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SINICON INFORMA EDIÇÃO ESPECIAL EFEITO CORONAVÍRUS Quais impactos jurídicos nas relações trabalhistas do COVID19? Com a palavra, o próprio Professor Ricardo Calcini. Antes de mais nada, importante registrar que este texto aqui reproduzido não tem a pretensão de esgotar a matéria, na medida em que muitos são os desdobramentos provocados pelo novo coronavírus nas relações de trabalho. A despeito disso, procurou-se compilar o maior número de dúvidas acerca da controvérsia, até para que o artigo sirva de orientação para milhares de advogados, profissionais de DP e RH, contadores, além dos departamentos jurídicos das empresas e seus respectivos colaboradores, que estão lidando com a atual problemática em todo o Brasil. Dito isso, o primeiro ponto a ser destacado é o legislativo. Até o presente momento, frise-se, a única norma infraconstitucional que trata acerca do coronavírus é a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020. E, no caso, o §3º do artigo 3º da legislação assevera que “será considerado falta justificada ao serviço público ou à atividade laboral privada o período de ausência decorrente das medidas previstas neste artigo” (g.n.). Aqui temos, portanto, uma hipótese de interrupção do contrato de trabalho, na qual o funcionário continuará a receber normalmente seu salário, cujo período de afastamento será computado inclusive para todos os efeitos legais, quer dizer, para fins de contagem do tempo de serviço, cálculo da gratificação natalina e das férias, além dos depósitos do FGTS devidos na conta vinculada do empregado.ria

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Page 1: Boletim Sinicon nº 1 · preceitos da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, como também na legislação previdenciária, as quais não sofreram nenhuma alteração por força

SINICONINFORMAEDIÇÃO ESPECIAL

EFEITO CORONAVÍRUSQuais impactos jurídicos nas relações trabalhistas do COVID19?

Com a palavra, o próprio Professor Ricardo Calcini.

Antes de mais nada, importante registrar queeste texto aqui reproduzido não tem apretensão de esgotar a matéria, na medida emque muitos são os desdobramentosprovocados pelo novo coronavírus nas relaçõesde trabalho. A despeito disso, procurou-secompilar o maior número de dúvidas acerca dacontrovérsia, até para que o artigo sirva deorientação para milhares de advogados,profissionais de DP e RH, contadores, alémdos departamentos jurídicos das empresas eseus respectivos colaboradores, que estãolidando com a atual problemática em todo oBrasil. Dito isso, o primeiro ponto a ser destacado é olegislativo. Até o presente momento, frise-se, a

única norma infraconstitucional que trataacerca do coronavírus é a Lei nº 13.979, de 6de fevereiro de 2020. E, no caso, o §3º doartigo 3º da legislação assevera que “seráconsiderado falta justificada ao serviço públicoou à atividade laboral privada o período deausência decorrente das medidas previstasneste artigo” (g.n.). Aqui temos, portanto, umahipótese de interrupção do contrato detrabalho, na qual o funcionário continuará areceber normalmente seu salário, cujo períodode afastamento será computado inclusive paratodos os efeitos legais, quer dizer, para fins decontagem do tempo de serviço, cálculo dagratificação natalina e das férias, além dosdepósitos do FGTS devidos na conta vinculadado empregado.ria

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Entrementes, ressalvada a especificidade da leiacima mencionada, todas as demaiscontrovérsias serão esclarecidas com base nospreceitos da Consolidação das Leis doTrabalho – CLT, como também na legislaçãoprevidenciária, as quais não sofreram nenhumaalteração por força de um nova lei ordináriaaprovada pelo Congresso Nacional, ou demedida provisória editada pelo Presidente daRepública. Com efeito, segundo aspecto relevante é que,por força da legislação previdenciária, regrageral a empresa arcará com o pagamento dossalários até os primeiros 15 (quinze) dias e,após, sendo justificada a prorrogação do prazo,tal obrigação passa ser do INSS, mediante opagamento de auxílio-doença comum, o qualimpede que o contrato de trabalho sejarescindido enquanto perdurar a fruição dobenefício. Aqui não há se falar em doença denatureza ocupacional, não sendo necessária aemissão de Comunicação de Acidente doTrabalho (CAT) ou recolhimento do FGTS, nãose cogitando, igualmente, de estabilidadeprovisória no emprego pelo prazo de 1 (um)anos após a alta previdenciária. Estar-se-á,portanto, após o 15º dia, diante nítida hipótesede suspensão contratual, e não de interrupçãodo pacto laborativo.

Home office é um dos cenários considerados para evitar adisseminação da doença

Terceiro cenário a ser considerado é oincentivo ao home office e/ou ao teletrabalhopelos funcionários que assim conseguiremdesempenhar suas atividades laborativas emcasa, desde que essa mudança seja deiniciativa da empresa, uma vez que não édireito potestativo do emprego exigir talcondição. Aliás, a adoção do sistema homeoffice não exige maiores formalidades,bastando uma mera previsão em regulamentoempresarial ou política interna a ser adotadapela empresa. Os funcionários continuarão adeter idênticos direitos trabalhistas como seestivessem executando seus afazeres nasdependências da companhia, inclusive com orecebimento de horas extras e adicionalnoturno, se for o caso. Hipótese distinta,contudo, não ocorrerá com o teletrabalho, oqual passou a ser regulamentado pela Lei daReforma Trabalhista, em que o empregado nãoestará submetido ao regime da jornada detrabalho, inviabilizando o recebimento de horasextraordinárias. Relevante ponderação é que, pela Lei nº13.467/2017, o sistema de teletrabalho, parasua validade, exige o cumprimento de maioresformalidades legais, inclusive mediante acelebração de um aditivo contratual entrepatrão e empregado. Nele serão obrigatórias,dentre outras, estipulações contratuaisconcernentes às condições em que o serviçoserá executado; às atividades que serãorealizadas; à responsabilidade pela aquisição,manutenção ou fornecimento do equipamentotecnológico e da infraestrutura necessária eadequada à prestação do trabalho remoto; aoreembolso de despesas arcadas peloempregado; ao salário “in natura”; comotambém ao cumprimento das normas desegurança e medicina do trabalho. Por certo, é natural que muitas empresas,doravante, optem justamente pelo sistema doteletrabalho, ainda que seja ele dotado deSLDLADL

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doravante, optem justamente pelo sistema doteletrabalho, ainda que seja ele dotado demaior rigor burocrático, porquanto aqui alegislação desobriga, em tese, o empregadordo pagamento de horas extras. Contudo, essaassertiva deve ser vista com bastante cautela,até porque o controle remoto imposto aocolaborador pode justificar o pagamento dehoras suplementares. De outro norte, se o serviço não puder serexecutado à distância, como ocorre, porexemplo, com a indústria, alternativas devemser adotadas, sendo a mais comum aconcessão de férias individuais e coletivas.Aqui também pode ser levado em consideraçãoo chamado “lay-off”, desde que previsto nosinstrumentos normativos (acordo ou convençãocoletiva), quando o funcionário se afasta paraparticipar de cursos ou programas dequalificação profissional oferecidos peloempregador. A própria redução da jornada de trabalho,mediante o pagamento proporcional dossalários, é também uma saída factível de serconstruída, como medida a evitar a rescisãodos contratos de trabalho, ou, no pior cenário, ofechamento do próprio estabelecimentoempresarial.

Nesse diapasão, a legalidade do procedimentopassa pela chancela do sindicato profissional,sendo o part time uma prática existente nalegislação celetista há anos e apropriadaexatamente nesses momentos de crises. Lado outro, outras licenças remuneradas sãoigualmente bem-vindas, até porque muitasdelas são oriundas de atos de mera liberdadedo empregador, ou, ainda, estão previstas nanorma celetária e nos instrumentos normativosde trabalho. O cuidado maior, entretanto, ficarácom a suspensão do contrato semvencimentos, pois, ultrapassado o período de30 (trinta) dias, a rescisão indireta do contratode trabalho por falta grave praticada peloempregador é medida que se impõe. Quarta questão bastante preocupante é com ossuspeitos do COVID-19, mas sem confirmaçãooficial, o que, atualmente, representa a maioriados casos. Aqui não há que se impor odenominado “isolamento”, que está adstrito aoscolaboradores doentes ou contaminados, e sima conhecida “quarentena”, que se relaciona àrestrição de atividades ou separação depessoas suspeitas de contaminação daspessoas que não estejam doentes, de maneiraa evitar a possível contaminação ou apropagação do coronavírus.

A redução da jornada de trabalho, mediante o pagamento proporcional dos salários, é também uma saída factível de ser construída

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É certo que algumas matérias jornalísticas jáforam veiculadas na imprensa pela negativa detal procedimento de parte das empresas. Sucede, porém, que a Lei nº 13.979/2020 ébastante clara ao estabelecer, por ordemoficial, a determinação de realizaçãocompulsória de exames médicos, testeslaboratoriais, coleta de amostras clínicas,vacinação e outras medidas profiláticas. Logo,o direito à privacidade e intimidade dotrabalhador, conquanto tenha assentoconstitucional, cede lugar ao interesse coletivo,devendo, em tal situação excepcional, serrelativizado. De mais a mais, a consequência jurídica pelonão cumprimento das recomendaçõessanitárias, inclusive aquelas referendadas pelaempresa e que já estejam sendo adotadaspelas autoridades de saúde, implica napenalização do colaborador medianteadvertências e suspensões, podendo chegar,no último caso ou a depender da gravidade doato, em rescisão do contrato de trabalho porjusta causa. As viagens de trabalho, como quinto elementoa ser enfatizado, devem ser evitadas,sobretudo para o exterior. É claro que aempresa não pode interferir na vida particulardo seu empregado caso ele deseje viajar aosfinais de semana ou em gozo de férias. Porém,pode imiscuir-se naquelas oriundas de razõesprofissionais. Agora, pode acontecer de a companhiapretender impor ao funcionário que ele faça aviagem quando o cargo assim exigir. Nessasituação, por óbvio, não há uma respostacorreta, até porque isso dependerá dacasuística do destino da viagem (nacional ouinternacional), e, mais, se o local já possuí ounão muitos casos confirmados de COVID-19, aponto de não ser possível embarcar oudesembarcar.

A propósito, é de bom alvitre relembrar que,segundo a lei previdenciária, não é consideradacomo de natureza ocupacional a doençaendêmica adquirida por funcionário habitantede região em que ela se desenvolva. Emsentido contrário, se a contaminação docolaborador ocorreu porque a empresa oobrigou a viajar, aí se estará diante deexposição ou contato direto determinado pelanatureza do trabalho, ocasião em que sereconhecerá o COVID-19 como acidente dotrabalho.

Em caso de viagens profissionais, a contaminação do coronavíruspode ser considerada acidente de trabalho

E a partir do reconhecimento do acidente dotrabalho e, por conseguinte, da concessão debenefício previdenciário de naturezaacidentária, importantes consequências legaisrepercutirão no pacto laboral do funcionário.Exemplo disso será a manutenção do contratolaboral pelo prazo mínimo de 12 (doze) mesesapós a cessação do benefício; a obrigação doempregador em depositar o FGTS durante operíodo do auxílio-doença acidentário; oeventual impacto na estatística da empresapara fins de majoração da contribuição doSAT/RAT em até 100%; responsabilização civilcom indenizações reparatórias por danosmorais e materiais (danos emergentes, lucroscessantes e pensionamento); além, claro, doajuizamento de ações regressivas em nome daFazenda Nacional para a restituição dosvalores dos benefícios previdenciários pagospelo INSS por culpa da empresa.

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Em sexto lugar não se poderia olvidar dosequipamentos de proteção individual e coletivode trabalho, até porque a manutenção de umambiente laboral sadio e salubre é obrigaçãoda empresa. Nesse sentido, deve ela forneceros materiais de proteção aos funcionários,seguindo os protocolos das autoridadessanitárias. O comportamento omissivo daempresa pode gerar sua responsabilizaçãopara efeitos civis e trabalhistas, podendoensejar pleitos de rescisões indiretas do pactoslaborais, sem prejuízo de indenizaçõesreparatórias, mormente se comprovado que ocolaborador contraiu o COVID-19 em seuambiente de trabalho. A esse respeito, portanto, o empregador, deacordo com a dinâmica de sua atividadeempresarial, deverá adotar as medidas quehoje estão sendo divulgadas pela OrganizaçãoMundial da Saúde, tudo a promover a reduçãodo risco do contágio do COVID-19 nosambientes laborais. Algumas dessasorientações são: (i) superfícies como mesas etelefones devem ser higienizadas comdesinfetante frequentemente; (ii) empresasdevem orientar seus funcionários a lavaremcom frequência suas mãos e oferecer sabonetenos banheiros; (iii) prover máscaras e papel;(iv) funcionários que tenham sintomas, mesmoque leves, devem ficar em casa. Aliás, será natural que muito empregadospassem a faltar ao serviço a cada dia em quecoronavírus se espelhar em nosso país. E,claro, as hipóteses para que isso aconteçaserão as mais diversas, passando de merassuspeitas de contágio do vírus, até casos depessoas efetivamente contaminadas. A problemática fica ainda pior se levado emconsideração o fato de que os suspeitos e aseventuais pessoas contaminadas estejamfrequentando o mesmo ambiente laboraldaquele funcionário que não deseja ali estarpor uma questão de saúde pública.

Dessarte, se as faltas serão justificadas, não háespaço para o desconto em folha depagamento, sendo preservados todos osdireitos trabalhistas do colaborador, comoférias com 1/3, 13º salário, depósitos do FGTSe o descanso semanal remunerado. Em sentidocontrário, se não há hipótese a justificar aausência ao posto de trabalho, a empresa nãoé obrigada a abonar as faltas, sendo uma saídafactível o desconto do dia no banco de horascoletivo celebrado com o sindicato, ou, se for ocaso, no banco de horas individual celebradodiretamente com o funcionário. Em arremate, já é esperado que daqui aalgumas semanas ocorra a paralisaçãotemporária de certos estabelecimentoempresariais, como escolas, shoppings,teatros, bares, restaurantes e etc, por ato deautoridade municipal, estadual ou federal. Eisso trará consequências ainda mais drásticasnas relações trabalhistas entre empresas eempregados, afinal, em caso de filhos menoresque estejam em casa, os pais poderão deausentar justificadamente de seus empregos?Ainda, quem arcará com os salários dostrabalhadores, ou, pior, em caso de fechamentoda empresa, quem ficará responsável pelopagamento da indenização devida por ocasiãoda rescisão contratual? Trata-se de caso deforça maior a justificar, por exemplo, opagamento pela metade da multa de 40% doFGTS?”

Fonte: Jota - Ricardo Souza [email protected]

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