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LOU CARRIGAN BRIGITTE MONTFORT BOA VIDA, BOA GENTE

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LOU CARRIGAN

BRIGITTE MONTFORT

BOA VIDA, BOA GENTE

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CAPÍTULO PRIMEIRO

Frank Minello sentia-se extraordinariamente feliz. Na

verdade, tinha motivos para isto. Em terceiro lugar, era o prestigioso chefe da Seção Esportiva do “Morning News”, o mais lido matutino de Nova Iorque. Em segundo lugar, aos trinta e poucos de idade, continuava forte, atlético, sadio e atraente.

Mas, sobretudo, em primeiro lugar, aquela noite prometia ser finalmente a sua. Tinha terminado o trabalho na redação, levado para jantar num restaurante típico a mulher mais bela do mundo e, como se isso ainda fosse pouco, acompanhara-a de volta ao fabuloso apartamento da Quinta Avenida, onde ela, condescendente e doce como poucas vezes, convidara-o para terminar a noite com uma taça de champanha.

Assim, ao sair do elevador no vigésimo sétimo andar do “Crystal Building”, ele dava saltos de alegria, simulava tocar trombeta, emitia gritos selvagens e agitava no ar um grande ramo de flores. Sorrindo, sua acompanhante observou:

— Quieto, Frankie. Já é tarde... Você vai incomodar os vizinhos.

Mas Minello, cada vez mais esfuziante, deteve-se a uma porta qualquer do corredor, tocou a campainha e, quando surgiu à sua frente um cavalheiro em Robe de chambre, chinelos, jornal na mão e cara irritada, perguntou alegremente:

— Amigo, conhece miss Montfort?

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O rosto do homem clareou como um céu de verão e seus olhos brilharam expressivamente.

— Naturalmente! — exclamou ele. — Mora no apartamento número... Mas se tem a seu lado miss Montfort em pessoa!

— Exaaaato! — exclamou Minello. — Vou lhe dizer uma coisa, cavalheiro: trabalho com miss Montfort, de modo que posso vê-la com freqüência; esta noite convidei-a para jantar e ela aceitou; agora, vamos para seu apartamento porque ela convidou-me a tomar uma taça de champanha, como excelentes amigos que somos... E eu lhe pergunto, cavalheiro: incomoda-lhe que eu esteja contente com isto e externe ruidosamente minha alegria?

O homem pôs-se a rir. — Incomodar-me? Não, eu o invejo, amigo! — Sim! Bem, é natural! Muito obrigado, senhor! E viva

a vida! Orgulhoso e satisfeito, Minello continuou sua marcha

pelo corredor, enquanto miss Montfort dizia a seu vizinho: — Desculpe-o, mister Tyler... É apenas um garotão. O vizinho piscou-lhe um olho. — Não tem nada que pedir desculpas, miss Montfort. E

se eu fosse ele faria o mesmo. Ela sorriu e reencetou a marcha para seu apartamento, a

cuja porta o barulhento Frank Minello estava dando saltos e soltando gritos. Ela abriu.

— Você é um escandaloso, Frankie. Se fosse meu amante, todo o mundo no edifício saberia disso. Entre logo...

— Seu amante? Não quero ser seu amante. Quero ser seu marido para toda a vida! Vamos ensaiar!

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Agarrou-a com ímpeto, cantarolando a Marcha Nupcial, querendo levá-la em seus braços para dentro do apartamento. Mas recebeu uma leve cotovelada no estômago, suficiente para o fazer solta-la. Depois, agarrado por ambas as lapelas, recebeu uma undécima de judo que o fez sentar no chão, com as flores em cima da cabeça.

Tranqüilamente, miss Montfort entrou, tirando as luvas. O diminuto cãozinho chihuahua apareceu correndo e saltou aos seus braços acolhedores.

— Meu querido “Cícero”! Hoje tua mãezinha veio com um homem mau. Avança nele! Isca!

Colocou-o no chão e o valente chihuahua precipitou-se contra Minello, ladrando furiosamente.

Parecia uma pulga resolvida a acabar com a raça de um elefante.

O jornalista defendeu-se com o ramo de flores. — Cale-se, diabinho! — afugentou-o. — Fora daqui!

Passa! Mas “Cícero” era a agilidade perfeita e punha-lhe em

sério perigo as canelas, ameaçando-as com os dentes agudos como agulhas.

Minello fazia um verdadeiro bailado para esquivar os botes da microscópica ferinha e Brigitte ria com vontade assistindo à cena.

Apareceu Peggy, atraída pelo alarido. Deteve-se à porta do living, sem saber se devia ou não intervir. Optou por não e dirigiu-se tranqüilamente à sua patroa, alheia ao combate que parecia divertir tanto a esta:

— Chamaram-na pelo telefone, miss Montfort. — Miky Grogan?

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— Alguém que deu o nome de Lucille Darrows. Chamou três vezes em meia hora. Parecia assustada ou pelo menos preocupada, não sei... Deixou seu telefone, que está anotado aqui — estendeu um pedaço de papel. — Ah: disse que certamente a recordaria melhor pelo nome de Lucille Mantley...

— Lucille Mantley! — exclamou Brigitte — Lembro-me muito bem dela. Mas não disse o que queria? Chega, “Cicero”! — advertiu o cãozinho, que imediatamente se aquietou. — Ligue para ela, Peggy. E passe a ligação para o meu quarto.

— Está bem, miss Montfort. Brigitte dirigiu-se ao quarto, seguida pelo submisso

“Cícero” e por Frank Minello, que ofegava. Uma vez lá, ela tirou os sapatos e jogou sobre a cama a preciosa capa de pele.

— Ah-ah! — riu o jornalista, no limiar. — Continue despindo-se, querida.

— Você é um erótico... — observou ela, divertida. — Não vou tirar mais nada.

Meteu os pés numas chinelas de vison e envolveu-se numa bata de seda bordada. O telefone tocou sobre a mesinha de cabeceira. Sentou-se na beira da cama e levantou o fone.

— Alô? — Lucy querida, como vai? Sim, sou eu... Que surpresa

receber seu chamado! — Mas claro que me lembro de você! Não esqueci uma

só de minhas colegas de universidade... Como?

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— Famosa eu? Oh, você é muito amável, querida. Sou apenas uma jornalista que com um pouco de sorte... E você, como lhe tratou a vida durante estes anos?

— Casou-se... Bem, é o normal. Nem todas ficam para titias, como eu. Quantos filhos?

— Nenhum? Mulher, isso não está direito! Para alguma coisa uma pessoa se casa, acho eu... Como? Sim, sim, diga...

Minello, apoiado ao batente da porta, viu alterar-se lentamente a expressão de Brigitte, enquanto escutava atenta, acariciando maquinalmente as orelhas do “Cícero”, instalado em seu colo.

— Sim, Sim, compreendo... Continue, Lucy. A partir de então, apenas murmurou monossílabos

afirmativos. Estava muito séria e, mesmo, um tanto inquieta.

— Sim, compreendi. Vou ao seu encontro, Lucy. — Agora mesmo, é lógico. Não, eu apanho você ai.

Dentro de vinte minutos, no máximo. Até já. Desligou e, olhando para Minello, disse: — Sinto muito, Frankie: tenho que sair. — A estas horas? — protestou ele. — Já deve ser quase

meia-noite! — Não importa. Desculpe-me. — É assunto de espionagem? — Não. Em absoluto. — Que interesse tem para você, então? — Muito. Trata-se de uma antiga colega e... — Posso ir também? — Nada disso. Ela me espera sozinha.

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— Posso levar você em meu carro. É pouco o que peço, não, comparado com o champanha prometido...?

— Muito bem. Ela está num motel em Nova Jérsei. Você pode me levar lá e esperar-me do lado de fora. Se em cinco minutos eu não sair, voltará a Manhattan. Okay?

— Okay. Brigitte novamente calçou os sapatos e vestiu o casaco.

Pouco depois, ela e Minello rodavam pelos túneis que os levariam a Nova Jérsei.

— Você parece preocupada... — murmurou Frank. — Que se passa, exatamente?

— A minha colega estava terrivelmente assustada, Frankie. Percebi isso pelo tom de sua voz. O tom peculiar às pessoas que temem alguma coisa e pedem ajuda a alguém.

— Alguma coisa... Quê, por exemplo? — Morrer. Embora eu talvez me engane... — Talvez. — Ela é uma boa moça. Tem a minha idade, ou pouco

menos, e fomos muito amigas... Era um pouquinho feia, usava óculos e tinha o apelido de “Coelhinho” por ser um tanto dentuça.

— Um bucho, afinal de contas — resumiu Minello. — Não, feinha, apenas. E talvez tenha melhorado, como

acontece com tantas jovens. A verdade é que casou. Chama-se agora Lucille Darrows... Alegro-me por ela.

— E você: não gostaria de passar a ser Brigitte Minello? Com a vantagem de não precisar trocar de iniciais, pois continuariam a ser B e M. Já pensou nisso? Seria um bom negócio para Você.

— Não parece mau — sorriu Brigitte. — Mas estou falando sério, Frankie...

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— Pois eu também! Olhou, tornou a sorrir e novamente mergulhou em seus

pensamentos. Sete anos tinham decorrido desde que concluíra seu curso na Universidade de Colúmbia... Lembrava-se com saudade dos companheiros e companheiras, mas especialmente de Lucy, sempre tão modesta, tão calada, admirando-a tanto por suas excelentes notas em todas as disciplinas como por suas notáveis aptidões atléticas, embora ela mesma se distinguisse como nadadora exímia, com seus longos braços e pernas, seu estilo fácil e perfeito. Sim, na água Lucy era imbatível, mas isto em nada diminuía seu entusiasmo constante pelos triunfos que assinalavam a vida universitária de sua coleguinha Brigitte, o broto mais espetacular do mundo!

— Bem — disse Minello, como se a conversa não tivesse sofrido interrupção —, que é que a sua amiga quer, exatamente?

— Que eu a ajude. Há menos de um hora que chegou e quis imediatamente comunicar-se comigo. Sabe que tenho um chalé fora de Nova Iorque e pediu-me que a deixe ficar lá.

— E você vai deixá-la? Brigitte olhou-a surpreendida. — Que lhe parece? Ele resmungou alguma coisa, antes de dizer claramente: — Sou mesmo um idiota. Claro que você lhe emprestará

o chalé. E não só isso, mas fará tudo o que puder para ajudá-la. Seja o que for. Ou estou enganado?

— Não. Lembra-se da situação do motel? — Claro. Deixarei você diante da entrada. — Melhor a certa distância.

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— É verdade... — riu ele. — Esquecia que estou trabalhando com a agente “Baby”. Surpreende-me que não tenha trazido a sua diabólica maletinha vermelha. Embora, pensando bem, não seja sua maletinha a diabólica, mas você mesma. Não acha que está exagerando, querida?

— Certamente você tem razão. Mas eu lhe direi onde deixar-me. Está bem?

— Ah! — riu Minello. — Gostaria de conhecer alguém capaz de discutir uma ordem sua!

CAPÍTULO SEGUNDO

— Espere-me aqui. Não esqueça: se dentro de cinco

minutos eu não aparecer, é porque não precisamos de você, pelo que poderá voltar a Nova Iorque.

— Dê-me dez minutos... — reagiu Minello. — Você tem que entrar no motel, ir a uma cabana, falar

com a sua amiga... — De acordo: dez minutos. Brigitte saiu do carro, percorreu a alameda bordejada de

plátanos e dirigiu-se diretamente à cabana 14, onde sabia que estava Lucy. Ficava para a esquerda, pois à direita estavam as de números impares. Na de número 4 parecia não haver ninguém. Na 6 havia luz, mas não se ouvia nada. Na 8 se ouvia música. Diante da 10 cruzou com um homem alto, elegante, que vinha ajustando as luvas. Um tipo atlético, de passo elástico. Virou-se dissimuladamente e viu-o entrar num Dodge grená, com placa do Illinois, o que lhe fez abandonar a esperança de que se tratasse do marido de Lucy, já que esta residia em Maryland, segundo dissera. Claro que isto não significava nada: podia-se morar em

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Nova Iorque e ter um carro com placa de Paris, por exemplo. De qualquer modo, seria surpreendente que a feiosa Lucy tivesse um marido tão bem apanhado...

Encontrou-se diante da cabana 14. Subiu ao pórtico, que estava parcialmente iluminado pela luz que atravessava a cortina da janela, e apertou o botão da campainha. Tornou a apertar. Quase ao mesmo tempo em que o fazia pela terceira vez, tirava da bolsa uma lima para unhas. Sem hesitar, introduziu-a na fechadura, tenteou três ou quatro segundos e a porta se abriu. Após entrar, tornou a fechá-la, suavemente.

— Lucy? — chamou. Não obteve resposta. Encaminhou-se para o quarto e viu

a mulher estendida no chão, em decúbito dorsal, com os olhos muito abertos. Vestia ainda um tailleur de lã, muito cômodo para viajar. Junto a ela, os óculos, um de cujos vidros estava partido. Os olhos pareciam olhar o teto, mas naturalmente não o viam. Nunca mais veriam coisa alguma neste mundo. A cabeça tinha uma brecha no centro e uma grande mancha de sangue ainda fresco escorria por entre os cabelos, para o rosto, tingindo-o de vermelho. A seu redor, tudo estava revolto, abertas as duas maletas, peças de roupa espalhadas por toda parte a cama fora tirada do lugar, uma pequena poltrona tinha sido virada, o tapete estava enrugado... Era como se ali se tivesse desenrolado uma luta. Ou uma precipitada revista.

Ajoelhou-se junto à sua amiga, sua colega de universidade, mas nem sequer a tocou. Ficou olhando aqueles olhos míopes, a boca agonicamente aberta, a expressão de espanto do rosto crispado. Por entre os lábios entreabertos apareciam os dentes um tanto salientes da morta... Adeus, “Coelhinho”.

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Levantou-se lentamente. Sabia que estava pálida. Lucille Mantley fora morta de um modo brutal, após ter lutado desesperadamente. Por quê?

O homem... Aquele homem alto, atlético e elegante... O homem que com ela cruzara ajustando as luvas para tomar o Dodge grená... No chão, perto dos pés da cama, viu o pesado candelabro de bronze. Em seguida, deu-se conta de que se tratava de um adorno da escarpa de uma lareira... mas ali não havia lareira. Nem fazia falta. Sobre um móvel, viu a réplica daquele candelabro. O que se via no chão também ali estivera, com seu par. Sua vela vermelha, caída no tapete, estava quebrada.

Girou sobre si mesma, saiu da cabana e correu para a alameda de plátanos. Corria ainda quando chegou junto a Minello, abrindo rapidamente a porta do carro.

— Frankie, o Dodge... Você o viu? — quase gritou. — O quê...? — Um Dodge vermelho, com um homem que... Calou-se bruscamente. Minello saiu do carro e segurou-

lhe um braço. — Brigitte, que foi? — perguntou, voz um pouco tensa. — Ela está morta, Frankie. — Sua amiga? — Sim. — Deus... Brigitte voltou rapidamente ao motel, com Minello a seu

lado. Sem ter visto ninguém e sem por ninguém serem vistos, entraram juntos na cabana 14. Tornou a ajoelhar-se junto ao corpo de sua amiga, enquanto Minello olhava ao redor, expressão séria, também ele um pouco pálido. Quando tornou a olhar para Brigitte, viu-a segurando uma

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das mãos de Lucy, com os olhos cheios de lágrimas. Quis dizer alguma coisa, mas tudo quanto conseguiu foi engrolar palavras inteligíveis. Pigarreou e, por fim, pode falar com certa clareza:

— Parece um assunto torpe, Brigitte. É como se alguém tivesse vindo roubar e a atacasse com isso... — indicou o candelabro no chão. — Quer que eu me encarregue de chamar a Polícia?

Viu nos olhos dela aquele tom frio, congelado. Poucas vezes vira tal expressão nos mais belos olhos azuis do mundo, mas, na verdade, aquelas poucas vezes tinham sido demasiadas. Sentiu como se um terrível frio o invadisse.

— Não... — murmurou Brigitte. — Vamos embora daqui, Frankie.

— Mas seria conveniente... — Vamos. — Não vai comunicar o assassinato? Ela se ergueu, foi ao telefone e, servindo-se de um lenço,

levou o fone ao ouvido, assentindo com a cabeça ao verificar que o aparelho era automático. Para falar com alguém fora do motel não era necessária a intervenção da linha interna do mesmo. Isso queria dizer que Lucy a chamara diretamente e ninguém podia saber nada a respeito.

— Vamos — repetiu. — Vai deixá-la aqui, assim...? Brigitte saiu da cabana. Pouco depois, ambos estavam

novamente no carro de Minello, de regresso a Nova Iorque. Ao passar por uma cabina de telefone público, Brigitte fez com que ele se detivesse.

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— Chame o Departamento de Polícia, Frankie. Diga que na cabana 14 daquele motel foi assassinada uma mulher e desligue.

— Mas... — Apenas isso. — Está bem. Ele saiu do carro, fez a ligação e voltou. Sentou-se

novamente junto a Brigitte, que parecia muito pensativa. Deu-lhe um cigarro aceso, que ela aceitou maquinalmente. Depois de duas ou três tragadas, olhou-o.

— Vamos agora à floricultura do tio Charlie, Frankie. — Okay.

CAPITULO TERCEIRO — Lamento sinceramente, Brigitte — disse Charlie

Pitzer, que, como seu ajudante Johnny, estava de pijama e robe de chambre. — Admito que nada tenhamos a ver com isso, mas se pudermos ajudá-la em alguma coisa...

Estavam no living-sala de jantar da floricultura, onde morava o chefe do Setor Nova Iorque da CIA com seu assistente direto. Johnny tinha acabado de preparar o café, servindo-o a Brigitte, Minello, Pitzer e a si mesmo. A espiã internacional estava sentada na sofá, diante do televisor apagado.

— Quero que você chame a Central, tio Charlie. Mensagem direta a mister Cavanagh.

— Naturalmente está dormindo a estas horas. — Que o acordem. Ele me perdoará, estou certa. — E eu também... — murmurou Johnny. — Que devo

dizer a mister Cavanagh, “Baby”?

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— Quero que ele mande a Nova Iorque, exatamente a esta floricultura e o quanto antes, o melhor retratista de que dispomos. Se também está dormindo, ou de férias, ou em Pago-Pago, que o façam vir, em avião especial, agora mesmo. Quero...

— Sei o que você quer e o direi ao big boss. Ele se encarregará do resto.

Saiu da sala. Os outros ficaram em silêncio. Brigitte tomava seu café lentamente e Minello pôs-lhe entre os dedos outro cigarro aceso. Ninguém disse nada durante os minutos que decorreram até que Johnny voltou, sorrindo satisfeito.

— O desenhista não estava em Pago-Pago, mas em Washington. Um helicóptero já se pôs em marcha... — olhou seu relógio. — Aposto que em menos de duas horas estará aqui.

* * * Exatamente duas horas e sete minutos mais tarde,

Johnny teve que abrir outra vez a porta da floricultura. Voltou em seguida, acompanhado de dois homens, um dos quais claudicava levemente. Pitzer levantou-se de salto e o cachimbo quase escapou de entre seus dentes.

— Mister Cavanagh! — exclamou. — Olá, Pitzer — saudou o chefe absoluto dos agentes de

ação da CIA; plantou-se diante de Brigitte, olhando-a com uma atenção e um afeto que surpreenderam Minello. — Que aconteceu, “Baby”?

— Lamento que se tenha dado ao incômodo de vir em pessoa, chefe — disse ela. — Eu apenas pedi o desenhista...

— Pois aí o tem — Cavanagh indicou o outra homem. — Frost, comece a trabalhar com “Baby”.

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— Está bem. Com muito gosto. Ainda com os cabelos por pentear, a gola do pijama

aparecendo por entre a do sobretudo, ele sentou-se junto a Brigitte, bloco e lápis nas mãos; olhando-a expectante.

— Uns trinta e cinco anos... — principiou ela, entrecerrando as pálpebras. — Um homem, lógico. Esbelto, rosto bronzeado, maxilar forte e reto, lábios finos, cabelos lisos e repartidos à esquerda, olhos grandes, nariz regular... Sobrancelhas bem delineadas, rosto oval...

O desenhista estava traçando linhas rápidas sobre a primeira folha do grande bloco. Cavanagh começou a falar a meia voz com Pitzer e Johnny. O desenhista arrancou a primeira folha, deixou-a de lado e refez os traços gerais do “retrato falado” que lhe descrevera a agente “Baby”. Esta aprovou com a cabeça e Continuou fornecendo-lhe elementos. Pitzer terminou de informar Cavanagh e todos se reuniram em torno do desenhista e de Brigitte. Arrancada mais uma folha, foi dado início a um terceiro retrato, mais aperfeiçoado ainda. Linha a linha, traço a traço, o rosto do atraente indivíduo que Brigitte vira calçando as luvas no motel foi aparecendo com crescente nitidez. Na quinta folha, aquele rosto visto durante menos de um segundo alcançou a máxima perfeição possível.

— É ele... — “Baby” indicou o último desenho. — Quero que o procurem a partir deste momento por todo o país, nos aeroportos, cais, estações ferroviárias e de ônibus... Quero encontrá-lo. Usa um Dodge grená, placa do Illinois, número... — contraiu as sobrancelhas, esteve pensativa uns segundos e, finalmente, tomou o bloco, escrevendo sob o rosto daquele homem o número da placa, a cor, a marca e o modelo do carro que ele utilizava;

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estendeu o bloco a Cavanagh. — Isto é o que eu quero que procurem, chefe. A partir de agora.

— Parece que este assunto não tem relação com a CIA — observou Cavanagh.

— Nenhuma, que eu saiba. Em absoluto. — É um assunto particular? — Particularíssimo — superlativou Brigitte, olhando

astutamente seu chefe máximo. — Brigitte — murmurou Minello —, eu penso que você

não pode pedir à CIA para... — Posso — cortou ela. — Em retribuição a quatorze

anos de bons serviços, acho que chegou a hora de que a CIA trabalhe um pouco para mim. Pensa recusar meu pedido, mister Cavanagh?

— Para negar-lhe alguma coisa, “Baby”, eu não viajo à meia-noite de helicóptero, em pijama, depois de ter colocado em armas umas dezenas de agentes de ação. Isto é tudo o que você quer?

— É. — Será atendida. Não sei quanto tardaremos a informá-

la sobre esse homem, mas asseguro-lhe de que o será. Quando chegar o momento, mandarei um helicóptero buscá-la. Está bem assim?

— Está. — Boa-noite — disse Cavanagh. A despedida foi simples, quase fria. Johnny acompanhou

Cavanagh e Frost, enquanto Minello olhava um tanto assombrado para Brigitte.

— Gostaria de saber — perguntou — se a CIA se abalaria tanto e tão rapidamente para tratar de um assunto de Mr. Richard Nixon. Parece que agora você tem muito

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mais prestígio do que antes... Quero dizer, desde a última vez que me deixou participar de uma de suas aventuras. Lembro-me...

— Minello — interrompeu-o Pitzer, sem maiores contemplações —, por que não vai dormir? Nós aqui temos muito o que fazer esta noite.

— Vou coisíssima nenhuma! — protestou Frank. Charles Pitzer não lhe fez o menor caso. Sentou-se junto

a Brigitte e perguntou-lhe. — A respeito do assassinato em si, “Baby”...? — Você se ocupará de todos os detalhes, tio Charlie. A

Polícia já deve estar no motel. Acompanhe suas diligências e, quando tiver um relatório completo, ponha-me ao corrente. Sabe como poderá localizar-me a qualquer momento.

Pitzer assentiu com a cabeça. — Mais alguma coisa? — Não. Obrigada por tudo e boa-noite. Lamento ter

incomodado vocês.

CAPÍTULO QUARTO Pouco antes das nove e meia, quando Brigitte se

dispunha a sair de seu apartamento a caminho do “Morning News”, apareceu Charlie Pitzer. Parecia cansado, mas em seus olhinhos astutos havia uma expressão denunciadora de que as coisas iam marchando bem.

— Bom dia, tio Charlie... Já tomou café? — Já, por ai — disse ele, deixando-se cair numa

poltrona — Pensa ir ao jornal?

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— Pensava ir, de fato. Mas é possível que tenha algo melhor a fazer. Ou não?

— É possível — admitiu Pitzer. — A senhora Lucille Darrows faleceu em conseqüência de um golpe aplicado tom um candelabro em sua cabeça. Aparentemente as circunstâncias que rodeiam o...

— Tio Charlie — cortou Brigitte — só o essencial — Muito bem. Esta é a teoria da Polícia, e parece-me

bastante próxima da verdade: Lucille Darrows chegou de viagem, fez seu registro no motel e ocupou a cabana 14. Uma hora depois, estava morta. Assegura a Polícia que alguém entrou disposto a roubar, para isso enganando Lucille Darrows Parece que a viram chegar, compreenderam que devia ter dinheiro consigo e passaram a agir. Ela resistiu, houve um pouco de luta e o ladrão golpeou-a

Brigitte sorriu. — Roubaram algo, então? Tanto em sua pessoa como em sua bagagem não se

encontrou um único centavo. A bolsa da vítima, bem como suas maletas, apresentam claros sinais de terem sido revistadas

— De modo que, segundo a Polícia, o móvel do crime foi o roubo? Está bem. Que mais?

— Foram encontrados seus documentos bem como cartões de visita. Residia em Towson Maryland, e a Polícia aqui encarregou a de lá da comunicação do ocorrido à família. Foi encontrado apenas um membro desta: o marido. Peter Darrows, que se pós imediatamente a caminho Passou a noite respondendo a perguntas mas tudo continua na mesma: o roubo continua sendo o motivo do crime.

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— Você viu Peter Darrows? — Vi. — Que tal? — Oh, um rapaz muito agradável. Deve ter trinta e dois

anos, é moreno, parece inteligente. É oficial da Marinha dos Estados Unidos e presta serviços em Washington, tratando de assuntos burocráticos.

— Como se comportou diante do fato? — Eu diria que com dignidade. Brigitte assentiu. Ficou uns segundos pensativa. Por fim,

tornou a olhar para Pitzer. — Foi feita a autópsia, tio Charlie? — Isso não pude evitar. Pus-me de acordo com a Polícia

em algumas coisas e sugeri que o caso podia ser deixado momentaneamente em suspenso, já que certo setor da CIA se interessa por ele, embora secretamente. Esclareci também que o telefonema de aviso fora feito por um dos meus homens, o que devia permanecer em segredo. Concordamos em que, para não dar motivo de estranheza ao assassino, a Polícia simularia interessar-se plenamente pelo assunto, sem mencionar o interesse indireto da CIA. Chegamos a vários acordos, mas não pude evitar que se procedesse á autópsia da sua amiga... Sinto muito, Brigitte.

Esta não disse nada, no momento. Mais do que na atualidade, via Lucy Mantley em suas recordações de anos atrás: feiosa, tímida e suave. Havia sido uma boa colega, uma amiga carinhosa. Agora, jazia num gavetão frigorifico do necrotério, nua, fria, com o corpo mutilado...

Como acompanhando o curso de seus pensamentos, disse Pitzer:

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— Ela ficará no necrotério por pouco tempo. Pareceu-me que você desejava fossem dadas todas as facilidades a seu marido, de modo que esta manhã mesmo ele seguirá para Towson com o cadáver. Entendo que o sepultamento será esta tarde.

— Agradeço-lhe muito tudo o que fez, tio Charlie. Irei a Towson, claro, para assistir ao enterro, ainda que à minha maneira... Já nada posso fazer por Lucy, exceto encontrar seu assassino. E ele pagará pelo crime. Não importa quanto tempo mister Cavanagh necessite para localizar aquele homem. Quando o fizer...

— Já o fez. — Como? — Ele foi encontrado. — O homem cujo rosto ditei ao retratista da Central?

Mas... não é possível! Devem ter começado a procurá-lo às quatro da madrugada, pelo menos ele ia num carro, sem dúvida afastando-se... Dispuseram apenas de cinco horas... E o encontraram?

— Já que a CIA, pela primeira vez está trabalhando para “Baby”, deve admitir que o estejamos fazendo bem — sorriu Pitzer.

— Sim, sim... Mas isto não é normal... Ou é, tio Charlie? Pitzer encolheu os ombros. Parecia agora um pouco

enfadado. — Cavanagh espera por você, na Central. — Espera por mim? Para quê? Por quê? Tem apenas que

dizer-me onde está esse homem e quem é. — Ele a espera. É tudo o que lhe posso dizer. Brigitte

Montfort pestanejou. Olhou Pitzer, que parecia muito interessado no desenho do tapete. Assim estavam quando

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soou a campainha da porta. Segundos depois, apareceu Peggy precedendo Frank Minello, que amarrou a cara ao ver Charles Pitzer.

— Bom dia, Brigitte. Olá, espião. Pitzer levantou-se, resmungando alguma coisa. Por fim,

atreveu-se a olhar para Brigitte, que continuava com os olhos fixos nele.

— Que digo a mister Cavanagh? — Que irei à tarde, depois do enterro de Lucy. A menos

que a urgência do assunto deva impedir-me de assistir ao sepultamento da minha amiga.

— Não creio que ele a queira privar disso. Direi que você chegará esta tarde. Adeus, Brigitte.

— Adeus... Pitzer retirou-se e, por fim, Minello perguntou: — Bom, que está havendo? Você tem mesmo que ir ver

esse Cavanagh? — Tenho, Frankie. Mas não sei por quê. No momento,

sigo para Towson, Maryland, por isso você vai me fazer um favor: diga ao Miky que precisei viajar hoje e ignoro quando estarei de volta.

— Muito bonito... Você parte e pretende que eu enfrente Grogan com semelhante notícia! Nem por sonho, querida. Tenho uma idéia melhor: ir com você.

Disse-o sem a menor esperança de ser aceito como acompanhante; por isso, ficou estupefato quando Brigitte concordou:

— Está bem, Frankie. * * *

Ao enterro de Lucille Darrows, née Mantley, compareceram muitas pessoas, todas elas autenticamente

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pesarosas. Era uma tarde ensolarada, de límpido céu azul, cheirando a flores e a terra, de mistura com odor de eucaliptos. Peter Darrows, de pé, trajado de negro, permaneceu todo o tempo de cabeça baixa, rosto imperturbável. Era um homem de aparência agradável, educado e até mesmo bonito. Sem dúvida, da classe que a pobre “Coelhinho” jamais sonhara ter como marido.

Atrás deles, alguns oficiais da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, em companhia de suas noivas ou esposas. Washington ficava muito perto e parecia natural que Darrows tivesse um grande número de amigos. Também havia homens à paisana. A figura mais impressionante era uma negra obesa, de cara redonda, que quando a primeira pá de terra caiu sobre o ataúde rompera a chorar estrondosamente, com enorme desolação.

Brigitte observou-a uns segundos. Permanecia um pouco afastada, como se estivesse no cemitério visitando outro defunto e, casualmente, resolvesse contemplar aquele enterro. De qualquer modo, deu-se conta de que a maioria dos presentes a olhavam, surpresos um momento por sua beleza, embora conservando a compostura devida à solenidade do ato. Por fim, houve as despedidas. Só restaram junto ao viúvo um oficial acompanhado de sua esposa e a gordíssima negra, que continuava chorando, agora mansamente, embora com impressionante abundância. Todos acabaram por partir e Brigitte ficou só. Afastou-se para o carro onde Minello a esperava. Este dirigiu-lhe um olhar rápido e, sem fazer o menor comentário, deu a partida.

— Devagar, Frankie... — recomendou ela. — Quero chegar de noite à Central.

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— Está bem. Paramos em algum ponto para tomar um café?

— Faça como quiser, contanto que cheguemos de noite.

CAPÍTULO QUINTO — Nossos agentes estão localizando o carro Dodge que

você nos descreveu, “Baby” — disse Cavanagh. — Entretanto, como já sabe, conseguimos identificar seu ocupante.

— Como é possível isso? O lógico seria chegar ao homem pelo carro, não?

— Já tínhamos esse homem sob vigilância. — Já? — espantou-se Brigitte. — Veja se é este... Sempre é melhor uma foto que um

desenho, por muito bom que seja. Abriu uma pasta, tirou uma grande fotografia e

estendeu-a a Brigitte, que a tomou ainda assombrada. Olhou-a nem sequer um segundo.

— É ele.. — murmurou — Onde está? — Neste momento, num clube noturno de Atlantic City

chamado “Butterfly Club”. Ele tem o nome de Floy Russell e trabalha lá.

— Por que o vigiavam? Cavanagh suspirou, visivelmente aliviado. — Por um momento, pensei que você se levantaria agora

mesmo para ir matá-lo... Alegra-me verificar que conserva todo o seu controle. Quer ver mais algumas fotos?

Entregou-lhe a pasta, que estava cheia de fotografias do mesmo tamanho. Colada a cada uma delas, um papel com dados biográficos sobre o personagem respectivo. Em

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silêncio, “Baby” foi passando as fotos, olhando rapidamente todos aqueles rostos. Eram rostos de homens. Alguns trajavam uniforme e havia-os das três armas. Ficou imóvel quando uma das fotos mostrou-lhe o rosto inteligente e agradável, inconfundível, de Peter Darrows, o viúvo de Lucy. Depois, continuou vendo o resto das fotografias. Fechou a pasta, deixou-a sobre a mesa e fixou Cavanagh, que acabava de acender um cigarro.

— Imagino que você tenha reparado nas profissões desses cavalheiros — disse ele, envolto numa nuvem de fumaça. — Todos eles, de um ou de outro modo, estão relacionados com a política ou com qualquer sistema de segurança nacional.

— Sim, observei isso. Há dois senadores, um funcionário civil da Casa Branca, um general da USAF... Ignorava que Peter Darrows pertencesse ao serviço secreto da Marinha, ao G-2.

— Sua amiga, a senhora Darrows, não lhe falou a esse respeito?

— Fazia tempo que não nos víamos. Nem sequer sabia que se tinha casado. Imagino que me mandou um convite, mas eu devia estar fora, em alguma missão...

— Que lhe disse ela quando lhe falou pelo telefone, ontem à noite?

— Pediu-me a chave de meu chalé na montanha, junto ao lago. Estava muito assustada.

— Não falou nada mais? — Não. Trocamos algumas frases sem importância. Foi

sua voz que me inquietou. Continuo pensando que estava com medo de morrer. Apenas Isso. Receio, chefe, não estar

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compreendendo o significado dessas fotografias... Que está ocorrendo exatamente?

— Todas essas pessoas cujas fotos você viu são freqüentadoras do “Butterfly Club”. Vez por outra, seja ou não fim de semana, aparecem lá. Isso poderia ser simples coincidência se todos residissem em Washington, ou perto de Atlantic City. Mas muitos são de outras cidades, todas importantes num ou noutro sentido: Fort Knox, Cabo Kennedy, Houston.. A metade realiza uma longa viagem para passar uma noite divertida no clube. Mas isso, com ser uma coincidência mais ou menos aceitável, não é tudo. Também todos eles, depois de ter estado nesse clube de Atlantic City, vão passar uns dias no “Lucky Star Motel”, ao sul, perto de uma localidade denominada Ocean City.

— E reúnem-se lá? — Não, não... Cada um vai separadamente, em dias

diferentes. Coincidem às vezes, mas esse não parece ser seu objetivo. E há mais: com exceção de alguns que trabalham em Washington, os outros, ao que parece, não se conhecem entre si. Vão lá, divertem-se e só.

— A que espécie de divertimento se dedicam? — Tomam seus drinques, assistem ao show... o normal

em lugares como o “Butterfly Club”. E na mesma noite, ou no dia seguinte, vão ao “Lucky Star Motel”. Você sabe que nossos serviços de segurança efetuam periodicamente investigações sobre as atividades particulares de muitas pessoas relacionadas com as Forças Armadas e a vida política do país. Quando chegou o primeiro informe sobre uru desses personagens, dizendo que tinha estado no “Butterfly Club” e posteriormente no “Lucky Star Motel”, ninguém deu a menor importância. Nem ao segundo

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informe, sobre outro personagem. Nem ao terceiro... Ao quarto, comentou-se a coincidência. E ao quinto. Ao sexto, já estávamos com a pulga atrás da orelha, como se costuma dizer. Finalmente, os informes a respeito das visitas de alguns personagens importantes a esses lugares nos decidiram a atuar. E então passamos a manter vigilância permanente sobre cada um dos que primeiro vão ao “Butterfly” e, depois, ao “Lucky Star Motel”. Alguns deles já o fizeram várias vezes.

— E que fazem no motel? — Nada. — Nada? — Absolutamente nada. Quer dizer, jogam golfe, tênis,

nadam em piscinas de água morna, apanham sol, passeiam em terra e mar, dormem... Nada.

— Não se falam entre si? — Cumprimentam-se, às vezes jogam golfe juntos... O

normal entre pessoas que se conhecem num lugar tão agradável como esse motel. Há muitas moças bonitas lá. Oficialmente, são clientes, tais como nossos próprios personagens. Não há casais, nem crianças. Somente homens que vão sozinhos, e formosas jovens, que também vão sozinhas. Com muita freqüência, parece que nossos personagens conseguem um êxito notável com essas clientes do motel. Umas clientes bastante curiosas: praticamente, são fixas. Ficam três ou quatro semanas, ausentam-se por uma semana ou duas, algumas voltam e outras não.

— Foram seguidas quando saem do motel? — Sim. Quase todas elas fazem o mesmo: ficam uns

dias em Miami, ou em Nova Iorque, ou vão a algum

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lugarejo onde são bem conhecidas. Apenas isso. Depois, algumas vão a outra cidade, mas a maior parte volta ao “Lucky Star Motel”. Já lhe disse que, praticamente, são clientes fixas. Se nos perguntássemos o que fazem essas lindas garotas no motel, só nos ocorreria unia resposta: nada. Ou, talvez, pensaríamos que estão lá para deleite dos clientes masculinos... Compreende?

— Claro... — sorriu Brigitte. — Imagino que quando elas se ausentam, outras chegam.

— Assim é — sorriu também Cavanagh. — O certo é que todos os homens que lá aparecem, sempre sós, nunca ficam sem uma agradável companhia feminina. E insisto em que não têm a menor dificuldade em... conquistar essas belas jovens. Todas são muito amáveis e risonhas.

— Colocou algum dos nossos nesse motel? — Já tentamos. Mas está sempre cheio. — É possível? — É. E se não está cheio, pelo menos assim o diz a

gerência. Chegamos à conclusão de que para ser admitido lá é necessário uma espécie de convite. Isso, apesar do preço da diária ser de quinhentos dólares.

“Baby” ficou boquiaberta uns segundos. — Quinhentos dólares por dia! — exclamou finalmente.

— Estão loucos? — O motel está sempre cheio. — Que barbaridade... — Não esqueça que esse estabelecimento dispõe de um

cartel de clientes fixas muito sedutoras — comentou ironicamente Cavanagh.

— Está me dizendo que se trata de uma espécie de lupanar?

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— Bom... Não sei. Como chamá-lo lupanar, se todas as mulheres que vão lá são clientes? Clientes muito acolhedoras, isso sim. Asseguro-lhe que se tivesse vontade de um flerte promissor, só precisaria ir a esse motel.

— Compreendo... Bom, tudo isto me parece mais assunto para uma investigação por parte do FBI.

— Talvez. Entretanto, as atividades do FBI não excluem as nossas. Ambos temos nosso trabalho e o fazemos. Estamos muito intrigados, asseguro-lhe. É verdade que muitos clientes do “Lucky Star Motel” são cidadãos particulares, mas lá também vão personagens oficiais, em grande quantidade, e vindo de muito longe. A pergunta é: vão lá apenas para divertir-se com as... clientes? Aparentemente, assim é, e nos limitamos a manter uma vigilância não pouco atenta. Mas...

— Quer que eu vá ver o que realmente se passa nesse motel?

— Bem... Como você vê, até agora não lhe havia dito nada a respeito, apesar de inquietar-me esse estranho assunto. Temos permanecido vigilantes, simplesmente. Claro que não iríamos manter “Baby” semanas e semanas vigiando um motel, já, como você bem sabe, só a mobilizamos quando temos um assunto que requer solução, não informação: Esta é conseguida por agentes secundárias e nós a passamos a você, com a notificação: eis o que ocorre em tal lugar; vá até lá e resolva tudo. Nunca lhe dizemos para vigiar alguma coisa. Seria idiota.

— Mas agora está me pedindo para ir a um lugar onde não acontece nada.

— Tem que estar acontecendo algo, “Baby”.. Não sei como poderia convencê-la, mas...

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— Não se incomode. Já estou convencida. — Ah, sim? — exclamou Cavanagh, alegremente. —

Ótimo! O que acha que pode estar acontecendo lá? — Averiguarei. Espero tomar-me uma cliente desse

motel. — Não é fácil. E aqui surge outra grande coincidência:

muitas das que agora são clientes do “Lucky Star Motel” já o foram do “Butterfly Club”, em Atlantic City. Garotas que apareceram no clube noturno, sorridentes etc... Você me compreende. E aqui é onde intervém Floyd Russel, que vai e vem entre o motel e o clube: é uma espécie de intermediário. Quando a jovem que aparece no clube é realmente formosa, ele como que por acaso conversa com ela, riem um pouco, tomam uns drinques... Um ou dois dias depois, a moça formosa chega com suas maletas ao motel.

— Ou seja, o tal Russel as recruta, na falta termo melhor.

— Assim parece. Mas só as mais bonitas. E esteja certa de que ele tem muito bom-gosto.

— Não tardará a perdê-lo, juntamente com a vida — disse Brigitte.

— Compreendo... Mas sei que você saberá esperar. Aqui, na Central, temos a convicção de que está ocorrendo algo estranho nesse motel, ou no clube noturno de Atlantic City. Já viu que não a incomodamos com este assunto tão lento e abstruso, mas, já que a casualidade fez com que se envolvesse nele, pensamos tirar partido disso.

— Nada tenho a opor. É minha sina que até mesmo uma questão pessoal derive para a espionagem... Paciência. Entendi que Peter Darrows foi cliente desse motel, mister Cavanagh.

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— De fato. Várias vezes. — E travou conhecimento com algumas das “clientes”? — Sempre com uma diferente, cada qual mais bonita. — O patife... — murmurou Brigitte. — Realmente, Lucy

não era formosa. Mas tinha dinheiro, muito dinheiro... Peter Darrows tem fortuna própria?

— Não. Vivia de seu trabalho, até que casou com Lucille Mantley. Depois, claro, as coisas melhoraram sensivelmente para ele.

— Claro... E agora fica viúvo. Isto me... — Não é o único a ficar viúvo. — Como? — “Baby” olhou-o vivamente. — Três outros desses nossos personagens enviuvaram

em pouco tempo. Enquanto entre os outros clientes do motel, de profissões particulares, também alguns ficaram viúvos; outros perderam um concorrente nos negócios, outros perderam um sócio... Coisas assim.

— Por Deus... Dá-se conta do que sugere tudo isso, chefe?

— Naturalmente. Mas a nossa é uma posição estrita de espionagem. Talvez nada do que esteja sucedendo tenha a ver com espionagem, mas... Enfim, já lhe disse que há certa inquietação na CIA. E dadas as circunstâncias, pensamos que você podia dedicar dois dias a este assunto. Se chegar à conclusão definitiva de que não interessa à CIA o que sucede com esses personagens, melhor. Então, só lhe desejaremos uma feliz vingança, “Baby”. Mas estamos certos de que, antes de eliminar esse tal Floyd Russel, você se certificará de que foi ele mesmo quem assassinou sua amiga Lucy.

— Esperarei até que ele mesmo me diga...

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— Acha isso impossível? — Absolutamente. Na verdade, para você tudo isto vai

ser uma brincadeira de criança. De qualquer modo, tome cuidado.

— Sem dúvida. Boa-noite, chefe. — Até a vista, Brigitte. Pouco depois, Brigitte Montfort entrava no carro onde

Frank Minello ficara à espera. Ele pôs-se a resmungar imediatamente:

— Não é justo o que vocês fazem comigo. Já ajudei à CIA, colaborando com a famosa agente “Baby” em algumas ocasiões, portanto tinha direito de escutar o que...

— Vamos para casa, Frankie. — Para casa? Para Nova Iorque? — a decepção de

Minello era muito grande. — Mas eu tinha pensado que poderíamos...

— Primeiro, vamos para casa, e pelo caminho lhe contarei coisas muito interessantes. Depois, se você me promete ser obediente em tudo, permitirei que desfrute por alguns dias uma muito dolce vita.

— Dolce vita? — exclamou Minello. — Sim. Acaso não sabe o que é? — Talvez para mim, amiguinha, isso tenha significado

diferente que para você. — Que significado? — Bom... Viver alegremente, divertir-se, não pensar no

trabalho, ter sempre uma mulher bonita ao lado... — Nesse caso, estamos de acordo. — Whoopee! — Voltemos para casa.

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CAPÍTULO SEXTO Floyd Russell estava sentado num dos altos tamboretes,

junto ao balcão do “Butterfly Club”, saboreando lentamente seu uísque e olhando pelo espelho que tinha à frente as pessoas que se encontravam no local. Tinha um ar aborrecido.

Claro que havia mulheres bonitas ali, mas todas elas estavam acompanhadas. Duas tinham chegado sozinhas, mas não lhe pareceram dignas de sua atenção. Uma delas, justamente a mais bonita, era também um tanto gorducha. A outra, de silhueta bem mais aceitável, tinha um rosto sem encantos. O mesmo de sempre, na verdade. Muito poucas noites chegava alguma garota que valesse a pena. Depois, era preciso certificar-se com muito tato de suas... atividades. Nada de deslizes. No clube todo o mundo se divertia, mas era um lugar razoavelmente sério e, afinal de contas, nenhuma justificava um possível escândalo.

Além disso, as ordens eram severíssimas: as garotas para o motel tinham que ser muito selecionadas. Não só bonitas, mas elegantes, discretas. E ele certamente havia encontrado poucas assim, para não dizer nenhuma. A maioria faltava classe.

Pediu outro uísque e levou-o aos lábios, olhando distraidamente o espelho. O copo quase lhe escapou da mão. Deixou-o precipitadamente de lado e girou sobre o tamborete. Como se costuma dizer, os espelhos não mentem. Aquela recém-chegada era tal como sua imagem refletida.

Ficou a olhá-la, enquanto o maítre a conduzia por entre as mesas. E todos os outros homens presentes a olhavam

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também, enquanto as mulheres torciam o nariz e o pistonista da orquestra emitia duas notas desafinadas ao vê-la.

Era loura como o ouro, de pele dourada, esplêndidos olhos verdes, estatura mediana, movimentos graciosos. Fascinado, Russel parecia devorá-la com os olhos, enquanto ela acomodava-se a uma mesinha. O olhar do maítre desviou-se para Russel, que não o captou, sem desviar os seus da bela recém-chegada. Esta deixara a bolsa sobre a mesa e, enquanto tirava as luvas, relanceava o olhar ao redor, com um doce sorriso. Casualmente, seus olhos pousaram um Instante em Russell, depois continuaram descrevendo seu semicírculo de exame, como avaliando o lugar.

Verdadeiramente impressionado, Floyd Russell tomou um gole do seu uísque, ajeitou a gravata ao espelho, examinou-se com olhar critico. Impecável... Simplesmente impecável em seu smoking, seus cento e oitenta centímetros de altura, seus largos ombros, seu rosto atraente, viril...

Na pista apareceu uma atração: uma sugestiva ruiva, que terminaria por tirar toda a roupa, repetindo gestos que Floyd já gravara em sua memória. As luzes tinham-se atenuado consideravelmente. A mesa da recém-chegada, um garçom abria uma garrafa de champanha. Enquanto isso, o maitre aproximou-se do balcão e pediu algo ao barman, ao lado de Russel.

— Ela espera alguém? — perguntou-lhe este, em voz baixa.

— Não. Foi só. O maitre afastou-se e Russel passou

aparentemente a contemplar a ruiva, mas sem perder de

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vista a sensacional loura de olhos verdes. Quando a strip-teaser terminou sua atuação, as luzes tornaram a se acender, enquanto o publico aplaudia. Ele olhou então diretamente para a. loura e, ao ver-se olhado por ela, sorriu discretamente. Enquanto levava aos lábios e bebia sua taça de champanha, ela manteve o olhar fixo nele. Depois seu rosto foi iluminado por um maravilhoso sorriso.

Russell não esperou mais. Desceu do tamborete e dirigiu-se lentamente para ela. Quando chegou junto à sua mesa, foi recebido por um olhar onde havia amabilidade, mas também um certo espanto.

— Perdão... — murmurou ele. — Posso lhe dizer duas palavras?

— Que deseja? — soou, melodiosa, a voz da desconhecida.

— Mmm... Vai parecer-me uma tolice... Observei-a enquanto bebia e pareceu-me que aprecia muitíssimo o champanha, mas receio que não seja dos melhores o que é servido neste clube...

— E que sugere? Que eu vá a outro? — Bem... — Está pronto para acompanhar-me aonde eu quiser,

não é isso? Pois, cavalheiro, acontece que este champanha é excelente. Nada menos que um Perignon da safra de 57, quase tão boa quanta a de 55. E está na temperatura ideal — sorriu encantadoramente. — Não quer prová-lo para certificar-se?

— Oh! — maravilhou-se Russell. — Posso? — e imediatamente sentou-se. — Mas gostaria de corresponder à sua amabilidade... Permite que esta garrafa corra por minha conta?

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— Por quê? Afinal, uma garrafa inteira é demais para mim. Peça uma taça ao garçom e sirva-se sem cerimônia.

— Muito obrigado — ele acenou ao garçom mais próximo. — Está sozinha? Espera alguém?

— Sim. Não. Nesta ordem. Ele riu. — Vejo que seu espírito está à altura de sua beleza.

Costuma vir aqui com freqüência? — Para dizer a verdade, não freqüento lugares como

este. Mas hoje algo me aborreceu e resolvi distrair-me. — Espero que não tenha sido nenhum problema sério. — Oh não... Nada que não possa ser resolvido com mil

ou dois mil dólares. O garçom chegou com a taça, serviu Russel e este, após

tomar um gole, murmurou: — Excelente champanha, de fato. Mil dólares... Trata-se

então de um problema importante. — Sem dúvida. Mas sempre me saio bem de qualquer

situação. Sou das que não se preocupam em excesso pelo futuro. Nem sequer pelo presente.

— É um bom modo de ver a vida. Sinceramente, gostaria de ajudá-la.

— Sinceramente? — ela abriu muito os olhos. — Sim. Acontece apenas que não tenho comigo tanto

dinheiro. — Oh... — Entretanto... — tomou outro gole de champanha —

isso é coisa de fácil solução. Posso acompanhá-la, se quiser. Passaremos pelo meu apartamento, apanharei o dinheiro e... tudo estará resolvido.

— Faria isso por mim? — quase assombrou-se ela.

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— Com o maior prazer. Por outro lado, quase me atrevo a afirmar que o meu champanha é melhor que este.

— Melhor? Isso eu duvido, mister. — Russel. Floyd Russell. Se acha que estou contando

vantagem sobre meu champanha, tem apenas que prová-lo. E já que é uma entendida, acabará de uma vez com todas as dúvidas. Minhas inclusive.

— Gostaria de ajudá-lo nisso — sorriu ela. — De algum modo devo retribuir sua generosidade, mister Russell.

— Não é necessário. Vamos, então? — Oh, sim... Francamente, não sou grande apreciadora

do strip-tease. Podemos ir quando quiser. * * *

Floyd Russell fechou atrás de si a porta de seu apartamento e olhou a esplêndida loura com indizível satisfação.

— Isto aqui é muito bonito — disse ela. Ele aproximou-se, tomou-a pelos ombros e beijou-a na

boca, enquanto ela permanecia imóvel. Apenas imóvel, sem resistir, mas sem corresponder. De qualquer modo, seus lábios eram suaves, ternos, e Russell estremeceu fortemente. Quando a soltou, ela olhou-o em silêncio, com uma certa expectação nas pupilas verdes.

— Como é seu nome? — perguntou ele. — Nina. — Nina... que mais? — Nina Temple. Onde está o champanha? Tenho sede. Russell indicou o interior do living e ambos penetraram

mais neste. Ele indicou o sofá. — Fique à vontade. Não demoro.

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Foi à cozinha, de onde logo voltou com uma garrafa de champanha e duas tapas. Ela tirara a estola de vison e estava acendendo um cigarro. Floyd Russell serviu o champanha, estendeu-lhe unia taça e aguardou com sorridente curiosidade enquanto ela bebia.

— Então? Que lhe parece? — Gosto mais de Perignon... Mas este não é mau,

principalmente porque está bem gelado, Posso tomar outra taça?

— Naturalmente. Serviu-lhe mais uma vez e, enquanto ela bebia, separou

um quadro da .parede, deixando a descoberto um pequeno cofre. Abriu-o, tirou umas quantas cédulas e, depois de tornar a fechar, velo sentar-se junto a Nina Temple. Sem dizer palavra, abriu sua bolsa, colocou dentro o dinheiro e depois olhou-a, sorridente.

— Bem... — murmurou ela. — Parece que estamos em paz: você resolveu meu problema e eu lhe disse que seu champanha não é tão bom como o Perignon. Estamos em paz?

— Mais ou menos... — riu ele. — Você gostaria de ganhar duzentos e cinqüenta dólares por dia?

— Por dia? Quer dizer cada dia e todos os dias? — Sim. Com uma semana de férias em cada quatro.

Férias pagas, naturalmente. — Está brincando? — Não. Você mora em Atlantic City? — Agora, sim. Cheguei esta manhã de Nova Iorque.

Estou num hotel. — Já teve alguma encrenca com a Polícia? — Como? Por quem me toma? Nunca em minha vida...

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— Calma, calma... Você deve compreender que o emprego que lhe ofereço tem certas exigências.

— Nunca tive nada a ver com a Polícia. Que emprego é esse?

— Tem apenas que ir a um motel, hospedar-se lá como uma cliente comum... e ser amável para com os outros clientes. Eles serão seu trabalho. Compreende?

— Que mais teria que fazer? — Nada mais. Viver lá como uma rainha, desfrutando

tudo e tratando de que os clientes também desfrutem tudo quanto queiram... Tudo. E seja qual for o cliente.

— Parece que você se enganou comigo, Floyd — sorriu ela, desdenhosamente. — O dia que eu quiser ingressar num bordel, não será preciso que ninguém me diga em qual ou corno fazê-lo.

— Vejo que não entendeu, Nina. Você será apenas uma cliente do motel. Um dia trabalha, outro não... Para todos os efeitos, estará hospedada lá, com direito a divertir-se quando desejar, compreende? Quando cansar-se, ou não quiser trabalhar, tirara uns dias de férias. Muito simples, discreto e cômodo. E são sete mil e quinhentos dólares por mês. Não sei se me explico bem.

— Parece-me que sim. Você é um... — Um relações públicas — insinuou suavemente

Russell. — Sim... — riu ela. — É isso! — Interessa-lhe? O ambiente é seleto, os clientes

educados, a vida tranqüila... Em pouco tempo você poderá reunir uma bonita soma, sem ter necessidade de ganhá-la cada noite num lugar diferente.

— E você? — perguntou ela. — Eu o verei?

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— Digamos que sou seu primeiro cliente... Por que pergunta se me verá?

— Estará comigo? — Com freqüência. Por quê? Ela serviu-se um pouco mais de champanha, tomou um

pequeno gole e, quando ornou para Russel, este viu em seus olhos uma tímida expressão de desejo.

— Isto sim, vai parecer a você uma tolice... — murmurou ela. — Mas fiquei caída quando o vi naquele clube. Claro que fui lá em busca de uns dólares, mas... fiquei muito feliz quando você se aproximou. Se quiser, posso devolver-lhe o dinheiro. Não é o que quero de você, Floyd.

— Devolver-me os mil dólares? — estranhou Nina tirou as cédulas da bolsa e jogou-as para um canto

do sofá. Depois aproximou-se de Russell rodeou-lhe o pescoço com os braços e beijou-o na boca. Esta vez ele sentiu-se, ato contínuo, transportado a um mundo maravilhoso, azul e rosa, cheirando a flores, enquanto sua cabeça começava a dar voltas.

Súbito, Nina se crispou, seus lábios endureceram e Russell afastou-a rapidamente.

— Que tem você? — perguntou-lhe. — Não sei... Meu estômago... Que dor horrível. Dobrou-se sobre si mesma, gemendo. Floyd Russell

olhou para todos os lados, perplexo, e súbito seu olhar pousou na garrafa de champanha, tão gelado...

— O champanha... — murmurou, ajudando-a a endireitar-se. — Está excessivamente gelado e não lhe fez bem. Não é nada...

— Sinto-me tão mal...

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— Tranqüilize-se. Não é nada — insistiu Russell. — Vou levá-la para a cama, onde poderá descansar bem.

Tomou-a nos braços e ela, gemendo, agarrou-se ao seu pescoço.

— Oh, Floyd, que pena... Perdemos a noite... — lançou um gemido mais forte. — Como dói!

Ele levou-a para o quarto, depositando-a sobre a cama. Não sabia o que fazer, enquanto ela encolhia as pernas, como querendo comprimir o estômago. Sentou-se à beira da cama e passou-lhe a mão pelo rosto.

— Sossegue, Nina... Não pode ser nada grave. Amanhã você estará perfeitamente bem.

* * * — Como está? Nina Temple acabou de abrir os olhos, olhou

desconcertada a seu redor e, ao ver o rosto de Russel, sorriu, subitamente tranqüila.

— Floyd... — Já é dia. Sente-se bem? — Sim... Creio que sim. Que aconteceu? — Um contratempo... O champanha estava frio demais e

lhe fez mal. Por isso, trouxe-a para cá e dormi na sala. Coisas que acontecem entre namorados, não acha você?

Ela sorriu. — Que horas são? — Quase nove. — Bem. Tenho que levantar-me... Repeliu as cobertas da cama e, com um pequeno grito de

surpresa, tornou a cobrir-se. Numa poltrona viu seu vestido. Olhou muito expressivamente para Russell, com uma certa censura no olhar.

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— Não, não... — riu ele. — Nada aconteceu, acredite. Não é esse meu estilo, querida.

— Desculpe... Sinto ter pensado isso, Floyd. Gostaria de tomar um banho.

— O banheiro é ali... — ele indicou uma porta. — Por mim, passaria o dia inteiro com você, neste apartamento, mas já avisei que tinha uma nova cliente para o motel... e estão à nossa espera. Supus, naturalmente, que você aceitaria o emprego.

— Se puder ver você com freqüência, aceito sim. — Tudo está arranjado. Vá tomar seu banho, depois

vista-se e partiremos o quanto antes. — Sim, sim... Estarei pronta em poucos minutos.

CAPÍTULO SÉTIMO Na entrada do “Lucky Star Motel” havia dois homens,

que rapidamente se aproximaram do carro quando este se deteve. Mas sem sequer chegaram a falar. Viram Russell, assentiram com a cabeça e afastaram-se. O carro prosseguiu a marcha para o interior do motel. Havia flores, bonitas árvores, canteiros bem cuidados, grandes plátanos, eucaliptos senhoriais. Para a esquerda, uma grande zona verde e, nela, vários homens jogando golfe. Havia pequenos campos de crieket, quadras de tênis, piscinas. Ao fundo e para a direita, a praia, com algumas pequenas embarcações brancas, azuis e vermelhas. Adiante, após percorrer quase um quilometro, estava a cabana da administração, de grandes dimensões. Na verdade, parecia uma vila particular. A seu redor, meio ocultas entre árvores e grupos de arbustos, viam-se as cabanas de aluguel.

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— Que lindo lugar, Floyd! — Você vai gostar daqui — sorriu ele. — A verdade é

que poucas de nossas amigas se vão. A maioria, decorrido um período recomendado pela prudência, temos que mandar embora. Não convém que uma garota permaneça aqui por muito tempo.

— Por quê? — Em primeiro lugar, alguma pessoa alheia o grupo

pode achar estranho que as clientes se demorem demais e sejam sempre as mesmas. Depois, os clientes logicamente gostam de variedade... Você me entende.

— Sim. Isso quer dizer que eu também terei que ir embora, mais dia menos dia.

— Falaremos disso em outra ocasião. De qualquer modo, pense em que, quando partir, você pode ter cem mil dólares limpos e não poucos presentes, todos eles de valor.

— E quando eu tiver que partir deixaremos de ver nos? Russell olhou-a rapidamente, de relance. — Também disso falaremos em outra ocasião. Para falar

a verdade, estou arrependido por trazê-la aqui, mas já me comprometi. Preferia tê-la reservado para mim.

— Podemos dar a volta e.. — Não, não... — ele empalideceu ligeiramente. — Já é

tarde para isso. Chegaram à cabana da administração, que, com efeito,

era uma vila. Havia um grande vestíbulo, com mobiliário simples e confortável. Alguns cavalheiros, placidamente sentados em poltronas, apanhavam o sol da manhã, que entrava a jorros pelas janelas. A chegada de Nina Temple, houve entre eles certa agitação, duas belas jovens de minissaia e blusa decotadíssima passavam por ali,

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carregando bandejas com café e suco de frutas. Atrás do vasto balcão estava um homem de idade avançada e olhos maliciosos, que lançou um longo olhar apreciativo a Nina.

— Olá, Dirk! — saudou Russell. — Quer registrá-la? Suponho que tenha trazido seus documentos, Nina?

— Claro. Apanhei tudo no hotel, quando fomos lá... — Registre-se, então... Assine apenas. Dirk se

encarregará do resto, enquanto iremos ver Clotilde. Suas maletas serão levadas para a cabana... Qual será, Dirk?

— A 34. — Ótimo. Venha, Nina. Indicou a escada que levava ao primeiro andar. Subiram.

Ele bateu a uma porta, discretamente. Uma voz feminina mandou entrar e Russel abriu, dando passagem a Nina. Esta entrou e defrontou-se com a mulher que estava languidamente reclinada num sofá, naquele recinto mobiliado como um escritório. Era tão jovem como ela, muito bonita, de cabelos castanhos e grandes olhos escuros, de expressão sumamente inteligente e vivaz. Usava uma bata profusamente bordada. Junto a ela, uma mulher de idade madura, miúda, magra e feia, de rosto triste, cabelos cinzentos, lábios exangues. Era tão insignificante que Nina nem sequer teria reparado nela., se naquele momento não estivesse servindo café à bela jovem. Trazia um avental e uma espécie de touca da mesma cor, muito desgraciosamente sem dúvida. Sua presença era um tanto inesperada, pois todo o pessoal feminino que Nina havia visto até então era bonito, jovem e alegre.

— Olá, Clotilde... — saudou Russel. — Esta é a nova, Nina Temple.

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Clotilde assentiu com a cabeça, olhou a recém-chegada de cima a baixo e fez um gesto de aprovação.

— Formidável — murmurou. — Certificou-se bem de todos os detalhes, Floyd?

— Naturalmente. Nina, esta é Clotilde, a proprietária e administradora do motel. Ela sempre tem a última palavra. Espero que você compreenda.

— Creio que sim — disse Nina. Clotilde olhou para a outra mulher e fez um gesto para a

porta. — Pode ir, Odile, chamarei se precisar de você. A outra retirou-se e Clotilde tornou a dedicar sua

atenção à nova cliente do motel. Sem olhar para Russel, perguntou:

— Já a pôs ao corrente de suas obrigações, Floyd? — Já. — É muito formosa... A melhor que já nos apareceu até

agora, sem dúvida. — Pediu-me um ou dois mil dólares no clube — sorriu

Russell. — Ótimo. Isso quer dizer que tem categoria. Espero que

você esteja à altura das circunstâncias, Nina. — Não vejo nenhuma dificuldade — declarou esta. — Seja bem-vinda ao “Lucky Star Motel”. Pode ir para

a sua cabana. É só. Espero que se divirta. — Obrigada. — Parece-me ocioso insistir em que nossos clientes têm

direito a tudo — recordou Clotilde. — E não apreciamos as complicações Ah, por falar nisso: você não me disse, ao telefonar-me ontem à noite, que ela trazia uma pistolinha na bolsa, Floyd?

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— Disse — confirmou ele. Nina soltou uma exclamação abafada e segurou a bolsa

com mais força. — Compreendo que às vezes as jovens como você

devem proteger-se. — sorriu Clotilde. — Entretanto, neste lugar ninguém usa armas. Não são absolutamente necessárias. Sugiro-lhe que a deixe comigo, Nina. Eu a devolverei quando você sair de viagem ou retirar-se definitivamente.

Nina hesitou mas acabou por entregar a pistola a Clotilde, que a examinou com visível curiosidade.

— Um bonito brinquedo... — comentou — Coronha de... de...

— De madrepérola. É uma arma silenciosa. Muito útil. Clotilde olhou-a vivamente — Onde a conseguiu? — Em Nova Orleans, faz tempo. Foi-me presenteada por

um homem que me convidou para jantar. — Ou você a surrupiou? — sorriu Clotilde. — Bem... Digamos que gostei da arma e, como ele

estava dormindo quando me retirei, a considerei como... uma gratificação.

— De acordo. Ficará comigo. É só. Odile irá dentro de alguns minutos para explicar-lhe como estão montados os serviços em sua cabana. Leve-a lá e volte para falar comigo, Floyd.

— Está bem. Vamos, Nina. Quando saíram da cabana da administração, Nina

apontou para trás, com ar intrigado. — Seria capaz de jurar que alguns desses cavalheiros do

vestíbulo estavam ontem no clube, Floyd.

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— Sim, estavam lá. Depois vieram para o motel. Passarão aqui dois ou três dias, depois tornarão a vir semanas mais tarde.

Nina, subitamente, começou a rir. — Tenho um amigo que daria qualquer coisa para vir a

um lugar como este — comentou. — Só que ficaria um pouco caro para ele, imagino. Quanto custa a hospedagem aqui?

— Quinhentos dólares — sorriu Russel. — Quinhentos dó...? Ora, vamos... — Nem um centavo menos. Mas ainda que o seu amigo

pudesse conseguir essa importância, duvido muito que o admitissem aqui. Para os desconhecidos, nunca há cabanas livres, compreende? Por outro lado, não queremos aqui amigos pessoais de nossas garotas. Espero que você não cometa nenhuma tolice, Nina.

— Oh, não se preocupe... Foi simplesmente um comentário. Começo a compreender o que é isto. Um lugar de recreação muito especial... Como funciona? Vem um cliente, diz que já, é conhecido e então o admitem..

— Não exatamente, porque às vezes nem sequer para os antigos clientes há lugar. Embora sempre nos esforcemos por dar um jeito, claro. De qualquer modo, eles já sabem que, para evitar fracassos, devem primeiro ir ao clube, na cidade, e perguntar ao maitre se há vagas aqui. Havendo, seus nomes são anotados, telefona-se para cá e, quando chegam, já foram tomadas todas as providências. Ótimo serviço.

— Mas quem não conhece o sistema não pode vir aqui...

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— Sim. Quem quer vir deve passar antes pelo clube, dar seu nome ou o do amigo que o recomendou e esperar a noticia de que há ou não vaga.

— Nesse caso, alguém que não conheça o lugar, ou não seja amigo de nenhum cliente, não poderá vir aqui.

— Exato. É espero que você não o esqueça. O que deverá esquecer, a partir deste momento, são as pessoas com as quais teve relações até agora, nem... Eis a cabana 34. Aqui você ficará durante algum tempo.

— E você? — Oh, eu vou e venho... — Mas quem não conhece o sistema não pode de mim. — Quando possível. Tenho muito o que fazer, Nina. E

Clotilde não admite tolices. De qualquer modo, se uma de minhas visitas coincidir com um de seus dias livres...

Nina Temple virou-se, abraçou Russel e beijou-o fortemente na boca. Ele fechou com um pé a porta da cabana e, durante uns minutos, estiveram beijando-se, até que ela afastou-se e indicou a porta.

— Está vindo alguém. Dois segundos depois, soava a batida na porta. Floyd

abriu. — Ah, Odile... Bem, encarregue-se de Nina. Eu vou ver

Clotilde. Até logo, Nina. Russel saiu da cabana e Nina olhou sorridente para

Odile, que parecia a imagem viva do abatimento. — Que tem a dizer-me, Odile? — O que você não sabia... A cabana dispõe de todo o

conforto e se alguma coisa você não entender, como as luzes, o rádio central, a calefação, o que for, eu lhe direi como funciona.

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— É tão complicado assim? — Não. Mas algumas das... clientes nem sequer sabem

graduar a temperatura, ou apertar a campainha pedindo serviço.

— Oh, espero fazer tudo direito, Odile. A propósito, não vi nenhum camareiro, mas apenas moças...

— Não há homens no serviço do motel. Só mulheres, para tudo: cozinha, limpeza, lavandaria, bar... Essas são empregadas que, salvo algum capricho especial dos clientes, limitam-se a realizar os serviços do motel. O único homem é Dirk.

— Compreendo. — Quer que lhe ajude em alguma coisa? — Não, não... Se precisar de você, chamarei. Diga-me:

sua idade não destoa da das outras empregadas? — De fato. Mas eu sirvo os clientes normais. Sou a

assistente particular de Clotilde e ela só me manda ajudar vocês no dia em que chegam, para que se familiarizem com o lugar. Depois, nunca mais poderão recorrer a mim. O que não significa que me negue a ajudá-las em algo, se necessário.

— Obrigada, Odile. Continuaremos a ver-nos. — Sim, claro. Adeus. Nina entrou no quarto, viu as duas maletas sobre uma

banqueta e colocou-as na cama. Abriu-as, tirou de uma delas a maletinha vermelha com flores azuis e depois começou a arrumar suas coisas no armário, enquanto olhava ao redor, examinando o aposento com expressão aprovadora: bonitos móveis, decoração de bom-gosto, grande janela que permitia ver o mar... A única coisa que olhou duas vezes, mas aparentemente sem lhe dar grande

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importância, foi o condicionador de ar, instalado acima da janela. Mas não pareceu estranhar que dois dos controles tivessem superfície de vidro, nem era provável lhe ocorresse que pareciam objetivas de câmara fotográfica, ou algo semelhante

* * * — É muito ordenada — comentou Russel, indicando a

tela de televisão em que aparecia Nina Temple arrumando seu quarto. — Coisa não muito comum em garotas de seu tipo.

Clotilde Cunning dirigiu-lhe um rápido olhar. — De que tipo, Floyd? — perguntou, tornando a

observar a tela. — Você não vai negar que é a melhor aquisição de

minha vida, Clotilde. Nunca tivemos aqui uma garota como Nina. Com exceção de você mesma, claro,

— Muito amável... — sorriu Clotilde — Nina me agrada, mas tem... isso que você disse: classe. Demais.

— Demais? Ora, vamos! — Floyd, considerando o tempo que exerce seu trabalho

especial, você ainda não tem uma vista multo treinada. Felizmente em seu outro trabalho revela muito mais eficiência. É o trabalho que lhe assenta, realmente.

— Está bem... — resmungou ele. — Que tem você a opor a Nina Temple?

— Nada em absoluto. A única coisa que me ocorre é que essa não é muito esperta. Podia viver como uma rainha, protegida por qualquer milionário. E em lugar disso, vem aqui para ganhar duzentos e cinqüenta dólares por dia.

— Talvez goste mais da liberdade do que ser “protegida” por um milionário — sorriu Russel.

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— Sim, talvez. — Atenção: vai trocar de roupa, Prepare-se para ver algo

sensacional. Nina Temple tinha colocado umas peças de roupa sobre

a cama e começara a tirar as que a cobriam. No mesmo instante, Odile entrava no escritório de Clotilde. Ficou por trás de Russel e de sua patroa, contemplando a tela do televisor, que depois ficaria oculta dentro do móvel. Em silêncio, os três assistiram à troca de roupas de Nina. Por fim, quando esta ficou ataviada com uma minissaia e uma deliciosa blusa de decote em V, Clotilde desligou o aparelho, que voltou ao seu esconderijo.

— É muito bela — murmurou Odile. — Nunca vi nada igual — quase gaguejou Russel, — Vocês têm razão — concordou Clotilde. — Veremos

como se porta no trabalho. Minhas roupas, Odile: vou descer ao porão para ver se temos alguma coisa lá. Cock já regressou?

— Não, que eu saiba. — Melhor. Isso quer dizer que, tal como você, ele faz as

coisas com calma e eficiência. Pode ir, Floyd. Volte a Atlantic City. Quando nos tornarmos a ver, eu lhe direi como está se conduzindo sua espetacular aquisição.

— Não seria melhor eu esperar, para ver se há alguma coisa lá embaixo?

— Se houver, você será avisado. Calma... Sempre calma.

— Está bem. Até logo... Adeus Odile. — Adeus, mister Russell. Ele abandonou o escritório e Clotilde, após uns segundos

de silêncio, virou-se para Odile.

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— Que lhe pareceu realmente essa Nina Temple? — Tem classe. Mas... não sei. Veremos como se

desincumbe.

CAPÍTULO OITAVO Não era possível duvidar de que Nina Temple estava-se

desincumbindo bem. Quando chegou ao vestíbulo do chalé da administração, a atmosfera pareceu mudar e os olhares de todos os homens incidiram sobre ela. Instalou-se numa das poltronas, pediu suco de laranja, acendeu um cigarro e... dois minutos depois estava rodeada de cavalheiros, que sorriam abobados para ela, sem nenhum motivo particular.

— Em minha opinião, disse eu a mister Phelps, para atrair os tubarões, nada como um bom biquíni. Claro, acrescentei, que os tubarões a que me refiro não são os mesmos do que fala, mas tem pernas, braços, orelhas e geralmente fazem a barba todos os dias.

Tinham-se aproximado também algumas das clientes, que fizeram coro aos risos masculinos. Em poucos minutos, formara-se um alegre grupo em torno de Nina Temple.

— E que disse mister Phelps? — perguntou um dos circunstantes.

— Ah, disse-me: Pois, miss Temple, já que está de biquíni e eu tenho complexo de tubarão, que espera para me pescar?

Os risos redobraram de intensidade ao final da anedota. Naquele momento aparecia Clotilde, descendo a escada que levava ao primeiro andar. Arqueou as sobrancelhas, deu-se conta de quem era a animadora do festivo grupo e sorriu apreciativamente. Enquanto todos continuavam

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conversando sem reparar nela, chegou ao vestíbulo, atravessou-o em direção onde evidentemente devia estar a cozinha e desapareceu.

— Está um dia maravilhoso... — comentou um dos clientes. — Um verdadeiro dia de primavera, Podíamos ir nadar um pouco e apanhar sol. Que acha da idéia, Nina?

— Um momento, um momento... — protestou um cavalheiro de idade avançada e aspecto distinto. — Deve ficar bem claro que fui eu quem primeiro se aproximou de miss Temple... Ou não?

Houve murmúrios de descontentamento, mas afinal teve que ser reconhecida a verdade.

— Bem... — sorriu o velhote. — Neste caso, faremos o que eu disse, ou o que disser o meu par nos festejos. De acordo, miss Temple?

— Completamente, mister Longstaf. Mas sei de um jogo que talvez agrade a todos...

Um homem, precedido por uma empregada do motel que portava sua maleta, apareceu na entrada do chalé. A jovem olhou para Dirk, que do balcão assentiu com a cabeça. Ela tornou a sair. O homem chegou ao balcão e, após entregar uma chave, sacou um maço de notas do bolso. Ia-se embora.

— Bem, bem — impacientou-se Longstaf. — De que jogo se trata?

— Podemos sair com as lanchas e levar um bom toca-discos de pilha. Numa praia pouco profunda, cuja água o sol tenha aquecido, todos começaremos a dançar na proa das lanchas... E os três primeiros pares que caírem na água promoverão esta noite um mau, em autêntico estilo havaiano.

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A idéia foi aplaudida em primeiro lugar pelas clientes, às quais pareceu divertidíssimo dançar ao sol, vendo cair na água alguns daqueles barrigudos cavalheiros. Quanto a estes, houve dois que resolveram ir jogar golfe, enquanto outros dois optaram pelo tênis. Mas os outros entusiasmaram-se com a perspectiva do passeio marítimo dançante. Todo o mundo se pós em movimento, no empenho de aproveitar ao máximo a bonita manhã.

— Eu mesma me encarregarei do toca-discos — disse Nina.

— Todos na praia dentro de quinze minutos — estabeleceu alguém.

Houve uma debandada geral, exceto por parte de Nina, que olhava com curiosidade o cliente prestes a abandonar o motel. Não parecia de bom humor e isto era fácil de compreender. Além disso, olhava furtivamente para todos os lados, como se estivesse fazendo algo indevido ou pensasse fazê-lo. Enquanto ela se aproximava do balcão, o cliente afastou-se para a entrada do bar, olhando para todos os lados, como querendo certificar-se de que todo mundo se fora. Dirk estava guardando o dinheiro recebido no cofre, dando-lhe as costas. Nina inclinou-se um instante para onde havia ido o cliente e, por entre as folhas de uma palmeira anã, viu-o parado, cara para a parede. Ele tirou do bolso um envelope volumoso e pareceu colocá-lo na parede. Uma não podia enxergar tudo, de modo que se adiantou um pouco mais, com risco de ser vista pelo cliente e pelo recepcionista. Avistou a caixa metálica fixada à parede, na qual o cliente Introduzia por uma ranhura que havia na parte superior o volumoso envelope, afastando-se imediatamente dali.

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Ela endireitou-se, voltando-se para Dirk, que fechava o cofre. Quando este se voltou e o cliente tornou-se visível, estava diante do balcão, em atitude de espera.

— Dirk, por favor, pode arranjar-me um toca-discos de pilha?

— Pois não, miss Temple. Um momento... ele sorriu amplamente e Nina virou-se, contemplando à vontade o cliente. — Espero que sua permanência aqui tenha sido agradável, mister Chalmers.

— Muito agradável, Dirk, obrigado. — Pensa voltar em breve? — Espero que sim. Bem... adeus. Bom dia, linda jovem. — Bom dia — murmurou Nina. Mr. Chalmers afastou-se e o mesmo fez Dirk, em busca

do toca-discos. Nina sorriu ironicamente olhando para o cofre. Poderia abri-lo em menos de dez segundos; mas claro que aquele não era o momento. Afastou-se do balcão, caminhando para o bar. Deteve-se diante daquela caixa metálica. Era ampla e sólida. Sobre ela, um pequeno cartão plástico com letras em relevo: “O Lucky Star Motel agradecerá qualquer sugestão visando à melhoria do serviço. Obrigado.”

Nina ficou pensativa, dizendo a si mesma que Mr. Chalmers devia ser um homem de muitas sugestões, já que ali introduzira um envelope tão avultado. Deu as costas à caixa para olhar o mar, pela janela. Realmente, seu finíssimo ouvido não a enganara... Foi Clotilde quem apareceu a seu lado. Voltou-se e sorriu.

— Deixaram você sozinha? — pareceu estranhar Clotilde.

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— Não, não... Vamos nos reunir na praia, dentro de alguns minutos. Lembrei-me de um jogo muito divertido, mas será preciso música, e Dirk foi me arranjar um toca-discos.

— Ah, muito bem... Espero que todos se divirtam bastante.

— Esta é minha intenção. Clotilde sorriu levemente. Sacou uma pequena chave,

abriu a caixa e retirou apenas dois pequenos papéis dobrados em quatro. Nina pestanejou. Onde estava o grosso envelope de Mr. Chalmers? Viu Clotilde fechar novamente a caixa, sem que o envelope tivesse aparecido.

Por fim, sorriu e indicou os papéis que Clotilde tinha na mão.

— Alguma sugestão interessante? — Duvido. Mas às vezes os clientes têm pequenos

caprichos que não custa nada satisfazer. Até logo, Nina. — Até logo... Oh, talvez deva dizer-lhe que esta noite

teremos um luau havaiano. — Oh, sim? — alegrou-se Clotilde. — Foi idéia sua? — Foi... Espero não ter cometido uma tolice. — Pelo contrário. Providenciarei a respeito. Adeus. — Ciao! — sorriu Nina. Voltou ao balcão. Dirk logo apareceu com um excelente

toca-discos, sorrindo. — Gostaria de poder participar do jogo, miss Temple.

Será divertido. — Sim, muito divertido. Meia hora mais tarde, numa diminuta praia de águas

pouco profundas, quase duas dúzias de pares dançavam ao ritmo louco de um surf sobre as proas das lanchas, piso

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exíguo e sobretudo instável. As gargalhadas soavam mais fortes que a própria música e ainda subiram de tom quando o primeiro cavalheiro, gritando e bracejando, começou a cair nas águas atlânticas... Como é gostosa a doce vida!

* * * A noite, o luau foi perfeito. Dispôs-se uma mesa baixa e

longa na piscina, adornada com folhas de palmeira à falta de folhas de coqueiro, e os comensais ocuparam seus lugares aos pares, sentando-se sobre a grama, com as pernas cruzadas. Todos os homens usavam camisas coloridas e colares de flores. As mulheres haviam improvisado sarongues com motivos de flores. A distância conveniente da mesa, uma orquestra composta de três jovens, duas das quais tocavam ukeleles e a terceira uma guitarra de som plangente. A mesa estava adornada de flores e frutas. O cardápio constava de pua kalua, Lomi lomi salmon, moa luau, halakahiki, i’a luawela.

— Espero voltar dentro de duas semanas — dizia Mr. Longstaf, que se considerava algo assim como proprietário de Nina. — Tornarei a encontrá-la aqui?

— É possível — sorriu ela. — O motel me agrada e não tenho lugar melhor aonde ir, no momento.

— Gostaria de encontrá-la mais a sós... Aqui há muita gente.

— Creio que seu forte não é a paciência, mister Longstaf.

— Sei esperar, se é a isso que se refere. — Ótimo. Depois da festa, poderia tomar uma taça de

champanha comigo. — Adoraria! — entusiasmou-se o maduro personagem.

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— Cabana 34 — sorriu Nina. — Mas por ora dediquemos nossa atenção ao luau.

Ela se levantou, foi até a reduzida orquestra e pediu às três garotas que tocassem “Hawaiian Moon”. Pôs-se então a dançar, sozinha, com indizível graça, fazendo ondular os quadris em ritmo febricitante. Após um momento de enlevo ante o maravilhoso espetáculo, todos se ergueram e a hula-hula generalizou-se, cada um querendo requebrar-se o mais havaianamente possível, os cavalheiros idosos pondo em sério risco a integridade de suas colunas vertebrais. Então, a festa alcançou sua plenitude,

* * * — Mais uma taça? — sorriu Nina. — Não, não... — tartamudeou Mr. Longstaf. — Agora

vamos dedicar-nos a... outra coisa... mais divertida... — Claro que sim, querido... Mas, antes, seja camarada

comigo e tomemos mais uma taça, okay? — rindo, deu-lhe um beijinho na ponta do nariz, enquanto habilmente esquivava a mão de Longstaf, que com um movimento torpe aproximava-se de seu sutiã. — A última taça do dia!

— Eu... eu-eu-eu... Não quero beber mais... — Ora, vamos, querido... Só mais uma tacinha... Afastou-se dele, deixando-o sentado na cama, e foi à

mesinha onde estava o balde de gelo com o champanha. Serviu meia polegada numa taça e encheu completamente a outra, que foi a que entregou a Longstaf. Teve que segurar-lhe a mão pois o dourado liquido ameaçava derramar.

— Tudo de uma vez! — propôs ela, rindo — O último gole!

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Bebeu sua escassa porção e ajudou o velhote a esgotar a taça cheia. Depois tirou-a de suas mãos e tornou a sentar-se junto a ele, acariciando-lhe o papada, muito risonha.

— A que outra coisa mais divertida quer dedicar-se, meu bem? Vejamos se posso adivinhar...

Rodeou-lhe o pescoço com os braços e começou a dar-lhe miúdos beijos nas bochechas. Longstaf bufava como se lhe faltasse o ar. Por fim, com um puxão, conseguiu seu intento a respeito do sutiã de Nina, deixando-a apenas de calcinhas.

— Ah-ah...! — fez ele, agitando a diminuta peça no ar. — Você é muito mau... — ameaçou-o ela, com um

dedinho. — Muito; muito mau! Mas não vou me zangar com você, porque o acho simpático...

Tornou a abraçá-lo e a dar-lhe beijinhos miúdos. Ele cada vez bufava mais e parecia afogar-se nos doces braços femininos. Ela o empurrou, estendendo-o na cama, enquanto ele soltava um forte arroto... Um instante depois, o maduro praticante da dolce vita estava completamente adormecido, roncando.

Nina olhou-o uns segundos, imperturbável. Levantou-se e vestiu uma camisola de dormir. Depois se aproximou do velhote, olhou-o com ironia, deitou-se a seu lado e apagou a luz.

* * * Rindo, Clotilde Cunning apertou o botão marcado com o

número 34 e virou-se para Odile. — É formidável! — exclamou. — Quando acordar

amanhã de sua bebedeira, o velho Longstaf estará convencido de que passou uma noite felicíssima com a mais bela garota da festa,

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— É muito astuta — sorriu Odile. — Demais. — Ora, vamos, Odile... Estou certa de que ela não teria

agido assim com um dos bonitões que tiveram que resignar-se a aguardar sua vez. O velho Longstaf é um porco, temos que admitir... Eu, no lugar dela, teria feito a mesma coisa. Amanhã ele não se lembrará de nada, mas estará convencido de que passou uma noite memorável... Agora vejamos o que está acontecendo na cabana 19. O personagem é dos mais interessantes... Apertou o botão marcado com o número 19 e na tela do televisor apareceu um quarto com as imagens correspondentes... Imagens que muito duvidosamente alguém se atreveria a explicar por escrito.

CAPÍTULO NONO Já não se ouvia absolutamente nada, com exceção do

cadenciado ronco de Longstaf. Estendida junto a ele na cama, Nina Temple levantou o braço esquerdo e no pequeno mostrador luminoso de seu relógio viu as horas: três da madrugada.

Sem acender a luz, sentou-se, tirou a camisola, depois foi ao armário onde apanhou um short vermelho e azul, por conseguinte pouco visível na sombra. Vestiu-o, pôs uma blusa preta, calçou umas silenciosas sapatilhas de pelica, tomou a maletinha vermelha, dirigiu-se ao banheiro e abriu a janela, saltando agilmente para o exterior. Estremeceu um pouco, pois a noite estava quase fria.

Pouco depois, havendo deslizado na escuridão com a segurança de uma gatinha, abria com uma gazua a porta traseira do chalé da administração do motel. Entrou,

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deixando a porta encostada, e olhou para o fundo do corredor, onde se via luz. Aos lados do corredor, várias portas, que sabia pertencerem aos serviços: despensa, depósito de bebidas, artigos esportivos... Uma das portas dava para a cozinha. Outra, para a lavandaria, que ficava no porão.

Mas, no momento, interessava-lhe a caixa para sugestões dos clientes, Chegou perto do balcão de recepção. A luz se espalhava suavemente por todo o vestíbulo, não iluminando, mas apenas dissipando as trevas. Dirk devia estar dormindo ali por perto, sabendo que se alguém chegasse teria apenas que apertar a campainha de chamada sobre o balcão.

Aproximou-se da caixa e abriu-a em menos de cinco segundos, com uma fina agulha de aço. Ao baixar-se a tampa, ouviu um leve ruído metálico. Introduziu dois dedos na caixa, até encontrar o pequeno truque: dividia-se em duas partes aquela caixa. Se fosse introduzido um pedaço de papel, ou um envelope normal, ia para uma parte; se algo mais volumoso, ia para outra parte. Mas em nenhuma das duas partes tinha visto àquela manhã o avultado envelope de Mr. Chalmers. Logo soube por que: ao apertar com um dedo o fundo daquela parte da caixa, ele cedeu. Era preciso algum peso para que isto acontecesse, deixando a descoberto um pequeno túnel horizontal e alongado.

Visto isto, miss Temple abandonou imediatamente suas intenções de abrir também o cofre que tinha visto Dirk manipular pela manhã. Ali não devia haver nada digno de interesse; para ela, pelo menos. Mas sim na caixa metálica.

Abriu a maletinha, sacou um diminuto objeto e deixou-o cair pelo estreito túnel. No silêncio, durante dois segundos, ouviu-o deslizar. Depois, mais nada. Fechou a caixa,

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certificando-se de que a deixava como a encontrava, e voltou ao corredor. Ali, tirou da maleta o pequeno aparelho de rádio, apertou um botão lateral e, em lugar de se ouvir qualquer possível transmissão da madrugada, o dial circular girou, sua flecha apontando para a direita, enquanto brotava do aparelho um suavíssimo bip-bip-bip... Foi caminhando pelo corredor, até deter-se diante da porta da lavandaria, para a qual apontava diretamente a flecha.

Também aquela porta estava fechada, mas não teve a menor dificuldade em abri-la. Desceu ao grande porão onde estava instalada a lavandaria. Um fino raio de luz apareceu em sua mão, iluminando o dial, cuja flecha apontava para uma das máquinas de lavar. Apagou a pequena lanterna, subiu a escada, fechou bem a porta e acendeu a luz, Depois dirigiu-se para a maquina e abriu a comporta circular de vidro. Olhou o interior. Parecia uma máquina de lavar comum, só que o tambor giratório onde se punha a roupa deu-lhe a impressão de demasiado pequeno. Foi a outra máquina, abriu-a e verificou que nesta o tambor giratório tinha o dobro do tamanho. Voltou à primeira, passando à sua retaguarda, onde estavam as tubulações para entrada e saída da água, embutidas na parede e penetrando na máquina, de modo que esta não podia ser movida.

Custou-lhe quase dez minutos encontrar o truque. As porcas de fixação dos tubos na máquina estavam tão ajustadas que não lhe foi possível removê-las. Então, puxou-as simplesmente e elas subiram pela tubulação. Com isso, a máquina ficou solta. Empurrou-a, deslocando-a sobre sua plataforma assente sobre rodas, e fê-la girar, ficando de frente para sua parte traseira. Esteve apalpando-a até que, ao

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apertar um dos parafusos, ouviu um pequeno estalido e toda a chapa deslocou-se para a esquerda.

A primeira coisa que viu foi o pequeno aparelho emissor que ela deixara cair pelo túnel da caixa e que se apressou a recuperar. Depois viu os delgados tubos de ferro pintados de branco, que pareciam fazer parte do mecanismo da máquina, mas que ao serem empurrados soltaram-se. A parte inferior estava livre como a superior, ao que parecia, porém, mais para dentro, viu uma tampa metálica circular. Tirou da maletinha sua escova para cabelo, apertou o cabo e apareceu o agudo estilete, que introduziu numa extremidade do tubo, apertando levemente... Pelo outro lado, começou a sair o que parecia um tubo metido dentro do primeiro. Mas este tubo era incompleto, aberto em toda sua extensão por uma fenda de um quarto de polegada de largura. E ali, em diminutas cédulas, havia centenas de microfilmes bem enrolados. Deixou o tubo no chão e, com uma pinça também fornecida pela maletinha, retirou um dos microfilmes, que também deixou cuidadosamente no chão.

E de novo recorreu à maleta, da qual tirou agora um binóculo de teatro, que dois segundos depois era utilizado como visor, havendo colocado o microfilme na ranhura especial. Virou-se então para a luz e observou a primeira imagem. Teve que morder os lábios para não lançar uma exclamação. Acabou de passar o microfilme, depois fez o mesmo com três ou quatro mais. Num deles reconheceu um dos personagens que Mr. Cavanagh lhe mostrava em fotografia no seu escritório. Em outro, junto ao rosto do cliente do motel, em primeiro plano, via-se o de uma mulher, riscado por linhas que formavam um X.

Já não precisava ver mais.

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Deixou tudo como tinha encontrado, embora pensando que talvez fosse melhor levar todos os microfilmes. Deviam ser umas duas mil fotos, ao todo. E todas elas, tiradas na praia, nos quartos das cabanas, sob as árvores que rodeavam o campo de golfe, fariam enrubescer qualquer pessoa apanhada de surpresa.

Já tudo arrumado, subiu a escada, apagou a luz, abriu a porta e saiu ao corredor. Movia-se rapidamente, contraindo seu costume de espiar antes, com a cautela sempre necessária.

Tudo aconteceu em menos de três segundos. Ao mesmo tempo que a luz da cozinha, cuja porta estava

agora aberta, apanhava-a em cheio, via, no fundo do corredor, a porta traseira escancarada e, mais ao fundo, no jardim, um grande carro. Mas, também ao mesmo tempo, um homem alto, de ombros largos, cabelos longos e movimentos decididos, saia da cozinha, comendo um sanduíche. A luz, por trás dele, não lhe deixava ver o rosto.

Ele deteve-se em seco, soltando uma exclamação abafada pelo bocado Que tinha na boca. Ato continuo, deixou cair o sanduíche, levou a mão direita à axila esquerda... e Nina Temple saltou para ele, mão levantada, Ele sacara a meio a pistola, quando aquela mãozinha atingiu-o violentamente na garganta. Foi um impacto surdo, possante. Ele recuou precipitado, cuspindo o pedaço que tinha na boca. Chocou-se contra o batente da porta, caiu de joelhos e depois de bruços. Foi tudo.

Nina Temple apanhou o bocado de sanduíche cuspido pelo homem, assim como todo o sanduíche. Meteu tudo num bolso do paletó dele, apagou a luz da cozinha e, tomando-o por uma das mãos, puxou-o para a porta. Uma

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vez no exterior, tornou a fechar e arrastou o homem para o carro. Meteu-o na parte traseira e colocou-se ao volante. Deu a partida e afastou-se do chalé, pelo caminho de terra utilizado pelas camionetas que abasteciam o motel. Completamente às escuras, chegou ao caminho principal, dirigindo-se diretamente para a saída.

Lembrou-se de que, ao chegar, vira dois homens no portão. A seu lado, no assento, estava o chapéu do homem que ia na parte de trás, ignorava se morto ou vivo. Colocou o chapéu, reduzindo ao mínimo a velocidade do carro. Finalmente acendeu os faróis, justamente a tempo de ver, junto à entrada do motel, um homem perto da pequena cabina onde devia fazer seu turno. Ele não parecia animado da menor intenção de obstruir-lhe o caminho; limitava-se a olhar o carro, com as pálpebras apertadas, pois a luz dos faróis dava-lhe em cheio. Então, a grande velocidade, Nina passou a seu lado, saindo do terreno do motel.

Dez minutos mais tarde, parava fora da estrada, perto de uma cabina telefônica, Saltou, entrou nesta, fez uma chamada e voltou ao carro. Afastou-o ainda mais da estrada, passou à parte traseira e dedicou-se a examinar o homem... que estava morto. Tirou-lhe a carteira e examinou-a. Chamava-se James Cock e não parecia ser dinheiro o que lhe faltava. Descobriu na carteira um compartimento secreto, do qual tirou uma fotografia. Era de mulher. Uns cinqüenta anos e rosto agradável, sorridente. A foto estava riscada por um X.

Virou-a, com a esperança de encontrar o nome daquela mulher no verso. Apenas um endereço: 2182, Alberson Avenue. Hartford, Connecticut. E uma cifra: US$ 25.000.

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Um carro estava chegando. Deteve-se junto à cabina telefônica e seus faróis lançaram o sinal combinado. Nina passou ao assento dianteiro e respondeu ao sinal. O outro carro meteu-se por entre as árvores, deteve-se, suas luzes foram apagadas e segundos depois Frank Minello sentava-se junto a Nina, no carro do tal James Cock.

— Pelo amor de Deus... — começou ele. — Estive todo o dia esperando seu telefonema. Pensei que algo lhe tinha acontecido e recorri a esse maldito mister Cavanagh...!

— Que lhe disse para tranqüilizar-se. Não pude telefonar, Frankie. Estive todo o dia acompanhada e em minha cabana há uma câmara de televisão escondida no condicionador de ar. Além disso, não tinha nada a dizer-lhe... ainda.

— Está bem. E agora? — A primeira coisa que você fará será levar o cadáver... — Que cadáver? — sobressaltou-se Minello. — Esse... — ela apontou para três. — Chama-se... — Sei como se chama: Floyd Russell! — James Cock é seu nome. E faça o favor de deixar-me

falar. Você deixará seu carro aqui, levará o cadáver neste e o entregará na Central. Tem que chegar lá antes do amanhecer. Depois virá buscar seu carro. Compreendido?

— Acha que sou algum pateta? — Um pouco, Frankie querido. Por isso, quero que ouça

com muita atenção o que lhe vou dizer... Quinze minutos depois, Minello estava ao corrente das

instruções de Nina, detalhadamente expostas. — Está de acordo com tudo? — Claro. O que não compreendo é para que quer vinte e

cinco mil dólares e uma fotografia...

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— Compreenderá depois. Ah. Frankie, você vai levar algumas coisas de minha maleta. Não sei se já a revistaram. Creio que não, mas por via das dúvidas... E não quero comprometer-me mais, por ora. Ficarei à sua espera. Lembra-se bem de tudo?

— Lembro-me. Ouça: como vai a dolce vita? — Otimamente — riu ela. — Hoje me diverti um

bocado. Dançamos sobre a proa de umas lanchas, alguns cavalheiros caíram no mar, depois tivemos um luau... E fique sabendo que um velhote está me esperando, em minha cama.

— Co-como... como? — gaguejou Minello. — Sente ciúmes? — Ciúmes! — exclamou Minello. — Você é a mais

cruel e perversa das mul...! — Chega, chega — tornou a rir Nina. — Ele tem mais

de sessenta anos, é gordo, careca e feio. Embebedei-o com champanha. E quando acordar, pela manhã, eu o convencerei de que é um amante vulcânico. Vai ficar maravilhado.

— Então... não aconteceu nada? — Claro que não. Tenho recursos para tudo, querido. — Bem, assim está melhor. — Agora, suma daqui. Tenho que voltar a pé ao motel,

deslizar até minha cabana sem que ninguém me veja e deitar-me ao lado de meu fogoso velhote. Disporei de três ou quatro horas para descansar, apenas. A dolce vita é realmente exaustiva! Adeus, Frankie.

— Sabe de uma coisa? — resmungou ele. — Não gosto de você loura. Nada, nada.

— Pois nem todos pensam assim, querido.

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— Ah; você não perguntou de minhas gestões jornalísticas sobre a negra volumosa!

— É verdade. Que conseguiu saber? — Quando fui à casa da sua amiga, o marido não estava,

tal como você supôs. Disse à negra que era um repórter e queria saber algo sobre o ocorrido. Primeiro declarou que não tinha nada a dizer, mas achou-me simpático e... Bem, estivemos conversando bastante tempo. Ela esteve quase seis anos com a sua amiga e gostava muito dela...

— Que mais, Frankie? Tenho pressa. — Bem. Você tinha razão: os Darrows não se davam às

maravilhas. Connie... quero dizer a negra, é de opinião que o tal Peter não passa de um espertalhão. Lucille censurou-o mais de uma vez por ter-se casado com ela por puro interesse, ao que ele ria, perguntando-lhe se tinha esperado outra coisa.

— Continue. — Parece que ele gastava um bocado de dinheiro.

Dinheiro dela, claro. Lucille estava sempre dizendo que não lhe daria mais, porém quando ele a beijava a coitada não tinha meio de resistir.

— Compreendo... E adivinho o resto. — O que você não adivinharia nunca é a última soma

que ele lhe conseguiu arrancar. — Algo além de vinte e cinco mil dólares. Não? Minello quase deu um grito de raiva. — Diabo! Como é que você sabe? Foram trinta mil

exatamente. Não deixou por menos, o sem-vergonha. — Lucy tinha muito dinheiro. Podia permitir-se o luxo

de um marido caro. A isso eu não teria nada que opor, se ele a tivesse tratado com mais carinho. Ela merecia ser feliz.

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— Creio que todos merecemos ser felizes, não? — Sim, Mas todos, de um ou de outro modo, sabemos procurar nossa felicidade; Lucy, não. Esperava que os outros lhe dessem sua parte de felicidade. E enganaram-na miseravelmente. Mas neste nosso asqueroso mundo tudo tem seu preço... Adeus, Frankie.

CAPÍTULO DÉCIMO Mr. Longstaf partiu no dia seguinte, muito satisfeito,

embora bastante confuso. Por mais que buscasse em sua memória, não conseguia recordar certos detalhes que lhe teriam sido muito gratos. De qualquer modo, tinha que ser verdade, pois ali estava miss Temple, junto a seu carro, para carinhosas despedidas.

— Veremos se voltará mesmo aqui antes que eu me ausente, mister Longstaf — sorriu ela, com doçura. — Passamos momentos tão agradáveis!

— Obrigado, obrigado... Claro que voltarei! E breve, muito breve!

— Oh, isto me alegra! Ele se foi, olhando-a pelo espelho retrovisor. E pareceu

furioso quando, ainda perto, viu outro dos clientes dirigir-se a Nina...

Enquanto isto, ela sorria angelicamente para o cavalheiro que lhe fizera a proposta. Era alto, forte, parecia ter no máximo quarenta anos e vestia-se com elegância.

— Encantada, mister Hamilton — aceitou com entusiasmo. — É muito gentil por convidar-me,

— Bem... Para lhe ser sincero, receava que não apreciasse a pesca, miss Temple.

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— Oh, adoro tudo o que se relaciona com o mar! E sou uma pescadora aceitável, pode crer. Embora seja melhor com um arpão que com um caniço... Caça submarina, eis o meu forte.

— Gosta de caça submarina? — assombrou-se o homem.

— Se gosto? Mais que isto: sou fanática! — Oh, pois eu também! Poderíamos... Que é? Nina fizera uma cara desolada. — Creio que a água está um pouco fria para isso, não?

Mesmo com trajo de borracha, ficaríamos gelados. — Num dia assim? Impossível! Ontem muitos de nós

caíram no mar e não aconteceu nada. Menos ainda acontecerá com um trajo de borracha completo. Depois poderíamos apanhar sol em alguma praia tranqüila... e solitária. Estou certo de que traremos peixe para todos os hóspedes do motel. Que tal?

— Está bem. Mas prometa-me que sairemos quando disser. Não quero virar sorvete debaixo da água, mister Hamilton.

— Prometido — o elegante cavalheiro ergueu a mão: — sairemos quando quiser.

* * * — Não é nada grave — disse a Dra. Granger —, mas

será conveniente que se conserve deitado por dois dias, pelo menos. Resfriou-se tremendamente e, na verdade, o lógico seria que tivesse apanhado uma pneumonia. Como lhe ocorreu a idéia de mergulhar nesta época do ano, com a água gelada?

— A idéia não foi minha — declarou Nina.

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— É verdade — admitia Hamilton, metido na cama e muito bem abrigado, com o rosto violáceo. — Atchim! A idéia foi minha. Quando soube que miss Temple gostava de caca submarina, propus que déssemos uns mergulhos... Atchim!

— Mas, querido mister Hamilton — protestou Nina, de pé e viçosa como uma flor junto ao leito: — eu lhe preveni que, mesmo com trajo de borracha, sentiríamos frio, mas, insistiu tanto...

— Eu sei, eu sei. Só que... Atchim! — Saúde — sorriu ela. — Bom — disse a Dra. Granger —, não é momento de

discutir, mas de cuidar do enfermo. Sobretudo, que permaneça bem abrigado. Imagino que existe neste motel alguém capaz de aplicar as injeções que vou receitar-lhe.

— Injeções! — apavorou-se, Hamilton. — Nunca tolerei essa coisa! Por favor, nada de injeções.

— Eu posso aplicá-las — garantiu Nina. — E com muito gosto me encarregarei de cuidar de mister Hamilton.

— Ótimo. Eu farei com que as ampolas cheguem às suas mãos, miss Temple. Aplique a primeira o quanto antes; a segunda, dentro de seis horas. Depois, uma cada doze horas. Depois de amanhã, voltarei para ver como vai ele — voltou-se para Hamilton. Acredite, amigo, que teve muita sorte. A que profundidade mergulhou?

— Não sei. Penso que... uns vinte metros... — Vinte metros! Devia estar louco! A essa

profundidade, neste época, a água está pouco menos que congelada!

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— Bem, miss Temple mergulhou primeiro e eu a segui... Atchim! Ela tinha dito que daria o sinal para subir e... eu esperei... esperei... Atchim!

— Quase poderíamos dizer — a doutora sorriu, olhando para Nina — que miss Temple é uma criatura extraordinária. Enfim, são coisas que acontecem: às vezes os mais fortes caem antes. Estamos de acordo, então? Dois dias de cama, pelo menos. Adeus. Logo mandarei as injeções.

A doutora retirou-se, cruzando na porta com Clotilde, que entrou na cabana sorrindo um tanto ironicamente. Colocou-se junto ao leito do enfermo e, olhando de relance para Nina, exclamou:

— Que lamentável contratempo, mister Hamilton! Naturalmente, durante o período em que estiver enfermo, considere-se convidado da direção do motel. Posso lhe ser útil em alguma coisa?

— Não, não... Obrigado. — Mas, homem de Deus, como lhe ocorreu mergulhar

numa água tão fria? Espero que cuide bem dele, miss Temple. Embora, naturalmente, não esteja obrigada a isso, já que e outra hóspede do motel. Assim, se prefere que chamemos uma enfermeira...

— Oh, não... Simpatizo imensamente com mister Hamilton de modo que o cuidarei com o maior prazer.

— Muito bem. Até logo, então. Qualquer coisa que precisem, não hesitem em recorrer a mim.

— Poderei ficar todo o tempo à cabeceira de mister Hamilton — disse Nina. — Pergunto-me se há algum inconveniente.

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— Nenhum. Pelo contrário, todos lhe ficaremos muito agradecidos, miss Temple.

— Atchim! — espirrou Hamilton. * * *

— O certo — riu Clotilde — é que essa garota tornou a esquivar sua obrigação primordial. Hamilton está realmente na cama, porém sozinho, e não creio que com idéias de jerico. Francamente, Odile, essa Nina me agrada.

— É esperta demais. — Ora... Afinal, não podia ter certeza de que Hamilton

se resfriasse tão fortemente ao mergulhar. — É esperta demais — insistiu Odile. — Não é preciso ser muito esperta para enganar essa

espécie de gente. Para uma jovem como Nina, é fácil manejar tipos como Hamilton e Longstaf... — riu. — Entre.

Tinha soado uma batida na porta do escritório. Três garotas entraram, sorrindo sem muita vontade. Ficaram diante de Clotilde, que as olhou analiticamente.

— E então? Parece que estão cansadas, queridas. — Sim, estamos... Queremos tirar umas férias, por

turnos. Esses homens são fatigantes. Passam o dia procurando a mesma coisa. Dedicam-se a inventar coisas que eles chamam “divertidas”. Bem, é possível que se divirtam, pois vêm queimar suas energias aqui durante um curto período, mas nós que aqui ficamos todo o tempo...

— É. Vocês parecem verdadeiramente cansadas. Falaremos disso depois. Como se foram com as fotografias? Eu lhes indiquei especialmente o senador Tucker. Conseguiram alguma coisa dele?

— Eu me encarreguei disso — adiantou-se uma.

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— E conseguiu uma foto que... Bem, não a publicariam na mais pornográfica das revistas, garanto.

— Esplêndido, Debbie. E vocês? As outras duas encolheram os ombros. — O de sempre. Filmamos várias cenas que cortariam a

respiração de qualquer um. Eles se mantêm tão... ocupados, que não percebem nada. Nem imaginam que nós estamos por perto, empunhando nossas câmaras.

— Tampouco desconfiam da existência de câmaras de televisão em seus quartos. Está bem, deixem aqui todos os filmes e tratem de descansar. Amanhã falaremos sobre as férias que desejam... Nada sobre Cock?

— Estivemos nos alternando no portão. Dilham insiste em que esta noite o carro de Cock entrou, com ele ao volante. E um pouco mais tarde tornou a sair.

— É estranho... Cock costuma voltar de noite, passa pela cozinha, depois dorme aqui no chalé, de modo que na manhã seguinte está entre nós... Por que esta vez terá vindo para tornar a sair? É possível que Dilham esteja enganado.

— É possível. Mas o carro que disse ter visto era o de Cock, segundo garante.

— Talvez Cock tenha esquecido alguma coisa, que decidiu ir buscar.

— Cock e Russell são muito cuidadosos. Nunca esquecem nada.

— De qualquer modo, não temos mais remédio que esperar. Ele certamente telefonará de qualquer parte para explicar-nos o ocorrido. Bem, vocês podem ir.

As três garotas deixaram os filmes utilizados durante o dia, metidos em diminutos estojos metálicos, e saíram do escritório.

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— Parece que chegou o momento de substituir essas três — disse Clotilde. — Creio que podemos contar com Nina Temple para ser uma das substitutas. Veremos. Ouviu alguma coisa sobre o que se prepara para esta noite, Odile?

— Os hóspedes não costumam falar muito entre si a este respeito; parece que têm um pouco de prevenção. Mas as garotas garantem que todos eles aceitam o banho de champanha.

— Outra vez? — Clotilde parecia um pouco entediada. — Terei o cuidado de mandar que se ponha mais soda que champanha na banheira. Não vejo razão para desperdício. A qual delas toca a vez?

— Tinha-se pensado em Nina Temple, mas já que ela se dedicou tanto a Hamilton...

— Não seja sarcástica. Claro que Nina seria a escolha ideal para o banho de champanha. Mas terão que se conformar com qualquer outra... De qualquer modo, para ver uma garota banhando-se em champanha numa banheira móvel, tanto faz que ele seja um pouco mais bonita ou um pouco mais feia. Suponho que dançarão, que a coroarão na banheira, tudo como sempre.

— Ontem foi música havaiana... Hoje parece que querem música concreta. São uns loucos.

— Mas pagam... — comentou Clotilde. — E pagarão muito mais. Muitíssimo mais. Ontem tive que chamar precipitadamente Russell, para que aceitasse o encargo de um novo envelope. É perto, pelo que talvez ele possa fazer o trabalho hoje mesmo. Russell é muito competente.

— Não houve nenhum envelope hoje? — Ora, vamos, Odile... Não é todo dia que podemos ter

um cliente dessa classe. Estamos ganhando muito dinheiro,

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só com o motel. Espere que passe um tempo, até começarmos a utilizar todo o material de que dispomos... Bom — sorriu friamente —, tenho a impressão de que algo vai mudar muito nos Estados Unidos. Coisa que nossos divertidíssimo hóspedes nunca poderiam imaginar... Sabe se alguém está na lavandaria?

— No momento, não. — Vou lá guardar estes filmes. Certamente já temos

demasiado material sobre as sessões noturnas nas cabanas. Terá que ser transformado em microfilme... Eu me encarregarei disso também. Penso — murmurou, pensativa —, que estamos correndo um risco muito grande, mas valerá a pena. Dentro de quatro ou cinco anos...

Sorriu e não precisou falar mais, pois Odile a compreendia muito bem. Sim. Dentro de quatro ou cinco anos, as coisas sofreriam uma transformação surpreendente nos Estados Unidos. Tão surpreendentes, que o mundo inteiro levaria muito tempo para admiti-lo ou aceitá-lo.

Naquela tarde ainda houve “jogos pessoais” na praia, perto do campo de golfe e no bosque. A noite, aconteceu o banho de champanha, cuja protagonista foi uma jovem morena, de grandes olhos cor de café e que mergulhou no líquido dourado e borbulhante, enquanto dançava-se amalucadamente ao seu redor. Por sorte, pode sair relativamente cedo da banheira inundada de champanha e escapar correndo como uma gazela por entre braços que pretendiam agarrá-la, para meter-se sob o chuveiro, vestir-se e vir participar da festa mais diretamente.

Enquanto isso, em sua cabana, mister Hamilton, com um termômetro na boca, esperava que Nina Temple acabasse de encher uma seringa hipodérmica. Ouvia a música e os

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ruídos da animada festa, muito distante. Quando Nina se aproximou da cama, seringa em riste, e tirou-lhe o termômetro da boca, ele insinuou, hesitante:

— Também nós poderíamos divertir-nos... — Acaso tem a intenção de suicidar-se? — exclamou

ela. — Está com uma febre altíssima, querido! Vamos, vamos, seja um bom menino... e ponha-se de barriga para baixo; chegou a hora.

— Tenho horror a injeções... — Pois terá que conformar-se. Ficarei toda a noite com

você, cuidando de sua saúde e tirando minhas sonecas na poltrona... Mas se não colaborar, retiro-me agora mesmo.

Mr. Hamilton colaborou. Deitou-se de barriga para baixo e, segundos depois, lançava um abafado grito mais de raiva que de dor, ao receber a agulhada na nádega.

O que ainda não podia compreender era como aquela jovem pudera suportar a pressão e a frialdade da água, enquanto ele, que se considerava um perfeito atleta... Atchim!

Saúde, Mr. Hamilton.

CAPÍTULO DÉCIMO PRIMEIRO — Como vai ele? — perguntou Clotilde. — O melhor possível, suponho — sorriu Nina. — Calculo que amanhã estará em condições de voltar

para casa. Naturalmente ninguém o cuidará tão bem como sua esposa.

Clotilde olhou de relance para Odile, que tinha detido o funcionamento do aspirador de pó quando Nina Temple entrara no escritório e ouvia em silêncio, com expressão

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indiferente. O dia estava formoso, com um sol magnífico, que inundava o escritório através da janela.

— Você tem senso de humor, Nina — observou Clotilde. — De fato, ninguém cuida melhor de um homem que sua própria mulher. Acho-a também inteligente. Ou talvez astuta... Estou enganada?

— Sei que não sou tola — disse Nina. — Mas não me considero inteligente nem astuta. Por que diz isso?

— Há duas noites que está aqui. A primeira foi com mister Longstaf, o qual devemos admitir que é um pobre idiota. Quanto a mister Hamilton, você devia estar convencida de que ele apanhava uma pneumonia ou algo parecido, deixando-a tranqüila durante a noite... Certo?

— Creio que não a compreendo — murmurou Nina. — Não? Clotilde sacou de seu esconderijo o televisor e apertou o

botão correspondente à cabana de Hamilton. Pode-se ver perfeitamente todo o quarto e, na cama, mister Hamilton com expressão muito preocupada, termômetro na boca, esperando que passasse tempo suficiente para tomar conhecimento de sua temperatura. Nina Temple soltou uma exclamação e olhou assustada para Clotilde, que sorriu compreensiva.

— Como vê, o que ocorre nas cabanas não é segredo para mim. Tampouco é provável que me escape grande coisa do que se passa durante o dia nos jardins, piscinas, campo de golfe ou quadras de tênis. Vai compreendendo?

— Não sei... Penso que não... — Você gostaria de ganhar o dobro? Quinhentos dólares

diários? — Quinhentos dólares... Teria que fazer o quê?

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— Esta é a pergunta exata. Minha resposta é que sairia ganhando em tudo. Ao que parece, gosta de... selecionar seus amigos e acho que faz muito bem. A companhia de homens como Lougstaf não é agradável. Assim, pensei em mudar seu trabalho.

— Que espécie de mudança? Clotilde exibiu um pequeno objeto metálico, dizendo: — Esta é uma câmara fotográfica especial. Tira

fotografias com qualquer luz até vinte e cinco metros de distância. Pode mudar seu trabalho atual por este outro.

— Mas... que teria que fotografar? — O que fosse vendo por ai... sem que a vissem. Quanto

mais fotografias, melhor. Depois, saindo-se bem, poderia operar uma fumadora.

— Fotografaria os clientes e as garotas? — Bem... Essa é exatamente a idéia. Quinhentos dólares

por dia. — É um trabalho ainda mais sujo que o meu — opinou

Nina. — Eu sei. Mas dentro de um ano poderá ter nada menos

de duzentos mil dólares. Uma bonita soma, creio eu. É apenas uma questão de acostumar-se. Não sei se o interpreta assim, mas estou tratando de ajudá-la, Nina.

— Sim, compreendo... E lhe agradeço muito. Na verdade, duzentos mil dó...

Nina Temple calou-se, pois acabava de soar uma batida na porta. Clotilde mandou entrar e Dirk, o recepcionista, apareceu.

— O novo cliente — anunciou. — Acaba de chegar. — E...? — Clotilde arqueou as sobrancelhas.

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— Parece um tarado... Chegou esfregando as mãos, olhando para todas as garotas como um sátiro e dizendo aos gritos que vai se divertir como nunca em sua vida. Creio que é algum pobre-diabo que arranjou mil ou dois mil dólares e veio aqui para comportar-se como um animal. Não é a espécie de gente a que estamos acostumados, Clotilde.

— Que contratempo... Entretanto, alguém o recomendou. Quem foi?

— Já lhe disse ontem. Telefonaram do Clube, dizendo que estava lá um recomendado de Peter Darrows. Seu pedido teve que ser aceito e, como a cabana de mister Chalmers estava vaga...

Clotilde levantara-se e estava olhando um pequeno fichário, do qual extraiu um retângulo de cartolina.

— Peter Darrows... — murmurou. — Não podemos desconsiderá-lo, Dirk. Depois se dará um jeito neste assunto. Por hora, é preciso admitir seu recomendado... Que nome tem?

— Frank Minello. Nunca tinha estado aqui. — Claro. Admita-o, depois veremos o que fazer. Em que

cabana vai colocá-lo? — Na 28. — Está bem. Resolverei qualquer coisa mais tarde. Pode

ir. O recepcionista abandonou o escritório e Clotilde tornou

a dedicar sua atenção a Nina, depois de guardar a ficha de Peter Darrows.

— Onde estávamos, querida? — Eu ia dizer-lhe que duzentos mil dólares chegam para

o que sempre desejei fazer. E que procurarei realizar meu novo trabalho do melhor modo possível.

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— Esplêndido. Sabe como se manejam estas câmaras? — Não. Nunca vi nenhuma igual... — Venha. Eu lhe ensinarei em poucos minutos. É muito

fácil... Devia ser muito fácil, com efeito, pois Nina Temple o

aprendeu em menos de três minutos. Para certificar-se, pediu licença para experimentar e bateu duas ou três fotos de Clotilde, com Odile olhando-a tristemente, no fundo.

— Esperemos que saiam bem, para meu arquivo — sorriu Clotilde. — Nos primeiros dias, vá com muito cuidado. Seria inconveniente que algum hóspede se desse conta do que estamos fazendo. Muitíssimo inconveniente!

— Mas... Por que o fazemos? Para chantageá-los depois?

— Nada de perguntas, Nina — disse secamente Clotilde. — Tudo o que tem a fazer é trabalhar.

— Desculpe. Posso ir? — Espere um momento. Clotilde apertou o botão marcado 28 e, poucos segundos

depois, apareceu o quarto daquela cabana. Um tipo alto, atlético, de cabelos ondulados e a expressão de uma criança encantada com um brinquedo novo, estava tirando coisas de uma maleta. Sem paletó e com uma camisa de manga curta, exibia fortíssima musculatura.

— Puxa... Não se pode dizer que mister Minello seja um homem feio. Pena que tenha maneiras tão inconvenientes.

— Realmente — concordou Nina. — É sem dúvida o que se chama um tipão. Creio que com ele eu não precisaria usar nenhum de meus pequenos truques.

— Ah, sim? Ele é novo aqui... Veio recomendado por um bom cliente, mas não podemos fazer-lhe perguntas

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sobre mister Minello enquanto aqui não voltar. Entretanto, gostaria de saber algo sobre este homem. É norma da casa, compreende? Você se atreveria a lidar com ele?

— Sem dúvida! Mas... e mister Hamilton? — Esqueça-o. Qualquer outra cuidará dele. — É que gosto de espetá-lo — riu. — Pois quando for a hora apareça por lá e espete-o —

riu também Clotilde. — Poderia também tentar fotografá-lo em tão estranha posição. Afinal de contas, os homens temem mais o ridículo que qualquer outra coisa. Daremos um jeito para que você continue a espetar mister Hamilton. Por enquanto, veja o que consegue saber desse Frank Minello.

— Vou começar agora mesmo... — sorriu Nina. — Até logo. Pouco depois, na tela do televisor, Minello virava-se

para a porta do quarto, na qual aparecia Nina Temple, sorrindo docemente.

— Bom dia — saudou Nina. — Olá! — exclamou Minello. — Puxa, que gostosura! — Como disse, cavalheiro? — Disse que você é um bocado gostosa! E há muito

tempo estou procurando uma garota assim! Ela pestanejou, como se não estivesse apenas

surpreendida mas assustada. — Creio, cavalheiro, que está se expressando de um

modo... pouco educado. Eu simplesmente detesto ouvir vulgaridades. Adeus.

Fez meia volta, mas Minello praticamente lançou-se sobre ela, segurando-a por um braço.

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— Um momento, um momento, benzoca! Que é que há? Terei dito alguma coisa que a desgostou? Afinal de contas, você invadiu minha cabana. Por que o fez, se não queria intimidades comigo?

— Solte meu braço, cavalheiro: não quero apanhar uma gangrena.

O esfuziante hóspede do “Lucky Star Motel” ficou boquiaberto uns segundos. Por fim, soltou uma gargalhada e o braço da belíssima loura.

— Está certo! — exclamou. — Mas asseguro-lhe que não sou venenoso. Vamos ver, boneca, vamos ver... Você entrou aqui como se quisesse me agarrar e agora se faz difícil... Afinal, o que quer?

— Eu o vi chegar e, como estou organizando um baile a fantasia para esta noite, pensei que o melhor modo de dar-lhe as boas-vindas seria convidá-lo. Vi a porta aberta e entrei, talvez um pouco sem-cerimoniosamente. Mas, como vê, não quero agarrar ninguém... E meu nome é Nina. Não sou mais que uma hóspede do motel, também eu. Se o incomodei, desculpe e bom dia...

— Espere, espere! Vejamos se compreendo: veio dar-me as boas-vindas, convidar-me para um baile a fantasia e pede-me desculpas se por acaso me incomodou... É isso?

— Exatamente, cavalheiro. — Bem — Frank Minello piscou um olho. — Não

vamos pretender enganar-nos mutuamente, hem? — A que se refere? — Com todos os diabos! Ouça, mulher curvilínea, eu

não estou aqui por acaso, compreende? Um amigo me recomendou o lugar e sei muito bem como funciona este estabelecimento... Correto?

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— Sem dúvida,, veio bem orientado, mas mal aconselhado, ao que parece. Receio que suas maneiras lhe criem dificuldades neste motel.

— Por Quê? — Os outros cavalheiros são mais simpáticos e,

sobretudo, mais educados. Ele a olhou atentamente, depois sorriu e deu de ombros. — Bem, me desculpe. Parece que, com efeito, vim mal

aconselhado. Talvez por isso esteja-lhe parecendo desagradável.

— Bastante... Vim aqui com as melhores intenções, tentando fazer com que não se sentisse sozinho, pois foi o último a chegar, e defronto-me com um abusado, se me permite dizê-lo.

— Permito, porque o mereço — sorriu ele. — Não poderá perdoar minha grosseria?

— Ah... Parece-me outro agora, mister... — Frank Minello. Encantado por conhecê-la. — Obrigada... Sim, parece outro. Meu nome é Nina

Temple. Se promete comportar-se convenientemente, mantenho meu convite.

— Muito lhe agradeço. E aceito com satisfação.. . Como deverei fantasiar-me?

— Como quiser. Faça-me uma surpresa. — Vou tentar. Embora tenha pouca imaginação. Mmm...

Posso perguntar-lhe se já está comprometida com alguém para esta noite, miss Temple?

— Não... — sorriu ela. — Ainda não tenho par. — Nesse caso... se não houver objeção... gostaria de

convidá-la.

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— Aceito! É impressionante como mudou tanto em tão poucos minutos, mister Minello!

— Não, não... Na realidade sou assim. É que imaginei outra coisa... Não sei se me entende.

— Entendo-o muito bem. Estou com vontade de jogar tênis esta manhã... Gosta de tênis, mister Minello?

— Oh, sim? Gosto de todos os esportes. — Acredito. Sua aparência é a de um perfeito atleta.

Espero-o nas quadras dentro de meia hora, então? — Lá estarei. Permita-me acompanhá-la até à porta... Saíram ambos do quarto, colocando-se fora do alcance

da câmara de televisão em circuito fechado. A um sinal de Nina, Minello entregou-lhe rapidamente um envelope, que ela enfiou no bolso do short.

— Tudo bem, Frankie? — perguntou-lhe. — Viu mister Cavanagh?

— Sim, vi. Tudo bem. Vamos mesmo jogar tênis? — Claro. — Não seria melhor fazermos outra coisa? — Adeus, mister Minello — disse ela, em voz — Até já, mister Temple... Foi um prazer. Nina dirigiu-

se para sua cabana, que ficava perto. Entrou, foi ao quarto, começou a despir-se. O telefone tocou sobre a mesinha de cabeceira.

— Alo? — Aqui é Clotilde. Bom trabalho, Nina. — Obrigada. — Gosto de seu estilo. Procure descobrir coisas sobre

nosso novo cliente durante o dia de hoje. Discretamente, querida.

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— Oh, sim, não se preocupe. No fundo, ele parece um bom rapaz.

— Acredito... Todos os que vêm aqui são bons rapazes! Até logo.

— Até logo, Clotilde. Clic. Acabou de trocar de roupa. Foi ao pequeno living,

apanhou um envelope com o timbre do motel e sentou-se na poltrona onde deixara o que fora entregue por Minello, abriu-o, sacou o maço de cédulas de cem e cinqüenta dólares e uma foto, que olhou durante uns segundos. Por fim, meteu dinheiro e fotografia no envelope do motel, colou-o e tornou a colocá-lo no bolso do short. Com o envelope vazio foi ao banheiro, onde o queimou fazendo as cinzas desaparecer na privada. Finalmente, saiu da cabana.

Pouco depois estava diante do balcão, sorrindo para Dirk, que lhe retribuía o sorriso, encantado com a vida.

— Claro que temos raquetas de tênis! Agora mesmo lhe trarei duas. Creio estar um pouco atrasada hoje. Os outros já estão se divertindo por ai.

— Tratarei de recuperar o tempo perdido — declarou Nina.

— Naturalmente! — riu Dirk. — Vou buscar as raquetas.

Afastou-se pelo corredor. De imediato, Nina passou ao vestíbulo, certificou-se de que ninguém a via, tirou o envelope com o dinheiro e a foto do bolso e introduziu-o na caixa. Quando Dirk regressou com as raquetas, ela estava novamente diante do balcão.

— Aqui as tem, miss Temple. — Obrigada, Dirk. Até já.

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CAPÍTULO DÉCIMO SEGUNDO

— Outro envelope? — perguntou Floyd Russell. — Sim. E terá que ir você, pois Cock ainda não voltou

— disse Clotilde. — Mas Dilham afirma que o viu chegar esta noite e

depois sair... Estranho esse comportamento do Jim, Clotilde.

— Também eu. De qualquer modo, vamos conceder-lhe uma margem de espera antes de começar a preocupar-nos por isso, pois é possível que atrapalhemos uma de suas manobras. Você sabe melhor que ninguém que os de sua profissão agem às vezes de um modo esquisito.

— Sim, claro — sorriu Russell. — Veremos que explicação ele nos dará quando aparecer. Tem a fotografia para o meu novo trabalho?

Clotilde entregou-a. Ele lançou um olhar ao endereço escrito no verso, franziu a testa e, dando volta à foto, soltou uma exclamação.

— Diabo! Que é isto? — Uma foto. — Mas... mas... — Sei o que está pensando, Floyd. Na verdade. é

estranho. Mas não podemos deixar de cumprir o contrato. Bem sei que é uma possibilidade que vamos perder, mas não há outro remédio.

— Acho isto absurdo! — Parece. De um ou de outro modo, terá que fazê-lo.

Algum inconveniente? — Claro que não! Por mim...

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— Também a mim não importa muito, faça seu trabalho e, quando chegar o momento, conversaremos com mister Frank Minello, o novo hóspede de que lhe falei e que veio recomendado por Peter Darrows.

— Não entendo isto... Enfim, você manda. Adeus, Odile. — Adeus — disse esta, que como sempre havia

permanecido taciturna. Floyd Russell saiu do escritório e pouco depois do chalé,

direto para seu carro. — Floyd! Virou-se e sorriu para Nina Temple, que corria

graciosamente para ele, agitando a raqueta de tênis, Ela chegou e olhou-o com expressão de censura.

— Olá, Nina. — Floyd, você me enganou... Disse que ficaria mais

comigo e nem sequer apareceu. Passei o dia de ontem esperando-o...

— Sinto muito. Tive algo a fazer. De qualquer modo, vejo que está muito bem acompanhada. Seu amiguinho de hoje é um bonitão...

— Não passa de um boboca — riu ela. — Floyd, você veio para ficar um dia, pelo menos? Poderíamos...

— Não é possível, Nina. Preciso ir. — Oh! E quando voltará? — Farei o possível para vir amanhã. Se o fizer, você

estará livre para mim? — Estarei, Floyd! Amanhã digo a esse estafermo que

tenho outro compromisso e podemos passar o dia juntos... Você não está me enganando, hem? Virá amanhã?

— Prometido. Acabarei hoje mesmo algo que tenho pendente e amanhã virei vê-la, Nina. Mas agora preciso ir...

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Ah, meus parabéns; Clotilde me disse Que você é uma garota inteligente.

— Isso o surpreende? — Não. Amanhã conversaremos sobre tudo. — Está bem. Até amanhã, Floyd. Ele deu a partida no carro e Nina voltou para junto de

Minello, que perguntou, sorrindo: — Não é esse o tal Floyd Russell, querida? — É — murmurou ela. — Você já pode chamar,

Frankie. — Mr. Cavanagh? — Sim. Sabe o que tem a dizer-lhe. Depois esconda o

maço de cigarros com o radinho num lugar seguro, pois podemos precisar dele a qualquer momento.

— De acordo. — Agora tomemos um chuveiro, antes de almoçar. — Okay, okay — resmungou Minello —, há coisas em

que sei pensar sozinho... Que faremos esta tarde? — Nada. À dolce vita, simplesmente: — Whoopee! — celebrou ele. — Quero dizer que todos pensarão isso. Mas estaremos

passeando, nós dois, muito formais. E que pensem o que quiserem.

— Não poderíamos dançar, ou fazer algo útil como beijar-nos ou amar-nos...? Que diabo, eu vim aqui para gozar do bom e do melhor!

— E lhe parece pouco estar todo o dia ao meu lado? — Não, é claro. Mas eu pensei que, num ambiente tão

sugestivo, você terminasse por atender às minhas súplicas... Encaminharam-se para as cabanas, Minello

argumentando com eloqüência a favor de suas pretensões e

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as róseas esperanças que tinha alimentado. Mas miss Nina Temple, sorrindo sempre, não precisou dizer nada para fazê-lo compreender que os sonhos... sonhos são.

CAPÍTULO DÉCIMO TERCEIRO

Quando a banheira apareceu no salão, colocada sobre

uni suporte com rodízios e empurrada pelos dois mascarados, todo o mundo aplaudiu. As três garotas encarregadas da música tocavam freneticamente. Havia toda espécie de disfarces, desde fantasmas envoltos em lençóis até a quase nudez atlética de Minello, que com uma tanga de pele e uma faca na cintura, dava saltos espetaculares e longos gritos, assegurando que era “Tarzan dos Macacos”. Sua companheira tinha todo o corpo coberto por uma superaderente malha, que a transformava numa estupenda estátua negra. Na cabeça tinha um capuz que lhe ocultava completamente o rosto, com dois orifícios para os olhos e um para a boca. Mas, por muito que se tapasse, todos sabiam que era a mais bela das belas jovens presentes. Na cintura trazia um pequeno machado, que com um pouco de boa vontade e outro pouco de imaginação podia ser considerado como a arma terrível de um sanguinário verdugo.

Havia de tudo, ou quase: cavalheiros com imensas cabeleiras a Luís XIV, ciganos, dois Robin Hoods, três cowboys, bailarinas clássicas, um palhaço... O teto estava cheio de balões coloridos e vez por outra um mosqueteiro espetava algum com sua espada de madeira, provocando grande hilaridade.

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Entre risos, música, ruído de copos, fumaça de cigarros e uma confusão tremenda, apareceu por fim a banheira com a bonita garota morena de olhos cor de café, tomando um refinado banho de champanha... com soda, coisa que poucos sabiam. Estava envolta em espuma e agitava os braços, saudando e salpicando todos. Um número que já se tornara tradicional nas festas que se organizavam no “Lucky Star Motel”.

— A banheira, a banheira...! — Viva a rainha da banheira! — Queremos que ela sala da banheira! Um cavalheiro mais ou menos disfarçado de astronauta

aproximou-se da moreninha, desarrolhou diante dela uma garrafa de champanha, depois de agitá-la, e lançou-lhe o borbulhante jato em cima, ajudando-a com grande eficiência a libertar-se de parte da espuma que a cobria, com o que ela perdeu em espetacularidade mas ganhou em beleza.

Minello soltou um aterrador grito de Tarzan. Todos estavam tão entusiasmados com a idéia do navegante espacial, que muitas garrafas de champanha foram assestadas contra a garota da banheira, que, de pé, continuava saudando e perdendo cada vez mais sua proteção de espuma. Assim, ninguém se deu conta quando pela porta e a porta-janela do terraço começaram a aparecer mais personagens disfarçados, que se misturaram rapidamente e com grande discrição aos direitíssimos gozadores da dolce vita. Tampouco repararam quando um deles aproximou-se da dama de negro e dissimuladamente entregou-lhe qualquer coisa. Nem quando esta retirou-se do salão.

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Chegou ao vestíbulo, subiu rapidamente a escada, chegou diante da porta do escritório e abriu-a sem hesitação, erguendo o que lhe havia entregue sub-repticiamente um dos recém-chegados e que era nada mais nada menos que uma automática com silenciador.

Clotilde Cunning levantou vivamente a cabeça, franzindo a testa ante aquela intromissão, mas sua fisionomia logo se alterou à vista da arma firmemente empunhada. pela intrusa.

— Boa noite, Clotilde. — Nina... Que quer? Que significa essa pistola? É de

plástico? — Não. De chocolate. Afaste-se dai, Clotilde. Uma das

coisas que me interessam é justamente esse fichário que está examinando. Assim... Mais alguns passos para o sofá. Sente-se, querida. E ponha as mãos sobre seus formosos cabelos.

— Está louca? Que é que...? — Sente-se. A voz de Ninar teve tal inflexão que Clotilde sentou-se

imediatamente e pôs as mãos na cabeça. Aproximando-se, Nina lançou um olhar às fichas que ela estivera examinando, depois guardou-as no fichário e fechou este.

— Depois virão buscá-lo. Agora... Com a velocidade de um raio, virou-se para a porta,

ergueu a pistola e apertou o gatilho. Plop. Dirk, o recepcionista, acabou de abrir a porta e entrou,

empunhando uma pistola. Deu três ou quatro passos, deteve-se, olhou para Nina e, subitamente, seus olhos ficaram brancos. Dobrou os joelhos e caiu no chão,

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enquanto uma feia mancha se espalhava por seu peito. Um pontapé enviou sua arma ao canto mais afastado do escritório. Quando Nina tornou a olhar para Clotilde, esta havia empalidecido intensamente.

— Ele vinha dizer-lhe que algo está acontecendo lá embaixo, querida. Uns amigos meus vieram participar da festa. Parece que nossos clientes foram apanhados numa situação pouco decorosa. Claro que bem o merecem, não acha?

— Quem é você... e o que quer? — Acabar com este ninho de corvos. Mas isso, em si,

não tem muita importância, pois sempre haverá gente disposta a desfrutar a dolce vita, não lhe faltando onde fazê-lo, O que me interessa é conhecer a fundo seu sistema para assassinatos e quanta gente está às suas ordens. Conheço Floyd Russell e Jim Cock. De quantos mais dispõe?

— Como soube...? — balbuciou Clotilde. — Quantos? — Dois... Somente eles... — Bem. A respeito de Cock, tenho uma triste noticia:

matei-o a noite passada com um golpe de caratê. Quanto a Floyd Russell, a questão está pendente, embora por pouco tempo. Você deve estar ganhando muito dinheiro: quinhentos dólares por dia e cinco mil por assassinato. Tudo muito discreto: o cliente mete um envelope com o dinheiro e uma fotografia da vitima, assim como seu endereço, na caixa existente no corredor, sem que ninguém o veja. Apenas isso. Claro que neste arquivo não vou encontrar todos os dados que quero, mas sim no lá de baixo, escondido na máquina de lavar.

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Clotilde lançou uma exclamação de espanto e seus olhos se arregalaram, fixos em Nina.

— Não é possível... que você saiba disso. — Sei muito bem. Vi os microfilmes lá existentes:

calculo que uns dois mil, todos eles muito comprometedores para os hóspedes do motel. Agora, vejamos isto: em primeiro lugar, você consegue microfilmes com cenas terrivelmente escabrosas em que aparecem personagens importantes das Forças Armadas, da política, das finanças: mas não só isso, pois, pelas vítimas que seus executores estiveram eliminando, você sabe quem é o cliente que contratou seu assassinato por meio do truque da caixa de sugestões. Deste modo, uns por seu exagerado pendor pelas diversões e outros por esta mesma razão acrescida do fato de terem encomendado o assassínio da esposa, do sócio ou do competidor político, todos eles estão em suas mãos, prontos para ser chantageados à vontade. Não é assim?

Clotilde não respondeu. Olhava fixamente para Nina, que se aproximou dela e, súbito deu-lhe uma violenta bofetada, derrubando-a sobre o sofá.

— Não tenho tempo a perder, Clotilde. Nem gosto de dar bofetadas porque minha mãozinha fica doendo. Tenho outros sistemas muito mais cômodos para obrigá-la a falar... Trata-se de simples chantagem ou há algo mais?

A mulher tinha-se endireitado. Apertou os lábios e recebeu um novo tapa, que agora a derrubou para o outro lado,

— Não lhe baterei mais, Clotilde. Vou recorrer a outros... Ei!

Ao mesmo tempo que lançava o grito de espanto, Nina saltava para trás, deixando-se cair de joelhos. Com grande

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rapidez, a outra lhe apontou a pistola que estivera escondida sob uma almofada e fez fogo.

Pac! Plop. Ouviu acima de sua cabeça o sibilar da bala, que foi

cravar-se na parede. Mas Clotilde não teve tempo de ouvir nada, pois levou o tiro no meio da testa, sendo lançada para trás, contra o encosto do sofá. Ficou com os olhos desmesuradamente abertos em posição bastante cômoda, embora fosse cabível duvidar de que aquela tivesse sido uma dolce morte.

Nina levantou-se, olhou um momento a seu redor e tirou o capuz, prendendo-o na cintura. Virou-se para a porta e ergueu a pistola, dedo no gatilho. A porta se abriu...

— Frankie! — gritou ela. — Está maluco? Eu podia ter atirado...!

Minello empalideceu, passou a mão pela testa e aproximou-se.

— Você está bem? Lã embaixo, tudo era ordem. Seus queridos Johnnies deram uma bonita redada.

— Passaremos essa gente ao FBI, que saberá lidar com ela. A mim só interessa a espionagem.

— Mas, querida, aqui não há espionagem. De qualquer modo, devido a isso dos assassinatos, você fez um bom trabalho, uma vez mais, o FBI terá que agradecer-lhe. Por minha parte...

— Você fala demais. Pegue esse fichário e guarde-o bem guardado. Vou dedicar-me à máquina de lavar. E não precisa vir comigo. Mantenha-se afastado deste chalé, pois Floyd Russell pode chegar... Está claro?

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Minello começou a resmungar, dirigindo-se para o fichário. Olhou-o, calculou que podia facilmente com ele e voltou-se para Nina.

— Fica por minha conta... Onde você se meteu? Mas Nina já descia a escada. No vestíbulo, aproximou-

se um homem, que humoristicamente levou a mão à testa. — As suas ordens, “Baby”. Que fazemos com os

farristas? — Há gente que encomendou assassinatos entre eles.

Mas insisto em que não é coisa nossa. Chamaram o FBI? — Chamamos. — Pois é só isso. Vigiem-nos bem, até que venham os

rapazes de mister Hoover. Imoralidade, assassínios por encomenda... Que se entendam com o Federal Bureau of Investigation. Por minha parte, tudo quanto posso fazer é proporcionar a este uma fabulosa coleção de microfilmes.

Não viu ninguém e, lentamente, começou a descer os degraus, sempre vigilante. Chegou à máquina de lavar, removeu-lhe a chapa metálica do fundo e viu os tubos em seu lugar. Retirou-os e, com eles nas mãos, virou-se, disposta a abandonar a lavandaria.

— Obrigada por poupar-me o trabalho, Nina. — Odile... — sussurrou a loura. Olhou-a, entre surpreendida e mortificada por não a ter

tomado em conta até aquele momento. A pobre, triste, velha, insignificante Odile apontava-lhe um grande revólver.

— Os tubos, por favor, Nina. — Pensei que você não tivesse parte nisto, Odile, que

fosse apenas...

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— Uma criada? Pois já vê que sou algo mais. Na verdade, sempre fui eu quem dirigiu isto aqui. Clotilde é apenas a fachada.

— Era. — Oh... Morreu? Bem, então não teve sorte... Foi você

quem a matou? — Fui forçada a isso. — Compreendo. O que não compreendo é essa...

invasão. Quem são esses homens? Policiais? — Pergunta por pergunta, Odile: o que exatamente

esperavam obter com estes microfilmes? Ainda mais dinheiro?

Odile pôs-se a rir. — Está tentando entreter-me, linda jovem, para que seus

amigos venham aqui. Mas não importa, porque você sairá comigo, servindo-me de escudo. Deixe cair sua pistola no chão.

Nina obedeceu, sorrindo friamente. — Mais alguma coisa? — Não, querida. Sempre a achei demasiado esperta.

Quer saber o que espero conseguir com esses microfilmes, não é? Muito bem: o controle dos Estados Unidos da América.

— O quê? — espantou-se Nina. — Oh, você não o compreenderia. Vamos sair daqui,

enquanto lhe explico tudo em poucas palavras. E se algum de seus amigos pensar em incomodar-me, não esqueça que a primeira a cair será você. A caminho... Devagar... Ninguém poderá deter-me.

— Que espécie de controle?

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— Sobre os Estados Unidos? Toda espécie de controle, querida. Já tenho mais de duzentos personagens importantes, de setores diversos, em meu poder. Por exemplo, não penso intervir. Irei deixando que se tornem cada vez mais importantes... E à medida que forem escalando altas posições políticas, militares ou econômicas, irão recebendo cópias de microfilmes em que se verão a si mesmos gozando a vida. Terão que aceitar certas condições minhas para que esses microfilmes não cheguem às mãos de pessoas que lhes dariam publicidade ruinosa. Posso inutilizar duzentos personagens importantes, ou posso dispor deles para estar ao corrente de toda a atividade política, militar e econômica dos Estados Unidos... Duzentos, por enquanto. Mas serão mais. Sem pressa... Dentro de cinco, seis ou dez anos, não haverá decisão a ser tomada na Casa Branca, no Pentágono, na CIA, em conferência de todo tipo que não chegue imediatamente a meu conhecimento. E não só isso: mercê de certas pressões sobre meus... amigos, conseguirei muitas, muitíssimas coisas. Pouco a pouco, talvez em quinze anos, ou vinte, terei em minhas mãos as rédeas do poder americano, sem que ninguém suspeite de nada.

— Terá ou terão? — Minha querida menina, você não entende destas

coisas... Pergunto-me se já ouviu falar do MVD soviético. Já?

— Sim — respondeu Nina, disfarçando sua preocupação.

— E da Verskaia? Ouviu falar da espiã Verskaia? — Morreu há anos, no Cairo.

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— Não, não... Não morreu! — riu Odile. — Pelo menos, creio que estou viva, querida. Mas... É mesmo verdade que ouviu falar de mim, da Verskaia?

— Pelo menos, tanto quanto você terá ouvido falar de mim, da agente “Baby” da CIA.

Odile soltou um grito em que se misturavam surpresa, cólera e alarma, ao compreender subitamente que classe de inimiga tinha diante de si, voltada de costas para ela, com um pé no primeiro degrau da escada. Claro que, ao ouvir o nome de “Baby”, não pensou multo: ergueu o revólver apontando-o para a nuca de sua companheira, e apertou o gatilho... justamente quando esta se encolhia, virava-se e, com os tubos metálicos, lançava um terrível golpe horizontal a meia altura. A bala disparada pela Verskaia ricocheteou contra um degrau, depois subiu ao teto, enquanto a espiã soviética recebia nas costas o golpe com os tubos, que foi suficiente para fazê-la cambalear. Emitindo um rugido de fúria, ela colocou-se outra vez de frente para “Baby”, disposta a dar outro tiro, mas a agente da CIA era muito mais rápida, mais jovem e forte. Com um pontapé, arrancou-lhe o revólver da mão e, ato continuo, antes de lhe dar tempo para reequilibrar-se, derrubou-a com outro pontapé em pleno ventre, que a fez rolar para dentro da lavandaria, gemendo de dor. Era já um combate sem emoção de nenhuma espécie.

Entretanto, a Verskaia não estava disposta a deixar-se vencer de maneira alguma e continuou rolando até a automática que “Baby” tinha antes deixado cair no chão. Empunhou-a com dedos crispados e, olhos flamejantes de ódio, apontou-a para “Baby”...

Pac!

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Ela abriu muito os olhos, olhando a formosa jovem que, um tanto inclinada e empunhando seu próprio revólver, acabava de disparar, sem piedade nenhuma, antecipando-se com uma velocidade fulminante. Súbito, relaxou-se e bateu com a cara no chão.

Foi tudo. “Baby” aproximou-se dela, virou-a com um pé e olhou

aquele rosto pouco feminino, de traços duros. Certamente, a Verskaia tinha sido uma das melhores espiãs russas e por isso fora utilizada para aquela longa e assombrosa missão após ter corrido, anos atrás, a notícia de que morrera no Cairo. Esta vez, a notícia de sua morte não seria, um truque. Dosvidana.

“Baby” virou-se rapidamente para a porta, ergueu a pistola e dois homens fizeram-lhe gestos tranqüilizadores.

— Oh-oh... Calma, “Baby” — disse um deles. — Somos seus Johnnies.

Ela assentiu com a cabeça. Indicou os tubos caídos no chão e começou a subir a escada.

— Levem isso a mister Cavanagh. Digam-lhe que às dez da manhã, o mais tardar, estarei em seu escritório para fazer-lhe um relato completo.

— Okay, “Baby”. Precisa de ajuda? — Não. Até logo.

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CAPÍTULO DÉCIMO QUARTO

Peter Darrows entrou em sua casa e, sem acender

nenhuma luz, dirigiu-se diretamente ao quarto. Lá acionou o interruptor. Foi ao armário, assobiando uma toada romântica. Sobre o toucador, viu a fotografia de sua falecida esposa e um sorriso irônico separou-me os lábios. Naquela foto estava escrita uma frase: “Você é minha vida”. Seu sorriso ampliou-se. Na verdade, ele não fora a vida de Lucy, mas sua morte. Sempre tão idiotamente ingênua, ela acreditara em tudo, em seu amor principalmente, E como era feia... Agora, ele dispunha livremente de alguns milhões de dólares, um iate, três carros, aquela casa, a grande mansão em Washington... Tudo era dele! Curioso como às vezes as coisas são tão fáceis de resolver...

Virou-se ao ouvir um ruído á sua esquerda. E ficou atônito ao ver sair um homem do grande armário embutido. Um homem alto, atlético, que lhe apontava um revólver. O assombro e o medo o deixaram mudo. Foi o outro quem saudou, amavelmente:

— Boa noite, mister Darrows. Há três horas que o espero, desde que sua empregada, essa negra tão gorda, se foi... Espero que não tenha tido o mau-gosto de andar divertindo-se por ai até hora tão tardia, pois faz pouco tempo que ficou viuvo...

— Quem é você? — perguntou por fim reter Darrows. — Que faz em minha casa?

— Meu nome é Floyd Russell. Mas, claro, isso não lhe diz nada, embora eu seja o homem que assassinou sua esposa naquele motel de Nova Jérsei.

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— Está louco? Saia imediatamente daqui, senão, eu... eu...!

— Chamará a Policia? — sorriu Russell. — Seria divertido, mister Darrows. Ou talvez não. De qualquer modo, pode ser interessante ouvi-lo contar...

— Escute: não quero complicações... Saia daqui, que de minha parte não aconteceu nada. Será o melhor para nós dois.

— Eu sei... — admitiu Russell. — E isso é o que eu gostaria de fazer. Mas não posso. Nós cumprimos sempre nossos contratos, por difíceis e estranhos que sejam. Não ficou satisfeito com nossos serviços? Ou pretenderá negar que fiz tudo muito bem: a Polícia ainda está procurando o ladrão que golpeou com um candelabro a infeliz Lucy Darrows para roubar seu dinheiro. Não pode imaginar que a segui até Nova Jérsei, disposto a matá-la de um modo... discreto, cumprindo o contrato feito no “Lucky Star Motel”.

— Você está louco... — arquejou Darrows. — Saia daqui imediatamente! — Calma, calma. Sabe muito bem como são estas

coisas. Durante uma curta permanência no motel coloca-se em certa caixa a quantia de vinte e cinco mil dólares e a foto da pessoa que se quer eliminar, com o respectivo endereço. Depois só resta aguardar sua morte, sempre razoavelmente explicável: ocidentes, imprudências ao volante de um carro, roubo com violência... No caso de sua esposa, foi escolhida esta última modalidade e, tal como desejava, ela morreu. Aparentemente, nós os executores ignoramos quem encomenda o assassinato, mas temos tudo muito bem registrado, pois mais adiante esperamos tirar proveito do fato. Mas insisto em que seu caso é curioso.

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— Não... não compreendo nada... — Eu lhe explico. Encomendou a execução de sua

esposa, certo? Pois alguém fez-nos encomenda idêntica com relação ao viúvo da mesma.

— Que...? Que está dizendo...? — Não é curioso? Nunca nos acontecera uma coisa

assim. Por isso estou falando tanto. Talvez tenha idéia de quem possa ter-nos encomendado sua morte.

Peter Darrows estava lívido como um cadáver. — Não... não... Deve ter havido um erro... — Impossível. Em nossa caixa apareceu um envelope

contendo vinte e cinco mil dólares e sua fotografia. Veja-a... — Russell tirou-a do bolso, estendendo-a a Darrows, que a tomou com mão trêmula. — É sua ou não? Além disso, o endereço escrito no verso é o desta casa. De modo que... aqui me tem.

— Ma-mas... Meus Deus! O que está dizendo? — Creio que falo bem claramente, mister Darrows:

alguém encomendou sua execução, pagou por ela e o encargo recaiu sobre mim. Por isso estou aqui.

— Não... Deve ser uma brincadeira... É uma brincadeira! — riu agudamente Peter Darrows.

— Asseguro-lhe que não — sorriu Russell, afável. — O senhor já estaria morto se não fosse minha curiosidade pessoal. Por mais que dê tratos à bola, não atino com quem possa estar interessado em...

— Ninguém... Ninguém! Tudo isto não passa de uma brincadeira...

— Insisto em que não. Conhece um tal Frank Minello? — Não Conheço!

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— Não? Estranho... Ele se apresentou no motel dizendo-se seu recomendado.

— Juro que não conheço! Tudo isto...! — Calma. Ajustaremos contas com esse mister Minello

depois. Agora, ocupemo-nos do assunto que nos interessa; Posso sugerir-lhe o suicídio? Isso seria muito romântico, pois todos diriam que não pode resistir ao desaparecimento da sua querida esposa...

Peter Darrows soltou um grito de animal encurralado e precipitou-se para a cômoda, abrindo a gaveta superior e metendo a mão sob uma pilha de camisas à procura de sua arma. Não a encontrou porém, de modo que começou a atirar as camisas para todos os lados, como se tivesse enlouquecido...

— Tenho-a eu, mister Darrows. Vamos, seja um bom rapaz e não complique as coisas. De modo algum poderá escapar...

Darrows lançou-se em direção à janela, mas Russell se interpôs em seu caminho. Nem sequer teve necessidade de golpeá-lo. Bastou que o empurrasse para fazê-lo cair de costas no chão. Um instante depois, segurando-o com uma só mão pelas lapelas, sentava-o numa das pequenas poltronas do quarto e, antes que ele pudesse reagir, golpeava-o com seu próprio revólver no alto da cabeça. Peter Darrows lançou um gemido e ficou semiconsciente. Russell apoiou a ponta do revólver em sua têmpora e comprimiu o gatilho. O estampido foi abafado pela própria cabeça da vitima, que não se moveu. Nem se moveria nunca mais, naturalmente.

Com um sangue-frio espantoso, Floyd Russell recolheu tudo quanto Peter Darrows tinha retirado da gaveta e

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recolocou cuidadosamente em seu lugar. Fechou a gaveta, arrumou as roupas do cadáver, deixou sobre o tapete o revólver, junto à sua mão direita, bem como a fotografia de Lucy... Finalmente, o palco do suicídio ficou perfeito. E foi assim que a pobre moça jamais amada pelo marido passou à pequena história do mundo como a mulher que o levara ao suicídio por saudade.

Sem apagar a luz do quarto, Russell abandonou-o e pouco depois saía da casa, deixando tudo tão bem preparado que ninguém poderia suspeitar da presença de alguém alheio a ela. Afastou-se para onde ficara seu carro, não muito longe. Chegou a este, entrou e quando estava tirando as luvas, ao olhar casualmente o espelho retrovisor, ficou gelado de surpresa.

— Olá, Floyd querido! — ouviu a voz conhecida. — Terminou seu trabalho?

— Nina! — ele voltou-se no assento, atônito. — Que está fazendo aqui e como...?

Calou-se bruscamente ao ver a pistola munida de silenciador, apontada para sua testa.

— Saia do carro, Floyd. — Que significa...? — Saia. Não gosto de repetir as coisas. E ponha-se de

costas para mim, com os braços levantados. Assustado, pois conhecia aquele tom de voz que Nina

estava empregando, ele saiu do carro, andou três ou quatro passos e ergueu as mãos, de costas para ela. Sabia que sua arma lhe seria retirada do coldre axilar. Então teria chegado o momento de agir...

Crispou-se violentamente quando sentiu aquela fria espetadela nos rins. Ainda não sabia o que ocorrera quando,

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atrás dele, Nina Temple cravava-lhe pela segunda vez o estilete, ainda à altura dos rins. Olhos arregalados, ele caiu de joelhos... Por trás, miss Temple apoiou um pé em sua cabeça e acabou de derrubá-lo de bruços. Só então tirou-lhe a arma, quando ele já nem sequer se lembrava desta.

A voz da encantadora jovem soou junto ao seu ouvido: — Estou aqui, Floyd, pois fui eu quem o contratou para

que assassinasse Peter Darrows, tal como fez com sua esposa. Assisti a tudo pela janela, até que você começou a arrumar o quarto. Meus parabéns: você é um artista. Darrows morreu como merecia. Agora chegou a sua vez.

— Não, Nina... não me mate... — Meu nome não é Nina. Chamo-me Brigitte Montfort

e também a agente “Baby” da CIA. Lucy Darrows era minha amiga.

— Escute... eu estou ferido... — Ora essa, Floyd! Você é um homem forte: não pode

choramingar por causa de duas estiletadas... Vamos, levante-se. Eu o levarei para longe daqui.

Ele começou a erguer-se. Era realmente um homem muito forte e teria conseguido por-se de pé se não levasse uma terceira estiletada nos rins, que novamente o achatou contra o chão.

— Coitadinho... — ouviu a voz de “Baby”. — Agora sim, você não poderá se levantar nunca mais...

Claro. Ele já havia morrido.

A SÉRIE SENSACIONAL Mike Grogan acabou de ler o último daquela série de

artigos que durante dez dias iria aumentar as tiragens do

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“Morning News” e suspirou com uma complacência fenomenal.

— Vamos publicá-los com o pseudônimo de costume, Brigitte. É um excelente trabalho. Uma vez mais, o “Morning News” vai assombrar o público. E tudo graças a você.

— Frankie colaborou nestes artigos — disse Brigitte, indicando Minello, sentado junto a ela na sala de Grogan —, portanto, faz jus a vantagens econômicas correspondentes. Quanto à assinatura, talvez ele queira usar seu próprio nome ou, como farei eu, um pseudônimo.

— Prefiro o pseudônimo — declarou Minello. — De acordo — aceitou Grogan. — Amanhã sairá o

primeiro artigo da série. Vai haver sensação! Tudo isso do motel da dolce vida, os assassinos profissionais e, sobretudo, o vasto e paciente plano russo para dominar os Estados Unidos... Vai ser uma bomba. Qual a atitude da CIA quanto ao assunto.

— Posso imaginá-la examinando o que me permitiu escrever, querido Miky. O resto passa ao arquivo secreto.

— Entendo... — Grogan estremeceu. — Não gostaria de tê-la como inimiga, querida. Você é diabólica. Isso de mandar Floyd Russell cometer o “suicídio” do marido de sua amiga...

— Foi ele mesmo quem assassinou Lucy, não? Pareceu-me oportuno que também se encarregasse de Peter Darrows.

— Sim, sim... Mas foi diabólico. Quanto ao fim de Russell, aquilo de ajudá-lo a levantar-se para então aplicar-lhe um terceiro golpe de estilete, mortal...

— Oh, o público gosta desse tipo de humor — sorriu Brigitte. — Amanhã sigo para a minha casa do lago, para

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descansar dois dias. Se vocês dois quiserem, estão convidados: tranqüilidade, sol, um pouco de pesca, leitura, música, conversação amena... Só isso. Espero que não ocorra a nenhum praticar a dolce vida comigo.

— Claro que irei — aceitou Grogan. — Oh, eu também! — exclamou Minello. — Quanto a

isso de dolce vida... Não sei... Parece que não é tão doce como eu imaginava, afinal.

— Melhor — sorriu “Baby”. — Pensando assim, você poderá viver muito mais.

A seguir: UMA FLOR PARA MEU AMOR.

© 1969 - LOU CARRIGAN

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em sociedade o crime contraria, sobretudo, as regras de bem viver