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0 BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 522 (ano VIII) (19/01/2016) ISSN - - BRASÍLIA ‐ 2015 Boletim Conteúdo Jurídico - ISSN – -

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BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 522

(ano VIII)

(19/01/2016)

 

ISSN- -  

 

 

 

 

 

 

 

 

BRASÍLIA ‐ 2015 

Boletim

Conteú

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rídico-ISSN

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        1 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55077  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 5

22 de 19/01/2016 (an

o VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

ConselhoEditorial 

COORDENADOR GERAL (DF/GO/ESP) - VALDINEI CORDEIRO COIMBRA: Fundador do Conteúdo Jurídico. Mestre em Direito Penal Internacional Universidade Granda/Espanha.

Coordenador do Direito Internacional (AM/Montreal/Canadá): SERGIMAR MARTINS DE ARAÚJO - Advogado com mais de 10 anos de experiência. Especialista em Direito Processual Civil Internacional. Professor universitário

Coordenador de Dir. Administrativo: FRANCISCO DE SALLES ALMEIDA MAFRA FILHO (MT): Doutor em Direito Administrativo pela UFMG.

Coordenador de Direito Tributário e Financeiro - KIYOSHI HARADA (SP): Advogado em São Paulo (SP). Especialista em Direito Tributário e em Direito Financeiro pela FADUSP.

Coordenador de Direito Penal - RODRIGO LARIZZATTI (DF/Argentina): Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino - UMSA.

País: Brasil. Cidade: Brasília – DF. Contato: [email protected] WWW.CONTEUDOJURIDICO.COM.BR

   

BoletimConteudoJurıdico

Publicação

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SUMÁRIO

COLUNISTA DO DIA

 

19/01/2016 Denis Caramigo 

» In dúbio pro societate no Tribunal do Júri: a utilização de um princípio 

inexistente

ARTIGOS 

19/01/2016 Aaaadmin » Os efeitos da revelia e a Fazenda Pública: análise doutrinária e jurisprudencial 

19/01/2016 Wagner Saraiva Ferreira Lemgruber Boechat 

» O Contrato e a sua função social no direito brasileiro 

19/01/2016 Frederico Fernandes dos Santos 

» Evolução Doutrinária da Responsabilidade Civil do Estado 

19/01/2016 Clarissa Pereira Borges 

» A Ética do Juiz: análise aprofundada sobre o texto ética geral e profissional de José Renato Nalini 

19/01/2016 Eujecio Coutrim Lima Filho 

» Breve análise acerca dos direitos da personalidade do consumidor 

19/01/2016 Lorena Carneiro Vaz de Carvalho Albuquerque 

» A embriaguez habitual ou em serviço dá ensejo á dispensa do empregado por justa causa 

MONOGRAFIA

19/01/2016 Tatiane de Verçoza Chaves » Responsabilidade civil pela perda de uma chance: critérios de aplicabilidade nos julgados do TJPE  

 

 

 

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IN DÚBIO PRO SOCIETATE NO TRIBUNAL DO JÚRI: A UTILIZAÇÃO DE UM PRINCÍPIO INEXISTENTE

DENIS  CARAMIGO:  Advogado  criminalista; Graduado em Direito pela Universidade de Mogi das Cruzes  ‐  UMC;  Consultor  jurídico;  Membro  da Comissão do Acadêmico de Direito da OAB/SP; Autor de  diversos  artigos  jurídicos  publicados  em  sites, revistas e jornais especializados; Membro voluntário responsável  pelas  matérias  e  orientações  jurídicas do  projeto  Prodigs  ‐  Ação  Pró‐dignidade  sexual; Palestrante 

Como forma de justificar a remessa de todo e qualquer processo para o Tribunal do Júri, alguns julgadores se utilizam do princípio in dubio pro societate.

Trata-se de um princípio (fictício) jurídico brasileiro, segundo o qual, mesmo que um juiz não tenha a certeza, mas esteja convencido pessoalmente da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, ele deverá pronunciar o acusado a Júri Popular, para que a própria sociedade decida pela condenação ou não do acusado.

Infelizmente é muito comum nos meios forenses, a aplicação do princípio in dubio pro societate para dar continuidade ao procedimento dos crimes dolosos contra a vida sem razoável conjunto probatório, na esperança de estarem dando efetivo cumprimento aos preceitos constitucionais de que o acusado por crime contra a vida deve ser julgado pelos seus pares.

Percebam que se no final da instrução em plenário, se permanecer a dúvida, absolve-se.

Diante disso, neste estudo, tem-se a pretensão de questionar o uso deste aforismo e se está ele de acordo com os princípios norteadores do direito processual penal brasileiro [1].

 

 

 

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Cristalinas são as decisões recentes dos magistrados que estão guiando-se pelo interesse da sociedade em ver o réu submetido ao Tribunal do Júri, de modo que, havendo dúvida sobre sua responsabilidade penal, deve ser ele pronunciado. Com isso, o juiz decide “a favor” da sociedade.

A grande questão a ser invocada é a base constitucional do tão famigerado princípio in dúbio pro societate. Não existe! [2]

Cediço na jurisprudência a aplicação do princípioin dubio pro societate quando do recebimento da denúncia, o que pode ser verificado no exemplo:

TJ-SC (RESE n. 2009.071665-0, rel. Des. Rui Fortes, julgado em 06/04/2010): Recebimento da denúncia que não implica em juízo de certeza, mas de probabilidade de procedência da ação penal - observância ao princípio in dubio pro societate nesta fase processual - decisum parcialmente cassado - recurso provido [3]

Não se pode admitir que os juízes pactuem com acusações infundadas escondendo-se atrás de um princípio não recepcionado pela Constituição, para, burocraticamente, pronunciar réus, enviando-lhes para o Tribunal do Júri e desconsiderando o imenso risco que representa o julgamento nesse completo ritual judiciário.

Na dúvida, arquiva-se, tranca-se a Ação Penal ou absolve-se - in dubio pro reo - e nunca se processa, pronuncia-se ou condena-se - in dubio pro societate.

Também é equivocado afirmar-se que, se não fosse assim, a pronúncia já seria a “condenação” do réu.

A pronúncia é um juízo de probabilidade, não definitivo, até porque, após ela, quem efetivamente julgará são os jurados, ou

 

 

 

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seja, é outro julgamento a partir de outros elementos, essencialmente aqueles trazidos no debate em plenário.

Portanto, a pronúncia não vincula o julgamento, e deve o juiz evitar o imenso risco de submeter alguém ao júri, quando não houver elementos probatórios suficientes (verossimilhança) de autoria e materialidade. A dúvida razoável não pode conduzir à pronúncia (Lopes Jr, 2013, p.1012).

Nessa linha, vale o in dúbio pro reo para absolver sumariamente o réu que tiver agido ao abrigo da legítima defesa; impronunciar réus em que a autoria não esteja razoavelmente demonstrada; desclassificar para crime culposo as abusivas acusações por homicídio doloso (dolo eventual) em acidentes de trânsito, onde o acusador não fez prova robusta do elemento subjetivo.

O princípio in dúbio pro societate não é compatível com o Estado Democrático de Direito, onde a dúvida não pode autorizar uma condenação, colocando uma pessoa no banco dos réus [...] O Ministério Público, como defensor da ordem jurídica e dos direitos individuais e sociais indisponíveis, não pode, com base na dúvida, manchar a dignidade da pessoa humana e ameaçar a liberdade de locomoção com uma acusação penal. [4]

Não há, reforçando o que já dissemos anteriormente, nenhum dispositivo legal que autorize o chamado princípio in dúbio pro societate.

A fundamentação para esse "princípio" é a de que, na fase inicial do processo, "não seria razoável exigir que o Ministério Público descrevesse de forma minuciosa os atos atribuídos a cada um dos denunciados, sob pena de adentrar-se num cipoal fático". [5]

 

 

 

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O ônus da prova é do Estado e não do investigado. Se há dúvida é porque o Ministério Público não logrou êxito na acusação que formulou em sua denúncia, sob o aspecto da autoria e materialidade, não sendo admissível que sua falência funcional seja resolvida em desfavor do acusado, mandando-o a júri, onde o sistema que impera é o da íntima convicção.

A desculpa de que os jurados são soberanos não pode autorizar uma condenação com base na dúvida.

O Júri é um direito fundamental, sendo certa a sua inscrição como cláusula pétrea na Constituição.

Urge, que com a sua reforma, também, atente o aplicador do direito nos princípios constitucionais penais, em especial o da plenitude da defesa, e da presunção de inocência.

Embora se reconheça, em principio, ser o Tribunal do Júri o juiz natural para os crimes dolosos contra a vida, também se reconhece o controle de todo e qualquer ato estatal.

A evolução humanista da sociedade impede que a sentença da pronúncia, siga o velho modelo da dúvida para a sociedade, pois estando em jogo o direito supremo da liberdade, deve o juiz optar por todos os modelos procedimentais postos à sua disposição na absolvição sumária, antes de enviar o réu ao Tribunal Popular do Júri, onde, aumentam as chances de sua condenação, ou impronunciar o acusado, deixando o processo em estado de eterna indecisão (IBCCRIM, 2009).

Sendo assim, [...] o que deve contar não é o interesse da sociedade, que tem na Constituição Federal, que prioriza o ser humano, o devido tratamento, mas o respeito à dignidade do ser humano, qualquer que seja o crime que lhe é imputado. [6]

 

 

 

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1 Disponível em:

http://www3.pucrs.br/pucrs/files/uni/poa/direito/graduacao/tcc/tcc2/trabalhos2014_1/enrico_sanseverino.pdf

2 Nesse sentido, ainda que se refira a outro procedimento e momento procedimental, é importante trazer à colação a decisão proferida pelo STJ no HC 175.639-AC, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 20/03/2012. Neste caso, “a denúncia foi parcialmente rejeitada pelo juiz singular quanto a alguns dos denunciados por crime de roubo circunstanciado e quadrilha, baseando a rejeição no fato de a denúncia ter sido amparada em delação posteriormente tida por viciada, o que caracteriza a fragilidade das provas e a falta de justa causa. O tribunal a quo em sede recursal determinou o recebimento da denúncia sob o argumento de que, havendo indícios de autoria e materialidade, mesmo na dúvida quanto à participação dos corréus deve vigorar o princípio in dúbio pro societate. A Turma entendeu que tal princípio não possui amparo legal, nem decorre da lógica do sistema processual brasileiro(grifo nosso), pois a sujeição ao juízo penal, por si só, já representa um gravame. Assim, é imperioso que haja razoável grau de convicção para a submissão do indivíduo aos rigores persecutórios, não devendo se iniciar uma ação penal carente de justa causa. Nesses termos, a Turma restabeleceu a decisão de primeiro grau. Precedentes citados do STF: HC 95.068, DJe 15/05/2009; HC 107.263, DJe 05/09/2011 e HC 90.094, DJe 06/08/2010; do STJ: HC 147.105-SP, DJe 15/03/2010, e HC 84.579-PI, DJe 31/05/2010 (HC 175.639-AC, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 20/03/2012).

3 TJ-SC (RESE n. 2009.071665-0, rel. Des. Rui Fortes, julgado em 06/04/2010), Disponível em:

<http://app.tjsc.jus.br/jurisprudencia/html.do?q=Recebimento da denúncia que não implica em juízo de certeza, mas de

 

 

 

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probabilidade de procedência da ação penal &only_ementa=&frase=&id=AAAbmQAABAAHnbPAAE&categoria=acordao

4 Rangel, apud Lopes Jr, 2013, p.1012 - LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

5 Trecho da ementa do Inq. 2471, STF, noticiado no informativo 642

6 Suannes, apud Lopes Jr, 2013, p. 229 - LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

 

 

 

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OS EFEITOS DA REVELIA E A FAZENDA PÚBLICA: ANÁLISE DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL

EDUARDO ARAUJO ROCHA XIMENES: Analista Processual do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Anhanguera - UNIDERP. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Ceará.

RESUMO: O presente artigo tem por objetivo discutir a incidência dos efeitos materiais e processuais

da revelia quando é a Fazenda Pública, dotada de diversas prerrogativas conferidas pela legislação

processual, que não apresenta sua peça de defesa.

Palavras‐chave: Revelia;  Efeitos;  Indisponibilidade  do  Interesse  Público; 

Fazenda Pública.

INTRODUÇÃO

O  tema  envolve  uma  abordagem  ampla  sobre  os  efeitos  da 

ausência  jurídica  de  apresentação  de  contestação  numa  relação 

processual, para então proceder a um enfoque pormenorizado acerca dos 

efeitos  materiais  e  processuais  da  revelia  em  face  do  Poder  Público, 

considerando,  sobejamente,  a  indisponibilidade  ínsita  aos  direitos 

defendidos pela Fazenda Pública em juízo. 

O estudo dos efeitos da revelia aplicados à Fazenda Pública tem 

considerável  importância  prática  nas  causas  envolvendo  um  particular 

litigando em face do Estado, sobretudo, quando o objeto da discussão é 

um  contrato  da  administração,  oportunidade  na  qual  se  encontra  a 

administração pública em pé de igualdade com o particular, como ocorre, 

por  exemplo,  nos  contratos  de  locação  firmados  entre  um município  e 

uma pessoa jurídica de direito privado. 

1. A REVELIA E SEUS EFEITOS NO ÂMBITO DO DIREITO PROCESSUAL CIVIL BRASILEIRO

 

 

 

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Nas palavras de Sidnei Amendoeira Jr, “defender‐se no processo 

(...) é um ônus, e não um dever ou obrigação. Se o réu não se defende, ele 

sofre as consequências processuais negativas daí advindas.” [1] 

Nosso Código Processual Civil, no capítulo III, do Título VIII, dispõe 

acerca  da  principal  consequência  negativa  da  omissão  do  réu  em  se 

defender, a revelia. 

Fredie Didier, no seu Curso de Direito Processual Civil, conceitua 

didaticamente o instituto da revelia: 

A  revelia é um ato‐fato processual, consistente 

na  não  apresentação  tempestiva  de  contestação. 

Trata‐se  de  espécie  de  contumácia  passiva,  que  se 

junta  a  outras  como,  por  exemplo  a  não–

regularização  da  representação  processual  (art.  13, 

II,CPC). Há revelia quando o réu citado, não aparece 

em  juízo,  apresentando  a  sua  resposta,  ou, 

comparecendo ao processo, também não apresenta 

a sua resposta tempestiva. [2]  

Registre‐se, destarte, que, com esteio na lição de Daniel Amorim 

Assumpção, a revelia se traduz numa ausência obrigatoriamente jurídica 

da contestação, eis que a mera existência fática da peça de defesa, como 

no  caso  em  que  ela  é  apresentada  fora  do  prazo  legal  ou  quando 

protocolada junto a juízo diverso do feito, por exemplo, não é capaz de 

ilidir os efeitos decorrentes do indigitado instituto.[3]  

Elpídio  Donizetti  leciona  que  a  “revelia  decorre  do  não‐

atendimento  à  citação,  ato  pelo  qual  o  réu  é  condenado  a  responder, 

querendo, no prazo legal”[4]. Explica o jurista que, malgrado a doutrina 

majoritária  limite‐se a conceituá‐la como ausência de contestação, esta 

ausência,  em  verdade,  “relaciona‐se  com  um  dos  efeitos  da  revelia,  o 

principal deles, que é a presunção de veracidade dos fatos articulados na 

inicial.” [5]  

 

 

 

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Nessa  esteira,  a melhor  doutrina,  abalizada  na  dicção  legal  dos 

arts.  319  e  ss.,  do  CPC,  aponta  dois  principais  efeitos  imediatos 

decorrentes da revelia, quais sejam: a presunção de veracidade dos fatos 

afirmados pelo autor, encarado como efeito material, e a desnecessidade 

de intimação do réu revel, considerada efeito processual. 

1.1 Efeito material da revelia: presunção da veracidade dos fatos afirmados pelo autor

O efeito material, certamente, representa o efeito mais relevante 

da  revelia,  consubstanciando‐se  na  confissão  ficta  do  réu,  o  que 

demonstra que nosso código processual seguiu a  linha do processo civil 

germânico, na contramão do direito luso.

Amendoeira Jr. esclarece a respeito do efeito material que: 

[...]  os  fatos  alegados  pelo  autor  e  não 

contestados  pelo  réu,  justamente  pela  ausência  de 

contraponto, são presumidos como verdadeiros, não 

geram  questões,  revelando‐se,  em  princípio,  como 

pontos  incontroversos,  ou  seja,  pacíficos,  sobre  os 

quais  não  pende  nenhuma  dúvida,  daí  ser 

desnecessária  a  produção  probatória  e,  em  sendo 

assim, o feito pode ser julgado antecipadamente.[6] 

Nesse  ponto,  é  necessário  vislumbrar  que  se  trata  de  uma 

presunção  apenas juris  tantum de  veracidade  dos  fatos  podendo  ser 

afastada no caso concreto, sobretudo, nas hipóteses previstas no art. 320 

do CPC. 

A respeito, Daniel Assumpção acrescenta que: 

Ao  afirmar  que  a  presunção  de  veracidade  é 

relativa, é  importante notar que o seu afastamento 

no caso concreto não permite ao juiz a conclusão de 

que  o  fato  alegado  não  é  verdadeiro.  Não  sendo 

 

 

 

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reputados  verdadeiros  os  fatos  discutidos  no  caso 

concreto, o autor continua com o ônus de provar os 

fatos constitutivos de seu direito, sendo concedido a 

ele o prazo de 10 dias para especificação de provas 

(art. 324 do CPC). [7] 

Assim, ainda que considerados verdadeiros os fatos, a procedência 

da ação não é imperativa. A esse respeito, leciona Arruda Alvim: 

Outro  aspecto  que  temos  que  considerar, 

haurido  do  art.  319,  é  o  de  que  são  reputados 

verdadeiros os fatos, o que não implica, contudo, que 

a demanda seja necessariamente ganha pelo autor, 

pois  daqueles  fatos,  ainda  que  devam  ser 

considerados verídicos,  segundo a  lei, poderão não 

decorrer das consequências tiradas pelo autor, como 

poderão  eles  não  encontrar  apoio  em  lei,  o  que, 

então, levará, apesar da revelia, a um julgamento de 

improcedência.[8] 

Como dito, o artigo 320 do Código de Ritos[9] traz expressamente 

três hipóteses em que o efeito material da revelia não incidirá. 

O  primeiro  caso  refere‐se  à  pluralidade  de  réus,  quando  algum 

deles  contestar  a  ação  (art.  320,  I,  CPC).  A  doutrina  entende  que  esse 

dispositivo aplica‐se indistintamente ao litisconsórcio unitário, eis que, no 

litisconsórcio  simples,  será  necessária  uma  identidade  de  matéria 

defensiva. 

A  segunda  hipótese  ocorre  se  o  litígio  versar  sobre  direitos 

indisponíveis,  direitos  de  cunho  não  patrimonial  ou  mesmo  de  cunho 

patrimonial quando houver interesse de incapazes (art. 320, II, CPC). 

Por  fim,  se  a  petição  inicial  não  estiver  acompanhada  do 

instrumento público, que a lei considere indispensável à prova do ato, não 

haverá a indigitada presunção de veracidade (art. 320, III, CPC). 

 

 

 

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A  essas  hipóteses,  a  doutrina  acrescenta  ainda  algumas  outras 

situações  em que  inexiste  presunção  de  veracidade  dos  fatos  alegados 

pelo autor, ainda que verificada a revelia. 

Assumpção cita como exemplo os fatos inverossímeis, elucidando 

que,  tendo  o  juiz  “a  impressão  de  que  os  fatos  não  são  verdadeiros, 

aplicando no caso concreto as máximas de experiência, poderá exigir do 

autor  a  produção  de  prova,  afastando  no  caso  concreto  o  efeito  da 

revelia.”[10]  

É o que Didier explica em sua obra: “o simples fato da revelia não 

pode  tornar verossímil  o  absurdo:  se  não  houver  o  mínimo  de 

verossimilhança  na  postulação  do  autor,  não  será  a  revelia  que  lhe 

conferirá a plausibilidade que não possui” [11]  

Elpídio Donizetti acrescenta outra situação, ao lecionar que “não 

incide a presunção de veracidade quando, embora revel o réu, o assistente 

simples dele, atuando como gestor de negócios, contestar no prazo legal 

(art 52, parágrafo único).”[12]  

Ainda, Didier traz à tona o caso em que houver citação ficta (por 

edital ou por hora certa), no qual o curador especial haverá de promover 

a  defesa  do  réu  revel  e  também  não  terá  o  ônus  de  impugnação 

específica.[13]  

Por derradeiro, relevante registrar que a inverossimilhança como 

causa excludente dos efeitos da revelia foi prevista no art. 345, IV, do Novo 

Código  de  Processo  Civil  (Lei  n  13.105/15),  que  também determinou  o 

afastamento  de  tais efeitos quando  as  alegações  de  fato  trazidas  pelo 

peticionante estiverem em contradição com as prova constante dos autos. 

1.2 Efeito processual da revelia

Leonardo  Carneiro  da  Cunha,  em  sua  obra  Fazenda  Pública  em 

Juízo, traz, de forma didática, a definição do efeito processual da revelia:

 

 

 

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O efeito processual da  revelia, que consiste na 

dispensa  de  intimação  do  réu  para  os  atos  do 

processo (CPC, art. 322), somente se produz se o réu 

além de não contestar, não comparece nos autos. Tal 

efeito, em outras palavras, somente é produzido se e 

enquanto o réu não atua no processo.[14] 

Tal efeito restou positivado no art. 322 do CPC[15], acrescido pela 

Lei n° 11.280 de 16 de fevereiro de 2006, a qual outrossim estabeleceu a 

possibilidade de o réu revel intervir em qualquer fase do processo, ocasião 

em que cessarão os indigitados efeitos processuais da revelia. 

Como afirma Bedaque: “se o réu, embora já esgotado o prazo para 

contestar, constituir advogado e passar a atuar regularmente no processo, 

não há razão para privá‐lo da ciência dos atos do processo.”[16]  

A esse respeito, a súmula 231 do STF estatui: “o revel, em processo 

civil,  pode  produzir  provas  desde  que  compareça  em  tempo 

oportuno.”[17]  

Por derradeiro, cabe consignar que o art. 346 do Novo Código de 

Processo  Civil  alterou  ligeiramente  a  redação  do  art.  322  do  CPC/73, 

dispondo que: 

Art. 346.  Os prazos contra o revel que não tenha 

patrono nos autos fluirão da data de publicação do 

ato decisório no órgão oficial. 

Parágrafo  único.   O  revel  poderá  intervir  no 

processo em qualquer fase, recebendo‐o no estado 

em que se encontrar. 

1.3 Outros efeitos decorrentes da revelia

Alguns  doutrinadores  como Didier  e Daniel  Amorim Assumpção 

enumeram  outros  dois  efeitos  decorrentes  da  revelia.  São  eles:  a 

 

 

 

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preclusão em desfavor do  réu do poder de alegar algumas matérias de 

defesa e a possibilidade de julgamento antecipado da lide.

Nos termos do art. 300 do CPC[18], compete ao réu alegar toda a 

matéria de defesa na contestação, sob pena de preclusão, ressalvadas as 

alegações a direito superveniente, as questões de ordem pública e as que, 

por expressa disposição legal, puderem ser formuladas a qualquer tempo 

e juízo (art. 303, CPC). [19]  

A preclusão da matéria de defesa, com as ressalvas do art. 303 do 

CPC, se apresenta, portanto, como um invariável efeito da revelia. 

Quanto à possibilidade de julgamento antecipado da lide (art. 330, 

CPC[20]), Leonardo Carneiro da Cunha, em tom elucidativo, esclarece que 

tal  efeito  é  decorrente da presunção de  veracidade dos  fatos  alegados 

pelo  autor:  “significa  que  já  há  incontrovérsia,  não  havendo  mais 

necessidade de prova.”[21]  

Como leciona Assumpção, “esse efeito na realidade é uma mera 

consequência da geração do efeito principal da revelia.”[22]  

Explicando melhor: 

[...] reputando‐se verdadeiros os fatos alegados 

pelo  autor,  a  consequência  é  o  julgamento 

antecipado da lide; enquanto não gerado esse efeito 

por qualquer das razões já enfrentadas, será caso de 

especificação de provas, o que naturalmente afasta a 

possibilidade de julgamento antecipado.[23] 

2. A INCIDÊNCIA DOS EFEITOS DA REVELIA EM FACE DA FAZENDA PÚBLICA

O  instituto  da  revelia,  considerada  como  a  ausência  jurídica  de 

contestação,  invariavelmente  não  possui  qualquer  limitação  prática  de 

incidência  quando  é  a  Fazenda  pública  que  figura  no  polo  passivo  da 

 

 

 

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relação  processual.  “Sendo  ré  a  Fazenda  Pública,  e  não  apresentando 

contestação, é ela revel.”[24] 

Necessário,  todavia, perquirir quanto à produção dos efeitos da 

revelia, sobretudo, seu efeito material. 

Inicialmente, cumpre esclarecer que não há qualquer óbice para a 

incidência do efeito processual da revelia aos entes públicos em juízo. 

Isso  porque  a  indisponibilidade  do  interesse  público  e  a  sua 

supremacia  sobre  o  interesse  privado  não  serão  desrespeitadas  ao  se 

deixar  de  intimar  a  Fazenda  Pública  dos  atos  processuais  após  a 

declaração de sua revelia. 

Ainda mais se levado em conta que a Administração Pública, por 

meio de seu procurador, pode a qualquer momento ingressar no feito e 

passar a atuar regularmente no processo, passando a receber ciência dos 

atos processuais realizados a partir do ingresso. 

O que gera discussão e, em razão disso, será o objeto principal de 

nosso trabalho é a incidência dos efeitos materiais da revelia em face do 

ente público demandado. 

Como já analisado, o art. 320 do CPC, em seu inciso II, preceitua 

que  a  revelia  não  induz  a  presunção  de  veracidade  dos  fatos  alegados 

quando o litígio versa sobre direitos indisponíveis. 

Dessa forma, a doutrina e a jurisprudência tendiam a afirmar que 

o efeito material da revelia, consubstanciado na presunção de veracidade 

dos fatos alegados, não ocorreria quando a Fazenda Pública estivesse no 

polo  passivo,  eis  que  os  direitos  defendidos  por  ela  em  juízo  sempre 

seriam indisponíveis. 

Arruda  Alvim  já  enunciava  que,  nas  ações  de  estado,  como 

investigação  de  paternidade,  conversão  de  separação  em  divórcio,  ou, 

 

 

 

        17 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55077  

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ainda, nas ações movidas contra as pessoas  jurídicas de direito público, 

não há o que se falar em revelia.[25] 

Corroborando  tal  tese,  acrescenta  Leonardo  José  Carneiro  da 

Cunha, que, em decorrência da prevalência do interesse coletivo frente ao 

individual e da indisponibilidade do interesse público, exsurge a presunção 

da  veracidade  e  legitimidade  dos  atos  praticados  pelas  autoridades 

administrativas. Sendo assim, arremata o autor: 

[...]  os  atos  administrativos  gozam  de 

presunção  de  legitimidade,  de  maneira  que 

cabe  ao  autor,  numa  demanda  proposta  em 

face da Fazenda Pública [...] elidir a presunção 

de  legitimidade  dos  atos  administrativos, 

comprovando  as  alegações  feitas  na  petição 

inicial. [26] 

Nesse esteio, para ter seu pedido julgado procedente, é ônus do 

autor  afastar  a  presunção  de  legitimidade  dos  atos  administrativos, 

mediante provas constitutivas de seu direito, malgrado a Fazenda Pública 

tenha sido revel. 

Conclui Leonardo: “sabe‐se que a presunção de veracidade gerada 

pela revelia é relativa (...) uma simples presunção relativa não poderia ter 

o  condão  de  afastar  a  presunção  de  legitimidade  dos  atos 

administrativos.”[27]  

Não menos importante, mister considerar uma corrente que vem 

ganhando força entre a jurisprudência pátria, mitigando o entendimento 

detalhadamente exposto. 

De  início,  mister  trazer  à  baila  ensinamento  de  Marinoni  e 

Mitidiero, conceituando direito indisponível: 

Direito  indisponível  é  aquele  que  não  se 

pode  renunciar  ou  alienar.  Os  direitos  da 

 

 

 

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personalidade (art. 11,CPC) e aqueles ligados ao 

estado da pessoa são indisponíveis. O direito da 

Fazenda Pública, quando arrimado em interesse 

público  primário  também  o  é.  O  direito  da 

Fazenda Pública com esteio no interesse público 

secundário não é indisponível.[28] 

Mazza, por sua vez, esclarece o que seriam os interesses públicos 

secundários: 

[...]  interesse  público  secundário  é  o 

interesse  patrimonial  do  Estado  como  pessoa 

jurídica  [...]  Na  defesa  dos  interesses 

secundários,  a  Administração  Pública  poderia 

utilizar  conceitos,  institutos  e  formas  próprios 

do Direito Privado.[29] 

De posses de tais conceitos, conclui‐se que, nos casos em que o 

interesse público  secundário,  definido  como o  interesse patrimonial  da 

administração, está sendo discutido na lide, não há razão para considerá‐

lo indisponível. Afasta‐se, portanto, o fundamento jurídico que impede a 

incidência dos efeitos materiais da revelia, apoiado na dicção legal do art. 

320, II, do CPC. 

Esse posicionamento conta com a acepção da 2ª Turma do Egrégio 

Superior Tribunal de Justiça e será aprofundado no tópico seguinte. 

.  O entendimento dos Tribunais Superiores 

Há vários precedentes no âmbito do Superior Tribunal de Justiça 

a corroborar com a tese de que não se aplica a presunção de veracidade 

dos  fatos narrados pelo autor – efeito material da  revelia  ‐ em  face da 

Fazenda Pública.  

Nesse esteio, confira‐se o seguinte aresto, julgado em outubro de 

2013: 

 

 

 

        19 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55077  

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PROCESSUAL  CIVIL  E  ADMINISTRATIVO. 

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. 

FAZENDA PÚBLICA EM JUÍZO. EFEITO MATERIAL 

DA REVELIA. CONFISSÃO. NÃO APLICABILIDADE. 

1.  Não  se  aplica  à  Fazenda  Pública  o  efeito 

material  da  revelia,  nem  é  admissível,  quanto 

aos  fatos  que  lhe  dizem  respeito,  a  confissão, 

pois  os  bens  e  direitos  são  considerados 

indisponíveis.  2.  Agravo  regimental  a  que  se 

nega seguimento. [30] 

De igual modo, citam‐se os seguintes julgados:  AgRg nos Edcl no 

REsp  1.288.560/MT,  AgRg  no  REsp  1.137.177/SP  e  EDcl  no  REsp 

724.111/RJ. 

A não incidência do efeito material da revelia quando a Fazenda 

Pública  figurasse  no  polo  passivo  da  relação  processual  tratava‐se, 

portanto, de posição pacífica no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, 

sem maiores controvérsias. 

Amparava‐se, pois, na tese de que os interesses defendidos pela 

Fazenda Pública, em qualquer situação, seriam indisponíveis, razão pela 

qual imperava a incidência do art. 320 do CPC. 

O  julgado  paradigmático  acerca  do  tema  em  voga  partiu  da  4ª 

turma do Superior Tribunal de Justiça, tendo por relator o ministro Luis 

Felipe Salomão, julgado em 06/11/2012. 

O  REsp  1.084.745/MG[31] julgou  um  caso  em  que  a  empresa 

Xerox Comercio e  Industria  LTDA ajuizou ação de  cobrança em  face do 

município de Monte Carmelo/MG, aduzindo ter firmado relação locatícia 

de  equipamentos,  a  qual  não  restou  adimplida,  motivando  a  rescisão 

contratual. 

 

 

 

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Em razão da ausência de contestação do Município, foi decretada 

a  revelia  pelo  magistrado,  o  qual,  em  julgamento  antecipado  da  lide, 

considerou  a  incidência  do  efeito  material  da  revelia  e  julgou  a  ação 

procedente. 

Em  reexame  necessário,  o  Tribunal  de  Justiça  de  Minas  Gerais 

manteve  a  sentença,  em  sua  essência,  alterando  apenas  capítulo 

concernente aos juros. 

Interposto  Recurso  Especial,  a  questão  alcançou  o  Superior 

Tribunal de Justiça, que, por meio do relator Ministro Salomão, suscitou a 

excepcionalidade  da  relação  jurídica  em  litígio,  a  qual  não  merecia  a 

aplicação da mesma ratio aos casos anteriormente julgados pelo tribunal. 

Isso porque, nos processos em que a Administração Pública litiga 

sobre obrigações tipicamente de direito privado, a exemplo do contrato 

de locação, não há o que se falar em “direitos indisponíveis” para fins de 

incidência do art. 320, inciso II, do CPC. 

Para  sustentar  tal  posicionamento,  Salomão  deixou  clara  a 

existência de diferença entre os contratos administrativos – regidos pelo 

sistema  jurídico  de Direito  Público  ‐  e  os  contratos  da  administração  – 

contratos privados celebrados pela Administração Pública, subordinados 

ao direito comum. 

Malgrado em ambos prevalecer o interesse público, é certo que, 

nos contratos da administração, a Fazenda atua em pé de igualdade com 

o particular, não havendo o que se falar em prerrogativas públicas, como 

as cláusulas exorbitantes. 

Destarte, nas palavras do Min. Salomão: 

[...] permitir uma superioridade no âmbito 

processual  –  típica  das  relações  contratuais 

regidas  pelo  direito  público  (contratos 

 

 

 

        21 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55077  

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administrativos)  –  acabaria  por  desnaturar  a 

própria relação jurídica contratual firmada.[32] 

Em  seguida,  concluiu:  “afastar  as  consequências  materiais  da 

revelia, de forma reflexa, atinge também a relação jurídica material, uma 

vez que, no âmbito contratual, a Administração não está em posição de 

superioridade.”[33]  

Mencionou também o Ministro a questão dos interesses públicos 

secundários,  entendido  como  a  necessidade  de  a  Administração  obter 

vantagens para si e cuja defesa pela administração em juízo não ensejaria 

a aplicação de qualquer prerrogativa pública, tese a qual nos debruçamos 

no capítulo 3 deste artigo. 

Considerando,  dessa  forma,  a  inadimplência  contratual  como 

“uma ilegítima e deformada feição do interesse público secundário” [34], 

e, por ela ter sido o motivo determinante da relação processual, inevitável 

a incidência da revelia e seus efeitos decorrentes. 

Sendo  assim,  a  supremacia  do  interesse  público  e  sua 

indisponibilidade não teriam o condão de afastar plenamente os efeitos 

materiais da revelia para o caso em análise. 

Apesar do exposto, o  recurso especial  não  foi  provido.  Todavia, 

impende  esclarecer  que  o  não  provimento  ocorreu  exclusivamente 

porque  a  procedência  do pedido não decorreu  exatamente dos  efeitos 

materiais  da  revelia,  mas  sim  da  preclusão  incidente  na  prova  de 

pagamento  da  obrigação  (fato  impeditivo  do  direito  do  autor),  que 

cabia, in casu, à Fazenda Pública. 

O indigitado entendimento é ainda isolado nas turmas do STJ, mas 

começa a contar com aceitação dos demais tribunais pátrios, como se vê 

do seguinte acórdão da lavra do Tribunal Regional Federal da 1ª Região: 

CIVIL.  CONTRATO  DE  COMPRA  E  VENDA. 

PACTO  COMISSÓRIO.  INADIMPLEMENTO. 

 

 

 

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RESOLUÇÃO.  PERDAS  E  DANOS.  LUCROS 

CESSANTES.  REVELIA.  ART.  319  DO  CPC. 

CONTRATO DE DIREITO PRIVADO. 1. Verificada 

a  inadimplência  do  comprador  que  celebrou 

contrato  de  compra  e  venda  com  pacto 

comissório, nos termos do art. 1.163, do CC/16, 

afigura‐se  correta  a  sentença  que  julgou 

procedente o pedido de resolução contratual. 2. 

Ademais, quanto ao pedido de perdas e danos 

formulado  pela  CONAB,  por  se  tratar  a  lide 

sobre direitos disponíveis, e não  tendo havido 

contestação, presumem‐se verdadeiros os fatos 

narrados  na  inicial  (art.  319  do  CPC),  pois  "os 

efeitos materiais  da  revelia  não  são  afastados 

quando, regularmente citado, deixa o Município 

de contestar o pedido do autor, sempre que não 

estiver  em  litígio  contrato  genuinamente 

administrativo,  mas  sim  uma  obrigação  de 

direito  privado  firmada  pela  Administração 

Pública" (REsp 1084745/MG, Rel. Ministro LUIS 

FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 

06/11/2012,  DJe  30/11/2012).  Indenização 

devida.  4.  Sentença  mantida.  Remessa  oficial 

desprovida.[35] 

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

A revelia, conceituada como ausência jurídica de contestação, tem 

como principais efeitos a presunção de veracidade dos fatos alegados pelo 

autor  (efeito material)  e a dispensa de  intimação dos atos do processo 

(efeito processual), malgrado a doutrina aponte ainda outros efeitos dela 

decorrentes. 

 

 

 

        23 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55077  

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Nada obstante, há casos em que mesmo decretada a revelia não 

incidirão seus efeitos plenamente, como, por exemplo, quando estiver em 

litígio direitos indisponíveis. 

Por  essa  razão,  a  jurisprudência  pátria,  apoiada  na  doutrina 

processualista, por muito  tempo, entendeu que, em  litígios nos quais a 

Administração  Pública  figurasse  como  ré,  inaplicável  seria  o  efeito 

material da revelia, eis que os bens e direitos por ela defendidos sempre 

seriam considerados indisponíveis. 

Argumentava‐se ainda que a presunção de veracidade gerada pela 

revelia, considerada relativa, não teria o condão, por si  só, de afastar a 

presunção de legitimidade ínsita aos atos administrativos, do que decorre 

que  o  autor,  para  ter  seu  pedido  julgado  procedente,  teria  o  mesmo 

ônus probandi, seja a Fazenda Pública revel ou não. 

Nada  obstante,  ainda  que  não  conte  com  aceitação  ampla  da 

doutrina e da jurisprudência pátria, filiamo‐nos ao entendimento trazido 

pelo  julgado  paradigmático  constante  do  REsp  1.084.745,  da  lavra  da 

Quarta Turma do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, tendo como relator 

o Ministro Luis Felipe Salomão. 

O  entendimento  consubstancia‐se,  inicialmente,  na  separação 

entre contratos administrativos e contratos da Administração. 

Os primeiros são regidos pelo sistema jurídico de Direito Público, 

sob  a  égide  da  supremacia  do  interesse  público,  materializado  pela 

presença de cláusulas exorbitantes, entre outras prerrogativas. Enquanto 

os segundos são contratos de natureza privada, nos quais a administração 

está em posição de igualdade com o particular, a exemplo do contrato de 

locação, razão pela qual a presença de prerrogativas públicas desnaturaria 

a própria relação contratual firmada. 

Disso decorre que a supremacia do interesse público, bem como 

sua  indisponibilidade,  não  justificaria  o  afastamento  por  completo  dos 

 

 

 

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efeitos materiais da  revelia nas hipóteses em que estiver em discussão 

contrato  regido  predominantemente  pelo  direito  privado,  ou  seja, 

situações em que a administração pública não se encontra em posição de 

superioridade diante do particular. 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

AMENDOEIRA  JR.,  Sidnei. Manual  de  Direito  Processual  Civil, 

Volume  : Teoria Geral do Processo e Fase de Conhecimento em  º Grau 

de Jurisdição. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012. 

ARROS, Guilherme Freire de Melo. Poder Público em Juízo para 

Concursos. 2a. ed. Salvador: Ed. Jus PODIVM, 2012 

ARRUDA  ALVIM,  José  Manoel. Manual  de  Direito  Processual 

Civil. 14ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. 

BEDAQUE,  José  Roberto  dos  Santos. Código  de  Processo  Civil 

Interpretado. São Paulo: Atlas, 2004. 

BUENO, Cassio Scarpinella. O Poder Público em juízo. 5a ed. São 

Paulo: Saraiva, 2009. 

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 16ª 

ed. V.1. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. 

CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Principais  Julgados do STF e 

STJ comentados  . 1a. ed. Manaus: Dizer O Direito, 2013. 

DA CUNHA, Leonardo Carneiro. A Fazenda Pública em Juízo. 10a. 

ed. São Paulo: Dialética, 2012.  

DIDIER  Jr.,  Fredie. Curso  de  Direito  Processual  Civil.  5.  ed. 

Salvador: Editora JusPODIVM, 2013, v.1 e 2. 

 

 

 

        25 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55077  

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MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. 4ª ed. São 

Paulo: Saraiva, 2014. 

MITIDIERO,  Daniel;  MARINONI,  Luiz  Guilherme. Código  de 

processo civil: comentado artigo por artigo. São Paulo: RT, 2009. 

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual 

Civil. 5. ed. São  Paulo: Método, 2013. 

NUNES,  Elpídio  Donizetti. Curso  Didático  de  Direito  Processual 

Civil. 13ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. 

PINHO, Humberto Dalla Bernardina de Pinho. Direito Processual 

Civil Contemporâneo, vol I. São Paulo: Saraiva, 2012. 

VALLE, Hélio Pereira do. Manual da Fazenda Pública em juízo. 3a 

ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. 

NOTAS  

[1] AMENDOEIRA  JR.,  Sidnei.  Manual  de  Direito  Processual  Civil, 

Volume 1: Teoria Geral do Processo e Fase de Conhecimento em 1º Grau 

de Jurisdição. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 361. 

[2] DIDIER Jr., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 5. ed. Salvador: 

Editora Juspodvum, 2013, v.1, p. 541. 

[3] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual 

Civil. 5. ed. São  Paulo: Método, 2013, p. 385. 

[4] NUNES,  Elpídio  Donizetti.  Curso  Didático  de  Direito  Processual 

Civil. 13ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 445. 

[5] Idem. 

[6] AMENDOEIRA JR., Sidnei, op. cit., p. 363. 

 

 

 

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[7] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. op. cit., p. 387. 

[8] ARRUDA ALVIM, José Manoel. Manual de Direito Processual Civil. 

14ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 348. 

[9] Art.  320. A  revelia não  induz,  contudo, o efeito mencionado no 

artigo  antecedente:  I  ‐  se,  havendo  pluralidade  de  réus,  algum  deles 

contestar a ação; II ‐ se o litígio versar sobre direitos indisponíveis; III ‐ se 

a petição inicial não estiver acompanhada do instrumento público, que a 

lei considere indispensável à prova do ato. 

[10] NEVES, Daniel Amorim Assumpção, op. cit., loc.sit. 

[11] DIDIER Jr., Fredie, op. cit., p. 521. 

[12] NUNES, Elpídio Donizetti, op. cit., p. 446. 

[13] DIDIER Jr., Fredie, op. cit., p. 522. 

[14] DA CUNHA, Leonardo Carneiro. A Fazenda Pública em Juízo. 10a. 

ed. São Paulo: Dialética, 2012, p. 97/98. 

[15] Art.  322.  Contra  o  revel  que  não  tenha  patrono  nos  autos, 

correrão  os  prazos  independentemente  de  intimação,  a  partir  da 

publicação de cada ato decisório. 

[16] BEDAQUE,  José  Roberto  dos  Santos.  Código  de  Processo  Civil 

Interpretado. São Paulo: Atlas, 2004, p. 974. 

[17] BRASIL.  Supremo  Tribunal  Federal.  Súmula  nº  231.  Disponível 

em: . 

[18] Art. 300. Compete ao réu alegar, na contestação, toda a matéria 

de defesa, expondo as  razões de  fato e de direito, com que  impugna o 

pedido do autor e especificando as provas que pretende produzir. 

 

 

 

        27 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55077  

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[19] Art.  303.  Depois  da  contestação,  só  é  lícito  deduzir  novas 

alegações quando: I ‐ relativas a direito superveniente ;II ‐ competir ao juiz 

conhecer delas de ofício; III ‐ por expressa autorização legal, puderem ser 

formuladas em qualquer tempo e juízo. 

[20] Art.  330.  O  juiz  conhecerá  diretamente  do  pedido,  proferindo 

sentença: II ‐ quando ocorrer a revelia (art. 319) 

[21] DA CUNHA, Leonardo Carneiro, op. cit., p. 100. 

[22] NEVES, Daniel Amorim Assumpção, op. Cit., p. 391. 

[23] Idem. 

[24] DA CUNHA, Leonardo Carneiro, op. cit., p. 97. 

[25] ARRUDA ALVIM, José Manoel, op. cit, p. 347. 

[26] DA CUNHA, Leonardo Carneiro, op. cit, p. 99. 

[27] Idem. 

[28] MITIDIERO,  Daniel;  MARINONI,  Luiz  Guilherme.  Código  de 

processo civil: comentado artigo por artigo. São Paulo: RT, 2009, p. 326. 

[29] MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. 4a ed. São 

Paulo: Saraiva, 2014. 

[30] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no REsp: 1170170 RJ, 

Rel. Ministro Og Fernandes. Data de Julgamento: 01/10/2013. Disponível 

em: Acesso em: 10 set. 2014. 

[31] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp: 1084745, Rel. Ministro 

Luis  Felipe  Salomão.  Data  de  Julgamento:  06/11/2012.  Disponível  em: 

Acesso em: 10 set. 2014. 

[32] Idem. 

 

 

 

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[33] Idem. 

[34] Idem. 

[35] BRASIL. TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL 1ª Região. REO: 9517/GO, 

Rel. Juiz Federal Márcio Barbosa Maia. Data de Julgamento: 19/03/2013. 

Disponível em: Acesso em: 10 set. 2014. 

 

 

 

        29 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55077  

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O CONTRATO E A SUA FUNÇÃO SOCIAL NO DIREITO BRASILEIRO

WAGNER SARAIVA FERREIRA LEMGRUBER BOECHAT: Advogado, consultor ambiental, professor de Direito na Universidade Vale do Rio Verde e Faculdade de São Lourenço. Graduado em Direito pela Faculdade de São Lourenço, pós-graduado em Direito Público pela Faculdade de São Lourenço, em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas, Direito Ambiental e Urbanístico pelo Centro Anhanguera de Promoção e Educação Social e mestre em Direito - linha Constitucionalismo e Democracia - pela Faculdade de Direito do Sul de Minas Gerais.

Coautores:

Antônio Carlos Alves de Oliveira[1]

Mariane Silva Paródia[ ]

Malu Maria de Lourdes Mendes Pereira[3]

RESUMO: O trabalho proporciona uma ampla leitura do princípio constitucional da função social do contrato, seu conteúdo, origem e alcance, pois a autonomia contratual e o equilíbrio de interesses entre as partes são questões a serem observadas quando da formalização do contrato tendo em vista o fenômeno da validade do Direito Privado. A interferência do Estado nas relações jurídicas entre os particulares, prevalecendo o interesse do bem-comum e da redução das desigualdades sociais. Portanto, a liberdade de contratar está atrelada aos fins sociais do contrato, sobressaindo ainda os princípios da boa-fé e do consensualismo. A metodologia utilizada é método hipotético-dedutivo, por meio de revisão de bibliográfica.

Palavras chaves: Contrato, função social do contrato, autonomia da vontade, pacta sunt servanda, direito constitucional.

INTRODUÇÃO:

Entende-se hoje que não é a mera e simples autonomia da vontade que direciona a execução dos contratos; a vontade não

 

 

 

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mais vigora ampla e livremente. Esta autonomia, anteriormente retratada, apenas, na fórmula pacta sunt servanda encontra fortes e expressos limites. A liberdade individual e a iniciativa pessoal continuam sendo a razão de ser dos contratos. No entanto, a visão mais humanitária do Estado Democrático de Direito impõe uma certa intervenção estatal, por força da qual a autonomia não tem hoje a mesma plenitude, cabendo ao princípio da Função Social do contrato fazer valer essa nova visão do direito civil brasileiro. Sobre o assunto, menciona a doutrina de Theodoro Júnior:

É inegável, nos termos atuais, que os contratos, de acordo com a visão social do Estado .Democrático de Direito, hão de submeter-se ao intervencionismo estatal manejado com o propósito de superar o individualismo egoístico e buscar a implantação de uma sociedade presidida pelo bem-estar e sob efetiva prevalência da garantia jurídica dos direitos humanos. (2004, p.6)

Dentro do conceito de Justiça Social, as partes não podem mais exercer os seus interesses contratuais livremente, o conteúdo do contrato deve refletir as exigências da nova ordem, cabendo ao Estado disciplinar e corrigir as vontades das partes para buscar o interesse coletivo, pois existem várias normas de cunho público que devem ser observadas (THEODORO JÚNIOR, 2004). O princípio da função social do contrato é uma norma geral do ordenamento jurídico de ordem pública, pelo qual o contrato deve ser necessariamente visualizado e interpretado de acordo com o contexto da sociedade. Sem dúvida alguma, o princípio da função social dos contratos serve justamente como instrumento indispensável para se possibilitar a supremacia e efetividade do princípio constitucional da solidariedade, mesmo quando esteja em jogo. a livre iniciativa.

 

 

 

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Conforme escreve Oliveira (2012), o conceito de contrato é tão antigo quanto a própria humanidade. A partir do momento em que esta resolveu viver coletivamente, em agrupamentos denominados de sociedade, o contrato passou a figurar como aspecto de perpetuação da espécie, na medida em que os negócios jurídicos advêm como forma de preservação da espécie humana.

Venosa (2008) recorda que o conceito atual de contrato vem sendo construído desde os primeiros tempos do Direito Romano e tendo como base a realidade social vivida pelos indivíduos.

Como espécie de negócio jurídico, no contrato figuram alguns princípios que regem as regras entre as partes, que são: autonomia da vontade, consensualismo, força obrigatória dos contratos, relatividade dos efeitos contratuais, boa-fé objetiva e a função social.

Segundo o princípio da autonomia da vontade, a partir de um acordo firmado de acordo com as vontades das partes envolvidas, estas possuem a capacidade de estipular, com liberdade, o que bem lhes convier. Entretanto, a liberdade de agir daquelas estará cerceada pela ordem pública e pelos bons costumes exalados da sociedade (MATTE, 2001).

Já segundo o princípio do consensualismo, para se formar um contrato, basta haver um acordo de vontades. Nesse caso, a chamada convergência volitiva é o aspecto suficiente para que se estabeleça um contrato válido, já que, pela regra, não é exigida uma forma especial para que se constitua um contrato, sendo que o consentimento é o bastante para a validação do vínculo contratual.

No que se refere ao princípio da obrigatoriedade das convenções , esse institui que o que é firmado entre as partes deve ser fielmente cumprido, ou seja, o pacta sunt servanda. De outra maneira, o contrato tendo preenchido os requisitos legais e firmado entre as partes, obriga estas aos cumprimentos dos aspectos livremente acordados.

No entanto, conforme lembra Garcia (2002), o princípio da obrigatoriedade não é absoluto, o que vale ressaltar que o

 

 

 

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descumprimento de cláusulas contratuais pode se dar, sem qualquer penalização, desde que as partes envolvidas, de modo voluntário, decidam rescindir o contrato ou, ainda:

na ocorrência de casos fortuitos ou força maior, 

conforme disposto  no  artigo  1.058  do  Código  Civil, 

ou, ainda, no caso de  incidência da chamada teoria 

da  imprevisão,  consagrada  na  cláusula  rebus  sic 

stantibus. Segundo essa, há possibilidade de se rever 

as  disposições  do  contrato  quando  ocorrer 

desequilíbrio  dos  contratantes  decorrente  de 

excessiva  onerosidade  no  cumprimento  de 

determina  prestação.  Outra  exceção  também  é 

encontrada no artigo 49 da Lei nº 8.078/90 (Código 

de Defesa do Consumidor), que prevê a possibilidade 

de o consumidor desistir do contrato sempre que a 

contratação  de  fornecimento  de  produtos  ou 

serviços ocorrer  fora do estabelecimento comercial 

(Garcia, 2002, s. p.,).

Em sentido semelhante está o Princípio da relatividade dos efeitos do negócio jurídico. Diniz(1993) escreve que os efeitos produzidos pelo contrato que se estabelece em decorrência das vontades convergentes das partes vinculam apenas as partes contratantes, não resvalando em terceiros. Para Matte(2001), este só será afetado pelos efeitos que emanam do vínculo contratual estabelecido por outros se assim o desejar ou mesmo a lei estabelecer.

Já no que se refere ao princípio da boa-fé, conforme os escritos de Gonçalves (2009), com o advento da Idade Moderna, trazendo, entre outras, a ascensão do capitalismo, a chamada liberdade de contratar pareceu atender aos interesses mercadológicos da nova classe social que ascendia, a burguesia. Exemplo do exposto é o Código Civil Napoleônico, promulgado em 1804. Nestes decretos, a autonomia da vontade prevalece.

 

 

 

        33 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55077  

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A partir deste princípio, há a discussão das partes envolvidas no contrato, realizada de forma livre, quanto às cláusulas deste. Cabe lembrar que essa se dá, também, a partir de uma situação de igualdade e tendo em vista a relação com a propriedade. Reveste-se,deste mesmo sentido, o princípio da obrigatoriedade dos contratos.

Segundo Gonçalves (2009), em dias hodiernos, a liberdade de contratar se subordina ao interesse social, na medida em que a autonomia da vontade é mitigada e não se mede mais sob o prisma do dever moral de manter-se a palavra empregada a força obrigatória dos contratos e, sim, pela realização do bem comum.

Dessa forma, o contrato e sua função social assumem um novo entendimento, sobre o qual Pereira (2006) declara ser um princípio moderno que vem se juntar aos clássicos que caracterizam um contrato, como a autonomia da vontade, a força obrigatória, a intangibilidade do seu conteúdo e a relatividade dos seus efeitos.

No Brasil, o princípio da função social do contrato recebe contornos de importância a partir da promulgação da Constituição Federativa do Brasil, em 1988, levada a efeito a partir da “ressignificação da ideia de propriedade e dos demais diplomas legais dela decorrentes” (OLIVEIRA, 2012, p. 2).

Oliveira (2012) remete à história para explicar a origem do conceito de função social do contrato, asseverando que nos séculos XVIII e XIX os juristas compreendiam que a procura pela satisfação própria passava, necessariamente, pela busca do bem individual, “na medida em que a soma de todos os bens individuais representaria o bem comum da sociedade” (OLIVEIRA, 2012, p. 2).

Todo esse panorama se devia à influência do individualismo liberal e positivismo jurídico, correntes do pensamento filosófico dos séculos XVIII e XIX, surgidas na esteira da Revolução Burguesa, na França e da Independência dos Estados Unidos, na América (PEREIRA, 2008).

Desse contexto, a característica maior dos contratos era o apego à forma como elemento estrutural da validade destes, em que

 

 

 

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a interpretação das diretrizes contratuais se dava de forma literal. Tal elemento passou a figurar, no âmbito dos negócios jurídicos, como uma categoria que abarca todas as espécies “de relações entre sujeitos de direitos” (OLIVEIRA, 2012, p. 2-3) e a qualquer indivíduo, independentemente de sua condição socioeconômica.

Lôbo (2002) relaciona esse aspecto ao desejo de realização pessoal dos indivíduos, em consonância com a “ideologia constitucionalmente implantada” (s. p.). Para o autor, o interesse individual é o valor supremo, só cabendo limites em ofensa à ordem pública e bons costumes, sendo alheio “ao Estado e ao direito considerações de justiça social” (OLIVEIRA, 2012, p. 3). Conforme escrevem Farias e Ronsenveld (2009), no mundo pós-Segunda Guerra Mundial, motivados pelas transformações de ordem social e política, os diplomas jurídicos das nações começaram a considerar que a todo direito individual, necessariamente, deveria corresponder uma função social.

Segundo Oliveira (2012), instala-se uma nova ordem jurídica, que se distancia da teoria clássica em decorrência de Transformações históricas tangíveis. Essa conjuntura histórica e social vai dar origem a uma nova concepção acerca dos contratos privados, levando o Estado a criar mecanismos de intervenção nos negócios individuais.

Venosa (2008) declara que a partir do século XX, os legisladores passam a pensar a questão da função social ao direito de propriedade. Tepedino (1999) explica que inserir esta questão a uma regra do diploma jurídico tinha clara a intenção do que se chamou “despatrimonialização do direito privado” (p. 47).

Destarte, o ideal de interesse social passa a figurar nos contratos privados e o princípio da função social toma ares de interesse da coletividade, em que Tartuce (2007) opina como sendo essa o regramento contratual de ordem pública, na qual o contrato deve ser interpretado de acordo com o contexto de determinado meio social. E complementa seu ponto de vista, escrevendo que;

 

 

 

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[...] a função social constitui verdadeiro princípio geral do ordenamento jurídico, abstraído das normas, do trabalho doutrinário, da jurisprudência, dos aspectos sociais, políticos e econômicos da sociedade (TARTUCE, 2007, p. 248).

Segundo pontua Oliveira (2012), todo contrato deve ser interpretado de modo sistemático pela doutrina e jurisprudência, observando-se os dispositivos constitucionais. A autora atribui à Constituição Federal a fundamentação dos princípios da função social dos pactos.

Sob esse aspecto, Tartuce (2007) ensina que a função social do contrato é um preceito de ordem pública e, por isso mesmo, encontra fundamento constitucional no princípio da função social da propriedade lato sensu, estabelecido no art. 5º, XXII e XXIII, bem como no princípio maior de proteção da dignidade da pessoa humana, no art.1º, III da CF.

Desse modo, os contratos deverão ser analisados conforme o que institui o direito concreto, buscando-se manter a segurança jurídica, pelo próprio princípio da dignidade da pessoa humana. Sobre esse ponto de vista, disserta Gagliano e Pamplona Filho (2009) que houve, a partir dessa nova visão do instituto, o abandono da concepção individualista do contrato clássico.

E complementam o seu próprio ponto de vista, afirmando que tal concepção passa a ser substituída pelas obrigações com a informação, confidencialidade, assistência, lealdade, entre outras, visando, precipuamente, a garantia da dignidade do sujeito como cidadão de direito constitucional (GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2009) e, por extensão, de toda a sociedade.

O sistema produtivo capitalista provocou grandes mudanças na estrutura da sociedade, desde o seu advento no século XVI. O domínio do capital, modificando a vida dos indivíduos, vem a impactar no modo como os contratos são analisados e interpretados.

 

 

 

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Tal aspecto pode ser ainda mais marcante quando tomados como exemplo daqueles os chamados contratos de consumo. Sobre essa espécie de negócio jurídico, Gagliano e Pamplona Filho (2009) lecionam que a Lei 8.078, de 1990, procurou adaptar o ordenamento jurídico a essa nova realidade mundial. denominada Código de Defesa do Consumidor, apresenta como princípio fundamental implícito, a dimensão social dos pactos, sendo este considerado a base para a própria concepção do contrato de consumo (p. 167-168).

Oliveira (2012), escreve que o estatuto consumerista apenas reafirma aquilo que, por natureza, já está especificado na função social dos contratos, uma vez que estes já trazem essa acepção nas próprias relações de consumo entre os pactuantes dessa forma de negócio jurídico.

Destarte, a função social do Código de Defesa do Consumidor é proporcionar o equilíbrio entre as partes que manifestam a declaração de vontade nessa relação. Historicamente, tal relação foi marcada pela desigualdade social e econômica entre as partes, em vista da fragilidade de consumidores perante fornecedores, muitas vezes estes representados por poderosas empresas capitalistas.

Oliveira (2012), mais uma vez, chama a atenção para a dimensão social do Código de Defesa do Consumidor, explicitada em seus artigos 46 e 47. Segundo estes, cláusulas ambíguas e desconhecidas do consumidor serão desconsideradas, além de que a interpretação do contrato deverá ser aquela mais benéfica a ele.

Interessante, ainda, na visão dos autores Gagliano e Pamplona Filho (2009) é o art. 51 do referido código, que institui a possibilidade de anulação de um contrato que apresentar cláusulas abusivas ao consumidor.

Conforme os estudos de Reale (1986), o Código Civil Brasileiro de 2002 rompeu com a visão individualista contida no diploma anterior. Segundo o autor, aquele procurou adotar a prevalência dos direitos coletivos sobre os individuais.

 

 

 

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A liberdade de contratar se restringe em face da função social propagada nos contratos, num contexto que o autor denominou de superação do individualismo, em que se reconhece, cada vez mais, o direito como fato social em sua origem e destino, impondo as prerrogativas coletivas sobre as individuais, de tal modo:

que a pessoa humana seja preservada sem privilégios e exclusivismos, numa ordem global de comum participação, não pode ser julgada temerária, mas antes urgente e indispensável, a renovação dos códigos atuais (REALE, 1986, p. 9).

Conforme cita Oliveira (2012), o art. 421 do Novo Código Civil Brasileiro institui a dimensão social do contrato, uma vez que aquele afirma que a liberdade de contratar é diretamente proporcional à razão e aos limites impostos pela função social do próprio contrato.

Talavera (2002) assevera que a interpretação dos contratos, à luz do artigo supracitado, deverá estar de acordo com os ideais do meio social em que este se encontra inserido, de tal forma que não represente onerosidade excessiva para as partes pactuantes, ou, ainda, ocasione situações de injustiças, respeitando a igualdade entre as partes.

Ainda conforme Talavera (2002), os contratos, ao respeitarem a igualdade entre as partes, terão em vista a sua eficácia interna e externa, gerando efeitos entre as partes e, ainda, além dos chamados contraentes, pois:

se um contrato for ruim para as partes, de maneira indireta, será maléfico para a comunidade, na medida em que não atendeu a sua finalidade social. Nesse prisma, ao analisar um contrato deverá se levar em conta o conjunto, ou seja, as partes contratantes e a sociedade (TALAVERA, 2002, p. 95).

Destarte, Oliveira (2012) cita o art. 2.035, em seu parágrafo único, do Novo Código Civil Brasileiro, para inferir sobre a função social dos contratos, declarando que nenhuma convenção prevalecerá se apresentar contrariedade aos preceitos que

 

 

 

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garantem a ordem pública, como aqueles mesmo declarados no próprio diploma legal e que assegura o direito de propriedade, por exemplo.

Ainda segundo a autora, para os juristas apresenta-se um desafio à busca por “um ponto de equilíbrio entre a função social dos contratos e a segurança jurídica” (OLIVEIRA, 2012, p. 6), ao mesmo tempo em que é necessário se garantir, ainda, os direitos subjetivos.

Por fim, esclarece-se que é imprescindível que seja definido de maneira adequada o que se entende por função social de um contrato diante de um fato jurídico concreto.

CONCLUSÃO:

Analisando os argumentos expostos, chega-se à conclusão de que não há razão alguma para se sustentar que o contrato deva atender tão somente aos interesses das partes que o estipulam, porque ele, por sua própria finalidade, exerce uma função social inerente ao poder negocial que é uma das fontes do direito..

Detendo-se ainda mais na questão, resta claro que ao celebrar um contrato, lhe seja atribuído uma função social, com a finalidade de que ele seja concluído em benefício dos contratantes sem o conflito com o interesse público. Cada relação jurídica precisa, assim, ser examinada a fim de se obter a sua devida definição, classificação e natureza, levando-se em conta a coexistência dos contratos clássicos e das novas manifestações que surgem a cada dia no mundo do Direito.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

DINIZ, Maria Helena. Tratado teórico e prático dos contratos. Vol. 1. São Paulo: Saraiva, 1993.

FARIAS, Cristiano Chaves de e RONSENVALD, Nelson. Direito Civil – Direito das Obrigações. 3ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

 

 

 

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GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 2009.

GARCIA, Flúvio Cardinelle Oliveira. Da Validade Jurídica dos Contratos Eletrônicos. 2002. 122 f. Disponível em <http://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/da-validade-jur%C3%ADdica-dos-contratos-eletr%C3%B4nicos>. Acesso em 21.10.2015.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2009.

LÔBO, Paulo Luiz Neto. Princípios sociais dos contratos no CDC e no novo Código Civil. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, nº. 55, 1 mar. 2002 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/2796>. Acesso em 05.11. 2012.

MATTE, Maurício de Souza. Internet: comércio eletrônico. São Paulo: LTr, 2001.

OLIVEIRA, Maria da Conceição Melo. Função social do contrato na legislação brasileira. Disponível em <http://www.fat.edu.br/saberjuridico/publicacoes/edicao03/discentes/FUNCAO-SOCIAL-DO-CONTRATO.pdf>. Acesso em 01.11.2012.

PEREIRA, Ana Lúcia Danilevcz. História do Mundo Contemporâneo. 1ª ed. São Paulo: Vozes, 2008.

PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de Direito Civil: Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

REALE, Miguel. O projeto do Código Civil. São Paulo: Saraiva, 1986.

 

 

 

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TALAVERA, Glauber Moreno. A função social do contrato no Novo Código Civil. Revista CEJ, nº 19, p. 94-96, Brasília, Outubro-Dezembro de 2002.

TARTUCE, Flávio. Função Social dos Contratos. São Paulo: Método, 2007.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito processual civil. 43. ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2004. v. 1.

TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.

VENOSA, Silvo de Salvo. Direito Civil. São Paulo: Atlas, 2008. NOTAS:

[1] Bacharel em direito.

[2]Advogada, professora universitária e especialista em Direito Civil pela Universidade Anhanguera. Pós-graduanda em Docência do Ensino Superior. Coordenadora do Grupo de Estudo de Direito Aplicado.

[3]Auditora Fiscal da Receita Estadual (MG), professora universitária, pós-graduada e mestre pela Faculdade de Direito do Sul de Minas (FDSM). Coordenadora do Grupo de Estudo de Direito Aplicado.

 

 

 

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EVOLUÇÃO DOUTRINÁRIA DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

FREDERICO FERNANDES DOS SANTOS: Advogado - Especialista em Direito Administrativo, Civil e Processual Civil. Escritório atuante também em Direito Tributário, Previdenciário e Trabalhista. Autor de artigos publicados em diversas revistas jurídicas.

1. Responsabilidade Civil do Estado

Em caso de dano resultante de comportamento originado do Poder Executivo, Legislativo, ou Judiciário, a consequência é a responsabilidade do Estado, e não da Administração Pública, já que ela não tem personalidade jurídica. O Estado é o detentor de personalidade jurídica e o titular de direitos e obrigações na ordem civil.

Segundo Di Pietro (2014, p. 715): “A capacidade é do Estado e das pessoas jurídicas públicas ou privadas que o representam no exercício de parcela de atribuições estatais. E a responsabilidade é sempre civil, ou seja, de ordem pecuniária”.

Esta modalidade de responsabilidade civil, também chamada de extracontratual, nada mais é do que a submissão do Poder Público ao Direito. Todos devem, sem distinção, responder por comportamentos violadores do direito alheio. Nada mais isonômico do que o Estado, quando no desempenhar de suas atividades causar dano a alguém, promover a respectiva reparação do bem lesado.

Diferentemente do direito privado, em que a responsabilidade advém de um ato ilícito, no direito administrativo ela pode ter como causa comportamentos lícitos (comissivos ou omissivos) que, contudo, causem prejuízo a terceiros.

Para Di Pietro (2014, p. 716): “a responsabilidade extracontratual do Estado corresponde à obrigação de reparar

 

 

 

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danos causados a terceiros em decorrência de comportamentos comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos, lícitos ou ilícitos, imputáveis aos agentes públicos”.

Apesar de hodiernamente a tese da responsabilidade pública/estatal parecer lógica, nem sempre foi assim, ela sofreu enorme resistência, mesmo após o surgimento do Estado Constitucional.

2 Fases de Evolução

2.1 Irresponsabilidade do Estado

Própria dos regimes absolutistas, a teoria partia da premissa de que o Estado deveria impor-se a todos, pois o rei não cometia erros (the king can do no wrong).E sendo os agentes públicos representantes do rei, estes também não poderiam ser responsabilizados por seus atos, pois praticavam atos do rei. Excepcionalmente, a responsabilização poderia ocorrer, mas somente se houvesse lei específica e com previsão expressa.

A responsabilização pessoal do agente, quando praticasse ato lesivo ao particular em decorrência de um comportamento pessoal, também era possível, apesar do patrimônio inexpressivo que deveria responder. Era a chamada “garantia administrativa dos funcionários” - Instituída pelo art. 75 da Constituição do Ano VIII (de 13 de dezembro de 1799), estabelecia que as ações contra estes perante os Tribunais Civis dependiam de prévia autorização do Conselho de Estado francês, o qual raramente a concedia.

2.2 Responsabilidade com culpa civil comum do Estado

Nesta fase almejou-se equiparar o Estado ao indivíduo, sendo assim, as hipóteses passíveis de obrigação e responsabilização

 

 

 

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entre os particulares também deveriam ser utilizadas para que o Estado indenizasse os danos causados aos particulares.

O problema neste momento era prático, pois somente existia a obrigação de o Estado indenizar, quando os seus agentes agissem com culpa ou dolo, o que cabia ao particular lesado provar e trazia grandes dificuldades (elementos subjetivos).

2.3 Teoria da culpa administrativa

Segundo Alexandrino (2013, p.805): “A teoria da culpa administrativa representou o primeiro estágio da transição entre a doutrina subjetiva da culpa civil e a responsabilidade objetiva atualmente adotada pela maioria dos países ocidentais”.

Para esta teoria, haveria uma distinção entre a culpa individual do funcionário, pela qual ele mesmo responderia pelo dano que causasse, e a culpa pelo serviço que funcionou mal, em que o funcionário não é identificável, tratando-se de uma culpa anônima. O dever de o Estado indenizar, nesse caso, seria em relação ao dano sofrido pelo particular quando fosse comprovada a falta do serviço.

Ensina Alexandrino (2013, p. 805):

A tese subjacente é que somente o dano decorrente de irregularidade na execução da atividade administrativa ensejaria indenização ao particular, ou seja, exige-se também uma espécie de culpa, mas não culpa subjetiva do agente, e sim uma culpa especial da Administração à qual convencionou-se chamar culpa administrativa ou culpa anônima.

 

 

 

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Esta modalidade de responsabilização do Estado (falta do serviço) pode ocorrer de três formas: por inexistência, mau funcionamento ou retardamento do serviço. Devendo o particular prejudicado comprovar sua ocorrência para fazer jus à indenização.

2.4 Teoria do risco administrativo

Essa doutrina baseia-se no princípio da igualdade de todos perante os encargos sociais e está alicerçada no artigo 13 da Declaração dos Direitos do Homem, de 1789, segundo a qual: "para a manutenção da força pública e para as despesas de administração é indispensável uma contribuição comum que deve ser dividida entre os cidadãos de acordo com as suas possibilidades". Entretanto, quando alguém sofre um ônus maior do que o suportado pelos demais, rompe-se o equilíbrio dessa contribuição comum, e para restabelecê-lo o Estado precisa indenizar o lesado.

Esta teoria serve de fundamento para a responsabilidade objetiva do Estado. São pressupostos para sua aplicação, segundo Di Pietro (2014, p. 719):

(a) que seja praticado um ato lícito ou ilícito, por agente público; (b) que esse ato cause dano específico (porque atinge apenas um ou alguns membros da coletividade) e anormal (porque supera os inconvenientes normais da vida em sociedade, decorrentes da atuação estatal); (c) que haja um nexo de causalidade entre o ato do agente público e o dano.

Não se faz mais necessária a comprovação da culpa ou da existência de falta do serviço. A atuação estatal que cause dano ao particular faz nascer para administração púbica a obrigação de indenizar. Isto é, desde que o particular não tenha concorrido para

 

 

 

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o resultado, ou a responsabilização (indenização) poderá ser diminuída.

Existe divergência doutrinária, mas a responsabilização estatal também pode ser mitigada em situações que envolvam a culpa de terceiro, a força maior ou o caso fortuito.

2.5 Teoria do risco integral

A teoria do risco integral consiste em uma responsabilidade civil absoluta da administração pública. Nela não existe a possibilidade de atenuantes ou mitigadores (excludentes) da responsabilização do Estado – bastando a existência do evento danoso e do nexo de causalidade para que surja a obrigação de indenizar. Não há a necessidade de atribuição e partilha de culpa, seja ela particular ou estatal. O risco decorrente da atividade e o dano dela decorrente é todo do Estado - integralmente.

Existe divergência na doutrina acerca das hipóteses de aplicação da responsabilização estatal na modalidade “risco integral”. Um dos exemplos mais citados é dos casos de acidentes nucleares (CRFB/88, art. 21, XXIII, “d”).

Di Pietro (2014) cita outras possibilidades, como em casos decorrentes de atos terroristas, atos de guerra ou eventos correlatos, contra aeronaves de empresas aéreas brasileiras, conforme previsto nas Leis n.º 10.309, de 22-11-01, e 10.744, de 9-10-03, e também algumas hipóteses de risco integral nas relações obrigacionais, conforme artigos 246, 393 e 399 do Código Civil.

REFERÊNCIAS:

ALEXANDRINO, Marcelo. PAULO, Vicente.Direito Administrativo Descomplicado. 21 ed. rev. e atual. São Paulo: Método, 2013.

 

 

 

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CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo – 27 ed. rev., ampl. e atual. – São Paulo: Atlas, 2014.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 27ª ed. São Paulo: Atlas, 2014.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 27 ed. São Paulo: Malheiros, 2010.

_____, Celso Antônio Bandeira de. Elementos de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 1992.

 

 

 

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A ÉTICA DO JUIZ: ANÁLISE APROFUNDADA SOBRE O TEXTO ÉTICA GERAL E PROFISSIONAL DE JOSÉ RENATO NALINI

CLARISSA PEREIRA BORGES: Graduada em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco em 2013.2; Pós Graduada em Direito Público pela Faculdade de Direito Professor Damásio de Jesus; Pós Graduada em Direito Administrativo pelo Instituto Elpídio Donizetti.

1. INTRODUÇÃO

Para o seguinte trabalho cumpre de início estabelecer algumas definições relevantes que dizem respeito à ética. Embora não exista um tipo ou uma concepção única de juízo de ética, João Baptista Herkenboff[1]a define: “Por ética podemos entender todo o esforço do espírito humano para formular juízos tendentes a iluminar a conduta das pessoas, sob a luz de um critério de bem e de justiça”.

Dessa forma, a ética liga-se ao que deve ser, ao permanente; seria a moralidade positiva, ou como expressa Eduardo Garcia Máynez[2] “o conjunto de regras de comportamento e formas de vida, através das quais tende o homem a realizar o valor do bem”. Deixando de lado a complexidade do tema e fazendo uma análise sucinta da matéria, percebemos que as normas éticas estão condicionadas a uma diretriz considerada obrigatória numa coletividade.

Isso, de acordo com a ótica de Miguel Reale[3], que seguindo o ensinamento do filósofo alemão Max Scheler, estabelece a ética do dever pelo dever, ou seja, uma ética material de valores. Nesse sentido, ela possui um conteúdo axiológico e toda e qualquer atividade humana, enquanto intencionalmente dirigida à realização de um valor, deve ser considerada conduta ética.

O mestre Reale ensina que a ética pode ser vista sob dois aspectos diferentes. O primeiro aspecto está relacionado ao valor da subjetividade do autor da ação e, deste modo, se verifica a partir da consciência individual. Assim, o indivíduo age de acordo

 

 

 

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com a sua consciência. Não pode existir um ato moral forçado, pois este é fruto de uma vontade inerente ao indivíduo. A ética vista sob esse ângulo toma o nome de moral. O segundo aspecto reflete o valor da coletividade em que o indivíduo atua. Ou seja, quando a ação é analisada em função das relações sociais. Nesse caso, a ética assume duas denominações distintas: moral social (referente aos costumes e convenções sociais); e a do direito[4].

Ética, moral, política e direito, embora sejam categorias diferentes estão todas relacionadas às ciências da cultura e fazem parte integrante da conduta humana. Citando Osvaldo Ferreira de Melo[5]“cabe à ética decidir qual seja a resposta sobre o que é moralmente correto; ao direito sobre o que seja racionalmente justo e à política, sobre o que seja socialmente útil”.

Assim sendo, de acordo com a teoria do “mínimo ético” tudo que é jurídico também é moral, no entanto, nem tudo que é moral pertence ao mundo jurídico. Ou seja, o direito seria um círculo concêntrico dentro do círculo da moral.

Muito embora exista, com razão, argumentos irrefutáveis que levam por água abaixo essa teoria do “mínimo ético” é certo que existe uma correlação, uma ligação muito grande entre o direito e a moral. O direito seria uma parte da moral cercada de garantias específicas (sanção). Dessa forma, pode-se presumir que para a edição de uma norma jurídica o legislador leva em conta as apreciações ou valorações sociais. Nesse sentido, as normas jurídicas na maioria das vezes contêm um forte conteúdo moral. Essa idéia de vinculação entre a ética e as normas jurídicas resulta da percepção de que o direito se acha a serviço da realização da justiça.

Sem duvida, é através do juiz que a justiça se realiza de forma efetiva. Ou seja, o ato de decidir do magistrado garante a realização da norma jurídica. Destarte, sendo ele o representante

 

 

 

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do Estado para solucionar os litígios sua decisão deve aparar-se de uma adequação justa.

Dessa forma, a decisão do juiz tem um importante papel na sociedade e traz consequências diretas ao cidadão em particular, e a sociedade em geral. Daí a importância de o magistrado possuir uma conduta ética a fim de suas decisões serem consonantes com os preceitos de bem e de justiça. Isso posto, em sua tese de mestrado Edil Batista Jr diz que:

“Será basicamente através da atuação do juiz que se poderá chegar a uma melhor resposta jurídica. O fato que irá determinar ou não a realização dessa justiça, enfim, será a aplicação do direito por um magistrado mais virtuoso (...).

O trabalho do magistrado, portanto, não deve se resumir a fornecer às partes uma resposta qualquer acomodando-se no que aponta a jurisprudência, ou na literatura superficial dos textos legais, mas deve sempre buscar a melhor solução, uma solução mais justa para o caso apreciado.”[6]

Esse pensamento demonstra que se o juiz falhar na sua missão de aplicar a lei a partir de autênticos valores sociais, a confiança pública em um sistema judiciário capaz de solucionar os conflitos de forma justa estará seriamente comprometida. Nesse sentido, afirma Eduardo Bittar, “a solução jurídica só satisfará a sociedade a que se destina se vir a ser uma solução essencialmente ética[7]”.

2. O CÓDIGO DE ÉTICA DA MAGISTRATURA BRASILEIRA

É possível normatizar a ética? Como já exposto, não existe um tipo ou uma concepção única de juízo de ética. Nesse

 

 

 

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sentido, inúmeras críticas surgem a esse respeito. Não obstante, o CNJ elaborou um código de ética da magistratura brasileira.

Não se tem a intenção, todavia, que tal código seja um guia completo sobre a conduta, nem um conjunto de normas para a responsabilidade civil e administrativa dos magistrados. Tais regras visam estabelecer padrões de comportamento na conduta profissional e pessoal dos juízes. O CNJ objetiva com a adoção de tal código “estabelecer instrumentos essenciais para os juízes incrementarem a confiança da sociedade em sua autoridade moral” [8]. Com isso, busca-se, cada vez mais, fortalecer a confiança da sociedade no sistema judiciário brasileiro, conferindo legitimidade às decisões tomadas pelo magistrado.

Embora o CNJ não tenha adotado formas de sanção, no código de ética da magistratura nacional, o órgão responsável pelo controle externo do judiciário pode exercer funções correcionais aos juízes. Não obstante as já previstas na lei orgânica da magistratura (lei complementar nº 35/1979, titulo III, capitulo II).

3. FUNDAMENTOS ÉTICO CONSTITUCIONAIS

Um judiciário independente e harmônico é indispensável para todos e a confiança pública na imparcialidade da magistratura é mantida pela dedicação pessoal de cada juiz. Como afirma José Renato Nalini[9] “o juiz que só conhece o direito será um profissional incompleto de evidente insuficiência para bem cumprir sua missão”.

O juiz deve estar atento à realidade que o circunda e às necessidades dos destinatários da justiça. Nesse diapasão, suas decisões repercutem diretamente na sociedade e ele precisa ter noção de tais consequências. Por isso, as decisões devem ser tomadas pelo magistrado com senso de conhecimento da realidade e sensibilidade na avaliação do caso concreto.

 

 

 

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A Constituição Federal é marcada por fortes preceitos éticos. Sem dúvida, não poderia deixar de lado princípios que regem o comportamento moral da atividade profissional do juiz.

Além de estabelecer um órgão de controle externo da magistratura nacional através da emenda constitucional 45/2004, determina a criação por lei complementar do estatuto da magistratura nacional. Referida lei deve observar princípios contidos no artigo 93 da constituição de onde se extrai o lineamento básico do comportamento moral profissional do magistrado.

Elenca o inciso I do artigo 93 que o ingresso na magistratura deve ocorrer por concurso público de provas e títulos. Notável mudança ocorreu com a resolução 75/2009 editada pelo CNJ que buscou incluir disciplinas até então não abordadas nos concursos para magistratura. Hoje, o candidato ao posto de juiz deve possuir profundo conhecimento de ética, sociologia do direito, filosofia do direito, gestão administrativa do poder judiciário, dentre outros. Tal mudança tem como objetivo selecionar profissionais capazes de resolver problemas não apenas com base nos textos legais e jurisprudência, mas compromissados com a realização do justo concreto.

Logicamente, além de um notável saber jurídico, o candidato deve possuir uma conduta exemplar na vida social, visto que, tudo o que lhe é pessoal pode ser transformado em desprestígio para a própria justiça. Dessa forma, se espera do juiz um comportamento exemplar.

A experiência de três anos de atividade advocatícia também possui uma preocupação ética, a de que o tempo de trabalho na atividade judiciária garanta o aperfeiçoamento da atividade profissional no futuro. Destarte, o candidato estaria mais preparado no momento de ingresso na magistratura.

 

 

 

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Destaca-se também, no inciso II, o merecimento. Com o judiciário estruturado em carreira, como forma de reconhecimento à atuação do juiz na sua profissão, este pode ser promovido. A meritocracia do juiz é reconhecida através dos critérios de produtividade, de presteza no exercício da jurisdição e pela frequência e aproveitamento em cursos de aperfeiçoamento. Nessa esteira, Nalini entende que “ao estabelecer os deveres de presteza o juiz não pode eticamente, retardar a outorga da prestação jurisdicional”[10].

Em relação aos cursos de aperfeiçoamento, são necessários, mas não são suficientes. O juiz, ao ser aprovado no concurso, não pode limitar-se ao seu conhecimento adquirido para tal feito. Ao contrário, o magistrado jamais pode deixar de se aperfeiçoar na busca do discernimento necessário para decidir o mérito da questão.

Ao analisar o artigo 95, em seu parágrafo único, encontramos o dever de exclusiva dedicação ao cargo. Sendo proibido o exercício de cargos ou funções que não sejam a de juiz, salvo a de magistério. Busca-se, também, evitar o recebimento de “vantagens econômicas” que possam afetar a imparcialidade da decisão.

Em relação ao dever de abstenção política é necessário cuidado na sua apreciação. O poder judiciário é um poder político, nunca, um poder técnico. Como afirma Zaffaroni, “a sentença é um ato político” [11].

Embora muitos autores assinalem que a politização do judiciário signifique arbitrariedade, porque o juiz se afasta da solução legal e sentencia conforme a sua própria visão política, Zaffaroni ensina que não é possível politizar um exercício do poder público que já é essencialmente político, mas sim, partidarizar o poder judiciário. O autor esclarece o tema distinguindo os termos

 

 

 

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“politização” e “partidarização”. Despolitizar o judiciário implica subtrair-lhe função própria reduzindo a sua dimensão até ser incapaz de agir. Por outro lado, “despartidarizar” significa democratizá-lo, dar-lhe pluralismo e torná-lo idôneo[12].

Em suma, submeter o juiz as diretrizes de um partido político, de uma corporação econômica, ou de qualquer grupo de poder, importa definitivamente em cancelar a sua jurisdição porque, dessa forma, inexiste o pressuposto de imparcialidade. Como sintetiza José Roberto Nalini, “o dever da dedicação exclusiva, do desinteresse e da abstenção política completam os postulados éticos explicitados na constituição e diretamente endereçado aos juízes”[13].

É importante salientar, também, que o dever ético abrange não só o juiz, mas todos os componentes do sistema judiciário. Ademais, os atos da administração pública estão subordinados ao princípio da moralidade. Devem ser analisados pelo juiz sob o aspecto da ética.

4. FUNDAMENTOS ÉTICO LEGAIS

Os deveres do juiz são estabelecidos na Constituição, na Lei Orgânica da Magistratura e nas normas de organização judiciária, portarias, provimentos e regimento dos tribunais de justiça.

A Lei Orgânica da Magistratura Nacional estabelece deveres aos quais os juízes estão submetidos. No inciso I, consta o dever de “cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as disposições legais e os atos de ofício”[14].

A independência a que alude o inciso, se refere ao desvinculamento do juiz de qualquer interesse. O magistrado como órgão único de dizer o direito ao tomar decisões e proferir sentenças

 

 

 

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pratica ato pessoal, exclusivo, fruto de sua convicção íntima, de sua cultura política e humanística, baseado na lei e nos valores morais da sociedade.

A serenidade consiste no equilíbrio por parte do juiz em lidar com seu ofício e com o trato das partes envolvidas no processo. Deve-se afastar todas as características negativas que possam dar idéia de descontrole por parte do magistrado. O juiz deve atuar sem predisposição e sem preconceito perante as partes, seja por meio de palavras ou atitudes. Ele deve evitar, principalmente nas audiências, palavras, gestos ou conduta que possam ser interpretadas como abusivas ou de mau gosto, exigindo os mesmos comportamentos por parte de seus assessores.

Agir com exatidão nem sempre é fácil, visto que a justiça é realizada pelo homem e este não é um ser perfeito. Por isso, a necessidade do estudo contínuo, da busca por um profundo conhecimento tanto dos textos legais quanto do aprimoramento do espírito nos mais elevados valores morais para aplicar a lei de forma exata.

O dever de não exceder injustificadamente os prazos para sentenciar ou despachar, contidos no inciso II, do referido artigo, é fruto do princípio da eficiência imposta a toda administração pública. A lentidão na solução dos conflitos é característica marcante do judiciário brasileiro. Não obstante, o juiz tem o dever de fornecer resposta rápida é eficiente. O inciso III estabelece que o juiz dê provimento necessário para que os atos processuais se realizem nos prazos legais. Estabelece, em suma, que o juiz é presidente do processo e responsável por seu curso.

Nalini, ainda, faz duras críticas ao arcaísmo e à falta de celeridade processual existente no Brasil. Mais que isso, aponta medidas para uma tentativa de solucionar esses problemas. Afirma ser necessária, ao magistrado, a formulação de estratégias para

 

 

 

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aperfeiçoar sua capacidade de decisão, visto que, um julgador deve “procurar contribuir para a redução das deficiências do judiciário, ousar em inovação e criatividade (...)” [15].

Não se pode também deixar de lado a virtude como dever legal. O juiz deve manter conduta irrepreensível na vida publica e particular. Não pode aquele que julga possuir conduta em desacordo com os valores da moralidade. A história do juiz é a história dos valores da humanidade, cada conduta, como também cada sentença é uma lição. Assim, do juiz se espera comportamento exemplar.

A lei ainda trata da urbanidade, pontualidade, da impossibilidade de se ausentar da comarca injustificadamente e da continência da linguagem. Muito embora essas regras pareçam desnecessárias, a experiência do legislador brasileiro fez com que tais comandos fossem contemplados pela Lei Orgânica da Magistratura brasileira.

5. O JUIZ E A ÉTICA DO PROCESSO

José Roberto Nalini, citando Carlos Aurélio Mota de Souza afirma que “o correto entendimento dos deveres dos sujeitos processuais concorrerá para que o processo possa cumprir com êxito aquela sua missão pacificadora”[16]. Sendo o processo o instrumento pelo qual se realiza a justiça, não poderia deixar de abordar preceitos éticos que sirvam de guia ao juiz como, por exemplo, a imparcialidade.

José de Albuquerque Rocha conceitua a imparcialidade como a posição de distanciamento do juiz, em dado processo, com relação às partes e seus interessados[17]. A imparcialidade é elemento estrutural da jurisdição e sua ausência afeta o próprio poder judiciário. Cumpre lembrar que, não se confunde os conceitos de “imparcialidade” e “neutralidade”. Inexiste um juiz neutro, quer

 

 

 

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dizer, indiferente em relação aos valores. Sobretudo aos valores políticos ideológicos que são inseparáveis da sociedade. A imparcialidade consiste em postar-se o juiz em posição de equidistância perante as partes.

6. PODERES ÉTICOS DO JUIZ NO PROCESSO

O processo mecanizado, denso, sofisticado muitas vezes se distancia do seu verdadeiro objetivo. O juiz dotado de verdadeira ética judicial será mais um solucionador de conflitos do que um técnico que aplica mecanicamente as leis. Desse modo, o magistrado deve aplicar a lei interpretando as formas estáticas do processo de forma ampla e condizentes ao objetivo de fornecer uma prestação jurídica adequada.

A necessidade de solucionar rapidamente os conflitos fez com quer surgissem os juizados especiais, os quais são regidos pelos princípios de oralidade, singeleza, preferência pela conciliação. Ressalte-se, no entanto, que os juízes devem facilitar e encorajar as conciliações, mas as partes não devem se sentir obrigadas a abrir mão de ter o mérito do seu processo examinado e decidido pela justiça.

O juiz deve usar amplamente o seu poder ético de intervenção pessoal, harmonizando o processo. A humanização da justiça e a utilização, pelo juiz, de critérios de aplicação, interpretação e integração do direito de maneira a torná-lo adequado às necessidades dos seus destinatários. Humanizar o processo deve ser uma das prioridades éticas do juiz.

7. SANÇÕES ÀS INFRAÇÕES ÉTICAS

O capítulo II, do título III, da lei complementar 35/1979, estabelece as penalidades àqueles que não agem em conformidade com a ética. Nos artigos 40 a 48, da LOMAN, encontram-se sanções

 

 

 

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que vão desde advertência até a demissão do juiz que não cumprir com seu dever ético. A intensidade da penalidade varia de acordo com a conduta e o grau da jurisdição.

O órgão responsável pela fiscalização da atividade judicante e aplicação das sanções, em caso de infração, é a corregedoria geral de justiça. Presume-se que o órgão correcional tenha como representante magistrado experiente, digno, sensato, do mais alto valor moral, visto que este tem a função de fiscalizar aqueles que aplicam a norma legal.

Não obstante, com a emenda constitucional nº 45/2004 foi implantado um órgão de controle externo da magistratura, o CNJ. Importante papel vem desempenhando esse órgão, atuando principalmente no controle administrativo e financeiro do judiciário. Ademais, é a cada dia mais atuante na sua tarefa de fiscalizar o cumprimento dos deveres funcionais do juiz.

É fundamental que a função de tais órgãos não seja apenas punitiva, pois “a punição é insuficiente para elevar a consciência ética do juiz”[18]. Deve existir, além do caráter punitivo, a orientação, a fim do aprimoramento da função ética do magistrado.

8. PARA QUEM PRETENDE SER JUIZ

Não é fácil exercer a magistratura na atualidade. Em uma realidade marcada pelo passageiro, onde as mudanças nos padrões valorativos estão em constante transformação, como deve o juiz se comportar na busca por uma justiça que atenda aos clamores sociais?

Não existe fórmula consagrada para se constituir o juiz ideal. Mesmo porque não existe um modelo pronto e acabado de juiz. No entanto, este deve ter a ética como religião, sendo assim

 

 

 

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um operador sensível e humano, indignado com a multiplicação dos excluídos, pronto a mais adequada realização do justo que nem sempre reside na aplicação da lei. Não se admite mais, nos dias de hoje, um magistrado essencialmente técnico que não saiba adequar a norma jurídica aos valores de ética.

Deve haver por parte do juiz a consciência de seu papel perante a sociedade. Nalini ensina que o magistrado não deve ser um escravo da lei, mas sim um solucionador de conflitos, um pacificador. Enfim, “um agente desperto para o valor da solidariedade, a utilizar-se do processo como instrumento de realização da dignidade humana e não como rito perpetuador de injustiças”[19].

Em suma, como afirma Carlos Aurélio Mota de Souza, na sua obra Poderes éticos do juiz, “o poder do juiz vem do povo e para ele se deve voltar, em espírito de pleno serviço”.[20]

9. REFERÊNCIAS

BATISTA, Edil Jr. No café com os magistrados – um estudo das dimensões políticas das decisões jurídicas. Tese de mestrado- UFPE, 2002.

BITTAR, Eduardo C.B., Curso de Filosofia do Direito: 7ª Ed., São Paulo, 2009.

HERKENBOFF, João Baptista. Ética para um mundo melhor – vivência, experiência testemunhos. 1º Ed. Rio de Janeiro: Thex editora, 2001.

MÁYNEZ, Eduardo Garcia. Ética empírica, ética de bens, ética formal, ética valorativa. Aprud. José Renato Naline. São Paulo: Ed. Revista dos tribunais, 1997.

 

 

 

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MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica. 1º Ed. Porto Alegre: Fabris editor, 1994.

NALINi, José Renato. Ética geral e profissional.8º Ed. São Paulo: Ed RT, 2011.

REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27º Ed - Ajustada ao novo código civil. São Paulo: Saraiva, 2005.

ROCHA, Jose de Alburquerque. Estudos sobre o poder judiciário. ed. Malheiros, 1995.

SOUZA, Carlos Aurélio mota de. Poderes éticos do juiz. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris editor, 1987.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Politica criminal latina americana. Buenos Aires: Ed. Hammurabi, 1982.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Poder judiciário. Crise, acertos e desacertos. São Paulo: Ed. Revista dos tribunais, 1995.

NOTAS:

[1] HERKENBOFF, João Baptista. Ética para um mundo melhor – vivência, experiência testemunhos. 1º Ed. Rio de Janeiro: Thex editora, 2001. P.11.

[2] MÁYNEZ, Eduardo Garcia. Ética empírica, ética de bens, ética formal, ética valorativa. Aprud. José Renato Naline. São Paulo: Ed. Revista dos tribunais, 1997. P. 30.

[3] REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27º Ed - Ajustada ao novo código civil. São Paulo: Saraiva, 2005. P, 37.

[4] Idem, ibidem, P,39.

[5] MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica. 1º Ed. Porto Alegre: Fabris editor, 1994. P 58/59.

 

 

 

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[6] BATISTA, Edil Jr. No café com os magistrados – um estudo das dimensões políticas das decisões jurídicas. Tese de mestrado- UFPE. 2002. P 105.

[7] BITTAR, Eduardo C.B., Curso de Filosofia do Direito: 7ª Ed., São Paulo, 2009. P 99.

[8] NALINi, José Renato. Ética geral e profissional. 8º Ed. São Paulo: Ed RT. 2011. P. 557.

[9] Idem, ibidem. P. 564.

[10] Idem, ibidem. P.563.

[11] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Politica criminal latina americana. Buenos Aires: Ed. Hammurabi. 1982. P 53.

[12] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Poder judiciário. Crise, acertos e desacertos. São Paulo: Ed. Revista dos tribunais. 1995. P. 95.

[13] NALINi, José Renato. Ética geral e profissional. 8º Ed. São Paulo: Ed. Revista dos tribunais. 2011. P.573.

[14] Artigo 35, I, lei complementar 35/1979.

[15] NALINi, José Renato. Ética geral e profissional. 8º Ed. São Paulo: Ed. Revista dos tribunais. 2011. P. 577 a 579.

[16] SOUZA, Carlos Aurelio Mota de. Poderes eticos do juiz. Prefácio de Candido Rangel Dinamarco. P 13. IN NALINi, José Renato. Ética geral e profissional. 8º Ed. São Paulo: Ed. Revista dos tribunais. 2011. P. 590.

[17] ROCHA, Jose de Alburquerque. Estudos sobre o poder judiciário. ed. Malheiros. 1995. P. 30, 31.

[18] Idem, ibidem. P.600.

[19] Idem , ibidem. p. 606.

 

 

 

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[20] SOUZA, Carlos Aurélio mota de. Poderes éticos do juiz. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris editor. 1987. P 80,81.

 

 

 

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BREVE ANÁLISE ACERCA DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE DO CONSUMIDOR

EUJECIO COUTRIM LIMA FILHO: Delegado de Polícia Civil do Estado de Minas Gerais. Mestre em Direito Público pela Universidade Estácio de Sá (PPGD/UNESA). Especialista em Direito do Estado pela Universidade Federal do Estado da Bahia. Graduado em Direito pelo Instituto de Educação Superior Unyahna de Salvador (BA). Professor de Direito Administrativo, Direito Empresarial, Direito do Consumidor e Responsabilidade Civil da Faculdade Guanambi (BA). Ex-Advogado com atuação na área do Direito do Consumidor e Direito Público. Ex-Juiz Leigo do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, com atuação no Juizado Especial Cível da Comarca de Guanambi (BA).

Dignidade do Consumidor e Direitos da Personalidade

O constituinte brasileiro de 1988 determinou alguns mandamentos expressos direcionados à defesa do consumidor como, por exemplo, os artigos 5º, XXXII e 170, V (a defesa do consumidor como uma obrigação do estado e princípio da ordem econômica, respectivamente). Além desses, implicitamente, também é possível extrair do texto constitucional alguns dispositivos igualmente aplicáveis às relações de consumo. A título de exemplo, da análise dos artigos 1º, III; 5º, caput e 5º, X vislumbra-se, concomitantemente, o dever de observar, em relação ao consumidor, a dignidade da pessoa humana; o direito à vida; à privacidade, honra e imagem.

Este fenômeno não se limita apenas na inclusão de normas de defesa do consumidor no texto constitucional. A ideia principal é que este instituto seja reinterpretado sob uma ótica constitucional (BARROSO, 2006). Assim sendo, o ordenamento se aproxima dos

 

 

 

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valores constitucionais a partir do instante que ele é iluminado pelas normas constitucionais (SARMENTO, 2010).

Sobre o tema, Gustavo Tepedino expõe que:

(...) mediante a aplicação direta dos princípios constitucionais nas relações do Direito Privado, devemos utilizar o Código do Consumidor, quer em contratos de adesão, mesmo quando não se constituam em relação de consumo, quer nas circunstâncias contratuais em que se identificam, pela identidade de ratio, os pressupostos de legitimação da intervenção legislativa em matéria de relações de consumo: os princípios da isonomia substancial, da dignidade da pessoa humana e da realização plena de sua personalidade parecem ser os pressupostos justificadores da incidência dos mecanismos de defesa do consumidor às relações interprivadas (TEPEDINO, 2004, p. 233).

Neste ponto, a ressaltar a importância da observância da dignidade da pessoa humana nas relações de consumo, cumpre enfatizar que uma das principais características do Código de Defesa do Consumidor é ser um microssistema multidisciplinar. Significa dizer que esse sistema engloba normas e princípios de diferentes ramos jurídicos como, por exemplo, o Direito Constitucional - dignidade da pessoa humana (dignidade do consumidor).

Ao estabelecer os objetivos da Política Nacional das Relações de Consumo, o art. 4o do Código de Defesa do Consumidor[1], entre

 

 

 

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outros temas, tratou expressamente da dignidade dos consumidores.

(...) referido dispositivo é considerado uma “norma-objetivo”, conforme lição de Eros Grau destacado por Claudia Lima Marques, acrescentando a Autora que deve ser considerado verdadeira “norma guia da interpretação de todo o Código”. (TRAJANO, 2010, p. 108)

Para Kant (2014), a dignidade está acima de qualquer preço, não podendo ser avaliada, confrontada ou lesada. Assim, é possível a substituição de uma coisa por outra do mesmo preço. Contudo, a dignidade, por estar acima de qualquer preço, não admite equivalente.

Tudo o que se refere às inclinações e necessidades gerais do homem tem um preço de mercadoria; o que, embora não pressuponha uma necessidade, é conforme a um certo gosto, isto é, à satisfação que nos advém de um simples jogo, mesmo destituído de finalidade, de nossas faculdades intelectuais, tem um preço de sentimento; mas o que constitui a só condição capaz de fazer que alguma coisa seja um fim em si, isso não tem apenas simples valor relativo, isto é, um preço, mas sim um valor intrínseco, uma dignidade. (KANT, 2014, p. 435).

Na mesma linha, com fundamento em Kant, Trajano (2010) expõe que as coisas podem ser substituídas na medida em que

 

 

 

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possuem um preço. O ser humano não possui preço, mas dignidade. Assim, a dignidade, valor supremo da ordem jurídica, impede a coisificação do ser humano.

Tudo aquilo relacionado com a dignidade humana interage com os direitos da personalidade e a violação desses direitos inerentes ao homem configura o dano moral. De acordo com Hogemann (2008, p. 77), "os danos extrapatrimoniais são em última análise os danos aos direitos de personalidade, e a tutela ressarcitória desses direitos se dá através da indenização por danos morais".

A mera lesão a interesses jurídicos personalíssimos enseja dano moral. A dor e o sofrimento serão analisados quando da fixação da indenização. De acordo com Cristiano Chaves de Farias E Nelson Rosenvald (2010), todos os critérios classificatórios dos direitos da personalidade passam pela dignidade da pessoa humana[2]. Contudo, é possível classificar os direitos da personalidade no âmbito físico (proteção ao corpo humano), no âmbito psíquico (honra, imagem, privacidade e nome) e no âmbito intelectual (criação humana) [3].

(…) é possível vislumbrar o direito à vida digna (dignidade da pessoa humana), a partir da intelecção do art. 1o, III, da Constituição da República, como o pressuposto lógico da personalidade humana e, consequentemente, dos próprios direitos da personalidade. (FARIAS; ROSENVALD, p. 160).

Na mesma direção, Edna Raquel Rodrigues Hogemann:

Convém apontar o progressivo avanço do Direito Civil contemporâneo ao direcionar-se pela valorização da pessoa

 

 

 

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humana em todos os seus aspectos, em um movimento de repersonalização através do qual passa a promover a tutela da totalidade dos direitos tanto patrimoniais como os extrapatrimoniais ou indisponíveis, de forma a garantir a dignidade da pessoa humana, pois o indivíduo como sujeito de direitos da personalidade não poderá ter a sua dignidade violada. Significa promover através do reconhecimento dos direitos da personalidade a proteção efetiva da integridade física, psíquica e intelectual. Há, portanto, um vínculo relacional fundamental entre os direitos da personalidade e a dignidade da pessoa humana. (HOGEMANN, 2008, p. 90).

Neste ponto, Carlos Alberto Bittar é citado por Roxana Borges:

no plano individual, esferas diferentes de bens integram a personalidade do ser, alguns insuscetíveis de atingimento pelo mundo exterior - em função de interesses maiores (como a vida, a honra) - outros, ao revés, passíveis de ingresso no comércio jurídico, dentro do direito de disposição exclusivo de seu titular (como a imagem, a criação intelectual) (BORGES, 2007, p. 156).

Citando Antonio Hermann Benjamim, Cláudia Lima Marques e Leonardo Roscoe Bessa, Trajano expressa que a Constituição Federal de 1988:

 

 

 

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é o centro irradiador e o marco da reconstrução de um direito privado brasileiro mais social e preocupado com os vulneráveis de nossa sociedade, um direito privado solidário” (destaque que não está no original). O texto constitucional “seria a garantia e o limite de um direito privado construído sob seu sistema de valores e incluindo a defesa do consumidor (TRAJANO, 2010, p. 135).

Atos que violam direitos da personalidade

O fornecedor tem o dever de manter um padrão de boa conduta em suas tratativas com o consumidor. Atos que violam a dignidade do consumidor, consequentemente maculam direitos da personalidade e devem ser reparados. Não obstante a imprescindibilidade da reparação pelo dano material sofrido em um determinado caso concreto, é necessário falar na reparação dos valores existenciais do consumidor.

Qualquer conduta lesiva à dignidade do consumidor, de algum modo mancha aspectos de sua personalidade. A título de exemplo pode-se citar um produto ou serviço defeituoso; práticas contratuais ou comerciais abusivas; negativação indevida.

Hogemann, citando Karl Larenz (2008, p. 88),“entende a dignidade da pessoa humana como a prerrogativa do ser humano de ser respeitado como pessoa, de não ter sua vida, corpo ou saúde prejudicados, e de gozar da sua própria existência”. Portanto, os produtos e serviços inseridos pelo fornecedor no mercado de consumo não podem colocar em risco a incolumidade física e psíquica do consumidor, sob pena de lesão a direito da personalidade.

 

 

 

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Nesta linha, na medida em que o defeito do produto ou serviço põe em risco a segurança e a própria integridade física do consumidor (destacando que o vício é a mera inadequação à finalidade desejada[4]), podendo desaguar em um acidente de consumo, tem-se a violação de direitos personalíssimos, que se agrava diante da ocorrência do evento danoso.

O acidente de consumo decorrente de fato do produto ou do serviço (artigos 12 e 14 do CDC), ao violarem a integridade física ou psíquica do consumidor, também atinge a dignidade. Assim, citando Sarlet, Trajano (2010) infere que diante da inexistência de respeito à vida, integridade física e moral do ser humano, não há de se falar em dignidade.

São inúmeras práticas que estão se disseminando no mercado de consumo, como compras pela internet, aumento de utilização de cartões de crédito e cartões fidelidade, facilitando a aquisição de dados da vida pessoal do consumidor e posterior repasse para bancos de dados especializados, com flagrante violação de direitos da personalidade(TRAJANO, 2010, p. 71).

Em linhas gerais pode-se afirmar que, prática abusiva é a desconformidade com o modelo mercadológico de boa conduta em relação ao consumidor. O art. 39 do CDC traz um rol exemplificativo de práticas abusivas. Podem ser classificadas como produtivas ou comerciais (a depender do momento em que se manifestam no processo econômico, se ocorre antes ou depois da colocação do produto no mercado de consumo) e pré contratual, contratual ou pós contratual (a depender do aspecto jurídico contratual) (BENJAMIN, 2004).

 

 

 

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Quanto ao caráter exemplificativo do art. 39 do CDC (que cuida das práticas abusivas), bem como o fato de que a violação de princípios constitucionais como, por exemplo, a dignidade da pessoa humana configura prática abusiva, Antonio Herman de Vasconcellos e Benjamin:

O administrador e o juiz têm, aqui, necessária e generosa ferramenta para combater práticas abusivas não expressamente listadas no art. 39, mas que, não obstante tal, violem os padrões ético-constitucionais de convivência de mercado de consumo, ou, ainda, contrariem o próprio sistema difuso de normas, legais e regulamentares, de proteção do consumidor (…) são abusivas as práticas que atentem, já aludimos, contra a dignidade da pessoa humana (art. 1º , III, da CF), a igualdade de origem, raça, sexo, cor e idade (art. 39, IV, do CDC), os direitos humanos (art. 3º , II, da CF), a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas (art. 5º , X, da CF)(GRINOVER, 2009, p. 367).

É dever do Estado, com base na dignidade humana, interferir para garantir ao consumidor a liberdade de adquirir somente aquilo que deseja e que tem condições econômicas, bem como para regular bens essenciais que os consumidores não podem adquirir por falta de capacidade de escolha. “Nesses casos, compete ao Estado atuar, controlando a distribuição e os preços de produtos essenciais, garantindo o acesso a serviços como de saúde, além de ter a obrigação de garantir esses direitos a todos”(TRAJANO, 2010, p. 120).

 

 

 

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Com efeito, interfere também na liberdade positiva a massiva publicidade a que o consumidor é exposto, muitas vezes dirigida a um grupo hipossuficiente, como as crianças, com envolvimento de profissionais de diversas áreas na sua criação, como psicólogos, sociólogos etc., provocando necessidades para aquisição de determinados bens ou contratação de serviços completamente dispensáveis, salientando-se que, muitas vezes, o sentimento de necessidade ocorre inconscientemente.(TRAJANO, 2010, p. 121).

Outro exemplo de conduta praticada pelo fornecedor apta a causar lesão extrapatrimonial no consumidor é a ilegítima inscrição nos orgãos de proteção ao crédito. A negativação indevida do consumidor nos cadastros de consumidores como, por exemplo, o SERASA, por si só, gera dano moral (dano in re ipsa). Contudo, o STJ tem entedimento no sentido de que o consumidor com uma negativação anterior devida não tem direito a indenização diante de uma nova negativação indevida. Neste caso o consumidor teria direito tão somente a exclusão da negativação irregular. Este entendimento, que pode ser encontrado, por exemplo, no Recurso Especial n. 1.002.985, pelas razões expostas neste trabalho, é duramente criticado pela doutrina (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2004).

Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona Filho (2004) destacam que, a ausência de notificação prévia acerca da negativação do nome do consumidor nos órgãos de proteção ao crédito também gera dano in re ipsa. Neste ponto, importante ressaltar que, nos termos da Súmula 359 do STJ, “cabe ao órgão mantenedor do Cadastro de

 

 

 

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Proteção ao Crédito a notificação do devedor antes de proceder à inscrição”.

Sobre a violação da dignidade do consumidor, oportuna algumas observações acerca do direito de ser esquecido como um antigo devedor, direito de viver em paz nas relações consumeristas. Dentre alguns direitos que podem ser extraídos do art. 43 do CDC, que cuida dos Bancos de Dados e Cadastros de Consumidores, os §§ 1o e 5o podem ser interpretados como direito a exclusão, ou seja, o prazo máximo em que as informações negativas a respeito do consumidor poderão ficar arquivadas – 05 (cinco) anos (§1o) ou até a prescrição relativa a cobrança do débito (§5o). Portanto, ocorrendo um dos citados marcos, o consumidor não poderá ser lembrado em relação àquela dívida que deu origem a negativação.

Nesta direção, tem-se o Enunciado 531 da Jornada de Direito Civil: “a tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento”.

Antonio Herman de Vasconcellos e Benjamim:

Fica, pois, bem caracterizada prática abusiva, nos termos do art. 39, do CDC, que é norma aberta, do tipo cláusula geraln não custa repetir; sem falar na violação da garantia constitucional da privacidade. Neste caso, a abusividade é praticada de forma solidária, tendo, de um lado, o banco de dados que coleta as informações cadastrais e, do outro, a empresa que adquire uma “mala direta” em particular.(GRINOVER, 2009, p. 368)

Um dos exemplos de abusividade que ajuda ventilar a ideia de violação de direito da personalidade, é o inciso VII, do art 39, do

 

 

 

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Código de Defesa do Consumidor, o qual considera prática abusiva “repassar informação depreciativa, referente a ato praticado pelo consumidor no exercício de seus direitos”. Esta hipótese pode ser exemplificada com um banco de dados, compartilhado entre fornecedores, objetivando catalogar os consumidores que ingressam com ações judiciais na busca da efetivação de seus direitos.

Sobre o tema, Roxana Borges diz que:

Ao reconhecer o direito a privacidade como direito de personalidade, reconhece-se a necessidade de se proteger a esfera privada da pessoa contra a intromissão, curiosidade e bisbilhotice alheia, além de evitar a divulgação das informações obtidas por meio da intromissão indevida ou, mesmo, que uma informação obtida legitimamente seja, sem autorização, divulgada (BORGES, 2007, p. 153).

Indenização por dano moral

Em virtude da dificuldade em quantificar a dor, em um primeiro instante o dano moral não era passível de reparação jurídica. Evoluindo, o dano moral passou a ser tutelado quando reflexo a um dano patrimonial. Com a Constituição Federal de 1988, a reparação autônoma do dano moral passou a ser reconhecida de forma autônoma, desvinculada do material. Nesta linha, seguiu o legislador infraconstitucional na redação do art. 186 do Código Civil de 2002 (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2004).

Nesta linha, citando Caio Mário da Silva Pereira, os autores citados no parágrafo anterior destacam que:

 

 

 

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(...) a Constituição Federal de 1988 veio pôr uma pá de cal na resistência à reparação do dano moral (...) Destarte, o argumento baseado na ausência de um princípio geral desaparece. E assim, a reparação do dano moral integra-se definitivamente em nosso direito positivo (...) É de se acrescer que a enumeração é meramente exemplificativa, sendo lícito à jurisprudência e à lei ordinária aditar outros casos (...) Com as duas disposições contidas na Constituição de 1988 o princípio da reparação do dano moral encontrou o batismo que a inseriu em a canonicidade de nosso direito positivo. Agora, pela palavra mais firme e mais alta da norma constitucional, tornou-se princípio de natureza cogente o que estabelece a reparação do dano moral em nosso direito. Obrigatório para o legislador e para o juiz. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2004, p. 74/75).

O dano moral é a violação a direito da personalidade, é a lesão que atinge a esfera psíquica ou moral da pessoa humana. “A ofensa atinge a pessoa em seu psiquismo, provocando sentimentos e/ou reações desagradáveis, desconfortáveis ou constrangedoras" (HOGEMANN, 2008, p. 94).

Em relação às pessoas jurídicas é possível a reparação da lesão daqueles direitos da personalidade que lhe são compatíveis como, por exemplo, a imagem atributo (as adjetivações impostas à pessoa jurídica).

 

 

 

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A indenização por dano moral consiste na reparação à lesão a direito da personalidade. Prevalece que o valor deve ser arbitrado, pelo magistrado, diante das peculiaridades do caso concreto[5] (sistema aberto).

O dano moral consiste na lesão de direitos cujo conteúdo não é pecuniário, nem comercialmente redutível a dinheiro. Em outras palavras, podemos afirmar que o dano moral é aquele que lesiona a esfera personalíssima da pessoa (seus direitos da personalidade) (...) O objeto da liquidação da reparação pecuniária do dano moral é uma importância que compensa a lesão extrapatrimonial sofrida. Não há como evitar a ideia de que, efetivamente, a natureza do objeto da liquidação exige o arbitramento, uma vez que os simples cálculos ou os artigos são inviáveis, na espécie (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2004, p. 62 e 399).

A tese do enriquecimento ilícito (art. 884 do Código Civil) pode ser utilizada como fundamento de defesa. Contudo, não pode ser obstáculo à reparação da lesão sofrida pelo consumidor. Assim, tem-se a importância de uma análise individualizada, em cada caso concreto, por parte do magistrado.

De acordo com a Súmula 387 do STJ é possível a cumulação da indenização por dano moral e por dano estético, ou seja, outro direito da personalidade. Assim, é lícita a cumulação das indenizações referentes a lesões a distintos direitos da personalidade.

Cada vez mais é crescente o entendimento doutrinário e jurisprudencial no sentido de que a indenização por dano moral,

 

 

 

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além de compensar a vítima, deve desestimular o autor do dano (teoria do desestimulo). Trata-se da consagração do princípio da função social da responsabilidade civil (função punitiva ou pedagógica)[6] que entende que essa reparação não pode se limitar ao simples caráter compensatório[7] (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2004).

Conforme publicado no Informativo n. 492 do STJ, o tribunal, no julgamento do Recurso Especial n. 1.120.971-RJ, de relatoria do Ministro Sidnei Beneti, destacou que “(...) essa Corte tem-se pronunciado no sentido de que o valor de reparação do dano deve ser fixado em montante que desestimule o ofensor a repetir a falta, sem constituir, de outro lado, enriquecimento indevido”.

 

 

 

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REFERÊNCIAS

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BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe.Manual de direito do consumidor. 2ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.

BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Direitos da personalidade e autonomia privada. 2ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

BRASIL, Código de Defesa do Consumidor(1990). In: Vade Mecum. São Paulo: Saraiva, 2013.

_______, Constituição da República Federativa do Brasil (1988). In: Vade Mecum. São Paulo: Saraiva, 2013.

_______, Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.120.971-RJ. Relator: Ministro Sidnei Beneti. Brasília, 28 de fevereiro de 2012. Acesso em 29 maio 2014.

FARIAS, Cristiano Chaves. ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: Teoria Geral. 2ª. Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. Vol. III. 2ª. Ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 8, ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009.

 

 

 

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HOGEMANN, Edna Raquel. Danos Morais e Direitos da Personalidade: uma questão de dignidade, in Direito Público e Evolução Social. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Trad. Antonio Pinto de Carvalho. Companhia Editora Nacional. Disponível em: www.dominiopublico. gov.br Acesso em 15 de março de 2014.

SARMENTO, Daniel. Por um Constitucionalismo Inclusivo: história constitucional brasileira, teoria da constituição e direitos fundamentais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. 3ª Ed. Revista e Atualizada. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.

TRAJANO, Fábio de Souza. Princípios constitucionais aplicáveis ao Direito do Consumidor e sua efetividade. Dissertação (Mestrado Acadêmico em Ciência Jurídica) – Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALE, Itajaí, 2010.

Notas:

[1]“Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios (...)”.

[2]“Os direitos da personalidade não estão submetidos a um rol taxativo (numerus cluasus), sendo aberta a sua previsão, a partir da cláusula geral protetiva da dignidade da pessoa humana” (FARIAS; ROSENVALD, 2010, p. 150).

[3] O citado autor também expõe que, “a violação dos direitos da personalidade acarreta graves consequências na órbita personalíssima, impondo danos de ordem extrapatrimonial (moral). Nesse passo, são previstas sanções jurídicas dirigidas a quem viola

 

 

 

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os direitos da personalidade de outrem, mediante a fixação de indenizações por danos não-patrimoniais (reparação de danos), bem como através da adoção de providências de caráter inibitório (tutela específica), tendentes à obtenção do resultado equivalente, qual seja, o respeito aos direitos da personalidade”(FARIAS; ROSENVALD, 2010, p. 149).

[4] Ainda em relação a dignidade do consumidor, Trajano observa a vinculação feita pelo STJ quanto a concessão de danos morais em casos de produtos com vício ao sofrimento na esfera de sua dignidade (TRAJANO, 2010, p. 112).

[5] Sumula 362 do STJ: "A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento".

[6] Enunciado 379 da IV Jornada de Direito Civil: "Art. 944: O art. 944, caput, do Código Civil não afasta a possibilidade de se reconhecer a função punitiva ou pedagógica da responsabilidade civil".

[7] Neste ponto, convém destacar o posicionamento de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2010, p. 151), segundo os quais“(...) a solução in natura, por si só, é insuficiente para a ampla e irrestrita proteção dos direitos da personalidade, não afastando os mecanismos preventivo e reparatório. Na verdade, apresenta-se o mecanismo de tutela específica como um plus na proteção da personalidade, que possui a interessante potencialidade de desestimular a conduta do ofensor (teoria do valor do desestímulo), sem a necessidade de se atribuir à vítima uma determinada quantia de natureza jurídica e estimativa duvidosa”.

 

 

 

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A EMBRIAGUEZ HABITUAL OU EM SERVIÇO DÁ ENSEJO Á DISPENSA DO EMPREGADO POR JUSTA CAUSA

LORENA CARNEIRO VAZ DE CARVALHO ALBUQUERQUE: Advogada, inscrita na OAB/GO. Bacharel em Direito pela PUC/GO. Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela UNIDERP.

INTRODUÇÃO

A embriaguez, nome dado ao consumo e ingestão excessiva de bebidas alcoólicas ou ainda de outras substâncias tóxicas e entorpecentes como a maconha, cocaína etc., é um problema enfrentado com maior regularidade no ambiente de trabalho.

É comum os empregadores se depararem com um funcionário com sinais de embriaguez e não saberem qual procedimento correto a ser tomado nestas ocasiões.

DESENVOLVIMENTO

Pois bem, inicialmente deve ser salientado que a embriaguez é tida como justo motivo para demissão do empregado, como se vê da alínea "f" do artigo 482 da CLT.

O empregado embriagado por estar com suas capacidades psicológicas e motoras afetadas, pode vir a causar acidentes de trabalho ou tornar-se indisciplinado, inconveniente, violento e dar mau exemplo aos outros empregados e assim, e com tais atitudes acaba por perder a confiança do empregador.

A embriaguez habitual é uma violação da obrigação geral de conduta. Não deixa de ser a embriaguez um mau procedimento do empregado, pois o trabalhador correto assim não procederá.

Apesar do texto de lei ser taxativo quanto a possibilidade de demissão por justa causa, seja por embriaguez habitual ou em serviço, é preciso trazermos à baila que o posicionamento jurisprudencial atual é divergente.

 

 

 

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Para a jurisprudência tanto a embriaguez habitual quando a em serviço não passam de formas de incontinência de conduta ou mau procedimento, no entanto, tratam-se de níveis e causas de embriaguez totalmente díspares e por isso não podem ser jogadas em vala comum.

De acordo com a visão jurisprudencial a embriaguez habitual (crônica) é aquela que ocorre reiteradamente, de forma contínua fora ou dentro do ambiente de trabalho, já a embriaguez no trabalho, é aquela ocasional, isolada e necessariamente deve ser dentro do ambiente de trabalho, ou ainda, basta que o empregado se apresente uma única vez embriagado ao trabalho.

Nesta seara, o principal argumento é que a embriaguez habitual (crônica) é uma doença, confirmada inclusive pela Organização Mundial da Saúde como síndrome da dependência do álcool, e por esta razão deve ser tratada como tal, não podendo ensejar assim a extinção do contrato de trabalho por justa causa.

Atualmente o alcoolismo é considerado uma doença, relacionada, inclusive, na Classificação Internacional de Doenças (CID) - com as classificações de psicose alcoólica (código 291), transtornos mentais e do comportamento decorrentes do uso de álcool (código 10) síndrome de dependência do álcool (código 303) e abuso do álcool sem dependência (código 305.0) - elaborada pela Organização Mundial de Saúde.

Sendo a embriaguez classificada pela Organização Mundial da Saúde como doença, o direito do trabalho não deve dar uma solução tão simplista a um problema que afeta toda a sociedade, deixando que um empregado acometido por esta doença sofra a penalidade máxima trabalhista.

Os Tribunais Regionais do Trabalho reafirmam o atual entendimento do Tribunal Superior do Trabalho no sentido de afastar a justa causa nos casos em que o empregado sofre de embriaguez habitual. Em confirmação a este entendimento o Tribunal Regional da 15ª região, no Recurso Ordinário do Processo nº. 00319-2006-063-15-00-0, manifestou-se:

 

 

 

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“A embriaguez habitual ou em serviço de que trata o art.482, f, da CLT deve ser analisada não só como falta grave do empregado, mas também como um fato subjetivo do que decorre a necessidade de encaminhamento a cuidados médicos, e não de mera rescisão justa do contrato de trabalho".

Daí a necessidade do empregador se certificar se a embriaguez é resultado do alcoolismo/doença ou trata-se de um caso isolado.

Isso porque, ainda que a CLT autorize a demissão por justa causa em caso de embriaguez habitual, caso o empregador assim o faça estará assumindo o risco de posteriormente ter revertida à justa causa ou ainda ter que arcar com uma indenização por danos morais aplicada por meio de uma ação trabalhista, já que para a doutrina e a jurisprudência a demissão por justa causa em caso de embriaguez crônica é tida como ato discriminatório e atentatório aos princípios constitucionais do direito à vida, à dignidade da pessoa humana e ao trabalho, conforme inciso I do artigo 7º da Constituição Federal.

Aliás, cumpre ressaltar, que, na esfera trabalhista, o ônus de comprovar a licitude da justa causa é do empregador, enquanto fato modificativo/impeditivo do direito do autor, conforme o inciso II, do artigo 333 do CPC c/c 818 da CLT.

CARACTERIZAÇÃO

O empregado que se embriaga habitualmente ou em serviço acarreta para o empregador diversos problemas, tais como:

1) Acidentes de trabalho, com danos físicos para si ou para outrem, como é o caso do empregado que exerce atividades industriais (trabalho em prensas, tornos, moendas, etc.) ou trabalhe na construção civil (serviço em andaimes, grandes alturas, etc.);

 

 

 

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2) Conturbação da rotina e disciplina habitual da empresa (brigas, discussões, agressões, etc.);

3) Maculação da imagem da empresa, principalmente em se tratando de empregado de alto escalão (diretores, gerentes e supervisores);

4) Perdas e danos, com baixa a baixa quantitativa e qualitativa da produção, bem como inutilização de materiais e máquinas.

CONCLUSÃO

Desta forma, o melhor posicionamento a ser tomado deve seguir necessariamente estas fases quando um funcionário apresentar os sinais de:

a) embriaguez no trabalho: poderá o empregador demitir por justa causa, no entanto, deverá cercar-se de provas que comprovem o estado etílico do empregado, seja por testemunhas, teste do bafômetro, exame médico, laboratorial etc.

b) embriaguez habitual (crônica): por tratar-se de uma doença, a síndrome da dependência do álcool deve ser tratada com maior cuidado pelo empregador.

Ciente do acometimento da doença, o empregador deve buscar todas as medidas para a recuperação do empregado, buscando soluções para o seu tratamento, seja inscrevendo-o em programas de recuperação, ou ainda afastá-lo e encaminhá-lo ao INSS.

Caso haja a recuperação do empregado, o mesmo retornará normalmente a exercer a sua antiga função.

No entanto, caso seja comprovada a irreversibilidade da doença pelo INSS, deverá ser tomada as providências necessárias para que seja aposentado.

Como se vê, apesar da CLT autorizar expressamente a demissão por justa causa em casos de embriaguez, somente tomando todas as providências acima relacionadas é que o empregador poderá se isentar de maiores responsabilidades, como

 

 

 

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a reversão de despedida ou ainda uma possível indenização por danos morais.

"EMBRIAGUEZ - DOENÇA – FALTA GRAVE NÃO CARACTERIZADA - Não obstante a velha (e boa) CLT ainda mantenha em sua redação – artigo 482, alínea “f”, a anacrônica referência à falta grave da “embriaguez habitual ou em serviço”, tanto a doutrina como a jurisprudência, em face da evolução das pesquisas no campo das ciências médicas, têm entendido que o empregado que sofre da doença do alcoolismo, catalogada no Código Internacional de Doenças com a nomenclatura de “síndrome de dependência do álcool” (Cid – 303), não pode ser sancionado com a despedida por justa causa. (SÃO PAULO. Tribunal Regional do Trabalho. Embriaguez – Doença – Falta Grave Não Caracterizada – RO 00095 – (20040671202 – 4ª T. - rel p/o Ac. Juiz Ricardo Artur Costa e Trigueiros – DOESP 03.12.2004)".

"ALCOOLISMO. JUSTA CAUSA. Não se pode convalidar como inteiramente justa a despedida do empregado que havia trabalhado anos na empresa sem cometer a menor falta, só pelo fato de ele ter sido acometido pela doença do alcoolismo, ainda mais quando da leitura da decisão regional não se extrai que o

 

 

 

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autor tenha alguma vez comparecido embriagado no serviço. A matéria deveria ser tratada com maior cuidado científico, de modo que as empresas não demitissem o empregado doente, mas sim tentasse recuperá-lo, tendo em vista que para uma doença é necessário tratamento adequado e não punição. (…) Revista parcialmente conhecida e parcialmente provida. Processo: RR - 383922-16.1997.5.09.5555 Data de Julgamento: 04/04/2001, Relator Ministro: Vantuil Abdala, 2ª Turma, Data de Publicação: DJ 14/05/2001".

FACULDADE ESTÁCIO DO RECIFE

CURSO DE DIREITO

RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE:

CRITÉRIOS DE APLICABILIDADE NOS JULGADOS DO TJPE

TATIANE DE VERÇOZA CHAVES

RECIFE

2014

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TATIANE DE VERÇOZA CHAVES

RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE:

CRITÉRIOS DE APLICABILIDADE NOS JULGADOS DO TJPE

Monografia apresentada à Faculdade Estácio do Recife como requisito parcial para a conclusão do curso e obtenção do título de bacharel em direito, sob a orientação da Profª Msc. Renata de Lima Pereira.

RECIFE

2014

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DEDICATÓRIA

A Deus, qυе sempre se mostra presente na minha vida. A energia vital que me foi concedida me impulsiona е encoraja para questionar realidades е propor sempre υm novo mundo dе possibilidades.

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AGRADECIMENTOS

A Faculdade Estácio do Recife, seu corpo docente e coordenação do Curso de Direito que oportunizaram a concretização desse sonho. A minha orientadora Drª Renata Lima, pelo suporte no pouco tempo que lhe coube, pelas suas correções e incentivos. A minha mãe e a minha irmã, pelo amor, incentivo e apoio diários. E a todos que direta ou indiretamente fizeram parte da minha formação, o meu muito obrigada!

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“Toda grande caminhada começa com um simples passo”. Buda

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RESUMO

Nas ações judiciais que pleiteiam a responsabilizar civilmente, deve a vítima comprovar o prejuízo sofrido, devendo o dano ser certo, e não hipotético. Diante dessa abordagem teórica, surge a problemática da teoria da “perda de uma chance”, pois, o grande obstáculo é a probabilidade de incerteza do dano. Com essa perspectiva de mudança do conceito e aplicação dos requisitos da responsabilidade civil, e da recente sistematização da matéria no direito brasileiro, os critérios de aplicabilidade desta teoria constituem um excelente campo de observação para a nova análise dos requisitos da responsabilidade civil. O objetivo geral deste estudo consiste em analisar os critérios de aplicabilidade da teoria da perda de uma chance utilizados pelo Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco (TJPE). Os objetivos específicos são realizar o levantamento numérico dos julgados do TJPE que fazem alusão à teoria da perda de uma chance, publicados até dezembro de 2013; verificar se essas decisões analisam a seriedade da chance perdida; identificar se estes julgados diferenciam adequadamente o dano provocado pela perda da chance, lucro cessante e dano moral e, por fim, verificar como se deu a quantificação do dano provocado pela perda da chance. O método usado é o descritivo de abordagem mista, pois, utiliza as técnicas quantitativa e qualitativa em um mesmo estudo. Inicialmente será realizado o levantamento numérico de todos os julgados publicados até dezembro de 2013 pelo TJPE que se referiam à teoria da perda de uma chance. A pesquisa será realizada eletronicamente utilizando-se a frase “perda de uma chance”, entre aspas, com a finalidade de especificar a busca para apenas localizar as decisões nas quais estas palavras aparecerem nesta sequência. Constatou-se que o número de julgados do TJPE é muito tímido, demonstrando que o estágio da jurisprudência do Tribunal pernambucano é ainda incipiente. Verificou-se também que o TJPE, assim como diversos tribunais no Brasil, ainda não adotou um tratamento sistemático para decidir casos que tratem da teoria da perda de uma chance, adotando critérios diversos para decidir sobre a mesma teoria.

Palavras-chave: Responsabilidade civil, perda de uma chance, aplicabilidade.

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ABSTRACT

This study will approache theme of civil law, more specifically about the civil liability, an institute that has been conquering importance in modern law. For civil liability, compensation for damage consistent indemnification, is dependent upon proof of the effective injury suffered by the victim. Thus, the damage must be sure, and are not compensable the hypothetical. Given this theoretical approach, the problems of the theory of "lost opportunity" arises, because, the big obstacle is the uncertainty of probability of damage. With this perspective of change of the concept and application of the requirements of civil liability, and the recent systematization of the matter in Brazilian law, the criteria for the applicability of this theory are an excellent field of observation for the analysis of new requirements of civil liability. The aim of this study consists in analyzing the applicability criteria of the theory of loss of chance used by the Court of the State of Pernambuco (TJPE). The specific objectives are to conduct the numerical survey of the TJPE judged that allude to the theory of loss of a chance, published until December 2013; check if those decisions analyze the seriousness of the lost chance; identify if they judged adequately differentiate the damage caused by the loss of chance, loss of earnings and moral damage and finally check how was the amount of damages caused by the loss of chance. The method used is descriptive of mixed approach, thus uses quantitative and qualitative techniques in the same study. Initially the numerical survey of all published judged by December 2013 by TJPE that referred to theory of loss of chance will be done. The research will be done electronically using the phrase "loss of a chance" in quotation marks, in order to specify the search to locate the only decisions in which these words appear in this sequence. It was found that the number of judged the TJPE is very shy, demonstrating that the stage of the jurisprudence of the Court Pernambuco is still incipient. It was also found that the TJPE as well as various courts in Brazil, has not yet adopted a systematic approach to deciding cases that deal with the theory of loss of a chance, adopting different criteria for deciding on the same theory. Keywords: Civil responsibility, Loss of a chance, applicability.

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LISTA DE ABREVIATURAS

STF - Supremo Tribunal Federal

STJ - Superior Tribunal de Justiça

TJPE – Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco.

TJRJ - Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.

TJRS - Tribunal de Justiça do Estado de Rio Grande do Sul

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.............................................................................................................. 09

CAPÍTULO 01 - DA RESPONSABILIDADE CIVIL.............................................. 12

1.1 Breve análise histórica da responsabilidade civil...................................................... 12

1.1.1 Da justiça privada aos Direito Romano e Francês.................................................. 12

1.1.2 Da responsabilidade subjetiva ao surgimento da responsabilidade objetiva e da perda de uma chance........................................................................................................

14

1.2 Conceito de responsabilidade civil............................................................................. 16

1.3 Elementos da responsabilidade civil........................................................................... 17

1.3.1 A conduta culposa................................................................................................... 17

1.3.2 Nexo de causalidade e a perda de uma chance ...................................................... 18

1.3.3 Dano........................................................................................................................ 23

CAPÍTULO 02 – DA PERDA DE UMA CHANCE................................................... 26

2.1 Conceito..................................................................................................................... 26

2.2 Perda de uma chance como uma categoria de dano específico ................................ 28

2.3 Critérios de aplicabilidade da teoria da perda de uma chance .................................. 32

2.3.1 Chances sérias e reais ............................................................................................ 32

2.3.2 Quantificação das chances perdidas 34

CAPÍTULO 03 – DA ANÁLISE DOS JULGADOS DO TJPE SOBRE A PERDA

DE UMA CHANCE.......................................................................................................

37

3.1 Levantamento numérico dos julgados do TJPE ........................................................ 37

3.2 Análise qualitativa das decisões ............................................................................... 39

3.3 Comentários acerca dos critérios de aplicabilidade nos julgados do TJPE .............. 44

CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 48

REFERÊNCIAS ............................................................................................................ 51

Anexo A .......................................................................................................................... 53

Anexo B .......................................................................................................................... 55

Anexo C .......................................................................................................................... 56

Anexo D .......................................................................................................................... 57

Anexo E .......................................................................................................................... 58

Anexo F .......................................................................................................................... 59

Anexo G .......................................................................................................................... 60

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9

INTRODUÇÃO

O presente estudo abordará tema do Direito Civil, mais especificamente acerca da

responsabilidade civil, instituto que vem conquistando importância no direito moderno. Trata

especificamente de danos ou prejuízos provocados no patrimônio de outrem, podendo ser este

de ordem moral ou material.

Para a responsabilidade civil, a reparação do dano, consistente em indenização, depende

da comprovação do efetivo prejuízo sofrido pela vítima. Dessa forma, o dano deve ser certo, e

não são indenizáveis os hipotéticos.

Diante dessa abordagem teórica, surge a problemática da teoria da “perda de uma

chance”. Deve-se sempre verificar, via de regra, a certeza do dano. Se um proprietário de

cavalos de corrida é o dono do cavalo favorito para ganhar uma competição, e o animal não

chega a tempo de participar da corrida por erro da transportadora: pode ser responsabilizada a

transportadora pela impossibilidade de participar da competição? O advogado que perde o prazo

para ingressar com recurso pode ser responsabilizado pela perda do direito de seu cliente?

Essa é a problemática desta teoria, pois, o grande obstáculo é a probabilidade de

incerteza do dano. Existe uma forte corrente doutrinária que considera o tema como um terceiro

gênero de indenização, junto ao lucro cessante e dano emergente, pois este instituto não se

enquadra nem no lucro cessante e nem no dano emergente.

Atualmente, a utilização da perda de uma chance é observada tanto nos danos originados

do inadimplemento contratual, quanto nos gerados por ilícitos absolutos, e também nas

hipóteses de responsabilidade objetiva e subjetiva.

Diante dessa perspectiva de mudança do conceito e aplicação dos requisitos da

responsabilidade civil, e da recente sistematização da matéria no direito brasileiro, os critérios

de aplicabilidade desta teoria constituem um excelente campo de observação para a nova análise

dos requisitos da responsabilidade civil.

O objetivo geral deste estudo consiste em analisar os critérios de aplicabilidade da teoria

da perda de uma chance utilizados pelo Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco (TJPE).

Os objetivos específicos são realizar o levantamento numérico dos julgados do TJPE que fazem

alusão à teoria da perda de uma chance, publicados até dezembro de 2013; verificar se essas

decisões analisam a seriedade da chance perdida; identificar se estes julgados diferenciam

adequadamente o dano provocado pela perda da chance, lucro cessante e dano moral e, por fim,

verificar como se deu a quantificação do dano provocado pela perda da chance.

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10

O trabalho será estruturado em três capítulos. O primeiro abordará a responsabilidade

civil de maneira geral, mas, sempre fazendo a ligação com a teoria da perda de uma chance,

oferecendo subsídios ao leitor para a melhor compreensão do tema em estudo. Será realizada

uma explanação dos momentos históricos mais importantes para o entendimento de como

evoluiu o instituto da responsabilidade civil. Em seguida, será exposto como se deu a mudança

de paradigma que levou a construção das teorias da responsabilidade civil subjetiva, objetiva e

da perda de uma chance. Posteriormente, far-se-á uma explanação sobre a responsabilidade

civil, os elementos de sua caracterização, a saber, conduta culposa, nexo causal e o dano e como

se deu a relativização desses elementos, de forma a proteger a vítima e garantir que ela tenha

seu prejuízo indenizado.

O segundo trará o fenômeno da perda de uma chance, com a finalidade de ofertar

conhecimento teórico para facilitar a compreensão da análise dos dados desta pesquisa. Tratará

de sua definição, defendendo-se que este instituto constitui uma categoria de dano específica e,

portanto, distinta das demais. Em seguida, serão explanados os seus critérios de aplicabilidade,

a saber: seriedade da chance perdida, a chance perdida como categoria específica de dano,

diferenciando-a do lucro cessante e dano moral e também como a doutrina orienta a

quantificação do dano para fins indenizatórios.

O terceiro fará a análise dos julgados do TJPE que fazem alusão à teoria da perda de

uma chance, publicados até dezembro de 2013. Será feita a análise quantitativa dos julgados e

para a análise qualitativa, a sistemática adotada será segmentar as decisões quanto aos critérios

de aplicabilidade desta teoria adotados no presente estudo, verificando se houve ou não a

adoção desses critérios ao proferir a decisão.

Trata-se de estudo de método descritivo, de abordagem mista, pois, utiliza a técnica

quantitativa e qualitativa em um mesmo estudo.

Inicialmente será realizado o levantamento numérico de todos os julgados publicados

até dezembro de 2013 pelo TJPE que referiam à teoria da perda de uma chance. A pesquisa será

realizada eletronicamente utilizando-se a frase “perda de uma chance”, entre aspas, com a

finalidade de especificar a busca para apenas localizar as decisões nas quais estas palavras

aparecerem nesta sequência.

Em seguida, será verificado qualitativamente se estas decisões analisaram a seriedade

da chance perdida, se diferenciaram adequadamente o dano provocado pela perda da chance,

lucro cessante e dano moral e também como se deu a quantificação do dano provocado pela

perda da chance.

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11

CAPÍTULO 1 – DA RESPONSABILIDADE CIVIL

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12

Este capítulo trará informações gerais acerca da responsabilidade civil, proporcionará

subsídios ao leitor para a melhor compreensão da teoria da perda de uma chance.

Durante a explanação do conteúdo será feita a ligação entre a visão tradicional da

responsabilidade civil e a perda de uma chance, tendo em vista as diferenças entre esta e as

demais categorias de danos indenizáveis.

Essa abordagem fará com que o leitor obtenha os conhecimentos gerais e tradicionais

da responsabilidade civil e entenda como estes conceitos são aplicados à perda de uma chance.

1.1 Breve análise histórica da responsabilidade civil

Será realizada uma explanação dos momentos históricos mais importantes para o

entendimento de como evoluiu o instituto da responsabilidade civil. Abordando como a

reparação ao dano existiu, independentemente da existência de uma lei e, em seguida,

explicando como o direito romano contribuiu para a evolução da responsabilidade civil e de

que forma o direito francês influenciou este instituto.

Posteriormente, será exposto como se deu a mudança de paradigma que levou a

construção das teorias da responsabilidade civil subjetiva, objetiva e da perda de uma chance.

Será explanado que o conceito de responsabilidade, consistente em reparar um dano

causado injustamente, sempre existiu. O que mudou ao longo do tempo, foi a maneira como

este dano deveria ser reparado, com a finalidade de atender aos anseios da sociedade em manter

um bom convívio.

1.1.1 Da justiça privada aos direitos romano e francês

Na fase da justiça privada, antes de existir o contrato social e a criação do Estado, não

havia regras, não imperava o direito. Havia a autotutela, uma vingança privada, uma reação

espontânea contra o mal vivenciado, o mal era reparado com o mal.

Quando passou a existir uma autoridade que assumiu a administração da Justiça, a fim

de obter a pacificação social, surgiram as legislações mais antigas que previam sanções,

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13

propiciando ao lesado que causasse o mesmo mal ao responsável (Código de Hammurabi –

2500 a.C., Código de Manu – séc. XIII a.C.).1

Num estágio mais avançado, surgiu a autoridade soberana, e o legislador proibiu a

justiça pelas próprias mãos. A reparação econômica que antes era voluntária, tornou-se

obrigatória e tarifada. O agente causador do dano pagava certo valor por um membro, outro

valor por uma vida, e assim sucessivamente (Código de Ur-Nammu e da Lei das XII tábuas).2

Inexistia distinção entre a responsabilidade civil e a penal, aplicando-se a Lei de Talião.3

Prevalecia a tipicidade das condutas, sem verificação da culpa, a qual era totalmente

dispensável para a caracterização da responsabilidade.

Dessa forma, se o ato praticado estivesse previsto no ordenamento jurídico, o agente

teria responsabilidade, mesmo se estivesse agindo sem culpa. Para que se configurasse a

responsabilidade, bastava que a conduta fosse típica.

A Lei Aquília (séc. III a. c.) iniciou a diferenciação entre responsabilidade civil e penal.

Embora ainda baseada na tipicidade, previu a responsabilidade de quem causasse dano à coisa

alheia, atribuindo ao proprietário lesado o recebimento do valor do dano provocado. Quando a

condenação excedesse esse valor, era considerada responsabilidade penal.4

Então, no direito romano houve uma importante evolução na forma como era realizada

a reparação do dano, consistindo esta, especialmente, na diferenciação entre responsabilidade

civil e penal. Também o elemento culpa passou a ser considerado para identificar a obrigação

de indenizar.

No direito francês não existiam condutas tipificadas de maneira taxativa. Havia um

princípio que norteava a responsabilidade civil. Logo, se a conduta se enquadrasse neste

princípio, e se existisse a presença do elemento culpa, ficava caracterizada a obrigação de

indenizar.

O fato das condutas indenizáveis ser determinado por um princípio geral, ampliou o

conceito de dano indenizável, pois, se na apreciação do caso concreto, houvesse culpa e a

conduta se enquadrasse neste princípio, o dano seria indenizável.

                                                            1 MOURA, Caio Roberto Souto de. Responsabilidade civil e sua evolução em direção ao risco no novo código civil. Disponível em: <http://www.esmafe.org.br/web/revista/rev02/01 _artigo_resp_civil_em_dir_ao_risco_no_novo_cod_civil.pdf>. Acesso em: 23.03.14. 2 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. v.4. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 25. 3 MOURA, Caio Roberto Souto de. Responsabilidade civil e sua evolução em direção ao risco no novo código civil. Disponível em: <http://www.esmafe.org.br/web/revista/rev02/01 _artigo_resp_civil_em_dir_ao_risco_no_novo_cod_civil.pdf>. Acesso em: 23.03.14. 4 MOURA, Caio Roberto Souto de. Responsabilidade civil e sua evolução em direção ao risco no novo código civil. Disponível em: <http://www.esmafe.org.br/web/revista/rev02/01 _artigo_resp_civil_em_dir_ao_risco_no_novo_cod_civil.pdf>. Acesso em: 23.03.14. 

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14

O direito francês aperfeiçoou as ideias românicas, estabelecendo um princípio geral da

responsabilidade civil, deixando de enumerar casos de composição obrigatória. Além disso,

generalizou o princípio aquiliano de que a culpa, ainda que levíssima, obriga a indenizar.5

A teoria da responsabilidade civil subjetiva, baseada na culpa, foi consagrada no Código

Civil francês de 1804. Essa codificação provocou grande influência nas codificações

supervenientes, como o Código Civil Alemão e o Código Civil Brasileiro de 1916.6

A partir do direito francês, a responsabilidade civil passa a ser caracterizada de maneira

moderna, com a inclusão do elemento culpa. Essa característica está incluída na teoria da

responsabilidade civil subjetiva, presente nas legislações atuais que versam sobre essa matéria.

1.1.2 Da responsabilidade subjetiva ao surgimento da responsabilidade objetiva e da

perda de uma chance

O Código Civil Brasileiro de 1916, inspirando-se nos códigos liberais, adotou a teoria

subjetiva. Essa teoria baseia-se na ideia de culpa, pois, exige prova da culpa ou dolo do causador

do dano para que seja obrigado a repará-lo. Cabendo a vítima fazer a prova. Dessa forma, a

responsabilidade do causador do dano apenas ficava caracterizada quando este agiu com dolo

ou culpa.

A responsabilidade civil nos códigos liberais estava ligada à questão moral. Essa

característica moralmente reprovável que deveria ser observada na conduta do responsável pelo

dano, passava obrigatoriamente pela noção de culpa.7

No entanto, o progresso, o desenvolvimento industrial e a multiplicação dos danos

provocaram o surgimento de novas teorias com o objetivo de proporcionar maior proteção às

vítimas. Foi necessário que a responsabilidade civil se afastasse da análise da culpa para analisar

objetivamente a reparação da vítima.

A teoria objetiva obriga o autor de uma atividade de risco a responder por todos os

danos dela derivados, independentemente de culpa. Essa perspectiva, desenvolvida após a

                                                            5 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. v.4. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 26. 6 MOURA, Caio Roberto Souto de. Responsabilidade civil e sua evolução em direção ao risco no novo código civil. Disponível em: <http://www.esmafe.org.br/web/revista/rev02/01 _artigo_resp_civil_em_dir_ao_risco_no_novo_cod_civil.pdf>. Acesso em: 23.03.14. 7 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance: uma análise do direito comparado e brasileiro. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 3. 

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15

Revolução Industrial, provocou uma verdadeira inversão do eixo da responsabilidade civil,

antes preocupada com a prova culpa e atualmente voltada para a reparação do dano.8

Vale ressaltar que os requisitos para a configuração da responsabilidade civil subjetiva

são: ação ou omissão do agente, culpa, nexo de causalidade e dano. Com a objetivação da

reparação do dano relativizou-se apenas um destes requisitos, a culpa. Mas, atualmente o

conceito de responsabilidade comporta a evolução de outros requisitos como o nexo de

causalidade e o dano.

Essa mudança de paradigma na seara da responsabilidade civil influenciou e ampliou

de forma profunda e significativa o conceito de dano reparável. Outrora eram compensados

apenas os danos diretos e tangíveis;

Entretanto, a dinamicidade da vida moderna fez surgir a necessidade de se repararem danos que possuem causas intangíveis e emocionais. Ademais, fatos como quebras de expectativa ou confiança, quebra de privacidade, estresse emocional, risco econômico, perda de uma chance e perda de escolha já são considerados plenamente reparáveis.9

Verifica-se uma crescente consciência de que o Direito deve considerar a incerteza

como parte integrante das soluções jurídicas, pois, esta ciência trata com complexos e

probabilísticos conflitos dos fenômenos sociais. Para tanto, o avanço tecnológico, ao

aperfeiçoar os métodos de quantificação de evidências estatísticas, vem contribuindo na tomada

de soluções de conflitos que envolvem incertezas.10

O referido progresso no estudo da probabilidade possibilitou a criação de leis do acaso.

Dessa forma, é lícito verificar estatisticamente quais eram as chances de sucesso e quais foram

subtraídas pelo agente causador do dano. Esse novo aspecto probabilístico foi capaz de criar

uma nova categoria de dano indenizável: as chances perdidas.11

Se o avanço da ciência tornou possível mensurar o quanto de chance teria a vítima,

então, o direito não pode desprezar essa possibilidade e fugir à sua finalidade. Se há um conflito

intersubjetivo de direitos, cabe a ciência do direito solucioná-lo utilizando as ferramentas

disponíveis. E a teoria da perda de uma chance é uma importante ferramenta para a

compensação de danos.

                                                            8 LIMA, Alvino. Culpa e risco. 2ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 115. 9 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance: uma análise do direito comparado e brasileiro. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2013. pp. 6-7. 10 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance: uma análise do direito comparado e brasileiro. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 9. 11 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance: uma análise do direito comparado e brasileiro. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 10. 

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16

1.2 Conceito de responsabilidade civil

O instituto da responsabilidade civil é parte do direito das obrigações, pois, a prática de

um ato ilícito, tem como consequência direta a obrigação de indenizar para reparar o dano. A

responsabilidade civil destina-se a restaurar o equilíbrio violado pelo dano e recuperar o status

anterior.

Trata-se de um dever jurídico sucessivo que tem a finalidade de recompor o dano

decorrente da violação de um dever jurídico originário.12 Essa recomposição é feita por meio

do estabelecimento de uma punição extra-penal àquele que, ao cometer um ato ilícito, causar

danos a outrem. Essa punição consiste em indenização, valor pecuniário a ser pago a vítima

como forma de restaurar o equilíbrio anterior à ocorrência do dano.

A responsabilidade civil decorre de uma conduta voluntária, violadora de um dever

jurídico, que acarreta prejuízo a outrem. Segundo o Código Civil vigente art. 927, “aquele que,

por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.

Pode-se ainda dizer que é a obrigação de reparar um dano causado a outrem; da maneira

utilizada para obrigar o agente a reparar um dano moral ou patrimonial, resultante de um ato

por ele praticado ou por ato de pessoas ou coisas que dele dependam.

A responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar o dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal.13

O objetivo do instituto é definir os eventos danosos mais relevantes, e transferir o ônus

suportado pela vítima aos causadores ou responsáveis. Logo, a responsabilidade civil define os

limites e condições nas quais ocorrerá a transferência do custo do dano causado, retirando-o da

vítima e o impondo ao causador ou responsável.14

Diante dessas informações colhidas da doutrina, foi elaborado o seguinte conceito de

responsabilidade civil: instituto do direito civil, ramo do direito das obrigações, que define os

eventos danosos relevantes, estabelece uma relação de causalidade entre o evento e o prejuízo

sofrido pela vítima; para, em seguida, impor a obrigação de indenizar com a finalidade de

recompor o conflito e restabelecer o equilíbrio que existia antes da ocorrência do dano.

                                                            12 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 9 ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 2. 13 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. v. 7. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 35.  14 MOURA, Caio Roberto Souto de. Responsabilidade civil e sua evolução em direção ao risco no novo código civil. Disponível em: <http://www.esmafe.org.br/web/revista/rev02/01 _artigo_resp_civil_em_dir_ao_risco_no_novo_cod_civil.pdf>. Acesso em: 23.03.14. 

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17

1.3 Elementos da responsabilidade civil

A responsabilidade civil, para a sua caracterização, utiliza os seguintes elementos:

conduta culposa, nexo causal e o dano. Todos esses elementos são verificados de forma a

identificar se o acusado é o causador do dano ou o responsável pelo dano e também se ele tem

a obrigação de indenizar. No entanto, como visto na evolução histórica da responsabilidade

civil, existe uma tendência na doutrina de se relativizar estes elementos em algumas situações,

de forma a proteger a vítima e garantir que ela tenha seu prejuízo indenizado.

1.3.1 A conduta culposa

A culpa é o elemento subjetivo, avalia se a ação ou omissão foi incorreta, indevida.

Verifica se o ato foi imprudente ou negligente, deixando de tomar os mínimos cuidados

necessários para evitar o dano ao patrimônio alheio ou deixando de tomar a medida adequada.

Dessa forma, a ação ou omissão do agente deve ser voluntária, ou seja, livre e consciente, sem

vícios de consentimento, e ainda deve, pelo menos haver negligência ou imprudência.

Prescreve o art. 186 do Código Civil “Aquele que, por ação ou omissão voluntária,

negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente

moral, comete ato ilícito”. Então, para que se caracterize a ilicitude do ato, este deve ser

voluntário e revestido do elemento culpa.

Agir com culpa significa atuar de maneira reprovável. Ou seja, quando pelas

circunstâncias concretas, observa-se que o agente podia e devia agir de maneira diferente. O

juízo de reprovabilidade da culpa pode ter intensidade variável, correspondendo à divisão da

culpa em dolo (culpa lato sensu) e negligência (culpa stricto sensu ou aquiliana), abrangendo

esta última a imprudência e a imperícia. Em qualquer dessas modalidades, a culpa implica a

violação do dever de previsão do fato ilícito e da adoção de medidas capazes de evitá-lo.15

A conduta culposa deve ser medida pelo que normalmente acontece, e não pelo que

extraordinariamente possa acontecer. Não se pode exigir do agente um cuidado que não seria

                                                            15 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. v.4. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. pp. 315-17. 

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18

usualmente adotado pelo homem comum. Logo, só há de se falar em culpa quando o evento for

previsível.16

Para ter o dano reparado, via de regra, a vítima deve provar a culpa do agente, segundo

a teoria subjetiva. Mas, como em algumas hipóteses essa prova é difícil e o ônus acabava sendo

suportado pela vítima, o direito pátrio admite também a responsabilidade objetiva, sem culpa.

Este entendimento é observado no art. 927, parágrafo único do Código Civil “Haverá

obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou

quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza,

risco para os direitos de outrem”.

1.3.2 Nexo de causalidade e a perda de uma chance

Nexo de causalidade é a relação verificada entre um fato, o prejuízo e o sujeito

provocador. É pressuposto necessário à configuração da responsabilidade civil. Pois, deve-se

identificar que o dano decorre da conduta do agente para que haja a obrigação de indenizar. Ou

seja, deve existir uma relação de causalidade entre a ação ou omissão do agente e o prejuízo

sofrido pela vítima.

A prova da existência de uma relação de causalidade entre a ação ou omissão culposa

do agente e o dano experimentado pela vítima, é condição necessária para que surja a obrigação

de reparar. Se a vítima experimentar um dano, mas não se evidenciar que este resultou do

comportamento ou da atitude do réu, o pedido de indenização formulado deverá ser julgado

improcedente.17

A perda de uma chance, para ser indenizável, também deve ter uma relação de

causalidade com a conduta do agente. A teoria clássica desse instituto confere a ele um caráter

autônomo. Essa autonomia serve para separar o dano representado pela chance perdida, do dano

final, representado pela perda da vantagem esperada. Dessa forma, a paralisação do processo

aleatório no qual se encontrava a vítima seria suficiente para fundamentar a ação de

indenização, pois as chances que a vítima detinha nesse momento poderiam ter aferição

pecuniária. Quanto à reparação do dano final, isto é, do valor total da vantagem esperada pela

                                                            16 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. v.4. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. pp. 317-18. 17 RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil: Responsabilidade Civil. v. 4. 20 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. pp. 17- 18. 

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19

vítima, esta não será possível, pois não se verifica a causalidade necessária (dano direto e

imediato).18

Para possibilitar um melhor entendimento do objeto deste estudo, será feita uma breve

explanação das teorias tradicionais que versam sobre o nexo de causalidade, para,

posteriormente, analisar a utilização de formas alternativas de causalidade e sua relação com a

perda de uma chance, delineando os contornos do posicionamento teórico deste trabalho.

a) Teoria da equivalência das condições (condictio sine qua non)

Todos os eventos envolvidos no fato são considerados igualmente como causas do dano.

Não importa se esta causa é capaz de por si só produzir o resultado, se o evento estiver

envolvido, ele será considerado como causa.

A teoria da equivalência das condições estabelece como causa do dano todas as

condições sem as quais este não aconteceria. Ou seja, todos os eventos necessários para a

ocorrência do dano são considerados causas equivalentes. Não existe uma distinção qualitativa

entre as condições, pois, entende-se que com o desaparecimento de qualquer uma delas, não

ocorreria o dano.19

Toda circunstância que haja concorrido para provocar o prejuízo é considerada causa.

Essa teoria tem recebido críticas, pois, pode produzir resultados absurdos, por exemplo, na

hipótese de um homicídio a responsabilidade poderia ser estendida até mesmo ao fabricante da

arma.20

Dessa forma, todos os agentes que estiverem envolvidos nas circunstâncias consideradas

causas serão responsabilizados. Isso leva a responsabilidade a ser estendida quase

infinitamente, chegando até pessoas que, pela análise do caso concreto, não deveriam ser

responsabilizadas, pois, se todas as circunstâncias envolvidas são causas, muitos serão os

agentes envolvidos. Por esse motivo, esta teoria é tão criticada.

                                                            18 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance: uma análise do direito comparado e brasileiro. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2013. pp. 19 -20. 19  SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance: uma análise do direito comparado e brasileiro. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 22. 20 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. v.4. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. pp. 351 – 52. 

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20

b) Teoria da causalidade adequada

O magistrado deve verificar, no caso concreto, todas as causas que concorreram para o

evento danoso e identificar, valorando dentre estas, aquela que é capaz de provocar o dano.

Essa teoria parte da premissa de que o julgador pode valorar, e escolher, entre todas as

causas, aquela que “está em condições necessárias de ter produzido o resultado”.21

Deve-se observar se essa relação de causa e efeito existe sempre, em casos dessa

natureza, ou se existiu neste caso devido ao envolvimento de circunstâncias especiais. Se existe

sempre, então a causa é adequada a produzir o efeito. Se apenas uma circunstância acidental

explica a causalidade, então a causa não é adequada.22

Nesse sentido, na situação hipotética em que um motorista de taxi, erra o caminho e faz

com que o passageiro se atrase e perca o avião, forçando-o a embarcar em outro voo, que acaba

caindo, provocando a sua morte. Para a teoria da causalidade adequada, a falha do taxista não

representa causa adequada para a morte do passageiro. Já se observarmos esta mesma situação

sob o olhar da teoria da equivalência das condições, o taxista seria responsabilizado pela

morte.23

Para a causa ser considerada adequada, ela deve ser capaz de provocar o resultado por

si só, sem que seja necessária a ocorrência de outra situação associada. E somente será

responsabilizado aquele que concorreu para a causa que, ao ser valorada pelo magistrado, foi

identificada como a causa capaz de por si só produzir o resultado.

No exemplo acima, o atraso do taxista não é capaz de provocar a morte do passageiro

por si só, por esse motivo, o taxista não seria responsável pela morte do passageiro quando se

analisa a situação conforme a teoria da causalidade adequada.

c) Teoria do dano direto e imediato ou teoria da interrupção do nexo causal

O Código Civil Brasileiro adotou essa teoria. O art. 403 prevê que “Ainda que a

inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os

                                                            21 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. 5.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994. p.79. 22 AITA, Rodrigo Antola. A responsabilidade civil pela perda de uma chance e sua aplicação no Brasil. 2012. 108f. Monografia. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2012. p. 92. Disponível em: <http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/67412/000872766.pdf?sequence=1>. Acesso em: 22.01.14. 23 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance: uma análise do direito comparado e brasileiro. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2013. pp. 22 – 25. 

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21

lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual”.

Também esse é o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF). Vale ressaltar que, embora

o artigo se refira à responsabilidade contratual, o dispositivo é aplicável, também, em matéria

de responsabilidade extracontratual.24

A teoria do dano direto e imediato requer que exista uma relação de causa e efeito direta

e imediata entre a conduta e dano. Dessa forma, é indenizável todo dano que resulte direta e

imediatamente de uma conduta.

Neste estudo observou-se que esta teoria mostra-se bastante coerente para a definição

da conduta causadora do dano e também representa uma importante evolução em relação às

teorias da equivalência das condições e causalidade adequada, pois, se apenas a causa ligada

direta e imediatamente ao dano é considerada como a causadora do dano, evita-se que a

responsabilidade seja estendida infinitamente, e assim sejam cometidas injustiças. Além disso,

possibilita solucionar casos onde sejam identificadas mais de uma causa adequada.

Para esta teoria, quando presentes várias causas possíveis, deve-se considerar a condição

necessária (conditio sine qua non); ou seja, uma causa só pode ser considerada direta e imediata

se, sem ela, o dano não ocorrer. As causas múltiplas ou concausas representam uma grande

dificuldade na determinação do nexo causal. Essas concausas podem ser sucessivas: “danos

sucessivos, o último dos quais só se explica pelos seus antecedentes”; ou concomitantes: “um

só dano, ocasionado por mais de uma causa”.25

Existem situações em que, entre várias causas concomitantes, apenas uma será a causa

direta e imediata. Um bom exemplo é o da parturiente que teve uma ruptura de aneurisma

cerebral e morreu após o parto. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) concluiu que a

causa da morte foi o rompimento do aneurisma e que não houve relação de causalidade entre a

morte e o parto. Não cabendo, portanto, obrigação de indenizar por parte da maternidade.26

Nesta situação, ao aplicar-se a teoria do dano direto e imediato, observa-se a existência

de duas causas concomitantes que concorreram para o evento morte: o parto e o rompimento

do aneurisma. No entanto, diante das provas apresentadas, concluiu-se que a causa direta e

imediatamente relacionada ao resultado morte, foi o rompimento do aneurisma. Isso eximiu a

responsabilidade da maternidade.

                                                            24 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. v.4. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 353. 25 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance: uma análise do direito comparado e brasileiro. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 27. 26 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 9 ed. São Paulo: Atlas, 2010. p.61. 

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22

No entanto, pode haver um concurso de causas, ocasionando a responsabilidade

solidária entre os causadores do dano (art. 942 do Código Civil). Nesta situação, a vítima poderá

optar qual dos autores do dano irá responsabilizar, e o executado, terá direito à ação regressiva

contra os demais agentes.27

O exame de concausas sucessivas representa a maior dificuldade para determinar a

causa direta e imediata. Como exemplo, cita o caso em que um paciente é operado sem a

observância das regras de assepsia e tem um piora no seu estado de saúde. Em seguida, um

médico, na tentativa de solucionar o problema ocasionado pela cirurgia, prescreve um

tratamento inadequado, e o doente vem a falecer. Nestas situações, “o aparecimento de outra

causa é o que rompe o nexo causal e não a distância entre a inexecução e o dano”. 28

Então, se no exemplo acima for utilizada a teoria da interrupção do nexo causal, seria

responsabilizado o médico que prescreveu o tratamento inadequado, pois, esta segunda causa

rompe o nexo causal do primeiro evento (inobservância das regras de assepsia) com o resultado

danoso morte. No entanto, no capítulo 2 deste trabalho será proposta uma outra solução para

este caso concreto, nos moldes da teoria objeto deste estudo.

d) Causalidade alternativa

As teorias tradicionais não são mais suficientes para a resolução de todos os conflitos

que envolvem responsabilidade civil, tendo em vista que estes devem ser solucionados

atendendo-se aos princípios constitucionais, em especial o da solidariedade.

Em muitos casos, o encadeamento de causas e consequências não pode ser constatado

de maneira objetiva.

Isso ocorre quando o dano se reproduz muito rapidamente ou sem testemunhas, ou quando um longo período de tempo separa o fato e o dano, de tal sorte que o processo de causalidade resta obscuro ou muitas causas estranhas intervêm. Ainda, quando o fato atribuído ao autor é uma atividade poluente e cuja nocividade pode propagar-se à distância no espaço e no tempo, sem que ela se manifeste imediatamente por riscos visíveis, surgindo ulteriormente em lugar diverso.29

                                                            27 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance: uma análise do direito comparado e brasileiro. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 27. 28 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance: uma análise do direito comparado e brasileiro. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2013. pp. 31-32. 29 GIUSTINA, Vasco Della. Responsabilidade civil dos grupos. Rio de Janeiro: Aide, 1991. p. 54. 

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23

A causalidade alternativa é usada como solução para definir o nexo causal das situações

nas quais o dano é provocado por vários agentes e não se consegue descobrir quem, dentre os

vários participantes, causou o dano. Nestas situações, a causalidade alternativa permite a

responsabilização solidária entre os envolvidos.30

É o uso de uma presunção que relativiza o dever do autor de provar a relação de

causalidade entre o ato ilícito e o dano.

Para uma parte da doutrina, a responsabilidade civil pela perda de uma chance tem sua

aplicação realizada com a mudança dos padrões tradicionais de causalidade. São duas as

soluções propostas. A primeira utiliza a presunção causal, nos moldes da responsabilidade civil

de grupos, atingindo, dessa maneira, o ressarcimento da vantagem esperada e definitivamente

perdida pela vítima. A segunda solução, ao contrário, propõe que a reparação deve limitar-se

ao valor da chance perdida. Baseia-se num conceito alargado de dano, utilizando um conceito

de causalidade parcial para identificar a proporção de causalidade entre o ato ilícito e o dano

final (vantagem perdida), cujo resultado será identificado como “chance perdida”.31

Neste estudo, defende-se que o segundo posicionamento é mais coerente e adequado,

pois, permite a reparação do dano de maneira justa e equitativa, tanto para a vítima quanto para

o agente causador do dano. Entende-se ainda que não seria justo pagar integralmente pelo

resultado final, na medida em não é possível saber se este resultado se concretizaria ou não.

Então, nada mais justo que considerar como dano ou resultado, a própria chance perdida, e não

o resultado final esperado. Dessa forma, calcular a probabilidade da concretização deste

resultado, utilizando este valor como subsídio para o cálculo do valor indenizatório.

1.3.3 Dano

O dano é pressuposto básico da responsabilidade civil. Se não houver dano não haverá

o dever de indenizar. Mesmo que tenha ocorrido o ato ilícito se este não provocou danos ao

patrimônio alheio, não há que se falar em indenização. Pode haver responsabilidade sem culpa,

mas não existe responsabilidade sem dano.

                                                            30 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 9 ed. São Paulo: Atlas, 2010. pp. 62- 63. 31 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance: uma análise do direito comparado e brasileiro. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2013. pp. 49 – 50. 

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24

É a concretização do desequilíbrio jurídico provocado pelo ato ilícito. Por certo, só

haverá o que indenizar se for constatado o prejuízo ao patrimônio jurídico de alguém, dado o

caráter equalizador do instituto da responsabilidade civil.32

O dano implica a suprimir uma situação de que a vítima se beneficiava ou diminuir a

utilidade da mesma. O dano, para ser indenizável, deve ser certo. A responsabilidade civil não

comporta a indenização por dano eventual. 33

Conceitua-se o dano como a diminuição ou impedimento do crescimento do bem

jurídico da vítima, este bem pode ser de ordem material ou moral. O dano material pode ser

tradicionalmente classificado em danos emergentes e lucros cessantes. No entanto, defende-se

neste estudo a existência de uma terceira categoria de dano: a perda de uma chance, que devido

a suas particularidades, não se enquadra nos conceitos de dano emergente e nem de lucro

cessante.

O dano material atinge os bens do patrimônio da vítima que são mensuráveis

economicamente, podendo ser estes corpóreos (imóveis, veículos) e incorpóreos como o direito

de crédito. Tanto o patrimônio presente quanto o futuro podem ser atingidos pelo dano. Por

isso, o dano material se subdivide em dano emergente e lucro cessante. O dano emergente trata

da lesão ao patrimônio atual e o lucro cessante refere-se ao patrimônio futuro, como redução de

ganhos, impedimento de lucros. Como exemplo cita-se o médico que em razão de acidente fica

impossibilitado de trabalhar, neste caso, ele tem direito a ser indenizado pelo que deixou de

ganhar durante esse período (lucros cessantes).34

Como exemplo de dano emergente pode-se referir o cidadão comum que sofre uma

colisão em veículo que utiliza para lazer. O valor pecuniário necessário à reparação do veículo,

incluindo mão-de-obra e compra de peças novas, constitui o dano emergente. Essa é a categoria

de dano mais fácil de ser visualizada e comprovada, pois, como dito anteriormente, atinge o

patrimônio presente da vítima.

Além destes, há ainda o dano moral, que apesar de não ser objetivamente mensurável

economicamente, tem larga aceitação jurisprudencial, e inclusive, pode ser cumulado com o

dano material.

                                                            32 AYRÃO, Vladimir Mariani Kedi. Breves Apontamentos sobre o Nexo Causal na Responsabilidade Civil. Disponível em: <http://www.emerj.tjrj.jus.br/paginas/trabalhos_conclusao/1semestre2010/trabalhos_12010/vladimirayrao.pdf>. Acesso em: 24.03.14. 33 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil de acordo com a Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Forense,1997. p. 40. 34 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 9ª ed. São Paulo: Atlas, 2010. pp. 73-75. 

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25

O dano moral ocorre quando a lesão atinge um bem jurídico integrante dos direitos da

personalidade, tais como, a honra, dignidade, liberdade, imagem, etc. Ele provoca à vítima dor,

sofrimento, vergonha, humilhação. O dano não é a dor provocada, mas sim a privação do bem

jurídico da personalidade.35

Também existe o dano estético, uma espécie de dano autônomo e independente em

relação aos danos material e moral, como já definiu o Superior Tribunal de Justiça em diversos

julgados, e ao publicar, em 01.09.09, a Súmula 387, prevendo que “É lícita a cumulação das

indenizações de dano estético e dano moral.”36

O dano estético é toda ofensa, ainda que mínima, à forma do indivíduo, ocorrendo

quando há uma lesão no corpo humano em áreas íntimas, ou quando há ocorrência de lesão em

local mais visível do corpo, como, por exemplo, quando a vítima sofre uma cicatriz, queimadura

ou a perda de um membro, afetando, com isso, a higidez da saúde, a harmonia e incolumidade

das formas do corpo, alterado o corpo da forma original, anterior à ocorrência da lesão.37

Como explicitado no tópico anterior, neste estudo defende-se que a teoria da perda de

uma chance não precisa utilizar-se do conceito de causalidade alternativa para ser validada.

Basta apenas uma maior abertura do conceito de dano indenizável. Adotou-se a corrente

doutrinária que entende que há uma autonomia da chance perdida em relação ao dano final. No

próximo capítulo será explanado como a perda de uma chance pode constituir uma categoria de

dano específico.

CAPÍTULO 2 – DA PERDA DE UMA CHANCE

                                                            35 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. v.4. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 379. 36 OLIVA, Bruno Karaoglan. Dano estético: Autonomia e cumulação na responsabilidade civil. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=%20revista_%20artigos_leitura&artigo_id=6920>. Acesso em: 19.04.14.37 OLIVA, Bruno Karaoglan. Dano estético: Autonomia e cumulação na responsabilidade civil. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=%20revista_%20artigos_leitura&artigo_id=6920>. Acesso em: 19.04.14.   

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26

Este capítulo abordará a teoria da perda de uma chance, com a finalidade de ofertar

conhecimento teórico para facilitar a compreensão da análise dos dados desta pesquisa, em

especial a análise qualitativa dos julgados proferidos pelo TJPE que abordam a teoria em

estudo, publicados até dezembro de 2013.

Explicar-se-á no que consiste esta teoria, defendendo-se que este instituto constitui uma

categoria de dano específica e, portanto, distinta das demais.

Em seguida, serão explanados os seus critérios de aplicabilidade e também como a

doutrina orienta a quantificação do dano para fins indenizatórios.

2.1 Conceito

A perda de uma chance trata-se do dano resultante da diminuição de probabilidades de

obter êxito no futuro, ou por meio de obtenção de uma vantagem ou evitando um prejuízo.

Essa nova concepção de dano, passível de indenização, originou-se a partir da análise

de casos concretos. Tal análise, conduziu ao entendimento no qual independente de um

resultado final, a ação ou omissão de um agente que privasse outrem da oportunidade de chegar

a este resultado fosse responsabilizado por tanto, ainda que este evento futuro não fosse objeto

de certeza absoluta.38

O conceito de chance remete a situações nas quais há um processo que propicia uma

oportunidade de ganhos a uma pessoa no futuro. Na perda da chance, ocorre a frustração na

percepção desses ganhos.39

Caracteriza-se quando, em consequência da conduta de outrem, deixar de existir a

probabilidade de um evento que proporcionaria um benefício futuro para a vítima, como

progredir na carreira militar ou artística, deixar de recorrer de uma sentença desfavorável pela

falha do advogado, dentre outros exemplos.40

O fato gerador da responsabilidade retira de outrem a chance de realizar um lucro ou

evitar um prejuízo. Se a chance existia, e era séria, então este dano é ressarcível. Essa perda de

chance, em si mesma, caracteriza um dano, que será reparável quando estiverem reunidos os

demais pressupostos da responsabilidade civil.

                                                            38 LOPES, Rosamaria Novaes Freire. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3861/Responsabilidade-civil-pela-perda-de-uma-chance>. Acesso em: 19.04.14. 39 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. v.4. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2013. p.40. 40 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 9 ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 77. 

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27

Durante muito tempo, o dano pela perda de uma chance, foi ignorado pelo Direito,

reputando-se tal circunstância como não merecedora de tutela jurídica. O repudio à

indenizabilidade destes casos, era justificado com o princípio tradicional da responsabilidade

civil, segundo o qual, para que os danos fossem indenizáveis, eles deveriam ser certos.41

Mas, o que se indeniza não é a vantagem esperada, que é dotada de incerteza, mas a

frustração da oportunidade de obter a vantagem no futuro, ou mesmo de evitar um prejuízo. Ao

indenizar-se a chance perdida, não ocorre violação das regras segundo as quais o dano deve ser

certo para que possa ser levado em consideração pelo direito. De fato, na hipótese desta teoria

não se indeniza a perda de um resultado favorável, mas uma coisa completamente diversa, isto

é, se indeniza apenas a perda da possibilidade atual de conseguir aquela determinada

vantagem.42

Desde o final do século XIX a jurisprudência francesa entende indenizável o dano

resultante da perda de uma chance.43 E, atualmente, essa teoria está tendo ampla aceitação no

direito brasileiro, o qual orienta que a reparação da perda de uma chance está fundamentada na

probabilidade e na certeza de que a chance seria realizada e que a vantagem perdida provocaria

um prejuízo ao patrimônio da vítima.44

Remete-se o leitor a analisar novamente o exemplo utilizado na introdução deste estudo,

no qual um proprietário de cavalos de corrida é o dono do cavalo favorito para ganhar uma

competição, e o animal não chega a tempo de participar da corrida por erro da transportadora.

Ao se valorar as possibilidades da vítima de obter o resultado, restam identificadas a

probabilidade e a certeza de que a impossibilidade de participar da competição provocaram

prejuízo ao patrimônio do proprietário do cavalo. Logo, a transportadora deve indenizá-lo pela

chance perdida.

Aplica-se comumente a teoria da perda de uma chance ao advogado quando da desídia

ou retardamento na propositura de uma ação. Observa-se a perda, pela parte, da oportunidade

de obter no Judiciário o reconhecimento e a satisfação íntegra de seus direitos.

Dessa forma, o cliente não perde uma causa certa, perde a causa sem sequer ter a

oportunidade de disputar, e essa incerteza cria o fato danoso. Na ação de responsabilidade, caso

                                                            41 AITA, Rodrigo Antola. A responsabilidade civil pela perda de uma chance e sua aplicação no Brasil. 2012. 108f. Monografia. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2012. p. 92. Disponível em: <http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/67412/000872766.pdf?sequence=1>. Acesso em: 22.01.14. 42 FARIAS, Cristiano Chaves de. A teoria da perda de uma chance aplicada ao direito das famílias: utilizar com moderação. Disponível em: < http://www.editorajuspodivm.com.br/i/f/paginas_83_100.pdf>. Acesso em: 19.04.14. 43 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. v.4. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. pp. 260 – 61. 44 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 9 ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 77. 

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28

reconheça que realmente ocorreu a perda dessa chance, o juiz deverá verificar o grau de

perspectiva favorável.45

Diante das informações coletadas na doutrina, formula-se no presente trabalho o

seguinte conceito de “perda de uma chance”: categoria de dano, no qual o fato gerador provoca

diminuição de probabilidades de obter êxito no futuro, ou por meio de obtenção de uma

vantagem ou evitando um prejuízo. Então, o dano é configurado pela perda da chance por si só.

Para que este dano seja ressarcível, a chance deve ser séria, ou seja, deveria haver uma grande

probabilidade do evento futuro se concretizar. Além disso, devem estar presentes os demais

pressupostos da responsabilidade civil.

2.2. Perda de uma chance como uma categoria de dano específico

A responsabilidade civil pela perda de uma chance possui características muito

particulares, pois, a sua caracterização, identificação e indenização são realizadas de modo

diferente do que é utilizado nas outras hipóteses de danos. A grande diferença entre essa e as

demais categorias, consiste no fato de não se tratar de prejuízo direto à vítima, mas de uma

probabilidade.

Trata-se de uma modalidade autônoma de dano, não se amoldando nos tipos de danos

reconhecidos tradicionalmente.46 Para a sua configuração também é necessário que a vítima

prove a existência de um prejuízo e o seu nexo causal. No entanto, há uma relativização desses

elementos que caracterizam a responsabilidade civil.

Nesse caso, o autor do dano não é responsabilizado por ter causado um prejuízo direto

e imediato à vítima, assim como ocorre nas outras categorias de danos. A responsabilidade

decorre do fato de ter privado alguém da oportunidade de ter a chance de um resultado útil ou

somente de ter privado esta pessoa de evitar um prejuízo. Dessa forma, observa-se que o

resultado esperado não aconteceu, por ter sido interrompido pela ação ou omissão do

agente. Então, o objeto da indenização não é a perda da vantagem esperada, mas sim, a perda

da chance de obter a vantagem ou de evitar o prejuízo.47

                                                            45 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. v.4. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. pp. 275-76. 46 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. v.4. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2013. pp. 38-39. 47 LOPES, Rosamaria Novaes Freire. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3861/Responsabilidade-civil-pela-perda-de-uma-chance>. Acesso em: 19.04.14. 

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29

O trabalho de Joseph King Jr, publicado no Yale Law Journal, em 1981, representa a

primeira tentativa de sistematização da teoria em estudo, e também a mais contundente defesa

de ser esta uma categoria de dano. O aludido autor avalia as chances perdidas pela vítima como

um dano autônomo e reparável, considerando desnecessária a utilização alternativa do nexo de

causalidade.48

O autor afirma que os tribunais erram ao identificar a chance perdida como dano

reparável, pois, interpretam como se apenas houvesse uma possível causa da perda definitiva

da vantagem final esperada pela vítima. Desse modo, algo que tem característica de

probabilidade, passa a ser verificado como certeza ou como impossibilidade.49

É devido a esse erro de abordagem, que os tribunais, ao se depararem com a injustiça

de improcedência de caso típico de responsabilidade pela perda de uma chance, tentam mudar

o padrão do “tudo ou nada” da causalidade, ao invés de reconhecer que a perda da chance, por

si só, representa um dano indenizável.50

Dessa forma, defende-se no presente estudo, que para melhor abordar estes casos, deve-

se flexibilizar o conceito de dano. Deixando-se de vislumbrar o resultado final esperado pela

vítima como o dano; e adotando-se a própria chance perdida como dano mensurável e

indenizável. Tornando-se desnecessário, e até mesmo inadequado, utilizar formas alternativas

de causalidade, pois, como explicitado acima, a causalidade adota o paradigma do tudo ou nada,

e não se pode verificar a probabilidade de ocorrência de um evento utilizando-se este método.

Em todos os casos típicos de responsabilidade pela perda de uma chance existe um

prejuízo sofrido pela vítima identificado com facilidade, qual seja, a perda da vantagem

esperada pela vítima, ou dano final. No entanto, o dano final não pode ser indenizado, pois,

nestes casos, a conduta do réu nunca constitui uma condição sine qua non. Dessa forma, a

indenização da chance subtraída é o único meio de reparar a vítima. Como a doutrina tradicional

utiliza o conceito de “tudo ou nada”, não aceitando a causalidade parcial, as chances perdidas

devem ser isoladas como um dano independente.51

Para melhor explicar, será analisado mais uma vez o exemplo utilizado na introdução

deste estudo, no qual um proprietário de cavalos de corrida é o dono do cavalo favorito para

                                                            48 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance: uma análise do direito comparado e brasileiro. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 77. 49 KING JR. Joseph H. Apud, SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance: uma análise do direito comparado e brasileiro. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 77. 50 KING JR. Joseph H. Apud, SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance: uma análise do direito comparado e brasileiro. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 77. 51 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance: uma análise do direito comparado e brasileiro. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 104. 

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30

ganhar uma competição, e o animal não chega a tempo de participar da corrida por erro da

transportadora.

Neste caso, o dano final ou vantagem esperada pela vítima é vencer a corrida. No

entanto, o dano final não pode ser indenizável, pois, a falha da transportadora não constitui

condição sine qua non para perder a corrida, pode ser apenas uma causa que contribuiu, e como

dito acima a doutrina não aceita causalidade parcial. Logo, para que seja possível indenizar,

deve-se considerar a perda da chance de participar da corrida, por si só, como um dano

independente.

Então, trata-se de uma nova concepção de dano indenizável, na qual é admitida a

reparabilidade, independentemente da certeza de um resultado final. No entanto, é necessário

cautela para não confundi-lo com os lucros cessantes. Esse é dano material, consistente na perda

certa de um bem que no futuro iria se incorporar ao patrimônio da vítima, é a subtração objetiva

de um bem materialmente mensurável. A perda da chance é uma probabilidade de obter um

benefício que foi subtraído, podendo estar relacionada a um dano não mensurável

economicamente.52

A aceitação desta teoria como uma categoria autônoma de dano implica em redefinir a

responsabilidade civil, flexibilizando o conceito de nexo de causalidade, bem como renovando

o conceito de dano indenizável. Essa tese, vem tendo aceitação na jurisprudência brasileira,

conforme demonstra o acórdão do Superior Tribunal de Justiça (STJ)53:

RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO. IMPROPRIEDADE DE PERGUNTA FORMULADA EM PROGRAMA DE TELEVISÃO. PERDA DA OPORTUNIDADE. 1. O questionamento, em programa de perguntas e respostas, pela televisão, sem viabilidade lógica, uma vez que a Constituição Federal não indica percentual relativo às terras reservadas aos índios, acarreta, como decidido pelas instâncias ordinárias, a impossibilidade da prestação por culpa do devedor, impondo o dever de ressarcir o participante pelo que razoavelmente haja deixado de lucrar, pela perda da oportunidade. 2. Recurso conhecido e, em parte, provido. (STJ, Relator: Ministro FERNANDO GONÇALVES, Data de Julgamento: 08/11/2005, T4 - QUARTA TURMA).

A doutrina majoritária francesa difunde que, para a correta sistematização desta teoria,

deve-se considerar que existem duas modalidades: a primeira considera a chance perdida como

um dano autônomo, e a segunda é embasada na causalidade parcial que a conduta do réu

                                                            52 FARIAS, Cristiano Chaves de. A teoria da perda de uma chance aplicada ao direito das famílias: utilizar com moderação. Disponível em: < http://www.editorajuspodivm.com.br/i/f/paginas_83_100.pdf>. Acesso em: 19.04.14. 53 FARIAS, Cristiano Chaves de. A teoria da perda de uma chance aplicada ao direito das famílias: utilizar com moderação. Disponível em: < http://www.editorajuspodivm.com.br/i/f/paginas_83_100.pdf>. Acesso em: 19.04.14. 

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31

representa em relação ao dano final. Para esta doutrina, a segunda modalidade é aplicada, em

especial, aos casos de perda da chance na seara médica. No entanto, poderá haver na seara

médica casos que se enquadrem na outra modalidade.54

Então, para que seja reconhecida a chance perdida como dano autônomo, é necessário

que o ato do ofensor retire todas as chances que possuía a vítima, ou seja, interrompa o processo

aleatório antes que chegue ao fim. Mas, se o processo aleatório seguir seu curso normal até o

fim, a conduta do réu apenas será visualizada como uma causa concorrente para o dano final.55

Para melhor entendimento desta divisão em duas modalidades, cita-se o exemplo já

utilizado do cavalo que não chegou a tempo de participar da corrida. Neste caso concreto, o

processo aleatório, qual seja, participar da corrida, foi interrompido antes que chegasse ao fim.

Logo, nesta situação vislumbra-se a perda da chance como um dano específico.

Como exemplo ilustrativo para a segunda modalidade desta teoria, volta-se a analisar o

caso em que um paciente é operado sem a observância das regras de assepsia e tem um piora

no seu estado de saúde. Em seguida, um médico, na tentativa de solucionar o problema

ocasionado pela cirurgia, prescreve um tratamento inadequado, e o doente vem a falecer.

Propõe-se no presente trabalho, que para o caso acima seja utilizada a solução defendida

pela doutrina majoritária. Então, neste caso, não se configura a perda da chance de cura como

um dano específico, pois, o evento aleatório, vida, não foi interrompido repentinamente.

Portanto, a conduta do médico que prescreveu o tratamento inadequado deve ser vislumbrada

como causalidade concorrente em relação ao dano final morte.

Nesses casos, mesmo que não se saiba qual foi a causa do dano, ele só pode ter acontecido em duas situações: ou foi devido simultaneamente ao ato terapêutico inadequado e à evolução endógena da doença, ou resultou somente de um destes fatores, sem se saber qual. No primeiro caso, teremos uma situação típica de causalidade concorrente, no segundo uma causalidade alternativa.56

Diante do que foi demonstrado, reforça-se a posição proposta para a sistematização da

teoria da perda de uma chance, a qual subdivide-se em duas modalidades: a primeira

modalidade visualiza a chance perdida como dano autônomo e a segunda baseia-se na

causalidade parcial (concorrente ou alternativa) que a conduta do acusado representa em relação

ao dano final.

                                                            54 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance: uma análise do direito comparado e brasileiro. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2013. pp. 104, 106, 110. 55 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance: uma análise do direito comparado e brasileiro. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 105. 56 NORONHA, Fernando. Direito das obrigações. v.3. São Paulo: Saraiva, 2003. p.681 

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32

2.3 Critérios de aplicabilidade da teoria da perda de uma chance

A adoção de critérios gerais de aplicabilidade da teoria objeto deste estudo tem grande

importância, pois, direciona a atividade dos operadores do direito de tal forma a uniformizar as

condutas, sistematizando a matéria. Neste estudo, não se fará a análise de todas as condições

necessárias para que uma ação que verse sobre responsabilidade civil pela perda de uma chance

seja procedente. Serão analisadas apenas as características que diferenciam esta espécie das

demais.

As condições de aplicação devem ser obedecidas sem diferenças pelas duas modalidades

de chance perdida, quais sejam: nos casos em que se caracteriza um dano autônomo e naqueles

em que há utilização de um conceito menos ortodoxo de causalidade.57

Então, os critérios que serão explanados se aplicam a ambas as modalidades de chance

perdida, sem distinção.

2.3.1 Chances sérias e reais

A caracterização da “chance perdida” deve ser dotada de certeza para que este dano seja

reparável. Pois, para que seja concedida a indenização, além da comprovação da perda pela

vítima, da oportunidade de auferir o resultado almejado, a perda deve ser séria e real.

Assim, para que a demanda seja procedente, a chance perdida deve representar muito

mais que uma esperança subjetiva. Como exemplo, cita-se o caso de um paciente portador de

doença incurável, mas que detém esperança de sobreviver. Objetivamente, não há chance de

cura.58

A objetivação da seriedade e da realidade das chances perdidas é o critério mais utilizado pelos tribunais franceses para separar os danos potenciais e prováveis e, portanto, indenizáveis, dos danos puramente eventuais e hipotéticos, cuja reparação deve ser rechaçada59

                                                            57  SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance: uma análise do direito comparado e brasileiro. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 137. 58  SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance: uma análise do direito comparado e brasileiro. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 138. 59 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance: uma análise do direito comparado e brasileiro. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 138. 

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33

Então, a perda da oportunidade deve constituir perda patrimonial efetiva e não mera

expectativa, devendo situar-se na certeza do dano. A perda da chance séria e real ocorre quando

existe uma lesão a uma expectativa legítima e indenizável, assim como o são a lesão a outros

bens do patrimônio jurídico tutelado pelo Direito.60

A chance perdida, para ser reparável, deverá configurar um prejuízo material ou

imaterial resultante de um fato consumado, não hipotético. É necessário verificar, em cada

situação, se o resultado favorável seria razoável ou se é apenas mera possibilidade aleatória. A

vantagem esperada pela vítima não pode ser uma eventualidade, suposição ou desejo, caso

contrário, seriam premiados oportunismos e não reparadas oportunidades perdidas.61

Vale destacar que a seriedade da chance perdida é questão muito mais ligada ao grau de

probabilidade que à natureza, sendo possível afirmar que, genericamente, é séria e real a

oportunidade que proporciona à vítima condições concretas e efetivas de realização da situação

futura esperada. Diante disso, resta claro que apenas no caso concreto é possível aferir se as

chances eram, efetivamente, sérias e reais.62

Remetendo-se mais uma vez o leitor ao caso proposto na introdução deste estudo, para

analisar quanto à seriedade da chance perdida, tem-se que o cavalo que não chegou a tempo de

participar da corrida era cotado como o favorito para ganhar a competição. Logo, havia uma

concreta probabilidade de vencer a competição se tivesse participado. Então, este caso atende

ao critério da seriedade da chance perdida.

Dessa forma, desde que seja provado que caso não tivesse ocorrido o ato ilícito do

agente, a vítima teria uma chance séria e real de obter o resultado esperado, fica configurada a

responsabilidade civil decorrente da perda de uma chance.

Então, depreende-se dos conceitos explanados que a seriedade da chance perdida é um

importante critério de aplicabilidade da teoria em estudo. Devendo esta constituir-se em

expectativa objetivamente mensurável por meio de probabilidade, não importando, portanto, a

sua natureza. Deverá configurar um prejuízo de ordem material ou imaterial resultante de um

fato consumado, não de mera possibilidade aleatória. Diante destas características, observa-se

que a verificação deste critério somente é possível por meio da análise do caso concreto.

2.3.2 Quantificação das chances perdidas

                                                            60 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. v.4. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2013. pp.40-41. 61 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 9 ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 77. 62 FARIAS, Cristiano Chaves de. A teoria da perda de uma chance aplicada ao direito das famílias: utilizar com moderação. Disponível em: < http://www.editorajuspodivm.com.br/i/f/paginas_83_100.pdf>. Acesso em: 19.04.14. 

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34

O valor a ser fixado como indenização deve considerar o grau de probabilidade da

chance subtraída se tornar uma vantagem séria e real, ou seja, de se tornar uma vantagem

concreta ou de efetivamente evitar um prejuízo para a vítima.

A chance indenizável pode ser ou não de conteúdo patrimonial. Até porque o que se

indeniza é a perda da oportunidade futura e não os ganhos perdidos, esses são chamados de

lucros cessantes. E é por este motivo que a perda de uma chance pode ser cumulada, com pedido

de danos materiais e morais.63

A principal regra, a ser observada na quantificação do dano, prescreve que a reparação

da chance perdida deve ser sempre inferior ao valor da vantagem esperada e definitivamente

perdida pela vítima. Ou seja, não pode ser igualada à vantagem que teria resultado esta chance,

se ela tivesse se realizado.64

A reparação é pela perda da oportunidade de obter uma vantagem e não pela perda da

própria vantagem. Deve-se diferenciar o resultado perdido da possibilidade de consegui-lo. A

chance sempre terá menor valor que o resultado perdido, isso se refletirá no montante da

indenização.65

Vale reafirmar que, neste estudo, defende-se que este critério é muito coerente, pois,

permite a reparação do dano de maneira justa e equitativa, tanto para a vítima quanto para o

agente causador do dano. Entende-se que não seria justo pagar integralmente pelo resultado

final, na medida em não é possível saber se este resultado se concretizaria ou não. Então, nada

mais justo que considerar como dano ou resultado, a própria chance perdida, e não o resultado

final esperado. Dessa forma, calcular a probabilidade da concretização deste resultado,

utilizando este valor como subsídio para o cálculo do valor indenizatório.

Então, a fixação da indenização deve basear-se em um critério de probabilidade para

estabelecer o valor devido à vítima, fazendo uma avaliação do grau que a chance teria de

alcançar o resultado no momento em que aconteceu o fato.66

Para melhor ilustrar como se realiza de fato a quantificação do dano, a seguir será

compilada a parte final de uma famosa decisão do STJ, cuja ementa já fora citada neste trabalho

                                                            63 FARIAS, Cristiano Chaves de. A teoria da perda de uma chance aplicada ao direito das famílias: utilizar com moderação. Disponível em: <http://www.editorajuspodivm.com.br/i/f/paginas_83_100.pdf>. Acesso em: 19.04.14. 64 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance: uma análise do direito comparado e brasileiro. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 143. 65 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 9 ed. São Paulo: Atlas, 2010. p.78. 66  LOPES, Rosamaria Novaes Freire. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3861/Responsabilidade-civil-pela-perda-de-uma-chance>. Acesso em: 19.04.14. 

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35

(REsp nº 788.459- BA). Esta citação se faz necessária, pois, delineia de maneira clara e coerente

o pensamento defendido neste estudo. Após a compilação será feita a análise da decisão quanto

a fixação do valor pecuniário devido pelo réu.

Trata-se de um pedido de indenização contra a empresa que promovera um concurso, a

parte autora alegava que se a pergunta fosse formulada corretamente, teria obtido o prêmio

global no valor de R$ 500.000,00, o STJ, ao apreciar o caso deu a seguinte solução:

Na espécie dos autos, não há, dentro de um juízo de probabilidade, como se afirmar categoricamente - ainda que a recorrida tenha, até o momento em que surpreendida com uma pergunta no dizer do acórdão sem resposta, obtido desempenho brilhante no decorrer do concurso - que, caso fosse o questionamento final do programa formulado dentro de parâmetros regulares, considerando o curso normal dos eventos, seria razoável esperar que ela lograsse responder corretamente à "pergunta do milhão". Isto porque há uma série de outros fatores em jogo, dentre os quais merecem destaque a dificuldade progressiva do programa (refletida no fato notório que houve diversos participantes os quais erraram a derradeira pergunta ou deixaram de respondê-la) e a enorme carga emocional que inevitavelmente pesa ante as circunstâncias da indagação final (há de se lembrar que, caso o participante optasse por respondê-la, receberia, na hipótese, de erro, apenas R$ 300,00 (trezentos reais). Destarte, não há como concluir, mesmo na esfera da probabilidade, que o normal andamento dos fatos conduziria ao acerto da questão. Falta, assim, pressuposto essencial à condenação da recorrente no pagamento da integralidade do valor que ganharia a recorrida caso obtivesse êxito na pergunta final, qual seja, a certeza - ou a probabilidade objetiva - do acréscimo patrimonial apto a qualificar o lucro cessante. Não obstante, é de se ter em conta que a recorrida, ao se deparar com questão mal formulada, que não comportava resposta efetivamente correta, justamente no momento em que poderia sagrar-se milionária, foi alvo de conduta ensejadora de evidente dano. Resta, em consequência, evidente a perda de oportunidade pela recorrida, seja ao cotejo da resposta apontada pela recorrente como correta com aquela ministrada pela Constituição Federal que não aponta qualquer percentual de terras reservadas aos indígenas, seja porque o eventual avanço na descoberta das verdadeiras condições do programa e sua regulamentação, reclama investigação probatória e análise de cláusulas regulamentares, hipóteses vedadas pelas súmulas 5 e 7 do Superior Tribunal de Justiça. Quanto ao valor do ressarcimento, a exemplo do que sucede nas indenizações por dano moral, tenho que ao Tribunal é permitido analisar com desenvoltura e liberdade o tema, adequando-o aos parâmetros jurídicos utilizados, para não permitir o enriquecimento sem causa de uma parte ou o dano exagerado de outra. A quantia sugerida pela recorrente (R$ 125.000,00 cento e vinte e cinco mil reais) - equivalente a um quarto do valor em comento, por ser uma “probabilidade matemática" de acerto de uma questão de múltipla escolha com quatro itens) reflete as reais possibilidades de êxito da recorrida. Ante o exposto, conheço do recurso especial e lhe dou parcial provimento para reduzir a indenização a R$ 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil reais). (STJ, Relator: Ministro FERNANDO GONÇALVES, Data de Julgamento: 08/11/2005, T4 - QUARTA TURMA).

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Então, na decisão acima, o STJ fundamenta, que não se pode afirmar com certeza que o

resultado final seria obtido (vencer o concurso), e que por isso, faltaria um pressuposto da

responsabilidade civil, a causalidade não seria adequada para o dano final. Mas, reconhece o

aludido tribunal que houve um dano, consistente na perda da chance, e que há um nexo de

causalidade entre este e a conduta da empresa (questão mal formulada).

Para fins de cálculo do valor pecuniário devido pela empresa, o STJ utiliza ambas as

regras citadas neste estudo: a reparação da chance perdida deve ser sempre inferior ao valor da

vantagem esperada, e a “quantificação do dano deve refletir a porcentagem das chances

perdidas”67. Observa-se no caso concreto, que a vantagem esperada tinha o valor de R$

500.000,00; mas, a indenização foi fixada no valor de R$ 125.000,00. Para chegar a esse valor,

o Tribunal calculou a probabilidade que a autora da ação tinha de vencer o concurso e obter o

prêmio total. Como o concurso usou uma questão para a qual foram propostas quatro

alternativas, a autora da ação tinha, naquele momento 25% de chance. Logo, a reparação foi

calculada considerando-se que o valor da chance perdida equivaleria a 25% do valor da

vantagem final esperada.

No terceiro capítulo será realizada a análise das decisões do TJPE que versam sobre a

teoria objeto deste estudo, em especial quanto aos critérios de aplicabilidade adotados pela

jurisprudência brasileira conforme fora demonstrado.

CAPÍTULO 3 – DA ANÁLISE DOS JULGADOS DO TJPE SOBRE A

PERDA DE UMA CHANCE

Este capítulo fará a análise dos julgados do TJPE que fazem alusão à teoria da perda de

uma chance. Inicialmente será realizado o levantamento numérico de todos os julgados

publicados até dezembro de 2013 pelo TJPE, que referiam à teoria da perda de uma chance. A

pesquisa será realizada eletronicamente utilizando-se a frase “perda de uma chance”, entre

                                                            67 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance: uma análise do direito comparado e brasileiro. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 145. 

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aspas, com a finalidade de especificar a busca para apenas localizar as decisões nas quais estas

palavras aparecerem nesta sequência.

Em seguida, será verificado se estas decisões analisaram a seriedade da chance perdida,

se diferenciaram adequadamente o dano provocado pela perda da chance, lucro cessante e dano

moral e também como se deu a quantificação do dano provocado pela perda da chance.

Tem a finalidade de verificar se os critérios de aplicabilidade da teoria objeto deste

estudo, preconizados pela doutrina defendida neste trabalho, são adotados nas decisões

proferidas pelo TJPE.

3.1 Levantamento numérico dos julgados do TJPE

Na pesquisa eletrônica realizada foram encontrados 7 (sete) julgados, nos quais o TJPE

se referiu à teoria da perda de uma chance, até dezembro de 2013. Após a publicação da primeira

decisão, em fevereiro de 2009, ocorreu um período de três anos sem que houvesse decisões que

versassem sobre esse tema. Em 2012, foram julgados cinco casos envolvendo a

responsabilidade civil pela perda de uma chance, e em 2013, apenas um caso.68

Resta claro que o número de julgados do TJPE é muito tímido, especialmente se

comparado a tribunais como o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), pioneiro no

país a decidir causas sobre a teoria da perda de uma chance. Este tribunal publicou sua primeira

decisão em 1990 e até setembro de 2012, julgou 270 processos que faziam alusão à teoria objeto

deste estudo.69 Isso demonstra que o estágio da jurisprudência do Tribunal pernambucano é

ainda bastante incipiente.

Observa-se também um grande lapso temporal decorrido entre a primeira decisão que

versa sobre a matéria em estudo, proferida no Brasil pelo TJRS em 1990, e a primeira decisão

do TJPE em 2009, um significativo intervalo de 19 anos. Disso pode-se indagar que, assim

como aconteceu com alguns doutrinadores no passado70, o TJPE também apresentou certa

resistência em relação aos casos de responsabilidade pela perda de uma chance.

                                                            68 JUSBRASIL: banco de dados. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia /busca?q=%22perda+de+uma+chance%22&idtopico=T10000405>. Acesso em: 26.12.2013.  69 AITA, Rodrigo Antola. A responsabilidade civil pela perda de uma chance e sua aplicação no Brasil. 2012. 108f. Monografia. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2012. p. 92. Disponível em: <http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/67412/000872766.pdf?sequence=1>. Acesso em: 22.01.14. 70 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance: uma análise do direito comparado e brasileiro. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 191. 

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Segundo a doutrina, o dano pode atingir a universalidade de bens existentes; e este

acervo de bens ou de valores deve ser protegido pelos sistemas jurídicos, de sorte que sua

violação importe em infração legal, sujeitando-se o infrator às cominações decorrentes.71 Logo,

a perda da chance, ao produzir dano, deve ser indenizada.

O momento atual, também correspondendo à produção doutrinária, se caracteriza pelo

grande avanço na aceitação da teoria da perda de uma chance em alguns tribunais brasileiros.

Além do já referido tribunal gaúcho, que permanece seguindo caminho bem delineado por seus

acórdãos pioneiros, a sólida jurisprudência de outras Cortes passa a conferir caráter nacional ao

movimento de aceitação da teoria em estudo, considerando-a instrumento útil para a resolução

das ações de reparações de danos. Uma rápida pesquisa, utilizando o mecanismo de busca

eletrônica do site dos principais tribunais brasileiros, principalmente nos estados do Sul e

Sudeste, demonstra o crescimento exponencial da teoria da perda de uma chance como ratio

decidendi de inúmeros julgados.72

O TJPE segue o padrão da maioria dos tribunais brasileiros, os quais tiveram suas

primeiras decisões, acerca da teoria em estudo, publicadas a partir do início do novo milênio.73

Tal fato fortalece a afirmação já realizada neste estudo sobre a incipiência das decisões

proferidas pelo tribunal pernambucano, que tratam da perda de uma chance. Isso torna os seus

julgados um excelente campo de observação para a análise dos critérios de aplicabilidade da

referida teoria.

3.2 Análise qualitativa das decisões

Para a análise qualitativa dos julgados serão utilizadas as decisões publicadas na íntegra.

No entanto, a primeira e a última decisão não estavam disponíveis em inteiro teor, para consulta

no sítio eletrônico. Por este motivo, essas duas decisões terão as ementas analisadas, mas, como

se verá adiante, isso não comprometeu a qualidade da análise proposta.

A sistemática adotada neste estudo será, inicialmente, segmentar as decisões quanto aos

critérios de aplicabilidade desta teoria adotados no presente estudo, a saber: seriedade da chance

perdida, a chance perdida como categoria específica de dano, diferenciando-a do lucro cessante

                                                            71 RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil. 4 ed. São Paulo: Forense, 2009. p. 50. 72 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance: uma análise do direito comparado e brasileiro. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 196. 73 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance: uma análise do direito comparado e brasileiro. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 196. 

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e dano moral, e a quantificação do dano provocado pela perda da chance, verificando se houve

ou não a adoção desses critérios ao proferir a decisão.

Posteriormente será construído um breve comentário acerca dos critérios de

aplicabilidade adotados pelo TJPE em suas decisões.

Para uma melhor apreciação pelo leitor da análise a ser realizada, as ementas dos

julgados serão disponibilizadas em anexo, seguindo-se a ordem cronológica da data de

publicação. Abaixo inicia-se a análise qualitativa das decisões.

a) Quanto à seriedade da chance perdida

O primeiro julgado menciona esse critério, mas uma leitura cuidadosa do caso,

utilizando-se os critérios delineados neste trabalho, apontaria para a não existência de perda da

chance, mas sim, lucros cessantes e danos morais. Pois, a quitação do débito envolve outras

variáveis além da “conclusão do curso”, e essas independem do resultado danoso morte. Por

exemplo, mesmo se vivo, o estudante poderia concluir o curso, mas não conseguir um emprego,

e consequentemente não quitar o débito. Logo, não é possível responsabilizar o causador do

evento morte pela perda da chance do pagamento do débito pelo estudante. Não há, portanto,

nexo de causalidade, pois, uma causa só pode ser considerada direta e imediata se, sem ela, o

dano não ocorrer.

Dano material - pagamento saldo remanescente de contrato de abertura de crédito para financiamento estudantil - FIES. Aplicável ao caso a teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance, a qual consagra a indenizabilidade da perda de uma chance quando referida oportunidade perdida tenha algum valor, do qual foi privada. In casu, o atropelamento que culminou com a morte do estudante/mutuário, retirou de sua genitora a chance que mesma teria de ver o referido débito quitado, pelo seu filho, quando este terminasse o curso, e começasse a trabalhar. TJ-PE - AC: 176874 PE 00072478520048170990, Relator: Eduardo Augusto Paura Peres, Data de Julgamento: 03/02/2009, 6ª Câmara Cível.

A segunda decisão destaca que não há nexo de causalidade entre a conduta ilícita e a

chance perdida, concluindo que não foi atendido um importante pressuposto da

responsabilidade civil, conforme se verifica no trecho abaixo. Então, se não há nexo de

causalidade, não há que se falar em seriedade da chance perdida. Estando, portanto, para este

critério, de acordo com o pensamento doutrinário defendido neste estudo.

Ainda se aplicada a teoria da perda de uma chance, o insucesso nas tratativas negociais mantidas pela empresa apelante não poderia ser cominado ao banco, porquanto restou provada a existência de outras pendências financeiras em

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nome da empresa desde novembro de 2010. Assim não há como se responsabilizar o apelado ou mesmo o SERASA pela chance negocial supostamente perdida. TJ-PE - APL: 582373020108170001 PE 0058237-30.2010.8.17.0001, Relator: Francisco Eduardo Goncalves Sertorio Canto, Data de Julgamento: 12/01/2012, 3ª Câmara Cível.

A terceira decisão identifica que houve uma chance perdida, no entanto não verifica sua

seriedade, ou seja, não quantifica a probabilidade de ocorrência do resultado final esperado pela

vítima, conforme se observa no seguinte trecho.

(...) não se teria como saber se a empresa autora ganharia a licitação acaso a entrega da proposta tivesse sido efetivada a tempo, mas a transportadora impediu que a Concrepoxi Engenharia pelo menos participasse de tal processo licitatório. TJ-PE - APL: 1034791220108170001 PE 0103479-12.2010.8.17.0001, Relator: Antônio Fernando de Araújo Martins, Data de Julgamento: 26/04/2012, 6ª Câmara Cível.

A quarta decisão, assim como a anterior, identifica que houve uma chance perdida, mas

assim como a anterior, não verifica sua seriedade, conforme se pode verificar abaixo. Também

não se observa aplicação do critério da causalidade parcial.

(...) se a Sra. Zilma tivesse sido internada, ou ao menos, tivesse sido atendida, ainda que dentro da ambulância, não era garantido que iria sobreviver, mas concederia uma chance, razão pela qual deve ser aplicada ao caso a Teoria da Perda de uma Chance (...). TJ-PE - REEX: 10066320108170480 PE 0001006-63.2010.8.17.0480, Relator: Luiz Carlos Figueirêdo, Data de Julgamento: 22/05/2012, 1ª Câmara de Direito Público.

No quinto julgado constatou-se que houve uma chance perdida, mas não se quantificou

a probabilidade de sucesso.

“Por isso, haja vista a probabilidade de aprovação da demandante, empreendimento este

obstado pelo sinistro”(...). TJ-PE-APL: 151912520098170001 PE 0015191-25.2009.8.17.0001,

Relator: José Carlos Patriota Malta, Data de Julgamento: 11/09/2012, 6ª Câmara Cível.

A sexta decisão identifica a chance perdida, mas assim como os demais julgados, não

quantifica a proporção de sua seriedade.

Pagamento de inscrição para prestação de concurso público, devidamente repassado e acatado pelo banco, mas, por algum erro, não foi confirmada a inscrição. - Candidata impossibilitada de prestar o concurso por ausência de reconhecimento do pagamento da inscrição. - Responsabilidade civil pela perda de uma chance, eis que foi retirada da candidata a oportunidade de obter sua aprovação no concurso público, desaparecendo qualquer probabilidade de aprovação, pois sequer constava como inscrita. TJ-PE - AGV: 476649320118170001 PE 0023150-45.2012.8.17.0000, Relator: Itabira de Brito Filho, Data de Julgamento: 18/12/2012, 1ª Câmara Cível.

O último julgado verifica a seriedade da chance perdida, indeferindo o pedido baseado

neste critério, considerando que a vítima não fez prova de que perdeu uma chance séria e real.

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(...) Para fazer jus à reparação pela "perda de uma chance", cabe à vítima demonstrar esta circunstância. Requerimento de majoração da cifra indenizatória rejeitado, ante o não preenchimento desse requisito. TJ-PE - APL: 54391320108170480 PE 0005439-13.2010.8.17.0480, Relator: Cândido José da Fonte Saraiva de Moraes, Data de Julgamento: 15/01/2013, 2ª Câmara Cível.

b) Quanto à chance perdida como categoria específica de dano

A primeira decisão confunde lucro cessante com perda de uma chance. No caso em tela,

apesar de ser citada a teoria objeto deste estudo, uma leitura atenta mostra que se trata de lucros

cessantes, constituídos no que o estudante deixou de ganhar por ter sua vida interrompida. E

assim é deferida a indenização, fala-se em perda da chance, mas no momento de indenizar dá-

se o nome de dano material.

(...) Dano material - pagamento saldo remanescente de contrato de abertura de crédito para financiamento estudantil - FIES. Aplicável ao caso a teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance (...). TJ-PE - AC: 176874 PE 00072478520048170990, Relator: Eduardo Augusto Paura Peres, Data de Julgamento: 03/02/2009, 6ª Câmara Cível.

O segundo julgado não faz a diferença entre dano material e o dano decorrente da perda

da chance, tal constatação pode ser apreendida do fragmento abaixo colacionado, no qual se

justifica o indeferimento da indenização pela perda da chance baseando-se em critério aplicável

ao dano material. Para a perda da chance, o que deve ser comprovado é a seriedade da chance

e não o dano final ou resultado esperado pela vítima.

Por fim, pretende a apelante a aplicação da teoria da perda de uma chance para ver reconhecidos os danos materiais sofridos em decorrência do desfazimento de negócios e da negativa de financiamento a seu favor, por parte de instituições bancárias. O pleito do recorrente não encontra suporte legal. Os danos materiais não se presumem, mas devem ser cabalmente comprovados. TJ-PE - APL: 582373020108170001 PE 0058237-30.2010.8.17.0001, Relator: Francisco Eduardo Goncalves Sertorio Canto, Data de Julgamento: 12/01/2012, 3ª Câmara Cível.

A terceira decisão determina claramente a diferença entre dano material e perda da

chance, adotando o critério defendido neste estudo.

No caso dos autos, entretanto, observo que o prejuízo suportado pela parte autora não configura danos emergentes ou lucros cessantes. Na verdade, não há qualquer elemento nos autos que autorize a conclusão de que a parte autora sairia vitoriosa no processo licitatório. Havia apenas a possibilidade de sua participação. TJ-PE - APL: 1034791220108170001 PE 0103479-

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12.2010.8.17.0001, Relator: Antônio Fernando de Araújo Martins, Data de Julgamento: 26/04/2012, 6ª Câmara Cível.

A quarta decisão trata a perda de uma chance como dano moral, não realizando portanto,

a distinção entre as duas categorias de dano conforme o posicionamento defendido neste estudo.

Abaixo, exemplifico com fragmento do julgado ora em análise, no qual se fala da indenização

pelo dano moral, e não se fala na chance perdida, do que concluímos que são tratados como um

único dano.

Com relação ao valor da indenização, a doutrina e jurisprudência são acordes em que a reparação do dano moral faz-se à parte dos danos patrimoniais e deve compensar a dor ou o sofrimento causado, procedendo-se ao pagamento de uma determinada soma às vítimas, quantificada mediante "arbitruim boni viri" do juiz, tendo-se em vista as posses do ofensor e a situação da ofendida. TJ-PE - REEX: 10066320108170480 PE 0001006-63.2010.8.17.0480, Relator: Luiz Carlos Figueirêdo, Data de Julgamento: 22/05/2012, 1ª Câmara de Direito Público.

O quinto julgado faz a distinção entre perda da chance e as demais categorias de dano,

de acordo com o pensamento doutrinário defendido neste trabalho.

Portanto, nesses casos, o correto seria a fixação de indenização pelos danos decorrentes da perda de uma chance, cumulados com indenização por dano moral, devido ao sofrimento experimentado, como no caso em análise. TJ-PE-APL: 151912520098170001 PE 0015191-25.2009.8.17.0001, Relator: José Carlos Patriota Malta, Data de Julgamento: 11/09/2012, 6ª Câmara Cível.

A sexta decisão não faz distinção entre dano moral e o dano pela perda da chance,

conforme de depreende da leitura do texto abaixo.

Dano moral que prescinde de comprovação a medida que decorre do próprio fato. - Montante fixado a título de danos morais em consonância com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. TJ-PE - AGV: 476649320118170001 PE 0023150-45.2012.8.17.0000, Relator: Itabira de Brito Filho, Data de Julgamento: 18/12/2012, 1ª Câmara Cível

O último julgado faz a diferenciação entre dano moral e perda de uma chance, mantendo

o valor da indenização do dano moral e indeferindo o dano pela perda de uma chance.

A negativação por débito inexistente presume o dano moral. (...) Para fazer jus à reparação pela "perda de uma chance", cabe à vítima demonstrar esta circunstância. TJ-PE - APL: 54391320108170480 PE 0005439-13.2010.8.17.0480, Relator: Cândido José da Fonte Saraiva de Moraes, Data de Julgamento: 15/01/2013, 2ª Câmara Cível.

c) Quanto ao cálculo do valor indenizatório

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A primeira decisão quantifica o dano denominado de perda de uma chance, da mesma

maneira como se calcula o lucro cessante, ou seja o valor exato de quanto se deixou de ganhar.

Isso reforça o argumento já citado, de que este caso não trata de perda de uma chance e sim de

dano material, constituído por lucros cessantes.

“(...) DANO MATERIAL - PAGAMENTO SALDO DEVEDOR AO FIES - APLICABILIDADE DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. PENSIONAMENTO DEVIDO - DOIS SALÁRIOS MÍNIMOS - PRESTAÇÕES MENSAIS ATÉ A IDADE EM QUE O FALECIDO COMPLETARIA 65 (SESSENTA E CINCO) ANOS (...)”

O segundo julgado indeferiu o pedido de indenização pela perda da chance, logo, não

foi realizado cálculo do quantum indenizatório.

A terceira decisão quantifica o dano de forma semelhante à quantificação do dano moral,

não atendendo, portanto, ao pensamento delineado neste estudo.

Com relação ao quantum indenizatório, verifico que o valor arbitrado em R$ 3.000,00, está abaixo do aplicado nesta Corte, de acordo com a extensão do dano e, principalmente, pela capacidade econômica das partes. Deste modo, acolho o recurso interposto pela autora para majorar o valor da indenização para a quantia de R$ 10.000,00, que atende melhor ao fim punitivo e preventivo da indenização. TJ-PE - APL: 1034791220108170001 PE 0103479-12.2010.8.17.0001, Relator: Antônio Fernando de Araújo Martins, Data de Julgamento: 26/04/2012, 6ª Câmara Cível.

A quarta decisão fixa o valor do dano de forma semelhante à quantificação do dano

moral, também não atendendo ao pensamento delineado neste estudo.

(...)Utilizando parâmetros desta Corte e as nuances que o caso requereu é imperiosa a manutenção da indenização por danos morais na quantia de R$ 100.000,00 (cem mil reais). (...). TJ-PE - REEX: 10066320108170480 PE 0001006-63.2010.8.17.0480, Relator: Luiz Carlos Figueirêdo, Data de Julgamento: 22/05/2012, 1ª Câmara de Direito Público.

O quinto julgado fixa cumulativamente danos materiais, extrapatrimoniais e perda da

chance, conforme defende-se neste trabalho. No entanto, para o cálculo do dano pela perda da

chance utilizou critério semelhante ao do lucro cessante, divergindo do que se preceitua neste

estudo. Abaixo compila-se parte da decisão de primeiro grau, que como foi mantida na íntegra,

traduz o pensamento do segundo grau.

(...) perda da chance do concurso público para soldado do Corpo de Bombeiros Militar de Pernambuco – CBMPE, o que fica de logo fixado no equivalente a 24 (vinte e quatro) de remuneração básica da categoria (soldo da primeira classe), contando-se desde o ingresso da ação, expungidas quaisquer gratificações, adicionais ou abonos, tais como gratificação natalina, periculosidade, terço de férias, auxílio transporte, etc. (...).TJ-PE-APL: 151912520098170001 PE 0015191-25.2009.8.17.0001, Relator: José Carlos Patriota Malta, Data de Julgamento: 11/09/2012, 6ª Câmara Cível.

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A sexta decisão calcula o valor da indenização conforme o critério de quantificação de

danos morais, conforme se observa abaixo.

Com relação ao quantum indenizatório, é certo que a reparação do dano há de ser estipulada em consonância com as circunstâncias de cada caso e tendo em vista as posses do ofensor e a situação pessoal do ofendido, evitando-se, portanto, que se converta em fonte de enriquecimento ou se revele inexpressiva, mas se mostrando hábil a infligir sanção ao causador do dano, de modo a coibir a reiteração da prática de atos ofensivos à personalidade de outrem. (...), entendo que o montante arbitrado pelo juízo monocrático em R$ 10.000,00 (dez mil reais) se mostra de acordo com os parâmetros utilizados por este tribunal (...). TJ-PE - AGV: 476649320118170001 PE 0023150-45.2012.8.17.0000, Relator: Itabira de Brito Filho, Data de Julgamento: 18/12/2012, 1ª Câmara Cível.

A última decisão indeferiu o pedido da perda da chance, e por isso, não há cálculo

indenizatório.

3.3 Comentários acerca dos critérios de aplicabilidade nos julgados do TJPE

Com a finalidade de facilitar a visualização dos dados obtidos neste estudo, elaborou-se

a Tabela 1, a qual exibe como os julgados do TJPE se comportaram diante dos critérios de

aplicabilidade da teoria da perda de uma chance defendidos neste estudo. Ou seja, distribui as

decisões quanto a adoção ou não dos critérios de aplicabilidade mencionados. Em seguida serão

realizados comentários quanto à percepção da autora deste estudo frente aos resultados

encontrados.

Diante dos dados já expostos, observa-se que o TJPE não mantém em suas decisões uma

uniformidade quanto aos critérios adotados no tratamento dos casos que versam sobre a teoria

Tabela 1 – Distribuição das decisões do TJPE quanto aos critérios de aplicabilidade da teoria da perda de uma chance

Critério de aplicabilidade Sim Não Não se aplica TOTAL

Quantificar proporcionalmente a seriedade da chance

1 5 1 7

Considerar a chance perdida como dano específico

3 4 0 7

Calcular quantum indenizatório considerando a quantificação do dano

0 5 2 7

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da perda de uma chance, o que de certa forma, dificulta a formação de um entendimento geral

da Corte sobre a matéria. Isso ainda é frequente nos tribunais brasileiros.

No direito pátrio, o tratamento sistemático da matéria é recente. Dessa forma, podem

ser observadas decisões que utilizaram requisitos de aplicação diversos para julgar espécies que

poderiam ser encaixadas na mesma teoria, caso fossem tratadas de forma sistemática. Isso

dificultou a consolidação das condições gerais de aplicação da teoria da responsabilidade pela

perda de uma chance.74

Quanto à identificação da chance perdida, todas as decisões mencionaram este critério.

Em um dos julgados este critério da quantificação não se aplica, tendo em vista que se trata de

dano material, consistente em lucro cessante, conforme já comentado. Apenas uma decisão

quantificou, do que se depreende que há grande dificuldade em quantificar proporcionalmente

a probabilidade de ocorrência do resultado final, e assim, verificar se a chance era séria. Tal

fato é perfeitamente compreensível tendo em vista a complexidade das situações julgadas.

No entanto, como dito anteriormente, a doutrina é unânime ao reconhecer que essa

determinação matemática de quanto a chance é séria, é fundamental para a aplicação sistemática

da teoria objeto deste estudo, em especial para a definição do quantum indenizatório. A

aprovação do enunciado 443, na V Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal,

comprova essa coesão doutrinária.75 O referido enunciado preconiza, no seu Art. 927, que

A responsabilidade civil pela perda de uma chance não se limita à categoria de danos extrapatrimoniais, pois, conforme as circunstâncias do caso concreto, a chance perdida pode apresentar também a natureza jurídica de dano patrimonial. A chance deve ser séria e real, não ficando adstrita a percentuais apriorísticos.

Como sugestão, para viabilizar esse cálculo matemático, poderia ser solicitado à vítima

que fizesse prova da seriedade da chance perdida, como por exemplo: solicitar documento

informando quantas empresas entraram na concorrência e assim quantificar a chance de ganhar

a licitação; solicitar perícia médica determinando as chances de sobrevida caso a paciente

tivesse sido atendida imediatamente e caso não seja possível, considerar a aplicação de

causalidade parcial; solicitar prova de quantos inscritos no concurso, e se a perda da

oportunidade ocorreu quando este já estava em andamento, o número de aprovados nesta fase

do certame.

                                                            74 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance: uma análise do direito comparado e brasileiro. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2013. pp. 14-15. 75 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance: uma análise do direito comparado e brasileiro. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 220. 

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46

Conforme a doutrina,

A chance perdida reparável deverá caracterizar um prejuízo material ou imaterial resultante de fato consumado, não hipotético. Em outras palavras, é preciso verificar em cada caso se o resultado favorável seria razoável ou se não passaria de mera possibilidade aleatória. A vantagem esperada pelo lesado não pode consistir numa mera eventualidade, suposição ou desejo, do contrário estar-se-ia premiando os oportunismos, e não reparando oportunidades perdidas.76

Em relação ao critério de adotar a perda da chance como uma categoria específica de

dano, e portanto, distinta das demais, observou-se que três decisões assim o fizeram. As outras

quatro trataram como se a chance perdida fosse igual ao dano moral ou dano material, em

especial, lucro cessante, e por isso, nestes casos, houve uma indenização única e não cumulativa

dos danos.

Para a definição do quantum indenizatório, nenhuma decisão utilizou o critério definido

neste estudo. Em dois julgados este critério não se aplica, tendo em vista que o pedido de

indenização pela perda da chance foi indeferido, e portanto, não é possível avaliar o cálculo do

quantum indenizatório. Nas demais, foram utilizados os critérios de cálculo do dano moral e

do lucro cessante para determinar a indenização pela chance perdida, nos casos em que se tratou

como um dano distinto, foi concedido cumulativamente com outros danos. Nos casos em que

não se fez a distinção, houve uma indenização única, ora calculada como dano moral e ora como

lucro cessante, a depender do caso concreto. Tal situação é compreensível na medida em que

era necessário estabelecer um critério e como não se quantificou a proporção da seriedade da

chance, essa foi a solução jurídica encontrada.

Esse fato confirma a doutrina segundo a qual “a jurisprudência, repita-se, ainda não

firmou entendimento sobre essa questão, ora a indenização pela perda de uma chance é

concedida a título de dano moral, ora a título de lucros cessantes”.77

Diante do exposto, a aceitação da teoria objeto deste estudo como dano certo se revela

como meio que o direito pátrio vem seguindo, e deverá continuar a seguir, pois o ordenamento

jurídico brasileiro não faz objeção à aplicabilidade desta teoria. Também defende-se que a

proposta apresentada sobre a quantificação do dano, está em sintonia com o direito positivo.78

Entretanto, é muito reduzida a quantidade de doutrinadores nacionais que tratam da

questão da natureza jurídica das chances perdidas, e por isso, acredita-se que o tratamento das

                                                            76 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 9 ed. São Paulo: Atlas, 2010. p.77. 77 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 9 ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 80. 78 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance: uma análise do direito comparado e brasileiro. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 240. 

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chances perdidas como categoria específica de dano ou como aplicação de causalidade parcial,

ainda não está amadurecido no Brasil, assim como o é em outros países.79

Então, observa-se que o TJPE, assim como diversos tribunais no Brasil, ainda não

adotou um tratamento sistemático para decidir casos que tratem da teoria da perda de uma

chance, adotando critérios diversos para decidir sobre a mesma teoria.

Reconhece a perda da chance como dano, mas ora entende ser uma categoria específica

e ora trata como dano moral ou dano material, não foi identificado o uso de causalidade parcial.

Observa-se, portanto, um conflito acerca da definição da natureza jurídica da perda da chance

neste tribunal, pois, por vezes trata como categoria específica de dano e por vezes não o faz.

O cálculo do quantum indenizatório é realizado tomando por base o método para cálculo do 

dano material ou moral, não observando tecnicamente a probabilidade que a vítima tinha de auferir a 

vantagem esperada. Tal forma de calcular a indenização é esperada, na medida em que, na maioria 

dos julgados analisados, não determinou o quanto a chance era possível de se tornar uma realidade, 

impossibilitando a aplicação do critério definido neste trabalho para o cálculo do valor indenizatório. 

CONSIDERAÇÕES FINAIS Responsabilidade civil é o instituto do direito civil, ramo do direito das obrigações, que

define os eventos danosos relevantes, estabelece uma relação de causalidade entre o evento e o

prejuízo sofrido pela vítima; para, em seguida, impor a obrigação de indenizar com a finalidade

de recompor o conflito e restabelecer o equilíbrio que existia antes da ocorrência do dano.

O conceito de responsabilidade, consistente em reparar um dano causado injustamente,

sempre existiu. O que mudou ao longo do tempo, foi a maneira como este dano deveria ser

reparado, com a finalidade de atender aos anseios da sociedade em manter um bom convívio.

Assim, dessa necessidade social surgiu a teoria subjetiva, em seguida a objetiva, que não

substitui a primeira, mas sim a complementa, e modernamente, somando-se às teorias

anteriores, a perda de uma chance, que tornou possível reparar este tipo de dano que outrora

não era sequer reconhecido, e portanto, a vítima suportava sozinha todo o prejuízo que fora lhe

causado injustamente.

                                                            79 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance: uma análise do direito comparado e brasileiro. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 240. 

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Se o avanço da ciência tornou possível mensurar o quanto de chance teria a vítima,

então, o direito não poderia desprezar essa possibilidade e fugir à sua finalidade. Se há um

conflito intersubjetivo de direitos, cabe a ciência do direito solucioná-lo utilizando as

ferramentas disponíveis. E a teoria da perda de uma chance é uma importante ferramenta para

a compensação de danos.

A “perda de uma chance” é uma categoria específica de dano, no qual o fato gerador

provoca diminuição de probabilidades de obter êxito no futuro, ou por meio de obtenção de

uma vantagem ou evitando um prejuízo. Então, o dano é configurado pela perda da chance por

si só, e não pelo resultado final esperado pela vítima. Para que este dano seja ressarcível, a

chance deve ser séria, ou seja, deveria haver uma grande probabilidade do evento futuro se

concretizar. Além disso, devem estar presentes os demais pressupostos da responsabilidade

civil, conduta culposa e nexo causal.

A adoção de critérios gerais de aplicabilidade da teoria objeto deste estudo tem grande

importância, pois, direciona a atividade dos operadores do direito de tal forma a uniformizar as

condutas, sistematizando a matéria. Nesse estudo, não se fez a análise de todas as condições

necessárias para que uma ação que verse sobre responsabilidade civil pela perda de uma chance

fosse procedente, mas atentou-se apenas para as características que diferenciam esta espécie

das demais categorias de dano.

A seriedade da chance perdida é um importante critério de aplicabilidade da teoria em

estudo. Devendo esta constituir-se em expectativa objetivamente mensurável por meio de

probabilidade, não importando, portanto, a sua natureza. Deverá configurar um prejuízo de

ordem material ou imaterial resultante de um fato consumado, não de mera possibilidade

aleatória. Diante destas características, constatou-se que a verificação deste critério somente é

possível por meio da análise do caso concreto.

Como já fora afirmado, a chance indenizável pode ser ou não de conteúdo patrimonial.

Até porque o que se indeniza é a perda da oportunidade futura e não os ganhos perdidos, esses

são chamados de lucros cessantes. E é por este motivo que a perda de uma chance pode ser

cumulada, com pedido de danos materiais e morais.

A principal regra a ser observada na quantificação do dano, prescreve que a reparação

da chance perdida deve ser sempre menor que o valor da vantagem esperada e definitivamente

perdida pela vítima. Ou seja, não pode ser igualada à vantagem que teria resultado esta chance,

se ela tivesse se realizado.

Neste estudo, defendeu-se que este critério é muito coerente, pois, permite a reparação

do dano de maneira justa e equitativa, tanto para a vítima quanto para o agente causador do

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dano. Entendeu-se que não seria justo pagar integralmente pelo resultado final, na medida em

não é possível saber se este resultado se concretizaria ou não. Então, nada mais justo que

considerar como dano ou resultado, a própria chance perdida, e não o resultado final esperado.

Dessa forma, calcular a probabilidade da concretização deste resultado, utilizando este valor

como subsídio para o cálculo do valor indenizatório.

Na análise quantitativa dos dados da pesquisa, foram encontrados 7 (sete) julgados nos

quais o TJPE se referiu à teoria da perda de uma chance, até dezembro de 2013. Após a

publicação da primeira decisão em fevereiro de 2009, ocorreu um período de três anos sem que

houvesse decisões que versassem sobre esse tema. Em 2012, foram julgados cinco casos

envolvendo a responsabilidade civil pela perda de uma chance, e em 2013 apenas um caso.

Observou-se também um grande lapso temporal decorrido entre a primeira decisão que

versa sobre a matéria em estudo, proferida no Brasil pelo TJRS em 1990, e a primeira decisão

do TJPE em 2009, um significativo intervalo de 19 anos. Disso indagou-se que o TJPE

apresentou certa resistência em relação aos casos de responsabilidade pela perda de uma chance.

Constatou-se que o número de julgados do TJPE é muito tímido, demonstrando que o

estágio da jurisprudência do Tribunal pernambucano é ainda incipiente.

Da análise qualitativa das informações obtidas, verificou-se que o TJPE, assim como

diversos tribunais no Brasil, ainda não adotou um tratamento sistemático para decidir casos que

tratem da teoria da perda de uma chance, adotando critérios diversos para decidir sobre a mesma

teoria.

Observou-se ainda que este Tribunal reconheceu a perda da chance como dano, mas ora

entendeu ser uma categoria específica de dano, inclusive cumulando com a indenização por

danos materiais e morais, e ora tratou como dano moral ou material. Não foi identificado o uso

de causalidade parcial. Logo, foi identificado um conflito acerca da definição da natureza

jurídica da perda da chance neste tribunal, pois, por vezes trata como categoria específica de

dano e por vezes não o faz.

O cálculo do quantum indenizatório foi realizado tomando por base o método para

cálculo do dano material ou moral, não observando tecnicamente a probabilidade que a vítima

tinha de auferir a vantagem esperada. Tal forma de calcular a indenização é esperada, na medida

em que, a maioria dos julgados analisados, não determinou o quanto a chance era possível de

se tornar uma realidade, impossibilitando a aplicação do critério definido neste trabalho para o

cálculo do valor indenizatório.

Como sugestão, para viabilizar o cálculo matemático do valor da chance perdida e assim

possibilitar a quantificação do dano conforme a doutrina defendida neste estudo, poderia ser

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solicitado à vítima que fizesse prova da seriedade da chance perdida, como por exemplo:

solicitar documento informando quantas empresas entraram na concorrência e assim quantificar

a chance de ganhar a licitação; solicitar perícia médica determinando as chances de sobrevida

caso a paciente tivesse sido atendida imediatamente e caso não seja possível, considerar a

aplicação de causalidade parcial; solicitar prova de quantos inscritos no concurso, e se a perda

da oportunidade ocorreu quando este já estava em andamento, o número de aprovados nesta

fase do certame.

Com este trabalho, pretendeu-se contribuir ao mostrar um caminho para a solução de

conflitos que envolvam a teoria em estudo, e não apontar falhas ou ainda dizer que um ou outo

método é equivocado.

REFERÊNCIAS

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DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. v. 7. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

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51

FARIAS, Cristiano Chaves de. A teoria da perda de uma chance aplicada ao direito das famílias: utilizar com moderação. Disponível em: <http://www.editorajuspodivm.com.br/i/f/paginas_83_100.pdf>. Acesso em: 19.04.14.

GIUSTINA, Vasco Della. Responsabilidade civil dos grupos. Rio de Janeiro: Aide, 1991.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. v.4. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

LIMA, Alvino. Culpa e risco. 2ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

LOPES, Rosamaria Novaes Freire. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3861/Responsabilidade-civil-pela-perda-de-uma-chance>. Acesso em: 19.04.14.

MOURA, Caio Roberto Souto de. Responsabilidade civil e sua evolução em direção ao risco no novo código civil. Disponível em: <http://www.esmafe.org.br/web/revista/rev02/01_artigo_resp_civil_em_dir_ao_risco_no_novo_cod_civil.pdf>. Acesso em: 23.03.14.

NORONHA, Fernando. Direito das obrigações. v.3. São Paulo: Saraiva, 2003.

OLIVA, Bruno Karaoglan. Dano estético: Autonomia e cumulação na responsabilidade civil. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=%20revista_%20artigos_leitura&artigo_id=6920>. Acesso em: 19.04.14.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. 5.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994.

RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil. 4 ed. São Paulo: Forense, 2009.

RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil: Responsabilidade Civil. v. 4. 20 ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance: uma análise do direito comparado e brasileiro. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2013.

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52

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. v.4. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2013.

ANEXO A

TJ-PE - AC: 176874 PE 00072478520048170990, Relator: Eduardo Augusto Paura Peres, Data

de Julgamento: 03/02/2009, 6ª Câmara Cível, Data de Publicação: 35

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL - INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS - ATROPELAMENTO CAUSADO PELO PREPOSTO DA RÉ. MORTE DO FILHO DA AUTORA. I-PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE ATIVA DA AUTORA/APELADA, REJEITADA POR UNANIMIDADE - APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA ADAPTABILIDADE - II-AGRAVO RETIDO, EM FACE DO INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE IMPUGNAÇÃO DE TESTEMUNHA, DESPROVIDO UNANIMEMENTE - III-MÉRITO - ACIDENTE DE TRÂNSITO - VÍTIMA FATAL - CONDUTA ILÍCITA E CULPOSA DO AGENTE DEMONSTRADA. NEXO CAUSAL CARACTERIZADO. PREJUÍZOS CONFIGURADOS. RESPONSABILIZAÇÃO DA EMPRESA RECORRENTE PELO DANO MORAL CAUSADO, ADVINDO O DEVER DE INDENIZAR. DIMINUIÇÃO DA VERBA INDENIZATÓRIA. AFASTADA. MANUTENÇÃO DA FIXAÇÃO DO QUANTUM ARBITRADO NA PRIMEIRA INSTÂNCIA. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. DANO MATERIAL - PAGAMENTO SALDO DEVEDOR AO FIES - APLICABILIDADE DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. PENSIONAMENTO DEVIDO - DOIS SALÁRIOS MÍNIMOS - PRESTAÇÕES MENSAIS ATÉ A IDADE EM QUE O FALECIDO COMPLETARIA 65 (SESSENTA E CINCO) ANOS - CONSTITUIÇÃO DE CAPITAL PARA ASSEGURAR O CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO - FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS - ART. 11, § 1º DA LEI Nº 1.060/50 - INTELIGÊNCIA - OBSERVÂNCIA DAS REGRAS CONTIDAS NO DIPLOMA PROCESSUAL VIGENTE - AFASTADA COMPENSAÇÃO DO SEGURO OBRIGATÓRIO (DPVAT)- PAGAMENTO NÃO COMPROVADO - DESNECESSIDADE MANIFESTAÇÃO DE DISPOSITIVOS CONSTITUICIONAIS, LEGAIS E INFRALEGAIS

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- MATÉRIA ENFRENTADA NÃO É EXCLUSIVAMENTE DE DIREITO. UNANIMEMENTE NEGOU-SE PROVIMENTO À APELAÇÃO DA RODOTUR TURISMO E DO UNIBANCO AIG SEGUROS. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE ATIVA DA AUTORA/APELADA PARA PLEITEAR RESSARCIMENTO DE SALDO DEVEDOR JUNTO À CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. Entende o recorrente que com o falecimento do estudante/mutuário a obrigação de pagar a dívida remanescente do FIES passou a ser dos fiadores, por isso somente eles devem pleitear o referido ressarcimento. No caso sob apreciação, aplica-se o embrionário princípio da adaptabilidade, mediante o qual "a flexibilidade do procedimento às exigências da causa é, no entanto, fundamental para a melhor consecução dos seus fins, em uma perspectiva instrumentalista do processo". Em que pese a cláusula contratual que prevê que os fiadores são os principais devedores, em face da morte do estudante, não se deve deixar de atentar para o fato de que a apelada, mãe do mutuário falecido e, efetivamente, principal prejudicada, também participou da aludida avença, na qualidade de representante de seu filho que, à época, era menor de idade. Portanto, é indubitável a sua legitimidade para pleitear referidos valores. AGRAVO RETIDO EM FACE DO INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE IMPUGNAÇÃO DE TESTEMUNHA A alegação de que a testemunha era amigo íntimo da vítima não restou configurada a ponto de ensejar a suspeição disposta no inc. IIIdo § 3º do art. 405 do CPC. Na hipótese dos autos o depoente atravessava a rua juntamente com a vítima quando ocorreu o fatídico atropelamento, e melhor do que ninguém tem condições de dizer o que realmente aconteceu. Precedente do STJ: "(...) sendo certo que o fato de testemunhas terem amizade com o autor por si só não as desqualifica quando se sabe que também estavam no local em que ocorreu o evento danoso." (RESp 625000/RJ, rel. Min. Menezes Direito - DJ 21.05.2007, p. 571). MÉRITO- A hipótese dos autos enseja a responsabilidade subjetiva, eis que se trata de atropelamento causado por empresa concessionária de serviço público contra terceiro não usuário de serviço público delegado. Presentes os requisitos da responsabilidade civil subjetiva (conduta, dano, nexo de causalidade e culpa), nasce a obrigação para a empresa/ré, por força do disposto no art. 927 do CC c/c com o art. 932, III, de reparar os danos causados à autora, mãe da vítima. As provas colacionadas aos autos afastam a hipótese de culpa exclusiva da vítima. Restou evidenciado pelos depoimentos que o de cujus atravessava a rua na faixa de pedestres, quando foi atropelado pelo ônibus da recorrente, que trafegava em alta velocidade, avançara o sinal, invadindo a outra faixa de rolamento bem como a faixa de pedestres. Avaliando-se os sentimentos de dor, tristeza e sofrimento pela perda do filho, vítima de acidente automobilístico, valores estes puramente subjetivos não apreciáveis economicamente e, considerada a culpa da empresa, não se mostra exorbitante a indenização arbitrada por danos morais em R$ 60.000,00 (sessenta mil reais). Revela-se aquém dos valores que estão sendo arbitrados pelas 3ª e 4ª turmas do STJ: "Admite o STJ a redução do quantum indenizatório, quando se mostrar desarrazoado, o que não sucede na espécie, em que houve morte decorrente de acidente de trânsito, dado que as Quarta e Terceira Turmas desta Corte têm fixado a indenização por danos morais no valor equivalente a quinhentos salários mínimos, conforme vários julgados." (Resp 773075/RJ; Recurso Especial 2005/0134134-2; Rel. Min. Fernando Gonçalves; T4, julg. Em 27/09/2005, pub. DJ 17.10.2005, p. 315). É devido o pagamento de indenização, a título de danos materiais, no valor correspondente a dois salários mínimos mensais, em favor da recorrida, a partir do evento até a data em que o falecido, se vivo fosse, completaria 65 anos de idade. Possibilidade de cumulação de danos morais e pensionamento, precedentes do STJ - "São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundas do mesmo fato" (Súmula nº 37 do STJ). A jurisprudência predominante atualmente no Eg. STJ tem ampliado o termo ad quem do pensionamento devido aos parentes da vítima, até a data em que esta completaria sessenta e cinco anos de idade, analisando sempre as peculiaridades de cada caso, para o fim de estabelecer o ressarcimento. Constituição de capital garantidor - Súmula 313/STJ - "Em ação de indenização, procedente o

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pedido, é necessária a constituição de capital ou caução fidejussória para a garantia de pagamento da pensão, independentemente da situação financeira do demandado."Termo inicial dos juros moratórios - o STJ editou as Súmulas 43 e 54, uniformizando a aplicação dos juros, pacificando de vez a jurisprudência de nossos tribunais, fixando para os casos de indenização por dano moral, a incidência dos juros moratórios a partir do evento danoso, e a incidência da correção monetária a partir do efetivo prejuízo. Fixação dos honorários advocatícios em, no máximo, 15% (quinze por cento), por ser a autora/recorrida beneficiária da justiça gratuita. STJ firmou o entendimento de que a limitação do art. 11, § 1º da Lei nº 1.060,50, com o advento do CPC/73, não tem mais aplicação. Dano material - pagamento saldo remanescente de contrato de abertura de crédito para financiamento estudantil - FIES. Aplicável ao caso a teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance, a qual consagra a indenizabilidade da perda de uma chance quando referida oportunidade perdida tenha algum valor, do qual foi privada. In casu, o atropelamento que culminou com a morte do estudante/mutuário, retirou de sua genitora a chance que mesma teria de ver o referido débito quitado, pelo seu filho, quando este terminasse o curso, e começasse a trabalhar. Quanto ao abatimento do seguro DPVAT, não restou comprovado nos autos o recebimento da referida verba. Assim, não sendo provado pagamento, nada existe a compensar. Desnecessária manifestação expressa de dispositivos legais mencionados pelo apelante, tendo em vista que a questão enfrentada não se trata de matéria exclusivamente de direito, mas sim delineada com base nos fatos, já devidamente comprovados no bojo dos autos.

ANEXO B

TJ-PE - APL: 582373020108170001 PE 0058237-30.2010.8.17.0001, Relator: Francisco Eduardo Goncalves Sertorio Canto, Data de Julgamento: 12/01/2012, 3ª Câmara Cível, Data de Publicação: 14 APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DESCONSTITUIÇÃO DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. DANOS MATERIAIS. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO. DANOS MORAIS. QUANTUM INDENIZATÓRIO MANTIDO. FIXAÇÃO ADEQUADA AO CASO CONCRETO. RECURSO IMPROVIDO. DECISÃO UNÂNIME. 1.Descabida a cobrança das astreintes, devido à demora na retirada do nome da empresa dos cadastros de proteção ao crédito, porquanto intimado da decisão judicial no dia 29.11.2010, o SERASA - Experian comunicou o seu efetivo cumprimento empresa em 01.12.2010. 2.Inexistem elementos hábeis à efetiva aplicação de multa diária. Novo apontamento em nome da empresa apelada, em 21.12.2010, referente a cheques sem fundo, com base no cadastro do Banco Central, discutível, portanto, a ingerência do SERASA na inserção de restrição de crédito que possa vir a sofrer a empresa apelante. 3.O SERASA não é parte na presente demanda, logo não participou do trâmite regular do processo, de modo a exercer qualquer direito de defesa quanto ao fato que ora lhe é imputado. Nada obsta, no entanto, futuro ajuizamento de ação própria pela empresa apelante, no intuito de buscar a reparação que entender devida. 4.A existência, no mesmo período, de pelo menos mais uma pendência financeira, oriunda de contrato firmado com outra instituição bancária desautoriza a imputação exclusiva ao apelado pelos percalços pelos quais tenha passado a empresa apelante, em decorrência da negativação de seu nome dos órgãos de proteção creditícia. Nestas circunstâncias, proporcional e razoável se mostra a verba indenizatória originalmente imposta

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a título de danos morais. 5.Em que pese ter restado frustrada a pretensão da apelante de celebrar contratos de compra e venda e financiamento bancário, tal ocorrência não se presta a gerar dano material, pois a não concretização de tais avenças não produziu qualquer redução ao seu patrimônio. Não havendo efetivo prejuízo material não há razão para condenação a tal título. 6.Ainda se aplicada a teoria da perda de uma chance, o insucesso nas tratativas negociais mantidas pela empresa apelante não poderia ser cominado ao banco, porquanto restou provada a existência de outras pendências financeiras em nome da empresa desde novembro de 2010. Assim não há como se responsabilizar o apelado ou mesmo o SERASA pela chance negocial supostamente perdida. 7.Recurso improvido. Da presente decisão não resulta violação ou negativa de vigência aos arts. 5º, V e XXXVI, e 145, § 1º da CF; bem como dos arts. 186, 402, 927, 948 e 949 do CC.

ANEXO C

TJ-PE - APL: 1034791220108170001 PE 0103479-12.2010.8.17.0001, Relator: Antônio Fernando de Araújo Martins, Data de Julgamento: 26/04/2012, 6ª Câmara Cível, Data de Publicação: 87 DUPLA APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. TRANSPORTE AÉREO DE DOCUMENTOS. PROBLEMAS TÉCNICOS NA AERONAVE. FATO INERENTE À ATIVIDADE. ATRASO NA ENTREGA DA ENCOMENDA. TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. RESPONSABILIDADE CIVIL. ART. 14, CAPUT, DO CDC. MAJORAÇÃO DO VALOR DA INDENIZAÇÃO PARA O QUANTUM DE R$ 10.000,00 (DEZ MIL REAIS). PROVIMENTO DO RECURSO IMPETRADO PELA CONCREPOXI ENGENHARIA. NÃO PROVIMENTO DO RECURSO DA TAM - LINHAS AÉREAS. Observa-se dos autos que a ocorrência de problemas técnicos na aeronave da empresa não configura hipótese de força maior, na medida em que se constitui em fato inerente à atividade de transporte aéreo. O juiz a quo estabeleceu indenização de acordo com a teoria da perda de uma chance, pois não se teria como saber se a empresa autora ganharia a licitação, mas a transportadora impediu que a autora pelo menos participasse de tal processo licitatório. Verifica-se, portanto, a Responsabilidade Civil da apelante, independentemente de culpa, pelos danos à empresa Concrepoxi Engenharia, segundo o teor do art. 14, caput, do CDC.

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ANEXO D

TJ-PE - REEX: 10066320108170480 PE 0001006-63.2010.8.17.0480, Relator: Luiz Carlos Figueirêdo, Data de Julgamento: 22/05/2012, 1ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 112/2012 CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. REEXAME NECESSÁRIO E APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. RESPONSABILIDADE CIVIL DO MUNICÍPIO DE CARUARU. ALEGAÇÃO DE QUE A MORTE DA PACIENTE DECORREU DA AUSÊNCIA DE LEITO NA REDE PÚBLICA. FALTA DE ATENDIMENTO ADEQUADO EM HOSPITAL MUNICIPAL. FALHA NO ATENDIMENTO. COMPROVADO. TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. RECONHECIDA. REEXAME NECESSÁRIO PROVIDO PARCIALMENTE. DECISÃO UNÂNIME. 1- A questão sob análise estaciona na responsabilidade civil do município de Caruaru, independente de ser esta objetiva ou subjetiva, em decorrência da negativa de atendimento médico a Sra. Zilma de Azevedo, vítima de infarto agudo do miocárdio. 2- Tal fato foi reconhecido pela municipalidade tanto na sua peça contestatória como nas suas razões recursais, ante a "justificada" falta de leitos no Hospital do Coração de Caruaru (HCC). 3- Conforme relatado pelas testemunhas, inclusive pelo motorista da ambulância (servidor do município), houve uma peregrinação da paciente em busca de atendimento, mas o ponto crítico a ser destacado é o fato da mesma sequer ter sido estabilizada quando da sua chegada no HCC. 4- O nexo de causalidade se apresenta cristalino na medida em que se a Sra. Zilma tivesse sido internada, ou ao menos, tivesse sido atendida, ainda que dentro da ambulância, não era garantido que iria sobreviver, mas concederia uma chance, razão pela qual deve ser aplicada ao caso a Teoria da Perda de uma Chance. 5- As teses levantadas no apelo voluntário de que a autora "em nenhum momento trouxe provas que comprovassem o deu direito" e da ausência de aporte financeiro do município, não merecem prosperar. 6- Os

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fatos estão devidamente comprovados, sejam pelos documentos acostados, sejam pelos depoimentos das testemunhas e, segundo porque, a questão primordial - falta de leito- foi reconhecida pelo município apelante. 7- Com relação ao valor da indenização, a doutrina e jurisprudência são acordes em que a reparação do dano moral faz-se à parte dos danos patrimoniais e deve compensar a dor ou o sofrimento causado, procedendo-se ao pagamento de uma determinada soma às vítimas, quantificada mediante "arbitruim boni viri" do juiz, tendo-se em vista as posses do ofensor e a situação da ofendida. 8- Utilizando parâmetros desta Corte e as nuances que o caso requereu é imperiosa a manutenção da indenização por danos morais na quantia de R$ 100.000,00 (cem mil reais). 9- Por unanimidade de votos, negou-se provimento ao reexame necessário. Por maioria de votos, manteve-se o quantum debeatur do dano moral em R$ 100,000,00 (cem mil reais).

ANEXO E

TJ-PE - APL: 151912520098170001 PE 0015191-25.2009.8.17.0001, Relator: José Carlos Patriota Malta, Data de Julgamento: 11/09/2012, 6ª Câmara Cível, Data de Publicação: 175 APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS - PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA REJEITADA À UNANIMIDADE - MÉRITO - CONJUNTO PROBATÓRIO COMPROVA CABALMENTE A RELAÇÃO ENTRE A CONDUTA DO PREPOSTO DA PARTE RÉ/APELANTE E O ACIDENTE - APLICAÇÃO DO ART. 14 DO CDC E DOS ARTS. 734 E 735 DO CC - RESPONSABILIDADE DO TRANSPORTADOR DE PASSAGEIROS - APLICAÇÃO DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE - DANOS MORAIS E MATERIAIS CONFIGURADOS - SENTENÇA PRESERVADA- APELO DESPROVIDO - DECISÃO UNÂNIME.

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ANEXO F

TJ-PE - AGV: 476649320118170001 PE 0023150-45.2012.8.17.0000, Relator: Itabira de Brito Filho, Data de Julgamento: 18/12/2012, 1ª Câmara Cível, Data de Publicação: 04 PROCESSUAL CIVIL. CDC. RECURSO DE AGRAVO. SERVIÇO BANCÁRIO. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. ERRO OPERACIONAL EM PAGAMENTO DE INSCRIÇÃO PARA CONCURSO PÚBLICO. CANDIDATA IMPEDIDA DE REALIZAR A PROVA. PERDA DE UMA CHANCE. DANO MORAL CONFIGURADO. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. AUSÊNCIA DE ARGUMENTO NOVO. RECURSO IMPROVIDO. À UNANIMIDADE. - Instituição financeira fornecedora de serviço responde objetivamente pela falha na prestação do serviço, conforme prevê o Art. 14, do CDC. - Possível a incidência da regra da inversão do ônus da prova, prevista no Art. 6º, VIII, do CDC, a fim de facilitar a defesa do consumidor, sem deixar de considerar a obrigação do demandante comprovar os fatos constitutivos do seu direito. - Pagamento de inscrição para prestação de concurso público, devidamente repassado e acatado pelo banco, mas, por algum erro, não foi confirmada a inscrição. - Candidata impossibilitada de prestar o concurso por ausência de reconhecimento do pagamento da inscrição. - Responsabilidade civil pela perda de uma chance, eis que foi retirada da candidata a oportunidade de obter sua aprovação no concurso público, desaparecendo qualquer probabilidade de aprovação, pois sequer constava como inscrita. - Dano moral que prescinde de comprovação a medida que decorre do próprio fato. - Montante fixado a título de danos morais em consonância com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. - Ausência de argumento novo capaz de afastar os fundamentos defendidos na decisão terminativa agravada. - Recurso improvido à unanimidade.

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ANEXO G

TJ-PE - APL: 54391320108170480 PE 0005439-13.2010.8.17.0480, Relator: Cândido José da Fonte Saraiva de Moraes, Data de Julgamento: 15/01/2013, 2ª Câmara Cível, Data de Publicação: 13 DIREITO DO CONSUMIDOR E CIVIL. APELAÇÃO. NEGATIVAÇÃO POR DÉBITO INEXISTENTE. DANO MORAL "IN RE IPSA". ARBITRAMENTO. CONFORMIDADE DA SENTENÇA COM PARÂMETROS LEGAIS E DOUTRINÁRIOS. MANUTENÇÃO DO "DECISUM". RECURSO ADESIVO. AUMENTO DA REPARAÇÃO TENDO EM VISTA A "PERDA DE UMA CHANCE". DESCABIMENTO EM FACE DA NÃO DEMONSTRAÇÃO DESTA CIRCUNSTÂNCIA PELA VÍTIMA. IMPROVIMENTO. Recurso principal. Indenização por danos morais. A negativação por débito inexistente presume o dano moral. O arbitramento reparador obedece a critérios legais e doutrinários, dentre eles, a extensão do dano, a vedação ao enriquecimento sem causa e o caráter compensatório da verba. Sentença conforme estes balizamentos. Recurso adesivo. Para fazer jus à reparação pela "perda de uma chance", cabe à vítima demonstrar esta circunstância. Requerimento de majoração da cifra indenizatória rejeitado, ante o não preenchimento desse requisito.

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