bolsonaro eleva tensão política e provoca fissuras no stf e ...para recorrer contra medidas...

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Sem Opção Veículo: Folha de S. Paulo - Caderno: Poder - Seção: - Assunto: Política - Página: Capa e A4 - Publicação: 05/05/20 URL Original: Bolsonaro eleva tensão política e provoca fissuras no STF e entre militares Bolsonaro eleva tensão política e provoca fissuras no STF e entre militares Ministro da Defesa teve que emitir segunda nota em menos de um mês para afastar ideia de que fardados têm intenções golpistas A elevação da tensão política a partir de gestos do presidente Jair Bolsonaro está provocando fissuras no Supremo Tribunal Federal e entre militares . No domingo (3), o presidente esteve com apoiadores em manifestação que atacava a corte e o Congresso, entre outras bandeiras antidemocráticas. No ato, repórteres foram agredidos por participantes. Empolgado com o protesto, Bolsonaro disse estar junto com as Forças Armadas "ao lado do povo" e afirmou que havia chegado "no limite". Entre os militares, a tensão provocada por Bolsonaro obrigou o ministro da Defesa, Fernando Azevedo, a emitir a segunda nota oficial em menos de um mês para afastar a ideia de que os fardados têm intenções golpistas . O presidente estava decidido a desafiar o Supremo nesta segunda : queria renomear o chefe da Agência Brasileira de Inteligência, Alexandre Ramagem, como diretor-geral da Polícia Federal. O delegado tivera a posse suspensa por decisão do ministro Alexandre de Moraes, na semana passada. Ramagem é amigo da família de Bolsonaro, e a PF investiga o clã em casos como o inquérito sobre disseminação de fake news. O presidente acabou desistindo após uma operação que durou boa parte da madrugada , com telefonemas e visitas de aliados e também de políticos não alinhados, como o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). Seu plano B, contudo, continha uma provocação ao Supremo. Ele designou para a PF um subordinado de Ramagem na Abin, Rolando Souza, e deu posse a ele no Palácio do Planalto. A primeira medida de Rolando foi iniciar o processo para substituir o chefe da PF no Rio, território da família Bolsonaro que o ex-ministro Sergio Moro disse estar na mira do presidente. A decisão de Moraes, a despeito de a corte ter feito uma defesa unânime dele ante a acusação do presidente de que sua decisão havia sido política, divide os ministros no STF. O presidente do colegiado, Dias Toffoli , não foi consultado sobre a questão e considera que Moraes ultrapassou o sinal entre os Poderes. Para ele, houve a prevalência do chamado ativismo judicial na medida. Nesta segunda, Marco Aurélio Mello vocalizou a preocupação dos ministros. Em ofício a Toffoli, defendeu que suspensões de atos de outros Poderes sejam decididas pelo colegiado de 11 ministros, e não de forma monocrática. "É uma medida para evitar o desgaste que estamos tendo agora", afirma ele, referindo-se à decisão de Alexandre de Moraes. "Quando se invade área alheia, é sempre um problema seríssimo." O guru da área digital de Bolsonaro, seu filho Carlos, vereador no Rio, passou o Réveillon passado com Ramagem. Além disso, a PF tem cooperação estreita com as autoridades do Rio que apuram ligações do gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro, filho do presidente e hoje senador, com milícias. O ex-ministro da Justiça Sergio Moro deixou o cargo acusando o presidente de querer mudar a direção e superintendências da polícia por motivos políticos. No sábado, ele depôs no inquérito do caso, gerando tensão no Palácio da Alvorada. Moro, antes um dos esteios do governo, apresentou histórico de mensagens trocadas com o presidente que, segundo ele, comprovam as intenções de Bolsonaro. Também no sábado, uma outra decisão do Supremo, impedindo a expulsão de diplomatas da ditadura venezuelana do Brasil, irritou de vez o presidente. A declaração de Bolsonaro no domingo, de que as Forças Armadas estão "do lado do povo", foi dada um dia depois de se reunir com os três comandantes e os ministros militares no Alvorada. O ministro Fernando Azevedo, ponto de contato entre os generais do governo e os da ativa, além do Judiciário, elaborou uma nota nesta segunda que admoestou todos os lados da polêmica . Disse que as Forças Armadas defendem a independência entre Poderes, dando assim razão a Bolsonaro, mas condenou a agressão a jornalistas. "As Forças Armadas cumprem a sua missão constitucional. Marinha, Exército e Força Aérea são organismos de Estado, que

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SemOpção

Veículo: Folha de S. Paulo - Caderno: Poder - Seção: - Assunto: Política -Página: Capa e A4 - Publicação: 05/05/20URL Original:

Bolsonaro eleva tensão política e provoca fissuras noSTF e entre militaresBolsonaro eleva tensão política e provoca fissuras no STFe entre militaresMinistro da Defesa teve que emitir segunda nota em menos de um mês paraafastar ideia de que fardados têm intenções golpistasA elevação da tensão política a partir de gestos do presidente Jair Bolsonaro está provocando fissuras no Supremo TribunalFederal e entre militares.No domingo (3), o presidente esteve com apoiadores em manifestação que atacava a corte e o Congresso, entre outrasbandeiras antidemocráticas. No ato, repórteres foram agredidos por participantes.Empolgado com o protesto, Bolsonaro disse estar junto com as Forças Armadas "ao lado do povo" e afirmou que havia chegado"no limite".Entre os militares, a tensão provocada por Bolsonaro obrigou o ministro da Defesa, Fernando Azevedo, a emitir a segunda notaoficial em menos de um mês para afastar a ideia de que os fardados têm intenções golpistas.O presidente estava decidido a desafiar o Supremo nesta segunda: queria renomear o chefe da Agência Brasileira deInteligência, Alexandre Ramagem, como diretor-geral da Polícia Federal.O delegado tivera a posse suspensa por decisão do ministro Alexandre de Moraes, na semana passada. Ramagem é amigo dafamília de Bolsonaro, e a PF investiga o clã em casos como o inquérito sobre disseminação de fake news.O presidente acabou desistindo após uma operação que durou boa parte da madrugada, com telefonemas e visitas de aliados etambém de políticos não alinhados, como o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP).Seu plano B, contudo, continha uma provocação ao Supremo. Ele designou para a PF um subordinado de Ramagem na Abin,Rolando Souza, e deu posse a ele no Palácio do Planalto. A primeira medida de Rolando foi iniciar o processo para substituir ochefe da PF no Rio, território da família Bolsonaro que o ex-ministro Sergio Moro disse estar na mira do presidente.A decisão de Moraes, a despeito de a corte ter feito uma defesa unânime dele ante a acusação do presidente de que sua decisãohavia sido política, divide os ministros no STF.O presidente do colegiado, Dias Toffoli, não foi consultado sobre a questão e considera que Moraes ultrapassou o sinal entre osPoderes. Para ele, houve a prevalência do chamado ativismo judicial na medida.Nesta segunda, Marco Aurélio Mello vocalizou a preocupação dos ministros. Em ofício a Toffoli, defendeu que suspensões de atosde outros Poderes sejam decididas pelo colegiado de 11 ministros, e não de forma monocrática."É uma medida para evitar o desgaste que estamos tendo agora", afirma ele, referindo-se à decisão de Alexandre de Moraes."Quando se invade área alheia, é sempre um problema seríssimo."O guru da área digital de Bolsonaro, seu filho Carlos, vereador no Rio, passou o Réveillon passado com Ramagem.Além disso, a PF tem cooperação estreita com as autoridades do Rio que apuram ligações do gabinete do então deputadoestadual Flávio Bolsonaro, filho do presidente e hoje senador, com milícias.O ex-ministro da Justiça Sergio Moro deixou o cargo acusando o presidente de querer mudar a direção e superintendências dapolícia por motivos políticos.No sábado, ele depôs no inquérito do caso, gerando tensão no Palácio da Alvorada. Moro, antes um dos esteios do governo,apresentou histórico de mensagens trocadas com o presidente que, segundo ele, comprovam as intenções de Bolsonaro.Também no sábado, uma outra decisão do Supremo, impedindo a expulsão de diplomatas da ditadura venezuelana do Brasil,irritou de vez o presidente.A declaração de Bolsonaro no domingo, de que as Forças Armadas estão "do lado do povo", foi dada um dia depois de se reunircom os três comandantes e os ministros militares no Alvorada.O ministro Fernando Azevedo, ponto de contato entre os generais do governo e os da ativa, além do Judiciário, elaborou umanota nesta segunda que admoestou todos os lados da polêmica.Disse que as Forças Armadas defendem a independência entre Poderes, dando assim razão a Bolsonaro, mas condenou aagressão a jornalistas."As Forças Armadas cumprem a sua missão constitucional. Marinha, Exército e Força Aérea são organismos de Estado, que

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consideram a independência e a harmonia entre os Poderes imprescindíveis para a governabilidade do país", diz nota.Ele afirma que a liberdade de expressão é "requisito fundamental" em um país democrático, mas continua dizendo que "noentanto, qualquer agressão a profissionais de imprensa é inaceitável".Enquanto isso, instado a falar sobre a violência na manhã da segunda, Bolsonaro atribuiu a "alguns possíveis infiltrados" asagressões.E completou: "Pessoal da Globo vem aqui falar besteira. Essa TV foi longe demais", disse, sem repudiar as agressões aosrepórteres."As Forças Armadas estarão sempre ao lado da lei, da ordem, da democracia e da liberdade. Este é o nosso compromisso",completa Azevedo no texto.Nota semelhante havia sido divulgada em 20 de abril, um dia depois de o presidente ir à frente do quartel-general do Exércitoem Brasília apoiar manifestantes bolsonaristas pedindo intervenção militar contra os outros Poderes.A associação entre governo e Forças Armadas, inevitável, incomoda setores da ativa dos militares.Bolsonaro cogitou no fim de semana a troca do comandante da Força, Edson Pujol, a quem os filhos do presidente consideramdistante da frequência do pai na condução da crise do coronavírus.Um eventual substituto, Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), se mobilizou para dizer que não havia nada disso no arquando a Folha noticiou a possibilidade.Ela foi aventada talvez para o ano que vem, quando a geração de Ramos chegará à faixa mais longeva na hierarquia doExército, na reunião que ministros e comandantes militares tiveram com Bolsonaro no sábado.Nesta segunda, Ramos voltou a negar a hipótese, ligou para Pujol e distribuiu uma mensagem chamando a reportagem de falsa."Sem mencionar que seria desonroso para mim e total quebra dos valores que todos nós cultuamos , como antiguidade emerecimento", disse.A desconfiança entre setores da ativa foi, de todo modo, reforçada no episódio. Ramos é muito próximo do presidente, comquem dividiu dormitório como cadete.Já os fardados do governo, que retomaram o protagonismo neste ano, após serem eclipsados pela ala ideológica bolsonarista em2019, têm alternado apoio ao presidente e freios de arrumação.Se na noite de domingo a ação era para evitar a nomeação de Ramagem, na manhã seguinte os generais Azevedo, Ramos,Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) e Walter Braga Netto (Casa Civil) prestigiaram a posse-relâmpago deRolando.A nota de Azevedo também explicitou o que já havia sido enviado como recado às cúpulas do Congresso e do Judiciário nasemana passada.Os militares consideram que sim, os Poderes têm se excedido no contraponto ao Executivo, o que não significa queembarcariam em qualquer movimento autoritário por parte do Planalto.Além de Azevedo, falou também o único nome indemissível da ala fardada: o vice-presidente Hamilton Mourão, general dareserva.Ele criticou o Supremo. "Julgo que cada um tem que navegar dentro dos limites da sua responsabilidade", afirmou em entrevistaà Rádio Gaúcha."Os casos mais recentes, que foi da nomeação do diretor-geral da Polícia Federal, a questão dos diplomatas venezuelanos eramdecisões que são do presidente da República", afirmou o vice."É responsabilidade dele, é decisão dele escolher seus auxiliares, assim como chefe de Estado ele é o responsável pela políticaexterna do país."Na linha de Azevedo, Mourão defendeu que "os Poderes têm que buscar se harmonizar mais e entender o limite daresponsabilidade da cada um".Ele disse também entender que "hoje existe uma questão de disputa de poder entre os diferentes Poderes, existe uma pressãomuito grande em cima do Poder Executivo".O problema de fundo, como notou um político próximo da área militar, é que os fardados pagam um preço constante por suasimbiose com o governo de Bolsonaro e seus arroubos autoritários.O presidente se viu completamente isolado em março. Havia comprado briga com governadores de Estado, com o Congresso ecom o Supremo.Sua gestão da crise do coronavírus, opondo-se a práticas internacionais e minimizando ao chamar de "gripezinha" a doença quejá matou mais de 7.000 brasileiros, lhe garantiu mais críticas.Apoiou-se nos militares, e aos poucos abandonou a retórica purista e começou a negociar cargos com o centrão para evitarapoio a um eventual processo de impeachment.Por ora, a barganha está sendo operada, enquanto o Supremo acelera a análise das acusações de Moro a Bolsonaro —outrafonte de contrariedade do presidente. Isso mantém a pressão por um impedimento congelada, por ora.

Legislação limita eventuais medidas de Bolsonaro em

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reação ao SupremoPara especialistas, presidente poderia ser processado caso insistisse emnão cumprir ordem judicialApesar do tom ameaçador adotado pelo presidente Jair Bolsonaro em relação a recentes decisões do STF (Supremo TribunalFederal), a Constituição e as leis do país não permitem ao mandatário adotar um caminho que não seja usar a própria Justiçapara recorrer contra medidas judiciais com as quais não concorda.É que o Executivo, e consequentemente seu chefe, não está acima do Judiciário e do Legislativo, segundo o princípio daseparação dos Poderes.Tanto é assim que a Constituição estabelece expressamente que, se o presidente não cumprir as decisões judiciais, estarásujeito a um processo de impeachment, segundo especialistas ouvidos pela Folha.No domingo (3), Bolsonaro disse: "Peço a Deus que não tenhamos problemas essa semana. Chegamos no limite, não tem maisconversa, daqui pra frente, não só exigiremos, faremos cumprir a Constituição, ela será cumprida a qualquer preço, e ela temdupla mão".A irritação do presidente teve como causa principal três decisões judiciais dos últimos dias. A mais significativa foi a do ministrodo STF Alexandre de Moraes, que suspendeu em 29 de abril a nomeação de Alexandre Ramagem para a diretoria-geral daPolícia Federal.No sábado (2), mais um revés no tribunal: o ministro Luís Roberto Barroso decretou a suspensão da ordem de expulsão dosdiplomatas venezuelanos que estão no Brasil representando o regime do ditador Nicolás Maduro.No Palácio do Planalto, há receio de que o STF determine que Bolsonaro exiba o resultado de seu exame para o novocoronavírus, assunto ainda em andamento nas instâncias inferiores da Justiça Federal.O mandatário diz que não contraiu a Covid-19, mas se recusa a revelar os documentos com o diagnóstico.Essas três medidas judiciais são controversas no âmbito da comunidade jurídica, mas há unanimidade entre os especialistasouvidos pela reportagem de que não há nenhum tipo de "canetada" do presidente que possa se sobrepor ao Judiciário.Quais os limites legais de Bolsonaro para reagir ao STF e a outras instâncias do Judiciário?De acordo com o professor de direito constitucional da FAAP (Faculdade Armando Alvares Penteado) e advogado Ricardo Cury, aConstituição prevê um sistema de freios e contrapesos entre os Poderes da República no qual nenhum deles está acima dosoutros."O presidente da República somente pode se valer de recursos judiciais previstos na ordem jurídica para combater decisões queentenda inoportunas, ilegais ou inconstitucionais", diz Cury.Alessandro Soares, professor de direito constitucional da Universidade Presbiteriana Mackenzie, afirma que se o presidenteachar que uma decisão do Judiciário é ilegal ou inconstitucional terá que acionar a Advocacia-Geral da União.O Judiciário está seguindo a Constituição nas ordens para barrar a nomeação na PF, a expulsão dos diplomatasvenezuelanos e em relação à divulgação do exame?O mérito dessas decisões pode ser discutido, mas há consenso entre especialistas de que as determinações seguiram asformalidades da legislação, cabendo ao presidente cumpri-las ou apresentar recursos.O Código Penal fixa como crime a desobediência à ordem legal de funcionário público, com pena prevista de até seis meses,além de multa.Bolsonaro esboçou na semana passada uma crítica ao teor individual da decisão sobre a direção-geral da PF, chamando de"canetada" a ordem expedida por Alexandre de Moraes no caso.Nos últimos anos, se tornou frequente no meio político a crítica a medidas individuais e provisórias dos ministros da corte, sem achancela dos demais colegas do tribunal.Mas, no ano passado, o próprio Bolsonaro apoiou medida individual expedida no STF, pelo ministro Dias Toffoli, que afetouinquérito contra seu filho mais velho, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), investigado no Rio de Janeiro por supostaprática de "rachadinha" com ex-assessores."Não há nenhuma ilegalidade nas decisões [que desagradaram Bolsonaro]. Pode-se discutir o mérito, mas o modo como elasforam tomadas não tem problema nenhum. Não dão nenhum razão ou pretexto para alguém descumpri-las", diz o professor daFaculdade de Direito da USP Diogo Coutinho.Para o professor de direito constitucional Thomaz Pereira, da FGV Rio, é razoável questionar se a liminar de Moraes é a melhorinterpretação da Constituição. "Mas o espaço para isso é o recurso, recorrer, exigir um posicionamento público do tribunal. Isso écompletamente diferente de afirmar que vai desobedecer uma ordem judicial."Quanto à liminar do ministro Luís Roberto Barroso que suspendeu a expulsão de diplomatas venezuelanos, os especialistasentendem que o contexto de pandemia reforçou a regularidade da medida.Já a ordem de primeira instância para a divulgação dos exames do presidente para eventual infecção pelo novo coronavírusdivide opiniões. Por um lado, há o interesse público em saber o resultado para identificar, por exemplo, se ele violou o decoro docargo caso tenha mentido a respeito. A Presidência cita o direito à proteção da vida privada."Ser o mandatário maior da nação não torna sua vida privada um reality show, a ponto de afastar o direito constitucional à

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intimidade", diz Yuri Sahione, sócio da área de direito penal do escritório Cescon Barrieu.Se Bolsonaro não cumprir uma determinação judicial ele comete crime? Em caso de delito nessa hipótese, qualseria a tramitação do processo?Segundo Leonardo Massud, professor de direito penal da PUC-SP, se o presidente da República não cumprir decisões judiciais,ele pode ser acusado de cometer crime de responsabilidade e ser alvo de processo de impeachment.Nesse caso, o processo de impeachment se inicia na Câmara dos Deputados, que nomeará uma comissão especial encarregadade formular a acusação, segundo Yuri Sahione.Aprovado o termo de acusação pela comissão especial, esse é submetido ao plenário da Câmara para votação. Uma vezaprovada a viabilidade da acusação, esta é enviada ao Senado que dará início ao processo e julgamento pelos senadores.O presidente comete crime ao apenas ameaçar o sistema de freios e contrapesos dos Poderes previsto naConstituição?Para Roberto Dias, professor de direito constitucional da PUC-SP e FGV-SP, a Constituição configura como crime deresponsabilidade o ato do presidente que atente contra "o livre exercício do Poder Legislativo e do Judiciário".Dias afirma ainda que a lei 1.079, de 1950, que define os crimes de responsabilidade, diz que são crimes dessa natureza "opor-se diretamente e por fatos ao livre exercício do Poder Judiciário, ou obstar, por meios violentos, ao efeito dos seus atos,mandados ou sentenças".Para Yuri Sahione, as recentes afirmações de Bolsonaro ainda não podem ser consideradas crime de responsabilidade. "Emborao presidente esteja flertando com o ilícito ao participar e apoiar manifestações, a tradição do nosso sistema jurídico indica sernecessário um pouco mais de gravidade nas ações para se reconhecer o ilícito de responsabilidade."O que diz a lei sobre o descumprimento de decisões judiciaisSegundo o artigo 85 da Constituição Federal, o presidente da República comete crime de responsabilidade, passível de processode processo de impeachment, se praticar ato que atente contra “o cumprimento das leis e das decisões judiciais”.A lei 1.079, de 1950, específica sobre os crimes de responsabilidade, tem um capítulo só para os “crimes contra o cumprimentodas decisões judiciárias”.De acordo com o artigo 12 desse texto legal, o presidente comete ato ilícito se “recusar o cumprimento das decisões do PoderJudiciário no que depender do exercício das funções do Poder Executivo”.O que prevê a legislação em caso de ameaças ao JudiciárioO artigo 85 da Constituição Federal estabelece que é crime de responsabilidade o ato do presidente da República que atentecontra “o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário”.Essa prática ilegal também está prevista na lei 1079 de 1950, que trata dos crimes de responsabilidade.É ilícito o ato de “opor-se diretamente e por fatos ao livre exercício do Poder Judiciário, ou obstar, por meios violentos, ao efeitodos seus atos, mandados ou sentenças” e “usar de violência ou ameaça, para constranger juiz, ou jurado, a proferir ou deixar deproferir despacho, sentença ou voto, ou a fazer ou deixar de fazer ato do seu ofício”, de acordo com a lei.

Supremo abandona letargia e passa a controlar atos dogoverno BolsonaroEmergência do coronavírus promove mudança de cenário, e tribunalintensifica litígio com o ExecutivoO Supremo Tribunal Federal parece ter saído da letargia com a chegada da pandemia e agora promove, de fato, o controle dosatos do presidente Jair Bolsonaro.Entre 1º de janeiro de 2019, primeiro dia de mandato do presidente Jair Bolsonaro, e 31 de janeiro de 2020, 71 ações forampropostas perante o STF, questionando a constitucionalidade de medidas do governo Bolsonaro.Em apenas 8 de 71 processos foram tomadas decisões liminares (provisórias) enfrentando os argumentos levados ao tribunal.Os números mostram um intenso litígio entre governo e Supremo, que parecia ter abdicado de exercer seu papel de controledos atos do Executivo e de guarda da Constituição.Pouquíssimas derrotas foram impostas pelo STF ao governo Bolsonaro durante seu primeiro ano de mandato.O cenário muda a partir de fevereiro de 2020. Com a chegada da pandemia da Covid-19, novos atos do presidente da Repúblicaforam levados ao STF, que passa a agir de forma mais célere e contundente impondo limites ao governo.Ocorre uma mudança clara de postura do tribunal, como se percebesse que o que estava em jogo era sério demais para nãofazer nada. Das 42 ações que chegaram ao Supremo contra atos de governo entre 1º de fevereiro e 30 de abril deste ano, em23 já há concessão de medidas liminares.Dentre as liminares, há decisões para proteger estados e municípios contra a política negacionista da pandemia promovida porBolsonaro, vetar campanha publicitária contra o isolamento social, suspender restrições à Lei de Acesso à Informação e impediro envio de dados massivos de celulares ao IBGE.O próprio presidente da República, inclusive, levou demandas ao STF e saiu vitorioso, por exemplo, com a liminar quedeterminou a suspensão de dispositivos da Lei de Diretrizes Orçamentárias.

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Os ministros do Supremo se sentiram confortáveis em confrontar atos do governo sobre a pandemia do novo coronavírus. Oslitígios sobre a troca do diretor-geral da Polícia Federal parecem ter reforçado uma nova postura de controle pelo tribunal.O histórico do STF com revisão de nomeações presidenciais já é conhecido: uma medida liminar de Gilmar Mendes suspendeu aposse do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como ministro; uma outra liminar de Cármen Lucia manteve anulação daposse de Cristiane Brasil (PTB) como ministra do Trabalho e, agora, Alexandre de Moraes deu a liminar que suspendeu a possede Alexandre Ramagem como diretor-geral da Polícia Federal.Porém, o episódio Ramagem tem pelo menos quatro elementos que os outros não têm: o ministro da Justiça, que tinha sob suaestrutura organizacional a Polícia Federal, expôs publicamente uma tentativa de interferência em investigações; a existência, defato, de inquérito contra filho do presidente; o reconhecimento, pelo procurador-geral da República, de indícios de crimesuficientes para pedir a instauração de um inquérito ao Supremo.E, por fim, uma contundente decisão do decano do tribunal, o ministro Celso de Mello —cuja boa reputação e influência notribunal são indiscutíveis— amparada no dever de atenção aos princípios republicanos e à impessoalidade.Entretanto, a presença de indícios suficientes para instaurar um inquérito contra o presidente Bolsonaro e para anular anomeação de Ramagem não afasta as críticas à decisão liminar de Alexandre de Moraes.Afinal, há uma posição razoavelmente formada para rejeitar a possibilidade do uso do mandado de segurança por partidospolíticos nesses casos e o tribunal ainda não foi capaz de criar critérios claros sobre as nomeações. O que foi usado no caso deLula não foi seguido para Moreira Franco; o decidido para Cristiane Brasil não foi seguido para Sérgio Nascimento de Carvalho,da Fundação Palmares.Se estamos diante de um controle judicial de nomeações, o tribunal deveria construir parâmetros mais claros sobre o alcance dainterpretação que se deve dar à moralidade administrativa.Às decisões de abertura de inquérito contra Bolsonaro e a anulação da nomeação de Ramagem, somaram-se outras: o ministroda Educação, Abraham Weintraub, agora também é investigado por crime de racismo, e foi suspensa a ordem do ministro dasRelações Exteriores, Ernesto Araújo, para retirada compulsória de diplomatas venezuelanos e familiares em meio à pandemia.Bolsonaro reagiu contra o STF, sugerindo que o tribunal estaria abusando de seu papel: “Não vou tolerar interferência”, disse.Como se as decisões que lhe agradassem fossem as únicas válidas, como se houvesse alternativa a não ser o cumprimento dedecisões judiciais, como se o papel do Supremo Tribunal Federal não fosse —mesmo com todos os seus sabidos defeitos—impedir violações à Constituição.A ideia de autocontenção dos tribunais constitucionais funciona muito bem em um ambiente de normalidade democrática:diante de legisladores e governantes eleitos e razoáveis, o tribunal deveria evitar impor sua vontade.Porém não estamos em um cenário de normalidade e um tribunal tímido não presta diante de um governo que desafia aConstituição.?

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