boas - raca e progresso

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.- ·-..··---_. ............_A.. rt ,e t Colet;:ao Franz Boas ANTROPOLOG[A SOCIAL dire tor: Gilberto Velho o RISO E 0 RISIVEl Verena Alberti ANTROPOLOGI/\ CULTURAL franz Roas o EspiRITO MlliTAR EvoLucloNlslv1o CUIJUlV\l Os MlliMRES E ,\ REPUBLICA Celso Clstro DA VIDA NERVOSA LUIZ fern,mdo Du,Hte BRUMRIII, ORACUIOS L MACI/\ ENTRE os AZANDf LE. EV:1I1s- Pritchard GIIROTIIS DE F'ROCRAIv1!\ Maria Dulce G,lsp,n Nov!\ LU2 sonlu .\ ANTl\lWllLOCI/\ OIJSERV/,NDO 0 [S[;\ Clifford Geertz o CIY! II)I,,\N() (],\ PULl II'. ;\ Karina Kuschnit CUITLJRA: LJM CO',("II 0 AN lllCWOI OCICO Roque de Barl'lls LnCli'l AUTORID;\IJI & AI ITO Myr'lillll Lins de !\:IITO,S GlJ[ 1\1\,\ (1[. OFI,\/\ Yvonne ivLl''''le A TEO RIA VIVIDA Marizil Peir,lno CULTURA E MZAO PRATICA ILH;\S Of H IST6RIA H IST6RIA I' CULTURA Marsh,l11 Sahlins Os MANDARINS MILAGROSOS Elizabeth Travassos ANTROPOLOGIA URBAN,\ DESVIO E DIVERCE,NCIA E CUITLJI1A PROIETO E METMloRFosE RIO DE JAi'JEIRO: CULTUIV\, POLITICA I' CONfUTO I'SOClCDADE A UTOPI,\ UR8!\N!\ Gi/berto Velho PESQUISAS URI1ANIIS Gilberto Velho e Karina Kuschnir o MUNDO FUNK C'RIUU, o M,SIEI\IO DO S'\,\IB,\ Ilcrillano Vianna BUtYll/\ DA SII-'!f\: PllOIJlJTO DO MORRO Letici'l ViannCl o IvluNDO LM ASTrlOl,OCIA Luis Vilhenil S()CII:Di'\fJ!. [)[ ESQUIN;\ Willi,1I11 Foote Whyte Antropologia Cultural Textos selecionlldos, apresentac;:ao c traduc;:Jo: Celso CaStl"o 4 Q v; l y ,- \ ,,' ('- I ( (/':, ;/ lAHAR Jorge Zahar Eelitot Rio de Janeiro

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Franz Boas

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Page 1: Boas - Raca e Progresso

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Colet;:ao Franz Boas ANTROPOLOG[A SOCIAL

dire tor: Gilberto Velho

o RISO E 0 RISIVEl

Verena Alberti

ANTROPOLOGI/\ CULTURAL

franz Roas

o EspiRITO MlliTAR

EvoLucloNlslv1o CUIJUlV\l

Os MlliMRES E ,\ REPUBLICA

Celso Clstro

DA VIDA NERVOSA

LUIZ fern,mdo Du,Hte

BRUMRIII, ORACUIOS L MACI/\

ENTRE os AZANDf

LE. EV:1I1s- Pritchard

GIIROTIIS DE F'ROCRAIv1!\

Maria Dulce G,lsp,n

Nov!\ LU2 sonlu .\ ANTl\lWllLOCI/\

OIJSERV/,NDO 0 [S[;\

Clifford Geertz

o CIY! II)I,,\N() (],\ PULl II'. ;\

Karina Kuschnit

CUITLJRA: LJM CO',("II 0

AN lllCWOI OCICO

Roque de Barl'lls LnCli'l

AUTORID;\IJI & AI ITO

Myr'lillll Lins de !\:IITO,S

GlJ[ 1\1\,\ (1[. OFI,\/\

Yvonne ivLl''''le0~

A TEO RIA VIVIDA

Marizil Peir,lno

CULTURA E MZAO PRATICA

ILH;\S Of HIST6RIA

HIST6RIA I' CULTURA

Marsh,l11 Sahlins

Os MANDARINS MILAGROSOS

Elizabeth Travassos

ANTROPOLOGIA URBAN,\

DESVIO E DIVERCE,NCIA

[NDIVIDUI\lIS~IO E CUITLJI1A

PROIETO E METMloRFosE

RIO DE JAi'JEIRO: CULTUIV\, POLITICA

I' CONfUTO

SU~JETlVIDADE I'SOClCDADE

A UTOPI,\ UR8!\N!\

Gi/berto Velho

PESQUISAS URI1ANIIS

Gilberto Velho e Karina Kuschnir

o MUNDO FUNK C'RIUU,

o M,SIEI\IO DO S'\,\IB,\

Ilcrillano Vianna

BUtYll/\ DA SII-'!f\:

PllOIJlJTO DO MORRO

Letici'l ViannCl

o IvluNDO LM ASTrlOl,OCIA

Luis I~odolro Vilhenil

S()CII:Di'\fJ!. [)[ ESQUIN;\

Willi,1I11 Foote Whyte

Antropologia Cultural

Textos selecionlldos, apresentac;:ao c traduc;:Jo:

Celso CaStl"o

4Q edi~ao

~'AJ';: v; l\~/8

y ,-\ ~ ,,' (' ­~~ I

( (/':, ;/lAHAR Jorge Zahar Eelitot

Rio de Janeiro

Page 2: Boas - Raca e Progresso

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SUMARIO

Copyright da sele<;<io de textos e apresC!1t,[<;ao © 2004, Celso Castro

COI,yrighl ciesla edi<;<lo <D 2008: Jorge Zahar Eclitor Ltda. rua M~xico 5 \ sobrcloja

20051-144 Rio cle Janeiro, RJ leI.. (21) 2108-0808/ f"x (21) 2108-0800

e-mail: jzec<"zahar.coJ1].br site: www.zahar.c0111.br

Todos os direitos reservados. A reprodu<;ao nao-autorizada desta publica<;ao, no todo

ou em parte, constitui viola<;<io de direitos autorais. (Lei 9.610/98)

Edi<;()es anteriores: 2004, 2005, 2006

Capa: Valeria l'-laslausky Foto da capa: Franz Boas representando a dal1<;a do espirito caniba!' parte de

uma cerime'ni" cia sociedade secreta Hamatsa, dos indios Kwakiutl (Vancouver, Canad<i). A foto Coi tiracla para servir de modclo ao escultor de um diorama emtama­

nho natural. exibido no United States National Museum em J895. Copyright © National Anthropological Archives, Smithsonian Instilution/IvlNll 8304.

CIP-Brasil. CllalogJ<;,jo-na-fonte Sinclica[o Nacional dos Editores de Livros, R).

Boas. han!.. 18'i8-1 CJ42 13634,[ !\nlrujlo[ogi" eultur,rl / rran? Boas: IraelU\;<io Cels() Ca.stro

- c1.eel. - Rio ell' Janeiro: Jori!c Zahar Ed .. 2007 (/\nlrtl[1o!oi!ia social)

ISlll" 'J7SS'i7110-7()O-1

1:i,1llI"gi;l..' ;\nlm[1ologia. I. Castro, Cclso. 19('.'-.11. Tilll[ll. Ill. Sel'le.

CD[): ,0 I CUU:Jlh

~

7 Apresel1t(/~(jo, Celso Castro

25 As limitayoes do metodo comparativo

da antropologia, 1896

41 Os metodos da etl1ologia, 1920

53 Alguns problemas de metodologia

nas cicncias sociais, 1930

67 Raya e progresso, 1931

87 Os objetivos da pesql1isa antropo16gica,1932

F=1'

Page 3: Boas - Raca e Progresso

...._ '.., 'lllill~~~~ilW·Q~'Il _~.('?.<f'f;,,"'~~~

66 Antropologia CU Itural

antropologia moderna reside, a meu ver, na enfase exagerada que

da a reconstruc;:ao hist6rica - cuja importancia nao deveria ser

minimizada - como algo oposto a um estudo aprofundado do

individuo sob a pressao da cultura em que e1e vive.

~Mi~J~•• I • ., 00.3' a__ J!I ,.1IiI'ilQbJ..~dl•• 1' ~ItlJllilln_.i1'il1!.loIIl ••' ..·.d.ul~~........

I-"~--"-~

Rac;a e progresso4

1931

Permitam-me chamar atenc;:ao para os aspectos cientificos de um

problema que ha muito tem agitaclo nosso pais e que, pclas suas

implicac;:oes sociais e economicas, tern suscitado fortes reac;:oes

emocionais e produzido diversos tipos de lei. Refiro-me aos pro­

blemas surgidos com a mistura de tipos raciais.

Se desejamos adotar uma atitude sensata, enecessario sepa­

rar claramente os aspectos biol6gicos e psicol6gicos das implica­

c;:oes sociais e economicas da questao. Mais ainda, a motivac;:ao

social daquilo que esta acontecendo precisa ser examinada, nao

do estrito ponto de vista de nossas condic;:oes presentes, mas de

urn angulo mais amplo.

Os fatos com os quais estamos lidando sao diversos. 0 siste­

ma de plantatioll do sui dos Estados Unidos trouxe para 0 pais um

grande contingente de populac;:ao negra. Consideravcl mistura

ocorreu entre senhores brancos e mulheres escravas durante 0

periodo da escravidao, de forma que 0 numero de negros puros

foi diminuindo continuamente, e a populac;:ao de cor tomon-se

gradnalmente mais clara. Houve tambcm uma certa mistura en­

tre brancos e indios, mas, nos Estaclos Unidos e no Canada, iS50

nunca se den nnm gran suficiente para transfonnar cssa mistura

nnm importantc fen6meno social. Com 0 aumcnto da imigrac;:ao,

.1 Confercncia proferida no encontro da American Associ,ltioll for the

Advancement of Science, Pasadena. 15.6.1931. Franz Boas csLl\'a entao

assumindo a presidcllcia da associa~iio. [~,T]

67

Page 4: Boas - Raca e Progresso

68

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Antropologia cultural

~Im contingenle populacional do suI e do lcstc da Europa viu-se atraida para os Estados Unidos e atualmente comp6e uma im­

portante parecla de nossa popuJa~ao. Esses migrantes diferem

entre si segundo alguns tipos, embora os eontrastes raciais entre

des sejam muito menores do que os existentes entre indios, ne­

gros e brancos. Outro grupo cbegou ao nosso pais com a imigra­~ao do Mexico e das Antilbas, parte dcles de descendencia sul-eu­

ropeia, parte de descendeneia negra ou india misturada. A to­

dos devem-se aclieionar grupos chineses, japolleses e filipinos,

que exercem um papd particularmente importante na costa do

Pacifico.

o primeiro ponto em rela~ao ao qual necessitamos de escla­recimento refere-se ao significado do termo ra~a. No linguajar

comum, quando falamos de uma ra~a, queremos denotar um

grupo de pessoas que tem em eomum algumas carClcteristicas

corporais e talvez tambclll mentais. Os brancos, com a pele clara,

os cabelos lisos ou ondulados e narizes afilados, sao uma ra~a

claramente distinta dos negros, com a pelc escura, cabelos cres­

pos e narizes achatados. Em rela~ao a esses tra~os, as duas ra~as

sao fundamentalmente distintas. Nao tao definida e a distin~ao

entre tipos asiAticos orientais e curopeus, porque ocorrem for­

mas de transi~ao entre individuos brancos normais, tais como

rostos acbatados, cabdos negros lisos e formato dos olllOs p;1reci­dos com os dos tipos asiMicos orientais; inversamente, tra~os de

tipo europeu sao encontrados entre asiMicos orientais. Em rel;1­

~ao a negros e brallcos, podemos falar de tr;1~os r;1ciais heredit,f­

rios, amedida que nos rcferirmos a essas caracteristicas radic;11­

mente distintas. Em rcla~ao aos braneos e asiMicos orientais, a

difcren~a nao e tao absoluta, porque podem ser encontrados al­guns poueos individuos em cada uma dessas ra~as aos quais

essas caraeteristicas raciais nao se aplicam bem; pOl' isso nao cabe falar, em sentido estrito, de trac;:os raciais hereditirios to­

talmentc dlic!os.

Ra<;a e progresso 69

Essa condi~ao prevalcce numa extensao muito mais mar­eante entre as diferentes ra~as assim chamadas europeias. Esta­mos acostumados a nos referir aos escandinavos como altos, loi­ros e de olhos azuis; a um Italiano do sui como baixo, moreno e de olhos escuros; a um boemio como de porte medio, olhos mar­rons ou etnzentos, rosto largo e cabelos lisos. Estamos aptos a construir tipos idea is locais baseados em nossa experiencia coti­diana, abstraidos a partir de uma combina~ao de formas mais freqiicntemente vistas numa dada localidade, enos esqueccmos de que ba inllmeros individuos para os quais essa descri~ao nao c verdadcira.

Seria um empreendimento temerario determinar a locali­dade na qual a peSSO;1 nasceu unicamente a partir de suas carac­

I terlsticas corporals. Em muitos casos, podemos scr auxiliados em t;11 proposito pOl' maneiras de arrumar 0 cabelo, mancirismos peculiares de movimentos e pela indumentaria, mas esscs tra~os

nao devon ser tomados de forma equivocada como essencial­mente hereditarios. Nas popula~6es de v,fri,ls partes da Europa encontram-se muitos individuos que podem tao bem pertencer a uma parte do continente quanto a outra. Nao h,l verdade na alc­ga~ao tantas vezes formulada de que dois ingleses se assemclham mais em formas corpora is entre si do que, digamos, um Ingles e um alemao. Vm maior nllmero de formas pode se eluplicar na area mais restrita, mas formas similares poelem ser encontradas por todo 0 continente. Ha uma sobreposi~ao de formas corporais entre os grupos locais.

Nao cjustificavel supor que individuos que nao se cncaixem no tipo ideal local, que se constr6i a partir ele impressocs gerais, sejam elementos estrangeiros a essa popula~ao, e que sua presen­~a sempre se deva amistura com tipos alienigcnas. Uma caracte­ristica fundamental de todas as populac;6es eque os indivlduos diferem entre si, e um estudo mais detalhado mostra que isso c valido tanto para os animais quanto para as homcns. Nesses ca­sos, nao C portanto apropriado falar de trac;os herediUrios no

Page 5: Boas - Raca e Progresso

70

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Amropologia cultural

tipo racial como urn todo, pois muitos de!es tambem ocorrem em outros tipos raciais. Tra~os raciais hereditarios deveriam ser com­

partilhados pOl' toda uma popula<;ao, para que se pudesse real~a­

los em contraposi~ao a outras popula~6es.

o assunto e bem diferente quando os individuos sao estuda­

dos como membros de suas pr6prias linhagens familiares. Here­ditariedade racial implica necessariamente a existenci:l. de unida­de de descendencia e a existencia, numa certa epoca, de urn pe­queno nllmero de ancestrais de formas corporais definidas, dos

quais a popula~ao atual descende. Epraticamente impossive! re­construir essa ancestralidade pelo estudo de uma popula<;ao mo­derna; mas muitas vezes e possivel 0 estudo de fa1l1ilias que se estendem pOl' varias gera~6es. Sempre que cle foi realizado, des­cobrimos que as Ilnhagens familiares representadas Duma dada popula~ao diferem muito entre si. Em comunidades isoladas, nas quais as mesmas familias casaram entre si pOl' varias gera<;6es, as

diferen~as sao menores do que entre comunidades m~lis amplas. Podemos dizer que cada grupo racial consiste de muitas linha­gens familiares que sao distintas em formas corporais. Algumas dessas linhagens estao duplicadas em territorios vizinhos; e,

quanto mais duplica~ao existe, menor e a possibilidade de falar­mos de caracterfsticas raciais fundamentais. Essas condi<;6es sao

tao manifestas na Europa, que tudo 0 que podemos fazer e estu­

dar a freqi.iencia de ocorrencia de varias linhagens familiares pOl' todo 0 continente. As diferen<;as entre as linhagens familiares

pertencentes a cada {uea mais ampla sao muito maio res do que as

diferen~as entre as popula~6es como um todo. Embora nao seja necess,lrio considerar as grandes diferen­

~as de tipo que ocorrem numa popula<;ao como fruto da mistura de diferentes lipos, c facil perceber que a mistura desempenhou um papcl importante na hist6ria das popula<;6es modernas. Re­cordemos as migra~(ies que ocorreram em tempos antigos na Eu­ropa, quando os ccltas da Europa ocidental espalharam-se pela ItMia e, no sen lido leste, atc a Asia Menor; quando as tribos teu­

Ra~a e progresso 71

tonicas migraram do mar Negro em dire<;ao oeste, para a Italia, a

Espanha e mesmo para 0 norte da Africa; quando os eslavos ex­pandiram-se na dire<;ao nordeste, sobre a Rllssia, e no sentido suI, sobre a peninsula dos I3alcas; quando os mouros ocuparam uma

grande parte do. Espanha; quando os escravos gregos e romanos desapareceram em meio a popula~ao gel'al; e quando a coloniza­<;ao ramaDa atingiu uma grande parte da regiao mediterranea. E interessante observar que a grandeza espanhola sucedeu 0 perio­do de maior mistura racial, e que seu declinio come~ou quando a popula<;ao tornou-se estave!, e a imigra<;ao foi interrompida. Isso deveria fazer com que parassemos para pensar, antes de falar so­bre os perigos do. mistura de tipos emopeus. 0 que esta acon te­cendo hoje no. America do Norte c uma repeti<;ao, em maior esca­10. e num periodo de tempo menor, daquilo que ocorreu na Euro­pa durante os seculos em que os povos da Europa setentrional ainda nao estavam firmemente assentados sobre 0 solo.

Isso nos leva a cOl1Siderar qual pode SCI' 0 efeito biol6gico da mistura de diferentes tipos. Muita 1m se tem lan<;ado sobre essa questao pOl' meio do estudo intensivo do fen6meno da heredita­riedade. Everdade que somos limitados, no estudo do. heredi­tariedade humana, pela impossibilidade de experimenta<;ao, mas podemos aprender muito com a observa<;ao e a aplica~ao de estu­dos sobre hereditariedade em animais e plantas. Um fato se des­

taca claramente: quando dois individuos sao acasalados, geram uma numerosa prole e, aJem disso, nao existe um fator ambiental

perturbadoI', entao a distribui~ao de diferentes formas na prole e determinada pebs caracteristicas genc'ticas dos pais. Aqui nao nos interessa 0 que po de acontecer apos milhares de gera~oes.

Nossas observa<;6es precedentes a respeito das caracterfsti­cas de tipos locais rnostram que acasalamentos entre individuos essencialmente diferentes em tipo genetico devem oconeI' mes­mo na popula<;ao mais homogenea. Caso se pudesse mostrar, como as vezes se pretende, que a descendencia de individuos de propor<;6es corporais decididamente distintas }lode resultar na­

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72 Antropoiogia cu Itural

quilo que se tem chamado de car{lter desarmonico, isso deveria ocorrer com consideravd freqliencia em toda populayao, pois en­contramos, digamos, individuos com mandibulas e dentes gran­des e outros com mandibulas c dentes pequenos. Supondo que, na descendencia mais recente, essas combinayoes possam resul­tar numa combinayao de pequenas mandibulas e dentes grandes, enUlO teriamos l\ma desarmonia. Nao silbemos se isso de filtO ocone; estou merill11ente exemplificando a linha de racioclnio. Nos acasabmentos entre varios gntpOS europeus essas condiyoes nao se alterariam significativamente, embora diferenyds maiores entre pais pudessem ser mais freqllentes do que numa populayao

hOl1logenea. A quest,\o essencial a ser respondida e se temos qualquer

evidencia que indique que os acasdlamentos entre individuos de descendencia e tipos diferentes resultariam numa prole menos vigorosa do que a de scm ancestrais. Nao tivemos nenhuma

oportunidade para observar qualquer degenerdyao no homem que se deva c1aramente a essa caUSd. Pode-se demonstrar que d alta nobreza de todas as partes da Europa c de origem muito misturada. Populayoes urbanas da Franya, Alemanha e ltalia sao derivadas de todos os distintos tipos europem. Seria diffeil mos­trar que qualquer degenerayao que pl\desse existir entre des pode ser atribuida a urn efeito malefico do interacasalamento. A dege­

neray''1.o biol6gica c mais facilmente encontrada em pequends re­gioes com intensa endogamia. Aqui nOVdmente nao se trata tanto de l\ma questao de tipo, mas da presenya de condiyoes pato16gi­cas nas estirpes familiares, pois sabemos de varias comunidades intel1samente endogamicas que sao perfeitamente saudaveis e vi­gorosas. Elas sao encontradas entre os esquim6s e tambem entre muitas tribos primitivas nas quais 0 casamento com primos e prescrito pdo costume.

Essas observayoes nao to cam no problema do deito sobre a forma corporal, a saude e 0 vigor dos descendentes de casamen­tos entre rayas que sao biologicamente mais distintas do que os

Ra~a e progresso 73

tipos europeus. Nao c tao facil fornecer evidcncia absolutamente conc1usiva a respeito dessa questao. !ulgando-se meramente com base em caracteristicas anatomicas e condiyoes de sallde de po­pulayoes misturadas, nao parcce haver razao alguma para Sllpor resultados desfavoraveis, tanto nas primeiras quanta nas mais re­centes gerayoes da prole. Os descendentes mestiyos de emopeus e indios norte-americanos sao mais altos e mais ferteis que os in­dios puro- sangue. Sao mais 011 tos ainda que as rayas de seus pais. Os mestiyos de holandeses e hotento tes do suI da Africa e os mes­tiyos malaios da ilha de Kisar sao de tipo intermediario entre as duas rayas e nao exibem qualquer trayo de degenerayao. As popu­

layoes do Sudao, misturas de tipos negr6ides e mediterraneos, tern sempre se caracterizado por grande vigor. Tambcm resta pouca dLlvida de que na RLlssia oriental ocorreu uma considera­vel infmao de sangue asiatico. As observayoes sobre nossos mula­tos norte-americanos nao nos convencem cia existcncia de qual­quer efeito ddeterio de mistura racial que seja evidente na forma e funyao anatomicas.

Tambem e preciso lembrar que em ambientes variaveis as formas humanas nao sao de forma alguma estaveis, e que muitos trayos anat6micos corporais estao sujeitos a uma limitada quan­ticlade de modificayoes conforme 0 c1ima e as condiyoes de vida. Temos evidencias definitivas de nHldanyas llas medidas corpo­rais. A estatlcra das populayoes europCias tem aumentado clesde meados do seculo XIX. Guerra e fome dCLxaram seus efeitos nas crianyas que cresceram na segunda metade de nosso scculo. As propory6es do corpo tambcm mudam conforme a ocupayao. As formas cia mao do trabalhador e do mllsico rer1etem suas ocupa­yoes. As mudanyas que se tcm observado em rc!ayao 010 formato da cabeya sao analogas aquelas observadas entre animais sob condi<;:6es variaveis de vida, entre: le6es nasciclos no cativciro ou entre ratos alimentados com diferentes tipos de dicta. Nao se co­nhece a extensao em que ambientes socia is e geogrMicos podcm alterar formas corporais, mas a int1ucncla de concli<;:()es externas

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7-'1 Antropologia cultural

tem que ser levada em considera<;:ao quando comparamos dife­rentes tipos humanos.

Os processos seletivos tambem atuam no sentido de alterar as caracterfsticas de uma popu]a<;:ao. Diferentes taxas de nasci­

mento, mortalidade e migra<;:ao podem produzir mudan<;:as n'1

composi<;:ao hereditJria de um grupo. A magnitude dessas mu­

dan<;:as elimitada peb extensao das varia<;:6es dentro da popula­<;:ao original. 1\ imporUlncia da sele<;:ao sobre 0 carJter de uma

popula<;:ao cfacilmente superestimada. f: verdade que certos de­feitos sao transmitidos por hereditariedade, mas nao se pode pro­

var que toda uma popula<;:ao degenera fisicamente gra<;:as ao au­

mento do mimero de degenerados. Estes sempre incluem os fisi­camente deficientes e outros, vitimas de circunst,jncias.

A depressao economica de nossos dias mostra claramente

com que facilidade individuos perfeitamente competentes po­

dem ser 1cvados a condi<;:6es de pobreza abjeta e serem submeti­

dos a uma carga de press6es aqual apenas as mentes mais vigoro­sas podem resistir. Igualmente injustifidvel c a opiniao de que a

guerra e a luta entre grupos nacionais c um processo scletivo necess,irio para manter a humanidade em sua marcha para adiante. Noticiou-se que sir Arthur Keith, em sua conferencia

como reitor da universidade de Aberdeen, hJ apenas uma sema· na, teria dito: "A natureza mantem seu pomar humano s'1ud,ivcl

pcb poda, e a guerra c seu podao." Nao vejo como ess'1 declara<;:ao

poss'1 de modo algum se justifica~. A guerra elimina os fisicamen­te fortes, aument'1 todos os devast'1dores flagelos da humanidade, tals como a tuberculose e as doen<;:as venereas, e enfraquece a

gera<;:ao em crescimento. A hist6ri'1 mostra que a a~ao energctica das massas pode ser

liberada, nao apenas atr'1vcs de guerra, mas tambcm por outras for~as. N6s podemos nao compartilhar 0 fervor ou '1creditar nos ideais estimulantes; 0 ponto importante e observar que as duas cois'1s podem despertar 0 111esmo tipo de energia que c liberada

n'1 guerra. Tal estimulo foi a entrega a religiao na Idade Media,

Ra~a e progresso

I 75

como tal e 0 estimulo da entrega da moderna juventude russa a seu ideal. I

I Ate agora discutimos os efeitos da hereditariedade, do am­I ;; biente e da sele<;:ao sobre as formas corporais. Mas nao estamos

tao preocupados com a forma do corpo quanto com suas fun­

<;:6es, pois na vida de uma na<;:ao as atividades dos individuos con­tam m'1is que suas aparcncias. Nao tenho duvidas de que ha uma associa<;:ao bem defin ida entre a constitui<;:ao biol6gica do indivi­

duo e 0 funcionamento fisiol6gico e psicol6gico de seu corpo. A pretensao de que apenas as condi<;:6es sociais e ambientais deter­minam as rea<;:6es do individuo desconhece as observa<;:6es mais

elementares, tais como diferen<;:as em ritmo cardiaco, metabo­lismo basal ou desenvolvimento glandular; e tambcm as diferen­

<;:as mentais em sua rcla<;:ao com distllrbios anat6micos extremos do sistema nervoso. HJ raz6es organicas pclas quais individuos diferem em seu comportamento mental.

Mas aceitar esse fa to nao significa que todas as diferen<;:as de comportamento podem ser explicad'1s de maneira adequada

numa base puramente anatomica. Quando 0 corpo humano atinge a maturidade, sua forma permanece razoavelmente est<i­vcl, ate que se manifestem as mudan<;:as devidas produzidas pelo envelhecimento. Sob condi<;:6es normais, a forma e a constitui<;:ao

quimica do corpo adulto permanecem praticamente estJveis por muitos anos. 0 mesmo nao ocone com as fun<;:6es corporais. As condi<;:6es de vida variam considerave1mente. Nosso ritmo car­diaco e diferente durante 0 sono e a vigilia, depende do trabalho que exercemos, da altitude em que vivemos e de muitos outros

fatores. Pode oconer, portanto, que 0 mesmo individuo apresen­

te rea<;:6es bastante diversas sob condi<;:6es diferentes. 0 mesmo acontece com outras fun<;:6es corporais. A a<;:ao de nosso aparelho digestivo depende da quantidade e da qualidade da comida que consumimos. Em resumo, as rea<;:6es fisio16gicas do corpo estao estreitamente ajustadas as condi<;:6es de vida. POl' isso, muitos in­

dividuos de estruturas organicas diferentes, quando expostos ,IS

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76

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1 \ I

Antropologla cultural ! I

mesmas condi<,:6es ambientais, assumemum mesmo grau de rea­<;:6es similares.

No geral, e muito mais f'leil encontrar difercn<;:as claras en­tre ra<;:as em rela<;:ao aforma do corpo do que em rela<;:ao a seu funcionamento. Nao se pode pretender que 0 corpo funcionc, em todas as ra<;:as, de modo identico, mas aque!a especie de sobrepo­si<,:8.o que observamos em rela<;:8.o aforma e ainda mais pronun­ciada em rela<;:ao afun<;:ao. Eimpossive! dizer que, como algumas fun<;:6es flsicas - tais como 0 ritmo cardia co - tem uma deter­minada freqllcncia, 0 individuo deva ser branco ou negro, pois os mesmos ritmos sao encontrados em ambas as ra<;:as. Um certo metabolismo basal nao indica se uma pessoa e japone~a ou bran­ca, embora os valores medios de todos os individuos nas ra<;:as comparadas possam exibir diferen<;:as. Mais ainda: a fun<;:ao par­ticular ctao marcadamente modificada pelas demandas feitas ao organismo, que elas irao to roar bastante parecidas as rea<;:6es dos grupos raciais que vivem sob as mesmas condi<;:6es. Todo orga­nismo e capaz de se ajustar a uma grande variedade de condi<;:6es; desse modo, as condi<;:6es determinarao em grande medida 0 tipo de rea<;:ao.

Aquilo que e verdadeira para as fun<;:6es fisiol6gicas e tam­bem valido para as fun<;:6es mentais. H<i um mOrIne volume de literatura que lida com as caracteristicas mentais das ra<;:as. Nor­te-europeus louros, italianos do sul,judeus, negros, indianos e chineses tem sido descritos como se suas caracteristicas mentais fossem biologicamente determinadas. Everdade que cada popu­la<,:ao possui um certo carateI' que se exprime em sell comporta­

mento, de tal modo que ha lima distribui<;:ao geogrifica de tipos de comportamento. Ao mesmo tempo, ha uma distribui<;:ao geo­grMica de tipos anatomicos, e, como resultado disso, descobri­mos que uma po1'ula<;:ao sclecionada pode scI' descrita como pos­sl1idora de um certo ti1'o anatomico e uma certa especie de com­portamento. lsso no en tanto nao justifica a reivindica<;:ao de que o tipo anat6mico determina 0 comportamento. Um grande eno

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Ra~a ~ progr~sso 77

e cometido quando nos permitimos fazer essa inferencia. Pri mei­ra, seria preciso provar que a concla<;:ao entre formas corporais e

comportamento e absoluta, que e valida nao apenas para 0 local se!ecionado, mas para toda a popula<;:ao do mesmo tipo; e, inver­samente, que 0 mesmo comportamento nao ocone quando os tipos de complei<;:ao corporal diferem. Em segundo lugar, deveria ser demonstrada a existencia de uma intima rela<;:ao entre os do is fen6menos.

Posso ilustrar esse ponto com um exemplo tomado de uma

area inteiramente diferente. Um determinado pais tem um clima

especifico e uma forma<;:ao geol6gica particular. No mesmo pais encontra-se uma determinada Dora. No entanto, 0 carateI' do

solo e do clima nao explicam a composi<,:ao da flora, exceto a medida que ela depende desses dois fatores. Sua composi<,:ao de­pende da evolu<;:ao hist6rica das formas vegetais em todo 0 mun­

do. 0 simples fato de baver uma distribui<;:ao coincidente nao

prava uma rela<;:ao genetica entre os dois conjuntos de observa­<;:6es. Os negros na Africa tem membros longos e um ce!'to tipo de

comportamento mental. Nao se deduz dai que os membras lon­

gos sejam de algum modo a causa de seu comportamento mental. Nesse tipo de argumenta<;:ao, 0 pr6prio ponto a scI' provado ja c pressuposto.

Uma solu<,:ao cientifica para esse problema exige uma linha diferente de abordagem. As atividades mentais sao fun<,:6es do

organismo. Temos visto que fun<,:6es fisiol6gicas do mesmo orga­

nismo podem variaI' enormemente sob condi<;:6es vari6.veis. Sera

diferente no caso das rea<;:6es menta is? Embora 0 estudo de creti­

nos e genios mostrc a existcncia de diferen<;:as biol6gicas que li­

mitam 0 lipo de comportamento individual, isso pesa pouco so­

bre os conjuntos que constituem uma popula<;:ao, nas quais h6. grande variedade de estrutura corporal. Vimos que as mesmas

fun<;:6es fisiol6gicas ocorrem em diferentes ra<;:as com freq Liencia vari6.vcl, mas que entre eJas nao se podem estabclecer diferen<;:as

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Antropologia cultural Ra~a e progresso

essenciais quali ta tivas. Epreciso pergu ntar se as mesmas condi­<;:oes prevalecem na vida mental.

Se Fosse possivel sujeitar duas popula<;:oes de diferentes tipos as mesmas condi<;:oes externas, nao seria dificil dar uma resposta. o obstaculo em nosso caminho repousa na impossibilidade de se estabelecer uma igui11dade de concli<;:oes. Investigadores diferem fundamentalmente em suas opinioes com respeito aquilo que constitui a igualdade de condi<;:oes. Nossa aten<;:ao precis a, 1'01'­

tanto, se dirigir para essa quesU\o.

Muilo se teria a ganhar se pudessemos mostrar como pes­so as com exatamente a mesma composi<;:ao biologica reagem em diferentes tipos de ambiente. Parece-me que os dados hist6ricos autorizam que se formule uma suposi<;:ao bastante fundamenta­da em favor de mudan<;:as substanciais do comportamento men­tal entre pessoas que tem a mesma composi<;:ao genctica. 0 Ingles livre e tranqi.iilo do periodo elisabetano contrasta violentamente com 0 vitoriano pudico; os vikings e os moclernos noruegueses nao nos parecem os mesmos. 0 severo romano republica no e seu descendente dissoluto da era imperial apresentam contrastes sur­preendentes.

l\1as precisamos de evidencias mais tangiveis. Pelo menos no que diz respeito a rea<;:oes inteligentes diante de problemas simples da vida cotidiana, podemos apresentar um consideravel volume de evidencias experimentais. Nao devemos supor que nossos modernos testes de inteligencia nos dao uma pista sobre a inteligencia absolutamente determinada bioJogicamente - seja o que for que isso signifique. Eles certamente podem nos dizer sobre como os individuos reagem a situa<;:oes simples, mais ou menos familiares. A primeira vista, pode parecer que se encon­tram acentuadas diferen<;:as raciais. Refiro-me aos muitos testes comparativos sobre a inteligcncia de individuos entre varios tipos europe us centre europeus e negros. Os emopeus do norte testa­dos em nosso pais apresentaram-se em conjunto decididamente superiores aos emopeus do suI; e os europeus como um todo em

rela<;:ao aos negros. Impoe-se a questao: 0 que isso signiftca? Se ha uma diferen<;:a real determinada pe!a ra<;:a, deveriamos encontrar o mesmo tipo de diferen<;:a entre esses tipos raciais onde quer que e!es viYam.

o professor Garth recentemente coletou todas as evidcncias disponiveis e chegou a conclusao de que nao e possive! provar uma diferen<;:a imput8.vel aos fatores geneticos. Todas as observa­<;:oes que temos podem ser melhor e mais facilmente explicadas pelas diferen<;:as no ambiente social. Parece-me que a prova mais convincente da corre<;:ao dessa opiniao foi dada pclo dr. Kline­berg, que examinou os v,11'ios tipos europeus em comunidades rurais e urbanas na Europa. Ele descobriu que ha, em todos os lugares, um marcante contraste entre popula<;:oes urbanas e ru­rais; a cidade proporciona resultados consideravclmen te mclho­res do que 0 campo; alCm disso, os v,\[ios grupos nao seguem de forma alguma " mesma ordem na cidade e no campo; essa ordem depende mais de condi<;:oes sociais, tais como a excelCncia dos sistemas escolares e os con[1itos entre 0 lar e a escola. Ainda mais convincentes sao suas observa<;:oes sobre os negros. Elc examinou um consideravel numero de negros em cidades do suI que haviam se mudado para a cidade vindos de distritos rurais. Descobriu que quanto mais tempo haviam morado na cidade, melhores eram os resultados dos testes; nesse sentido, os negros que ti­nham vivido na cidade pOl' seis an os eram bem superiores aque­les que tinham acabado de se mudar para 0 meio urbano. 0 dr. Klineberg chegou aos mesmos resultados ao estudar negros que haviam se mudado do suI para Nova York: houve uma mclhora de acordo com 0 tempo de residencia na cidade.

Esses resultados estao de acordo com aqucles obtidos pOl' Brigham em rela<;:ao a italianos que viveram 1'01' periodos varia­veis nos Estados Unidos. Muitas vezes alega-se, como inicialmen­te 0 proprio Brigham, que tais mudan<;:as devem-se a um proces­so de sele<;:ao, que individuos menos dotados tern migrado para 0

pais nos t'lltimos anos e representam 0 grupo que acabou de che­

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Antropologia cultural

gar acidade. Seria diffci1 manter essa opiniao diante da regulari­dade com que tal fenameno reaparece a cada teste. E ainda mais,

o dr. Klineberg tambcm fornecell evidcncia solida de que a sele­

<;:ao e responsavel por essas diferen<;:as. EIe comparou os dados de grupos que migraram com aqudes de grupos que permaneceram em casa. Os dad os coIetados em Nashville e Birmingham mostra­

ram que nao ha diferen<;:a sensivcl entre os dois grupos. Os mi­grantes estavam mesmo urn POLlCO abaixo do que aqucles que permaneceram em cas,l. Elc tambem descobriu que os migrantes

que vieram para Nova York cram ligeiramente inferiores aqueles que permaneceram no suI.

Apresento esses dados deta1hadamente porque cles mos­

tram de modo dcfinitivo que 0 ambiente cultural C0 mais impor­tante fatar para determinar os resultados dos assim chamados testes de intdigcncia. De fato, um cuidadoso exame dos testes

mostra claramente que em nenhum dcles nossa expericncia cul­tural foi eliminada. Vida urbana e vida rural, 0 suI e 0 norte, todos

apresentam tipos diferentes de een,1rios culturais aos quais aprendemos a nos adapLar, e nossas rea<;:oes sao deterl1l inadas por essas adaptac.;6es, freqlienLel1lente tao obscuras que podem ser detectadas apenas par um conhecimento muito intimo d'1s con­dic.;6es de vida. Temos indicac.;6es de tais adapta<;:6es em ouLros casos. Pareee que, entre os indios d,lS planicies, a expericncia das

meninas com bordado de contas eonfere a clas superioridade quando lidam com testes baseados em formas. Ealtamente dese­

jave! que os testes sejam examinados com 0 maior cuidado em rela<;:ao a influcncia indireta da expericncia sobre os resultados. Tenho forte suspeita de que tais influcncias sempre podem ser

descobertas, e que se concluira ser impossive! construir qualquer teste em que se dimine tao completamente esse elemento, que

possamos considerar os resultados uma expressao de fatores de­

terl1lin,ldos apenas pela biologia. Emuito mais diffcil obter resultados convincentes em rela­

<;:ao as rea<;:6es emocionais nas diferentes ra<;:as. Nao se imaginou

Ra~a e progresso 81

qualquer metodo experimental satisfat6rio para responder a questao crucial: em que propor<;:ao a bagagem cultural e a base biol6gica da personalidade sao responsaveis pcbs diferen<;:as ob­servadas? Nao h3. dLlvida de que individuos diferem a esse respei­to gra<;:as asua constitui<;:ao biologica. Mas cmuito questionavel se 0 mesmo pode ser dito das ra<;:as, pois em todas das encontra­mos Ul1la ampla variedade de diferentes tipos de personalidade. Tudo que podemos afirmar com certeza eque 0 fator cultural c da maior importancia e poderia bem ser responsavel por todas as diferen<;:as observadas, embora isso nao exclua a possibilidade de existirel1l diferen<;:as biologicamente deterl1linadas. A variedade de respostas de grupos da mesma ra~a, porcm culturalmente di­ferentes, e tao grande, que provavclmente qualquer diferen<;:a bio16gica existente tem imporUincia menor. Posso dar apenas al­guns poucos exemplos.

Os indios norte-americanos tem a reputa<;:ao de serem est6i­cos, prontos a enfrentar dor e tortura sem murmurar. Isso c cor­reto em todos os casos nos quais a cultura exige repressao da emo<;:ao. Os mesmos indios, quando doentes, entregam-se a uma desesperan<;:ada depressao. Entre tribos indigenas estreitamente relacionadas, algumas sao dadas a orgias ext<iticas, enquanto ou­tras apreciam l1ma vida que flui por suaves call1inhos convencio­nais. 0 ca<;:ador de bUJalos tem uma personalidade inteiramente diferente da do indio pobre que depende de ajuda governamen­tal, ou daquele que vive da renda da terra alugada por sellS vizi­nhos brancos. Assistentes sociais estao familiarizados com a sutil infl uencia das rcJa<;:6es pessoais que diferenciam as caracterlsticas dos membros de l1ma l11esma familia. A evidcncia etnol6gica toda fala em favor da suposi<;:ao de que os tra<;os raciais heredita­rios nao sao importantes quando comparados ,IS condiC;:6es cul­turais. Na realidade, os estudos et11016gic05 nao se preocupam com a ra<;:a como um fator ha forma cultural. Desde Waitz, pas­sando por Spencer, Tylor e Bastian, atc nossos dias, os etn610gos nao tem dado seria aten<;:ao ara<;:a, pois des encontram as formas culturais distribuidas independen temen te dela.

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82 Antropologia cultural

Acredito que 0 estado atual de nosso conhecimcnto nos au­

toriza a dizer que, embora os individuos difiram, as diferen\as

biol6gicas entre as ra<;:as sao pequcnas. Nao h,l razao para acredi­

tar que uma ra<;:a seja naturalmentc mais inteligente, dotada dc

grande for<;:a de vontade, ou emocionalmente mais estavel do que

outra, e que essa diferen<;:a iria int1uenciar significativamente sua

cultura. Tambem nao ha razao para acrcditar que as diferen<;:as

entre as ra<;:as sao tao grandes, quc os dcscendcntes de casamen­

tos mistos devem ser infcriores a SCllS pais. Biologicamente nao

h3. razao para se opor a endogenia em grupos saudaveis, nem a mistura das principais ra<;:as.

Tcnho considcrado ate aqui apcnas 0 lado biologico do pro­

blema. Na vida real, devemos considerar os cenarios sociais, pois

eles tem uma existencia muito concreta, nao importando quao

erroneas scjam as opini6es sobrc as quais estejam fundados. 0 antagonismo racial c entre nos um fato, e deviamos tentar com­

precndcr scu significado psicologico. Para esse prop6sito, cum­

pre considerar 0 comportamento, nao apcnas do homem, como

tambem dos anima is. Muitos animais vivem em sociedades. Fode

ser um cardume de peixes ao qual qualquer individuo da mesma

especie possa sc juntar, ouum enxamc de mosquitos. Nao bft la<;:o

social aparcnte ncsses grupos, mas ha outros grupos que pode­

mos chamar dc sociedadcs fechadas, que nao pcrmitem a ne­

nhum individuo de forajuntar-sc ao grupo. Matilbas dc caes e

bandos bem organizados de grandes mamiferos, formigas e abe­

lhas sao exemplos desse tipo. Em todos csses grupo, b'l um con­

sider'lvel grau de solidariedade social que se exprcssa particular­

mente pclo antagonismo contra qualquer gl'llpO extcl'11o. 13andos

de macacos que vivcm cm um dcterminado tcrritorio nao pcrmi­

tirao que outro bando venha se juntar a eles. Os mcmbros de uma

socicdadc animal fcchada sao mutuamentc tolcrantcs ou mcsmo

prestativos cntrc si, mas rcpclc111 todos os intrusos.

As condi<,:6cs na socicdadc primitiva sao bcm similarcs.

Obriga<;:oes sociais estritas existcm entre os membros de uma tri­

Ra~a e progresso

bo, mas todos os estrangeiros sao inimigos. A etica primitiva de­

manda auto-sacrificio para 0 grupo ao qual 0 individuo pcrtence

c inimizade mortal contra qualquer cstrangeiro. Uma sociedade

fechada nao existe sem antagonismos contra outras. Embora 0

grau de antagonismo contra estrangeiros tenba diminuido, as so­

cicdades fechadas continuam a existir em nossa pr6pria civiliza­

<;:ao. A nobreza constituiu uma sociedadc fechada ate tempos bem

recentes. Patricios e plebe us em Roma, grcgos e barbaros, as gan­

gues de nossas ruas, maometanos e infieis e nossas modernas

na<;:6es sao, nesse sentido, sociedades fecbadas que nao podem

existir sem antagonismos. Os principios quc mantCl11 as socieda­

des unidas variam enormemente, mas a todas elas sao comuns as

obriga<;:6es sociais dentro do grupo eo antagonismo contra ou­

tros grupos paralelos.

Consciencia racial e antipatia racial diferem num aspecto

dos grupos sociais aqui enumerados. Enquanto em todas as ou­

tras sociedades humanas nao h3. uma caracteristica externa que

ajude a definir 0 pertencimento de um individuo a scu grupo,

aqui, 0 que indica e sua propria aparencia. Se, como uma vez

ocorreu, predominasse a cren<;:a de que todos as individuos rui­

vos tem urn carater indesejftvel, eles seriam prontamente segrega­

dos e nenhum individuo ruivo poderia escapar dc sua dassc, in­

dependentemente das caracteristicas pessoais que pudesse ter. 0 negro, 0 asiatico oriental ou 0 malaio que possam scr prontamen­

te reconhecidos por sua complei\i'io corporal sao automa­

ticamente incluidos em sua dasse, e nenl1ll111 deles podc escapar

de ser excluido de um grupo estrangeiro fcchado. 0 meS1l10 acon­

tece quando um grupo ccaracterizado por um traje circunstan­

cialmente imposto, quer por escolha, quer porque um grupo do­

minante Ihes tenha prescrito urn simbolo que os distinga ­

como a vestimenta dos judeus na Idade Media, au as listras do

condenado -, de modo que cada individuo, nao importa qual 0

seu carater, c imediatamente idcntificado a seu grupo e tratado

como tal.

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84 85 Alltropologia cultural

Se a antipatia racial fo~~e ba~eada em trac;o~ humano~ ina­to~, i~~o ~e expre~saria em aver~ao ~exual inter-racial. A mistura livre de don os de e~cravos com suas e~crava~, a notavel diminui­y,IO re~ultante do nllmero de negro~ puro-sangue, 0 progressivo desenvolvimento de uma populac;:ao de sangue meio-indio e a facilidade de casamento com indios quando se podiam obter as­sim vantagen~ economicas mostram claramente que nao ha f\1n­damentos biologicos para 0 sentimento racial. Nao ha dllvida de que 0 estranhamento em relayao a um tipo racial alienigena exer­ce um papcJ importante, pois 0 ideal de bcJeza do branco que cresce numa sociedade puramente branca ediferente do de um negro. Mais uma vez i~so e analogo ao sentimento de di~tancia­mento entre grupos que se caracterizam pOl' roupa~ diferente~,

modos diferente~ de expressar emoyoes ou por um ideal de forc;:a corporal contrario a um ideal de forma~ refinadas. 0 e~tudio~o

das rcJac;:oe~ raciai~ deve responder i\ ~eguin te quesUio: em socie­dades nas quais diferente~ tipo~ raciais formam um grupo social­mente homogcneo, de~envolve-se ou nao uma marcada con~­ciencia racial? Essa pergunta nao pode ser re~pondida categorica­mente, embora a~ condic;:oes inter-raciais no Brasil e 0 desdem pela filiac;:ao racial entre maometanos e infieis mostre que a cons­ciencia racial pode ser bastante insignificante.

Quando as divi~oe~ sociais seguem fronteiras raClai~, como acontece entre nos, 0 grau de diferenya entre formas raciais e um eJemento importante para 0 estabelecimento de grupos raciais e

para a criaC;:'lo de cont1ito~ entre rac;:as. A relac;:ao efetiva nao cdiferente daqllela que surge. no~ ca~os

em que se de~envolvem clivagen~ ~ociais: em cpocas de intenso sentimento religioso, conflito~ ~ectarios; em tempos de guerra, os conflitos entre nayoes seguem 0 mesmo curso. 0 individuo cfun­dido com seu grupo, e nao avaliado conforme seu valor pes~oal.

Entretanto, a natureza ctal que constantemente se formam

novos grupos, aos quais cada individuo subordina-se por vonta­de propria. 0 individuo expre~sa ~eu ~entimento de solidarieda­

Ra~a e progresso

de por meio de uma idealizac;:ao de ~e\l grupo e de um desejo emocional de que ele se perpetue. Quando o~ grupos ~ao secta­rios, ha um forte antagonismo contra casamentos fora do grupo, que precisa selmantido puro, embora sectarismo e descendencia nao estejam de forma alguma relacionados. Se os grupos sociais sao tambem grupos raciais, encontramo~, no mesmo sentido, 0

desejo de endogamia racial como forma de manter a pureza de raya.

A esse re~peito, discordo de sir Arthur Keith, a quem ~e atri­bui a afirmayao, na conferencia ja referida, de que "a natureza implantou em voces a antipatia eo preconceito raciais para cum­prir sua pr6pria finalidade - 0 aperfeic;:oamento da humanidade por meio da diferenciayao racial". Eu 0 desafio a provar que a antipatia racial c "implantada pela natureza", e nao 0 efeito de camas sociais atuantes em todo grupo social fechado, nao impor­tando ~e ele seja racialmente heterogeneo ou homogcneo. A com­pleta falta de antipatia sexual e 0 en fraq uecimen to da cOl15ciencia racial em comunidades na~ quai~ as crianyas crescem como um grupo quase homogeneo; a ocorrencia de antipatia~ igualmente fortes entre grupos sectarios, ou entre e~trato~ sociai~ - tal como te~temunhado pelos patricio~ e plebeus romano~, pclo~ esparta­nos e hilotas lacedemonios, pclas ca~tas egipcias e alguma~ das castas indianas; tudo isso mostra que as antipatias ~ao fenomenos sociai~. Caso se deseje, podem-~e chama-las "implantadas pcla natureza", mas apenas i\ medida que 0 homem for um ~er vivendo em grupos sociais fechados, deLxando totalmente indeterminado que grupos sociais cles podem ~er.

Nao importa quao fraco 0 argumento em favor da pureza racial po~sa ~er, n6s compreendemos seu apcJo social em nossa sociedade. Embora as razoes biol6gicas aduzidas possam nao SCI'

relevante~, a estratificac;:ao da ~ociedade em grupos ~ociais de ca­rater racial inlsempre lev,ll" i\ di~criminac;ao de rac;a. Tal co111 0 em todos o~ outros agrupamenros humano~ bcm marcados, 0 indivi­duo nao ejulgado como um individuo, mas como membro de sua