entendeu ter ficado comprovado que a sustentação política

assegurada pelo parlamentar, em favor da manutenção do diretor da estatal, configurou

ato de ofício para fins de enquadramento no crime de corrupção passiva.

A denúncia apontou que os réus teriam praticado diversos atos de corrupção. De

um lado, o parlamentar teria concorrido, em concurso de pessoas, com todos os desvios

praticados pelo diretor da companhia. De outro, os réus teriam recebido vantagens

indevidas por meio de pagamentos: (a) periódicos (ordinários); (b) esporádico

(extraordinário); e (c) por meio de doação eleitoral oficial.

Quanto à coautoria, o conjunto probatório produzido nos autos é insuficiente para

confirmar a adesão subjetiva do parlamentar aos atos de corrupção praticados pelo

diretor, embora tenha se beneficiado de vantagens indevidas, e ainda que seja provável a

sua ciência do estratagema criminoso. Essa circunstância impede a incidência da norma

de extensão prevista no art. 29(6) do CP.

No tocante à imputação de recebimentos periódicos (ordinários) de vantagens

indevidas, o quadro probatório é diverso e robusto. Os depoimentos prestados em juízo

por colaboradores são uníssonos, coesos e firmes em afirmar que o deputado recebeu

vantagens indevidas, que lhes eram disponibilizadas mediante a entrega de dinheiro em

espécie.

Embora apenas as declarações dos colaboradores, de forma isolada, não sirvam

para fundamentar um decreto condenatório, nos exatos termos do que preceitua o art. 4º,

§ 16(7), da Lei 12.850/2013, os fatos retratados encontram consistente suporte em outros

elementos de prova (cruzamento de dados de companhias aéreas; afastamento de sigilo

bancário; perícias em sistemas de contabilidade de pagamentos de propina; depoimentos

de testemunhas; e quebra e disponibilização de dados telefônicos), produzidos sob o

crivo do contraditório.

Esse conjunto de provas atesta e reforça a veracidade das declarações prestadas no

âmbito de colaboração premiada e autoriza a sua utilização como fundamento à

resolução do mérito da causa penal.

Desse modo, a Segunda Turma concluiu que tais provas confirmam a tese

acusatória exposta na exordial e afastam qualquer dúvida acerca do efetivo recebimento

pelo parlamentar de vantagens indevidas de forma ordinária e periódica, o qual contou

com o auxílio de seus filhos em algumas oportunidades.

No que se refere ao recebimento esporádico (extraordinário), a Procuradoria-Geral

da República (PGR) apontou que o parlamentar teria recebido pagamento vultoso

destinado a campanha eleitoral.

Embora coerente com as descrições fáticas prestadas pelos colaboradores, essa

acusação não encontra respaldo em outras provas produzidas na instrução criminal,

circunstância que encaminha à dúvida, o que impede o seu uso para a formação do juízo

de mérito da causa penal, conforme vedação legal (7).

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Nesse ponto, portanto, a PGR não se desincumbiu do ônus que lhe é imposto pelo

art. 156 (8) do Código de Processo Penal (CPP), sendo inviável o acolhimento da

pretensão requerida na exordial acusatória.

Por fim, o Colegiado, por maioria, absolveu o parlamentar da acusação relativa ao

recebimento de doação eleitoral oficial, que foi materializada de acordo com a

legislação aplicável e regularmente declarada na prestação de contas eleitoral. Ao

contrário do apontado na denúncia, não se trata de negócio jurídico simulado, o qual

teria sido realizado para encobrir a verdadeira finalidade da transferência de recursos.

Com relação ao crime de lavagem de dinheiro, o “Parquet” apontou que os réus

teriam contribuído para as ações de lavagem de capitais, tanto nos desvios

operacionalizados no âmbito da diretoria da Petrobras quanto nas vantagens indevidas

por eles percebidas em consequência dos atos de corrupção passiva supostamente

praticados.

De início, a Turma reafirmou a jurisprudência deste STF no sentido de que a

percepção de valor indevido, por parte do próprio sujeito ativo do delito de corrupção

passiva ou por interposta pessoa pode configurar o delito de lavagem de capitais. Esse

enquadramento pressupõe a prática de atos autônomos de ocultação do produto do crime

antecedente, já consumado (INQ 2.471; AP 470 e AP 694).

Impende destacar que o crime de lavagem de dinheiro é autônomo em relação à

infração penal antecedente, sendo perfeitamente possível que o autor do ilícito anterior

seja o mesmo do crime de lavagem de capitais, tendo em vista que não há, na legislação

brasileira, qualquer vedação à chamada “autolavagem” (HC 92.279).

O parlamentar, entretanto, foi absolvido no que tange à participação em todos os

crimes de lavagem de dinheiro praticados em decorrência de contratos celebrados por

empresas cartelizadas no âmbito de diretoria da estatal [CPP, art. 386, VII(9)].

Nos casos em que se atribui determinada prática delitiva em concurso de pessoas,

é imprescindível que se verifique a existência do vínculo subjetivo na conduta dos

agentes consorciados, bem como a relevância causal da atuação de cada um deles na

violação do bem jurídico tutelado pela norma penal, sob pena de não incidência do

referido preceito extensivo, diante da impossibilidade de responsabilização penal

objetiva.

No que se refere à apontada lavagem do produto da corrupção passiva

correspondente aos recebimentos periódicos (ordinários) de vantagens indevidas, o

conjunto cognitivo dos autos não permite a escorreita identificação de todos os atos de

branqueamento atribuídos aos acusados.

De um lado, os réus foram absolvidos das imputações relativas aos crimes de

lavagem de capitais consubstanciados nos recebimentos em dinheiro em espécie [CPP,

art. 386, III (10)]. O ato de mero recebimento de valores em dinheiro não tipifica o delito

de lavagem, seja quando recebido por interposta pessoa ou pelo próprio agente público

que acolhe a remuneração indevida.

Por outro lado, a Turma entendeu que o depósito fracionado do dinheiro em conta

corrente, em valores que não atingem os limites estabelecidos pelas autoridades

monetárias à comunicação compulsória dessas operações, é meio idôneo para a

consumação do crime de lavagem. Trata-se de modalidade de ocultação da origem e da

localização de vantagem pecuniária recebida pela prática de delito anterior.

Nesse escopo, ficou demonstrado que o deputado, logo após receber recursos em

espécie a título de propina, praticou, de modo autônomo e com finalidade distinta,

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novos atos aptos a violar o bem jurídico tutelado pelo art. 1º(2) da Lei 9.613/1998,

consistentes na realização de depósitos fracionados em conta de sua titularidade, cujo

somatório perfaz a exata quantia que lhe fora disponibilizada.

No mais, pontuou que ficou demonstrada a incompatibilidade entre os

rendimentos auferidos pelo parlamentar com as quantias movimentadas em suas contas-

correntes e os valores em espécie declarados à Receita Federal, o que caracteriza a

formação dolosa de patrimônio supostamente “lícito”, conduta que se amolda

perfeitamente ao delito de lavagem de dinheiro.

A apresentação de informações falsas em declarações de ajuste anual de imposto

de renda foi uma forma de tentar dar um ar de licitude a patrimônio oriundo de práticas

delituosas.

Por último, o parlamentar foi absolvido da acusação de lavagem de capitais em

decorrência de doação eleitoral. Ainda que eventualmente o valor oficialmente doado

fosse produto de crime contra a administração pública, não há prova segura de que: (a) o

réu tivesse ciência de sua origem espúria e (b) tivesse agido com o dolo de dissimular

essa origem e de promover sua reintegração na economia formal.

Em relação aos efeitos da condenação, a Turma fixou danos materiais, mas

indeferiu pedido de danos morais coletivos. Ademais, determinou: (a) a perda de bens e

direitos objeto da condenação, ressalvado o direito de lesado ou terceiro de boa-fé [Lei

9.613/1998, art. 7º, I (11)]; e (b) a interdição para o exercício de cargo ou função pública

[Lei 9.613/1998, art. 7º, II(12)].

Por fim, quanto à perda do mandato parlamentar, o Colegiado, por maioria,

deliberou que a perda do mandato não é automática. Após o trânsito em julgado, cumpre

a esta Corte oficiar à Mesa Diretora da Câmara dos Deputados para que delibere a

respeito do disposto no art. 55, VI, § 2º (13), da CF. A perda do mandato é medida

excepcional e o modo de sua extinção é regulado expressamente na CF.

Vencidos, parcialmente, os ministros Edson Fachin e Celso de Mello, que também

condenaram o deputado pelo crime de corrupção passiva e lavagem de dinheiro pelo

recebimento de doação eleitoral oficial. Para eles, a doação eleitoral oficial, quando

comprovadamente destituída da gratuidade que a qualifica, configura não só o delito de

corrupção passiva, mas também o de lavagem de capitais, pois materializa a ação de

ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou

propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de

infração penal.

Vencido, também parcialmente, o ministro Ricardo Lewandowski, que condenou

o parlamentar em menor extensão, apenas com relação aos delitos de corrupção passiva

praticados ao tempo em que exercia liderança partidária (de 1º.2.2011 a 11.8.2011),

quando teria efetivo poder para praticar os atos de ofício imputados, sob pena de

responsabilização objetiva.

(1) CP: “Art. 317. Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da

função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem: Pena –

reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. § 1º - A pena é aumentada de um terço, se, em consequência da

vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo

dever funcional. ”

(2) Lei 9.613/1998: “Art. 1º. Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação

ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal. (...) § 4º A pena

será aumentada de um a dois terços, se os crimes definidos nesta Lei forem cometidos de forma reiterada ou por

intermédio de organização criminosa. ”

(3) CF: “Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional: (...) X - fiscalizar e controlar,

diretamente, ou por qualquer de suas Casas, os atos do Poder Executivo, incluídos os da administração indireta. ”

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(4) CF: “Art. 58. O Congresso Nacional e suas Casas terão comissões permanentes e temporárias,

constituídas na forma e com as atribuições previstas no respectivo regimento ou no ato de que resultar sua criação.

(...) § 3º As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades

judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e

pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a

apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério

Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores.”

(5) CF: “Art. 54. Os Deputados e Senadores não poderão: I - desde a expedição do diploma: a) firmar ou

manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou

empresa concessionária de serviço público, salvo quando o contrato obedecer a cláusulas uniformes; b) aceitar ou

exercer cargo, função ou emprego remunerado, inclusive os de que sejam demissíveis "ad nutum", nas entidades

constantes da alínea anterior. ”

(6) Lei 12.850/2013: “Art. 4º O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em

até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha

colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração

advenha um ou mais dos seguintes resultados: (...) § 16. Nenhuma sentença condenatória será proferida com

fundamento apenas nas declarações de agente colaborador. ”

(7) CPP: “Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício:

(...). ”

(8) CC: “Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na

substância e na forma. § 1º Haverá simulação nos negócios jurídicos quando: (...) II - contiverem declaração,

confissão, condição ou cláusula não verdadeira. ”

(9) CPP: “Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça:

(...) VII - não existir prova suficiente para a condenação. ”

(10) CPP: “Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça:

(...) III - não constituir o fato infração penal. ”

(11) Lei 9.613/1998: “Art. 7º São efeitos da condenação, além dos previstos no Código Penal: I - a perda, em

favor da União - e dos Estados, nos casos de competência da Justiça Estadual -, de todos os bens, direitos e valores

relacionados, direta ou indiretamente, à prática dos crimes previstos nesta Lei, inclusive aqueles utilizados para

prestar a fiança, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé. ”

(12) Lei 9.613/1998: “Art. 7º São efeitos da condenação, além dos previstos no Código Penal: (...) II - a

interdição do exercício de cargo ou função pública de qualquer natureza e de diretor, de membro de conselho de

administração ou de gerência das pessoas jurídicas referidas no art. 9º, pelo dobro do tempo da pena privativa de

liberdade aplicada. ”

(13) CF: “Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador: (...) VI - que sofrer condenação criminal em

sentença transitada em julgado. (...) § 2º Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será decidida pela

Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de

partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa. ”

AP 996/DF, rel. Min. Edson Fachin, julgamento em 29.5.2018. (AP-996)

(Informativo 908, Segunda Turma)

Competência

Reclamação e diligências em residência de parlamentar

A Segunda Turma julgou procedente reclamação para invalidar ordem de busca e

apreensão e determinar a inutilização e o desentranhamento dos autos de todas as provas

obtidas por meio da referida diligência, ordenada por juiz de 1ª grau em imóvel

funcional ocupado por senadora da República, em desfavor de seu cônjuge.

A Turma entendeu usurpada a competência do Supremo Tribunal Federal (STF),

prevista no art. 102, I, “b” (1), da Constituição Federal (CF), para processar e julgar,

originariamente, nas infrações penais comuns, os membros do Congresso Nacional.

A ordem judicial impugnada teria sido ampla e vaga, sem prévia individualização

dos bens que seriam de titularidade da parlamentar federal e daqueles pertencentes ao

não detentor de prerrogativa de foro.

Reconheceu, por conseguinte, a ilicitude da prova obtida [CF, art. 5º, LVI (2)] e de

outras diretamente dela derivadas.

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Vencido o ministro Edson Fachin que julgou improcedente a reclamação por

considerar válida a diligência, dirigida a bens pertencentes a pessoa que, naquele

momento, não detinha foro por prerrogativa de função.

A seu ver, o endereço da diligência não funciona, por si só, como causa de atração

da competência do STF, por ausência de hipótese constitucional que, explícita ou

implicitamente, autorize a derrogação da competência das instâncias ordinárias.

A Constituição da República não disciplinou prerrogativa de foro calcada em

locais de prática de atos processuais, limitando-se a prever a competência originária da

STF, em determinados casos e com foco no exercício de funções públicas

desempenhadas por investigados ou acusados.

(1) CF: “Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-

lhe: I - processar e julgar, originariamente: (...) b) nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-

Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios ministros e o Procurador-Geral da República;”

(2) CF: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos

brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à

segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por

meios ilícitos;”

Rcl 24473/DF, rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 26.6.2018. (Rcl-24473)

(Informativo 908, Segunda Turma)

Condução coercitiva

Condução coercitiva para interrogatório e recepção pela Constituição Federal de 1988

O Plenário, por maioria, julgou procedente o pedido formulado em arguições de

descumprimento de preceito fundamental para declarar a não recepção da expressão

"para o interrogatório" constante do art. 260 (1) do CPP, e a incompatibilidade com a

Constituição Federal da condução coercitiva de investigados ou de réus para

interrogatório, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da

autoridade e de ilicitude das provas obtidas, sem prejuízo da responsabilidade civil do

Estado (Informativo 905).

O Tribunal destacou que a decisão não desconstitui interrogatórios realizados até a

data desse julgamento, ainda que os interrogados tenham sido coercitivamente

conduzidos para o referido ato processual.

Prevaleceu o voto do ministro Gilmar Mendes (relator).

De início, o relator esclareceu que a hipótese de condução coercitiva objeto das

arguições restringe-se, tão somente, àquela destinada à condução de investigados e réus

à presença da autoridade policial ou judicial para serem interrogados. Assim, não foi

analisada a condução de outras pessoas como testemunhas, ou mesmo de investigados

ou réus para atos diversos do interrogatório, como o reconhecimento.

Fixado o objeto da controvérsia, afirmou que a condução coercitiva no curso da

ação penal tornou-se obsoleta. Isso porque, a partir da Constituição Federal de 1988, foi

consagrado o direito do réu de deixar de responder às perguntas, sem ser prejudicado

(direito ao silêncio). A condução coercitiva para o interrogatório foi substituída pelo

simples prosseguimento da marcha processual, à revelia do acusado [CPP, art. 367 (2)].

Entretanto, o art. 260 do CPP — conjugado ao poder do juiz de decretar medidas

cautelares pessoais — vem sendo utilizado para fundamentar a condução coercitiva de

investigados para interrogatório, especialmente durante a investigação policial, no bojo

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de engenhosa construção que passou a fazer parte do procedimento padrão das

investigações policiais dos últimos anos. Nessa medida, as conduções coercitivas

tornaram-se um novo capítulo na espetacularização da investigação, inseridas em um

contexto de violação a direitos fundamentais por meio da exposição de pessoas que

gozam da presunção de inocência como se culpados fossem.

Quanto à presunção de não culpabilidade (CF, art. 5º, LVII), seu aspecto relevante

ao caso é a vedação de tratar pessoas não condenadas como culpadas.

A condução coercitiva consiste em capturar o investigado ou acusado e levá-lo,

sob custódia policial, à presença da autoridade, para ser submetido a interrogatório. A

restrição temporária da liberdade mediante condução sob custódia por forças policiais

em vias públicas não é tratamento que possa normalmente ser aplicado a pessoas

inocentes. Assim, o conduzido é claramente tratado como culpado.

Por outro lado, a dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III), prevista entre os

princípios fundamentais do estado democrático de direito, orienta seus efeitos a todo o

sistema normativo, constituindo, inclusive, princípio de aplicação subsidiária às

garantias constitucionais atinentes aos processos judiciais.

No contexto da condução coercitiva para interrogatório, faz-se evidente que o

investigado ou réu é conduzido, eminentemente, para demonstrar sua submissão à força.

Não há finalidade instrutória clara, na medida em que o arguido não é obrigado a

declarar, ou mesmo a se fazer presente ao interrogatório. Desse modo, a condução

coercitiva desrespeita a dignidade da pessoa humana.

Igualmente, a liberdade de locomoção é vulnerada pela condução coercitiva para

interrogatório.

A Constituição Federal consagra o direito à liberdade de locomoção, de forma

genérica, ao enunciá-lo no “caput” do art. 5º. Tal direito pode ser restringido apenas se

observado o devido processo legal (CF, art. 5º, LIV) e obedecido o regramento estrito

sobre a prisão (CF, art. 5º, LXI, LXV, LXVI, LXVII). A Constituição também enfatiza

a liberdade de locomoção ao consagrar a ação especial de “habeas corpus” como

remédio contra restrições e ameaças ilegais (CF, art. 5º, LXVIII).

A condução coercitiva representa uma supressão absoluta, ainda que temporária,

da liberdade de locomoção. O investigado ou réu é capturado e levado sob custódia ao

local da inquirição. Portanto, há uma clara interferência na liberdade de locomoção,

ainda que por um período determinado e limitado no tempo.

Ademais, a expressão “para o interrogatório”, constante do art. 260 do CPP,

tampouco foi recepcionada pela Constituição Federal, na medida em que representa

restrição desproporcional da liberdade, visto que busca finalidade não adequada ao

sistema processual em vigor.

Por fim, em relação à manutenção dos interrogatórios realizados até a data desse

julgamento, mesmo que o interrogado tenha sido coercitivamente conduzido para o ato,

o relator consignou ser necessário reconhecer a inadequação do tratamento dado ao

imputado, não do interrogatório em si. Argumentos internos ao processo, como a

violação ao direito ao silêncio, devem ser refutados.

Assim, não há necessidade de debater qualquer relação da decisão tomada pelo

STF com os casos pretéritos, inexistindo espaço para a modulação dos seus efeitos.

O ministro Celso de Mello acrescentou que a impossibilidade constitucional de

constranger-se o indiciado ou o réu a comparecer, mediante condução coercitiva,

perante a autoridade policial ou a autoridade judiciária, para fins de interrogatório,

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resulta não só do sistema de proteção das liberdades fundamentais, mas, também, da

própria natureza jurídica de que se reveste o ato de interrogatório.

Referido ato processual é qualificável como meio de defesa do acusado,

especialmente em face do novo tratamento normativo que lhe conferiu a Lei

10.792/2003. Essa particular qualificação do interrogatório como meio de defesa

permite que nele se reconheça a condição de instrumento viabilizador do exercício das

prerrogativas constitucionais do contraditório e da plenitude de defesa.

De todo modo, a ausência de colaboração do indiciado ou réu com as autoridades

públicas e o exercício da prerrogativa constitucional contra a autoincriminação não

podem erigir-se em fatores subordinantes da decretação de prisão cautelar ou da adoção

de medidas que restrinjam ou afetem a esfera de liberdade jurídica do réu.

Por fim, afirmou que não haveria como concluir que a condução coercitiva do

indiciado ou do réu para interrogatório, independentemente de prévia e regular

intimação, justificar-se-ia em face do poder geral de cautela do magistrado penal. Isso

porque, diante do postulado constitucional da legalidade estrita em matéria processual

penal, inexiste, no processo penal, o poder geral de cautela dos juízes.

Vencidos, parcialmente, os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin,

Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia (Presidente).

O ministro Alexandre de Moraes julgou parcialmente procedente o pedido

formulado nas arguições para declarar a inconstitucionalidade parcial, sem redução de

texto, do art. 260 do CPP, unicamente para excluir a possibilidade de decretação direta

da condução coercitiva sem a prévia intimação com base no poder geral de cautela do

juiz.

Considerou, assim, legitima a utilização do instituto da condução coercitiva para

interrogatório, porém, desde que o investigado não tenha atendido, injustificadamente,

prévia intimação, permitida a participação do defensor do investigado e resguardados os

direitos ao silêncio e a não-autoincriminação.

O ministro Edson Fachin julgou parcialmente procedente o pedido para atribuir

interpretação conforme a Constituição Federal ao art. 260 do CPP no sentido de

ressalvar a possibilidade de decretação judicial e fundamentada da condução coercitiva

em substituição a medidas cautelares típicas mais graves, como a prisão preventiva ou a

prisão temporária, desde que integralmente presentes os requisitos legais e

constitucionais dessas medidas.

Ademais, declarou a inconstitucionalidade da interpretação ampliativa do

dispositivo impugnado, impondo-se a prévia intimação e o não comparecimento

injustificado do intimado para a realização da condução coercitiva.

Os ministros Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia (Presidente)

acompanharam o ministro Edson Fachin.

(1) CPP: “Art. 260. Se o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer

outro ato que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença. ”

(2) CPP: “Art. 367. O processo seguirá sem a presença do acusado que, citado ou intimado pessoalmente para

qualquer ato, deixar de comparecer sem motivo justificado, ou, no caso de mudança de residência, não comunicar o

novo endereço ao juízo. ”

ADPF 395/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 13 e 14.6.2018. (ADPF-395)

ADPF 444/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 13 e 14.6.2018. (ADPF-444)

Parte 1: Parte 1:

Parte 2: Parte 2:

Parte 3: Parte 3:

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(Informativo 906, Plenário)

Execução Penal

Remição ficta e omissão do Estado

A Primeira Turma, em conclusão de julgamento e por maioria, denegou a ordem

de “habeas corpus” em que se discutia a possibilidade de remição ficta da pena, na

hipótese em que o Estado não proporciona atividade laboral ou educacional aos internos

do sistema penitenciário a fim de obterem a remição da pena (Informativo 902)

O Colegiado enfatizou que, embora o Estado tenha o dever de prover trabalho aos

internos que desejem laborar, reconhecer a remição ficta da pena, nesse caso, faria com

que todas as pessoas do sistema prisional obtivessem o benefício, fato que causaria

substancial mudança na política pública do sistema carcerário, além de invadir a esfera

do Poder Executivo.

Destacou que o instituto da remição exige, necessariamente, a prática de atividade

laboral ou educacional. Trata-se de reconhecimento pelo Estado do direito à diminuição

da pena em virtude de trabalho efetuado pelo detento. Na espécie, não foi realizado

trabalho, estudo ou leitura, em razão de o paciente estar submetido ao Regime

Disciplinar Diferenciado. Portanto, não há que se falar em direito à remição.

Vencidos os ministros Marco Aurélio (relator) e Rosa Weber, que deferiram a

ordem para reconhecer o direito à remição a título de indenização, uma vez que o

paciente não poderia sofrer prejuízo diante da postura omissiva do Estado.

HC 124520/RO, rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ ac. Min. Roberto Barroso,

julgamento em 29.5.2018. (HC - 124520)

(Informativo 904, Primeira Turma)

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DIREITO TRIBUTÁRIO

Contribuição

PIS e alteração da base de cálculo para instituição financeira

São constitucionais a alíquota e a base de cálculo da contribuição ao Programa de

Integração Social (PIS), previstas no art. 72, V (2), do Ato das Disposições

Constitucionais Transitórias (ADCT), destinada à composição do Fundo Social de

Emergência (FSE), nas redações da Emenda Constitucional Revisional (ECR) 1/1994 e

das Emendas Constitucionais (ECs) 10/1996 e 17/1997, observados os princípios da

anterioridade nonagesimal e da irretroatividade tributária.

Com base nessa orientação, o Supremo Tribunal Federal (STF), em conclusão de

julgamento e por maioria, ao apreciar o Tema 665 da repercussão geral em conjunto

com outro processo, negou provimento a recursos extraordinários em que se discutiu:

(a) a constitucionalidade das modificações efetuadas na base de cálculo e na alíquota da

contribuição ao PIS, destinada à composição do FSE e devida pelos contribuintes a que

se refere o § 1º do art. 22 (1) da Lei 8.212/1991 (instituições financeiras e equiparadas),

no período de vigência do art. 72, V (2), do ADCT; e (b) a possibilidade de se afastar a

referida contribuição nos períodos entre a publicação das emendas e o nonagésimo dia

de sua publicação, bem como de sua aplicação retroativa. (Informativo 866).

De início, o Plenário reafirmou jurisprudência no sentido da aplicabilidade do

princípio da anterioridade nonagesimal à modificação, ainda que por emenda

constitucional, de alíquota de contribuição (RE 587.008/SP). A solução de continuidade

entre a vigência de determinada emenda constitucional e a entrada em vigor de nova

emenda que majore ou reinstitua o tributo impede que se considere haver mera

prorrogação do quanto estabelecido no texto primitivo.

Originariamente, a ECR 1/1994 previu a cobrança do PIS, devido pelas

instituições financeiras e equiparadas, com vigência restrita nos exercícios financeiros

de 1994 e 1995, calculada mediante a aplicação da alíquota diferenciada de 0,75% sobre

a receita bruta operacional.

Com a EC 10/1996 (de 4.3.1996), a cobrança da exação foi novamente instituída,

mas com aplicação entre 1º de janeiro de 1996 a 30 de junho de 1997, mantida a

alíquota, a qual passou a ser alterada por lei ordinária.

Posteriormente, a EC 17/1997 (de 22.11.1997) reinstituiu a contribuição, com

incidência entre 1º de julho de 1997 a 31 de dezembro de 1999, preservadas as demais

características da norma anterior.

Para a Corte, as ECs 10/1996 e 17/1997 violaram os princípios da irretroatividade

e da anterioridade nonagesimal. Não se trata de meras prorrogações de emendas

anteriores, uma vez que houve a efetiva inovação do ordenamento jurídico nas

reinstituições da contribuição ao PIS prevista no inciso V do art. 72 do ADCT, inclusive

com aplicação retroativa.

Desse modo, o tributo não pode ser cobrado em relação a fatos geradores

ocorridos antes do início da vigência de cada uma dessas emendas, respectivamente,

nem antes de decorridos noventa dias de suas publicações.

Em seguida, foi analisada a alegação de inconstitucionalidade da MP 517/1994 (e

suas reedições), convertida na Lei 9.701/1998, por suposta violação ao art. 73 do ADCT (3), segundo o qual o Fundo Social de Emergência não pode ser regulado por medida

provisória [CF, art. 59, V (4) ].

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Para o colegiado, o ato impugnado não regulou o fundo, nem modificou o

conceito de receita bruta operacional mencionado no art. 72, V, do ADCT. Ao contrário,

apenas dispôs sobre deduções e exclusões da base de cálculo da contribuição ao PIS,

sem introduzir um novo conceito de receita.

Ademais, consignou ser válida a fixação de alíquota maior para as instituições

financeiras e equiparadas, ausente violação ao princípio da isonomia. O STF já firmou

entendimento de que não viola o princípio da isonomia o estabelecimento de alíquotas e

de bases de cálculo diferenciadas para essas pessoas jurídicas, em período anterior ou

posterior à introdução do § 9º (5) do art. 195 pela EC 20/98 (RE 235.036 e RE 598.572).

É válida a adoção de alíquota majorada para contribuintes que se encontrem em

situações diversas, para fins de custeio da seguridade social. As pessoas jurídicas

enquadradas no conceito de instituições financeiras auferem vultoso faturamento ou

volumosa receita.

No mais, quanto à base de cálculo da contribuição, a ECR 1/1994 e suas

sucessoras, no art. 72, V, do ADCT, cuidaram de estabelecer qual a base de cálculo da

contribuição ao PIS — a receita bruta operacional conforme definida na legislação do

imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza (IR). Para a Corte, essa

regulamentação infraconstitucional pode ser validamente implementada por medida

provisória.

Por fim, consignou que, no que tange às instituições financeiras e congêneres, a

base de cálculo do PIS abrange tanto (a) as receitas da intermediação financeira, tais

como as decorrentes de operações de câmbio e com títulos e valores mobiliários; quanto

(b) outras receitas operacionais, categoria em que se enquadram as receitas decorrentes

da prestação de serviços e as advindas de tarifas bancárias.

Vencido, em parte, o Ministro Marco Aurélio, que dava provimento a um dos

recursos extraordinários para declarar o direito do contribuinte de recolher a

contribuição ao PIS nos termos da LC 7/1970, durante a vigência do artigo 72 do

ADCT, com a redação dada pela EC 10/1996. Vencido também quanto à fixação de tese

de repercussão geral em recurso extraordinário anterior ao regime.

(1) Lei 8.212/1991: “Art. 22. A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, além do

disposto no art. 23, é de: (...) § 1º No caso de bancos comerciais, bancos de investimentos, bancos de

desenvolvimento, caixas econômicas, sociedades de crédito, financiamento e investimento, sociedades de crédito

imobiliário, sociedades corretoras, distribuidoras de títulos e valores mobiliários, empresas de arrendamento

mercantil, cooperativas de crédito, empresas de seguros privados e de capitalização, agentes autônomos de seguros

privados e de crédito e entidades de previdência privada abertas e fechadas, além das contribuições referidas neste

artigo e no art. 23, é devida a contribuição adicional de dois vírgula cinco por cento sobre a base de cálculo definida

nos incisos I e III deste artigo. (Redação dada pela Lei nº 9.876, de 1999). (Vide Medida Provisória nº 2.158-35, de

2001). ”

(2) ADCT: “Art. 72, V – a parcela do produto da arrecadação da contribuição de que trata a Lei

Complementar nº 7, de 7 de setembro de 1970, devida pelas pessoas jurídicas a que se refere o inciso III deste artigo,

a qual será calculada, nos exercícios financeiros de 1994 a 1995, bem assim nos períodos de 1ºde janeiro de 1996 a

30 de junho de 1997 e de 1º de julho de 1997 a 31 de dezembro de 1999, mediante a aplicação da alíquota de setenta

e cinco centésimos por cento, sujeita a alteração por lei ordinária posterior, sobre a receita bruta operacional, como

definida na legislação do imposto sobre renda e proventos de qualquer natureza. (Redação dada pela Emenda

Constitucional nº 17, de 1997). ”

(3) ADCT: “Art. 73. Na regulação do Fundo Social de Emergência não poderá ser utilizado o instrumento

previsto no inciso V do art. 59 da Constituição. ”

(4) CF: “Art. 59. O processo legislativo compreende a elaboração de: (...) V - medidas provisórias. ”

(5) CF: “Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos

termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos

Municípios, e das seguintes contribuições sociais: (...) § 9º As contribuições sociais previstas no inciso I do caput

deste artigo poderão ter alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas, em razão da atividade econômica, da utilização

intensiva de mão-de-obra, do porte da empresa ou da condição estrutural do mercado de trabalho. (Redação dada pela

Emenda Constitucional nº 47, de 2005). ”

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RE 578846/SP, rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 6.6.2018. (RE-578846)

(Informativo 905, Plenário – Repercussão Geral)

Contribuições

Instituições financeiras e majoração de alíquota da COFINS

É constitucional a majoração diferenciada de alíquotas em relação às

contribuições sociais incidentes sobre o faturamento ou a receita de instituições

financeiras ou de entidades a elas legalmente equiparáveis.

Com esse entendimento, o Plenário, ao apreciar o Tema 515 da repercussão geral,

em conclusão de julgamento e por maioria, negou provimento ao recurso extraordinário

(Informativo 866).

No caso, houve a majoração de 3% para 4% da alíquota da Contribuição para o

Financiamento da Seguridade Social (COFINS) com base no art. 18(1) da Lei

10.684/2003.

O Colegiado afirmou que, desde a edição da Emenda Constitucional (EC)

20/1998, o art. 195, § 9º (2), do texto constitucional autoriza, expressamente, em relação

às contribuições sociais previstas no art. 195, I (3), da Constituição Federal (CF), a

adoção de alíquotas ou de bases de cálculo diferenciadas em razão, entre outros

critérios, da atividade econômica desenvolvida pelo contribuinte.

A conformação do princípio da isonomia no texto constitucional, sobretudo na

vertente tributária, busca autorizar a adoção de medidas discriminativas. O objetivo

disso é privilegiar ou onerar determinadas categorias, incentivar ou desestimular

determinados comportamentos, ou, ainda, incrementar o desenvolvimento de certas

regiões do País. A Constituição cria mecanismos para a promoção da igualdade em

sentido material, portanto.

A imposição de alíquotas diferenciadas em razão da atividade econômica pode

estar fundada nas funções fiscais ou extrafiscais da exação. Se fundada na função fiscal,

a distinção deve corresponder à capacidade contributiva; se embasada na extrafiscal,

deve respeitar a proporcionalidade, a razoabilidade bem como o postulado da vedação

do excesso. Em todo caso, a norma de desequiparação e o seu critério de discrímen (a

atividade econômica) devem respeitar o conteúdo jurídico do princípio da igualdade.

O Tribunal consignou que o tratamento constante do art. 18 da Lei 10.684/2003

não viola o princípio da isonomia nem o da capacidade contributiva.

O próprio texto constitucional permite que o faturamento ou a receita sejam

utilizados como fato signo presuntivo de riqueza. Ambas as expressões são aptas,

portanto, para receber tributação.

Não invalida o dispositivo legal impugnado a existência de algum segmento

econômico que, individualmente considerado, tenha maior capacidade contributiva em

comparação com o setor financeiro. Embora o outro segmento também deva ter maior

colaboração para o custeio da seguridade social, é imprescindível igualmente lembrar

que a imposição de alíquotas diferenciadas (CF, art. 195, § 9º) deve ser sopesada não

apenas com a função fiscal da exação, mas também com suas finalidades extrafiscais

constitucionalmente amparadas. Nesse sentido, é possível que o legislador deixe de

exigir essa maior colaboração por visar, ponderadamente, a outros preceitos

constitucionais, como, por exemplo, a equalização das desigualdades sociais.

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Além disso, o Poder Judiciário não pode, a pretexto de conceder tratamento em

conformidade com o princípio da capacidade contributiva, excluir determinada pessoa

jurídica, por razões meramente individuais, do âmbito de aplicação da alíquota

majorada da COFINS prevista no dispositivo impugnado, sob pena de conceder

privilégio odioso.

Por fim, assinalou que, tomando por base a função fiscal da COFINS, é

proporcional e razoável que os contribuintes que exercem atividade econômica

reveladora de grande capacidade contributiva contribuam mais para o custeio da

seguridade social.

Vencido o ministro Marco Aurélio, que deu provimento ao recurso, assentando a

inconstitucionalidade da majoração da alíquota ante o tratamento não linear das

entidades descritas no dispositivo legal.

(1) Lei 10.684/2003: “Art. 18. Fica elevada para quatro por cento a alíquota da Contribuição para o Financiamento da

Seguridade Social – COFINS devida pelas pessoas jurídicas referidas nos §§ 6o e 8o do art. 3o da Lei no 9.718, de 27 de

novembro de 1998. ”

(2) CF/1988: “Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos

da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das

seguintes contribuições sociais: (...) § 9° As contribuições sociais previstas no inciso I deste artigo poderão ter alíquotas ou bases

de cálculo diferenciadas, em razão da atividade econômica ou da utilização intensiva de mão-de-obra. (Incluído pela Emenda

Constitucional 20, de 1998) ”

(3) CF/1988: “Art. 195. (...) I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes

sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional 20, de 1998) a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos

ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; b) a receita ou o

faturamento; c) o lucro; (Alíneas incluídas pela Emenda Constitucional 20, de 1998). ”

RE 656089/MG, rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 6.6.2018. (RE-656089)

(Informativo 905, Plenário – Repercussão Geral)

Instituições financeiras: Lei 7.787/1989 e contribuição adicional de 2,5% sobre a

folha de salários

É constitucional a contribuição adicional de 2,5% (dois e meio por cento) sobre a

folha de salários instituída para as instituições financeiras e assemelhadas pelo art. 3º, §

2º (1), da Lei 7.787/1989, ainda que considerado o período anterior à Emenda

Constitucional (EC) 20/1998.

Com esse entendimento, o Plenário, ao apreciar o Tema 470 da repercussão geral,

em conclusão de julgamento e por maioria, negou provimento ao recurso extraordinário

(Informativo 866).

No caso, a contribuição adicional foi estabelecida pelo art. 3º, § 2º, da Lei

7.787/1989, antes da EC 20/1998, que autorizou a adoção de alíquotas diferenciadas de

contribuições sociais.

O Colegiado afirmou que, com a Constituição Federal (CF) de 1988, o princípio

da solidariedade assumiu papel de enorme relevo a justificar que os contribuintes sejam

chamados para participar da manutenção do sistema, sem a exigência de vínculo com os

demais segurados, ou direito a determinada retribuição ou qualquer espécie de

benefício.

Esclareceu que a seguridade social é financiada por toda a sociedade [CF, art. 195,

“caput” (2)]. A participação dos distintos segmentos que a integram tem como parâmetro

a capacidade contributiva de cada um deles, pois somente assim se afigura possível

atingir a justiça social.

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Ademais, as contribuições sociais têm como fundamento a solidariedade

intergeracional. Tal característica une as gerações presentes e futuras quanto à obrigação

de arcar com os custos de manutenção da seguridade pública, de modo a contemplar os

beneficiários atuais e vindouros do sistema, sem contrapartida simétrica de todos os

contribuintes em termos de benefícios.

O custeio da seguridade social baseia-se na diversidade de seu financiamento,

assim como no princípio da equidade, sem qualquer ofensa ao princípio constitucional

da isonomia.

Por essa razão, antes mesmo da Emenda Constitucional 20/1998, que introduziu o

§ 9° (3) no art. 195 do texto constitucional, já existia a possibilidade de o Estado exigir

aportes diferenciados para a seguridade social, levando em consideração a maior ou

menor capacidade de participação dos contribuintes na manutenção do sistema.

Portanto, em momento anterior à promulgação da citada emenda, já se colocava em

prática o conceito de diversidade da base de financiamento da seguridade pública, cujo

fundamento é a ideia de equidade, com base no princípio da solidariedade.

A previsão de tributação diferenciada para segmentos econômicos determinados

com destaque para as empresas que se utilizam de mão de obra intensiva, como no caso

da Lei 7.789/1989, é compatível com a Constituição.

A Corte frisou que o princípio da capacidade contributiva, tal como previsto no

art. 145, § 1° (4), da CF aplica-se a todas as exações fiscais, e não exclusivamente aos

impostos.

Ressaltou ser possível concluir que a contribuição social previdenciária incidente

sobre a folha de salários, na forma do § 2° do art. 3° da Lei 7.787/1989, atende ao

disposto nos arts. 145, § 1°, e 194, parágrafo único, V (5), da Constituição. Afinal, leva

em conta a capacidade econômico-financeira dos contribuintes a quem se dirige,

concretizando o mandamento constitucional de equidade na forma de participação no

custeio.

Consignou que, quando uma emenda à Constituição se limita a explicitar algo,

sem inovar no mundo jurídico, é descabida a discussão acerca da incidência de efeitos

retroativos. Diante disso, também não cabe falar em “constitucionalização

superveniente” do dispositivo legal atacado, já que ele não era inconstitucional antes da

promulgação da EC 20/1998.

Observou que não cabe ao Judiciário, salvo em situações excepcionais, julgar se o

legislador agiu acertada ou equivocadamente ao optar por determinada solução

normativa.

Por fim, asseverou que não padece de vício de inconstitucionalidade a norma que

instituiu adicional à contribuição social devida por empregadores de certos segmentos

produtivos ou financeiros, pois é compatível com os princípios da solidariedade,

equidade e capacidade contributiva, que constituem os principais esteios da seguridade

social.

Vencido o ministro Marco Aurélio, que deu provimento ao recurso, assentando a

inconstitucionalidade da alíquota adicional, considerado o tratamento não linear

conferido em momento anterior à EC 20/1998.

(1) Lei 7.787/1989: “Art. 3º A contribuição das empresas em geral e das entidades ou órgãos a ela

equiparados, destinada à Previdência Social, incidente sobre a folha de salários, será: (...) § 2º No caso de bancos

comerciais, bancos de investimentos, bancos de desenvolvimento, caixas econômicas, sociedades de crédito,

financiamento e investimento, sociedades de crédito imobiliário, sociedades corretoras, distribuidoras de títulos e

valores mobiliários, empresas de arrendamento mercantil, cooperativas de crédito, empresas de seguros privados e

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capitalização, agentes autônomos de seguros privados e de crédito e entidades de previdência privada abertas e

fechadas, além da contribuições referidas nos incisos I e II, é devida a contribuição adicional de 2,5% sobre a base de

cálculo referida no inciso I.”

(2) CF/1988: “Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta,

nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos

Municípios, e das seguintes contribuições sociais. ”

(3) CF/1988: “Art. 195. (...) § 9° As contribuições sociais previstas no inciso I deste artigo poderão ter

alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas, em razão da atividade econômica ou da utilização intensiva de mão-de-

obra. (Incluído pela Emenda Constitucional 20, de 1998) ”

(4) CF/1988: “Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes

tributos: (...) § 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade

econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses

objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as

atividades econômicas do contribuinte. ”

(5) CF/1988: “Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos

Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência

social. Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos

seguintes objetivos: (...) V - eqüidade na forma de participação no custeio; ”

RE 599309/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 6.6.2018. (RE-599309)

(Informartivo 905, Plenário – Repercussão Geral)

Prescrição

Prazo prescricional e tributo declarado inconstitucional

A Segunda Turma, por maioria, conheceu de agravo para dar provimento a

recurso extraordinário em que se discute o termo inicial do prazo prescricional para

postular restituição de valores pagos a título de cota de contribuição do café, tributo

declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) (1) sem modulação de

efeitos (2) (Informativo 899).

Quando do ajuizamento da ação, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendia

que o prazo prescricional tinha início a partir da data da declaração de

inconstitucionalidade da exação pelo STF no controle concentrado, ou de resolução do

Senado Federal (SF), no controle difuso.

Essa foi a orientação utilizada pelo tribunal de origem para superar a arguição de

prescrição e declarar a incompatibilidade da cota de contribuição do café, determinando

a restituição dos valores indevidamente recolhidos.

Em momento posterior, o STJ promoveu revisão abrupta de sua jurisprudência

para considerar que, nos tributos sujeitos a lançamento por homologação, o transcurso

do prazo prescricional ocorre a partir do recolhimento indevido, independentemente do

STF ou do SF (REsp 435.835/SC).

Esse novel entendimento foi aplicado pelo Tribunal Superior no julgamento do

recurso especial para reformar o aresto de segundo grau e julgar prescrito o direito à

devolução. O recurso extraordinário foi interposto contra esse acórdão.

Para o colegiado, no entanto, a aplicação imediata de novo entendimento do STJ

aos processos em curso representa retroação da regra de contagem do prazo

prescricional às pretensões já ajuizadas, em afronta ao princípio da segurança jurídica e

aos postulados da lealdade, da boa-fé e da confiança legítima, sobre os quais se assenta

o próprio Estado Democrático de Direito. Com base nesse entendimento, restabeleceu o

acórdão de segundo grau que, diante da ausência de prescrição, reconhecera o direito à

restituição.

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A modificação na jurisprudência em matéria de prescrição não pode retroagir para

considerar prescrita pretensão que não o era à época do ajuizamento da ação, em

respeito ao posicionamento anteriormente consolidado.

Toda inflexão jurisprudencial que importe restrição a direitos dos cidadãos deve

observar certa regra de transição para produção de seus efeitos, levando em

consideração os comportamentos então tidos como legítimos, porquanto praticados em

conformidade com a orientação prevalecente, em homenagem aos valores e princípios

constitucionais.

Vencidos os ministros Gilmar Mendes (relator) e Edson Fachin, que negaram

provimento ao recurso, ao argumento de que a questão relativa à prescrição repetitória

de tributos declarados inconstitucionais possui viés nitidamente infraconstitucional. A

alegada ofensa à Constituição, se existente, seria reflexa ou indireta, pois o STJ analisou

e interpretou apenas a legislação federal [CTN, art. 168 (3)]. Não cabe à Suprema Corte

fiscalizar a jurisprudência do STJ em matéria infraconstitucional para apreciar a tese de

que a alteração jurisprudencial teria trazido efeitos concretos prejudiciais ao

contribuinte.

(1) RE 408.830/ES, DJ de 4.6.2004.

(2) RE 546.649/PR, DJe de 12.3.2015.

(3) Código Tributário Nacional: “Art. 168. O direito de pleitear a restituição extingue-se com o decurso do

prazo de 5 (cinco) anos, contados: I - nas hipóteses dos incisos I e II do artigo 165, da data da extinção do crédito

tributário; II - na hipótese do inciso III do artigo 165, da data em que se tornar definitiva a decisão administrativa ou

passar em julgado a decisão judicial que tenha reformado, anulado, revogado ou rescindido a decisão condenatória.”

ARE 951533/ES, rel. Min. Gilmar Mendes, red. p/ o ac. acórdão o Min. Dias

Toffoli, julgamento em 12.6.2018. (ARE-951533)

(Informativo 906, Segunda Turma)

Supremo Tribunal Federal

Secretaria de Documentação - SDO

Coordenadoria de Jurisprudência Comparada e Divulgação de Julgados - CJCD

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