boletín nº3 - caso alyne da silva v brasil

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 Caso  Alyne da Silva Pimentel Teixeira uma decisão paradigmática sobre os direitos humanos das mulheres relacionados à mortalidade materna no Brasil Boletim do Prog rama do litígio internacional  1 2 3 4 5  N  º  3 O Caso Argumentos de violações de direitos humanos Considerações de Mérito do Comitê Recomendações do Comitê A importância do caso para a América Latina

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Caso Alyne da Silva 

Pimentel Teixeira uma decisão paradigmática

sobre os direitos humanosdas mulheres relacionados

à mortalidade materna no Brasil

Boletim do Programa do litígio internacional

1

2

3

4

5

 N º 3

O Caso

Argumentos de violações de direitos humanos

Considerações de Mérito do Comitê

Recomendações do Comitê

A importância do caso para a América Latina

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Em 10 de agosto de 2001, o Comitê para a Eliminação

da Discriminação contra a Mulher (CEDAW) proferiu

uma decisão paradigmática1 sobre mortalidade materna

e direitos humanos das mulheres no caso Alyne da Silva

Pimentel Teixeira v Brasil. O caso foi apresentado por

Maria de Lourdes da Silva Pimentel (mãe de Alyne)

através das organizações Centro para os Direitos

Reprodutivos (CRR) e Advocaci – Advocacia Cidadãpara os Direitos Humanos, contra o Estado brasileiro.

Esta é a primeira decisão do Sistema de Direitos Humanos

das Nações Unidas que estabelece a responsabilidade

internacional do estado por morte materna prevenível.

O CLADEM apresentou Amicus Curiae ao Comitê

CEDAW demonstrando a dramaticidade da mortalidade

materna na região latino-americana e particularmente,

no Brasil.

O CasoO caso refere-se à morte evitável de Alyne da Silva

Pimentel Teixeira, ocorrida na cidade de Belford Roxo,

no estado do Rio de Janeiro, em 16 de novembro de

2002. Alyne era uma mulher afrodescendente, de 28

anos, casada e tinha uma filha de cinco anos de idade.

Alyne estava no sexto mês de gestação quando

começou a sentir uma forte náusea e dores abdominais,

e procurou uma clínica de saúde para tratamento. A

médica ginecologista que a atendeu prescreveu um

remédio para náusea, vitaminas e marcou nova consulta

para exames de sangue e urina, a serem realizados dois

dias depois. A situação de saúde de Alyne piorou e

quando retornou à clínica, foi atendida por outro

médico, que através de um exame de ultrasom detectou

que o feto estava morto. Alyne foi submetida ao parto

induzido e logo após ficou desorientada. Quatorze

horas depois foi realizada cirurgia para retirada dos

restos da placenta e sua condição piorou muito: ela

começou a ter hemorragia, vomitar sangue, baixou a

pressão, teve fraqueza e dificuldade para comer.

No dia seguinte, em 15 de novembro, sua condição de

saúde continuou a deteriorar-se e ela precisou de

transfusão de sangue. Ela esperou 8 horas para conseguir

uma ambulância que a transferisse para um hospital.

Quando chegou ao hospital sua pressão estava a zero e

ela teve que ser ressuscitada. O hospital a colocou

provisoriamente no corredor da sala de emergência

porque não havia leitos disponíveis. Além disso, sua

ficha médica não havia sido levada ao hospital.

Alyne morreu no dia 16 de novembro, de hemorragia

digestiva resultante do parto do feto morto.

Em 11 de fevereiro de 2003 foi proposta uma ação civil

de reparação de danos pela família de Alyne. Dita ação

ainda está pendente de decisão.

A comunicação ao Comitê CEDAW foi feita em 30 de

novembro de 2007.

 Argumentos de violações dedireitos humanosA morte de Alyne da Silva Pimentel Teixeira constituiu

uma grave violação ao direito à vida, à saúde e à

efetiva proteção dos direitos das mulheres. O Estado

brasileiro não cumpriu com sua obrigação fundamental

em relação à saúde, de reduzir a mortalidade maternae não assegurou acesso a tratamento médico de

qualidade e cuidado obstétrico emergencial no tempo

devido; houve violação ao direito a não discriminação

baseada no gênero, raça ou condição socioeconômica.

A demora na reparação doméstica também demonstrou

o fracasso do estado em fornecer recursos jurídicos e

reparações, violando o direito de proteção efetiva

(artigos 2, 12, (c), da Convenção CEDAW e artigo 6 do

Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos).

Devido à demora de 8 anos sem julgamento, desdeque o caso foi apresentado à justiça brasileira, o Comitê

excepcionou a regra da exaustão da esfera doméstica.

Consideraçõesde Mérito

do ComitêEm 25 de julho de 2011, o Comitê CEDAW conside-

rou que o caso era de morte materna relacionada a

complicações obstétricas na gravidez, por não terem

sido assegurados serviços apropriados à sua condição

de gestante, sendo o Brasil responsável pela morte de

Alyne da Silva Pimentel Teixeira. Além disso, o Comitê

observou que o Estado brasileiro é diretamente

responsável pelas ações das instituições privadas de

saúde e tem o dever legal de regular e monitorar as

atividades dessas instituições em relação às políticas e

práticas adequadas.

1 Comunicação No. 17/2008.

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3Para o Comitê, a ausência de serviços de saúde materna

adequados viola as necessidades específicas de saúde e

os interesses das mulheres e constitui discriminação que

impacta o direito à vida das mulheres.

O Comitê considerou que Alyne sofreu múltipla discri-

minação por ser afrodescendente e ter poucos recur-

sos econômicos e que o Brasil falhou em oferecer umaproteção judicial efetiva e remédios legais adequados.

Recomendaçõesdo ComitêSob o artigo 7, parágrafo 3, do Protocolo Facultativo

à Convenção, o Comitê afirmou que o Brasil violou suas

obrigações sob o artigo 12 (direito ao acesso à saúde),artigo 2 (c) (acesso à justiça) e o artigo 2 (dever de

regular com a devida diligência as atividades dos

serviços privados de saúde) em conjunção com o

artigo 1 da Convenção lido em conjunto com as

recomendações gerais 24 e 28.

O Comitê recomendou especificamente que o Brasil

repare adequadamente a autora e sua filha, incluindo

compensação financeira comensurada com a gravidade

das violações cometidas contra ela.

E determinou medidas gerais para garantir o direito à

saúde reprodutiva das mulheres, tais como:

a) Assegurar às mulheres o direito à maternidade

segura e fácil acesso aos cuidados obstétricos;

b) Fornecer capacitação e treinamento profissional

adequado aos trabalhadores de saúde, especial-

mente sobre os direitos à saúde das mulheres,

incluindo tratamento médico de qualidade

durante a gravidez e o parto, bem como cuidado

obstétrico emergencial;

c) Assegurar acesso legal a remédios efetivos nos

casos em que haja violação dos direitos à saúde

reprodutiva das mulheres, capacitação ao poder

judiciário e para os agentes responsáveis pelo

cumprimento a lei;

d) Assegurar que os serviços de saúde cumpram os

padrões nacionais e internacionais de atenção à

saúde reprodutiva;

e) Assegurar sanções apropriadas aos profissionais

de saúde que violem os direitos à saúde repro-

dutiva das mulheres e,

f) Reduzir a mortalidade materna prevenível através

da implementação do Pacto Nacional de Mortali-

dade Materna nos estados e municípios, incluindoo estabelecimento de comitês de mortalidade

materna onde eles não existam.

Além disso, o Brasil deverá informar ao Comitê,

dentro de seis meses, as providências tomadas para o

cumprimento das recomendações, bem como traduzir

para o português e outras línguas, a decisão do Comitê

e suas recomendações, distribuindo-a amplamente a

relevantes setores da sociedade.

 A importância do caso para a América Latina Conforme destacado no Amicus Curiae apresentado

pelo CLADEM, a mortalidade materna na América

Latina é preocupante2. O Brasil é responsável pelo

índice de 30% do total de mortes maternas que

ocorrem na região. As estatísticas mais recentes

demonstram que, aproximadamente, 4.100 mulheres

morrem todos os anos no Brasil3 como resultado da

mortalidade materna, comparado ao total de 1200

mortes maternas na Colômbia4, 1300 na Guatemala5, e

1500 no Peru6. Além disso, as principais causas de

morte materna são idênticas na região (hemorragias,

toxemia, complicações derivadas do aborto e

infecções) e afetam de modo mais severo as mulheres

pobres, indígenas e que vivem em regiões rurais7.

No Brasil, alguns grupos de mulheres estão sujeitos amúltiplas formas de discriminação devido ao grau de

escolaridade, condições socioeconômicas, raça ou

etnia, local de moradia, e às disparidades regionais

sendo, por isso, mais vulneráveis e com maior risco de

morbi-mortalidade materna8.

2 Amicus Curiae - CLADEM.3 Organização Mundial de Saúde (OMS), Mortalidade Materna em 2005: Estimativas desenvolvidas pela OMS, UNICFEF, NNFBA e Banco

Mundial, 16 (2007) World Health Organization (WHO), MATERNAL MORTALITY IN 2005: ESTIMATES DEVELOPED BY WHO, UNICEF,NNFBA AND THE WORLD BANK, 16 (2007), disponível em http://whqlibdoc.who.int/publications/2007/9789241596213_eng.pdf

4  ĺ dem.5  ĺ dem.6  ĺ dem.7 Amicus Curiae - CLADEM.8 Relatório Alternativo de Monitoramento sobre a Situação da Mortalidade Materna no Brasil referente ao Pacto Internacional sobre Direitos

Econômicos, Sociais e Culturais elaborado pelo Cladem – Comitê Latino-americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher epela Advocaci – Advocacia Cidadã pelos Direitos Humanos, abril de 2003.

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4A mortalidade materna no Brasil aponta para a omissão

e a falta de diligência do Estado, uma vez que a maior

parte das mortes maternas ocorre por causas evitáveis

dentro dos serviços de saúde9. Na sua fundamentação,

o Amicus baseou-se no caso Velásquez Rodríguez vs.

Honduras10, em decisão proferida pela Corte Interameri-

cana de Direitos Humanos que considerou que o estado

não tem somente a obrigação de assegurar a realizaçãodos direitos humanos protegidos, mas também de

adotar todas as medidas necessárias para assegurar a

sua implementação na esfera pública e tem o dever de

devida diligência para prevenir e responder às violações

de direitos humanos ocorridas na esfera privada11. O

CLADEM afirmou que esta decisão é igualmente

aplicável para o tema da mortalidade materna em um

país com altas taxas de mortes maternas por causas

evitáveis, e concluiu que em relação à mortalidade

materna, e à luz do caso concreto em análise, o Estado

brasileiro responde pelas obrigações contraídas “parasolucionar as falhas do sistema de saúde em prevenir

mortes maternas por causas evitáveis, devendo para

isso tomar medidas para respeitar, assegurar, prevenir e

reparar as violações de direitos humanos derivadas da

morte materna evitável, através dos meios legais,

administrativos, legislativos e judiciais cabíveis”12.

O impacto da decisão na região contribuirá para que os

países se esforcem para cumprir com o quinto Objetivo

de Desenvolvimento do Milênio de melhorar a saúde

materna e reduzir a mortalidade materna em 75% até

2015.

Dentre as recomendações do Comitê, destaca-se a

capacitação dos profissionais de saúde sobre os

direitos reprodutivos das mulheres de modo a não

violarem esses direitos. Além disso, a qualificação parao atendimento à gravidez e ao parto propiciará que os

profissionais reconheçam os sintomas de uma gravidez

de risco e tomem medidas adequadas e urgentes para

impedir a morte de mulheres.

Ressalta-se ainda, significativa recomendação sobre a

imposição de sanções aos profissionais que violarem os

direitos reprodutivos das mulheres. Essa recomendação

tem particular importância, porque em geral, as

violações à saúde reprodutiva, incluindo maus-tratos,

não são penalizadas. Com isso, espera-se que osprofissionais de saúde sejam mais atentos e cuidadosos

no tratamento com as mulheres.

Por fim, a decisão cria relevante jurisprudência interna-

cional sobre mortalidade materna e direito à saúde

reprodutiva e obriga, desde já, o Estado brasileiro a

rever sua política de saúde destinada às mulheres.

9 Ver Cook R.& Dickens B., Advancing Safe Motherhood through Human Rights, Organização Mundial deSaúde 2001. GALLI, M.B. A Human Rights Approach to Maternal Mortality in Brazil, 2002. Tese demestrado, Faculdade de Direito, Universidade de Toronto, Toronto, Canadá. 2002.

10 Corte Interamericana de Direitos Humanos, Velásquez Rodriguez, Sentença de 29 de julho de 1988, Sérien. C. (ver numerais 166, 172 y 174-177).

11 Id. numerais 172.12 Mortalidade Materna e direitos humanos: as mulheres e o direito de viver livre de morte materna evitável.

Maria Beatriz Galli (coord.), Flávia Piovesan, Valéria Pandjiarjian. Rio de Janeiro: ADVOCACI, 2005.

Autoras do textoBeatriz Galli e Carmen Hein de Campos

EditoraM. Gabriela Filoni

Desenho da capa e diagramaçãoMarco Montero

Coordenação de diseño e impressãoVerónica Aparcana

ImpressãoTarea Gráfica

Depósito Legal feito na Biblioteca Nacional do Peru Nº: 2011-09001Lima, Outubro 2011

A presente publicação foi realizada com o financiamentoda Agência Espanhola de Cooperação Internacionalpara o Desenvolvimento - AECID. Seu conteúdo é deresponsabilidade exclusiva do CLADEM e não refletenecessariamente a posição institucional da AECID.A inclusão de seu logotipo não implica que aprove ourespalde as posições expressadas neste documento.

© Comité de América Latina y el Caribe para la Defensade los Derechos de la Mujer- CLADEMPrograma de Lítigio Internacional

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