brasil endividado 2000

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    O BRASIL ENDIVIDADOComo nossa dvida externa aumentou maisde 100 bilhes de dlares nos anos 90

    Uma herana que vem dos tempos da Colnia

    A ditadura militar e a ditadura da dvida

    Anos 90: mais pagamento, menos crescimento

    Propostas para enfrentar a dvida externa

    Reinaldo Gonalves e Valter Pomar

    O BRASIL ENDIVIDADO

    Reinaldo Gonalves e Valter Pomar

    Como nossa dvida externa aumentou mais

    de 100 bilhes de dlares nos anos 90

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    A HISTRIA DA DVIDA externa brasileira,suas causas estruturais e seus efeitos sociaisso analisados em O Brasil endividado.Relacionando a dvida externa, a dvida pblicainterna e a dvida social, Reinaldo Gonalves eValter Pomar demonstram que o Brasil sconseguir combinar crescimento econmicocom justia social se enfrentar com coragem esoberania a dvida externa, a ordem capitalista

    mundial e as elites que dela se beneficiam.

    Entenda como e por que os governos Collor

    e FHC aumentaram em mais de 100 bilhes

    de dlares a nossa dvida externa, e descubra

    de onde sai o dinheiro para pag-la.

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    O Brasil endividadoComo nossa dvida externa aumentoumais de 100 bilhes de dlares nos anos 90

    2 reimpresso

    Reinaldo Gonalves

    Valter Pomar

    EDITORA FUNDAO PERSEU ABRAMO

    COLEO BRASIL URGENTE

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    Fundao Perseu Abramo

    Instituda pelo Diretrio Nacionaldo Partido dos Trabalhadores

    em maio de 1996

    DiretoriaLuiz Dulci presidente

    Zilah Abramo vice-presidenteHamilton Pereira diretor

    Ricardo de Azevedo diretor

    Editora Fundao Perseu Abramo

    Coordenao EditorialFlamarion Maus

    RevisoMaria Vianna

    Maurcio Balthazar Leal

    Capa e Projeto GrficoGilberto Maringoni

    Editorao EletrnicaAugusto Gomes

    ImpressoGrfica OESP

    1a edio: junho de 20001 reimpresso: agosto de 2000

    2 reimpresso: maro de 2001

    Tiragem da 2 reimpresso: 2 mil exemplares

    Todos os direitos reservados

    Editora Fundao Perseu Abramo

    Rua Francisco Cruz, 234

    04117-091 So Paulo SP Brasil

    Telefone: (11) 5571-4299

    Fax: (11) 5573-3338

    Na Internet: http://www.fpabramo.org.br

    Correio eletrnico: [email protected]

    Copyright 2000 by Reinaldo Gonalves e Valter PomarISBN 85-86469-24-6

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    Reinaldo GonalvesNasceu em 1951, no Rio de Janeiro. economista, professor titular de Economia Inter-

    nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); foi membro da Diviso deQuestes Monetrias e Financeiras Internacionais, UNCTAD, Genebra (1983-87).

    Valter PomarNasceu em 1966, em So Paulo. historiador e 3 vice-presidente nacional do Partidodos Trabalhadores.

    AgradecimentosGostaramos de agradecer aos companheiros da Campanha Jubileu 2000,por um milnio sem dvidas, que nos encarregaram de escrever este livro;

    bem como Fundao Perseu Abramo, que acolheu a iniciativa.

    NotaAs opinies expressas neste livro so de inteira responsabilidade dos autores e no

    representam, portanto, posies oficiais de partidos ou correntes polticas.

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    O Brasil um pas endividado.As pessoas e as empresas devem ao sis-

    tema financeiro mais de 237 bilhes dereais. Em dezembro de 1999, o valor totalde atrasos no pagamento dos emprstimospassou de 24 bilhes de reais.

    O setor pblico brasileiro deve mais de516 bilhes de reais este valor inclui advida do governo (esferas municipal, es-tadual, federal e do Banco Central), bemcomo a dvida das empresas estatais. Issoequivale a 47% do Produto Interno Bruto

    (PIB). Desse total, mais de 432 bilhes dereais so dvidas do governo federal.

    A dvida externa brasileira, pblica eprivada, atingiu 241 bilhes de dlares emdezembro de 1999 (ver Quadro 1 e tabe-las 1 a 3, nas p. 39 e 40).

    A maior prova de que esse endivida-mento todo no resultou numa vida me-lhor para a maioria da populao brasi-

    leira so os sem-emprego, os sem-terra,os sem-teto, os sem-escola, os sem-sa-de... encarnao viva de nossa enormedvida social.

    Todo ano o sistema financeiro internacional mata mais pessoas do que aSegunda Guerra. Mas, pelo menos, Hitler era louco.

    Ken Livingstone (Ken, o vermelho), prefeito de Londres

    Dvida social, dvida pblica, dvida pri-vada... O governo diz que s poderemospag-las se houver crescimento econmi-co, o que dependeria, por sua vez, de in-vestimento estrangeiro. Que s vir parao pas se formos pontuais no pagamentode nossa dvida externa e interna.

    Trata-se de uma nova verso da fbulade fazer o bolo crescer, para depois divi-di-lo, utilizada pelo regime militar na po-ca do milagre brasileiro. Primeiro pa-gamos os grandes capitalistas, credores de

    nossa dvida externa e interna. Depois,pagamos a dvida social com a maioria dopovo.

    Como todos sabem, o dia de dividir obolo nunca chega. Enquanto isso, as dvi-das s crescem, indicando que uma (nova)pane geral pode estar prxima.

    Este livro trata principalmente da dvi-da externa brasileira, a ponta do iceberg,

    o n das vrias tramas que devem ser de-satadas para que possamos pagar a dvidarealmente importante: a dvida social. Epara que possamos mudar nossa poltica

    Apresentao

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    econmica, que tem entre seus pilares adependncia externa e a especulao fi-nanceira.

    Buscamos sistematizar e atualizar as in-

    formaes sobre a dvida externa brasilei-ra, contribuindo assim para o debate desteassunto e para a campanha contra a dvi-

    da, que ter no ano de 2000 um momentomuito importante, com a realizao de umgrande Plebiscito Nacional, no qual o povobrasileiro poder dizer o que acha do acor-

    do com o Fundo Monetrio Internacionale o que deve ser feito com as dvidas ex-terna e interna.

    Um relatrio produzido por cerca de duas mil

    entidades brasileiras foi entregue, em abril de

    2000, Organizao das Naes Unidas (ONU),

    denunciando que o Brasil no est cumprindo o

    Pacto Internacional de Direitos Econmicos, So-ciais e Culturais (PIDESC), do qual signatrio

    desde 1992. O Relatrio da sociedade civil bra-

    sileira sobre o cumprimento, pelo Brasil, do

    PIDESC analisa o grau de implementao dos

    direitos contemplados no Pacto (relacionados aos

    povos indgenas e outras minorias tnicas, meio

    ambiente, desenvolvimento sustentvel, discrimi-

    nao e desigualdades, questes de gnero, si-

    tuao agrria, desenvolvimento econmico pr-prio, trabalho e sindicalizao, previdncia social,

    descanso e lazer, famlia, sade, alimentao e

    nutrio, criana e adolescente, educao, cul-

    tura e moradia).

    Direitos econmicos, sociais e culturais

    Uma dvida pode ser privada ou pblica, inter-

    na ou externa. Quando falamos que uma dvida

    pblica ou privada, estamos nos referindo aquem contraiu o emprstimo: se foi uma pessoa

    fsica ou uma empresa privada, a dvida priva-

    da; se foi um rgo pblico, a dvida pblica.

    J quando falamos que uma dvida interna

    ou externa, nos referimos ao tipo de moeda em

    que essa dvida ter que ser paga: se a dvida

    pode ser paga em reais, trata-se de dvida inter-

    na; se a dvida tem que ser paga em moeda es-

    trangeira, trata-se de dvida externa. Portanto,

    existem: dvida pblica interna, dvida pblica

    externa, dvida privada externa, dvida privada in-terna. Na perspectiva do desenvolvimento eco-

    nmico e social, as dvidas mais importantes so

    a dvida interna (pblica) e a dvida externa (p-

    blica mais privada). A primeira impe constrangi-

    mentos ao oramento pblico, enquanto a ltima

    aumenta a restrio das contas externas e pro-

    voca polticas e estratgias de ajuste com efeitos

    profundos e amplos sobre a sociedade.

    Os tipos de dvida

    Fonte: Comisso Pastoral da Terra.

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    Herana colonial

    Quando veio para o Brasil em 1808, fu-gindo da invaso napolenica, D. Jootrouxe junto a dvida contrada pela CasaReal portuguesa na Inglaterra.

    Em 1822, como parte dos acordos deIndependncia, herdamos a dvida portu-guesa, da ordem de 1,3 milho de librasesterlinas, correspondente a cerca de 30%do valor de nossas exportaes.

    Para liquidar essa e outras dvidas, o Im-prio nascente contraiu, em 1824, nosso pri-meiro emprstimo externo, no valor de 3,7milhes de libras. Foi o comeo de umasrie de 17, contrados pelo Imprio brasi-leiro no mercado financeiro de Londres, novalor total de 68,2 milhes de libras ester-linas. O Imprio conseguiu resgatar partedesse valor e transmitiu nascente Rep-

    blica, proclamada em 1889, uma dvidaexterna de 30,4 milhes de libras.Vale dizer que grande parte da dvida

    contrada pelo Imprio nunca chegou ao

    Poltica valia tudo. Que tambm houvesse poltica l fora, sim; mas quetinha ele com ela? Tefilo no sabia nada do que ia por fora, exceto a nossa

    dvida em Londres, e meia dzia de economistas.

    Quincas Borba, romance de Machado de Assislanado em 1891 e ambientado no incio dos anos 1870.

    Brasil, tendo ficado em Londres mesmo,para pagar dvidas velhas, bem como paracobrir as comisses de credores e inter-medirios. De acordo com Frank GriffithDawson,

    apenas 60% da renda dos emprstimoschegaram Amrica Latina, grande par-te em bens e no em dinheiro [...] Dasquantias lquidas realmente colocadas disposio dos tomadores de emprsti-mos [...] cerca de dois teros foram en-

    viadas em mercadorias equipamentomilitar, provises navais, produtos tx-teis e ferragens.

    Na maioria das vezes, os emprstimosforam intermediados pela casa bancriaRothschild & Sons.

    Assim, as indstrias e o comrcio ex-portador britnicos receberam durante o

    sculo XIX um enorme estmulo: as ex-portaes para a Amrica Latina subiramde 2,8 milhes de libras (1818) para 6,4milhes de libras anuais (1825), sendo que

    Origens ecrescimento dadvida

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    o Brasil respondia por um tero ou atmetade desse total.

    Novas por velhasA prtica de pagar dvidas velhas com

    dvidas novas prosseguiu na Repblica.Quando terminou o governo WashingtonLus, em 1930, o Brasil devia o equiva-lente a 237,3 milhes de libras esterlinas.

    Uma novidade ocorrida durante a Rep-blica Velha (1889-1930) a entrada em

    cena dos Estados Unidos. Entre 1915 e1930, os emprstimos pblicos brasileiroscontratados em Nova York superaram emvalor os contratados em Londres. Mesmoassim, a Inglaterra continuou a ser, pormuito tempo ainda, nossa maior credora:em 1930, 64,5% do total da dvida pbli-ca externa brasileira correspondiam a em-prstimos britnicos, contra 30,3% de em-prstimos norte-americanos.

    O endividamento externo realizado noperodo do Imprio e da Repblica Velhaserviu, em ltima anlise, para financiarimportaes de bens manufaturados e ex-portaes de bens primrios. Portanto, nasduas pontas o endividamento no serviacomo estmulo para a industrializao,

    pelo contrrio. A crise de 1929, a Revolu-o de 30 e a Segunda Guerra Mundialinterromperam este processo e empurra-ram o Brasil para a industrializao.

    No final da Repblica Velha, o Brasil jestava gastando 25% de suas receitas deexportao com o servio da dvida1. Em1931, o governo de Getlio Vargas, resul-tante da revoluo ocorrida no ano ante-rior, suspendeu os pagamentos.

    No foi a soluo ideal para Vargas, quedizia: No pagar no , nem pode ser, umprograma. uma contingncia infeliz, que

    se pode prever, mas que no lcito pre-parar. A esta contingncia chegamos numahora trgica para o Universo, meno crise econmica iniciada em 1929, queprejudicou as exportaes brasileiras eimpediu o pas de obter as divisas neces-srias ao pagamento da dvida.

    Segundo o ministro da Fazenda deVargas, Jos Maria Whitaker,

    o Governo se tinha submetido e tinhasubmetido a Nao aos mais penosossacrifcios, a fim de que lhe no faltas-

    A dvida externa bruta do Brasil j chega a 241

    bilhes de dlares, o que corresponde mdia

    de 6 mil dlares para cada chefe de famlia. Isto

    , cada famlia brasileira j deve ao mundo qua-

    se 11 mil reais.

    No entanto, como a dvida externa do governo

    corresponde a 41% da dvida externa total, a d-

    vida externa mdia de cada famlia de aproxi-

    madamente 5 mil reais, o restante dvida das

    empresas privadas.

    A dvida pblica externa vai ser paga por meioda tributao. Entretanto, no basta ao chefe de

    famlia fazer uma aplicao na caderneta de pou-

    pana agora, no valor de 5 mil reais, para arcar

    com os custos futuros da dvida pblica externa.

    Talvez seja necessrio um depsito da ordem de

    10 mil reais, isto porque o custo da dvida exter-

    na (na forma, por exemplo, de ttulos do governo

    brasileiro, os global bonds) ser pago com juros

    equivalentes a quase o dobro (em dlar) da ren-

    tabilidade (em dlar) da poupana no Brasil.

    Como muito provvel que, ao longo dos anos,

    a correo monetria da caderneta de poupana

    seja inferior variao cambial, quando a dvidafor resgatada voc ainda vai ter que colocar mais

    dinheiro.

    Quanto voc deve ao mundo

    1. Servir dvida = amortizar o principal + pagaros juros. Servio da dvida o nome que se d aovalor gasto no pagamento das amortizaes e

    juros.

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    sem os recursos para a satisfao inte-gral de todos os compromissos; graasa esta conduta severa, estava em con-dies de realizar plenamente o servi-

    o de todos os emprstimos brasileiros,com o produto das rendas que arreca-dava; essas rendas, porm, eram arre-cadadas em papel e no em ouro, e emouro no podiam ser transformadas porfalta absoluta de cambiais [papis re-presentativos de valor em moeda es-trangeira] de exportao; [no havia]no mercado cambial letras em quanti-

    dade suficiente para satisfazer ao ser-vio da dvida externa.

    Coube a Osvaldo Aranha, nomeado mi-nistro da Fazenda em novembro de 1931,auditar o endividamento externo do Bra-sil. No havia nos arquivos cpia senode 40% dos contratos de emprstimos fe-derais: Os valores reais das remessas tam-bm eram ignorados. No havia contabili-dade regular da dvida externa federal. Asituao na parte relativa aos estados emunicpios era semelhante ou mesmopior, informa Valentim Bouas, em seulivroHistria da dvida externa.

    A equipe responsvel pelo estudo da d-vida concluiu que

    as condies dos emprstimos

    efetuados eram onerosssimas [conten-do] clusulas vexatrias. Uma clusulade um destes contratos dava ao banquei-ro o direito de, no caso de falta de paga-mento dos juros, cobrar, por suas pr-prias mos, os impostos, e para esse fimera a administrao obrigada a entregartodos os seus livros de lanamentos; emoutro, um Estado se obrigou a entregara determinada firma, escolhida pelo ban-queiro, parte do produto do emprstimodestinada a certos trabalhos. E era toidnea aquela firma que faliu e o Esta-

    do, apesar de ter despendido elevadaimportncia, no pode ver realizadosaqueles trabalhos.

    Em 1934, Osvaldo Aranha afirmou que

    o Brasil nunca pagou seus emprstimoscom seus prprios recursos. Fez sem-pre novos emprstimos para manter osantigos. Os saldos de sua balana de co-mrcio no lhe permitiram nunca cobrira balana de contas [...] pagando dvi-das com novas dvidas, a nossa poltica

    o que fez foi aumentar essas dvidas, aoinvs de diminu-las.

    Para isso contriburam tambm os arti-fcios usados para postergar pagamentos,com emisso de ttulos, que passam a cons-tituir praticamente novos emprstimos.

    A suspenso e a renegociao reduziramo servio da dvida de 40 milhes de li-bras esterlinas no binio 1930-31 para 44milhes de libras esterlinas nos seis anosseguintes, ou seja, no perodo 1932-37.

    A essa altura, o mundo j estava s vs-peras da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). A interrupo da entrada de capi-tais estrangeiros, somada queda de nos-sas exportaes, levou nova suspensodos pagamentos em 20 de novembro de1937, dez dias depois do golpe que deu

    origem ao Estado Novo.Em maro de 1940, o governo retomaos pagamentos, mas s em novembro de1943 acertado um acordo definitivocom os credores.

    Ao cabo, o estoque total de nossa dvidacaiu de 237 milhes de libras esterlinas(em 1939) para 169 milhes de libras es-terlinas (em 1945). E sobraram mais re-cursos para nossa industrializao. Nopor acaso, a taxa mdia anual de cresci-mento real do PIB brasileiro subiu de 4,4%nos anos 30 para 5,9% nos anos 40.

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    Ianques, go home

    Aps a Segunda Guerra Mundial, os Es-

    tados Unidos financiaram a reconstruoda Europa, por meio do Plano Marshall:uma doao de 14 bilhes de dlares (emvalores de 1948, o equivalente hoje a maisde 70 bilhes de dlares).

    J a Amrica Latina, no perodo 1945-55, remeteu ao exterior o equivalente a10,5% de suas receitas de exportao, pormeio do pagamento do servio da dvida e

    da remessa de lucros e dividendos dasmultinacionais instaladas em nosso conti-nente.

    Entre 1950 e 1969, a Amrica Latinaremeteu 28 bilhes de dlares para o ex-terior, contra 20 bilhes de dlares de in-vestimentos e emprstimos. O mecanis-mo principal da sangria foi a remessa delucros, que chegava a 16% na AmricaLatina.

    No perodo 1947-56, o Brasil recebeu41 milhes de dlares a ttulo de emprs-timos e investimentos. E remeteu, sob aforma de juros e dividendos, 754 milhesde dlares: uma sangria de 713 milhesde dlares.

    Isso ajuda a entender por que, naqueleperodo, tanto no Brasil como nos demais

    pases latino-americanos, grandes lutaspolticas e sociais tinham como motivo adefesa da economia nacional, contra o im-perialismo e as perdas internacionais

    (ver tabelas 4, 5 e 6, na p. 41).A mesma situao continuou aps esse

    perodo. Com exceo de Cuba (que op-tou por um desenvolvimento econmicono-capitalista) e de curtos perodos nahistria de alguns pases latino-america-nos (como o governo de Salvador Allende,no Chile, entre 1970 e 1973), a batalha foivencida pelos grandes capitalistas e lati-

    fundirios locais, que optaram pela con-dio de scios menores do grande capi-tal internacional.

    Essa vitria foi conseguida a ferro efogo: a comear pela Guatemala, em 1954,os golpes militares patrocinados pelos Es-tados Unidos tornaram-se lugar-comum nahistria latino-americana, abrindo cami-nho para grandes lucros e para o grandeendividamento dos anos 70 (ver tabelas 7a 10, nas p. 42 e 43).

    Dlar verde-oliva

    Quando aconteceu o golpe de 1964 noBrasil, a dvida era de cerca de 2,5 bilhesde dlares. Quando o ltimo presidente-

    Endividamento e ditaduras militares andaram

    juntos na Amrica Latina. Em 1962, o governo

    norte-americano criou um programa de treinamen-

    to para as foras armadas do subcontinente. No

    mesmo ano, o presidente argentino Arturo Frondizi

    deposto, dando incio a um ciclo de golpes que

    durou at 1984 e resultou no assassinato e/ou de-

    saparecimento de cerca de 30 mil pessoas.

    Em 1963, outro golpe depe o presidente

    equatoriano. No mesmo ano, os militares depem

    o presidente dominicano Juan Bosch; como no

    Dvida e ditadurasfoi suficiente, em 1965 os marinesinvadem o pas

    com o apoio de seis pases latino-americanos,

    para esmagar uma insurreio popular. Em 1964

    a vez do Brasil e da Bolvia. Em 1968, os milita-

    res depem o presidente peruano Belande Terry.

    Em 1973, derrubado o presidente chileno Sal-

    vador Allende. No mesmo ano, os militares to-

    mam o poder no Uruguai. A contra-revoluo pre-

    ventiva impediu que os pases latino-americanos

    enfrentassem a crise dos anos 70 como fizeram

    durante a crise dos anos 30.

    Fonte: KUCINSKI, Bernardo e BRANFORD, Sue.A ditadura da dvida: causas e conseqncias da dvidalatino-americana. So Paulo, Brasiliense, 1987.

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    general saiu do Palcio, em 1985, a dvidatinha passado dos 100 bilhes de dlares.

    Os primeiros ditadores, que governaramat 1969 (Castelo Branco, Costa e Silva e

    a Junta Militar), endividaram-se relativa-mente pouco. Mas prepararam o terreno,principalmente por meio da reforma dosistema financeiro e do aperfeioamen-to da legislao relativa entrada de ca-pitais estrangeiros.

    No governo Mdici (1969-74), ocorreuo chamado milagre econmico: a taxamdia anual de crescimento foi de 10,7%.

    Nesse perodo, a dvida externa j cresceumais rpido que nosso Produto InternoBruto: 211% contra 208%, respectivamen-te. Em termos de valor, a dvida externapassou de 11% do PIB, em 1969, para16,6% do PIB, em 1973. O Brasil passa areceber mais emprstimos em moeda doque capital de risco.

    Entretanto, ser no governo Geisel(1974-79) que a dvida externa experimen-tar seu grande crescimento. Num contex-to de crise econmica internacional quetrataremos a seguir , o governo optou porendividar-se para financiar o II Plano Na-cional de Desenvolvimento.

    No perodo Geisel, a dvida passou de13,8 bilhes de dlares (fins de 1973) para52,8 bilhes de dlares (em 1978), umaumento de 283%. A dvida passou a re-

    presentar 26% de nosso PIB.No governo Figueiredo (1979-85), o

    modelo chega ao limite: a partir dos anos80, o Brasil torna-se exportador lquido decapitais. Em 1984, a dvida correspondiaa 48,2% do PIB. Nesses seis anos, o Bra-sil transferiu para o exterior 21 bilhes dedlares a mais do que havia recebido. Oque s foi possvel porque o governo esti-

    mulou a recesso interna e patrocinou umenorme esforo exportador, para gerar asdivisas necessrias ao servio da dvida(ver tabela, 11, na p. 43).

    Quando a esmola

    demais...

    Depois da Segunda Guerra Mundial eat 1973, o capitalismo viveu seu pero-do de ouro: crescimento econmico compleno emprego e ampliao do bem-estarsocial de amplos setores da populao,

    O II Plano Nacional de Desenvolvimento, apro-

    vado em 1974, tinha como objetivo concluir a in-dustrializao brasileira. Para isso, foi facilitada

    a captao de capitais estrangeiros, para inves-

    timento em reas como energia, siderurgia e

    transporte. Foi o caso da Eletrobrs, das Cen-

    trais Eltricas de So Paulo (CESP), da

    Nuclebrs, da Itaipu Binacional, da Light Servi-

    os de Eletricidade S/A, da Aominas, da Acesita,

    da Siderrgica Tubaro, da Companhia Siderr-

    gica Nacional, da Siderbrs, da Rede Ferroviria

    Federal, particularmente a Ferrovia do Ao, da

    Companhia do Metr do Rio de Janeiro, da Su-

    perintendncia da Marinha Mercante, da Transa-maznica, da Ponte Rio-Niteri etc. As empre-

    Os investimentos do II PNDsas privadas tambm se endividaram, mas a

    maior parte dos emprstimos, nesse perodo, foicaptada por governos e empresas pblicas.

    A oposio denunciou o carter faranico e a

    corrupo envolvida nos projetos do II PND, as-

    sim como os perigos do endividamento externo.

    No final do governo Geisel, as empresas pbli-

    cas estavam superendividadas, servindo ainda

    de captadoras de novos emprstimos, apenas

    para garantir que o pas pudesse honrar o servi-

    o da dvida. Apesar disso, alguns especialistas

    sustentam que, no fosse o choque do petrleo

    e a alta dos juros, os investimentos possibilita-

    dos pelos emprstimos gerariam os recursosnecessrios ao pagamento da dvida.

    Fonte: CRUZ, Paulo D.Dvida externa e poltica econmica: a experincia brasileira nos anos setenta. So Paulo, Brasiliense, 1984.

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    pelo menos nos pases centrais (ver tabe-las 12 e 13, nas p. 43 e 44). Na periferiado sistema, vrios pases alcanavam a in-dependncia poltica e buscavam cami-

    nhos para a independncia econmica.No final dos anos 60, entretanto, o de-

    senvolvimento econmico dos pases ca-pitalistas centrais comea a desacelerar. Enos anos 70 veio a crise.

    Foi nesse contexto que o Brasil e outrospases contraram grandes emprstimos,que s foram possveis porque havia umaenorme massa de capitais disponveis, at

    mesmo com juros reais negativos.Esses capitais foram, principalmente,produto do crescimento que o capitalismoexperimentou aps a Segunda GuerraMundial. O crescimento foi tamanho, queparte dos lucros no podia ser reinvestidana produo, sob pena de reduzir aindamais a taxa de lucro.

    Um montante cada vez maior dos lu-cros comeou, ento, a ser desviado paraaplicaes no sistema financeiro interna-cional, constituindo num primeiro mo-mento o que ficou conhecido como eu-romercado.

    Alm desse processo estrutural, preci-so lembrar o fim da converso automticado dlar em ouro, as flutuaes cambiais eo aumento no preo do barril de petrleo,que elevou o custo de produo (e os gas-

    tos em importao) da maioria dos pasesdo mundo, gerando mais recesso e prote-

    cionismo nos pases centrais e liberandoainda mais capitais para a especulao.

    Esses vrios fenmenos esto na origemdos emprstimos concedidos pelo sistema

    financeiro internacional para os pasespobres e em desenvolvimento.

    No incio, parecia ser um timo negciopara os dois lados. Com os emprstimos,os pases pobres e em desenvolvimentocompravam produtos das economias de-senvolvidas, azeitando economias que es-tavam em recesso e contribuindo para queelas suportassem melhor a crise. Por ou-

    tro lado, os emprstimos eram feitos a ta-xas de juros muito baixas: descontada ainflao, os juros chegavam a ser negati-vos. Mas uma parte cada vez mais expres-siva era emprestada a taxas de juros flu-tuantes isto , podiam variar de acordocom a evoluo de taxas internacionaiscomo a Libor e a Prime2.

    No final dos anos 70, quando o estoqueda dvida j era significativo, ou seja, ovalor da dvida era muito alto, houve novamudana na situao internacional, afetan-do profundamente os pases endividados:outro aumento dos preos do petrleo, alta

    O capitalismo alterna ciclos de expanso (por

    exemplo: 1870-1913 e 1950-1973) com perodos

    de crise.

    A primeira crise do sculo XX durou de 1929 a

    1939 e s foi superada com os investimentos (e

    com a destruio macia) provocados pela Se-gunda Guerra Mundial. A segunda crise teve in-

    cio em 1973, e vem sendo enfrentada com um

    coquetel de remdios: enormes dficits pblicos

    (principalmente nos Estados Unidos), inovaes

    tecnolgicas, superexplorao da fora de traba-

    lho, aumento do comrcio (inclusive do comrcio

    especulativo, ou seja, compra e venda de moe-

    da) e doses variveis de guerra (Guerra Fria,

    guerras de baixa intensidade, conflitos localiza-dos como os do Vietn, do Iraque e do Golfo).

    Mas at o momento as taxas do crescimento ca-

    pitalista continuam baixas.

    Expanso e crise

    2. Libor (London interbank offered rate) e primerate so duas taxas utilizadas como referncianos contratos a juros flutuantes. A prime rate uma taxa de juros utilizada para emprstimos nomercado bancrio norte-americano; a Libor,utilizada para emprstimos no mercado bancriolondrino, foi criada pelo prprio mercado deeurodlares.

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    dos juros norte-americanos e aprofunda-mento da recesso.

    O preo do barril de petrleo subiu de12,4 dlares para 34,4 dlares, acarretan-

    do um adicional de despesas na balanacomercial brasileira de 37,3 bilhes dedlares entre 1979 e 1983.

    A recesso mundial dificultava, cadavez mais, nossas exportaes. A balanacomercial foi pressionada, tambm, peladeteriorao nas relaes de troca do Bra-sil com os pases capitalistas centrais:para importar uma mesma quantidade de

    bens, tnhamos que exportar cada vezmais. Este fenmeno comum maioriados pases atrasados ou em desenvol-vimento: a maior parte dos produtos queestes pases vendem para o exterior (ma-trias-primas e produtos agrcolas) tmseus preos constantemente reduzidos,enquanto a maioria dos produtos que es-tes pases importam (manufaturados emquinas) sobe de valor.

    Mas o golpe maior veio com o aumentoda taxa de juros nos Estados Unidos: ataxa bsica de emprstimos bancrios su-biu de 5,7% para 18,8%, entre 1975 e1984, acarretando para o Brasil despesasextras de 26,6 bilhes de dlares apenasnesse perodo.

    Como resultado, aumentaram o estoquee o servio da dvida, reduzindo-se a ca-

    pacidade de o Brasil obter divisas paraviabilizar o seu pagamento. O pas, de re-cebedor lquido de capitais, torna-se umexportador de capitais.

    O aumento da taxa de juros norte-ame-ricanos fecha o ciclo: os capitais que vie-ram como generosos emprstimos voltamengordados a seus pases de origem. A san-gria das riquezas da periferia, feita antessob a forma principal da remessa de lu-cros, passou a ser feita sob a forma princi-pal de pagamento da dvida.

    Durante os anos 80, o Brasil conseguiu um

    supervit (exportaes - importaes = saldocomercial positivo) de 99,5 bilhes de dla-res na sua balana comercial. Mas acumulouum dficit de US$ 141, 9 bilhes na balanade servios. Desse dficit, 97,3 bilhes de d-lares eram referentes a juros e 9,1 bilho dedlares a remessa de lucros e dividendos.Noutras palavras, o Brasil enviou para o ex-terior, durante a dcada de 80, a quantia l-quida de 42,3 bilhes de dlares. Tornara-seum exportador de capitais.

    Exportando capitais

    A converso automtica do dlar em ouro (1

    dlar para 0,888 gramas de ouro) foi estabelecida

    pelo acordo de Bretton Woods. Assinado no dia

    22 de julho de 1944, em New Hampshire, Esta-

    dos Unidos, pelos representantes dos pases Alia-

    dos, o acordo tratou de trs assuntos: sistema

    monetrio, regras comerciais e planos de recons-

    truo para as economias destrudas pela guer-

    ra. O acordo sobre o funcionamento do sistema

    monetrio internacional privilegiou os interesses

    dos Estados Unidos, mas a conversibilidade au-

    tomtica tentava impor algum tipo de controle

    sobre o dlar americano. Ocorre que a expanso

    da economia norte-americana no ps-guerra ge-

    rou uma situao insustentvel: o Tesouro ame-

    ricano detinha 13,5 mil toneladas de ouro, o equi-

    valente a 12 bilhes de dlares; nesse mesmo

    momento, os estrangeiros possuam 75 bilhes

    de dlares. Diante desse quadro, em 15 de agosto

    de 1971, o presidente norte-americano Nixon

    decretou unilateralmente o fim da convertibilidade

    do dlar em ouro, o que tambm significava o fim

    da paridade fixa entre dlar e ouro e entre o dlar

    e as outras moedas.

    O acordo de Bretton Woods

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    Os Estados Unidos so o pas mais endivida-

    do do mundo. Segundo o economista Eduardo

    Giannetti, o estoque da dvida das empresas efamlias nos EUA passou de cerca de 120% para

    132% do PIB americano. As famlias americanas

    tm dvidas que equivalem hoje a 103% de sua

    renda disponvel e os juros absorvem em mdia

    13,4% de seus rendimentos anuais. O consumo

    privado, que explica parte da pujana econmica

    norte-americana, est ancorado por sua vez no

    mercado financeiro e acionrio: 57% da riqueza

    privada (de pessoas fsicas) consiste de ativos

    financeiros e 43% da populao adulta tm in-

    vestimentos no mercado de aes. As aes re-

    presentaram 28% da riqueza financeira dos do-miclios em 1997. Ainda segundo Giannetti, os

    americanos passaram a depender de doses cres-

    centes de poupana externa para cobrir seus

    gastos (importaes) e honrar seus compromis-

    O maior devedor do mundosos (remessas de juros, lucros e dividendos) com

    o resto do mundo. O dficit em conta corrente

    dos EUA, que somava perto de 1,5% do PIB em1994, hoje alcana 4,1% do PIB norte-america-

    no. Isso significa que o mundo est transferindo

    cerca de 360 bilhes de dlares ano ano para

    financiar o sonho americano. O dficit comercial

    norte-americano atingiu 271 bilhes de dlares

    no ano de 1999 e, apenas no ms de janeiro de

    2000, chegou a 28 bilhes de dlares. Os Esta-

    dos Unidos financiam esse nvel de consumo e

    dficit, em parte por serem a locomotiva da eco-

    nomia mundial (20% do valor da produo mun-

    dial, estimada em 30 trilhes de dlares); em parte

    por ser o dlar a moeda mundial de fato; e emparte porque os Estados Unidos beneficiam-se

    da especulao mundial. Nesse sentido, o servi-

    o da dvida externa brasileira , de fato, um ser-

    vio ao grande capital norte-americano.

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    A dcada perdidaNos anos 30, vrios pases latino-ame-

    ricanos suspenderam total ou parcialmen-te o servio de suas dvidas, o que facili-tou seu desenvolvimento e sua industria-lizao.

    Nos anos 80, a histria foi outra. Em ape-nas trs anos (1981-83) a Amrica Latina

    desembolsou 81,7 bilhes de dlares comopagamento do servio da dvida, o dobrodo que havia pago durante os anos 70.

    O resultado foi a chamada dcada per-dida: estagnao econmica, inflao altae crise social. A crise acelerou a queda dasditaduras, geralmente substitudas por go-vernos civis que continuaram servindo dvida.

    No final de 1981, o governo brasileiro

    dizia que no ano seguinte haveria umasensvel melhoria nos indicadores rela-tivos de endividamento externo. Mas,

    Roncou, roncou,/ roncou de raiva a cuca,/ roncou de fome.../ algum

    mandou,/ mandou parar/ a cuca coisa dos home./ A raiva d praparar, pra interromper./ A fome no d pra interromper./ A fome e a raiva

    coisa dos home./ A fome tem que ter raiva pra interromper./ A raiva e a

    fome de interromper./ A fome e a raiva coisa dos home./

    (O ronco da cuca, de Joo Bosco e Aldir Blanc)

    em agosto de 1982, o governo mexicano

    no conseguiu continuar pagando a dvi-da e declarou moratria. Como reao,os bancos privados praticamente inter-romperam os crditos novos para os pa-ses devedores, inviabilizando assim acontinuidade da rolagem espontnea dadvida externa.

    Tem incio, ento, um processo dereprogramao e refinanciamento das d-

    vidas externas, sob superviso do FundoMonetrio Internacional (FMI), a quemcabia assegurar o pagamento integral dosjuros da dvida. Sem isso, os principaisemprestadores dos anos 70, os bancos pri-vados, poderiam quebrar, gerando conse-qncias terrveis para o capitalismo dospases centrais.

    A renegociao da dvida com os credo-res oficiais foi feita pelo chamado Clube

    de Paris grupo de pases credores, cria-do em 1956, que mantm laos estreitoscom o FMI. A negociao das dvidas com

    A servio da dvida

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    os bancos privados foi conduzida por umcartel destes, chefiado no caso brasileiropelo Citybank.

    Enquanto os credores atuavam como

    cartel, os devedores foram tratados caso acaso, vinculando eventuais acordos a ado-o de programas de ajuste supervisiona-dos pelo FMI.

    A primeira carta de intenes entre ogoverno brasileiro e o Fundo, assinada emjaneiro de 1983, diagnosticou a crise eco-nmica do pas como resultado da situa-o internacional, mas tambm de fato-

    res internos como: excessivo endivida-mento externo; excessiva presena de

    empresas estatais na economia; exces-sivo volume de incentivos fiscais e sub-sdios creditcios; distores nas taxasalfandegrias, restries s importaes

    e operaes cambiais; aumentos sala-riais para os trabalhadores, acima da pro-dutividade.

    A criatividade nunca foi o forte do FMI:todos os pases vitimados pela crise dadvida receberam o mesmo diagnstico eo mesmo remdio. Por isso, sofreram ba-sicamente as mesmas conseqncias:recesso econmica acompanhada de al-

    tas taxas de inflao, crise social acompa-nhada de instabilidade poltica.A dvida abriu a porta para o neolibera-

    lismo: anos depois, o mesmo diagnsticoseria repetido pelo Consenso de Washing-ton.

    O programa de ajuste acertado com oFMI visava, a mdio e longo prazos, alte-rar o padro de desenvolvimento e modi-ficar a forma de insero do Brasil na eco-nomia mundial. De imediato, para honraro servio da dvida, tratava-se de gerarmegasupervits comerciais.

    As metas firmadas em sucessivas car-tas de intenes nunca foram plenamen-te alcanadas. O crescimento das lutaspopulares e a vitria da oposio liberalnas eleies de 1982 reduziram bastante amargem de manobra do ltimo governo

    militar, que temia ser derrotado na eleio

    A dcada perdida, paradoxalmente, foitambm de enormes avanos organizativose polticos para os trabalhadores brasileiros:a Anistia (ainda que parcial e recproca), a

    reconstruo da Unio Nacional dos Estudan-tes (UNE), a criao do Partido dos Traba-lhadores (PT) e o surgimento ou a legaliza-o de outros partidos de esquerda, osurgimento da Central nica dos Trabalha-dores (CUT) e do Movimento dos Trabalha-dores Rurais Sem Terra (MST), a inscrio deimportantes direitos na Constituio e o fan-tstico desempenho da esquerda nas elei-es de 1988 e 1989. Nos anos 90, tambmuma dcada economicamente perdida, a clas-se trabalhadora viveu uma fase defensiva.

    Os ganhos dadcada perdida

    Os 44 delegados presentes Conferncia deBretton Woods criaram o Fundo Monetrio Inter-nacional (FMI) e o Banco Internacional de Re-construo e Desenvolvimento (BIRD, mais co-nhecido como Banco Mundial). O BIRD seria res-ponsvel pelo financiamento de projetos de re-cuperao e construo da infra-estrutura neces-sria ao desenvolvimento econmico. O FMI te-

    ria a funo bsica de fornecer recursos finan-

    O Fundo Monetrio Internacionalceiros, tal como um banqueiro de ltima instn-cia, para aqueles pases que apresentassemdficits nas contas externas, decorrentes de con-junturas internacionais adversas.

    Na prtica, tanto o FMI como o Banco Mundi-al ganham importncia com a crise da dvida,emprestando para aqueles pases que se dis-pem a adotar programas de ajuste de carter

    neoliberal.

    Fonte: BARROS, Marcos Csar Lopes. Um estudo sobre o papel do FMI no sistema financeiro internacional.Dissertao de mestrado apresentada no IEI-UFRJ, 1994.

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    presidencial indireta marcada para o in-cio de 1985.

    O perodo em que o governo se submetequase totalmente s exigncias do FMI(dezembro de 1983/setembro de 1984) co-

    incide com o auge da campanha pelas elei-es diretas para a presidncia da Rep-blica; as eleies terminam sendo indire-tas, com a vitria do candidato da oposi-o liberal, Tancredo Neves. Como estemorre antes de tomar posse, um acordoinconstitucional garante a posse do vice-presidente Jos Sarney (que apenas novemeses antes era presidente do Partido De-mocrtico Social PDS, que dava susten-

    tao parlamentar ditadura militar).Ironicamente, em fevereiro de 1987,

    caberia ao presidente Sarney informar em

    pronunciamento oficial que, devido queda no supervit comercial e redu-o nas reservas brasileiras, o governodecidira suspender unilateralmente todosos pagamentos de juros relativos dvi-

    da externa de mdio e longo prazo, devi-da aos bancos comerciais estrangeiros.Ao mesmo tempo, foram congelados osdepsitos comerciais e interbancrios emagncias de bancos brasileiros no exte-rior. Segundo Paulo Nogueira Batista Jr.,se nenhuma medida fosse adotada, as re-servas brasileiras estariam totalmente es-gotadas em questo de meses (em fins defevereiro de 1987, as reservas haviam

    baixado para pouco mais de 3 bilhes dedlares, o equivalente a menos de trsmeses de importao).

    Neoliberalismo: at a Primeira Guerra Mundial,o liberalismo era a doutrina preferida pelos capi-

    talistas. Na poltica, o liberalismo defendia umademocracia super-restrita, sendo que o direito devoto era muitas vezes limitado aos proprietrios.Na economia, o liberalismo defendia o mximode direitos para o Capital e o mnimo de direitospara o Trabalho.

    Aps a Segunda Guerra Mundial, depois de 30anos de catstrofes e diante de um forte movi-mento socialista, os capitalistas transitaram paraoutra doutrina, segundo a qual cabe ao Estadoadotar polticas que previnam as causas eremediem os efeitos das crises econmicas

    evitando que elas se transformem em catstro-fes, guerras e revolues. Essa nova doutrinaeconmica geralmente chamada de keynesia-nismo foi dominante nas dcadas de 1950 e1960. Mas as receitas keynesianas no conse-guiram debelar a crise dos anos 70. Com isso,pouco a pouco tornou-se hegemnica entre osgrandes capitalistas a doutrina chamada deneoliberal, que recupera as idias do liberalismo:menos gastos sociais, menos impostos,privatizaes, liberdade de comrcio, livre trn-sito dos capitais, menos sindicatos etc. A doutri-na neoliberal orientou a grande ofensiva do Ca-

    Neoliberalismo e Consenso de Washingtonpital contra os governos socialistas, social-demo-cratas e nacional-desenvolvimentistas, tudo em

    nome de uma sociedade mais livre e mais rica.O resultado est a para quem quiser ver: 16% dapopulao controlam 80% da riqueza mundial.

    Consenso de Washington: a expresso surgiunum encontro organizado na capital dos EstadosUnidos, em novembro de 1989, pelo Institute forInternational Economics e patrocinado pelo Ban-co Mundial, FMI, Banco Interamericano de De-senvolvimento e pelo prprio governo norte-ame-ricano, para discutir polticas econmicas para aAmrica Latina. Eis os principais pontos do con-senso: controle do dficit fiscal, cortes nos gas-

    tos pblicos, reforma tributria, administrao dastaxas de juros e cmbio, abertura do mercado eliberao de importaes, liberdade para entra-da de investimentos externos, privatizao dasempresas estatais, desregulamentao da eco-nomia, eliminao de barreiras restritivas, redu-o de direitos trabalhistas, garantia de direitosde propriedade etc. Durante a campanha de 1994,Fernando Henrique Cardoso foi acusado de serum agente da implantao do Consenso de Wa-shington no Brasil, para concluir a adeso do pas ortodoxia neoliberal, tarefa iniciada porFernando Collor.

    Fonte: ARRUDA, Marcos e QUINTELA, Sandra. ABC da dvida externa: a vida antes que a dvida. Salvador,CESE/CONIC, 1999.

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    Adotada por falta de opes, como me-dida de desespero, por um governo cujoapoio popular era declinante e desacom-panhada de medidas que modificassem o

    modelo econmico brasileiro, a morat-ria foi rapidamente abandonada. Em no-vembro de 1987, o governo brasileiro jestava negociando a retomada dos paga-mentos.

    Mas a normalizao das relaes com acomunidade econmica internacionalainda demandaria algum tempo e a parti-cipao de Bresser Pereira, ministro da

    Fazenda que sucedeu o artfice da mora-tria, Dilson Funaro; de Marclio MarquesMoreira, embaixador em Washington du-rante o governo Sarney (1985-1989) eministro da Fazenda durante parte do go-verno Collor (1990-1992); de ArmnioFraga, diretor do Banco Central durante ogoverno Collor; de Pedro Malan, presiden-te do Banco Central no governo ItamarFranco (1992-1994); e do prprioFernando Henrique Cardoso. Cada umdestes senhores responsvel direto peloduvidoso mrito de o Brasil ter retomadosua condio de bom pagador.

    O retorno dos capitais

    Em 1994, Fernando Henrique Cardoso,

    ento ministro da Fazenda, declarou aoSenado que estava extremamente felizcom o fim do problema da dvida externa.

    A felicidade tinha uma explicao: oingresso de capitais estrangeiros ganha-ra alento em meados de 1991. Processosimilar ocorreu em toda a Amrica Lati-na, com a entrada lquida total de capitaispassando de 9,3 bilhes de dlares (1989)

    para 60,8 bilhes de dlares (1992). Asia tambm conheceu o mesmo fen-meno, que acabou por ser a principal cau-sa da crise asitica que eclodiu em outu-bro de 1997.

    Para atrair esses capitais, o governo bra-sileiro adotou vrias medidas, entre asquais uma elevada taxa de juros. De ja-neiro de 1992 a junho de 1994, a taxamdia anualizada de juros internos foi oitovezes superior taxa internacional, esti-mulando as empresas privadas a tomar re-cursos no mercado externo.

    Mas era preciso dar garantias ao capitalestrangeiro. Uma dessas garantias foi aassinatura de um acordo de reestruturao

    O Brasil era, at abril de 1994, o nico dos prin-cipais devedores latino-americanos que ainda nohavia aderido ao chamado Plano Brady. A ade-so brasileira foi negociada no final do mandatode Fernando Collor, por um governo profunda-mente fragilizado, ameaado de impeachment,que tentava apressar a definio das caracters-ticas fundamentais do acordo, com o intuito decriar um fato poltico capaz de reforar sua basede apoio externa e suas chances de sobrevivn-cia em face da crescente oposio interna. A

    finalizao do acordo ocorreu, por sua vez, du-rante a gesto de um ministro da Fazenda quepreparava sua candidatura presidncia da Re-pblica e encontrava na concluso da negocia-o com os bancos estrangeiros um meio de so-lidificar o suporte internacional a suas pretensespolticas. Por isso, Fernando Henrique estava dis-posto no s a respeitar integralmente as condi-es aceitas por Collor como a introduzir modifi-caes nos termos originais que tornaram o acor-do ainda mais oneroso para o pas.

    Como se resolveu a crise da dvida

    Fonte: BATISTA Jr., Paulo Nogueira & RANGEL, Armnio de Souza. A renegociao da dvida externa bra-sileira e o Plano Brady: avaliao de alguns dos principais resultados. Caderno Dvida Externa. So Paulo,Pedex/CESE, n. 7,1994, p. 33.

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    da dvida externa, que aparentemente te-ria encerrado a crise da dvida.

    Nas negociaes realizadas entre 1982e 1988, os credores eram contrrios re-

    duo no valor da dvida. Em 1989,Nicholas Brady, ento secretrio do Tesou-ro dos Estados Unidos, apresentou um pla-no cujos princpios orientaram o acordoassinado em abril de 1994, no final da ges-to de Fernando Henrique Cardoso comoministro da Fazenda. Logo depois de assi-nar o acordo, ele seria lanado candidato presidncia da Repblica.

    O Plano Brady previa a reduo no va-lor da dvida externa, mediante a reduodo principal ou das taxas de juros. Previa,tambm, a extenso dos prazos de paga-mento e a substituio de obrigaes comtaxas de juros flutuantes por ttulos comtaxas fixas.

    A maioria dos acordos realizados porpases latino-americanos, com base nosprincpios do Plano Brady, resultaram emdescontos moderados, no ocorrendo re-duo significativa do nvel de endivida-mento.

    No caso brasileiro, o acordo firmado emabril de 1994 referia-se apenas a parte dadvida do setor pblico com bancos comer-

    ciais estrangeiros. Em nmeros redondos,o acordo dizia respeito a uma parcela de49 bilhes de dlares, de uma dvida ex-terna total (em dezembro de 1993) de 145

    bilhes de dlares. O desconto efetivo as-sociado ao acordo foi de 3,7 bilhes dedlares ou de 7,6% do valor da dvida afe-tada pelo acordo. Na prtica, entretanto, oacordo

    representou o levantamento da mora-tria parcial que vigorava desde 1989.Com a entrada em vigor do acordo,

    substituiu-se a dvida velha, sujeita auma suspenso parcial de pagamentos,por bnus que no permitem a capitali-zao dos juros. O resultado um au-mento significativo dos pagamentos emcomparao com a situao anterior aoincio do processo de negociao, quan-do o Brasil pagava 30% dos juros devi-dos. [Como resultado] a despesa anuallquida com juros no primeiro ano [de

    vigncia do acordo] alcana 2,5 bilhesde dlares, aproximadamente o triplo dadespesa de juros na situao anterior eapenas 600 milhes de dlares a menosdo que se pagaria caso estivessem vigen-tes as condies contratuais anteriores.

    Como resultado da poltica econmica adota-

    da por Collor e Fernando Henrique, de aberturacomercial e financeira, o Brasil acumulou, entre1991 e 1999, um dficit de 132 bilhes de dla-res em suas relaes com o mundo. Para cobri-lo, o Brasil depende dos capitais estrangeiros,que podem ser divididos em trs categorias: em-prstimos, investimento direto e capitalespeculativo.

    O capital especulativo, como o prprio nomeindica, de curto prazo e tira mais recursos dopas do que traz benefcios. A maior parte do

    investimento direto foi destinada a compra deempresas (estatais ou privadas). Financiou, por-tanto, a transferncia de patrimnio, no a cria-o de riqueza nova. Com um agravante: quan-

    Aumenta a dependncia externado estrangeiros, os novos proprietrios, mesmo

    que sua atividade no gerasse um nico dlarpara o pas, passaram a remeter lucros e divi-dendos para suas matrizes no estrangeiro. Fi-nalmente, os emprstimos: em sua maioria, fo-ram feitos por empresas privadas, que pegaramdinheiro no exterior, a taxas de juros mais bai-xas que as do Brasil. Esses emprstimos au-mentaram a dvida externa, mas geralmente noforam aplicados em atividades que gerassem di-visas (e, portanto, que ajudassem a captar osdlares necessrios para pagar sua prpria d-

    vida). O resultado que o Brasil se torna cadavez mais dependente do capital estrangeiro, paracobrir os dficits gerados por este mesmo capi-tal, num crculo vicioso.

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    O Brasil s conseguiu cobrir o servioda dvida graas ao extraordinrio afluxode capitais, que ampliou nossas reser-vas em moeda estrangeira (ver tabelas 14

    e 15, na p. 44).O fato de conseguirmos servir dvi-

    da no implicou reduo de seu estoque(ver na tabela 2, na p. 40, a evoluo dadvida brasileira entre 1993 e 1999).Tampouco ampliou a capacidade do pasde gerar divisas prprias em moeda estran-geira (nesse sentido, o endividamentoocorrido nos anos 90 pior do que o dos

    anos 70).Como subproduto do fluxo de capitaisestrangeiros, mas tambm por motivos po-ltico-eleitorais, a nova moeda brasileira,o real, foi artificialmente valorizada emrelao ao dlar. Como uma das conse-qncias disto, entre 1995 e 1999, as im-portaes (mais baratas) superaram as ex-portaes (mais caras), gerando um dfi-cit comercial acumulado de 24,7 bilhesde dlares.

    No caso da balana de servios queregistra viagens internacionais, fretes, re-messas de lucros, pagamentos de royaltiese juros da dvida externa , o dficit acu-mulado entre 1995 e 1999 de 122,7 bi-lhes de dlares (ver tabela 16, na p. 45).

    Entre 1994 e 1995, o dficit das transa-es correntes (soma do dficit comercialcom o dficit de servios) entre o Brasil eo mundo decuplicou, indo de 1,7 bilho

    de dlares para 17,9 bilhes de dlares. Odficit acumulado, entre 1995 e 1999, nabalana de transaes correntes alcanou134,7 bilhes de dlares!

    O crescimento do passivo externo totaldo pas (ver tabela 17, na p. 45) foi acom-panhado pelo crescimento da dvida p-blica interna, que no final de 1999 soma-va 516 bilhes de reais. A previso que,

    apenas no ano de 2000, o governo federaldever pagar 69 bilhes de reais aos de-tentores da dvida interna pblica.

    O vigoroso fluxo de capitais estrangei-ros permitiu, durante um curto perodo, con-tornar todos esses dficits. Nos ltimosanos, embora crescentemente endividado,o pas no atrasou seus pagamentos. Mas,com as crises do Mxico (1994) e do Sudes-te Asitico (1997), os capitais comearam acobrar ainda mais caro para ingressar nummercado emergente como o Brasil.

    Com a crise da Rssia (1998), as reser-vas brasileiras caram velozmente: de 74bilhes de dlares em abril de 1998, che-gamos a 33 bilhes de dlares em marode 1999.

    O Brasil sempre foi altamente integrado eco-nomia internacional. Basta lembrar que os recur-sos sados daqui, na poca colonial, ajudaramno que Marx denominou acumulao primitivado capital. Durante sculos, a atividade econ-mica brasileira foi dirigida aos mercados euro-peus e, portanto, submetida aos ciclos daquelaseconomias.

    Com a industrializao, mudou o tipo de cone-xo do Brasil com a economia capitalista interna-cional, inclusive com a instalao de importantesmultinacionais no pas. De 1930 aos anos 80, ocentro dinmico de nossa economia transferiu-se progressivamente para o prprio pas. Com

    as reformas neoliberais de Collor e de FernandoHenrique, a economia brasileira tornou-se nova-mente muito vulnervel aos humores da econo-mia internacional. Essa vulnerabilidade expres-sa-se num crescente passivo externo, que cons-titudo pelo estoque da dvida externa e pelo es-toque do capital estrangeiro investido no pas. Opassivo externo tem como resultado um conjun-to de valores que o Brasil tem de remeter, anual-mente, a ttulo de: servio da dvida, remessa delucros e dividendos, pagamentos de royalties, fre-tes e seguros, importaes etc. Nos anos 90, advida externa cresceu, mas o passivo externocresceu muito mais.

    O passivo externo do pas

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    A fuga de capitais comprometeu a ca-pacidade de pagar a dvida e financiar osdficits. Para evitar a suspenso dos pa-gamentos, o governo brasileiro negociou

    um emprstimo preventivo de 41,5 bi-lhes de dlares junto ao FMI, ao BancoInternacional de Compensaes (BIS) e aoBanco do Japo.

    No incio de 1999, a maioria dos analis-tas voltou a falar nas dificuldades parahonrar a dvida. Como acontecera nos anos70, ao fluxo seguiu-se o refluxo. Com umdetalhe: o presidente Fernando Henrique

    e seu o ministro da Fazenda, Pedro Malan,protagonistas da ida ao FMI nosanos 90, combateram a polticade endividamento da ditadura esua submisso s receitas doFundo. Quem ter esquecido oque dizia?

    Ela e(x)terna?

    Ao final de 1999, a dvida ex-terna brasileira era de 241,2 bi-lhes de dlares. Deste total,212,6 bilhes de dlares eramdvida de mdio/longo prazo (su-perior a um ano); e 28,6 bilhesde dlares de dvida de curto prazo.

    Da dvida total, 100 bilhes de dlares

    so dvida do setor pblico no-financei-ro e 141,2 bilhes de dlares so dvidado setor privado. A predominncia dosdbitos privados um fenmeno que vemdesde 1996, quando os empresrios con-traram emprstimos externos a juros bai-xos, lucrando depois com os altos jurosinternos.

    A distribuio por moeda revela umaabsoluta preponderncia do dlar norte-americano, cerca de 86% da dvida regis-trada. Em 1997, 43% da dvida registradaestava nas mos de bancos comerciais

    (brasileiros e estrangeiros, principalmenteamericanos) e 16% com organismos eagncias internacionais (como FMI, Ban-co Mundial etc.). Outra parte corresponde

    a papis negociados no mercado financei-ro internacional, pulverizao que compli-ca a gesto e a eventual renegociao dadvida.

    Segundo o Banco Central, a amortiza-o da dvida externa registrada de mdioe longo prazos implicar o desembolso, ato final do mandato do prximo presidente(2006), de um valor superior a 80 bilhes

    de dlares. Mas o valor final ser maior: oBanco Central calcula que osvencimentos de mdio e lon-go prazos para 2000 superaroos 30 bilhes de dlares. Apreviso que a despesa comos juros chegue a 17 bilhesde dlares.

    Nossa dvida externa totalequivale a 42% da riqueza queo Brasil produz durante umano inteiro. Ou cinco anos denossas exportaes. Seis vezesas reservas em moeda estran-geira em posse do Banco Cen-tral em maro de 20003.

    Nos ltimos 30 anos (1968/1999), em valores nominais, o estoque dadvida externa brasileira cresceu 237 bi-

    lhes de dlares! Se tomarmos como pon-to de partida o ano de 1982 (crise do M-xico), o estoque cresceu 158 bilhes dedlares. Se nos limitarmos ao perodo(1995/1998), correspondente ao primeiromandato do atual presidente, FernandoHenrique Cardoso, o estoque da dvidacresceu 99 bilhes de dlares.

    3. Em 1999, o PIB brasileiro atingiu 562 bilhes de

    dlares e as exportaes atingiram 48 bilhes dedlares. Em maro de 2000, o Brasil detinha 38,4bilhes de dlares em suas reservas (caixa).Conjuntura Econmica, fev. 2000 & Banco Central,Nota para a imprensa, 17 abr. 2000.

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    Analisando esses nmeros fantsticos,algum pode imaginar que o Brasil nuncapagou nada. Engano: s durante o primei-ro mandato de Fernando Henrique (1995-

    98), desembolsamos cerca de 128 bilhesde dlares a ttulo de juros e amortizao.Quanto mais pagamos, mais devemos. por isso que muita gente diz que a dvidaexterna , na verdade, eterna.

    Um modelo torto

    Com o pagamento do servio da dvida,parte da riqueza criada no pas foitransferida para o exterior e/ou se concen-trou ainda mais, ampliando a desigualda-de social.

    Como o Brasil um dos pases mais de-siguais do mundo em termos sociais, aomesmo tempo que uma das principais

    economias mundiais, fica claro que a elitebrasileira co-beneficiria do processo detransferncia de riqueza.

    A sociedade com o grande capital inter-

    nacional inclusive no endividamento uma das caractersticas do capitalismobrasileiro, ao lado do latifndio, dasuperexplorao da fora de trabalho, daconcentrao de renda e de propriedade.

    A transferncia de riqueza para o ex-terior e a concentrao interna de rique-zas so faces distintas do mesmo fen-meno. Alis, nossas elites guardam fora

    do pas um montante substancial de suasriquezas.Parte da transferncia de riqueza ocor-

    reu por meio do chamado servio da d-vida. Mas este apenas um dos mecanis-mos de transferncia de riquezas geradasno Brasil em direo aos centros econ-micos mundiais. H outros mecanismos,

    A evidncia emprica a respeito da desnaciona-lizao da economia brasileira conclusiva (vertabela 18). A relao entre o fluxo de investimentoexterno direto e a formao bruta de capital fixoaumentou de 2,5% em 1995 para 24,6% em 1999.

    Como resultado, as empresas estrangeiras,que controlavam 6,8% do estoque de capital fixototal no Pas em 1995, passaram a controlar12,4% em 1999. A participao estrangeira noestoque lquido de riqueza total aumentou de5,7% em 1995 para 9,7% em 1999. O aumento

    da participao estrangeira no valor bruto da pro-duo no foi menos significativo: 13,5% em 1995e 24,6% em 1999. Vale ainda mencionar que aparticipao estrangeira no valor das vendas das550 maiores empresas aumentou de 33,3% em1995 para 43,5% em 1998.

    No que se refere a um setor-chave da econo-mia o setor bancrio , a desnacionalizaodobrou em quatro anos. A participao dos gran-des bancos estrangeiros no total dos ativos dosistema bancrio brasileiro aumentou de 11,9%

    em 1995, para 22,5% em 1998 e cerca de 24%em janeiro de 2000.Fluxo de investimento bruto = Investimento

    externo direto (excluindo converso e descontan-

    Investimento direto e desnacionalizaodo a repatriao) / formao bruta de capital fixo(em valores correntes).

    Estoque de capital fixo = Imobilizado das em-presas estrangeiras / estoque lquido de capitalfixo produtivo (estruturas no-residenciais e m-quinas e equipamentos); em valores constantesde 1995.

    Estoque lquido de riqueza = patrimnio lqui-do das empresas estrangeiras / estoque lquidode riqueza total (estruturas residenciais; estrutu-ras no-residenciais, mquinas e equipamentos,

    automveis e eletrodomsticos; deduzindo depre-ciao e a dvida externa); em valores constan-tes de 1995.

    Valor bruto da produo = faturamento dasempresas estrangeiras / faturamento total dasempresas (em valores correntes).

    Vendas das grandes empresas = vendas dasempresas estrangeiras / vendas das 550 mai-ores empresas do Pas (em valores corren-tes).

    Ativos do sistema bancrio = ativos dos ban-

    cos estrangeiros / ativos totais do sistema ban-crio brasileiro (em valores correntes).O dado para o setor bancrio em 1999 uma

    estimativa preliminar.

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    tais como: a) a exportao de produtosbrasileiros a preos baixos; b) a importa-o de produtos estrangeiros a preos al-tos; c) a venda de ativos brasileiros em-presas privadas ou estatais a preo bai-xo; d) a remessa de lucros, dividendos,royalties e pagamentos por assistncia tc-nica etc.

    Para transferir riqueza, o Brasil necessi-ta dispor de moeda estrangeira: os dlares

    que saem do Brasil, primeiro devem en-trar aqui. Para pagar os juros e amortizaro principal da dvida, no basta ter o ne-cessrio em reais; preciso conseguir di-visas (moeda estrangeira: dlares, marcos,ienes, francos, libras etc.).

    Entende-se assim a popularidade, naselites, da teoria segundo a qual o Brasildispe de reduzida poupana interna: para

    podermos crescer, precisaramos de pou-pana externa, seja na forma de emprs-timos, investimento estrangeiro direto,capital especulativo ou at mesmo lava-gem de narcodlares.

    O ciclo de importao de capitais dosanos 70 ocorreu basicamente por meio doendividamento externo, que a partir decerto momento tornou-se um crculo vi-cioso: novas dvidas, para pagar velhasdvidas.

    J o ciclo de importao de capitaisocorrido nos anos 90 envolve, alm do

    endividamento externo, um substancial in-vestimento direto e um enorme volume decapitais especulativos. Entre 1996 e 1998entraram no Brasil 45 bilhes de dlaresde investimentos lquidos estrangeiros.Nesse mesmo perodo, enviamos 108 bi-lhes de dlares para o exterior, s a ttulode juros e amortizaes.

    Em determinado momento, ocorre a re-verso no ciclo e o pas se v diante de

    uma crise cambial. No se trata necessa-riamente da falta de meios para honraro pagamento; trata-se, isto sim, de faltade divisas.

    Quando chega nesta situao, o gover-no recorre estatizao das dvidas priva-das, ao esforo exportador a qualquercusto, alienao patrimonial, renego-ciao das dvidas, desvalorizao cam-

    bial e suspenso dos pagamentos. Emtodas essas oportunidades, o prejuzo foidescarregado sobre a maioria dos brasi-leiros, que no foi consultada sobre o en-dividamento e no foi tambm beneficia-da com ele.

    Juro campeo

    A taxa de juros, vrias vezes superioraos juros internacionais, tem sido o prin-cipal mecanismo de atrao de capitais es-

    A dvida privada paga por quem pegou o di-nheiro emprestado, certo? Errado. No Brasil, a

    dvida pode ser privada, o credor pode ser priva-do, mas quem paga voc, pois a dvida acabano colo do Estado, que cobra impostos, aumen-ta os juros e adota uma poltica econmica vol-tada para pagar a dvida, cujos impactos reca-em sobre a maioria dos trabalhadores. Inclusi-ve, voc. Nos anos 70, por exemplo, foi muitocomum o Estado contrair emprstimos no exte-rior e repass-los, direta ou indiretamente, semos riscos cambiais e de juros envolvidos, para

    Estatizando as dvidasempresas privadas. A partir dos anos 90, o pro-cesso se torna ainda mais sofisticado: o grande

    empresrio toma dinheiro emprestado fora dopas, a juros muito baixos, vende as divisas parao Banco Central e, com parte do dinheiro, com-pra ttulos da dvida pblica interna brasileira,com correo cambial e direito a juros genero-sos. Se tudo correr bem, ao final do perodo con-seguir pagar sua dvida graas ao rendimentodos ttulos. E se tudo correr mal, por exemplo sehouver uma desvalorizao do real, os ttulos comcorreo cambial protegem a empresa.

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    trangeiros. Para se ter idia da discrepn-cia entre a taxa de juros brasileira e a nor-te-americana, esta ltima foi de 6% emmaio de 2000, enquanto no Brasil ela era

    de 18% ao ano. Em novembro de 1997,chegou a ser de 42% ao ano. Isso inchouas reservas em moeda estrangeira no Ban-co Central, que foram de 36,5 bilhes dedlares em 1994 para US$ 74 bilhes emabril de 1998.

    Toda entrada lquida de moeda estran-geira no pas comprada pelo Banco Cen-tral, que repassa aos proprietrios o valor

    equivalente em reais.Para consegui-los, e tambm para con-tornar os riscos de inflao, o governo ven-de ttulos no mercado e toma reais empres-tados, aumentando a dvida pblica inter-

    na. Parte dessa dvida ps-fixada, combase na taxa de juros ou no cmbio.

    Tem-se, assim, um capitalismo sem ris-co: 23% da dvida mobiliria federal fora

    do Banco Central corrigida pelo cmbioe 61% pela taxa de juros.

    Como os juros so mantidos altos paraatrair capitais estrangeiros e para tentarevitar sua sada do pas, o resultado oenorme crescimento da dvida pblica in-terna. A dvida mobiliria federal, porexemplo, saltou de 62 bilhes de reais(1994) para 432 bilhes de reais (2000),

    em preos correntes de cada ano.A ntima ligao entre o crescimento dadvida interna e o crescimento dopassivoexterno (a includa a dvida e outras obri-gaes do pas em moeda estrangeira) ex-

    Em 1883, Machado de Assis escreveu uma de-liciosa crnica sobre a contratao de emprsti-

    mos pelo governo do Brasil junto aos banqueirosRothschilds em Londres (Crnicas de Llio, 2 desetembro de 1883). A percepo do nosso escri-tor era de que havia sido feito um mal negcio,visto que as comisses eram altas. Machado deAssis propunha, ento, que as autoridades bra-sileiras desembarcassem em Londres dizendoque tinham ido l simplesmente para empalharcrocodilos e que quando os senhoresRothschilds, abarrotados de dinheiro, propuses-sem algum emprstimo, a sim que se negocia-riam melhores condies de emprstimo.

    Talvez porque no leram Machado de Assis,as autoridades brasileiras tendem a fazer, de fato,pssimos negcios nas emisses de global bondscujos lanamentos tm sido utilizados pelo go-verno brasileiro para captar recursos diretamen-te no mercado financeiro internacional.

    O mercado financeiro internacional se carac-terizou no passado recente (1996-97) por umexcesso excepcional de liquidez, isto , por umadisponibilidade extraordinria de recursos paraemprstimos. A oferta de recursos era to eleva-da que o Banco Internacional de Compensaesna Basilia uma espcie de banco central debancos centrais , no seu relatrio anual de 1997,fez um alerta quanto aos riscos de contrao da

    Empalhando crocodilosoferta no futuro prximo e de inadimplncia dedevedores. O drama se repetiria por meio do ci-

    clo vicioso j observado vrias vezes na histria:excesso de dinheiro no mundo, endividamentodescontrolado por parte de governos oportunis-tas, pases com crescente vulnerabilidade exter-na, aumento do risco, contrao da oferta de re-cursos externos, crise cambial nos pases, cri-ses econmicas, sociais e polticas.

    A situao de liquidez empoada fez com quepraticamente todo ttulo que se pretendesse co-locar, por exemplo, em Nova York, fosse vendidocom certa facilidade. O problema sempre o pre-o. Esse exatamente o ponto que nos permite

    afirmar que, no lugar do sucesso estrondoso,reverberado por papagaios jactantes, o lana-mento dos global bondsbrasileiros foi, de modogeral, um fracasso.

    Tomemos os lanamentos de 1997. A taxa dejuro dos global bondsfoi de 10,125% e constaque os ttulos foram lanados com desgio, o queteria elevado a taxa de juros para 10,9%. Essataxa muito alta segundo qualquer parmetro.Ela foi quase o dobro da taxa de ttulos do gover-no da Alemanha e 50% maior do que a dos ttu-los do governo dos Estados Unidos com mesmamaturidade.

    Ademais, os global bondsforam trocados porttulos lanados em 1994 com taxas muito in-

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    feriores, a saber, par bonds (de 4% a 6%),discount bonds(Libor mais 13/16, isto , 6,5%),C-bonds(8%).

    E mais: se compararmos a taxa dos global

    bondscom aplicaes de longo prazo no Brasil,tambm chegaremos constatao de que esselanamento foi um problema grave. Se da renta-bilidade nominal dos global bondsdescontamosuma inflao de 2% nos EUA, a taxa de juro realdos bnus brasileiros comprados nos EUA de8,9%, enquanto a taxa de rentabilidade real (des-contada a variao cambial) da aplicao na ca-derneta de poupana no Brasil foi da ordem de6%. Isso significa, na prtica, que a dvida con-trada pelo governo Fernando Henrique no exte-rior tem um servio na forma de pagamento dos

    juros sobre os global bondsque , em termosreais, cerca de 50% maior do que a rentabilidadeda caderneta de poupana.

    A primeira impresso que estaramos, assim,violentando a situao bvia de que, em pasesricos em capital, a taxa de juros menor do queem pases pobres em capital. No nada disso,o fato que o governo Fernando Henrique acabapagando juros elevadssimos no mercado finan-ceiro internacional porque tem colocado o pasnuma trajetria de alto risco e tem poucacredibilidade internacional! De fato, s vsperasdo lanamento dos global bondsde 1997, a re-vista The Economist(22 de maro de 1997) clas-sificou o Brasil como o terceiro pas de maior ris-

    co dentre os pases em desenvolvimento, s sen-do precedido pelo Mxico e pela Rssia.

    O melhor indicador de que a taxa de juros dosbnus do Brasil muito alta o fato de que hou-

    ve um excesso de oferta de recursos para com-pra dos global bondsem 1997. Consta que parao lanamento de 3 bilhes de dlares houve umaoferta da ordem de 16 bilhes de dlares. Ao in-vs de ser um sinal de sucesso avassalador ou,ainda, de grande confiana da comunidade inter-nacional no governo, esse excesso de oferta re-fletiu o simples fato de que a oferta depende dopreo. Preo excessivamente alto significa umaoferta excepcionalmente elevada, isto , a taxaabsurdamente alta significou uma excepcionaloferta de capital externo (grande procura pelos

    ttulos brasileiros). A oferta de qualquer merca-doria est positivamente relacionada com o pre-o. Para saber disso no precisamos consultaraqueles que se extasiaram com o falso sucessoda emisso dos global bonds. Era melhor fazercomo Machado de Assis: Conversei mesmo comum barbeiro, que me provou a todas luzes que odinheiro mercadoria.

    Ainda seguindo a sugesto de Machado deAssis, o secretrio do Tesouro do Brasil, na pr-xima vez que for a Nova York para fazer mais umlanamento de global bonds, se o objetivo forpegar dinheiro mais barato, deve levar um croco-dilo para ser empalhado, e no papagaiosjactantes.

    plica por que o recente acordo entre o go-verno brasileiro e o FMI estipulou metasprecisas de supervit fiscal.

    Trata-se de garantir ao investidor estran-

    geiro que a dvida interna ser honrada.Caso contrrio, os portadores abandona-ro os ttulos do governo, transformaroseus reais em dlares e sairo do pas, ge-rando uma crise cambial.

    Para que isso no ocorra, o governofaz cortes nos gastos sociais e amplia acobrana de tributos e impostos. Noexiste limite para os gastos com a dvi-

    da. Em 2000, o Congresso aprovou umaLei de responsabilidade fiscal quepune o administrador pblico que nohonrar em primeiro lugar... o servio dadvida.

    Ao mesmo tempo que atrai capitais estran-geiros, a alta taxa de juros sobrecarrega aatividade das empresas e pessoas que ope-ram em reais. As grandes empresas, por sua

    vez, aproveitam o diferencial entre os jurosinternos e externos, tomando dinheiro em-prestado no exterior e aplicando-o no Brasil.

    importante destacar que, apesar de advida externa destas empresas ser priva-da, o conjunto da populao que pagapor ela. Em primeiro lugar, porque o Te-souro Nacional seu garantidor em ltimainstncia, diretamente ou indiretamente, por

    meio de ttulos pblicos com coberturacambial. Em segundo lugar, porque o es-foro de obter dlares para pagar tais dvi-das feito por todo o pas, submetido aosefeitos daninhos da alta taxa de juros.

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    Uma economia

    vulnervel

    Ao lado dos juros altos, a privatizaofoi importante na atrao de capitais es-trangeiros. O governo argumentava que asprivatizaes permitiriam o pagamento departe substancial da dvida interna, possi-bilitariam os investimentos que o Estadono conseguia mais viabilizar, alm demelhorar a qualidade dos produtos e ser-

    vios.Segundo o governo federal, de1991 a 1998 o pas teria arreca-dado 85 bilhes de reais com asprivatizaes. Clculos mostramque mesmo desconsiderandoos preos subavaliados e o im-pacto social negativo o gover-noperdeu pelo menos 87 bilhesde reais com as privatizaes.

    Embora tenha produzido umabatimento contbil na dvida interna, aprivatizao aumentou a dvida externa eo passivo externo do pas. Por exemplo,com os emprstimos contrados no exteri-or por empresas privadas que compraramestatais. o caso da Vale do Rio Doce, umadas maiores estatais brasileiras, que depoisde privatizada contraiu um emprstimo bi-

    lionrio nos Estados Unidos para partici-par da compra da Light, estatal de energiaeltrica.

    Alm da dvida externa, cresce tambmo passivo externo do pas: quando umaestatal vendida para proprietrios estran-geiros, os novos donos remetem lucros edividendos para o exterior, sem falar emoutras formas disfaradas de remessa decapitais. A remessa de lucros e dividen-dos para o exterior triplicou: de 9 bilhesde dlares, no perodo 1981-90, para 27,3bilhes de dlares no perodo 1991-99.

    A previso de que no ano de 2000 a re-messa lquida de lucros e dividendos sejade 5 bilhes de dlares.

    Alm disso, as ex-estatais passaram a

    comprar dos fornecedores habituais dosnovos proprietrios, o que aumentou asimportaes e, portanto, o dficit comer-cial. As controladoras estrangeiras vendemno mercado interno brasileiro (em reais)mas compram dos seus fornecedores ha-bituais no exterior (em dlares).

    Muitas empresas privadas tambm fo-ram vendidas para controladores estran-

    geiros, com um resultado similar ao dasprivatizaes: mais re-messa de lucros e maisimportaes.

    Com a abertura comer-cial (desde 1990) e com odlar valorizado (desde1994), o pas gerou umdficit comercial acumu-lado de 23,5 bilhes dedlares durante o primei-

    ro mandato de Fernando Henrique Cardo-so (1995-98). Essas importaes forampossveis graas ao fluxo de capitais es-trangeiros: o consumo presente em reais foi financiado por uma dvida futura em dlares (ver tabela 19, na p. 45).

    A inundao de importados, somada aosaltos juros, levou um grande nmero de

    empresas ao fechamento ou ao ajuste:demisses, ampliao da jornada de tra-balho, flexibilizao de direitos e redu-o salarial. Como parte do consumo foirealizado a crdito, o desemprego e o fe-chamento de empresas gerou tambm umaforte inadimplncia.

    Grande parte do capital estrangeiroque entrou no Brasil destinou-se espe-culao e aquisio de patrimnio jexistente, no resultando, portanto, emnovo investimento e crescimento econ-mico.

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    27 GONALVES & POMAR

    O governo brasileiro incentivou o cha-mado investimento estrangeiro direto, pormeio de subsdios e renncias fiscais. Ban-cos pblicos emprestaram dinheiro para

    que empresas estrangeiras comprassemnossas estatais. Na chamada guerra fiscal,governos estaduais emprestam dinheiro,doam terrenos e concedem iseno de im-postos para atrair empresas sediadas emoutras unidades da federao, benefician-do tambm empresas estrangeiras.

    Acontece que a maior parte das empre-sas beneficirias orienta suas vendas para

    o mercado interno (que no gera dlares),ao mesmo tempo que aproveita os recur-sos pblicos para especular, aumentar suamargem de lucro e remeter divisas para oexterior.

    Mais recentemente, o governo tem es-tudado a adoo de maiores incentivos sexportaes: as empresas exportadoras(turbinadas por subsdios pblicos) ven-dero ao Estado (a preos de mercado) osdlares obtidos na exportao, tornando-

    se detentoras de ttulos pblicos e, portan-to, credoras do mesmo Estado que as sub-sidiou.

    O efeito agregado dessas polticas tem

    sido: crise social, desemprego e outrasmedidas concentradoras de renda; redu-o dos investimentos pblicos; transfe-rncia patrimonial (do Estado e/ou de ca-pitalistas privados nacionais para gran-des capitalistas, geralmente estrangeirosou associados); e a vulnerabilidade daeconomia brasileira diante das crises in-ternacionais.

    A cada ano, para fechar as contas emdia, o governo paga o preo que o capitalestrangeiro exige, mesmo que isso impli-que cortar aposentadorias miserveis, con-centrar ainda mais a renda, privatizar asltimas estatais, colocar um conhecidoespeculador na presidncia do Banco Cen-tral e outro na presidncia do Banco Na-cional de Desenvolvimento Econmico eSocial (BNDES), aceitando sem contes-tao a orientao dos Estados Unidos.

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    Quem deve para quem?Em 1952, Alemanha e Israel concluram

    um acordo macabro: como indenizaopelo assassinato de 6 milhes de judeuspelos nazistas, entre 1933 e 1945, a Ale-manha pagaria o correspondente a 125 bi-lhes de dlares (valores atualizados).

    Se os pases endividados exigissem uma

    reparao pelo seqestro e assassinato demilhes de indgenas e negros durante ossculos de escravido, pelo roubo de ter-ras, pelo saque das riquezas naturais, pe-los desastres ecolgicos, pelas guerras,pelos golpes militares, pelo lixo cultural,pela especulao financeira... a indeniza-o a ser paga superaria em muito os 2trilhes de dlares quantia equivalente dvida externa atual do mundo em de-

    senvolvimento. importante lembrar disso quando fa-

    lamos da dvida: dependendo do critrio,

    Dia e noite vem de longe, branco e preto a trabalhar, e o dono, senhor detudo, sentado mandando dar, e a gente fazendo conta pro dia que vai

    chegar, e a gente fazendo conta pro dia que vai chegar.

    Aroeira, Geraldo Vandr.

    somos credores e no devedores. Mas,

    claro, o critrio que prevalece no governobrasileiro e nas instituies dominantes domundo (como o FMI, o Banco Mundial eo G7) outro: a dvida legtima, legal edeve ser paga.

    Foi esse o princpio adotado, nos anos80, pelo FMI, que viabilizou a rolagem dadvida, supondo que as reformas estrutu-rais propostas pelo Fundo normalizariam

    a situao.Em meados dos anos 80, comearam asurgir propostas que enfatizavam a redu-o/reestruturao parcial da dvida, comoforma de dar maior flego aos pases de-vedores. Essas propostas reconheciam oefeito danoso das polticas do FMI sobrea capacidade de gerao de divisas dos de-vedores; o surgimento de um mercado se-cundrio, em que os ttulos da dvida eram

    vendidos com um forte desgio; e a ne-cessidade de evitar um colapso financeirodos pases devedores, que poderia ter con-

    Por um milnio

    sem dvidas

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    O Grupo dos sete ou simplesmente G7, formado por Estados Unidos, Japo, Frana,Itlia, Inglaterra, Alemanha e Canad, os setepases mais ricos do mundo. Promoveperiodicamente reunies de cpula, paradefinir polticas econmicas e resolverconflitos polticos. s vezes a Rssiaparticipa das reunies; nessas ocasies, ogrupo denominado G8. O FMI, o BancoMundial, o G7, a Organizao Mundial doComrcio (criada em 1 de janeiro de 1995),a Organizao do Tratado do Atlntico Norte(OTAN) e o governo dos Estados Unidos soos pilares da atual ordem capitalistamundial.

    seqncias danosas sobre a economia in-ternacional, ainda que os bancos estives-sem mais protegidos do que no final dosanos 70.

    Alguns chegaram a defender o perdototal ou parcial da dvida, vinculado ado-o de reformas estruturais propostas peloFMI e limitado a casos de pases extrema-mente pobres, particularmente africanos.

    A renegociao e a reestruturao dasdvidas transformaram-nas em bnus co-mercializveis no mercado financeiro eabateram uma pequena parcela do estoque

    da dvida. O efeito sobre a situao dospases endividados foi mnimo.Hoje surgem propostas de escopo mais

    amplo, desde a Taxa Tobin at a de umanova arquitetura para a economia inter-nacional. Mesmo especuladores comoGeorge Soros advogam a necessidade decontrole sobre a especulao financeira,argumentando que sem reformas urgenteso capitalismo pode desembocar numa cri-se ainda mais grave que a atual.

    O grande problema para essas propos-tas reformistas reside no fato de os Esta-dos Unidos, que em tese seriam capazesde reformar o mercado mundial, seremtambm os maiores beneficirios da atualarquitetura. E para manter a ordem ogoverno norte-americano gasta, anual-

    mente, 278 bilhes de dlares com suasforas armadas. Repetindo: gastam todoano um valor superior dvida externa to-tal brasileira.

    A volta do cip de aroeira

    Mas, e se a dvida externa j tiver sidopaga diversas vezes, sendo seu crescimen-to fantstico, nos ltimos 20 anos, um atode agiotagem? (ver Tabela 20, na p. 46) Ese a dvida externa no for legtima nem

    legal?

    Os pilares da ordemcapitalista

    Em 1978, James Tobin, professor na Universi-dade de Yale e prmio Nobel de economia em1981, publicou seu artigo mais conhecido propon-do a criao de um tributo sobre as transaesde cmbio. Sua primeira contribuio sobre otema , no entanto, mais antiga. Ela remonta a1972, pouco tempo depois da dissoluo, por ini-ciativa unilateral dos Estados Unidos, em agostode 1971, do sistema de taxas de cmbio fixas,criado pelo tratado de Bretton Woods, em 1944.

    A Taxa Tobin serviu de base para a criao,em 3 de junho de 1998, na Frana, da Association

    A Taxa Tobinpour une Taxation des Transactions financirespour lAide aux Citoyens (Associao por umataxa sobre as transaes financeiras especulati-vas para ajuda aos cidados). A idia surgiu deum editorial do jornal Le Monde Diplomatique,intitulado Desarmar os mercados, publicado emdezembro de 1997. Hoje, a Attac um movimen-to internacional, com propsitos mais amplos queos originalmente vinculados Taxa Tobin. Segun-do Maria da Conceio Tavares, em geral, a es-

    querda no gosta da taxa Tobin porque pareceineficaz.

    Fonte: CHESNAIS, Franois. Tobin or not Tobin?. So Paulo, Edunesp/Attac, 1999.

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    Com o desenvolvimento do capitalismo indus-

    trial,

    ampliou-se o processo pelo qual o modelode desenvolvimento se sustenta pelo consumoda natureza (os recursos minerais e florestais, abiodiversidade, os solos, as guas etc.) e pelaexplorao do trabalho humano. Esse consumo,indiscriminado e praticamente gratuito, da natu-reza e do trabalho humano baseado na destrui-o e na exausto do meio ambiente e dos re-cursos naturais.

    O modelo dominante constri-se por meio doduplo movimento de opresso e superexploraode grande parte da humanidade e do meio natu-ral. Surgem da os conceitos de dvida social ede dvida ecolgica. O objeto dessa segundadvida pode ser definido como o patrimnio vitalda natureza, necessrio para seu equilbrio e suareproduo, que foi consumido e no restitudo aela. Esse patrimnio compreende tanto os re-cursos naturais como as condies ecolgicas(pureza do ar, da gua, da atmosfera etc.).

    Um grupo de cientistas norte-americanos con-seguiu listar 17 formas de servios que a natu-reza pode proporcionar ao homem: regulao

    hdrica, de gases, climtica e de distrbios fsi-cos, abastecimento de gua, controle de erosoe reteno de sedimentos, formao de solos,ciclo de nutrientes, tratamento de detritos,polinizao, controle biolgico, refgios de fauna,produo de alimentos, matria-prima, recursosgenticos, recreao e cultura. A durabilidadedos benefcios decorrentes da natureza ou, sese preferir, dos servios que ela presta huma-nidade, depende da manuteno dos processosecolgicos e da diversidade biolgica, postos emrisco pela explorao excessiva dos recursos

    naturais e pela destruio dos hbitats pelo ho-mem. Temos, portanto, uma enorme dvida paracom a natureza.

    A dvida ecolgicaMas, desde j, parece claro que o termo dvi-

    da no totalmente adequado. De um lado, anatureza no vai reclamar algo que lhe seria de-vido; de outro, a natureza no pode ser vista comoum negcio. Deve ser vista em seu conjunto comoa herana da humanidade, que precisa sermantida e manejada para garantir qualidade devida para hoje e para o futuro. Usamos todavia otermo dvida ecolgica na tentativa de definirresponsabilidades e abrir a possibilidade de pe-nalidades para os que transformaram essa he-rana da humanidade em base para a acumula-o privada desenfreada. Nessa perspectiva,como o capitalismo industrial dominante nospases do Norte, a dvida ecolgica basicamentede sua responsabilidade.

    Se h dvida, h credor e devedor. Se a natu-reza que foi afetada, ela a credora? A naturezapor si no tem voz nem fala, no pode declarar-se credora. So os seres humanos, certos seto-res sociais mais do que outros, que foram priva-dos destes recursos, que so credores em nomedela e em seu prprio. Em nome dela? Querdizer que a natureza tem direitos e que cobra-

    mos por ela esses direitos? O credor ambiental,de fato, a unidade socioambiental afetada poruma dvida ecolgica. H dvida ecolgica, porexemplo, porque a apropriao privada esgotouas reservas de minrio de ferro no entorno deBelo Horizonte ou de mangans na Serra do Na-vio, no Amap, deixando as serras e a florestaem estado de total desolao. O credor, dessaforma, a prpria serra, a prpria floresta? Pen-samos ser mais correto afirmar que os credoresso a populao de Belo Horizonte e os povosindgenas e os caboclos do Amap, afetados em

    sua qualidade de vida, em seu futuro e na possi-bilidade de usufruir corretamente seu patrimniocoletivo. No segundo caso, o estado do Amap

    As taxas de juros flutuantes e, posterior-mente, a capitalizao dos juros fizeramcom que o estoque da dvida crescesseenormemente, apesar de os pases deve-

    dores terem pago uma ou mais vezes oequivalente ao que lhes fora emprestado.

    O povo, que paga a conta, no foi con-sultado sobre o endividamento, contradogeralmente por ditaduras e/ou aprovadosem os trmites legislativos adequados.

    Parte do dinheiro foi gasto em projetosfaranicos e/ou que beneficiaram grande-mente os credores (por exemplo, por meiodas importaes casadas com emprsti-

    mos). Outra parte da dvida foi desviadapara corrupo, fuga de capitais e outrasfinalidades similares, de conhecimento doscredores.

    Com base nesses e em outros argumen-tos similares, surgiram propostas de no-

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    pagamento da dvida externa ou, pelomenos, de suspenso do pagamento, se-guida de auditoria, que verificaria o exa-to estado das contas, determinando o que

    pode/deve ser pago. No fundo destas pro-postas, est a idia de que a construo deum mundo de igualdade, ou pelo menosde menor desigualdade, passa por subver-ter os fundamentos econmicos e por in-verter o fluxo dos recursos mundiais, que

    e, por intermdio dele, o Brasil, so privados derecursos dos quais se poderia dispor estrategi-camente e que, de fato, foram esgotados para o

    enriquecimento de uma minoria.Pensemos, por exemplo, na Fazenda Cristali-na, no Par, propriedade da Volkswagen nosanos 70, onde foram derrubados e queimadosde uma s vez dezenas de milhares de hectaresde floresta amaznica. No a floresta que podegritar por reparos. O credor primeiramente apopulao diretamente afetada hoje, bem comoas geraes futuras, que esto sendo privadasdas alternativas oferecidas pelos recursos queno existem mais, j que os acontecimentos de30 anos atrs nos afetam hoje. Tambm o con-

    junto dos cidados, mesmo os que no foramatingidos diretamente pela frente pecuria queinvadiu a Amaznia nos anos 70, pode se sentirvtima e lesado na medida em que, preocupadocom o futuro do pas, perceba que o modelo im-plantado minou a possibilidade de promover naAmaznia um desenvolvimento que garanta jus-tia social sem destruir a enorme sociobiodiver-sidade da regio.

    O credor, alm disso, pode ser a instncia ins-titucional que representa os interesses dessa

    populao: o municpio, um conjunto de munic-pios, o Estado ou a Unio. E tambm, em umsentido mais profundo, embora no exista umainstncia institucional que possa responder porela, a prpria humanidade, pois as perdas danatureza a impedem de continuar a prestar osservios que so essenciais humanidade.

    Por todos esses motivos que dizemos que ocredor uma unidade socioambiental, assimcomo se poderia dizer que a dvida ecolgico-social.

    Quem o devedor? De um modo geral, po-

    deramos responder que so os consumidores,do Norte e do Sul, pois toda a destruio

    socioambiental se processa em nome de ummercado, ao mesmo tempo produtor e a serviode uma sociedade de consumo. Boa parte da

    humanidade assim culpada e/ou cmplice peladvida.O Norte consome mais, mas no basta res-

    ponder que os culpados so os pases industria-lizados, por causa de seu padro de produo econsumo. Ao culpabilizar apenas um modelo ge-ral de desenvolvimento, e vagamente um con-junto de pases ricos, dilumos as responsabili