boletín nº3 - caso alyne da silva v brasil
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5/12/2018 Bolet n Nº3 - Caso Alyne da Silva v Brasil - slidepdf.com
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Caso Alyne da Silva
Pimentel Teixeira uma decisão paradigmática
sobre os direitos humanosdas mulheres relacionados
à mortalidade materna no Brasil
Boletim do Programa do litígio internacional
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N º 3
O Caso
Argumentos de violações de direitos humanos
Considerações de Mérito do Comitê
Recomendações do Comitê
A importância do caso para a América Latina
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Em 10 de agosto de 2001, o Comitê para a Eliminação
da Discriminação contra a Mulher (CEDAW) proferiu
uma decisão paradigmática1 sobre mortalidade materna
e direitos humanos das mulheres no caso Alyne da Silva
Pimentel Teixeira v Brasil. O caso foi apresentado por
Maria de Lourdes da Silva Pimentel (mãe de Alyne)
através das organizações Centro para os Direitos
Reprodutivos (CRR) e Advocaci – Advocacia Cidadãpara os Direitos Humanos, contra o Estado brasileiro.
Esta é a primeira decisão do Sistema de Direitos Humanos
das Nações Unidas que estabelece a responsabilidade
internacional do estado por morte materna prevenível.
O CLADEM apresentou Amicus Curiae ao Comitê
CEDAW demonstrando a dramaticidade da mortalidade
materna na região latino-americana e particularmente,
no Brasil.
O CasoO caso refere-se à morte evitável de Alyne da Silva
Pimentel Teixeira, ocorrida na cidade de Belford Roxo,
no estado do Rio de Janeiro, em 16 de novembro de
2002. Alyne era uma mulher afrodescendente, de 28
anos, casada e tinha uma filha de cinco anos de idade.
Alyne estava no sexto mês de gestação quando
começou a sentir uma forte náusea e dores abdominais,
e procurou uma clínica de saúde para tratamento. A
médica ginecologista que a atendeu prescreveu um
remédio para náusea, vitaminas e marcou nova consulta
para exames de sangue e urina, a serem realizados dois
dias depois. A situação de saúde de Alyne piorou e
quando retornou à clínica, foi atendida por outro
médico, que através de um exame de ultrasom detectou
que o feto estava morto. Alyne foi submetida ao parto
induzido e logo após ficou desorientada. Quatorze
horas depois foi realizada cirurgia para retirada dos
restos da placenta e sua condição piorou muito: ela
começou a ter hemorragia, vomitar sangue, baixou a
pressão, teve fraqueza e dificuldade para comer.
No dia seguinte, em 15 de novembro, sua condição de
saúde continuou a deteriorar-se e ela precisou de
transfusão de sangue. Ela esperou 8 horas para conseguir
uma ambulância que a transferisse para um hospital.
Quando chegou ao hospital sua pressão estava a zero e
ela teve que ser ressuscitada. O hospital a colocou
provisoriamente no corredor da sala de emergência
porque não havia leitos disponíveis. Além disso, sua
ficha médica não havia sido levada ao hospital.
Alyne morreu no dia 16 de novembro, de hemorragia
digestiva resultante do parto do feto morto.
Em 11 de fevereiro de 2003 foi proposta uma ação civil
de reparação de danos pela família de Alyne. Dita ação
ainda está pendente de decisão.
A comunicação ao Comitê CEDAW foi feita em 30 de
novembro de 2007.
Argumentos de violações dedireitos humanosA morte de Alyne da Silva Pimentel Teixeira constituiu
uma grave violação ao direito à vida, à saúde e à
efetiva proteção dos direitos das mulheres. O Estado
brasileiro não cumpriu com sua obrigação fundamental
em relação à saúde, de reduzir a mortalidade maternae não assegurou acesso a tratamento médico de
qualidade e cuidado obstétrico emergencial no tempo
devido; houve violação ao direito a não discriminação
baseada no gênero, raça ou condição socioeconômica.
A demora na reparação doméstica também demonstrou
o fracasso do estado em fornecer recursos jurídicos e
reparações, violando o direito de proteção efetiva
(artigos 2, 12, (c), da Convenção CEDAW e artigo 6 do
Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos).
Devido à demora de 8 anos sem julgamento, desdeque o caso foi apresentado à justiça brasileira, o Comitê
excepcionou a regra da exaustão da esfera doméstica.
Consideraçõesde Mérito
do ComitêEm 25 de julho de 2011, o Comitê CEDAW conside-
rou que o caso era de morte materna relacionada a
complicações obstétricas na gravidez, por não terem
sido assegurados serviços apropriados à sua condição
de gestante, sendo o Brasil responsável pela morte de
Alyne da Silva Pimentel Teixeira. Além disso, o Comitê
observou que o Estado brasileiro é diretamente
responsável pelas ações das instituições privadas de
saúde e tem o dever legal de regular e monitorar as
atividades dessas instituições em relação às políticas e
práticas adequadas.
1 Comunicação No. 17/2008.
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3Para o Comitê, a ausência de serviços de saúde materna
adequados viola as necessidades específicas de saúde e
os interesses das mulheres e constitui discriminação que
impacta o direito à vida das mulheres.
O Comitê considerou que Alyne sofreu múltipla discri-
minação por ser afrodescendente e ter poucos recur-
sos econômicos e que o Brasil falhou em oferecer umaproteção judicial efetiva e remédios legais adequados.
Recomendaçõesdo ComitêSob o artigo 7, parágrafo 3, do Protocolo Facultativo
à Convenção, o Comitê afirmou que o Brasil violou suas
obrigações sob o artigo 12 (direito ao acesso à saúde),artigo 2 (c) (acesso à justiça) e o artigo 2 (dever de
regular com a devida diligência as atividades dos
serviços privados de saúde) em conjunção com o
artigo 1 da Convenção lido em conjunto com as
recomendações gerais 24 e 28.
O Comitê recomendou especificamente que o Brasil
repare adequadamente a autora e sua filha, incluindo
compensação financeira comensurada com a gravidade
das violações cometidas contra ela.
E determinou medidas gerais para garantir o direito à
saúde reprodutiva das mulheres, tais como:
a) Assegurar às mulheres o direito à maternidade
segura e fácil acesso aos cuidados obstétricos;
b) Fornecer capacitação e treinamento profissional
adequado aos trabalhadores de saúde, especial-
mente sobre os direitos à saúde das mulheres,
incluindo tratamento médico de qualidade
durante a gravidez e o parto, bem como cuidado
obstétrico emergencial;
c) Assegurar acesso legal a remédios efetivos nos
casos em que haja violação dos direitos à saúde
reprodutiva das mulheres, capacitação ao poder
judiciário e para os agentes responsáveis pelo
cumprimento a lei;
d) Assegurar que os serviços de saúde cumpram os
padrões nacionais e internacionais de atenção à
saúde reprodutiva;
e) Assegurar sanções apropriadas aos profissionais
de saúde que violem os direitos à saúde repro-
dutiva das mulheres e,
f) Reduzir a mortalidade materna prevenível através
da implementação do Pacto Nacional de Mortali-
dade Materna nos estados e municípios, incluindoo estabelecimento de comitês de mortalidade
materna onde eles não existam.
Além disso, o Brasil deverá informar ao Comitê,
dentro de seis meses, as providências tomadas para o
cumprimento das recomendações, bem como traduzir
para o português e outras línguas, a decisão do Comitê
e suas recomendações, distribuindo-a amplamente a
relevantes setores da sociedade.
A importância do caso para a América Latina Conforme destacado no Amicus Curiae apresentado
pelo CLADEM, a mortalidade materna na América
Latina é preocupante2. O Brasil é responsável pelo
índice de 30% do total de mortes maternas que
ocorrem na região. As estatísticas mais recentes
demonstram que, aproximadamente, 4.100 mulheres
morrem todos os anos no Brasil3 como resultado da
mortalidade materna, comparado ao total de 1200
mortes maternas na Colômbia4, 1300 na Guatemala5, e
1500 no Peru6. Além disso, as principais causas de
morte materna são idênticas na região (hemorragias,
toxemia, complicações derivadas do aborto e
infecções) e afetam de modo mais severo as mulheres
pobres, indígenas e que vivem em regiões rurais7.
No Brasil, alguns grupos de mulheres estão sujeitos amúltiplas formas de discriminação devido ao grau de
escolaridade, condições socioeconômicas, raça ou
etnia, local de moradia, e às disparidades regionais
sendo, por isso, mais vulneráveis e com maior risco de
morbi-mortalidade materna8.
2 Amicus Curiae - CLADEM.3 Organização Mundial de Saúde (OMS), Mortalidade Materna em 2005: Estimativas desenvolvidas pela OMS, UNICFEF, NNFBA e Banco
Mundial, 16 (2007) World Health Organization (WHO), MATERNAL MORTALITY IN 2005: ESTIMATES DEVELOPED BY WHO, UNICEF,NNFBA AND THE WORLD BANK, 16 (2007), disponível em http://whqlibdoc.who.int/publications/2007/9789241596213_eng.pdf
4 ĺ dem.5 ĺ dem.6 ĺ dem.7 Amicus Curiae - CLADEM.8 Relatório Alternativo de Monitoramento sobre a Situação da Mortalidade Materna no Brasil referente ao Pacto Internacional sobre Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais elaborado pelo Cladem – Comitê Latino-americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher epela Advocaci – Advocacia Cidadã pelos Direitos Humanos, abril de 2003.
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4A mortalidade materna no Brasil aponta para a omissão
e a falta de diligência do Estado, uma vez que a maior
parte das mortes maternas ocorre por causas evitáveis
dentro dos serviços de saúde9. Na sua fundamentação,
o Amicus baseou-se no caso Velásquez Rodríguez vs.
Honduras10, em decisão proferida pela Corte Interameri-
cana de Direitos Humanos que considerou que o estado
não tem somente a obrigação de assegurar a realizaçãodos direitos humanos protegidos, mas também de
adotar todas as medidas necessárias para assegurar a
sua implementação na esfera pública e tem o dever de
devida diligência para prevenir e responder às violações
de direitos humanos ocorridas na esfera privada11. O
CLADEM afirmou que esta decisão é igualmente
aplicável para o tema da mortalidade materna em um
país com altas taxas de mortes maternas por causas
evitáveis, e concluiu que em relação à mortalidade
materna, e à luz do caso concreto em análise, o Estado
brasileiro responde pelas obrigações contraídas “parasolucionar as falhas do sistema de saúde em prevenir
mortes maternas por causas evitáveis, devendo para
isso tomar medidas para respeitar, assegurar, prevenir e
reparar as violações de direitos humanos derivadas da
morte materna evitável, através dos meios legais,
administrativos, legislativos e judiciais cabíveis”12.
O impacto da decisão na região contribuirá para que os
países se esforcem para cumprir com o quinto Objetivo
de Desenvolvimento do Milênio de melhorar a saúde
materna e reduzir a mortalidade materna em 75% até
2015.
Dentre as recomendações do Comitê, destaca-se a
capacitação dos profissionais de saúde sobre os
direitos reprodutivos das mulheres de modo a não
violarem esses direitos. Além disso, a qualificação parao atendimento à gravidez e ao parto propiciará que os
profissionais reconheçam os sintomas de uma gravidez
de risco e tomem medidas adequadas e urgentes para
impedir a morte de mulheres.
Ressalta-se ainda, significativa recomendação sobre a
imposição de sanções aos profissionais que violarem os
direitos reprodutivos das mulheres. Essa recomendação
tem particular importância, porque em geral, as
violações à saúde reprodutiva, incluindo maus-tratos,
não são penalizadas. Com isso, espera-se que osprofissionais de saúde sejam mais atentos e cuidadosos
no tratamento com as mulheres.
Por fim, a decisão cria relevante jurisprudência interna-
cional sobre mortalidade materna e direito à saúde
reprodutiva e obriga, desde já, o Estado brasileiro a
rever sua política de saúde destinada às mulheres.
9 Ver Cook R.& Dickens B., Advancing Safe Motherhood through Human Rights, Organização Mundial deSaúde 2001. GALLI, M.B. A Human Rights Approach to Maternal Mortality in Brazil, 2002. Tese demestrado, Faculdade de Direito, Universidade de Toronto, Toronto, Canadá. 2002.
10 Corte Interamericana de Direitos Humanos, Velásquez Rodriguez, Sentença de 29 de julho de 1988, Sérien. C. (ver numerais 166, 172 y 174-177).
11 Id. numerais 172.12 Mortalidade Materna e direitos humanos: as mulheres e o direito de viver livre de morte materna evitável.
Maria Beatriz Galli (coord.), Flávia Piovesan, Valéria Pandjiarjian. Rio de Janeiro: ADVOCACI, 2005.
Autoras do textoBeatriz Galli e Carmen Hein de Campos
EditoraM. Gabriela Filoni
Desenho da capa e diagramaçãoMarco Montero
Coordenação de diseño e impressãoVerónica Aparcana
ImpressãoTarea Gráfica
Depósito Legal feito na Biblioteca Nacional do Peru Nº: 2011-09001Lima, Outubro 2011
A presente publicação foi realizada com o financiamentoda Agência Espanhola de Cooperação Internacionalpara o Desenvolvimento - AECID. Seu conteúdo é deresponsabilidade exclusiva do CLADEM e não refletenecessariamente a posição institucional da AECID.A inclusão de seu logotipo não implica que aprove ourespalde as posições expressadas neste documento.
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