boletim novas alianças #14: profissionalização

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“E u decidi entrar no serviço de aprendizagem porque queria ter experiência profissional e ajudar meus pais. A aprendizagem é a porta de entrada para o mercado de trabalho”. Assim como para Jessica Cruz, aprendiz de 16 anos, o trabalho tem se tornado uma realidade na vida de muitos adolescentes brasileiros. Por isso, é necessário regulamentar e regularizar essa atividade de forma que ela não atrapalhe os estudos, o lazer e todas as outras vivências essenciais nessa fase da vida. Há, pelo menos, dois caminhos para os adolescentes se profissionalizarem: os serviços de aprendizagem e os cursos técnicos. Todos eles regulamentados por uma série de leis dispersas, que vão desde a Constituição Federal até a mais recente Lei da Aprendizagem, de 2000. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e a Portaria nº 615 do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) são algumas das leis que dizem sobre a profissionalização de adolescentes, seja por meio da aprendizagem seja pelos cursos técnicos. Diante desse emaranhado de leis, o objetivo deste boletim é deixar mais claro o fluxo da política de aprendizagem e de cursos técnicos, apontando o que é responsabilidade de quem e como essa política pode ser implementada nos municípios. “Dar a chance ao adolescente de se iniciar da forma correta no mundo profissional é um ponto fundamental para que ele tenha a correta entrada no mercado de trabalho e tenha uma chance de se desenvolver”, afirma o membro auxiliar da infância e juventude do Conselho Nacional do Ministério Público, Carlos Martel. ALIANÇAS 14 1 Os caminhos para a profissionalização de adolescentes EDITORIAL BOLETIM INFORMATIVO DO PROGRAMA NOVAS ALIANÇAS DEZEMBRO DE 2012 Todo adolescente, a partir dos 14 anos, pode ingressar em um serviço de aprendizagem n vas Foto: José Paulo Lacerda

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De 2009 a 2013, a Oficina de Imagens produziu boletins informativos do Programa Novas Alianças, iniciativa voltada para a formação sobre orçamento público e direitos da criança e do adolescente.

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“Eu decidi entrar no serviço de aprendizagem porque queria ter experiência profissional e ajudar meus pais. A aprendizagem é a porta de entrada para o mercado de trabalho”.

Assim como para Jessica Cruz, aprendiz de 16 anos, o trabalho tem se tornado uma realidade na vida de muitos adolescentes brasileiros. Por isso, é necessário regulamentar e regularizar essa atividade de forma que ela não atrapalhe os estudos, o lazer e todas as outras vivências essenciais nessa fase da vida.

Há, pelo menos, dois caminhos para os adolescentes se profissionalizarem: os serviços de aprendizagem e os cursos técnicos. Todos eles regulamentados por uma série de leis dispersas, que vão desde a Constituição Federal até a mais recente Lei da Aprendizagem, de 2000. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e a Portaria nº 615 do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) são algumas das leis que dizem sobre a profissionalização de adolescentes, seja por meio da aprendizagem seja pelos cursos técnicos.

Diante desse emaranhado de leis, o objetivo deste boletim é deixar mais claro o fluxo da política de aprendizagem e de cursos técnicos, apontando o que é responsabilidade de quem e como essa política pode ser implementada nos municípios. “Dar a chance ao adolescente de se iniciar da forma correta no mundo profissional é um ponto fundamental para que ele tenha a correta entrada no mercado de trabalho e tenha uma chance de se desenvolver”, afirma o membro auxiliar da infância e juventude do Conselho Nacional do Ministério Público, Carlos Martel.

ALIANÇAS

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Os caminhos para a profissionalização de adolescentes

EDITORIAL

BOLETIM INFORMATIVO DOPROGRAMA NOVAS ALIANÇASDEZEMBRO DE 2012

Todo adolescente, a partir dos 14 anos, pode ingressar em um serviço de aprendizagem

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O Capítulo V do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) dispõe sobre o di-reito à profissionalização e à proteção

no trabalho de adolescentes, sendo “proibido qualquer trabalho a menores de quatorze anos de idade, salvo na condição de aprendiz”. O aprendiz é o maior de 14 anos e menor de 24 que celebra contrato de aprendizagem. Para a auditora fiscal do trabalho em Minas Gerais, Chrstiane Azevedo Barros, a aprendizagem é uma das melhores formas de o adolescente in-gressar no mercado de trabalho por ser uma formação completa. A regulamentação geral do contrato de aprendizagem está presente na Lei Federal 10.097/2000 – a Lei da Aprendizagem – na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e no Decreto 5598/2005. A legislação considera contrato de aprendizagem um “contrato de trabalho especial, ajustado por escrito e por prazo determinado, em que o empregador se compromete a assegurar ao maior de 14 e menor de 24 anos inscrito em programa de aprendizagem formação técnico-profissional metódica, compatível com o seu desenvolvimento físico, moral e psicológico, e o aprendiz, a executar com zelo e diligência as tarefas necessárias a essa formação”. Para que a aprendizagem seja conso-lidada é necessário um tripé básico: emprega-dor, instituição que ofereça o curso de qualifi-cação e o aprendiz. Segundo a coordenadora do Fórum de Erradicação e Combate ao Traba-lho Infantil e Proteção ao Adolescente Traba-lhador (Fectipa), Elvira Cosendey, quando falta uma das bases do tripé, é muito difícil que o serviço de aprendizagem seja implementado.

O papel das empresas

De acordo com a CLT, é obrigação das empresas de grande é médio porte desti-nar de 5% a 15% de suas vagas de emprego ao aprendiz. São consideradas empresas de médio porte aquelas que tiverem receita bruta anual superior a R$ 1.200.000 e igual ou in-ferior a R$ 12.000.000. Já as de grande porte são aquelas que possuem receita bruta anual superior a R$ 12.000.000.

Apesar dessa obrigação legal, muitas empresas descumprem a legislação e não con-tratam aprendizes. Um estudo do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) de setembro de 2011 mostra que se a regra estivesse sen-do cumprida corretamente, o Brasil deveria ter aproximadamente 1,5 milhão de aprendizes. Mas o levantamento mostra que havia apenas 262,9 mil aprendizes no mercado. O órgão res-ponsável por fiscalizar se as médias e grandes empresas estão contratando aprendizes é o próprio MTE, que também recebe denúncias.

As empresas devem cumprir uma série de obrigações que são essenciais para

A aprendizagem e o aprendiz

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garantir os direitos dos aprendizes. É papel das empresas garantir a parte teórica do serviço de aprendizagem, mesmo que seja por meio de uma instituição habilitada para isso, e seguir normas regidas pelo capítulo IV da CLT e pelo capítulo V do ECA, como respeitar o horário do ensino regular do aprendiz, oferecer somente trabalhos diurnos, permitir um horário para o repouso de, no mínimo, 11 horas após cada período de trabalho contínuo e assinar a carteira do aprendiz.

A parte teórica

O Decreto Nº 5.598 de 2005 lista as instituições aptas a oferecer a qualificação técnico-profissional aos aprendizes, ou seja, a parte teórica da aprendizagem. Boa parte delas integra os serviços nacionais de aprendizagem, também conhecido como “Sistema S”, que é composto pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (Senat) e Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo (Sescoop). Além do Sistema S, as escolas técnicas de educação e entidades sem fins lucrativos também podem oferecer o serviço de aprendizagem.

Assim como as empresas, as institui-ções responsáveis pela formação teórica do aprendiz também devem cumprir várias nor-mas. Todas as instituições devem se inscrever no Cadastro Nacional de Aprendizagem, de responsabilidade da Secretaria de Políticas Pú-blicas de Emprego, vinculada ao MTE. Quando as entidades realizam a inscrição, os cursos são analisados pelo MTE e só são aprovados os que estiverem de acordo com os parâmetros de avaliação da qualidade técnico-pedagógica e com os parâmetros de carga horária estabe-lecidos pelo MEC para seus cursos técnicos - o mínimo de 40% da carga horária do curso correspondente ou 400 horas, o que for maior.

Os parâmetros de qualidade técnico-pedagógica estão na Portaria 615/2008 do MTE. Dentre eles, estão infraestrutura, organização curricular, pessoal técnico-docente e conteúdos adequados e que garantam a qualidade técnico-profissional. As entidades também devem monitorar a parte prática dos cursos que é desenvolvida nas empresas. Todas as entidades cadastradas estão disponíveis no site do MTE para que a sociedade possa consultá-las.

As entidades que atendem aprendi-zes menores de 18 anos também devem estar cadastradas e inscrever seus projetos no Con-selho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, que será o responsável por fisca-lizar as atividades desenvolvidas por elas.

“A aprendizagem pretende preparar para o mundo do trabalho de forma mais ampla, não só especificamente naquela função, mas pra que ele possa ingressar e permanecer no mercado de trabalho. O aprendiz passa algumas horas trabalhando e outras horas destinadas à formação, que também são consideras horas trabalhadas”, afirma a auditora fiscal do trabalho em Minas Gerais, Chrstiane Azevedo Barros

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Para que o serviço de aprendizagem che-gue a um município é necessário que o tripé formado por empregador, instituição

de ensino e aprendiz esteja completo. Normal-mente, a iniciativa começa pelas próprias em-presas que atuam em determinado município. Elas identificam a demanda de mão-de-obra e fazem o requerimento ao Sistema S ou con-tratam uma entidade sem fins lucrativos para oferecer a parte teórica. No caso do Senai de Barcarena (PA) foi assim. “Não se implanta o curso de aprendizagem sem ter uma infraes-trutura. Quem monta a infraestrutura são as próprias indústrias para qualificação de mão de obra. Foram as indústrias que demandaram do departamento regional do Senai, em Belém, uma unidade para Barcarena”, conta o secre-tário do Senai de Barcarena, Antônio Jorge Fa-gundes.

A Fundação Pró-Cerrado, entidade sem fins lucrativos de Goiás que oferece serviço de aprendizagem, também chegou aos municípios em que atua por demanda das médias e gran-des empresas e só depois firmou parceria para que a parte prática das atividades se desse também com o poder público. Nesse caso, a parceria se deu por meio da Secretaria de Ci-dadania e Trabalho de Goiás. “O jovem faz a inscrição pelo nosso site ou pessoalmente, pela secretaria. Assim que vão surgindo as vagas nos órgãos públicos, os funcionários públicos nos encaminham o nome dos jovens para fa-zermos o registro e encaminhá-los aos empre-gadores”, relata a diretora do departamento educacional da Fundação Pro-Cerrado, Flávia Andrade. Para serem aprendizes nas empresas, os adolescentes se inscrevem no site da Funda-ção e as empresas fazem o contato solicitando o perfil do aprendiz que pretende contratar.

Na falta de médias e grandes empre-sas, uma possibilidade para o município é exa-

tamente essa parceria com o poder público, que é desobrigado, mas não proibido de reser-var vagas a aprendizes. “A prefeitura pode ter o seu programa de aprendizagem, desde que ela siga as regras da lei. Pessoas jurídicas pri-vadas e públicas podem ter serviço de apren-dizagem. No caso de pessoa jurídica pública, como a prefeitura, tem que ver qual é o meio que vai introduzir o programa”, afirma o promo-tor de justiça da Bahia, Carlos Martel. Carlos, que também é membro auxiliar da infância e juventude do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), sugere que os órgãos públicos façam a contratação de aprendizes por via in-direta, ou seja, por meio de entidades sem fins lucrativos, que é como todas as unidades do Ministério Público (MP) fazem.

O Conselho Nacional do Ministério Pú-blico criou a Resolução Nº 76/2011, que esti-mula a contratação do adolescente aprendiz.Uma consequência dessa resolução é o “Manu-al de Implementação do programa adolescente aprendiz do Ministério Público”, que orienta as unidades do MP para a implementação do pro-grama. As unidades fazem uma licitação para contratarem uma entidade sem fins lucrativos que oferecerá e fará a gestão do curso. Nessa forma indireta de contratação, o MP entra com o recurso e com as vagas para os adolescentes e a entidade fica responsável pelo resto, como seleção e organização dos cursos.

Quando falta a base “instituição de ensino” do tripé, Carlos Martel sugere que mu-nicípios próximos se unam para contratar uma entidade. “Eu aconselharia aos municípios que eles façam um consórcio para contratar uma entidade sem fins lucrativos, de forma que ela atue não só para um município, mas de forma conjunta com outros. É mais tranquilo do que eles criarem para si e depois não conseguirem arcar com a situação”, afirma.

A implementação do serviço de aprendizagemFoto: José Paulo Lacerda

EXPEDIENTE Programa Novas Alianças | Coordenação executiva: Oficina de Imagens – Comunicação e Educação | Coordenadora do Programa: Simone Guabiroba | BOLETIM Redação e edição: Oficina de Imagens – Comunicação e Educação | Jornalistas responsáveis: Filipe Motta, Andrea Souza e Gabriella Hauber | Projeto gráfico: Henrique Milen | Diagramação: Gabriella Hauber | Impressão: Artes Gráficas Formato | Tiragem: 1.500 exemplares | Informações (31) 3465-6806 | [email protected]

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O carro chefe do governo federal para a oferta de cursos técnicos é o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), lançado em 2011, que tem o objetivo de ampliar a

oferta de cursos de educação profissional e tecnológica. De acordo com o Ministério da Educação, para se inscrever no Pronatec, os estudantes devem entrar em contato com a respectiva secretaria estadual de educação ou diretamente com as instituições que oferecem cursos técnicos. O estado também é o responsável por fiscalizar e autorizar a oferta de cursos técnicos, que podem ser oferecidos por instituições que integram os sistemas de ensino estadual - o que inclui escolas da rede privada - além de institutos federais de educação, ciência e tecnologia e instituições pertencentes ao Sistema S.

No Pronatec, o governo federal repassa o recurso para as secretarias estaduais de educação gerirem o programa. A coordenadora de educação profissional do Pronatec em Belém, Márcia Aguiar Ribeiro, conta que no Pará, a oferta de cursos técnicos é baseada na capilaridade da instituição que faz a formação. “A gente só oferta o Pronatec, que é um programa novo, em escolas que já desenvolvem a formação profissional, onde podemos contar com o corpo docente e gestão já aproximada da realidade da educação profissional”, afirma.

Márcia conta também que os municípios têm sido parceiros articuladores na oferta de cursos técnicos. São eles que têm feito a identificação das demandas de cursos, além de divulgar e realizar as matrículas dos adolescentes e jovens. Esse trabalho é realizado por meio de comitês de gestão de ofertas nos municípios, compostos por pessoas vinculadas ao setor privado, à prefeitura, à assistência social e aos trabalhadores. “O comitê é o suporte da articulação para que a gente possa ofertar cursos mais próximos da realidade e da possibilidade de emprego do município. Os comitês chamam as escolas para discutir com quais cursos e público prioritário as vagas de aprendizes serão preenchidas”, conta Márcia.

Além do Pronatec, o governo federal também oferta o programa Brasil Profissionalizado. O Programa existe desde 2007 e visa fortalecer as redes estaduais de educação profissional e tecnológica por meio de repasse de recurso para que os estados invistam em suas escolas técnicas.

“O curso técnico te prepara, te dá um diferencial pro mercado. Eu, por exemplo, estou um passo a frente dos meus colegas que vão formar comigo no Ensino Médio. Além disso, o curso proporciona um convívio com pessoas diferentes, de outras áreas”, conta Silvia Taiane, que há seis meses se formou no curso de Biotecnologia pelo Senai de Belo Horizonte. Silvia só não trabalha ainda porque tem 17 anos e só pode começar a partir dos 18.

SAIBA MAIS

O site Pro-menino criou um portal interativo com as informações e o passo a passo para se implementar a política de aprendizagem. O portal é dividido entre as três bases do tripé da área: comunidade jovem, comunidade de ensino profissionalizante e comunidade empresarial. Cada um dos três ícones contém informações sobre a responsabilidade de cada um e, ao final, possui um jogo com dicas para implementar a aprendizagem. Para acessar o portal entre no endereço: http://vaip.in/mm1J

Em 2010, a portaria 657 do Ministério do Trabalho (MTE) criou o selo “Parceiros da Aprendizagem”, que é concedido às empresas, entidades qualificadas em formação técnico-profissional, entidades governamentais e outras instituições que atuem em consonância com o órgão no desenvolvimento de ações que envolvam formação, qualificação, prepara-ção e inserção de adolescentes, jovens e pessoas com deficiência no mundo do trabalho. Os interessados em ganhar o selo devem solicitá-lo por meio do preenchimento de um formulário eletrônico disponível na página do MTE (www.mte.gov.br).

Selo parceiros da aprendizagem

Os cursos técnicos