ressurgimentoda indústria naval no brasil(2000-2013)

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Ressurgimento da Indústria Naval no Brasil (2000-2013) Editores Carlos Alvares da Silva Campos Neto Fabiano Mezadre Pompermayer

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  • Ressurgimento daIndstria Naval

    no Brasil (2000-2013)

    EditoresCarlos Alvares da Silva Campos NetoFabiano Mezadre Pompermayer

  • A forte retomada dos investimentos das indstrias naval, offshore e de navipeas a partir dos anos 2000 trouxe impactos importantes sobre a economia brasileira: forte gerao de emprego e renda; desenvolvimento de uma rede de fornecedores nacionais de insumos, peas e componentes; oportunidades para a expanso de processos de inovao e de novas tecnologias em produtos e processos; desenvolvimento e expanso do segmento de produo de plataformas de explorao e produo de petrleo e de gs offshore; implementao e ampliao de servios de cabotagem de leo bruto e derivados; aumento da capacidade de conquista de mercados externos; e efeitos significativos sobre a formao bruta de capital fixo, entre outros.

    Esse vigoroso ressurgimento da indstria naval motivou o Ipea a estudar e entender a trajetria recente desses importantes setores industriais. O principal foco, enquanto parte integrante da misso do instituto, consiste na anlise e na avaliao das polticas pblicas envolvidas no processo de retomada das indstrias naval, offshore e de navipeas, bem como na elaborao de propostas para seu aperfeioamento. A revitalizao destes segmentos envolve polticas industriais como a do Brasil Maior; empresariais como o Programa de Modernizao e Expanso da Frota de Navios Petroleiros da Transpetro/Petrobras (PROMEF); de financiamento como o Fundo de Marinha Mercante; e de capacitao de mo de obra como o Programa de Mobilizao da Indstria Nacional de Petrleo e Gs Natural (PROMINP).

    Nessa linha se apresenta este livro, organizado em dez captulos, alm de uma introduo e uma concluso. Trata-se de uma abordagem abrangente e profunda sobre vrios aspectos das indstrias naval, de navipeas e offshore.

    O primeiro captulo, Viso econmica da implantao da indstria naval no Brasil: aprendendo com os erros do passado, objetiva contextualizar os ciclos econmicos vis--vis as polticas especficas que buscaram desenvolver a indstria naval, desde o Plano de Metas (anos 1950) at as atuais. O captulo seguinte, intitulado A ver navios? A revitalizao da indstria naval no Brasil democrtico, visa analisar a poltica de revitalizao da indstria naval no pas desde meados dos anos 2000, sob a perspectiva de seu arranjo poltico-institucional.

    O captulo 3, denominado Investimentos e financiamento na indstria naval brasileira: 2000-2013, mostra como a participao da Petrobras vem sendo fundamental na retomada de nossa indstria naval. Sua atividade de produo de petrleo e gs offshore, juntamente com a deciso de contratar embarcaes produzidas no Brasil com porcentagens crescentes de contedo local, vem redinamizando o setor a partir do incio dos anos 2000. Os trs captulos subsequentes investigam, de maneira indita e com metodologias prprias, os setores fornecedores de bens e servios indstria naval ou de navipeas.

    Indstria naval: um cenrio dos principais players mundiais corresponde ao captulo 7 do livro, e apresenta um panorama do mercado internacional de construo naval, com nfase no mercado civil. Descrevem-se ali as particularidades da indstria naval mundial, e identificam--se as caractersticas dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) das empresas. O captulo se caracteriza por uma cuidadosa reviso da literatura e consulta a anlises especializadas de mercado.

    Em seguida, o captulo 8, Possibilidades de fomento s firmas de engenharia de projeto brasileiras voltadas para os projetos da indstria naval, avalia as necessidades e possibilidades de fomento a estas firmas, e tambm oferece um diagnstico capaz de orientar a formulao, implementao e avaliao de polticas de apoio que fortaleam o segmento. Conclui-se que a engenharia consultiva de projetos navais no Brasil tem grandes oportunidades para se desenvolver, dado seu amplo mercado potencial.

    Os dois ltimos captulos do livro so dedicados a estudos da incidncia tributria sobre a indstria naval, a saber: Tributao na indstria de construo naval brasileira: peso dos tributos sobre preo de navio-tanque e plataforma offshore; e, com base em comparaes internacionais, Estrutura de custos e tributao na indstria de construo naval: comparando Coreia do Sul, China e Brasil.

    Como desdobramentos para as polticas pblicas, a partir dos resultados obtidos neste livro, entende-se que tanto o financiamento facilitado quanto os incentivos a P&D e proteo do mercado domstico so polticas acertadas, na medida em que permitem o desenvolvimento das empresas brasileiras para atender a grande demanda da explorao de petrleo offshore. Avalia-se tambm que estas polticas tm incentivado as empresas brasileiras a promover o desenvolvimento tecnolgico que as tornar competitivas no mercado externo, percepo reforada pelo grande interesse dos fornecedores de equipamentos pelo setor naval. Porm, preponderante que estas polticas sejam reduzidas ao longo do tempo, de forma planejada e previsvel, para que os produtores se capacitem e se preparem para a concorrncia internacional.

  • Ressurgimento daIndstria Naval

    no Brasil (2000-2013)

    EditoresCarlos Alvares da Silva Campos NetoFabiano Mezadre Pompermayer

  • Governo Federal

    Secretaria de Assuntos Estratgicos da Presidncia da Repblica Ministro Marcelo Crtes Neri

    Fundao pbl ica v inculada Secretar ia de Assuntos Estratgicos da Presidncia da Repblica, o Ipea fornece suporte tcnico e institucional s aes governamentais possibilitando a formulao de inmeras polticas pblicas e programas de desenvolvimento brasi leiro e disponibi l iza, para a sociedade, pesquisas e estudos realizados por seus tcnicos.

    PresidenteSergei Suarez Dillon Soares

    Diretor de Desenvolvimento InstitucionalLuiz Cezar Loureiro de Azeredo

    Diretor de Estudos e Polticas do Estado, das Instituies e da DemocraciaDaniel Ricardo de Castro Cerqueira

    Diretor de Estudos e PolticasMacroeconmicasCludio Hamilton Matos dos Santos

    Diretor de Estudos e Polticas Regionais,Urbanas e AmbientaisRogrio Boueri Miranda

    Diretora de Estudos e Polticas Setoriaisde Inovao, Regulao e InfraestruturaFernanda De Negri

    Diretor de Estudos e Polticas Sociais, SubstitutoCarlos Henrique Leite Corseuil

    Diretor de Estudos e Relaes Econmicas e Polticas InternacionaisRenato Coelho Baumann das Neves

    Chefe de GabineteBernardo Abreu de Medeiros

    Assessor-chefe de Imprensa e ComunicaoJoo Cludio Garcia Rodrigues Lima

    Ouvidoria: http://www.ipea.gov.br/ouvidoriaURL: http://www.ipea.gov.br

  • Ressurgimento daIndstria Naval

    no Brasil (2000-2013)

    EditoresCarlos Alvares da Silva Campos NetoFabiano Mezadre Pompermayer Braslia, 2014

  • Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada ipea 2014

    As opinies emitidas nesta publicao so de exclusiva e inteira responsabilidade dos autores, no exprimindo, necessariamente, o ponto de vista do Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada ou da Secretaria de Assuntos Estratgicos da Presidncia da Repblica.

    permitida a reproduo deste texto e dos dados nele contidos, desde que citada a fonte. Reprodues para fins comerciais so proibidas.

    Ressurgimento da indstria naval no Brasil : (2000-2013) / editores: Carlos Alvares da Silva Campos Neto, Fabiano Mezadre Pompermayer. Braslia : Ipea, 2014. 480 p. : il., grfs. color.

    Inclui Bibliografia. ISBN: 978-85-7811-208-0

    1. Indstria Naval. 2. Construo Naval. 3. PolticasPblicas. 4. Poltica Industrial. 5. Inovaes Industriais. 6.Investimentos Industriais. 7. Brasil. I. Campos Neto, CarlosAlvares da Silva. II. Pompermayer, Fabiano Mezadre. III.Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada.

    CDD 623.80981

  • SUMRIO

    APRESENTAO .................................................................................................. 7

    INTRODUO .................................................................................................... 11

    CAPTULO 1VISO ECONMICA DA IMPLANTAO DA INDSTRIA NAVAL NO BRASIL: APRENDENDO COM OS ERROS DO PASSADO ....................................................... 31Josef BaratCarlos Alvares da Silva Campos NetoJean Marlo Pepino de Paula

    CAPTULO 2A VER NAVIOS? A REVITALIZAO DA INDSTRIA NAVAL NO BRASIL DEMOCRTICO .................................................................................. 69Roberto PiresAlexandre GomideLucas Amaral

    CAPTULO 3INVESTIMENTOS E FINANCIAMENTOS NA INDSTRIA NAVAL BRASILEIRA 2000-2013 .......................................................................... 109Carlos Alvares da Silva Campos Neto

    CAPTULO 4ANLISE DE VARIVEIS ECONMICO-FINANCEIRAS DA INDSTRIA DE NAVIPEAS ........................................................................... 151Carlos Alvares da Silva Campos NetoAlfredo Eric RommingerFabiano Mezadre Pompermayer

    CAPTULO 5PERFIL DE CAPACITAO E ACESSO S POLTICAS DE INOVAO DAS EMPRESAS DE NAVIPEAS.......................................................................... 183Jean Marlo Pepino de Paula

  • CAPTULO 6ANLISE DA ENQUETE SOBRE A ATUAO DAS EMPRESAS NO FORNECIMENTO DE BENS E SERVIOS INDSTRIA NAVAL ........................ 233Jos Mauro de MoraisCarlos Alvares da Silva Campos NetoFabiano Mezadre Pompermayer

    CAPTULO 7INDSTRIA NAVAL: UM CENRIO DOS PRINCIPAIS PLAYERS MUNDIAIS ............. 265Luis Claudio Kubota

    CAPTULO 8POSSIBILIDADES DE FOMENTO S FIRMAS BRASILEIRAS DE ENGENHARIA DE PROJETO DA INDSTRIA NAVAL .................................................................... 287Mrio Jos Barbosa Cerqueira Junior

    CAPTULO 9TRIBUTAO NA INDSTRIA DE CONSTRUO NAVAL BRASILEIRA: PESO DOS TRIBUTOS SOBRE PREO DE NAVIO-TANQUE E PLATAFORMA OFFSHORE ................................................................................ 333Marcello Muniz da Silva

    CAPTULO 10ESTRUTURA DE CUSTOS E TRIBUTAO NA INDSTRIA DE CONSTRUO NAVAL: COMPARANDO COREIA DO SUL, CHINA E BRASIL ................................. 401Marcello Muniz da Silva

    CONCLUSOPERSPECTIVAS DA INDSTRIA NAVAL BRASILEIRA CONSIDERANDO AS CAPACITAES E DEMANDAS DOMSTICAS E A CONCORRNCIA INTERNACIONAL ............................................................... 467Fabiano Mezadre PompermayerCarlos Alvares da Silva Campos NetoJos Mauro de Morais

  • APRESENTAO

    A forte retomada dos investimentos das indstrias naval, offshore e de navipeas a partir dos anos 2000 trouxe impactos importantes sobre a economia brasileira: forte gerao de emprego e renda; desenvolvimento de uma rede de fornecedores nacionais de insumos, peas e componentes; oportunidades para a expanso de processos de inovao e de novas tecnologias em produtos e processos; desenvolvimento e expanso do segmento de produo de plataformas de explorao e produo de petrleo e de gs offshore; implementao e ampliao de servios de cabotagem de leo bruto e derivados; aumento da capacidade de conquista de mercados externos; e efeitos significativos sobre a formao bruta de capital fixo, entre outros.

    Esse vigoroso ressurgimento da indstria naval motivou o Ipea a estudar e entender a trajetria recente desses importantes setores industriais. O principal foco, enquanto parte integrante da misso do instituto, consiste na anlise e na avaliao das polticas pblicas envolvidas no processo de retomada das indstrias naval, offshore e de navipeas, bem como na elaborao de propostas para seu aperfeioamento. A revitalizao destas indstrias envolve polticas industrial como a do Brasil Maior; empresariais como o Programa de Modernizao e Expanso da Frota de Navios Petroleiros da Transpetro (PROMEF), da Transpetro/Petrobras; de financiamento como o Fundo de Marinha Mercante; e de capacitao de mo de obra como o Programa de Mobilizao da Indstria Nacional de Petrleo e Gs Natural (PROMINP).

    Nessa linha se apresenta este livro, organizado em dez captulos, alm de uma introduo e concluses. O primeiro deles, Viso econmica da implantao da indstria naval no Brasil: aprendendo com os erros do passado, objetiva contextualizar os ciclos econmicos vis--vis as polticas especficas que buscaram desenvolver a indstria naval, desde o Plano de Metas (anos 1950) at as atuais. O captulo seguinte, intitulado A ver navios? A revitalizao da indstria naval no Brasil democrtico, visa analisar a poltica de revitalizao da indstria naval no pas desde meados dos anos 2000, sob a perspectiva de seu arranjo poltico-institucional. Para avaliar as capacidades polticas e tcnico-administrativas do arranjo foi elaborada uma comparao entre o arranjo poltico-institucional experimentado pela indstria naval entre as dcadas de 1960 e 1980, marcadas por um desenvolvimentismo burocrtico-autoritrio, e o atual arranjo, vivido em um contexto democrtico ps-1988.

    O captulo 3, denominado Investimentos e financiamento na indstria naval brasileira: 2000-2013, mostra como a participao da Petrobras vem sendo fundamental na retomada de nossa indstria naval. Sua atividade de produo de petrleo e gs

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    offshore, juntamente com a deciso de contratar embarcaes produzidas no Brasil com percentuais crescentes de contedo local, redinamizou o setor a partir do incio dos anos 2000.

    Os trs captulos subsequentes investigam os setores fornecedores de bens e servios indstria naval ou de navipeas. Dessa forma, o quarto captulo, Anlise de variveis econmico-financeiras da indstria de navipeas, apresenta uma srie de dados obtidos a partir da Pesquisa Industrial Anual do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (PIA/IBGE) para caracterizar tanto a indstria naval como a de seus fornecedores, com base no cadastro do Catlogo Navipeas da Agncia Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) e da Organizao Nacional da Indstria do Petrleo (ONIP). Na verdade, as chamadas empresas de navipeas no se caracterizam por um setor especfico de atividade: pertencem a vrios ramos, o que dificulta a obteno de dados econmicos com base nas estatsticas oficiais. Portanto, a partir do cadastro do Catlogo Navipeas buscou-se comparar, na dcada de 2000, o desempenho da indstria naval com o das empresas de navipeas, e com o dos ramos de atividades em que estas se inserem.

    O captulo 5, com base no entendimento de que a competitividade internacional da indstria naval depende em grande parte da capacitao tcnica e de gesto dos estaleiros e dos fornecedores de navipeas, avaliou o capital intelectual presente nas empresas brasileiras de navipeas. Infere-se que h grande heterogeneidade entre estas empresas, o que favoreceria a formao de uma estrutura verticalizada no setor segundo a qual alguns fornecedores concentrariam a relao de suprimento para os estaleiros, agregando os insumos dos demais fornecedores em equipamentos mais complexos.

    Nesse sentido, o captulo seguinte, sob o ttulo Anlise da enquete sobre a atuao das empresas no fornecimento de bens e servios indstria naval, objetiva complementar e ampliar as informaes e constataes obtidas com as anlises anteriormente realizadas, por meio de questionrio designado Pesquisa NAVIPEAS, elaborado pelo Ipea com a colaborao da ABDI, da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), do Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social (BNDES), do Servio Brasileiro de Apoio s Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e do Ministrio do Desenvolvimento, Indstria e Comrcio Exterior (MDIC). O questionrio apresentou s empresas diversas questes relativas atuao no for-necimento de bens e servios indstria naval, o que permitiu o aprofundamento da anlise das firmas classificadas como pertencentes categoria navipeas, tendo por base as empresas pertencentes ao Catlogo Navipeas.

    Indstria naval: um cenrio dos principais players mundiais corresponde ao captulo 7 do volume, e apresenta um panorama do mercado internacional de construo naval, com nfase no mercado civil. Descrevem-se ali as particularidades

  • 9Apresentao

    da indstria naval mundial, e identificam-se as caractersticas dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) das empresas. O captulo se caracteriza por uma cuidadosa reviso da literatura e consulta a anlises especializadas de mercado.

    Em seguida, o captulo 8, Possibilidades de fomento s firmas de engenharia de projeto brasileiras voltadas para os projetos da indstria naval, avalia as necessidades e possibilidades de fomento a estas firmas, e tambm oferece um diagnstico capaz de orientar a formulao, implementao e avaliao de polticas de apoio que fortaleam o segmento. Conclui-se que a engenharia consultiva de projetos navais no Brasil tem grandes oportunidades para se desenvolver, dado seu amplo mercado potencial. Porm, ressalta-se que a boa capacitao da engenharia consultiva nacional no devidamente aproveitada para projetos bsicos, nos quais as questes tecnolgicas e sinergias com produtores de equipamentos locais poderiam ser potencializadas, vindo a contribuir fortemente para o desenvolvimento e aprimoramento da cadeia de navipeas nacional.

    Os dois ltimos captulos do livro so dedicados a estudos sobre a incidncia tributria sobre a indstria naval, a saber: Tributao na indstria de construo naval brasileira: peso dos tributos sobre preo de navio-tanque e plataforma offshore; e, com base em comparaes internacionais, Estrutura de custos e tributao na indstria de construo naval: comparando Coreia do Sul, China e Brasil.

    Em suma, deduz-se serem muito alvissareiras as perspectivas para a indstria naval brasileira nos prximos trinta anos, com destaque para os segmentos de construo de embarcaes de apoio martimo, plataformas de produo, e sondas de perfurao todos com muita tecnologia embarcada.

    Sergei Suarez Dillon SoaresPresidente do Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada (Ipea)

  • INTRODUO

    O vigoroso ressurgimento da indstria naval nos anos 2000 motivou o Ipea a estudar e entender o que vem ocorrendo com este importante setor industrial. O foco principal, como parte integrante da misso da instituio, promover a anlise e a avaliao das polticas pblicas envolvidas neste processo de retomada das indstrias naval e offshore de navipeas, bem como oferecer sugestes para seus aperfeioamentos. A revitalizao destas indstrias envolve polticas industrial (como a do Brasil Maior), empresariais (como o Programa de Modernizao e Expanso da Frota de Navios Petroleiros PROMEF da Transpetro/Petrobras), de financiamento (como o Fundo de Marinha Mercante FMM) e de capacitao de mo de obra (como o Programa de Mobilizao da Indstria Nacional de Petrleo e Gs Natural PROMINP).1 Em torno deste propsito, este livro apresenta dez captulos e uma concluso, que resultam de extenso trabalho de pesquisa dos autores em torno da indstria naval.

    Ao longo do desenvolvimento da pesquisa, algumas parcerias importantes foram firmadas. Para o estudo do setor de fornecedores de bens e servios indstria naval e offshore setor de navipeas , utilizou-se da base de dados de firmas do Catlogo Navipeas, organizado pela Agncia Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) em parceria com a Organizao Nacional da Indstria do Petrleo (ONIP) e com o apoio do Sindicato Nacional da Indstria da Construo e Reparao Naval e Offshore (Sinaval). Por meio do acesso aos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE), tambm foi possvel trabalhar com as variveis econmico-financeiras disponveis na Pesquisa Industrial Anual (PIA) e na Relao Anual de Informaes Sociais do Ministrio do Trabalho e Emprego (Rais/MTE).

    Para complementar e ampliar as informaes e constataes obtidas com as anlises anteriormente realizadas, o captulo 4 apresenta os resultados de um questionrio que o Ipea elaborou e aplicou,2 com a colaborao da ABDI, da Agncia Brasileira da Inovao (FINEP), do Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social (BNDES), do Servio Brasileiro de Apoio s Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e do Ministrio do Desenvolvimento, Indstria e Comrcio Exterior (MDIC).

    Os captulos 8, 9 e 10, por sua vez, contaram com a valiosa participao de consultores, viabilizada por meio do contrato de emprstimo com o Banco Interamericano

    1. Dentro do PROMINP, h o Plano Nacional de Qualificao Profissional, que j formou mais de 90 mil pessoas em 185 categorias profissionais.2. Aqui designado por Pesquisa Navipeas.

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    de Desenvolvimento (BID) que financia o Programa Ipea Pesquisa. Assim, os diferentes captulos so sumarizados a seguir.

    O captulo 1, Viso econmica da implantao da indstria naval no Brasil: aprendendo com os erros do passado, de autoria de Josef Barat, Carlos Campos Neto e Jean Marlo de Paula, contextualiza os ciclos econmicos em face das polticas especficas que buscaram desenvolver a indstria naval desde o Plano de Metas (anos 1950) at as polticas atuais (2012). Para tanto, como introduo geral, o captulo mostra que a anlise da recuperao e das perspectivas de expanso da indstria naval no pode ser dissociada da anlise mais ampla da evoluo das infraestruturas, em geral, e das de logstica e transporte, em particular.

    Esse captulo mostra que, entre 1980 e meados dos anos 2000, ocorreu uma degradao continuada das infraestruturas em geral. No perodo houve muita expanso no planejada, obras interrompidas e que sofreram depreciao pela interrupo. Estas prticas puderam ser constatadas com certa frequncia. Portanto, foi um perodo de deteriorao do patrimnio construdo ao longo de dcadas, principalmente aquele que foi implantado por meio de investimentos pblicos entre os anos 1950 e 1980. Foram significativos como fatores que contriburam para o declnio da indstria naval a degradao dos portos, o declnio acentuado na participao da navegao de cabotagem no transporte de mercadorias, e a reduo da participao da bandeira nacional na navegao de longo curso.

    A segunda seo do captulo 1 trata da influncia dos ciclos econmicos sobre a forma de financiamento e de propriedade das infraestruturas, tais como o ciclo liberal entre 1880 e 1930, no qual a finalidade de se implantar ferrovias, instalaes porturias ou usinas hidreltricas era a de atender s necessidades de exportao do pas. As infraestruturas foram concedidas a sociedades annimas em geral estrangeiras que investiram e exploraram estes servios, sendo os critrios de retorno do capital investido definidos por interesses de investidores externos.

    No perodo de cinquenta anos seguintes (1930-1980), o pas fez a transio de uma economia aberta voltada ao exterior para uma economia fechada, voltada para o que viria a se constituir gradualmente em um importante mercado interno. O Brasil entrou, assim, no ciclo da industrializao intensiva baseado na substituio de importaes. A implantao e a explorao de infraestruturas voltaram-se para o atendimento de uma economia que se industrializava aceleradamente. O processo decisrio baseou-se em outra lgica, marcada pela predominncia do setor pblico e orientada no pelo mercado em si, mas por um padro poltico estatal-desenvolvimentista.

    Entre 1980 e 2000, verificou-se uma progressiva reduo da presena do Estado e, em alguns casos, at mesmo sua omisso na tarefa de prover e manter servios essenciais. A drstica limitao na capacidade de investimento por parte

  • 13Introduo

    do Estado, tanto para retomar a qualidade dos servios pblicos como para as suas expanses de capacidade, explica, em grande parte, o processo de deterio-rao contnua das infraestruturas do pas e os flagrantes descompassos frente ao crescimento da demanda.

    Por fim, permanece em aberto a questo sobre qual seria o papel do Estado. Ou seja, que Estado se quer e qual seu papel neste novo ciclo da histria brasileira? Trata-se de questo extremamente complexa, uma vez que, ao surgir uma crise internacional, aponta-se a liberdade excessiva do mercado e ressalta-se a necessi-dade de um Estado mais forte. Mas, se o Estado excessivamente fortalecido e intervencionista, criam-se obstculos ao livre desenvolvimento do mercado e, mais adiante, corre-se o risco da volta a um passado que deixou marcas profundas de descontrole das contas pblicas, desperdcio, ineficincia e corrupo, acabando por estancar o crescimento.

    Na sequncia, o captulo apresenta uma viso histrica da implantao da indstria naval no Brasil. Mostra que, em termos conceituais, as preocupaes com o desenvolvimento da Marinha Mercante nacional e a formulao de polticas para o setor surgiram em 1941, no governo Vargas, com a criao da Comisso de Marinha Mercante (CMM). Entretanto, s dezessete anos mais tarde no governo Kubistchek foram tomadas medidas concretas para o desenvolvimento do sistema porturio e a ampliao da frota nacional de navios mercantes. Foi na segunda metade dos anos 1950 que se concretizaram os esforos para a recuperao da navegao de cabotagem e dos portos, por meio de duas iniciativas importantes tomadas pelo governo federal em 1958: i) criao do Fundo de Desenvolvimento da Marinha Mercante (FDMM), visando fomentar o desenvolvimento da navegao e da construo naval; e ii) criao do Fundo Porturio Nacional (FPN), visando dar sustentao, no longo prazo, aos investimentos nos portos.

    Nessa fase, reconhecendo as dificuldades iniciais dos estaleiros nacionais para competir com os estrangeiros o preo da construo no Brasil seria maior do que o internacional , a legislao estabeleceu um prmio para cobrir a diferena, que seria pago pelo fundo. Tratava-se, evidentemente, de um subsdio construo naval nacional, o que, na poca, no era muito diferente do que ocorria no resto do mundo.

    O problema, no entanto, que o ciclo estatal-desenvolvimentista esgotou-se, demonstrando a incapacidade de se prosseguir neste modelo. No caso da indstria naval especificamente, a incapacidade foi agravada pelo fato de a Superintendncia Nacional de Marinha Mercante (Sunamam) no ter tido competncia para conduzir os programas de renovao da frota e de construo naval. Alm de srios problemas de corrupo, houve inmeras falhas administrativas e ausncia

  • 14 Ressurgimento da Indstria Naval no Brasil (2000-2013)

    de polticas pblicas e diretrizes orientadoras, o que fez com que o projeto de se ter uma pujante indstria naval fracassasse.

    Como erros do passado, o captulo mostra que, na verdade, os subsdios e facilidades governamentais foram desperdiados por armadores e estaleiros, com a complacncia da Sunamam. Os estaleiros no investiram em sua modernizao e os armadores no souberam reagir s mudanas externas, desprezando a revoluo tecnolgica que ocorreu no setor. Alm disto, governo e armadores no souberam definir as mudanas que seriam necessrias para manter a frota competitiva no longo curso e, no caso da cabotagem, uma eficiente relao com os demais modais de transporte. No caso da cabotagem, inclusive, a baixa eficincia dos portos mal administrados, sem equipamentos adequados e sujeitos a injunes polticas contribuiu significativamente para seu declnio.

    Embora o subsdio tenha sido imprescindvel naquele momento histrico, teria sido imperativa, no caso da indstria naval, a imposio de contrapartidas aos benefcios concedidos, de forma que, vencida a etapa inicial, os estaleiros pudessem ter se tornado cada vez mais competitivos e menos dependentes da proteo oficial. Obviamente, o grau de protecionismo adequado deve ser sempre avaliado e ajustado s circunstncias correntes. A questo hoje num quadro de economia aberta e que busca competitividade em escala mundial saber em que marco institucional e de financiamento se daro a recuperao e expanso da indstria naval brasileira.

    O captulo termina fazendo uma breve apresentao das atuais polticas e programas que envolvem o setor naval brasileiro. So eles o Plano Nacional de Logstica e Transportes (PNLT) lanado em 2007 e revisado bianualmente; o Programa de Acelerao do Crescimento PAC 1 (2007) e PAC 2 (2011); a Poltica de Desenvolvimento Produtivo (PDP), implementada em 2008, que d grande importncia ao mercado interno, nos seguimentos offshore e de cabotagem, sendo que o setor naval conta com a desonerao do investimento; e o Plano Brasil Maior (2011), que, em sua estrutura administrativa, conta com o Comit Executivo de Petrleo, Gs e Naval, selecionado por sua grande capacidade de transformao da estrutura produtiva, tanto em funo de seu poder de difuso de inovaes quanto devido ao encadeamento das relaes intersetoriais.

    O captulo 2, A ver navios? A revitalizao da indstria naval no Brasil democrtico, de Roberto Pires, Alexandre Gomide e Lucas Amaral, visa analisar a poltica de revitalizao da indstria naval no Brasil desde meados dos anos 2000 sob a perspectiva de seu arranjo poltico-institucional. Para avaliar as capacidades polticas e tcnico-administrativas do arranjo, foi elaborada uma comparao entre o atual arranjo, vivido em um contexto democrtico ps-1988, e o arranjo poltico-institucional da indstria naval entre as dcadas de 1960 e 1980, perodo marcado por um desenvolvimentismo burocrtico-autoritrio. Em 1980, ocor-

  • 15Introduo

    reu forte crise no setor, seguida de um declnio significativo na dcada de 1990, provocando a quase inexistncia desta indstria no pas, retomada nos anos 2000 com o apoio de iniciativas tais como o PROMINP, o Programa de Modernizao e Expanso da Frota (PROMEF) da Petrobras Transporte S.A. (Transpetro), e o Programa de Acelerao do Crescimento (PAC), frutos do ativismo estatal com vistas ao desenvolvimento do pas. O estudo buscou mapear os principais atores e processos da atual poltica da indstria naval brasileira, descrev-los na medida de sua importncia para o arranjo poltico-institucional que sustenta a sua im-plementao, bem como observar sua estruturao formal e seu funcionamento prtico. O objetivo do captulo entender como e em que medida o arranjo atual contribui (ou obstaculiza) a execuo da poltica voltada para a revitalizao da indstria naval no pas.

    Assim, pde-se identificar que o arranjo atual, quando comparado ao que vigorou no passado, apresenta maiores capacidades, tanto polticas quanto tcnico-administrativas. Alm disto, ao comparar o desenho formal do arranjo e sua operao prtica, verifica-se que, apesar de as novas capacidades polticas adquiridas encontrarem dificuldades na realizao plena do seu potencial, sua operao de fato tem criado oportunidades para a participao de um conjunto mais amplo de atores (polticos e sociais) na implementao da poltica, alm da publicizao e transparncia das informaes.

    certo que ainda cedo para uma avaliao compreensiva dos resultados das iniciativas de revitalizao da indstria naval no Brasil, pois ainda est em curso e com o tempo que se poder afirmar se os objetivos de estimular uma indstria nacional com competitividade internacional foram alcanados. No entanto, possvel tirar algumas concluses por meio da comparao entre o arranjo do passado e seus resultados com as caractersticas de operao do arranjo atual e os resultados observveis at o presente.

    O arranjo do passado era marcado pela concentrao das atividades de planeja-mento, gesto do Fundo de Marinha Mercante, tomada de decises e monitoramento de projetos na Sunamam, autarquia ligada ao Ministrio dos Transportes, a qual contava com ampla autonomia para execuo da poltica. verdade que, por um lado, esta concentrao de competncias facilitava a coordenao e a integrao das diversas etapas do processo, mas, por outro, sobrecarregava a agncia com tarefas que iam alm de sua capacidade tcnico-administrativa. Relatos histricos ressaltam deficit de capacidade na gesto dos planos, na avaliao e monitoramento dos projetos agraciados com financiamento pblico, e na gesto do FMM.

    Ademais, o arranjo do passado no dispunha de mecanismos de interao com atores polticos e sociais diretamente interessados (como sindicatos de trabalhadores e populaes locais afetadas) e outros atores burocrticos (como

  • 16 Ressurgimento da Indstria Naval no Brasil (2000-2013)

    rgos de controle, regulao etc.). Isto fazia com que a implementao da poltica corresse de forma insulada, envolvendo relaes pouco transparentes entre tcnicos da burocracia e empresrios do setor, prejudicando a publicizao de informaes e o acompanhamento pblico. Mesmo que no possam ser tomadas como causas nicas ou primordiais, tais caractersticas criaram condies e oportunidades para os desvios e m utilizao de recursos. No foram poucos os casos em que emprstimos foram concedidos a estaleiros j inadimplentes e que no tinham condies de executar os projetos. Alm disto, a precariedade do monitoramento da execuo dos financiamentos contribuiu para que muitos projetos no gerassem os frutos pretendidos, provocando prejuzos no desprezveis ao errio. Isto resultou em acusaes de locupletamento de autoridades governamentais, armadores e industriais, que derivaram em CPI no Congresso Nacional e a consequente extino da autarquia no final da dcada de 1980.

    Segundo os autores, diferentemente, o arranjo atual marcado pelo envolvi-mento de um conjunto de atores e pela desconcentrao de atribuies entre estes. Uma autarquia da administrao indireta no mais responsvel pelo planejamento setorial, tal como nos moldes do passado. O mecanismo de estmulo e coordenao das demandas do setor privado so as encomendas da Transpetro. As demais etapas do processo, envolvendo a avaliao de pedidos e tomada de deciso sobre finan-ciamentos, a gesto do FMM e o monitoramento da execuo financeira e fsica dos projetos encontram-se distribudas entre os atores envolvidos no arranjo. Isto , ainda que as avaliaes tcnicas dos pedidos de financiamento sejam respon-sabilidade do Departamento da Marinha Mercante, cabe ao Conselho Diretor do Fundo de Marinha Mercante tomar as decises finais sobre a priorizao de projetos. E tambm competem ao conselho o acompanhamento, verificao e aprovao das contas do FMM. O monitoramento, por sua vez, passa a ser conduzido por mltiplos atores DMM, agentes financeiros e Transpetro , garantindo que todos os projetos estejam sob a observao de distintos olhares. Finalmente, o risco das operaes passou a ser plenamente assumido pelos agentes financeiros, protegendo o errio no caso de eventual inadimplncia.

    No que tange s caractersticas do arranjo atual que lhe permitem maior capacidade poltica, destacam-se, como fatores de transparncia e abertura ao escrutnio pblico, o fato de o programa ter sido submetido discusso e aprovao do Senado, a atuao dos rgos de controle, e a participao de representantes dos sindicatos de trabalhadores e empresrios no CDFMM. Este conjunto de caractersticas faz com que, no contexto atual, a implementao da poltica ocorra envolvendo no s vrios atores e suas distintas capacidades, mas, sobretudo, sob a ateno e observao de atores governamentais (acompanhamento do PAC), rgos de Estado (CGU, TCU, Ibama3 etc.) e organizaes da sociedade civil (como

    3. Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis.

  • 17Introduo

    sindicados e associaes locais). Assim, somados os fatores associados ampliao das capacidades tcnico-administrativas e polticas, h razes para esperar que os recursos pblicos sejam mais bem aplicados, prevenindo desvios e a no execuo dos projetos financiados (rent-seeking), bem como a captura dos agentes pblicos pelos interesses privados, crticas comuns s iniciativas de interveno do Estado na economia ou de polticas pblicas de carter desenvolvimentista.

    O captulo 3, Investimentos e financiamento na indstria naval brasileira: 2000-2013, cuja autoria de Carlos Campos Neto, mostra como a participao da Petrobras est sendo fundamental na retomada da indstria naval brasileira. A sua atividade de produo de petrleo e gs offshore, juntamente com a deciso de contratar embarcaes produzidas no Brasil com percentuais crescentes de contedo local, redinamizou o setor naval brasileiro a partir do incio dos anos 2000. Um nmero expressivo que reflete esta retomada o de empregados com carteira assinada, que de meros 1.900 em 2000 passou para 71 mil em maro de 2013.

    Apesar de o PROMEF ser o programa mais difundido e conhecido da Petrobras (Transpetro), no to relevante em termos dos valores dos investimentos envolvidos: aproximadamente R$ 11,0 bilhes na contratao de 49 navios petroleiros. A caracterstica principal deste programa que os ativos, isto , os navios petroleiros, so de propriedade da Transpetro. Nos demais programas, os valores envolvidos so mais expressivos, mas as embarcaes so contratadas por afretamento pela Petrobras, no constituindo patrimnio da empresa.

    O primeiro plano lanado foi o Programa de Renovao e Expanso da Frota de Embarcaes de Apoio Martimo (Prorefam), que em suas fases 1, 2 e 3, ao todo, compreende a encomenda de 223 navios de apoio s plataformas, cujos investimentos foram estimados em aproximadamente R$ 16,7 bilhes, implicando despesas de custeio anual para a Petrobras com os afretamentos da ordem de R$ 4 bilhes. Em 2008, foi lanado o Programa EBN4 Petrobras, cujo objetivo foi contratar 39 navios petroleiros para fazer transporte por cabotagem (ao longo da costa brasileira) de petrleo e derivados. O seu modus operandi o mesmo do programa anterior, isto , a Petrobras no proprietria das embarcaes, mas afretadora. O Programa EBN Petrobras est com todos os contratos firmados, mas nenhuma embarcao foi entregue at setembro de 2013.Os valores envol-vidos nos investimentos somam cerca de R$ 7,6 bilhes e os custos operacionais de afretamento sero da magnitude de R$ 1,9 bilho por ano, quando os navios estiverem disposio da petroleira.

    O captulo tambm mostrou que a Petrobras contratou, junto empresa Sete Brasil, 29 navios-sonda, com tecnologia de ponta e produzidos no Brasil,

    4. EBN Empresa Brasileira de Navegao.

  • 18 Ressurgimento da Indstria Naval no Brasil (2000-2013)

    cujos investimentos foram estimados pelo estudo em aproximadamente R$ 54 bilhes, no qual as despesas operacionais (Opex) da Petrobras sero da ordem de R$ 11 bilhes por ano com os afretamentos. O trabalho tambm identificou a contratao para entrada em operao at 2018 de 22 plataformas de produo algumas integralmente construdas no Brasil, e outras, parcialmente , envolvendo investimentos na magnitude de R$ 54 bilhes e Opexanual de R$ 8,2 bilhes.

    Deve-se fazer meno ainda ao Programa de Desenvolvimento de Submarinos (PROSUB), a cargo da Marinha do Brasil (MB), envolvendo a construo de quatro submarinos convencionais modelo Scorpne (modelo francs) e um submarino de propulso nuclear, cujos investimentos somam R$ 13 bilhes. O primeiro submarino convencional Scorpne est previsto para ser entregue e entrar em operao em 2017, e o submarino de propulso nuclear, at 2022.

    Para atender a tantas encomendas de navios, sondas, plataformas e seus mdulos (e integrao), tornou-se necessria a construo de estaleiros em algumas regies do Brasil. Entre 2013 e 2014, esto previstos para entrar em operao dez estaleiros de grande e mdio portes, englobando investimentos da ordem de R$ 10,7 bilhes. Estes estaleiros esto sendo instalados em oito estados, que vo de Pernambuco ao Rio Grande do Sul. Vrios deles esto atraindo fornecedores de bens e servios, constituindo estruturas semelhantes a Arranjos Produtivos Locais. Atualmente o pas conta com 29 estaleiros considerados de grande e mdio portes, cuja capacidade instalada total de processamento de ao da ordem de 1,1 milho de toneladas por ano.

    Grande parte dessas embarcaes e estaleiros recebeu financiamento do Fundo de Marinha Mercante (FMM), por meio de seus agentes financeiros. Assim, a preos correntes, entre 2005 e 2012, o FMM desembolsou R$ 15,5 bilhes e arrecadou R$ 15,4 bilhes (receita lquida). Estes nmeros mostram que, at 2013, o FMM est com seu fluxo de caixa equilibrado. Porm, com a autorizao para que passe a financiar tambm navios-sonda, existe possibilidade de o fundo vir a requerer aporte de recursos do Tesouro Nacional. Destaca-se, ainda, que os contratos assi-nados pelo CDFMM, no mesmo perodo, totalizam R$ 41,7 bilhes.

    Por fim, os nmeros apresentados ao longo do captulo sobre as embarcaes contratadas e os valores envolvidos, juntamente com as estimativas das necessidades da Petrobras para atender ao seu Plano de Negcios e ao campo de Libra (primeiro do pr-sal leiloado pelo critrio da partilha, em 21 de outubro de 2013), permitem vislumbrar que o setor naval brasileiro tem uma rea frtil para atuar, no mnimo, pelos quinze anos vindouros. Ao final do livro, tem-se uma discusso mais aprofundada a respeito das perspectivas da indstria naval para as prximas dcadas.

    J o captulo 4, Anlise de variveis econmico-financeiras da indstria de navipeas, de autoria de Carlos Campos Neto, Alfredo Romminger e Fabiano

  • 19Introduo

    Pompermayer, desenvolveu uma metodologia prpria, utilizando a base de dados de firmas do Catlogo Navipeas, organizado pela Agncia Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) em parceria com a Organizao Nacional da Indstria do Petrleo (ONIP) e com o apoio do Sindicato Nacional da Indstria da Construo e Reparao Naval e Offshore (Sinaval). O fator mais relevante do catlogo para a realizao do estudo foi o de permitir o acesso ao CNPJ5 das firmas, possibilitando conseguir junto ao IBGE os dados relevantes para a anlise na PIA. Esta publicao rene informaes econmico-financeiras das firmas pesquisadas. A utilizao destes bancos de dados permite estimar as caractersticas estruturais bsicas dos diversos segmentos empresariais das atividades da indstria no pas, bem como acompanhar sua evoluo ao longo do tempo.

    O passo seguinte da metodologia foi fazer a identificao, pelo CNPJ das firmas do Catlogo Navipeas, da Classificao Nacional de Atividades Econmicas (CNAE), verso 1.0 (a trs dgitos), a qual cada firma pertence, de modo que foi possvel identificar, inicialmente, 561 empresas, em setenta classes CNAE dife-rentes. Assim, com o fornecimento dos dados pelo IBGE, montou-se a base para o perodo 2000 a 2010, com classificao CNAE a dois dgitos, de onze setores industriais (indstria de navipeas),6 congregando 263 empresas do Catlogo Navipeas, acrescido do setor de construo e reparao de embarcaes (indstria naval), esta CNAE a trs dgitos. Portanto, foi a partir da srie de dados obtidos da PIA/IBGE que se tornou possvel caracterizar tanto a indstria naval como a de seus fornecedores, com base no cadastro do Catlogo Navipeas.

    As chamadas empresas de navipeas no se caracterizam por um setor espe-cfico de atividade: pertencem a vrios ramos, o que dificulta a obteno de dados econmicos com base nas estatsticas oficiais. Desta forma, a partir do cadastro do Catlogo Navipeas, este trabalho buscou comparar o desempenho, na dcada de 2000, da indstria naval, das empresas de navipeas e dos ramos de atividades em que elas se inserem.

    Em linhas gerais, o que se observou foi um crescimento da indstria naval superior ao de navipeas. Este desempenho caracterizado tanto por maior aumento no pessoal ocupado na indstria naval como por maior elevao nas variveis econmico-financeiras, como receitas, custos e gastos com pessoal. At nos salrios houve crescimento na indstria naval, enquanto na de navipeas ocorreu reduo

    5. Cadastro Nacional de Pessoa Jurdica da Receita Federal/Ministrio da Fazenda.6. A saber: fabricao de produtos qumicos (CNAE 24); fabricao de artigos de borracha e de material plstico (CNAE 25); metalurgia bsica (CNAE 27); fabricao de produtos de metal exclusive mquinas e equipamentos (CNAE 28); fabricao de mquinas e equipamentos (CNAE 29); fabricao de mquinas, aparelhos e materiais eltricos (CNAE 31); fabricao de material eletrnico e de aparelhos e equipamentos de comunicaes (CNAE 32); fabricao de equipa-mentos para automao industrial, cronmetros e relgios (CNAE 33); fabricao e montagem de veculos automotores, reboques e carrocerias (CNAE 34); fabricao de outros equipamentos de transporte (CNAE 35); e fabricao de mveis e indstrias diversas (CNAE 36).

  • 20 Ressurgimento da Indstria Naval no Brasil (2000-2013)

    em termos reais. De fato, a indstria naval teve um crescimento excepcional na dcada passada, especialmente na primeira metade, recuperando-se de vrios anos de baixa atividade. natural que a indstria de navipeas no apresentasse taxas de crescimento semelhantes, j que no se encontrava em nveis de atividade to baixos quanto os da naval.

    De qualquer forma, os resultados de navipeas so bastante robustos. Com relao a pessoal ocupado, a mdia da indstria de navipeas cresceu cerca 10,1% ao ano entre 2000 e 2010, enquanto o setor de construo de embarcaes aumentou sua mo de obra ocupada total a taxas de 16,5% ao ano (a.a.). No caso da indstria de navipeas, o gasto de pessoal acompanhou o crescimento da mo de obra ocupada, crescendo taxa mdia anual de 7,7% para o total dos setores de navipeas e de 20,9% para o setor de construo de embarcaes. Entre 2000 e 2010, a receita total da indstria de navipeas cresceu aproximadamente 110% em termos reais, uma taxa de crescimento anual de 7,6%, embora a indstria naval tambm tivesse um crescimento significativo de sua receita total no perodo uma mdia de 19,5% a.a. No mesmo perodo, o valor bruto da produo industrial (VBPI) da indstria de navipeas cresceu taxa anual de 8,3% em valores reais; por sua vez, o custo das operaes industriais (COI) acompanhou o crescimento do VBPI, aumentando em 7,7% a.a. para indstria de navipeas e 17,5% a.a. para o setor de construo de embarcaes.

    Entre os ramos de atividade das empresas encontradas no Catlogo Navipeas, avaliou-se em mais detalhe aqueles potencialmente fornecedores de equipamentos essenciais s embarcaes. Este grupo foi chamado de setor navipeas restrito, que composto por cinco classes CNAE (a dois dgitos) e representa cerca de 70% da receita total da indstria de navipeas identificada no trabalho. Em 2010, os maiores ramos nesta varivel eram: fabricao de mquinas, aparelhos e materiais eltricos (CNAE 31), metalurgia bsica (CNAE 27), fabricao de produtos de metal (exclusive mquinas e equipamentos) (CNAE 28), fabricao de mquinas e equipamentos (CNAE 29), e fabricao de produtos qumicos (CNAE 24). Fato relevante foi a constatao de que a taxa de crescimento anual mdia do custo operacional (COI) foi de 8,2% e 9,3% para a receita bruta de vendas, implicando um aumento maior nos ganhos que nos custos para os setores selecionados, e indicando um aumento nas margens (da atividade industrial).

    Avaliou-se tambm o desempenho do setor navipeas restrito7 em relao aos respectivos ramos de atividade (na classificao CNAE) a que suas empresas pertencem. Com exceo da CNAE 24, o setor navipeas restrito apresentou taxas

    7. Em uma segunda etapa do estudo, faz-se um refinamento dos setores analisados, dos quais cinco so selecionados como mais representativos para uma anlise mais pormenorizada (CNAEs 2 dgitos). A estes cinco setores deu-se a denominao de setor navipeas restrito.

  • 21Introduo

    de crescimento superiores s dos setores completos. Por exemplo, entre as fornece-doras de navipeas, o grupo CNAE 31, que compreende a fabricao de mquinas, equipamentos e materiais eltricos, apresentou crescimento da receita de 7,9% a.a., em mdia, enquanto, para todas as empresas da CNAE 31, a taxa mdia foi de 6,0% a.a. Resultado semelhante ocorre para o pessoal ocupado nestes setores. No possvel afirmar que tal desempenho seja resultado do fornecimento para a indstria naval. Entretanto, um bom indcio de que se trata de empresas mais capacitadas que as demais em seus respectivos ramos de atividade, inclusive por buscarem a expanso de seus mercados, como para o atendimento da indstria naval.

    No captulo 5, intitulado Perfil de capacitao e acesso s polticas de inovao das empresas de navipeas, Jean Marlo de Paula inicia a discusso sobre o setor de navipeas, fornecedor de peas e servios para a construo naval. Conforme pde ser visto anteriormente, a reduzida capacidade administrativa e a presena dos subsdios pblicos desestimularam a indstria de construo naval a buscar maior competitividade. Esta lacuna resultou numa dependncia da expertise norueguesa, suprindo o mercado interno brasileiro com tecnologias utilizadas ao longo do ciclo de produo dos navios e participando ativamente nas etapas de projeto e construo. E com o desenvolvimento produtivo e tecnolgico das embarcaes, este setor passou a ter fundamental importncia e maior envolvimento no processo produtivo e no desenvolvimento de tecnologias para navios. Assim, com base no entendimento de que a competitividade internacional da indstria naval depende em grande parte da capacitao tcnica e de gesto dos estaleiros e dos fornecedores de navipeas, avaliou-se o capital intelectual presente nas empresas brasileiras de navipeas.

    Para isso, foi elaborada uma base de dados composta pelas informaes do Catlogo Navipeas, da Rais e sobre as empresas apoiadas pela FINEP. O fator relevante do catlogo para a organizao dos dados foi o acesso ao CNPJ das firmas, possibilitando coletar informaes junto ao IBGE sobre a quantidade e qualificao dos empregados em cada empresas catalogada.

    A partir destas informaes, foram agrupadas as empresas segundo a quan-tidade de empregados micro, pequenas mdias e grandes empresas , o tipo de item catalogado fornecido material ou servio e o acesso s polticas pblicas para inovao os fundos setoriais, a Lei do Bem, os projetos reembolsveis que envolvem crditos concedidos pela FINEP para atividades de P&D e parcerias com grupos de pesquisa cadastrados no CNPq.8 Adicionalmente, identificam-se na bibliografia as sees da Classificao Nacional de Atividades Econmicas (CNAE), a trs dgitos, e caractersticas do setor frequentemente citadas como relevantes para a construo naval. A partir destas informaes, as empresas da amostra so

    8. CNPq: Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico, vinculado ao Ministrio da Cincia, Tecnologia e Inovao (MCTI).

  • 22 Ressurgimento da Indstria Naval no Brasil (2000-2013)

    agrupadas segundo quatro aspectos: i) a importncia na cadeia produtiva; ii) a neces-sidade e potencial para investimentos em inovao; iii) o custo na embarcao; e iv) o custo/benefcio para desenvolvimento nacional. Assim, as empresas presentes na base de dados do Catlogo Navipeas foram comparadas entre si e, no caso das empresas que atuam nas CNAEs relevantes, com as demais empresas da indstria brasileira dos respectivos segmentos.

    Os resultados mostraram que as empresas que compem o Catlogo Navipeas acumulam um tempo mdio de estudo dos empregados acima da mdia das firmas brasileiras. Entretanto, ressalta-se que a divergncia entre o tempo de estudo nas firmas e as propores de empregados qualificados, principalmente nas micro e pequenas empresas, pode espelhar as informaes sobre os proprietrios e dirigentes destas no primeiro caso, superestimando a capacitao dos demais empregados.

    Apesar de observar uma maior atividade tecnolgica das firmas catalogadas por meio da considervel quantidade de firmas parceiras de grupos de pesquisas do CNPq , destaca-se que a heterogeneidade caracterstica das navipeas faz com que as propores medianas de empregados de nvel superior e tcnico-cientfico da amostra, na maioria dos estratos analisados, sejam inferiores ao setor eltrico, considerado ativo tecnologicamente.

    Em seguida, para contribuir com a discusso sobre o arranjo da cadeia de navipeas, destaca-se ainda que mais de 60% dos itens catalogados so fornecidos por pouco mais de 10% das firmas catalogadas. Embora estas empresas se distingam na amostra de fornecedores pelas maiores propores de empregados com nvel superior e tcnico-cientfico, estes indicadores permaneceram inferiores ao esperado para setores ativos tecnologicamente.

    Com a identificao dos aspectos relevantes e das propores de empregados segundo a escolaridade, esperava-se que as empresas associadas a um maior nmero de aspectos relevantes para a construo de navios apresentassem uma maior proporo de empregados mais qualificados. Entretanto, esta expectativa no se confirmou. As firmas associadas concomitantemente a trs aspectos relevantes apresentaram as menores propores de empregados com nvel superior e tcnico-cientfico da amostra. Alm disso, as empresas catalogadas e associadas a quatros aspectos rele-vantes apresentaram propores menores de empregados tcnico-cientficos quando comparadas com as demais firmas da indstria brasileira nas respectivas CNAEs.

    A mesma comparao foi realizada para as demais empresas associadas s CNAEs relevantes para a construo naval. O desempenho mediano na proporo de empregados com nvel superior e aqum na proporo de pessoal tcnico-cientfico nos segmentos associados a quatro aspectos, conforme citado, denota certa fragilidade na capacitao das empresas catalogadas.

  • 23Introduo

    Assim, esses resultados indicam que as caractersticas do grupo de empresas presentes no Catlogo Navipeas favorecem a formao de uma estrutura verti-calizada no setor de navipeas principalmente nos itens mais relevantes de uma embarcao ou enfatizam a necessidade de maior capacitao das empresas caso optem pela franca participao no mercado de construo naval por meio de uma estrutura horizontal de produo. Na Europa, a organizao vertical do setor coloca empresas com maiores capacitaes no topo da hierarquia, intermediando o processo de construo de embarcaes entre os estaleiros e as empresas menos capacitadas. Tal estrutura associada a uma estratgia de aquisio de materiais em larga escala e centralizada proporcionou aos estaleiros europeus uma economia de at 17% nestes itens.

    O captulo 6, Anlise da enquete sobre a atuao das empresas no fornecimento de bens e servios indstria naval, que tem como autores Jos Mauro de Morais, Carlos Campos Neto e Fabiano Pompermayer, objetiva complementar e ampliar as informaes e constataes obtidas com as anlises anteriormente realizadas, por meio de um questionrio que o Ipea elaborou,9 designado Pesquisa Navipeas. O questionrio apresentou s empresas diversas questes relativas atuao no fornecimento de bens e servios indstria naval. Portanto, o captulo permitiu o aprofundamento da anlise das firmas classificadas como pertencentes categoria navipeas, tendo por base as empresas pertencentes ao Catlogo Navipeas.

    Para facilitar a anlise e a apresentao, as perguntas foram divididas em trs grandes blocos. No intuito de melhor compreender a viso dos empresrios a respeito do setor, uma primeira srie de questes aplicadas foi de carter mais geral acerca da estrutura da indstria de navipeas, da competitividade da firma em relao aos mercados em que atuam, e de como fatores macroeconmicos e de infraestrutura bem como as regulaes ambientais e trabalhistas do pas interferem nos negcios. Para tanto, se questionou a respeito da competitividade da empresa; da competitivi-dade do produto das empresas no mercado; da competitividade dos seus negcios; e dos aspectos macroeconmicos, regulatrios e de infraestrutura como causadores de impacto competitividade das firmas. Os principais resultados apontam a mo de obra (custo e qualidade) como principal fator externo de competitividade para a empresa. Para competitividade de seus produtos, destacam-se o custo e a adequao s especificaes tcnicas demandadas. Nas questes macroeconmicas, a grande maioria considera a carga tributria e a regulao trabalhista como os principais fatores que dificultam os negcios das empresas. Foi relativamente surpreendente a viso do empresariado do ramo de navipeas quanto questo relativa estrutura da indstria brasileira em comparao com padres internacionais, segundo a qual mais da metade considera no haver diferenas significativas.

    9. A elaborao deste questionrio contou com a colaborao da ABDI, da FINEP, do BNDES, do SEBRAE e do MDIC.

  • 24 Ressurgimento da Indstria Naval no Brasil (2000-2013)

    Na segunda srie de questes aplicadas, tratou-se mais detidamente da carac-terizao do negcio navipeas. Um aspecto importante refere-se participao do negcio navipeas na receita total das empresas, muito baixo, apesar de crescente entre 2007 e 2011. Outra pergunta foi sobre o destino dos bens e servios fornecidos pela indstria de navipeas indstria naval e offshore, na qual se descobriu que o segmento offshore responde atualmente por expressivos 46,7% da demanda das firmas desta indstria. Destaque-se que praticamente todas as empresas (98,6%) responderam ter a inteno de aumentar sua atuao em navipeas, e que 52,5% das empresas competem em preo, prazo e qualidade com as firmas internacionais, sendo 15,9% exportadoras destes produtos/servios.

    Por fim, a terceira seo do questionrio foi dedicada s perguntas relativas s polticas pblicas necessrias expanso da produo da indstria de navipeas. Descobriu-se que as firmas, de modo geral, desconhecem ou pouco utilizam as polticas pblicas de apoio disponveis. Assim, quando perguntadas sobre o acesso s polticas de fomento Pesquisa, Desenvolvimento e Inovao (P&D&I), em uma relao de dez programas pblicos, em mdia, 54,4% das firmas afirmam que os desconhecem. No que respeita ao acesso a polticas de financiamento diferen-ciado ao investimento, tambm se constata que 48,1% das firmas de navipeas, em mdia, no conhecem os dez programas disponveis. Por fim, com relao ao acesso a instrumentos de incentivo tributrio e aduaneiro, as respostas a esta questo chamam mais ateno pelo nmero de empresas que responderam negativamente que pela utilizao dos instrumentos de incentivos: 90% das firmas disseram no conhecer os instrumentos, no ter interesse ou no os utilizar.

    O captulo 7, Indstria naval: um cenrio dos principais players mundiais, de autoria de Luis Cludio Kubota, tem como objetivo apresentar um panorama do mercado internacional de construo naval (CN), com nfase no mercado civil. A partir de uma reviso de literatura e de consulta a anlises especializadas de mer-cado, o captulo apresenta uma descrio das particularidades da indstria naval mundial e identifica as caractersticas dos investimentos em P&D das empresas.

    Uma das principais caractersticas do mercado naval a forte dependncia dos ciclos econmicos, por meio de diversos mecanismos. No entanto, o mais relevante deles o preo dos fretes no mercado internacional. As oscilaes no preo do frete associadas ao longo ciclo de produo de um navio e a necessidade de escala de produo tornam peculiar a produo de embarcaes. Alm destes fatores, questes estratgicas, como a defesa, fazem com que os pases adotem fortes polticas protecionistas.

    Assim, a indstria naval marcada por polticas setoriais implementadas por governos de vrios pases ao redor do mundo, com o intuito de favorecer suas empresas e manter o nvel de capacidade o mais elevado possvel. Porm, trata-se de

  • 25Introduo

    um setor que segue de perto as oscilaes do ciclo econmico. Mais que isto, devido ao longo perodo de produo entre encomenda e entrega de uma embarcao, os ciclos econmicos tendem a ser potencializados na indstria de construo naval. O mercado atualmente atravessa um perodo de relativa estabilidade, com perspectivas favorveis, aps ser duramente atingido pela crise de 2008, que encerrou um longo ciclo de crescimento.

    Na atualidade, o mercado dominado por trs produtores asiticos China, Coreia do Sul e Japo; a produo europeia mais concentrada em nichos (por exemplo, ferry boats e truck/carcarriers) e equipamentos sofisticados; e os Estados Unidos so mais dedicados produo militar. Deve-se destacar o surgimento de novos players na sia, como o Vietn, bem como o fato de que pases com tradio do Leste Europeu tambm tm procurado ocupar seu espao.

    A experincia internacional mostra que a estratgia de suprir o mercado domstico atualmente o caso brasileiro pode servir como uma alavanca para o desenvolvimento setorial. Entretanto, a experincia do exterior tambm ressalta a importncia de se buscar o mercado internacional, baseado em contnuo desen-volvimento tecnolgico, aumento de produtividade e desenvolvimento de uma indstria de componentes. No momento em que a demanda domstica oriunda do pr-sal diminuir, ser fundamental que os estaleiros nacionais sejam compe-titivos internacionalmente. Conforme mencionado no pargrafo anterior, novos competidores com custos reduzidos sempre surgem como uma alternativa para os armadores.

    As tendncias tecnolgicas especialmente na Europa e Coreia do Sul apontam para o crescimento da importncia de prticas redutoras de carbono, tais como uso de propulso com motores eltricos.

    No captulo 8, intitulado Possibilidades de fomento s firmas de engenharia de projeto brasileiras voltadas para os projetos da indstria naval, cujo autor Mrio Jos Barbosa Cerqueira Jr., o objetivo foi avaliar as necessidades e possibilidades de fomento s firmas de engenharia de projeto brasileiras, mais especificamente aquelas voltadas para os projetos da indstria naval, e tambm oferecer um diagnstico capaz de orientar a formulao, a implementao e a avaliao de polticas de apoio que fortaleam este segmento de servios.

    Os procedimentos metodolgicos adotados envolveram basicamente reviso bibliogrfica e entrevista com atores-chave de entidades ligadas engenharia naval no Brasil, em que se buscou: caracterizar os principais tipos de projetos de engenharia naval; avaliar o nvel de capacitao das principais consultorias de engenharia de projetos navais no Brasil; analisar o nvel de exigncia tcnica dos principais contratantes de projetos de engenharia naval no Brasil; e examinar as principais recomendaes tcnicas para os projetos de engenharia por parte das

  • 26 Ressurgimento da Indstria Naval no Brasil (2000-2013)

    empresas de construo naval, Marinha e institutos de cincia e tecnologia (ICTs). Desse modo, pode-se constatar que a engenharia consultiva de projetos navais no Brasil tem amplas oportunidades para se desenvolver, uma vez que h amplo mercado em potencial.

    A nova indstria naval brasileira rene condies excepcionais para firmar-se e voltar a ser uma das mais importantes do mundo. Um conjunto de fatores conjun-turais favorveis, bem como a compreenso, por parte do governo, do papel social que uma indstria como esta pode cumprir em termos de gerao de emprego e renda, podero assegurar o progresso e a perenidade da indstria naval.

    Com os recursos assegurados pelo FMM, a instalao de novos estaleiros e a modernizao de diversas empresas, um ambicioso programa de formao e qualificao de mo de obra, o apoio das universidades e centros de pesquisa e, principalmente, com a vontade poltica j demonstrada pelas autoridades em suas vrias instncias de poder, no resta dvida de que os novos tempos sero de grandes conquistas para essa indstria, que se refletiro em benefcios para a populao brasileira.

    Hoje, a indstria naval vive um momento de atropelo por conta da acelerada construo de novos estaleiros, paralelamente produo dos navios para dar conta das encomendas. A forma como o processo est ocorrendo leva as empresas a focar apenas o dia a dia, sem um planejamento de longo prazo direcionado para inovao. O risco fazer com que a oportunidade que se tem hoje, com a excepcional carteira de projetos, seja s uma bolha gigante que pode furar quando as encomendas acabarem, caso a indstria naval brasileira no alcance a competitividade e a sustentabilidade necessrias para disputar o mercado global.

    Em diversos casos de pases de industrializao recente, as empresas de enge-nharia de projeto foram peas importantes da poltica industrial, permitindo que o aprendizado adquirido sobre o maquinrio importado incorporado nos projetos servisse de base para o desenvolvimento de substitutos locais. Portanto, de se esperar que a existncia de um slido setor de engenharia nacional de projetos navais seja fator de maiores encomendas de bens de capital. A realizao do projeto de engenharia no pas, alm de produzir projetos mais ajustados s condies locais, tambm abre o mercado para fornecedores nacionais.

    Pode-se afirmar que a engenharia consultiva de projetos navais no Brasil tem amplas oportunidades para se desenvolver, uma vez que h amplo mercado em potencial. Por fim, no que tange s oportunidades, vale ressaltar que a boa capacitao da engenharia consultiva nacional no devidamente aproveitada para projetos bsicos, nos quais as questes tecnolgicas e sinergias com produtores de equipamentos locais poderiam ser potencializadas, contribuindo fortemente para o desenvolvimento e aprimoramento da cadeia do navipeas nacional.

  • 27Introduo

    No captulo 9, Tributao na indstria de construo naval brasileira: peso dos tributos sobre preo de navio tanque e plataforma offshore, o autor Marcello Muniz da Silva estima o peso da tributao, direta e indireta, sobre o preo de produtos fabricados pela indstria de construo naval brasileira. A metodologia usada considera a origem, importao ou mercado domstico dos principais insumos, bem como os encargos sociais e trabalhistas (EST), de forma a permitir a comparao da carga e estrutura tributria com os principais fabricantes mundiais China e Coreia do Sul que feita no captulo seguinte. O estudo considera ainda o uso ou no dos incentivos tributrios especficos da indstria naval e offshore.

    Nesse contexto, o autor desenvolve, aplica e analisa resultados de modelo destinado a apurar o peso dos tributos na formao do preo de dois produtos finais fabricados no Brasil: i) navio-tanque subtipo suezmax; e ii) plataforma de produo de petrleo offshore de subtipo unidades flutuantes de produo, armaze-namento e descarga (em ingls, floating production, storage and offloading FPSO). O levantamento de custos de produo estimou que, sem considerar os tributos, na fabricao de navio tanque, 47% dos gastos so relativos mo de obra, 36% a equipamentos, e 17% a produtos siderrgicos. Para a plataforma de subtipo FPSO, as participaes relativas so, respectivamente, 37%, 50%, e 13%. Tais participaes esto em linha com outros levantamentos encontrados na literatura.

    Particularmente, o captulo tem como foco principal o levantamento e a anlise de diferentes tipos de tributos quanto sua incidncia sobre investimento, produo, faturamento, valor agregado e lucro. Inclui o levantamento e a anlise dos encargos sociais e trabalhistas (EST) incidentes sobre o emprego de mo de obra (direta e indireta) empregada na ICN. Em cada caso, o peso dos tributos foi apurado, conforme sua incidncia, sobre os investimentos, emprego de fatores de produo (capital e mo de obra), faturamento, valor agregado e lucro. O modelo aplicado simula o oramento de construo dos bens finais, tendo como base dados empricos e hip-teses relacionadas ao comportamento de variveis presentes no modelo.

    Os resultados indicam que, sem as medidas de incentivo fiscal, o peso dos tributos diretos e indiretos responde por aproximadamente 7,4% e 18,4% do preo de navio petroleiro, respectivamente. J os ESTs representam cerca de 9,3% do preo final. Em suma, o peso da carga tributria sem incentivos fiscais foi da ordem de 35,1% do preo do produto. No caso da plataforma offshore, os respectivos pesos, sem as medidas de incentivo fiscal, so de 5,8% (tributos diretos), 16,5% (tributos indiretos) e 8,9% (EST). Isto perfaz 31,2% do preo final desta estrutura.

    As estimativas indicam ainda que a introduo dos mecanismos de incentivo fiscal apresenta impactos significativos. No caso do navio-tanque, as tributaes indireta, direta e EST passaram a representar, respectivamente, 0,18% e 7,42% e 9,3% do preo do produto final. J no caso da plataforma offshore, estes percentuais

  • 28 Ressurgimento da Indstria Naval no Brasil (2000-2013)

    foram de 0,12% (tributao indireta), 5,8% (tributao direta) e 8,9% (EST). Em suma, com a introduo dos mecanismos de incentivo fiscal, o peso da carga tributria representou queda significativa no peso da carga tributria sobre o preo final dos produtos. Neste caso, estimou-se que a carga tributria sobre a ICN passou a responder por 16,9% (navio-tanque) e 14,8% (plataforma offshore) do preo dos respectivos produtos finais.

    O captulo10, Estrutura de custos e tributao na indstria de construo naval: comparando Coreia do Sul, China e Brasil, tambm de autoria de Marcello Muniz da Silva, aplica a mesma metodologia do captulo 9 para a produo de navio-tanque e plataforma offshore na China e Coreia do Sul.

    O levantamento de custos de produo estimou que, sem considerar os tributos, na fabricao de navio-tanque na China, 16% dos gastos so relativos mo de obra; 57%, a equipamentos; e 26%, a produtos siderrgicos. Na Coreia do Sul, estes percentuais so de 17%, 62% e 21%, respectivamente. Para a plataforma subtipo FPSO, as participaes relativas dos custos de fabricao so: i) na China, 14% para mo de obra, 63% para equipamentos e 23% para produtos siderrgicos; e ii) na Coreia do Sul, respectivamente, 14%, 67% e 18%. Em comparao com o Brasil, chama ateno o maior peso dos gastos com mo de obra, resultado de um custo unitrio (por tonelada de embarcao produzida) cerca de quatro vezes superior ao dos outros dois pases, fruto de salrio mdio pago no Brasil mais alto e da produtividade fsica (toneladas de ao processadas por trabalhador) mais baixa. J os custos unitrios com equipamentos e produtos siderrgicos so prximos.

    Quanto ao peso dos tributos, os resultados indicam que, na China, o peso dos tributos diretos e indiretos responde por aproximadamente 6,1% e 8,2% do preo de navio petroleiro, respectivamente, enquanto os ESTs representam 3,8% do preo final, chegando a uma carga tributria total de 18,1%. Na Coreia do Sul, os pesos so de 5,9% para tributos diretos, 5,0% para indiretos e 3,9% para EST, perfazendo um total de 14,7%. No caso da plataforma offshore, os respectivos pesos so: i) na China, de 4,6% para tributos diretos, 8,2% para indiretos, e 3,7% em EST, totalizando 16,4%; e ii) na Coreia do Sul, respec-tivamente, de 4,1%, 4,8% e 3,7%, totalizando 12,6%.

    Em comparao ao Brasil, quando so aplicados os regimes especiais, as cargas tribu-trias totais se equivalem, em torno dos 15%. Porm, sem tais regimes, a carga brasileira o dobro da dos concorrentes. Entre as parcelas, a tributao direta, basicamente os impostos sobre o lucro das empresas, a nica que nos trs pases apresentou simila-ridade. Na tributao indireta, que envolve impostos sobre o faturamento e sobre o valor adicionado, a carga brasileira representa tambm o dobro, mas praticamente zerada com os regimes especiais. Como o custo unitrio de equipamentos e produtos siderrgicos similar nos trs pases, bem como o preo dos produtos finais, a diferena

  • 29Introduo

    de carga tributria resultante quase totalmente da estrutura e das alquotas adotadas para estes tributos em cada pas. Com relao ao EST, mais uma vez, o Brasil apresenta carga tributria muito maior que a dos outros dois pases mais que o dobro. Porm, desta vez, o resultado no vem da estrutura e alquotas adotadas. O peso do EST sobre os salrios lquidos, conforme o estudo, bastante similar nos trs pases. A diferena ento provm do peso da mo de obra nos custos de produo em cada pas, ou seja, do custo unitrio da mo de obra na fabricao de embarcaes no Brasil, trs a quatro vezes maior. Assim, medidas para ampliar a competitividade da ICN brasileira neste quesito devem envolver muito mais medidas de aumento da produtividade do trabalhador do que reduo dos encargos sociais e trabalhistas.

    Por fim, apresenta-se a concluso, na qual tentou-se sistematizar os principais resultados obtidos nos captulos deste livro, adotando alguns mtodos de avaliao de estratgia empresarial bastante conhecidos. A anlise permitiu identificar as principais foras das indstrias naval e navipeas brasileiras, em especial a forte demanda domstica apoiada por polticas pblicas de financiamento bem aprimoradas em relao s existentes nas dcadas de 1970 e 1980, alm da boa capacitao das empresas de projetos de engenharia naval e fornecedoras de equipamentos. Mas tambm foram identificadas fraquezas, entre as quais se destacam a carga tributria e o custo e produtividade da mo de obra brasileira na indstria naval.

    A anlise tambm avaliou as oportunidades e ameaas. A principal oportuni-dade identificada o desenvolvimento tecnolgico que pode ser realizado a partir da explorao do petrleo do pr-sal brasileiro, que pressionaria as empresas a serem competitivas no mercado externo, alm da aplicao direta das novas tecnologias no pr-sal da costa oeste africana. Como ameaas, a concorrncia externa a mais evidente, seja dos produtores tradicionais com tecnologia consolidada, seja de novos produtores baseados em baixos salrios e cmbio desvalorizado. Mas tam-bm se identificou uma ameaa relacionada poltica industrial. A possibilidade de perpetuao da proteo de mercado e do financiamento facilitado pode levar as empresas brasileiras a se acomodarem, no se capacitando para competir no mercado externo. E ainda com risco de serem expostas repentinamente retirada das polticas, como em alguma medida ocorreu no incio da dcada de 1990.

    A partir desta anlise, possveis posicionamentos estratgicos para a indstria naval brasileira foram levantados, no intuito de torn-la competitiva no mercado externo. Os que parecem mais promissores so: i) produzir navios de apoio martimo projetados para as condies de mar brasileiras, que permitam menor uso de ao e menor consumo de combustvel para sua operao, num posicionamento de baixo custo com foco em nicho de mercado; e ii) plataformas, equipamentos e outras estruturas para a produo de petrleo em guas profundas, com base no desenvolvimento tecnolgico obtido com a explorao do pr-sal, num

  • 30 Ressurgimento da Indstria Naval no Brasil (2000-2013)

    posicionamento de diferenciao com foco em nicho de mercado. Ambas as estratgias esto associadas produo de petrleo offshore brasileira, para as quais, alm das polticas de proteo de mercado e de financiamento, h as de contedo local, o que pode propiciar o desenvolvimento da cadeia de fornecedores, fundamental para que a indstria naval brasileira tenha sucesso no exterior.

    Carlos Alvares da Silva Campos Neto

    Fabiano Mezadre Pompermayer

    Organizadores

  • CAPTULO 1

    VISO ECONMICA DA IMPLANTAO DA INDSTRIA NAVAL NO BRASIL: APRENDENDO COM OS ERROS DO PASSADO

    Josef Barat*Carlos Alvares da Silva Campos Neto**

    Jean Marlo Pepino de Paula**

    1 INTRODUO

    A anlise da recuperao e das perspectivas de expanso da indstria naval no pode ser dissociada da anlise mais ampla da evoluo das infraestruturas, em geral, e das de logstica e transporte, em particular. Cabe, portanto fazer algumas ponderaes a respeito.

    As infraestruturas so, de modo geral, condicionadas pelo estgio de desenvolvimento de um pas. Se, de um lado, elas so induzidas pelas exigncias da demanda, por outro, tambm induzem fortemente o crescimento. As infraestruturas so importantes por representarem o lado material o lado fsico da oferta, ou seja, algo concreto oferecido como base para a prestao de servios pblicos e privados e a consequente absoro de insumos, partes e componentes pela produo. Uma indstria com caractersticas de montadora, como a naval, depende fundamentalmente de cadeias produtivas e de suprimentos que se apoiam em complexas redes logsticas e, portanto, em infraestruturas de apoio aos suprimentos de componentes e servios.

    Entre 1980 e meados dos anos 2000, ocorreu uma degradao continuada das infraestruturas em geral. Este perodo foi marcado por grandes deficincias na oferta de servios, como energia, transporte, telecomunicaes e saneamento, criando-se, consequentemente, obstculos ao crescimento.1 Tal situao gerou gargalos fsicos, operacionais e institucionais, estes por conta de legislaes e arranjos federativos obsoletos. Os gargalos acabaram por impor srios impedimentos ao crescimento. O perodo mencionado foi marcado tanto pela prevalncia de polticas de curto prazo quanto pela ausncia de preocupao com o planejamento de longo prazo.

    * Consultor assistente de pesquisa do Programa de Pesquisa para o Desenvolvimento Nacional (PNPD) junto Diretoria de Estudos e Polticas Setoriais, de Inovao, Regulao e Infraestrutura (Diset) do Ipea.** Tcnico de Planejamento e Pesquisa da Diset do Ipea.1. Que no foram mais graves devido s prprias dificuldades econmicas, como a gesto da dvida externa e das finanas pblicas, que limitavam o crescimento do pas.

  • 32 Ressurgimento da Indstria Naval no Brasil (2000-2013)

    Conceber, planejar e implantar infraestruturas, no entanto, pressupe pensar polticas pblicas, estratgias e aes de longo prazo. O tempo de maturao dos investimentos longo. Da concepo, realizao de estudos preliminares, estudos de viabilidade tcnico-econmica, projetos de engenharia, at a operao inicial, leva-se em mdia de cinco a dez anos. Mas no perodo mencionado houve muita expanso no planejada, obras interrompidas e que sofreram degradao pela interrupo. Estas prticas puderam ser constatadas com certa frequncia. Portanto, foi um perodo de deteriorao do patrimnio construdo ao longo de dcadas, principalmente aquele que foi implantado por meio de investimentos pblicos entre os anos de 1950 e 1980. Foi significativa a degradao dos portos, o declnio acentuado na participao da navegao de cabotagem no transporte de mercadorias e a reduo da participao da bandeira nacional na navegao de longo curso. Tais fatores contriburam para o declnio da indstria naval.

    2 CICLOS ECONMICOS E INFRAESTRUTURAS

    Um retrospecto histrico, em horizonte mais amplo, permite constatar que o primeiro ciclo moderno de desenvolvimento da economia brasileira foi aquele relacionado exportao dos produtos primrios. O Brasil era um pas exportador de apenas algumas commodities, com uma forte concentrao na comercializao do caf, embora com muitas especializaes regionais. Ao longo dos cinquenta anos, entre 1880 e 1930, que marcaram um ciclo continuado de crescimento, a implantao e a explorao das infraestruturas atendiam s necessidades de uma economia exportadora de produtos primrios.

    Assim, a finalidade de se implantarem ferrovias, instalaes porturias ou usinas hidreltricas era a de atender s necessidades de exportao do pas. Esta funo exportadora configurou, por exemplo, todo o sistema ferrovirio, integrando as ferrovias aos portos, e, dessa forma, atendendo a um processo decisrio em que havia predominncia de interesses do setor privado e orientao pela lgica do mercado de exportaes.

    As infraestruturas foram concedidas a sociedades annimas em geral estrangeiras que investiram e exploraram esses servios, sendo os critrios de retorno do capital investido definidos por interesses de investidores externos. Ferrovias, portos, gerao e distribuio de energia eltrica e, posteriormente, saneamento e telefonia, eram todos servios prestados por empresas inglesas, francesas, americanas ou canadenses. A expanso destes servios foi feita por concessionrias privadas e controlada por departamentos da administrao direta do governo. Em sntese, este ciclo, do ponto de vista das infraestruturas, pode ser assim caracterizado:

    economia aberta, pautada pelo liberalismo econmico;

    interesses e processos decisrios predominantemente privados;

  • 33

    Viso Econmica da Implantao da Indstria Naval no Brasil: aprendendo com os erros do passado

    recursos privados predominantemente externos para financiamento dos investimentos;

    implantao, expanso e operao por meio de concesses;

    restrita interveno estatal, apenas fiscalizando e fazendo cumprir regulamentos; e

    crescimento mdio anual do produto interno bruto (PIB) nesses cinquenta anos, de 4,5%, um dos mais altos do mundo no perodo.

    Dessa maneira, pode-se dizer que, sob a gide desse sistema de exportao de produtos primrios e da formao de infraestruturas para a finalidade exportadora, a economia brasileira teve um bom desempenho em termos mundiais. Contudo, a crise de 1930, que provocou alteraes drsticas de ordem econmica e poltica no mundo, estancou abruptamente o ciclo liberal-exportador.

    No perodo de cinquenta anos seguintes (1930-1980), o pas fez a transio de uma economia aberta voltada ao exterior para uma economia fechada, voltada para o que viria a se constituir gradualmente em um importante mercado interno. O Brasil entrou, assim, no ciclo da industrializao intensiva baseado na substituio de importaes. A implantao e a explorao de infraestruturas voltaram-se para o atendimento de uma economia que se industrializava aceleradamente. O processo decisrio baseou-se em outra lgica, marcada pela predominncia do setor pblico, e foi orientado no pelo mercado em si, mas por um padro poltico estatal-desenvolvimentista.

    Note-se que, nesse ciclo de desenvolvimento, as infraestruturas e indstrias de base eram implantadas predominantemente com recursos pblicos e operadas por entes estatais. Mas o objetivo maior, tanto da prestao de servios pblicos quanto da produo de insumos, era atender s necessidades do capital privado, voltado para consolidar e expandir a industrializao em curso.

    interessante observar que praticamente todos os governos entre 1930 e 1980 e tem-se novamente um ciclo de cinquenta anos , independentemente do matiz ideolgico ou poltico, praticamente repetiram a preocupao com as mesmas priori-dades. Estas contemplavam as infraestruturas: transportes, energia e comunicaes. No governo Geisel, foi introduzido o tema das infraestruturas urbanas, habitao popular e saneamento, dando-se nfase, pela primeira vez, aos investimentos de cunho social.

    Havia, portanto, a conscincia de que os investimentos nas infraestruturas eram necessrios para a consolidao do processo de industrializao e alargamento do mercado interno. Um imperativo, portanto, para que o pas se fortalecesse economicamente. Toda a explorao dos servios pblicos gerados pelas infraestruturas passou a ser feita por empresas estatais. Praticamente todas as sociedades annimas de capital privado que exploravam estes servios foram estatizadas a partir do ps-Guerra,

  • 34 Ressurgimento da Indstria Naval no Brasil (2000-2013)

    e transformaram-se em departamentos, autarquias ou empresas estatais. Assim, as ferrovias, a explorao e o refino do petrleo, a gerao e distribuio de energia, as telecomunicaes e as administraes porturias ficaram sob o controle estatal.

    As empresas estatais superpuseram, de fato, funo de prestao de um servio pblico a de poder concedente, que caberia a rgos da administrao direta. Isto porque faziam o planejamento e ditavam polticas com relao aos vrios segmentos infraestruturais, na medida em que implantavam e exploravam os servios. Em muitos casos, eram mais fortes que os prprios ministrios a que estavam vinculadas e aos rgos de planejamento e controle da administrao direta. Em sntese, este ciclo da industrializao intensiva, do ponto de vista das infraestruturas, pode ser assim caracterizado:

    economia fechada, pautada pelo estatal-desenvolvimentismo;

    interesses e processos decisrios predominantemente pblicos;

    recursos pblicos e/ou de bancos de fomento para financiamento dos investimentos;

    implantao, expanso e operao por empresas estatais ou autarquias;

    forte interveno estatal na elaborao de planos, projetos e execuo; e

    crescimento mdio anual do PIB, nesses cinquenta anos, prximo de 7%, tambm um dos mais altos do mundo no perodo.

    Nesse ciclo, o que estancou o crescimento foi o esgotamento do modelo estatal-desenvolvimentista. No final dos anos 1970 e incio dos anos 1980, vrios fatores colaboraram para isso: a crise internacional do petrleo, o colapso das finanas pblicas, a crise fiscal e os gargalos nas contas externas. Chegou-se assim ao declnio drstico dos investimentos pblicos. Apenas em logstica e transporte, considerando-se no somente a administrao direta e as autarquias, mas tambm as empresas estatais como Vale do Rio Doce, Petrobras e outras , os investimentos em 1974-1975 atingiam mais de 2% do PIB. No incio dos anos 2000, entretanto, caram para menos de 0,5%, com variaes no perodo.

    Na verdade, o que ocorreu a partir de meados da dcada de 1980, do ponto de vista do financiamento, foi o colapso nos aportes de recursos tradicionais desti-nados s infraestruturas. Isto significou um declnio muito forte nos investimentos pblicos, o que se traduziu praticamente na interrupo da expanso continuada da oferta que vinha ocorrendo desde os anos de 1950 e atravessando as dcadas seguintes com bastante vigor.

    A reduo das capacidades de investimento e financiamento pblicos resultou, em grande parte, do colapso dos mecanismos tradicionais de financiamento, basicamente, os fundos vinculados. Houve tambm dificuldade de aporte continuado de recursos

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    Viso Econmica da Implantao da Indstria Naval no Brasil: aprendendo com os erros do passado

    oramentrios, em razo das sucessivas crises fiscais. Os recursos oriundos de finan-ciamentos externos tambm declinaram em funo das crises fiscais uma vez que reduziram o potencial de contrapartidas aos emprstimos e dos estrangulamentos nas contas externas. Ocorreu, ainda, a desarticulao das empresas estatais, responsveis por grande parte dos investimentos. Este contexto contribuiu, por exemplo, para a queda significativa no volume de recursos do Fundo da Marinha Mercante (FMM) e para a reduo drstica dos financiamentos construo naval.

    Em meados de 1990, surgiram as alternativas, tanto das transferncias da explorao das infraestruturas de suporte prestao de servios pblicos, por meio do mecanismo das concesses, quanto das privatizaes de empresas estatais, pela alienao de ativos. Ou seja, no havendo recursos pblicos suficientes para retomar os investimentos em infraestruturas, nem sequer para a manuteno das existentes, as concesses para explorao privada tornaram-se uma opo. Foi esta alternativa que prevaleceu na maioria dos setores infraestruturais, comeando pelos portos e rodovias, seguindo-se a distribuio de energia eltrica, as telecomunicaes e as ferrovias.

    No perodo 1980-2000, portanto, ocorreu uma progressiva reduo da presena do Estado, e em alguns casos at mesmo sua omisso na tarefa de prover e manter servios essenciais. A drstica limitao na capacidade de investimento por sua parte, tanto para retomar a qualidade dos servios pblicos como para as suas expanses de capacidade, explica, em grande parte, o processo de deteriorao contnua das infraestruturas do pas e os flagrantes descompassos frente ao crescimento da demanda.

    Historicamente, ocorreu uma conjugao de fatores que levou a essa situa-o. O perodo 1980-1995 caracterizado por sucessivas crises fiscais e das contas externas, alm da progresso descontrolada da inflao, com ameaas constantes de hiperinflao. Por seu turno, a Constituio de 1988 no definiu claramente a responsabilidade pelo atendimento de algumas necessidades essenciais, principal-mente no setor de infraestruturas urbanas e metropolitanas, por exemplo.

    O que ocorreu em decorrncia desse quadro foi o lanamento de algumas bases de reformas institucionais, tentativas de reforma do Estado, acompanhadas de um amplo programa de concesses. Os graus de sucesso em cada segmento das infraestruturas foram variados. Em alguns setores, houve sucesso imediato, em outros os resultados foram mais lentos. De toda forma, as concesses constituram uma alternativa de sada para a captao de recursos necessrios aos investimentos em um contexto de crise das infraestruturas.

    Cabe lembrar, todavia, que nem sempre as mudanas institucionais foram favorveis ao melhor desempenho da gesto pblica. Com a recesso fiscal restringindo a pauta dos investimentos e a implantao de um cenrio poltico que transferia do Estado para o mercado a responsabilidade de impulsionar e conduzir a economia nacional, em 2000 foi extinto o Grupo de Estudos de Integrao da Poltica de Transportes (GEIPOT). Criado em 1964, o grupo tinha como objetivo planejar de

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    forma integrada a infraestrutura de transportes no pas, com possibilidade de intervir no setor em busca do balanceamento da oferta e da demanda de transportes. Assim, seus estudos norteavam as polticas pblicas com planejamentos de longo prazo. Neste ponto, com o esvaziamento do grupo na dcada de 1990 e sua extino em 2000, a falta destas polticas pblicas aumentariam exponencialmente o estado de obsolescncia e degradao da infraestrutura de transportes, inclusive das hidrovias e dos portos.

    Aps 2000, com o processo de concesses e o aporte de recursos privados, a situao das infraestruturas apresenta uma nova inflexo. O fato, no entanto, que durante praticamente 25 anos a economia brasileira ficou estagnada, com taxa mdia de crescimento do PIB em torno de 2%. A renda per capita de 2000 foi praticamente a mesma de 1980. neste cenrio de estagnao que se iniciaram as tentativas de ingresso em um novo ciclo de crescimento sustentvel. Embora este novo ciclo ainda no esteja claro nas suas configuraes, o fato que a economia brasileira deu demonstraes de grande vigor, com ampliao do mercado interno e aumento de competitividade.

    O importante ter a conscincia de que, se de um lado, no foi mais possvel o pas contin