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BOLHA

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BOLHA

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ANDERS DE LA MOTTE

BOLHA

Tradução do sueco:NEIL SMITH

Tradução do inglês:FERNANDA OLIVEIRA

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Para Anette

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Quem detém o passado governa o futuro

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Os meus mais calorosos agradecimentos a todas as Formigas quepor aí andam, sem o conselho e os feitos das quais o Jogo nunca seteria tornado uma realidade.

O Autor

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Bolha [bóLA]

Uma pequena quantidade de ar ou gás dentro de um corpo líquidoUma pequena conta ou esfera oca, flutuanteQualquer coisa que é maior do que na realidade; uma falsa apa-

rênciaUma vigarice ou fraude; um esquema ilusório; um projeto vazio;

uma especulação desonestaUma pessoa enganada por um projeto vazio; um lorpaUma pequena cavidade esférica num material sólidoUm estado de existência (normalmente temporário) em que aqui-

lo que vemos, tocamos, ouvimos, sentimos e cheiramos é rigorosa-mente governado por aqueles que nos rodeiam ou por um sistema

Uma fantasia/sonho que é tão inverosímil que nunca poderia serverdadeira

www.brainyquote.comwww.urbandictionary.comwww.wiktionary.com

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«Num mundo personalizado, haverá uma tendência crescentepara nos serem transmitidas apenas notícias agradáveis, familiarese que confirmem as nossas convicções. Como esses filtros são invisí-veis, não saberemos o que nos estão a ocultar. Os nossos interessespassados irão determinar aquilo a que estaremos expostos no futuro,deixando menos margem para os encontros inesperados que susci-tam a criatividade, a inovação e a troca democrática de ideias.»

Eli Pariser

«Conhecimento é poder. Informação é poder. A sonegação ouacumulação de conhecimento ou informação pode ser um ato de ti-rania camuflado de humildade.»

Robin Morgan

«Mais importante que saber quem começa o jogo, é saber quemo acaba.»

John Wooden

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Caixa de saída: 1 mensagem pendente

De: [email protected]

Para: [email protected]

Assunto: o Jogo

Porra, Manga, como é que as coisas acabaram assim?

A princípio, foi tudo tão fácil. Tão inocente.

Um telemóvel que alguém deixou esquecido no comboio.

Um telefone que sabia quem eu era, que me tratou pelo nome.

Queres jogar, Henrik Pettersson?

SIM ou NÃO?

De início, correu tudo muito bem. As missões que me atribuíram

foram bastante simples: gamar um guarda-chuva, desapertar as

porcas das rodas num carro espampanante, parar o relógio por

cima dos grandes armazéns NK.

Os vídeos ficaram porreiros, os fãs gostaram do que viram e eu

comecei a subir na lista de resultados, a gozar os seus elogios

e aprovação, de olhos postos no primeiro lugar, tentando destronar

Kent Hasselqvist, também conhecido como Jogador 58.

Praticamente a qualquer preço.

Aquele bufo em Birkagatan, a quem pintei a porta e depois a cara

com tinta em spray. O ataque ao cortejo real. A pedra que deixei

cair da Ponte Traneberg em cima daqueles carros da polícia...

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Nem sequer pestanejei, Manga, não hesitei por um segundo que

fosse.

Limitei-me a fazer tudo o que podia para chegar ao primeiro lugar,

para fazer com que o público me adorasse. Para obter algum

reconhecimento.

Mas depois estraguei tudo. Violei a regra número um:

Nunca falar acerca do Jogo.

Primeiro expulsaram-me, depois fizeram-me um aviso. Deitaram

fogo ao meu apartamento e tentaram fazer o mesmo à tua loja de

informática. Isto sem falar no doido do Erman, o eremita que se

envolveu demasiado e estava agora a tentar levar uma vida simples

no meio do nada.

Não lhe serviu de muito, pois não?

Estás sempre a jogar, gostes ou não.

Por isso, retaliei em grande. Mandei-lhes o parque de servidores

pelos ares. Limpei-lhes a conta bancária e fui-me embora. Vivi

maravilhosamente em praias asiáticas, como toda a gente sonha

em fazer, e tentei realmente gozar essa reforma antecipada.

Até não foi mau...

É preciso ter cuidado com aquilo que se deseja...

Consegui andar escondido durante catorze meses, até que eles me

apanharam no Dubai. Incriminaram-me pelo homicídio de Anna

Argos e eu acabei preso e torturado. Mas consegui safar-me dessa

armadilha e decidi descobrir quem queria ver Anna morta. E a mim

também, já agora.

A resposta parecia levar à empresa de que ela era proprietária,

a Argoseye.com, e às suas práticas comerciais inegavelmente

duvidosas: bloguistas subornados, milhares de identidades falsas

na Internet, todos a fazer comentários e a atribuir pontuações que

convinham aos clientes da empresa; todas aquelas diferentes

ferramentas tecnológicas que usavam para suprimir coisas e man-

tê-las escondidas; fazerem com que certas coisas parecessem

invisíveis na Net.

Como o Jogo, por exemplo...

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Mas também os conseguimos vencer, ainda que isso tivesse um

preço. O trojan que programaste para eu introduzir no sistema fez

exatamente o que se esperava.

Arrastou os trolls para a luz do dia e eles rebentaram. Enganou

Philip Argos, esse horrível filho da mãe, e deu a lição que o resto

do seu ganguezinho merecia.

Tudo teria corrido bem.

Se não fosse ele.

Tage Sammer ou tio Tage, como Becca lhe chama.

Ele diz que é um antigo colega do nosso pai, do exército.

O velho pode ter enganado a minha irmã, mas eu sei quem ele é,

na realidade: o Mestre do Jogo. O cérebro por trás de tudo isto.

Ele deu-me uma missão, Manga.

Uma última missão que me tornará famoso.

Estou a tentar arranjar um plano que me livre disto. Que faça com

que eu e Becca deixemos de estar nas suas mãos.

Se receberes este e-mail, significa que falhei.

Que eles me obrigaram a cumprir a missão.

E que, muito provavelmente, estarei morto...

Está tudo silencioso, agora. Demasiado silencioso.

Mas eu sei que eles andam por aí, a vigiar todos os meus passos.

Em breve, tudo irá recomeçar.

A questão é: estarei preparado para jogar um último jogo?

Que achas?

SIM ou NÃO?

O teu velho amigo,

HP

Esta mensagem está agendada para ser enviada em data futura.

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Como um murro no peito, a sensação foi mais ou menos essa. Estranhamen-te, o golpe pareceu abrandar tudo ainda mais. De repente, conseguia apreciar osmais ínfimos pormenores que o rodeavam. A arma apontada ao seu peito, os gri-tos prolongados e apavorados da multidão circundante. À sua volta, os corposcomprimiam-se em câmara lenta, tentando afastar-se dele o mais possível.

Mas, apesar da evidência, apesar da pólvora que lhe picava as narinas e dotiro que ainda lhe ecoava nos tímpanos, o cérebro recusava-se a aceitar o que esta-va a acontecer. Como se estivesse a esquivar-se ao impossível, ao impensável, aoincompreensível...

Isto não podia simplesmente estar a acontecer.Não agora!Ela tinha-lhe dado um tiro...ELA

TINHA-LHE

DADO

UM

TIRO!A pistola continuava apontada ao seu peito. A expressão do rosto dela por

trás do cano era glacial, completamente impassível. Como se pertencesse a outrapessoa. A uma desconhecida.

Ele tentou levantar a mão em direção a ela e abriu a boca para dizer qual-quer coisa, mas o único som que lhe saiu dos lábios foi uma espécie de queixume.De repente e sem aviso, o tempo acelerou e voltou ao normal. A dor espalhou-secomo uma onda pela sua caixa torácica e percorreu-lhe o corpo, fazendo oscilaro asfalto debaixo dele. Os joelhos cederam e ele deu dois passos cambaleantes paratrás, numa tentativa de manter o equilíbrio.

O calcanhar bateu na borda do passeio.

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Depois, um segundo de ausência de peso, enquanto combatia a lei da gravi-dade.

Depois, uma sensação de queda livre, como num sonho.E com isto terminou o seu papel no Jogo.

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UM

UM JOGO INTEIRAMENTE NOVO?

No instante em que HP acordou, percebeu que alguma coisa es-tava errada. Demorou alguns segundos a perceber o que era.

Era o silêncio.Demasiado silêncio...O quarto ficava virado para Guldgränd e há muito que se habi-

tuara ao barulho constante do trânsito da autoestrada de Söderleden,a alguns metros de distância. Já quase nem pensava no barulho.

Mas em vez do habitual murmúrio surdo do trânsito intercaladocom uma ocasional sirene, aquela noite de verão parecia estar com-pletamente em silêncio.

Olhou para o rádio-despertador: 03:58. Deviam estar a fazerobras na via, pensou. O cruzamento entre Söderleden, Söder Mälars-trand e Slussen devia estar fechado para mais uma ronda de remen-dos... Mas além do facto de Bob, o Construtor, ter de trabalhar emmodo furtivo, dava conta lentamente de que também notava a falta deoutros ruídos. Não havia ninguém. Não havia ninguém a fazer baru-lho com as portas enquanto entregava os jornais matutinos, nãohavia bêbedos a gritar em Hornsgatan. Na verdade, não havia qual-quer som que indicasse que lá fora estava uma capital vibrante.Como se o seu quarto tivesse sido contido numa gigantesca bolha,isolado do resto do mundo. Forçando-o a viver num pequeno uni-verso próprio onde as regras habituais já não se aplicavam.

O que de certa forma até era verdade...

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Reparou que o coração começou a bater com mais força. Umsom indistinto qualquer vindo do interior do apartamento sobressal-tou-o.

Seria um ladrão?Não, era impossível. Tinha fechado a porta de alta segurança

e trancado as três fechaduras, como fazia sempre. A porta custarauma fortuna, mas valia cada raio de cada cêntimo. Moldura de aço,pinos cilíndricos duplos em gancho, tinha tudo — por isso, pela lógi-ca, ninguém poderia entrar-lhe no apartamento. Mas a onda de para-noia não se dissiparia tão facilmente...

Saiu da cama, atravessou o quarto e espreitou cautelosamentepara a sala. Os seus olhos demoraram alguns segundos a habituar-seà penumbra, mas os resultados eram claros. Não havia ali nada, nemum movimento, fosse na sala ou na cozinha, ao lado. Estava tudobem, não havia sinal de perigo. Apenas aquele silêncio pouco naturale opressor que continuava intacto...

Aproximou-se com cuidado da janela e espreitou para a rua. Nãose via vivalma, o que não era particularmente surpreendente àquelahora. Maria Trappgränd não era uma rua movimentada durante o dia.

Estava fechada para trabalhos na estrada, tinha de ser isso. Meta-de de Södermalm já parecia uma porcaria de uma escavação arqueo-lógica, por isso porque não optar por um bloqueio noturno comple-to? Os Bobs deviam estar todos a beber café.

Era plausível — claro! Mas aquela sensação de desconforto nãoo abandonava.

Só faltava o vestíbulo.Avançou em bicos dos pés sobre o chão de tábuas novas e foi até

à porta da entrada, com cuidado para não pisar a terceira e quinta tá-buas, que sabia que rangiam.

Quando estava a cerca de um metro da porta, viu a tampa da ra-nhura do correio a mexer. Parou a meio do passo ao mesmo tempoque a pulsação acelerava mais um pouco.

Há dois anos, alguém lhe deitara combustível pela caixa do cor-reio para lhe incendiar a casa. Foi uma experiência francamente desa-gradável, que acabou com ele deitado numa cama de hospital emSödermalm, com uma máscara de oxigénio na cara. Só muito tempo

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depois lhe ocorreu que tudo não passara de um aviso do Jogo parao recordar das regras.

Cheirou cuidadosamente o ar parado, mas não lhe cheirava a pa-rafina nem a qualquer outro combustível. Mas naquela altura já esta-va convencido. Os sons vinham da porta da entrada.

Talvez fosse mesmo alguém a entregar os jornais?Aproximou-se alguns passos da porta e com todo o cuidado es-

preitou pelo óculo.O barulho súbito que se seguiu foi tão violento que o fez dar um

salto para trás no vestíbulo.Porra!Ficou a ver estrelas durante alguns segundos e o coração parecia

quase ter parado de bater.Depois, outro estrondo violento recompô-lo do choque.Estava alguém a tentar arrombar-lhe a porta!A moldura de aço já estava a começar a vergar, por isso, quem

quer que ali estivesse era mais forte do que o Hulk. Um terceiro cho-que, metal contra metal. Não era o raio do Bruce Banner, mas prova-velmente um martelo pneumático a sério — se é que não era mais doque um.

A moldura moveu-se mais alguns centímetros e subitamente viuos cilindros atravessados entre o espaço. Mais alguns choques e aqui-lo cedia tudo.

Virou-se de repente, tropeçou nos próprios pés e caiu redondono chão. Mais um embate na porta lançou uma chuva de gesso quelhe aterrou nas pernas nuas.

Quando tentou agarrar-se, os pés escorregaram-lhe no chão.Já estava de pé.Passou rapidamente para a sala de estar, depois para o quarto.Mais um embate na porta!Sentia o sabor do sangue na boca e o coração parecia ir rebentar

de tanto bater.As mãos tremiam-lhe e teve dificuldade em girar a chave na

porta.Queraiosepassaaquiporra?

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Mais um estrondo vindo do vestíbulo, desta feita seguido de umruído de algo a partir, o que queria provavelmente dizer que a moldu-ra da porta tinha cedido.

Agarrou na cómoda e quase caiu quando esta deslizou com facili-dade para a frente da porta do quarto.

Que porcaria de contraplacado!Se a porta de aço não tinha conseguido deter os seus atacantes,

então um móvel que se montava em casa vindo do outro lado doBáltico não lhe ia proporcionar mais do que um par de segundos, nomáximo. Saltou para cima da cama e remexeu na mesa de cabeceira,que estava coberta com revistas e livros.

O telemóvel, onde diabo estava o telemóvel?Ali! Não, merda, aquilo era o comando da televisão...Ouviu passos rápidos na sala de estar, vozes abafadas a gritar

umas com as outras, mas estava demasiado concentrado na sua buscapara ouvir o que diziam.

Subitamente, os dedos bateram no telemóvel com tanta força queo atirou para o chão.

Mas que porra!A maçaneta da porta do quarto abanou, depois uma voz rouca

gritou:— Aqui!HP atirou-se para o chão, agitando loucamente os braços.Ali estava ele, mesmo ao lado da mão esquerda.Agarrou o telefone, mexeu nas teclas. Os dedos tremiam-lhe

como se tivesse Parkinson.Um, um, dois, é fácil de marcar... é fácil uma porra!Ouviu-se um embate na porta e a cómoda da IKEA quase se

desmoronava.— Estou, serviço de emergência, em que posso ajudá-lo? — per-

guntou uma voz seca e profissional.— Polícia! — gritou HP. — Ajudem-m...Um raio súbito de luz cegou-o, queimando-lhe a retina.Depois uma pancada tão forte que ficou sem conseguir respirar.E depois apanharam-no.

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*

— Voltou.— A carrinha — acrescentou ela quando ele não reagiu de ime-

diato.Ele olhou de relance pelo retrovisor.— A mesma de ontem?— Hum-hum — disse ela, sem tirar os olhos do espelho extra fi-

xado ao para-brisas, por cima do banco do passageiro.Qual havia de ser?, pensou ela com os seus botões.— Quatro carros atrás de nós. Já lá está há um bom bocado...

Precisamente como ontem e praticamente no mesmo sítio.— Tem a certeza de que é a mesma? Há muitas carrinhas brancas

na cidade...— Tenho a certeza — disse ela bruscamente. — Abranda um

bocadinho e deixa-o aproximar-se.— Mas assim perco o VIP... — disse ele, fazendo um gesto em

direção ao descapotável que seguia à frente deles.— Esquece o manual da Polícia de Segurança, Kjellgren, e tenta

ser mais flexível — replicou ela com aspereza desnecessária.Ele levantou o pé do acelerador com mais brusquidão do que era

preciso. O carro que ia atrás deles buzinou furiosamente e depois ultra-passou-os um bocadinho à justa. Um outro carro fez a mesma coisa.

Rebecca abriu o porta-luvas e tirou a máquina fotográfica parafora. Segurou-a em baixo e junto a si, para que o condutor da carri-nha não a visse pela janela traseira.

Olhou novamente pelo retrovisor.A lente de zoom era bastante boa, mas a carrinha ainda tinha dois

carros de permeio e estava parcialmente tapada.— Mais um bocadinho — murmurou ela para Kjellgren, prepa-

rando a máquina no colo.Estava a lutar contra o impulso de olhar para trás.Subitamente, o VIP à frente deles mudou de faixa, passando por

cima de um traço contínuo, e seguiu em direção a Kungsgatan.Kjellgren não teve alternativa senão segui-lo.Ela praguejou baixinho para consigo — podia dizer adeus àquela

oportunidade. Mas dois segundos depois percebeu que a carrinha

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continuava atrás deles. Tinha desaparecido outro dos carros que osseparavam, por isso a carrinha estava agora muito mais próxima.Consideravelmente mais próxima do que ela estaria se fosse a seguiralguém.

A repentina mudança de faixa devia ter apanhado o condutor desurpresa, forçando-o a cometer um erro.

Virou lentamente o tronco, encostando o cotovelo esquerdo aobanco e firmando-se com as pernas. A chapa de matrícula da carri-nha continuava escondida pelo carro de permeio, mas pelo para--brisas em vidro fumado conseguia ver a metade superior das duaspessoas que vinham na cabina. Vestiam roupa clara de manga com-prida, uma espécie de fato-macaco, tal como no dia anterior. Mas daúltima vez ela não tinha conseguido tirar a máquina com rapidez sufi-ciente. Agora, estava a contar compensar esse erro.

De repente, o carro atrás deles fez sinal para mudar de faixa e elaviu aí a sua oportunidade. Virou-se de repente, levantou a máquinae apontou-a para o sítio onde a chapa de matrícula estava prestesa ficar visível.

Premiu o botão até meio. O carro mudou de faixa. Ouviu-se umcurto bipe quando a máquina focou automaticamente a imagem.

Premiu o botão até ao fundo. Tirou duas fotografias. Perfeito!Depois, levantou rapidamente a máquina fotográfica em direção

à cabina da carrinha. Focou o condutor e premiu o botão. A teleobje-tiva zumbiu e a forma indistinta atrás do volante tornou-se subita-mente muito mais nítida. Mas precisamente na altura em que seouviu o bipe da focagem automática, Kjellgren acelerou de repentee o movimento rápido fê-la desequilibrar-se.

Quando conseguiu visualizar novamente a cabina, a carrinha jáestava muito atrás deles.

— Mas que raio de brincadeira é esta, Kjellgren? — disse ela emtom ríspido, enquanto tirava uma série de instantâneos, quase àscegas, da silhueta cada vez mais pequena no interior da carrinha.

— O VIP, Wennergren Júnior. — Ele apontou para o pequenocarro desportivo à sua frente, que já quase não se via. — De repente,acelerou cá de uma maneira que parecia um troll escaldado. E eu nãoqueria correr o risco de o perder.

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Ela baixou a máquina fotográfica e afundou-se no banco.Merda!Olhou rapidamente para o espelho, mas já sabia o que ia ver: a

carrinha tinha desaparecido.Passou as fotografias no pequeno ecrã da máquina. A chapa de

matrícula era perfeitamente visível, mas, tal como suspeitava, as ima-gens da cabina eram praticamente inúteis.

Caraças!Chamem-lhe intuição de polícia ou o que diabo quiserem, mas

havia alguma coisa naquela carrinha que a preocupava.Mal chegasse ao serviço ia confirmar a matrícula, talvez até fazer

uma ou duas chamadas e verificar uma segunda vez com o serviço devigilância, caso a Direção de Viação não descobrisse nada...

De repente, arrependeu-se de ter falado torto com Kjellgren. Assuas prioridades tinham sido totalmente corretas. No fim de contas,o VIP era o mais importante e ela teria feito exatamente a mesmacoisa se fosse ela a conduzir.

Kjellgren era um excelente condutor, e essa era uma das razõesporque o trouxera da Polícia de Segurança. Ele já tinha coberto a dis-tância que o separava do carro do VIP e já estavam na posição habi-tual, logo atrás dele.

— Fizeste exatamente o que devias, Kjellgren — disse ela, esfor-çando-se por parecer neutra.

Ele limitou-se a acenar com a cabeça e ficaram calados durantealguns minutos, enquanto olhavam alternadamente para os espelhosretrovisores.

— Quando disse que íamos à Fortaleza? — lá acabou Kjellgrenpor perguntar, em tom demasiado amistoso.

— Isso depende um bocadinho da agenda de Black. — Fez umesforço para lhe retribuir o sorriso.

— Está bem. A propósito, viu aquele artigo no Dagens Nyheter?Uma grande notícia sobre as novas utilizações que as pessoas desco-briram para as antigas instalações militares. Além de usarem os abri-gos subterrâneos como salas de servidores, também arranjaramo velho túnel de comunicações com a costa, para trazer água parao sistema de arrefecimento. Coisas muito avançadas.

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— Parece que a segurança lá também é qualquer coisa de extraor-dinário.

Ele aproximou-se do carro de Wennergren e deu uma guinada rá-pida para afugentar um carro que estava a tentar meter-se de per-meio.

— Parece que a PayTag quer conservar o estatuto de instalaçãode alta segurança, o que é perfeitamente compreensível. É por issoque o pessoal da segurança que lá trabalha pode andar armado...

Kjellgren desviou o olhar do carro à sua frente para lhe lançarum rápido olhar de esguelha.

Ela conseguiu ouvir a pergunta antes mesmo de ele ter abertoa boca.

— A propósito, como estão a correr as coisas para nós em maté-ria de armas, chefe?

— A autoridade de licenciamento ainda está a avaliar o nosso re-querimento...

... outra vez, esteve quase a acrescentar, mas o telemóvel começoua vibrar no bolso do colete. Número privado. Provavelmente, maisuma chamada de marketing ou algum ex-colega da polícia à procura deemprego...

Moveu o polegar em direção ao ícone vermelho para rejeitara chamada, mas mudou de ideias à última da hora. Kjellgren não pa-rava de olhá-la de relance, evidentemente desejoso de continuara conversa sobre licença de uso e porte de armas. E não era o único.

Praticamente todos os novos recrutas da sua equipa de guarda--costas tinham aceitado o trabalho supondo que poderiam andar ar-mados durante o cumprimento dos seus deveres. Portanto, se o re-querimento fosse rejeitado...

Apressou-se a premir o ícone verde no telefone.— Sentry Security, Rebecca Normén — disse ela num tom exa-

geradamente profissional.— Unidade de Proteção Pessoal, detetive superintendente Lud-

vig Runeberg — disse o antigo chefe do outro lado.— Olá, Ludvig, há quanto tempo! É bom ter notícias tuas...— Não tenho a certeza se irás pensar da mesma maneira quando

acabarmos de falar, Normén...

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Alguma coisa no tom da sua voz fê-la endireitar-se inconsciente-mente.

— Talvez o melhor seja vires aqui à sede da polícia de imediato,se puderes...

A ligação ficou com interferências e a voz dele desapareceu du-rante alguns segundos. Mas parte dela já tinha percebido o que ele iadizer. Sentiu um nó no estômago.

Não, não, não...— ... o teu irmão mais novo.