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1 Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2010 BLASFÊMIAS E IRREVERÊNCIAS NO BRASIL SETECENTISTA: A TERCEIRA VISITAÇÃO DO SANTO OFÍCIO DA INQUISIÇÃO AO ESTADO DO GRÃO-PARÁ EM 1763-69 INTRODUÇÃO Em Portugal, no início da era moderna, a religião católica era um dos pilares que constituíam a sociedade ibérica. As fortes expressões de fé, repletas de conteúdo místico e supersticioso eram afirmadas por meio de fulgurantes manifestações, onde o auto público, segundo o que nos consta Luiz Nazário, nasce de uma imbricação entre o ódio da massa inclinada a pogrons e excitada por pregadores e o poder de morte do Estado 1 . Na mentalidade lusitana, o crime e o pecado eram observados por Ordenações e Regimentos Inquisitoriais, onde a máxima era: “aquele que violenta a lei será violentado por ela” 2 , já que a coroa e o altar eram intrinsecamente unidos em uma mesma concepção de poder. Não obstante, suas colônias eram diretamente influenciadas por este ditame cultural, sofrendo miscigenações diversas, mas sempre participantes desta densa atmosfera legislativa e religiosa. No Brasil, a fé semeada pela Evangelização desde os primeiros missionários jesuítas constituía um norteador da colônia, perpassando as mentalidades éticas e morais, para compor a própria compreensão de existência subjetiva desde os senhores de engenho até os escravos cristianizados. Conforme afirma Teodoro Sampaio, para não se “(...) perder de vista que era esta uma terra de degredo, com uma sociedade transplantada a regenerar-se” 3 , a ortodoxia da fé foi observada em três visitações do Santo Ofício da Inquisição, e dentre elas, última e mais longa, ao Estado do Grão-Pará, entre os anos de 1763 até 1769, nos valerá como referência para o desenvolvimento deste trabalho. Dentre os vários crimes de heresia citados nas atas inquisitoriais das Visitações, a blasfêmia se destaca significativamente por estar inserida em um campo de valoração que na história do povo de Deus é digno de atenção, presente do primeiro ao último livro da Bíblia, sempre acompanhado de severa proibição. Blasfêmias e irreverências no Brasil setecentista: A Terceira Visitação do Santo Ofício da Inquisição ao Estado do Grão-Pará em 1763-69 é um estudo sobre o pecado da blasfêmia, até então, somente empreendido pela ciência teológica, resgatando ideais testamentários e neo-testamentários, senão, compreendidos a partir da Patrística 4 ou por meio de produções atuais de cunho exegético, pastoral ou doutrinal. Uma análise do ponto de vista histórico acerca deste pecado explora um campo ainda pouco visto pela história cultural brasileira, apontando Autor: Alexandre Ribeiro Martins Orientador: Geraldo Pieroni

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1Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2010

BLASFÊMIAS E IRREVERÊNCIAS NO BRASIL SETECENTISTA: A TERCEIRA VISITAÇÃO DO SANTO OFÍCIO DA INQUISIÇÃO AO

ESTADO DO GRÃO-PARÁ EM 1763-69

INTRODUÇÃO

Em Portugal, no início da era moderna, a religião católica era um dos

pilares que constituíam a sociedade ibérica. As fortes expressões de fé,

repletas de conteúdo místico e supersticioso eram afirmadas por meio de

fulgurantes manifestações, onde o auto público, segundo o que nos consta

Luiz Nazário, nasce de uma imbricação entre o ódio da massa inclinada a

pogrons e excitada por pregadores e o poder de morte do Estado1.

Na mentalidade lusitana, o crime e o pecado eram observados por

Ordenações e Regimentos Inquisitoriais, onde a máxima era: “aquele

que violenta a lei será violentado por ela”2, já que a coroa e o altar

eram intrinsecamente unidos em uma mesma concepção de poder.

Não obstante, suas colônias eram diretamente influenciadas por

este ditame cultural, sofrendo miscigenações diversas, mas sempre

participantes desta densa atmosfera legislativa e religiosa.

No Brasil, a fé semeada pela Evangelização desde os primeiros

missionários jesuítas constituía um norteador da colônia, perpassando

as mentalidades éticas e morais, para compor a própria compreensão

de existência subjetiva desde os senhores de engenho até os escravos

cristianizados.

Conforme afirma Teodoro Sampaio, para não se “(...) perder

de vista que era esta uma terra de degredo, com uma sociedade

transplantada a regenerar-se”3, a ortodoxia da fé foi observada em três

visitações do Santo Ofício da Inquisição, e dentre elas, última e mais

longa, ao Estado do Grão-Pará, entre os anos de 1763 até 1769, nos

valerá como referência para o desenvolvimento deste trabalho.

Dentre os vários crimes de heresia citados nas atas inquisitoriais

das Visitações, a blasfêmia se destaca significativamente por estar

inserida em um campo de valoração que na história do povo de Deus

é digno de atenção, presente do primeiro ao último livro da Bíblia,

sempre acompanhado de severa proibição.

Blasfêmias e irreverências no Brasil setecentista: A Terceira

Visitação do Santo Ofício da Inquisição ao Estado do Grão-Pará em

1763-69 é um estudo sobre o pecado da blasfêmia, até então, somente

empreendido pela ciência teológica, resgatando ideais testamentários

e neo-testamentários, senão, compreendidos a partir da Patrística4

ou por meio de produções atuais de cunho exegético, pastoral ou

doutrinal.

Uma análise do ponto de vista histórico acerca deste pecado explora

um campo ainda pouco visto pela história cultural brasileira, apontando

Autor: Alexandre Ribeiro MartinsOrientador: Geraldo Pieroni

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um indicador de sentido pouquíssimo estudado, capaz de revelar uma

face da identidade colonial setecentista ainda não contemplada.

Para que seja possível tal empreendimento, será de grandiosa

valia a obra de Jean Delumeau, Mentalitès: Histoire des cultures et

des sociétés, 19895, onde o historiador francês faz uma leitura do

cristianismo ocidental e do pecado da blasfêmia em suas diversas

frequências no decorrer dos tempos, correlacionando-a com o

entendimento de lei e de fé próprios a cada contexto.

Outro teórico essencial para elaboração deste estudo é o historiador

Roger Chartier, na obra A beira da falésia. A história entre certezas

e inquietudes, 2002, em especial: O Mundo como representação pp.

61-79, dando instrumentos teóricos para compreender principalmente

o conceito de representação, apontando a realidade como uma

representação intelectual significada a partir do grupo social de

indivíduos que dela participa.

Uma vez iluminados por ambos os teóricos que dão margem

de entendimento da sociedade e seus valores, nos debruçaremos

em Mircea Eliade, uma vez que o campo pelo qual este trabalho

desenvolver-se-á será o da religião.

Para Eliade, na obra O Sagrado e o Profano, 1996, a essência do

homem religioso se dá pela existência de duas realidades norteadoras,

a do sagrado e a do profano6, e é justamente nesta dualidade que

percorre a cultura colonial, quando o pecado situa-se no profano, e

a heresia blasfêmica, em sua representação simbólica a profanação

pública de maior gravidade.

Além da visão dualista proposta por Eliade, na análise dos casos

de confissões e denunciações, será de interessante aplicabilidade

a obra de Mikhail Bakhtin, A Cultura Popular na Idade Média e no

Renascimento – O Contexto de François Rabelais, 1987, uma vez que

o teórico russo afirma haver na negação uma forma de valorização da

religião por meio de uma alegoria popular e do realismo grotesco.

Desta forma, quando lemos o cometimento do pecado da

blasfêmia pelos colonos ultramarinos no Livro da Visitação, a partir

de Jean Delumeau, Roger Chartier, Mircea Eliade e Mikhain Bakhtin,

contamos com uma significação da qual emergem sentidos não

somente apreendidos em uma leitura comum, mas, a possibilidade de

entendermos manifestações simbólicas e materiais que nos remetem a

relações de poder e de cultura existentes no Brasil do século XVIII.

Para tanto, serão utilizadas duas fontes primárias: O livro da

Visitação do Santo Ofício ao Estado do Grão-Pará, 1763-69, onde

encontramos as confissões e denunciações depostas contra os hereges

e pecadores aos inquisidores, e como constituição jurídica e religiosa,

as Ordenações Filipinas, impressas em 1603, e em especial o livro V,

referente aos códigos penais e ao tratamento com os infratores.

As Ordenações Filipinas constituem uma importante fonte na

apreensão de sentido jurídico e religioso, pelas quais poderemos colher

os fundamentos que nos nortearão no entendimento das diversas

situações relatadas nas confissões e denunciações, uma vez que,

além de uma jurisdição complexa, a Igreja passava por um período de

compreensão teológica, dogmática e pastoral próprios da época.

Articulando estas fontes a partir dos instrumentos teóricos

fornecidos pelos autores acima citados, no primeiro capítulo deste

trabalho voltaremos nosso olhar para fé lusitana, a partir de seus

mecanismos contextuais, e em desdobramento, a religiosidade

colonial, abordando as visitações do Santo Ofício e as formas pelas

quais aplicavam seus julgamentos.

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Para possibilitar este empreendimento, trataremos de conceitos

fundamentais a tal abordagem, como o sentido teológico do pecado

da blasfêmia e sua histórica de significação até a evangelização

portuguesa, e daí, estabeleceremos aproximações entre o pecado e o

crime do ponto de vista jurídico lusitano.

Uma vez alcançado este objetivo, voltaremos nossa atenção, no

segundo capítulo, a Terceira Visitação do Santo Ofício ao Estado do

Grão-Pará, entre os anos de 1763 e 1769, sob a breve justificativa de

entendimento acerca do contexto formal que permeou esta visitação,

para então, tratar especificamente dos pecados aqui denunciados ou

confessados a mesa do Ofício.

Mensurando uma tipologia de pecados e crimes relatados,

nos ateremos especificamente ao pecado da blasfêmia, e mais

especificamente, a blasfêmia pública e oral, presente cinco vezes nas

atas inquisitoriais, e delas, buscaremos colher numa leitura atenta

alguns elementos que nos permitirão alcançar os objetivos propostos,

num estudo do colono a partir se seu crime herético.

1. A FÉ LUSITANA E A RELIGIOSIDADE COLONIAL

Na mesma medida em que o descobrimento da América

apontava para um grande feito do homem europeu que se tornava

matematicamente capaz de desbravar grandes mares com uma

relativa precisão, multidões se dedicavam na Corte com o magismo

e com o maravilhoso em práticas cotidianas de um povo comum e

religioso.

Em especial, Portugal tinha na religião um normatizador que

perpassava a vida social e individual dos católicos ibéricos. A fé

nos dogmas evangélicos e nas sagradas devoções não somente

tangenciava a mentalidade lusitana, como a feria diretamente,

já que o português “(...) não se concebe sem um catolicismo

fervoroso”7.

Arautos do Evangelho, os lusitanos compreendiam a monarquia

como um reflexo do reino celestial, e por isso, por meio da

Inquisição, defendiam e difundiam a fé católica respondendo de

forma zelosa a uma vocação divina.

A figura lusitana do rei era concebida como alguém revestido

de autoridade dada pelo próprio Deus. Em Kantorowicz8,

compreendemos a figura do rei medieval, apontando seu aspecto

duplo, dividido entre a sua existência pública e pessoal. No

que tange a existência pessoal do rei, o autor sustenta numa

primeira instância, a ideia de um homem normal, participante das

efemeridades humanas, repleta de defeitos e infantilidades.

Mas, quando se refere ao aspecto público e político, num

segundo momento, afirma que o rei tem sua imagem transformada

de maneira mística e dogmática, tornando-o eterno, logo, seus

embates jurídicos, filosóficos e religiosos são indiscutíveis.

Segundo o que nos consta Sérgio Buarque de Holanda, herdeiro

desta tradição, o rei de Portugal:

(...) tem seu poder das mãos de Deus, e seu vigário tenente é livre de toda a lei humana. A monarquia, portanto, é a mais importante instituição do Estado português; pelas suas relações com os outros órgãos administrativos e classes sociais é que poderemos ter uma idéia do panorama institucional predominantemente às vésperas da descoberta do Brasil9.

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Foi por meio da instituição do Padroado que a Coroa portuguesa

constituiu-se patrona das missões católicas e instituições

eclesiásticas na África, Ásia e depois da descoberta, no Brasil10.

Uma das respostas concretas ao chamamento de Deus

discernida pelos cristãos ibéricos ao padroado se daria por meio das

navegações, que, além do aspecto religioso, conotava uma busca de

expansão comercial engendrada por fatores políticos diversos.

Arno Wehling e Maria José C. M. Wehling11, reportando-se aos

motivacionais que impeliram os lusitanos a empreitadas marítimas,

partem do pressuposto que é inútil procurar exclusividades,

contudo, dentre os consideráveis, destacam primeiramente os

fatores econômicos, afirmando:

A escassez de ouro na Europa do século XV e sua conseqüente valorização estimularam a busca do ouro africano. Os estabelecimentos pesqueiros controlados pelo rei, pela nobreza e por comerciantes tenderam a expandir-se, beneficiados pelo aumento do consumo. A permanente falta de cereais, sobretudo de trigo, motivou a conquista de Ceuta em 1415, e mais tarde, a colonização de colônias naquelas ilhas. Produtos africanos, como couros e tinturas, além de escravos, eram igualmente valorizados na Europa12.

O cenário político, para os autores, certamente favoreceu a

expansão das navegações, num contexto de: “consolidação da

dinastia de Avis no poder, o emprego da experiência militar da

nobreza, a concorrência do reino de Castela e a própria união,

em 1469, de Castela e Aragão pelo casamento de Isabel e

Fernando”13.

O Império e os lucros somavam-se aos anseios religiosos

inerentes da mentalidade portuguesa. Damião Góis, 1502-1574,

reportando-se à navegação, é um exemplo clássico deste período.

Nós também procuramos – e é lícito confessá-lo – auferir lucros e riquezas, sem os quais a Europa não poderia compensar as despesas enormes que todos os dias fazemos. Merecemos, porém, louvores por não sulcarmos os mares, como outrora fizeram e ainda hoje fazem muitos povos da Itália, da Espanha e da França, quais inermes mercadores em busca só de especiarias, mas com exércitos e armadas, bem apanhadas contra o inimigo, não tanto para a dilatação do nosso Império, como para a expansão de nossas crenças14.

Dando ênfase ao aspecto religioso, imprescindível ao próprio

contexto social português setecentista, temos na Crônica do

descobrimento e conquista da Guiné, em Zurara, a expressão máxima

de um missionário luso comum ao seu tempo:

A quinta razão [das que moveram o infame aos descobrimentos marítimos] foi o grande desejo que havia [o infame] de acrescentar em a santa fé de nosso senhor Jesus Cristo, e trazer a ela todas as almas que se quisessem salvar, conhecendo que todo o mistério da encarnação, morte e paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, foi obrado a este fim, scilicet, por salvação das almas perdidas, as quais o dito senhor queria, por seus trabalhos e despesas, trazer ao verdadeiro caminho15.

Uma vez descoberto o Mundo Novo e instaurado o processo de

colonização, o português define a colônia, como afirma Pero Góis em

1546, escrevendo ao monarca para reclamar do estado caótico em que

se encontrava a Terra Brasilis, pois, “(...) tudo nasce da pouca justiça e

pouco temor de Deus e de Vossa Alteza que em algumas partes desta

terra se faz e há, por onde se, de Vossa Alteza não é provida perder-

se-á todo o Brasil em dois anos”16.

D. João III, três anos depois envia então, como se tivesse ouvido

os apelos de Pero Góis, à colônia Tomé de Sousa e os primeiros

missionários, todos jesuítas, esclarecendo que “(...) a principal causa

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que me moveu a mandar povoar as ditas terras do Brasil foi por que

a gente dela se convertesse à nossa santa fé católica”17 e com isso,

dando início a cristianização em terras tropicais.

Quando os jesuítas chegaram ao Brasil, em 1549, o Concílio de

Trento estava prestes a encerrar sua primeira fase, que, sucedida de

outras duas fases, constituía o Concílio mais longo da história da Igreja,

reafirmando a fé nos dogmas, como resposta à Reforma, conforme

afirma Delumeau, posicionando-se como uma “cidade sitiada”18.

Apesar da descoberta ultramarina representar um trunfo

meridional, o trópico não foi tratado de forma enfática pelo Concílio

da Contra-Reforma, já que “ (...) o concílio foi ecumênico de direito,

não de fato. Representou sobretudo a cristandade (...) da Europa”19.

Não teve nem sequer “(...) um prelado colonial que assistisse às suas

sessões”20.

Conforme afirma Vainfas21, vinculada aos ditames do Concílio de

Trento, a Inquisição ibérica, após meados do século XVI, por meio de

sua abordagem coercitiva, nos permite inseri-la num dos processos

fundamentais da modernidade: a perseguição da cultura e moralidades

populares pela Igreja católica e, nos países protestantes, pelas Igrejas

reformadas articuladas aos poderes civis.

O autor afirma, na obra A heresia dos índios22, a impressão dos

missionários jesuítas com relação aos “selvagens tropicais” numa

gradativa ressignificação, quando numa primeira instância chamaram

alguns rituais indígenas, como os caraíbas, de santidades, para o que

com o passar do tempo considerar-se-iam práticas verdadeiramente

diabólicas, réplicas do sabá europeu, idolatrias rebeldes e heréticas.

Salientam-se desde as primeiras impressões dos missionários com

os nativos a repressão e o rigor no trato com os blasfemadores,

considerando desde as origens a profissão de fé indígena como

blasfêmicas e irreverentes contra Deus.

A Igreja enquanto instituição, não ficaria ociosa com relação a

tal emergência, tomando iniciativas para que na colônia a fé fosse

observada a partir dos mesmos padrões que regiam a Metrópole,

exercendo da mesma forma os mecanismos inquisitoriais para que

assim o fizesse.

1.1 As visitações do santo ofício no Brasil

Degredados para o Brasil, por causa do cometimento do pecado

da blasfêmia, vários cristãos ibéricos uniram-se aos colonos, para

representar uma parcela considerável de crentes distantes de qualquer

tipo de vigilância e observação, devido à imensidade do território

brasileiro e da, ainda, precária estruturação eclesiástica institucional

na colônia.

Fazendo um levantamento histórico acerca dos processos

inquisitoriais na Europa que resultaram no degredo ao Brasil, devido

ao cometimento exclusivo do pecado blasfêmico, situamos: Lisboa,

Coimbra e Évora. Os processos de Lisboa23 em específico são:

processo 746: Francisco de Almeida Negrão; 956: Manuel João; 1491:

João Nunes; 5703: Antônio Luís de Meneses; 8821: Serafim Leite e o

processo 12231: Pero de Carvalhais.

Em Coimbra24, temos o processo 1716: Silvestre da Silva, e em

Évora25: processo 2004: Antônio Pires; 2462: Diogo da Cruz; 2595:

Francisco dos Arcos; 4537: Luís Cabral; 5585: André Vicente; 5649:

Pedro Afonso; 6963: Diogo Pacheco de Mendonça; 7697: Maria Soares

e o processo 11677: Diogo Alfaia.

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Preocupados com as heresias tropicais, os lusitanos estendendo

seus olhares para colônia, enviaram ao Brasil três visitações do Santo

Ofício da Santa Inquisição26, a primeira entre 1591-95, a segunda entre

1618-21 e a terceira entre 1763-69.

Siqueira afirma, referindo-se as denúncias relatadas nas visitações

da Bahia e Pernambuco, que a blasfêmia na colônia foi alvo da

observância inquisitorial, pois:

(...) [nas] visitações, centenas de confissões e de denúncias foram consignadas por escrito e, em meio aos acusados, encontramos muitos blasfemadores. Nas visitações à Bahia e a Pernambuco, 283 faltas foram confessadas, sendo que as que aparecem com mais freqüência são as blasfêmias. Contam-se 68 expressões insultantes que renegam a Deus, zombam dos santos ou colocam em dúvida a virgindade de Maria. Nas de denúncias da Bahia e de Pernambuco, entre as 950 coletadas, 90 são blasfêmias e 177 referem-se a desrespeito a Jesus Cristo, à Virgem, aos santos e aos sacramentos, além de 58 expressões que contêm palavras injuriosas. Um total de 335 casos que representam 34% dos crimes denunciados27.

Logo, embasados nos dados de Siqueira, acima citados,

temos graficamente a seguinte representação acerca dos pecados

confessados em relação à presença da blasfêmia:

A porção de número 2 representa o pecado da blasfêmia,

inserida na porção maior, referente aos demais pecados confessados,

configurando só a blasfêmia uma proporção de 24% do total das

confissões relatadas pelas atas inquisitoriais.

Dentre os pecados denunciados, temos da mesma forma a

constatação gráfica para melhor entendimento do cometimento de tal

crime, segundo o que nos consta:

Neste caso, 30% do total dos casos de pecados denunciados

a mesa inquisitorial nas Visitações, segundo ainda, Siqueira , são

referentes à blasfêmia, direta ou indiretamente, conotando mais uma

vez a frequência com que era cometido.

Assim, o gráfico final que representa estatisticamente esta questão

se constitui da seguinte forma:

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Um total de 34% dos casos relatados tem relação com a blasfêmia,

ao passo que os outros 66% constituem os demais crimes pegos

pela malha inquisitorial. Diante destas estatísticas, fica perceptível

o quanto era frequente o cometimento desta heresia carregada de

sentido simbólico: Mas quais os fatores ou motivos que realmente as

engendraram?

Delumeau nos abrilhanta com a compreensão de que a blasfêmia

é um dos pecados que, quando cometidos com uma certa frequência,

indicam um período de instabilidade mental29, e como não poderia

deixar de ser, no Brasil o impacto da cultura européia na evangelização

sobrepôs-se à cultura tropical e inseriu o colono em um novo campo de

valores, abalando-o em suas estruturas fundamentais.

Ao intitular o cristianismo do século XVI e XVII como “civilização da

blasfêmia”30, o historiador aponta para existência de uma religiosidade

superficial, marcada pela teatralização da fé, esvaziada de seu sentido

originário. Para tanto, afirma que “injúrias e blasfêmias (os termos

não são sinônimos) constituem, sem dúvida, um revelador de um

determinado grupo social e de seus valores aceitos e rejeitados”31.

Reportando a este revelador de valores sociais, afirmado por

Delumeau, de maneira complementar, encontramos em Roger Chartier

a possibilidade de compreensão das identidades sociais nas relações

impostas pelos detentores de poder, mas também, pela atribuição de

importância das representações sociais que cada grupo estabelece.

Para Chartier, a representação é uma configuração intelectual

pela qual a realidade é constituída, num reconhecimento da própria

identidade social dos indivíduos onde se evidenciam significados,

tornando então possível emergirem valores e identidades tanto

individuais quanto sócio-culturais32.

Logo, compreender o pecado da blasfêmia no Brasil setecentista,

é compreender um signo de pensamento teórico que estabelece

possibilidades de entendimento das modalidades variáveis que

discriminam categorias de significados33 próprios dos autóctones,

negros africanos, mulatos brasileiros e brancos portugueses.

Para que se possa entender a blasfêmia colonial inserida neste

ínterim, antes, faz-se necessário a compreensão da legislação

lusitana, que estendida às suas colônias, fundamentava o imaginário

da evangelização e das missões empreendidas, que além de apontar o

cometimento do pecado da heresia em sua instância religiosa, também

significava diretamente um crime previsto pela constituição.

1.2 Os dois braços da justiça: eclesiástico e secular

1.2.1 O Logos e a blasfêmia

No cenário cristão, a palavra tem um significado especial,

principalmente a partir da Patrística, também chamada teologia

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dos Grandes Padres da Igreja, no período Medieval, e cujas raízes

permaneceram por muito tempo, e em especial na Europa cristã, no

sentido hermenêutico e exegético das Sagradas Escrituras.

A própria revelação de Deus nos escritos testamentários aponta

sua relação íntima com a palavra, quando a comunidade trinitária se

torna manifesta pelo Espírito Santo, que no vocabulário original é

citado como: tò pneuma tò hágion34.

A expressão grega pneuma, que pode ser entendida na vernácula

como uma espécie de sopro, um suspiro que emana do interior de

Deus, só se concretiza por meio do Logos, citado desde o livro do

Gênese como palavra criadora, até sua encarnação como o ápice do

plano de Deus, conforme nos atesta o Evangelho de João no primeiro

capítulo, na pessoa de Jesus Cristo35.

Santo Agostinho, referindo-se à gratidão humana que se tornava

uma vocação, afirmava que “a despeito de tudo, o homem, pequena

parcela de vossa criação quer louvar-vos”36, fazendo-o por meio da

palavra, capaz de exprimir o que se encontra no coração37.

Justamente contrária a tal propósito, a blasfêmia configura uma

ruptura com o plano divino e com a própria natureza da criação, por

meio da palavra, denegrindo e ofendendo a Deus e a sua Igreja.

Por essa razão, São Tomás de Aquino afirma que, quando o homem

por livre iniciativa comete um pecado de tamanha gravidade, não é

digno de perdão, pela justificativa de que “quando a vontade se volta

para uma coisa contrária à caridade pela qual estamos ordenados ao

fim último, há no pecado, por seu próprio objeto, matéria para ser

mortal (...)[como] contra o amor a Deus, como a blasfêmia”38.

A própria sagrada escritura confirma a gravidade da blasfêmia,

quando o evangelista Mateus relata o que Jesus disse aos seus

discípulos, que: “se alguém tiver pronunciado uma blasfêmia contra o

Espírito Santo, não lhe será perdoada nem no presente, nem no século

futuro” .

Luiz de Granada no Guia dos pecadores, do século XVI, afirma,

corroborando São Tomás de Aquino e Santo Agostinho que: “Dos

pecados mortais, o mais grave é a blasfêmia, muito próximo dos três

pecados mais graves do mundo que são a infidelidade, a desesperança

e a ira contra Deus, no absoluto o mais grave de todos”40.

A epistemologia da palavra blasfêmia remete-nos a duas palavras

gregas: blaptein (lesar, ferir, danificar) e phème (reputação). Blapto,

estragar, destruir; phain, tornar visível. Consiste basicamente em

danificar a imagem de alguém, de maneira pública, de forma oral

principalmente.

Pieroni, na obra Os Excluídos do Reino, cita, referente a esta

questão, Nicolau Eymerich no trato com os blasfemadores, afirmando

o seguinte: “(...) o caso deles compete ao tribunal da Inquisição? Se

afirmativo, os blasfemadores devem ser considerados como heréticos

ou como suspeito de heresia?”41.

A resposta a tal questionamento é retirada da obra O dicionário

dos Inquisidores, afirmando o seguinte: “Existem dois tipos de

blasfemadores que não se pode confundir, (...) [o primeiro é constituído]

por aqueles que não se opõem aos artigos da fé (...). Mesmo que o

Santo Ofício não se interesse pelos blasfemadores simples, eles deve

ser castigados” .

O segundo tipo de blasfemador, em compensação, é tratado de

maneira severa pela Inquisição, conforme nos consta: “(...) mas há um

outro tipo de blasfemadores que proferem ataques diretos contra os

artigos de fé. Atacam de frente a onipotência divina (...). Por meio

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disso, negam o primeiro artigo da fé”, e a estes, “(...) serão tratados

como heréticos, e os inquisidores podem persegui-los”43.

A perseguição inquisitorial, contudo, não se dava de forma aleatória

segundo julgamentos de valores propriamente subjetivos dos juízes, pois,

partia de uma legislação com categorias detalhadas e minuciosas para o

trato de tal irreverência tanto na Metrópole, como na colônia brasileira.

1.2.2 O pecado e o crime

As Ordenações Filipinas, impressas em 1603, constituíram por

muito tempo a legislação lusitana, precedidas pelas ordenações

Afonsinas e Manuelinas, responsáveis pela sustentação jurídica e

religiosa tanto da Metrópole como de suas colônias.

No Brasil colônia, o primeiro bispado criado, contemporâneo à

formação do governo geral, pertencia à capitania da Bahia, subordinada

ao arcebispado de Lisboa. A esse bispado, desmembraram-se duas

prelazias: uma no Rio de Janeiro e outra em Pernambuco.

A prelazia do Rio de Janeiro foi autorizada em 19 de julho de

1575, pelo papa Gregório XIII, compreendendo as capitanias de São

Vicente, Rio de Janeiro, Espírito Santo e Porto Seguro, e a prelazia

de Pernambuco, instituída pelo papa Paulo V, em 1614, abrangendo

Pernambuco, Paraíba e Maranhão44.

A prelazia, criada em 1614, contudo, teve uma breve duração,

sendo revogada em 1624, e seu território voltou a fazer parte da

diocese de Salvador.

Referindo-se a esta condição, Salgado afirma que a administração

de ambos os prelados era independente da diocese baiana, contudo,

continuavam sujeitos ao bispado de Salvador. 45

Ao final do século XVII, foram criados mais três bispados: o

do Rio de Janeiro, em 1676; o bispado de Olinda, em 1676, e o

bispado do Maranhão, em 1677 , elevando a Bahia a condição de

arcebispado, por iniciativa do papa Inocêncio XI.

Um outro bispado brasileiro foi instituído na capitania do Grão-

Pará, no ano de 1719, subordinado não ao arcebispado da Bahia,

mas ao de Lisboa, desmembrando-se da diocese do Maranhão,

outrora pertencente.

Em nota oficial do arcebispado da Bahia, encontramos

uma justificativa para tal desdobramento entre as dioceses e

prelazias:

O arcebispo da Bahia expõe a V. M. por este Conselho em carta de 24 de janeiro deste presente ano, que por carta de 06 de setembro do ano próximo passado, lhe ordenou V. M. desse o seu consentimento para se erigirem dois bispados naquela América, além dos que já estão eretos e que não somente dá o seu consentimento, mas muitas graças a Deus Nosso Senhor por inspirar a V. M. tão pio e católico zela pela salvação de seus vassalos em querer lhes dar Pastores que de mais perto possam conhecer e remediar as suas ovelhas, visto como as grandes distâncias dos três bispados Bahia, Rio de Janeiro e Pernambuco lhes dificultam e quase impossibilitam as visitas que tanto encomenda o Santo Concílio Tridentino46.

O Brasil, portanto, contava com dois eixos jurídicos, o arcebispado

da Bahia, embasado pelas Constituições Primeiras do Arcebispado

da Bahia47, de 1707, e o Estado do Maranhão e do Grão-Pará,

pertencentes ao arcebispado de Lisboa, e conseqüentemente, regidos

pelas Ordenações Filipinas, diretamente.

Conforme afirma Pieroni, nas Ordenações Filipinas, as punições

impostas aos hereges eram severas, pois:

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A expressão que designa a pena de morte - morra por ello - é freqüente. Mas a sentença morra por ello, bem como a morra por isso, não significa unicamente a morte física, mas pode às vezes significar a morte civil, a qual excluía o condenado de seu meio social por uma condenação ao degredo48.

As Ordenações Filipinas, assim como as Afonsinas e Manuelinas,

e mais tarde, pelas Constituições Primeiras do Arcebispado da

Bahia, eram compostas por cinco livros, aos quais encontravam-se

normatizações tanto civis como religiosas.

Nas Ordenações, em especial no livro V, nos 21 títulos referentes

ao direito e procedimentos penais, consta o tratamento com os hereges

e o que em especial nos interessa, o trato com os blasfemadores.

No título: “Dos Heréticos e dos Apóstatas”, primeira matéria do

livro V das Ordenações Filipinas, a heresia encontra-se no mesmo

âmago de um crime. Herético era, portanto, a pessoa que sustentava

com tenacidade um sentimento errôneo acerca de algum dogma de fé,

afastando-se da religião oficial49, e por isso, fora da lei.

Apontando diretamente para a blasfêmia, as Ordenações, no título

II fazem uma série de observações. “Dos que arrenegão, on blasfemão

de Deos, ou dos Santos”50, é a citação que encabeça o texto, composto

de multas e penas para quem assim o fizesse.

Para tanto, nas Ordenações encontramos a seguinte exortação:

Qualquer que arrenegar, descrer, ou pezar de Deos, ou de sua Santa Fé, ou disser outras bla sfêmias, pola primeira vez, sendo Fidalgo, pague vinte cruzados, e seja degradado hum anno para Africa. E sendo Cavalleiro, ou Scudeiro, pague quatro mil reis, e seja degradado hum anno para Africa.E se fòr peão, dem-lhe trinta açoutes ao pé do Pelourinho com baraço e pregão, e pague dous mil reis. E pola segunda vez, todos os sobreditos incorram nas mesmas penas em dobro.

E pola terceira vez, além da pena pecuniária, sejam degradados trez annos para Africa, e se for peão, para as Galés51.

Evidencia-se neste caso, a partir do que consta nas Ordenações

que as penas para os hereges que arrenegavam a Deus, Jesus ou

a Virgem Maria, eram relativas ao papel social exercido por cada

categoria de indivíduos na colônia, sem deixar de lado o fato de que

todos participavam de um comum resultado: a punição.

Da mesma forma, contudo, com menores penas, as Ordenações

estipulavam o tratamento com os que “descrendo, pezando, ou

dizendo outras blasfemias contra algum Santo”52, com cobrança de

taxas, sem, no entanto, penalizar com morte ou degredo.

O próprio Livro V das Ordenações, apesar de estipular penas

relativas à gravidade das blasfêmias, deixa uma brecha jurídica,

dando liberdade interpretativa aos Julgadores, conforme nos

consta:

Porém, se alguma pessoa de qualquer condição per algumas outras palavras mais enormes e fêas blasfemar, ou arrenegar de nosso Senhor, ou de nossa Senhora, ou da sua Fé, ou dos seus Santos, fique em alvidrio dos Julgadores lhe darem outras maiores penas corporeaes, segundo lhes per direito parecer, havendo respeito à graveza das palavras, e qualidade das pessoas, e do tempo e lugar, onde forem ditas53.

Conjecturamos que Giraldo Joze de Abranches, em 1763, ao

chegar no Estado do “Pará, Maranhão e Ryo negro”54 para a Visitação

do Santo Ofício da Inquisição, comungava e sobretudo, aplicaria,

justamente estes valores presentes nas Ordenações.

Consta na ata de comissão para abertura oficial da Visitação a

delegação de autoridade total em nome da Igreja, para o visitador

Abranches, legitimado da seguinte forma: “Nossas vezes, e damos

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inteyro poder. E pella mesma Autoridade Apostolica mandamos em

virtude de Santa Obediência e Sob pena de excomunhaõ”55.

Uma vez revestido de autoridade, a metafórica afirmação de

Souza apresentando a visitação como uma colheita, os visitadores

como os colheitadores que colhiam os frutos dos evangelizadores, que

semearam a palavra56, então se concretiza na colônia.

A efetivação da visitação inquisitorial no Brasil, portanto,

embasada pelos pressupostos teóricos elaborados neste capítulo,

se dará, sobretudo, a partir de confissões e denunciações, dentre as

quais, trataremos com especial atenção os casos relativos à blasfêmia,

analisados no capítulo que se segue.

2. A TERCEIRA VISITAÇÃO DO SANTO OFÍCIO AO ESTADO DO GRÃO-PARÁ

Antecipando a vinda do visitador Giraldo José de Abranches,

enviado a Belém em 1763, o irmão do ministro Sebastião José de

Carvalho e Melo, Francisco Xavier de Mendonça Furtado ocupava o

posto de secretário da Marinha e Negócios Ultramarinos, depois de

governar o Estado do Grão-Pará e Maranhão na década anterior a

Visitação.

Foi Francisco Xavier de Mendonça Furtado, neste mesmo período,

o responsável pela aplicação das reformas pombalinas, determinando

o fim da preeminência das ordens religiosas, em colaboração com os

bispos frei Miguel de Bulhões e, seu substituto, frei João de São José

e Queiroz57.

Na realidade, a reforma pombalina não significou o enfraquecimento

da Igreja na retirada de ordens regulares importantes, mas antes,

conotou a preponderância do papel exercido pelos bispos e pelo clero

secular, reforçando o poderio do diocesano frente às ordens religiosas

que favoreciam a descentralização do poder do Estado58.

Levando em consideração estes fatores sociais e religiosos, situa-

se a Terceira Visitação, como forma de corroborar o poderio régio,

acionando mecanismos eficazes de coerção e controle.

O visitador oficial, outrora Inquisidor Apostólico da Inquisição de

Évora, enviado pela diocese de Lisboa, antes de fixado nos trópicos,

assina uma ata de comissão, expondo a seriedade com que seria

promulgado o Ofício Divino da seguinte forma:

No delicto, E crime de herezia, E apoztazia, no de peccado nefando, ou Em Outro qualquer, que pertença Ao Santo Officio da Inquizicão, tomar aprezentacoens E quais quer denunciacoens e informacoens Testemunhadas Contras ellas E aSim Oz fautores, receptores, a defensores das mesmas E pera que possa fazer, e faca Contra Oz culpados acada hum delles processos imforma descida de Direyto, Sendo necessário Segundo a forma d aBulla da Inquizição e Breves Concedidos ao Santo officio,E pera que possa prender Aos dittos Culpados, e Sentencialos Em final Conforme o regimento, e fazer todas as mais couzas, que ao dito cargo de Inquizidor, e Vizitador do Santo Officio pertençen; E pera todo o Sobre ditto e Suas dependências lhe cometemos, Nossas vezes, a damos inteyro poder59.

Assim, depois da formação de uma outra comissão, mais uma vez

criada para oficializar o envio de Abranches a colônia, ainda, foi necessário

a promulgação de uma “Provizao do Notario60”, com informações do

notário e acompanhante do inquisidor, padre Ignacio Joze Pastana.

Uma vez feito isso, estabeleceu-se uma “Provizaõ de Meirinho”61

para acompanhar o visitador durante sua estadia no Brasil, para o

Estado do Grão-Pará e Maranhão, em 19 de setembro de 1763. Aos

23 dias do mês de setembro do mesmo ano, apresentou-se ao Senado

da Câmara das Provisões e Comissões dos Senhores do Conselho

Geral o Senhor inquisidor Visitador62.

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Finalmente, no dia 25 de setembro 1763, assinaram oficializando o

início da Terceira Visitação da Inquisição, “Giraldo Joze de Abanches,

Custodio Joze da Conceicaõ, p.Ignacio Joze Pastana, Sebastiaõ Vieira

dos Santos e Andre Joze Pinheiro”63, e com isso, observando de modo

oficial os colonos do Arcebispado de Lisboa em terras além mar.

É desta forma que o Brasil recebe um ofício que se torna

santificado, já que seus objetivos visavam eliminar as anomalias sociais

naquilo em que feriam a Igreja Católica como instituição, bem como

sua doutrina e os seus agentes. Para tanto, vários crimes de heresia

foram observados e postos em julgamento, e para melhor entender o

pecado em seu contexto, convém-nos um estudo inicial acerca de sua

diversidade e particularidade.

2.1 Tipologia dos pecados

Nas confissões e denunciações da Visitação do Santo Ofício ao

Estado do Grão-Pará e Maranhão, vários foram os crimes relatados

nas atas inquisitoriais. Analisando os quarenta e seis casos presentes

no Livro da Visitação, constamos a seguinte tipologia de pecados:

Perpassando as mais diversas formas de expressão religiosa, os

pecados cometidos na colônia estabelecem vínculos entre a fé lusitana,

mesclada de elementos populares, com a religiosidade dos escravos

e dos índios, dando ao Brasil exclusividade em vários aspectos, se

comparado aos crimes ultramarinos.

A feitiçaria é um forte indício desta miscigenação, já que, diferente

da Europa, o folclore que circunda o feitiço não está relacionado

diretamente aos ritos demoníacos característicos da Idade Média,

como em várias instâncias constam as atas inquisitoriais de Coimbra,

Lisboa e Évora, mas na grande maioria, no Brasil, estão vinculados

com rituais indígenas ou ainda, com manifestações religiosas dos

escravos64.

A blasfêmia é o crime que aparece com maior frequência, e para

tanto, convém distingui-la em suas instâncias, pois, basicamente,

conforme pude relatar, em suas vinte e duas ocorrências, alterna-se

metodologicamente em três diferentes aplicações.

A primeira se refere a rezas e orações, que feriam diretamente

as verdades da fé da Igreja e seus ensinamentos, cometida doze

vezes, motivada provavelmente pelas mesmas circunstâncias que

engendraram as feitiçarias, resultantes das diversas influências

culturais que sofreu o colono no século XVIII.

O segundo tipo é o de blasfêmias pronunciadas em momentos

de cólera ou furor, ofendendo publicamente a Deus. É justamente na

análise deste tipo específico de blasfêmia que ocorre por cinco vezes,

é que trataremos a seguir, com o intuito de estabelecer aproximações

de compreensão acerca do colono e sua religiosidade, do ponto de

vista histórico e cultural.

Já a terceira e última forma de blasfêmia, seis vezes relatada,

é a que acontece reforçada com o manuseio de objetos sagrados,

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também chamados de sacramentais, onde se destacam as heresias

que envolvem o crucifixo ou objetos litúrgicos usados na Missa.

Desta forma, temos a seguinte proporção:

Dentre estes cinco casos, temos três denunciações e duas

apresentações e confissões, configurando um total de 60% de

acusações em relação aos 40% de apresentações e confissões,

conforme nos consta:

Com 22% do total dos casos, as blasfêmias orais denunciadas

(60%) e confessadas (40%) constituem uma fonte de significados

dos quais o cotidiano do colono se revela em suas nuanças próprias,

possibilitando perceber valores que emergem nas particularidades das

circunstâncias apresentadas à mesa do Santo Ofício.

2.2 Análise dos casos

2.2.1 O vômito do monstro

No livro do Apocalipse, a blasfêmia é a besta arrogante, o monstro

disforme cujo vômito em todos os instantes se volta à ofensa contra

Deus. Arrebatado, afirma o apóstolo João: “a fera abriu a boca em

blasfêmia contra Deus, para insultar o seu nome”65.

Tanto nas Sagradas Escrituras quanto no imaginário luso-brasileiro,

o monstro blasfemador deveria ser vencido. Não obstante, ou pelo

poder eclesiástico ou pelo poder laico, não seria aceitável deixar

impune tamanha heresia, assim como Deus não deixara, exterminando

no final dos tempos Satanás66 com um sopro poderoso67.

Nos relatos das confissões e denunciações na Terceira Visitação,

as blasfêmias eram na grande maioria cometidas em atos de cólera ou

de desilusão. Contudo, remetiam a uma simbologia que perpassava os

simples questionamentos ou desabafos, para uma fonte de significados

que, além de conotar a fé e seus deslizes, também possibilita a

compreensão do colono em seu momento de fraqueza, dando brechas

de entendimento da personalidade e subjetividade comum ao seu

tempo.

Assim se deu com padre Miguel Angelo de Morais, de 67 anos,

sacerdote do hábito de São Pedro e cura da Freguesia de Nossa

Senhora do Rosário. Morais dirigiu-se a Giraldo Joze de Abranches

para denunciar o primeiro caso de blasfêmia encontrado nas atas de

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denunciações, registrado aos 10 dias do mês de outubro de 1763.

O denunciado era o Sargento Mor Engenheiro, conhecido como

Gronfelt, que blasfemou por construir uma interpretação teológica e

dogmática de forma depreciativa, afirmando:

Que Deos parecia iniquoo; porque Sabendo que huma alma Se havia peder a errava neste mundo E que aSim o Sentiaõ e diziaõ Os Luteranos que pareciaõ tinhaõ razão dando Outras Muntas68.

Padre Miguel, diante de tamanha heresia, afirma em sua

denunciação que exortou severamente Gronfelt acerca de seu nefando

erro, contudo, relata que o Engenheiro continuava a blasfemar.

Ao proferir sua provocante afirmação chamando Deus de iníquo,

o denunciado, além de contrapor-se à onisciência de Deus, também

feria diretamente uma verdade de fé, o livre arbítrio, defendido por

vários expoentes da doutrina católica como forma de interpretação da

economia da salvação desde Adão e Eva.

Já dizia Santo Irineu, no século II, que “o homem é dotado de

razão e por isso é semelhante a Deus: foi criado livre e senhor de

seus atos”69. Logo, a Igreja entendia que Deus não interferia nos atos

humanos de forma direta, e, portanto, negar em pleno século XVIII

esta realidade, era desconsiderar dezesseis séculos de uma verdade

de fé professada.

Passados aproximadamente dois meses, o padre novamente

se defronta com o Sargento tecendo heresias, desta vez ferindo a

crença e veneração dos santos e suas imagens, dizendo publicamente

que: “Muntos Santos Cujas Imagens Estaõ nos Altares Estaõ ardendo

suas almas nos infernos”70.

Mais uma vez padre Miguel repreende o blasfemador

afirmando que o Papa não erra em seus pronunciamentos e decretos,

num contexto onde a crença na infalibilidade já existia, contudo, só

formalmente oficializada no Concílio Vaticano I no século XIX.

Desde o século XII, a canonização passou a ser proclamada pelo

Papa de forma oficial para culto e veneração. No século XVI, após o

Concílio de Trento, surgiu a exigência da comprovação científica dos

milagres como forma de garantir ainda mais a fidedignidade do santo.

Justamente por isso, a blasfêmia feria não somente ao plano

espiritual com suas audaciosas afirmações, mas atingia diretamente

também, ao dar razão aos luteranos, a Igreja institucional e o Império,

também chamados de “corpo de Cristo”.

Mais umas vez repreendido, o blasfemador não demonstrou

arrependimento, e por isso, não escapou dos olhares inquisidores, já

que seus atos eram inaceitáveis à Igreja setecentista.

A Igreja do século XVIII era marcadamente caracterizada pela sua

forte união com o Estado, ainda mais quando os motivacionais cristãos

no Brasil embasaram-se na “(...) evangelização antes por razões de

Estado do que pelas da Alma”71.

Logo, o intuito de preservar a imagem do Estado era fundamental

para Inquisição tanto quando a preservação da fé, por isso, quando

Deus era chamado “injusto ou iníquo”, na realidade, era ao rei um

possível insulto ou irreverência.

Pieroni acerca da relação da blasfêmia com os poderios laico e

secular, afirma que :

Os esforços das autoridades reais na repressão da blasfêmia encontram-se justificado pela teoria do direito divino. A blasfêmia é considerada atentatória à Majestade Divina e a seu representante no Reino; o rei é o emissário de Deus no território onde reina e, portanto, deve cuidar para que Deus não seja insultado. Nesse sentido, injuriar a Deus é injuriar o próprio rei72.

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É visando esta vertente interpretativa cujos desdobramentos de

fé poderiam inferir na coroa e vice e versa que as Ordenações tratam

de modo rigoroso qualquer desacato ao poder. No título VII do Livro V,

Dos que dizem mal de-Rey, existe inclusive a inferência de que a pena

diante de tal desacato poderia resultar em morte, “tendo as palavras

taes qualidades, porque a mereça”73.

Sob este viés, o caso do padre Miguel Angelo de Morais ganha

um sentido próprio numa perspectiva temporal e presente ao campo

político, com nuanças complementares acerca da blasfêmia presenciada

e posta em julgamento.

A partir desta mesma perspectiva de análise é que a confissão de

Dionisio de Affonseca, enxertado em húmus diversos, se constitui uma

afronta aos poderios régio e sagrado, apesar de apresentar-se de forma

branda aos olhos desatentos, mas não aos inquisidores.

O jovem de 26 anos, clérigo e capelão Tonsurado, aos sete dias de

abril de 1764, na cidade do Pará, dirigiu-se ao tribunal para confessar sua

blasfêmia proferida em um ato de desconsolo perante sua enfermidade.

Encontrando-se na casa de sua tia Escolastica de Souza, oprimido

de uma grave doença que perdurava há um ano, sofrendo além da febre,

fortes dores no corpo, blasfemou diante de sua tia e de duas irmãs,

quando disse:

Que os diabos o leuasem ja para os infernos = porque janaõ Esperaua Saude, E que Deos o Sepultase tambem nos infernos porque desesperou da Sua Mizericordia, pois estando daquella Sorte de Nada Seruia Neste Mundo, aranhando se pela cabeça E puxando se pellos proprios Cabelos74.

E disse que não muito distante disso, ainda na casa de sua tia,

conversando com Francisco da Costa Barboza, com suas tias e outras

pessoas que ali se encontravam, reparava que:

Deos Nosso Senhor Castigaua a alguns por huma culpa So E naõ Castigaua a Outras que tinhaõ innumeraveis Culpas E alguns destes por hum acto de contriçaõ que fariaõ na hora de Sua morte de Salvaçaõ, e que alguns dos Outros tendo ouvido bem huma culpa So Se perdiaõ .

Poder e justiça, duas palavras subentendidas na confissão e que

ecoavam pelos ouvidos dos visitadores com gravidades simbólicas

que dificilmente não seriam observadas e punidas caso não houvesse

contrição.

Do ponto de vista teologal, São Tomás de Aquino, um dos grandes

nomes que fundamentava a compreensão da Igreja do século XVIII,

acerca desta questão dizia que “em Deus o poder e a essência (...), a

sabedoria e a justiça são uma coisa só e mesma coisa”76, logo, poder

e justiça estavam intrínsecos a própria essência de Deus, e negar tais

valores, era negar a própria ontologia sagrada.

Neste ínterim, outro agravante pesava sobre a mesa da Inquisição,

pois, atribuir ao rei ausência de poder ou justiça, configurava num

crime gravíssimo de julgamento exclusivo, pois, “o que disser mal de

seu Rey, não será julgado per outro Juiz, senão por elle mesmo”77.

Desta forma, tanto no plano espiritual quanto no plano material,

o pecado e o crime deveriam ser tratados com o rigor que imprimisse

seriedade ao julgamento, a fim de guiar o rebanho de Cristo aos retos

caminhos78.

A língua impura que se desviava do aprisco e que atacava

veemente a Deus e sua Igreja, também poderia ser agravada por ações

que moviam a blasfêmia, ou seja, a atos blasfêmicos que aumentavam

o teor da heresia.

É por isso que no Dicionário dos inquisidores, de forma muito

didática existe a seguinte instrução:

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E aqueles que blasfemam por ações? Aqueles que jogam pedras ou excrementos na figura do Nosso Senhor Jesus Cristo, ou sobre a cruz, ou sobre a Virgem Maria, ou sobre qualquer santo, com quais penas serão punidos? Os canonistas explicavam-se a esse propósito. Um fulano joga uma pedra ao acaso. Por acaso, a pedra atinge a imagem de Cristo. Não há crime de lesa-majestade. Ao contrário, há crime de lesa-majestade se a pedra for deliberadamente lançada para tocar a imagem e se ela tocá-la, efetivamente. Aquele que age assim deve ser punido por crime de lesa-majestade e deve morrer (...) pois isso é um ato irreverente .

Blasfemar por ação, ferir objetos de representação religiosa

ou ainda, desrespeitar a Eucaristia, eram os crimes cometidos e

denunciados a mesa inquisitorial no dia 26 de agosto de 1765, na

cidade do Belém do Pará, pelo denunciante encarcerado Luis de Souza

Sylva, residente do presídio da Freguesia de Santo Antonio da Villa de

Campo Mayor do Morumbi, sem ofício, e de idade de 28 anos.

Seis meses depois de sua prisão, Luis afirma que um outro detento,

Francisco Joze, alfaiate natural do Reino era um constante blasfemador

e herético, e que o mesmo testemunharam vários outros detentos.

Dizia Francisco Joze que “(...) naõ há Deos, E que o Deos que ha

o piza debaxo dos pes.”80. Por várias vezes, ainda, quando recebiam a

visita do Santíssimo Sacramento, enquanto os outros presos todos se

punham de joelhos, o dito Joze virava-se de costas, prostrado em pé

dando chutes no chão de ódio e dizendo “Caõ perro”81.

Além disso, denunciava ainda Luis, que Francisco dizia

constantemente não ser ele filho de Deus, mas “Como diabo, que

Com Deos porque Deos Naõ tinha poder algum E Somente o tinha

o diabo”82, não assistindo nem a Missa, ficando de costas quando o

sacerdote celebrava diante da cadeia, rindo em voz alta ou em outras

vezes “Comettendo o abominauel pecado da malicia, o qual pecado

naõ tinha Cometido Somente quando Se Celebraua o Santo Sacrificio

da Missa”83.

Admoestado por praticas pecaminosas a partir dos escritos de

São Paulo, Joze chamou-o de bêbado. Além do mais, não rezava os

terços comuns da noite e nunca foi visto rezando qualquer oração,

sempre rindo e debochando das manifestações de fé dos demais

encarcerados.

Não menos blasfêmico, era seu deboche com a Santa Eucaristia,

uma vez que ele depois da comunhão retirava da boca partículas da

hóstia e colocava no cano de “huma Espingarda como fim de que

Levasem os diabos a Hostia”84.

O veemente ódio do português blasfemador parece provir de uma

revolta acerca da legislação e da religião, já que residia no Brasil e aqui

se encontrava encarcerado, e daí, emergem uma série de possibilidades

interpretativas das quais só podemos conjecturar.

Aventando através de uma leitura de Mikhail Bakhtin, podemos

analisar o caso do Francisco Joze a partir do universo popular, como

possibilidade de uma valorização do sagrado, e não de sua violação. Neste

sentido, transcende-se a visão dualista apresentada por Eliade85, quando

trata do Sagrado e do Profano como instâncias distintas e contraditórias.

Para o teórico russo, a orientação para baixo é própria de todas

as formas de alegria popular e do realismo grotesco. “Tudo o que está

acabado, quase eterno, limitado e arcaico precipita-se para o ‘baixo’

terrestre e corporal para aí morrer e renascer”86.

A associação coprófila em relação às negações bruscas do

blasfemador neste sentido aponta para um positivo renegador,

residindo uma ambivalência de desprezo, contudo, pressupondo um

universo religioso imprescindível ao cristão ibérico.

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Francisco Joze, neste sentido, apesar de atacar e blasfemar

com atos e com palavras atentando contra Deus e sua Igreja nos

sacramentos, sacramentais e nos santos, e pego pela inquisição, é

uma possibilidade de compreensão da inversão dos valores cristãos,

sem, contudo, deixá-los de lado.

Mesmo os cristãos fervorosos estavam suscetíveis ao cometimento

de um crime blasfêmico, ainda mais quando expostos a situações que

motivassem a tal deslize. Os inquisidores eram conscientes disto, e

justamente por causa desta realidade, afirmavam que : “(...) o blasfemador

sabe a que fúrias o conduz o jogo ou outra coisa, e que impropérios

heréticos vomita. Que se vigie, se quiser evitar a justiça inquisitorial”87.

Vigilância provavelmente não foi o que aconteceu aos nove dias do

mês de março de 1765, com Ignacio Peres Pereyra XV, Sargento Supra

de Gradeyros da Companhia de que foi Capitão Aniceto Francisco de

Carualho, de 27 anos de idade.

Em um jogo de cartas, acompanhado de Jose Luis, lisboeta,

soldado da Companhia do Capitão Jose Antonio Salgado, de 22 anos,

Ignacio, ao perder o jogo disse que lhe parecia não havia inferno nem

demônios “(...) porquanto tendo por dez, ou doze vezes interiomente

dezzejado que o demonio o ajuda-se para ganhar invocando o no Seo

mesmo interior”88.

Jose Luis, percebendo a invocação de Ignacio, confessou a ele

no instante do jogo que também invocava Satanás da mesma forma,

e que mais, desejava encontrar-se com o Demônio, falar com ele,

aparecendo-lhe visualmente, e porque tal desejo nunca fora atendido,

concluíram que não existia nem demônio, nem inferno, já que “Sem

duuida que lhe hauiaõ de apparecer, ou que Ao menos lhe hauiaõ fallar

inuisiuel mente”89.

A invocação ao demônio era considerada numa hierarquia de

valores de gravidade herética, como um dos piores crimes possíveis de

serem cometidos, já que a figura do diabo, anjo que se rebelou contra

Deus, era exaltada.

No século XV, Eymerich, Francisco Peña, em O manual dos

inquisidores, citado por Pieroni90, ao tratarem deste grau de blasfêmia,

constavam que se a blasfêmia for grave e frequente, seja amordaçado

seu autor, colocada nele a mitra da difamação, a famosa carocha, e, nu

até a cintura seja publicamente flagelado.

A figura do diabo era recorrente do imaginário do povo europeu,

propagado nas missões em terras tropicais, e fortemente presente no

vocabulário blasfêmico. Segundo o que nos consta Trevor Roper,

Os povos primitivos da Europa – como de outros continentes – tinham conhecimento de encantamentos e feitiços, e a noção de vôo noturno “com Diana ou Heródias” perdurou nos primeiros séculos cristãos, mas a substância essencial da nova demonologia – o pacto com Satã, o sabbat das feiticeiras, o intercurso carnal com os demônios etc. – e a estrutura hierárquica e sistemática do reino do Diabo constituem produto autônomo do final da IdadeMédia [...]. Uma vez deslanchada, esta mitologia ganhou ímpeto próprio. Estabeleceu-se como folclore, gerando suas próprias evidências, e atuando muito além de seu lugar de origem91.

Recorrendo a satanás enquanto um personagem mítico, dotado

de destreza para ajudá-lo no jogo e, posteriormente, demonstrando

contrição apresentando-se a mesa inquisitorial, Ignacio Peres Pereyra

XV negociou com os dois representantes maiores da pedagogia

utilizada pelo Estado/Igreja, para controle de seus subordinados, o

Diabo e a Inquisição92.

A implantação destes valores, transcendidos dos seus locais

de origem, ganhava sentido na medida em que o cristianismo era

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18Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2010

propagado. Trilhando os mesmos caminhos reservados até então

aos brancos, os negros cristianizados assumiam crenças européias

segundo a sua visão de mundo. No reino do Congo, desde o século

XVI, conforme nos consta Selma Pantoja93, esse processo acontecia

de forma notável.

Enviados ao Brasil, muitos escravos africanos participaram da

mesa inquisitorial, não somente como denunciados, mas muitas

vezes como denunciantes, acusando hereges por desobedecerem

aos ensinamentos da Mater Eclesia.

Assim se deu aos quinze dias do mês de outubro de 1763, na

cidade do Pará, na denunciação de João Vidal de Sam Joze, de 30

anos, nascido no Congo e de ofício de sangrador.

Segundo Elizabeth Belmas94, a blasfêmia é a própria do sexo

masculino, considerada como resultante de uma manifestação de

energia e virilidade. Justamente por isso, é decorrente encontramos

nas denunciações e confissões, homens blasfemadores, contudo,

na denúncia de João Vidal, são as mulheres quem cometem a

torpeza do pecado blasfêmico.

O grupo de mulheres denunciadas era formado por: Constança

Maria, Joanna Mendes, sua cunhada Azeitona, Raimunda

Mameluca e uma vizinha chamada Rosaura.

Na sua denunciação, Vidal afirma que Rosaura atirou o Rosário

que tinha em seu pescoço, rompendo o cordão e jogando ao chão

as contas, pisoteando-as e blasfemando dizendo que: “renegaua

da SantiSima Trindade E da Virgem Maria Nossa Senhora”95.

A piedade medieval do Ocidente desenvolveu a oração do

Rosário como alternativa popular à Oração das Horas e difundiu-

se no século XII com São Bernardo. Ofender a um símbolo que

remete diretamente a Virgem Maria era um crime que constava

no livro V, título II das Ordenações Filipinas, configurando uma

heresia média, mas, como a audaz ofensa de Rosaura se estendeu

até a Santíssima Trindade, seu crime era inegável e sua blasfêmia

era gravíssima.

Constou João Vidal que repreendeu severamente Rosaura,

mas a mesma não se importou, e disse mais, lamentando-se “Não

ter ahi huma imagem do Senhor Crucificado que tinha Em Sua

caza para atirar Com ella Ao meio da Rua pêra que todos Uissem

aquele desacato“96.

Desde o Concílio Ecumênico de Nicéia II, no ano de 787, a

Igreja trata de forma rigorosa o respeito e a veneração à imagem

religiosa como uma forma de indicação direta a pessoa que ela

representa, e neste caso, ao próprio Filho de Deus em sua entrega

máxima na cruz.

Rosaura e suas amigas blasfemadoras atingiam diretamente

a forte representação religiosa da qual comungavam, com gestos

repletos de simbolismo, renegando a fé de forma pública, e por

isso, fitadas pelos olhares dos inquisidores.

Assim, dentre os aspectos analisados, a fé era renegada pela

blasfêmia do colono pelos diversos motivos elencados, levando em

consideração não somente o contexto político, mas, sobretudo, o

contexto religioso que permeava a compreensão de mundo que

tinham. Contritos e arrependidos em confissões e apresentações

ou por desencargo de suas consciências em denunciações,

registraram-se estes crimes, na provável última e mais longa visita

do Santo Ofício da Inquisição ao Brasil, mais especificamente ao

Estado do Grão-Pará e Maranhão, nos anos de 1763 até 1769.

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Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2010 19Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2010

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Embora não se tratasse do principal objetivo de observância dos

inquisidores na Visitação do Santo Ofício ao Estado do Grão-Pará e

Maranhão, a blasfêmia, recorrente em várias confissões e denunciações

apresenta-se enquanto uma fonte da qual emergem representações

sociais que nos deram possibilidades de conhecer alguns aspectos dos

colonos do século XVIII.

Segundo Robert Muchembled97, a blasfêmia é parte integrante e

obrigatória do cristianismo, um componente ativo da cultura religiosa. No

Brasil católico setecentista, a blasfêmia foi um “crime” cometido por toda

classe de indivíduos, de clérigos consagrados a escravos cristianizados.

Na análise dos casos blasfêmicos apresentados à mesa inquisitorial,

entre 1763 e 1769, fez-se necessário estabelecer um recorte metódico,

para então tratar de três casos denunciados e dois confessados que

envolveram este delito herético verbal especificamente.

Pieroni, citando Jean Chevalier e Alain Gheerbrant no Dictionnaire

des symboles, afirma que a boca “é representada na iconografia

universal tanto pela gorja do monstro quanto pelos lábios dos anjos”,

podendo ser “(...) a porta do Paraíso ou a do Inferno”98, logo, os pecados

verbais remetiam a uma simbologia que se vinculava diretamente a

salvação ou a eterna danação.

Assim, temos como agentes desta trama: padre Miguel Angelo de

Morais denunciando Gronfelt99; a confissão de Dionisio de Affonseca,

clérigo e capelão tonsurado100; o encarcerado Luis de Souza Sylva

denunciando Francisco Joze101; a confissão de Ignacio Peres Pereyra

XV102 e a denunciação de João Vidal de Sam Joze para com um grupo

de mulheres blasfemadoras103.

Em cada um destes casos, foi possível pensar, salvo as devidas

limitações, o colono em seu contexto social e religioso, estabelecendo

vínculos com o pensamento teológico e cultural, em crimes que

afetavam não somente a Igreja enquanto Instituição, mas a harmonia

social como um todo.

O historiador Jean Delumeau, consciente desta relação, afirma

que o blasfemador “(...) não aparece mais somente como aquele que

se arrisca a desencadear a cólera divina que toda a comunidade deverá

suportar. Simboliza também e, sobretudo, aquele que ameaça uma

harmonia social”104.

Visando justamente a esta harmonia social, é que os colonos

buscavam purgar-se de suas consciências, valendo-se da Inquisição

que, conforme afirma Emerych e Peña, na aplicação de seus castigos

e degredos, tinha como finalidade não salvar necessariamente “(...)

a alma do acusado, mas de manter o bem público e de aterrorizar o

povo”105, gerindo sua manutenção nas mentalidades enquanto um

mecanismo dotado de poder normativo, regido pelos interesses da

Igreja e do Estado.

Talvez seja por isto que, ao término de cada denunciação ou

confissão apresentada ao visitador Abranches, questionava-se acerca

do objetivo pelo qual levou o colono a dirigir-se à mesa inquisitorial,

e daí, a resultante de uma resposta comum a quase todos os casos,

afirmando ser: “para descarregar suas consciências”106.

Esta iniciativa vinha de encontro a uma dupla preocupação: a

primeira vinculada à idéia de redimir-se do pecado, reajustando-se aos

padrões sociais ordinários estipulados pela religião, a segunda e não

menos importante, é provavelmente provinda do medo de ser pego

pela Santa Inquisição, uma vez que o pecado blasfêmico analisado

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20Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2010

tinha vínculo direto com ofensas públicas a Deus, portanto, o risco

de ser capturado pelos tentáculos inquisitoriais a qualquer instante

gerava um clima de medo e desconfiança na maioria dos cidadãos.

Na nossa amostra dos casos de blasfêmias tratados nesta

monografia, provavelmente existiram estes dois agravantes

motivacionais, e a partir deles, cada um desenvolveu-se em suas

particularidades, em uma sociedade que, conforme afirma Pieroni,

“está saturada do sagrado, o crente trata espontaneamente Deus e a

corte celeste com grande familiaridade”107.

Uma religião herdada pela colonização, e vivenciada exaustivamente

pelos colonos como constituinte de um horizonte de compreensão, sem

dúvidas seria alvo de constantes ataques, mesmo havendo o medo

pela repressão e correção, agravado pela projeção do reino celeste

ao reino terreno, quando as irreverências a Deus estendiam-se ao

próprio Rei, conotando um aspecto jurídico e criminal, em uma mesma

instância ao religioso.

Devido à complexidade atrelada ao pecado da blasfêmia e ao seu

estudo, que envolve um entendimento teológico, jurídico e cultural,

Jean Delumeau afirma que “o historiador das mentalidades deve utilizar

este revelador. Daí o interesse deste caso”108. Para tanto, procurei ir

além das mentalidades adentrando nas representações para poder

melhor enxergar o significado simbólico das palavras e dos gestos.

Enfim, blasfêmias e irreverências no Brasil setecentista, a partir da

análise dos casos de confissões e denunciações na Terceira Visitação

do Santo Ofício ao Estado do Grão-Pará e Maranhão, constituíram

um estudo em vista a uma abordagem histórico-cultural, acerca dos

gestos, comportamentos, experiências que não podem ser analisados

simplesmente do ponto de vista religioso e dogmático, mas pela

mediação da história cultural, cujos métodos permitiram estabelecer

aproximações com o cotidiano social e religioso do luso-afro-brasileiro

do século XVIII.

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Notas de Rodapé1 NAZÁRIO, Luiz. Julgamento em Chamas – Autos de fé como espetáculos de massa. In. NOVINSKY, Anita. Inquisição : ensaios sobre

mentalidades, heresias e arte. São Paulo : Edusp, 1987, p. 537.2 DICIONÁRIO DOS INQUISIDORES (Valência, 1494), direção de Louis Sala-Molins, Paris, Galilée, 1981, p. 284.3 SAMPAIO, Teodoro. História da fundação da cidade do Salvador. Bahia : Tipografia Beniditina Ltda, 1949, p.210.4 A Patrística, situada entre os séculos I e VIII, era uma filosofia cristã, representada por grandes nomes como Santo Agostinho e São Tomás de

Aquino, dentre outros.5 Cf. DELUMEAU, Jean. Mentalites: Histoire des cultures et dês sociétés. Paris: Èditions Imago, 1989.6 ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p.20.7 PIERONI, Geraldo. Os excluídos do Reino. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2000, p. 203.8 Cf. KANTOROWICZ, Ernert. Os dois corpos do rei: Um estudo sobre a teologia medieval. Rio de Janeiro: Cia das Letras, 2000.9 HOLANDA, Sérgio Buarque de. História geral da civilização brasileira – I. A época colonial. 1. Do descobrimento à expansão territorial. São

Paulo: Bertrand, 1989, p.16.10 SOUZA, Laura de Mello e. O diabo e a terra de Santa Cruz. São Paulo: Companhia das Letras, 1986, p.86.11 Cf. WHELING, Arno, WEHLING, Maria José C. M. Formação do Brasil Colônia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.12 Idem, p. 37.13 Idem, p. 37.14 WHELING, Arno, WEHLING, Maria José C. M. Formação do Brasil Colônia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p.38.15 SOUZA, Laura de Mello e. O Inferno Atlântico: Demonologia e Colonização – Século XVI-XVIII. São Paulo: Companhia das letras, 1993,

p.22.16 Idem., p.23.17 LEITE, Serafim. Cartas dos Primeiros Jesuítas do Brasil. São Paulo: Comissão do IV Centenário da Cidade de São Paulo, 1954, p.05.18 VAINFAS, Ronaldo. A heresia dos índios. São Paulo: Companhia das letras, 1997, p.19.19 DELUMEAU, Jean. Un Chemin d’Histoire, Chrétienté et Christianisation. In. THOMAS, Keith. Religião e Declínio da Magia. São Paulo:

Companhia das Letras, 1991, edição inglesa de 1971, p.67.20 BOXER, Charles, O império colonial português. Lisboa: Edições 70, 1981, p.101.21 VAINFAS, Ronaldo. Estudos históricos. Rio de Janeiro: Companhia das letras, 1988, p.173.22 _____. A heresia dos índios. São Paulo: Companhia das letras, 1997, p.14.

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23 ANTT, Conselho Geral do Santo Ofício. Livro 435 - Inquisição de Lisboa, 1540-1778.24 ANTT, Conselho Geral do Santo Ofício. Livro 433 - Inquisição de Coimbra, 1567-1781.25 ANTT, Conselho Geral do Santo Ofício. Livro 434 - Inquisição de Évora, 1542-1763.26 A Visitação da Bahia e Pernambuco (1591-1595); da Bahia (1618) e do Estado do Grão Pará (1763-9). 27 SÔNIA, A. Siqueira. A inquisição portuguesa e a sociedade colonial, São Paulo: Editora Ática, 1978, p. 227.28 SÔNIA, A. Siqueira. A inquisição portuguesa e a sociedade colonial, São Paulo: Editora Ática, 1978, p. 227.29 DELUMEAU, Jean. Mentalites: Histoire des cultures et des sociétés. Paris: Editions Imago, 1989, p.09. 30 Idem., p.09.31 Idem., p.11.32 CHARTIER, Roger. A beira da falésia. A história entre incertezas e inquietudes. Porto Alegre: Editora da Universidade, 2002, p.72.33 CHARTIER, Roger. A beira da falésia. A história entre incertezas e inquietudes. Porto Alegre: Editora da Universidade, 2002, p.74.34 Traduz-se como: sopro que vem do interior.35 Bíblia Sagrada, Jô 1,14.36 Sto. Agostinho, Conf. I, 1,1. In. Catecismo da Igreja Católica. Edição Típica Vaticana. São Paulo: Edições Loyola, 2000, p.22.37 Bíblia Sagrada. Lc. 6,45.38 Sto. Tomás de Aquino. S. Th., I-II, 88,2, In. Catecismo da Igreja Católica. Edição Típica Vaticana. São Paulo: Edições Loyola, 2000, p. 497.39 Bíblia Sagrada. Mt. 12,32.40 DIDIEU, Jean-Pierre. Le modele religieux: les disciplines Du langage et de l’action. In. BENNASSAR, Bartolomeo. L’Inquisition espagnole,

France: Hachettep, 1996, p. 242.41 PIERONI, Geraldo. Os excluídos do reino. São Paulo: Imprensa oficial do Estado, 2000, p. 205.42 PIERONI, Geraldo. Os excluídos do reino. São Paulo: Imprensa oficial do Estado, 2000, p.205.43 Idem., p.206.44 Cf. QUINTÃO, Antonia Aparecida. Lá vem o meu parente: as irmandades de pretos e pardos no Rio de Janeiro e em Pernambuco (século XVIII).

São Paulo: FAPESP, 2002.45 SALGADO, Graça. Fiscais e Meirinhos. A administração no Brasil Colônia. São Paulo: Ed. Nova Fronteira, 1992, p. 116.46 LISBOA, AHU, BA, Cód. 253 (1704-1724), f. 249, 22/9/1721.47 As Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, em 1707, foram feitas e ordenadas por Dom Sebastião Monteiro da Vide, bispo do dito

arcebispado e do conselho de sua majestade, impressa em Lisboa no ano de 1719 e em Coimbra, em 1720, com todas as licenças necessárias,

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Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2010 23Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2010

de conteúdo teológico e pastoral que tinham como objetivo responder aos anseios da fé colonial.48 PIERONI, Geraldo. Revista do Centro de memória do Judiciário, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, volume 1, números 1 e 2, 2001,

p.02.49 LARA, Silvia Hunold. Ordenações Filipinas-Livro V, São Paulo: Companhia das letras, 1999, p.149.50 Idem., p. 150.51 LARA, Silvia Hunold. Ordenações Filipinas-Livro V, São Paulo: Companhia das letras, 1999, p. 150.52 Idem., p.150.53 Idem., p.151.54 LAPA, J.R. Amaral. Livro da Visitação do Santo Ofício da Inquisição ao Estado do Grão-Pará 1763-69. São Paulo: Editora Vozes, 1978,

p.115.55 LAPA, J.R. Amaral. Livro da Visitação do Santo Ofício da Inquisição ao Estado do Grão-Pará 1763-69. São Paulo: Editora Vozes, 1978,

p.116.56 Cf. SOUZA, Laura de Mello e. O diabo e a terra de Santa Cruz. São Paulo: Companhia das Letras, 1986, p.140.57 DOMINGUES, Evandro. Resumos expandidos do Simpósio Temático 29 / XXIII SNH, 2001.58 Cf. CARVALHO, Laerte Ramos de. As Reformas Pombalinas da Instrução Pública. São Paulo: Saraiva: Ed. Universidade de São Paulo, 1978.59 LAPA, J.R. Amaral. Livro da Visitação do Santo Ofício da Inquisição ao Estado do Grão-Pará 1763-69. São Paulo: Editora Vozes, 1978, p.

117.60 Idem., p.117.61 Idem., p.118.62 Idem., p.119.63 Idem., p.125.64 Cf. VAINFAS, Ronaldo. A heresia dos índios. São Paulo: Companhia das letras, 1997.65 Bíblia Sagrada. Ap. 13, 6-7.66 Bíblia Sagrada. IITes 2,8.67 Conferir simbologia do sopro na página 16.68 LAPA, J.R. Amaral. Livro da Visitação do Santo Ofício da Inquisição ao Estado do Grão-Pará 1763-69. São Paulo: Editora Vozes, 1978,

p.145.69 Sto. Irineu, Adv. Haer., 4,4,3. In. Catecismo da Igreja Católica. Edição Típica Vaticana. São Paulo: Edições Loyola, 2000, p. 472.

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70 LAPA, J.R. Amaral. Livro da Visitação do Santo Ofício da Inquisição ao Estado do Grão-Pará 1763-69. São Paulo: Editora Vozes, 1978,

p.145.71 SOUZA, Laura de Mello. O diabo e a Terra de Santa Cruz: feitiçaria e religiosidade popular no Brasil colonial. São Paulo: Companhia das Letras,

1995. p.88.72 PIERONI, Geraldo. Os excluídos do Reino. Editora Universidade de Brasília: São Paulo, 2000. p. 209.73 LARA, Silvia Hunold. Ordenações Filipinas-Livro V, São Paulo: Companhia das letras, 1999, p. 192.74 LAPA, J.R. Amaral. Livro da Visitação do Santo Ofício da Inquisição ao Estado do Grão-Pará 1763-69. São Paulo: Editora Vozes, 1978,

p.199.75 Idem., p. 199.76 Sto. Tomas de Aquino, S. Th. I,25,5, ad 1. In. Catecismo da Igreja Católica. Edição Típica Vaticana. São Paulo: Edições Loyola, 2000, p. 81.77 LARA, Silvia Hunold. Ordenações Filipinas-Livro V, São Paulo: Companhia das letras, 1999, p.184.78 Cf. Bíblia Sagrada. Jo. 10.79 MOLINS, Louis Sala. Le dictionnaiere des inquisiteurs,Galilée: Débats, 1981. p.113. 80 LAPA, J.R. Amaral. Livro da Visitação do Santo Ofício da Inquisição ao Estado do Grão-Pará 1763-69. São Paulo: Editora Vozes, 1978,

p.233.81 LAPA, J.R. Amaral. Livro da Visitação do Santo Ofício da Inquisição ao Estado do Grão-Pará 1763-69. São Paulo: Editora Vozes, 1978,

p.233.82 Idem., p.234.83 Idem., p.234.84 Idem., p.234.85 Cf. ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano. São Paulo: Martins Fontes, 1996.86 BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento – O contexto de François Rabelais. São Paulo: Ed. Hucitec, 1987,

p.325.87 MOLINS, Louis Sala. Le dictionnaiere des inquisiteurs,Galilée: Débats, 1981. p.65.88 LAPA, J.R. Amaral. Livro da Visitação do Santo Ofício da Inquisição ao Estado do Grão-Pará 1763-69. São Paulo: Editora Vozes, 1978, p.

230.89 Idem., p. 231.90 PIERONI, Geraldo. Os excluídos do Reino. Editora Universidade de Brasília: São Paulo, 2000. p. 209.

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Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2010 25Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2010

91 TREVOR, Roper. A fobia às bruxas na Europa - Religião e Sociedade, 12/2. Rio de Janeiro: Campus, 1985, p. 33.92 Cf. SOUZA, Laura de Mello. O diabo e a Terra de Santa Cruz: feitiçaria e religiosidade popular no Brasil colonial. São Paulo: Companhia das

Letras, 1995.93 Cf. PANTOJA, Selma. Revista Lusófona de Ciência das Religiões – Ano III, 2004 / n.º 5/6 – pp.117-136.94 MUCHEMBLED, Robert (org). Mentalites – Histoire des cultures et des sociétés – Injures et blasphemes. France: Éditions Imago, 1989,

p.21.95 LAPA, J.R. Amaral. Livro da Visitação do Santo Ofício da Inquisição ao Estado do Grão-Pará 1763-69. São Paulo: Editora Vozes, 1978,

p.163.96 Idem., p.163.97 MUCHEMBLED, Robert, L’invention de l’homme moderne, Paris : Èditions Imago, 1988, p. 76.98 PIERONI, Geraldo. Os excluídos do reino. São Paulo: Imprensa oficial do Estado, 2000, p.213.99 LAPA, J.R. Amaral. Livro da Visitação do Santo Ofício da Inquisição ao Estado do Grão-Pará 1763-69. São Paulo: Editora Vozes, 1978,

p.144.100 Idem., p.198.101 Idem., p.233.102 Idem., p.229.103 Idem., p.162.104 DELUMEAU, Jean. Un Chemin d’HIstoire, Paris: Foyard, 1981, p. 42.105 NAZÁRIO, Luiz. Julgamento em Chamas – Autos de fé como espetáculos de massa. In. NOVINSKY, Anita. Inquisição : ensaios sobre

mentalidades, heresias e arte. São Paulo : Edusp, 1987, p.528.106 Presente a cada finalização de processos. Cf. LAPA, J.R. Amaral. Livro da Visitação do Santo Ofício da Inquisição ao Estado do Grão-Pará

1763-69. São Paulo: Editora Vozes, 1978.107 PIERONI, Geraldo. Os excluídos do reino. São Paulo: Imprensa oficial do Estado, 2000, p.222.108 DELUMEAU, Jean. Mentalites: Histoire des cultures et des sociétés. Paris: Editions Imago, 1989, p.11.