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    p. 85-138

    Biorrefinarias, biocombustveise qumica renovvel: revoluotecnolgica e financiamento

    Valria Delgado Bastos*

    Resumo

    A inovao e o ritmo do progresso tecnolgico tm sido condicio-

    nados cada vez mais por novos desaos econmicos e ambientaisrelacionados crescente demanda por matrias-primas e energia.

    Uma parte das novas tecnologias baseadas em recursos renovveis

    envolve o conceito de biorrenarias, onde seriam fabricados biocom-bustveis, energia e produtos qumicos de base renovvel. Muitasdessas inovaes teriam origem em plataformas da biotecnologia

    * Economista do BNDES. Este artigo baseia-se empaperaprovado na 14aConferncia daInternational Schumpeterian Society, realizada de 2 a 5 de julho de 2012, em Brisbane,Austrlia [Bastos (2012a)]. O artigo de exclusiva responsabilidade da autora, no ree -tindo, necessariamente, a opinio do BNDES.

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    industrial, originadas de empresas de base tecnolgica, principal-mentestart-upsamericanas. As inovaes de biorrenarias podemser o embrio de uma nova revoluo tecnolgica caracterizada por

    um novo paradigma tecnoeconmico e um papel complementar donanciamento. Este artigo analisa as experincias de biorrenariasnos Estados Unidos e no Brasil, com base na hiptese de revoluestecnolgicas e no papel complementar do nanciamento, em especialdo suporte governamental.

    Abstract

    The growing demand for raw materials and energy has posed neweconomic and environmental challenges, which have increasinglydetermined innovation and the pace of development in technology.Part of the new technologies based on renewable resources involvesthe concept of bio-reneries, which would produce bio-fuels, energyand renewable chemical products. Many of these innovationswould arise from industrial biotechnology platforms, originatingfrom technology-based companies, mainly American start-ups.

    Bio-renery innovations may be the embryo of a new technologicalrevolution characterized by both a new techno-economic paradigmand the complementary role of nancing. This paper analyzes theexperience of bio-reneries in the United States and Brazil based onthe hypothesis of technological revolutions and on the complementaryrole of nancing, especially governmental support.

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    87Biorrefinarias, biocombustveis e qumica renovvel: revoluotecnolgica e financiamento

    Introduo

    Desde o comeo do sculo XXI, a economia mundial enfrenta novos

    desaos. Um dos principais deles tem relao com o impressionantecrescimento das economias emergentes, com destaque para China endia, em contraste com ritmo mais modesto das economias desenvol-vidas, o que tem reexos na expressiva demanda por matrias-primase energia. Outro desao corresponde forma de coordenar a expansoda produo global com altos e volteis preos do petrleo e o esgo-tamento de reservas e a preocupao mundial sem precedentes comdanos ambientais e compromissos de reduo de gases de efeito estufa.

    O enfrentamento das questes ambientais depende principalmentedo ritmo da inovao e do progresso tecnolgico, que tem estadofortemente condicionado por esses desaos.

    Com o surgimento de novas tecnologias baseadas em recursos re-novveis, diversos pases tm empregado o conceito de biorrenaria,arqutipo de uma nova economia verde ou ambientalmente correta.Nas biorrenarias, seriam produzidos biocombustveis, energia eprodutos qumicos de base renovvel. Muitas das inovaes nas bior-renarias teriam origem em plataformas da biotecnologia industrial,originadas de empresas de base tecnolgica,start-upsamericanas.Tais rmas, ainda que tenham forte base cientca, so inexperientesem plantas de produo industrial e carentes de capacidade nanceira.

    At recentemente, fundos de capital de risco (venture capital)constituram importante base defundingdas empresas de biotecno-logia. No entanto, as biorrenarias tm caractersticas muito distintasde outras indstrias que tm estado fortemente baseadas na biotec-nologia, como a produo de biofrmacos. Nas biorrenarias, so

    produzidas, em geral, commodities, como os biocombustveis, compadro de competio por preos (ao contrrio de frmacos, em quea competio por inovao e diferenciao). Alm disso, por ques-tes de escala, as biorrenarias exigem atividades de escalonamento(scaling-up) de plantas, com implicaes importantes relativas aporte, gastos e estrutura de pesquisa e desenvolvimento, envolvendoat mesmo unidades de demonstrao, dentro do conceito moderno

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    de pesquisa, desenvolvimento e demonstrao (P,D&D). Ademais,inovaes e investimentos em energia limpa (ou verde ou renovvel)tm caractersticas de bem quase pblico, cujo incentivo depende da

    incorporao do retorno social aos convencionais clculos de retornoprivado por meio da regulao.

    Nesse sentido, as tecnologias compreendidas nas biorrenariasno parecem prescindir de um nvel sem precedentes de suportenanceiro dos governos, conforme evidenciado pela crise nanceirade 2008. Com a crise, os canais de nanciamento para esse tipo deinovao virtualmente desapareceram, mesmo para os projetos maispromissores e prontos para comercializao. Desde ento, o suporte

    federal tornou-se fonte fundamental, sugerindo a necessidade deredenio da forma de nanciamento.

    Uma boa evidncia do apoio federal destinado a esse m foi aparcela dos recursos do American Recovery and Reinvestment Act(ARRA 2009) e a reviso do programa original de subveno sbiorrenarias do Departamento de Energia dos Estados Unidos,que, alm dos biocombustveis, passou a contemplar a produo dequmicos bio-based. Essa incluso crucial para o esforo de esca-lonamento e comercializao (pioneira) das inovaes, uma vez que,embora equitye capital de risco estivessem disponveis para estimulara inovao, poucas opes defunding existiam (mesmo pr-crise) paraa construo de plantas de escala pr-comercial ou demonstrao.De fato, um amplo conjunto de instrumentos e arranjos institucionaisfoi desenvolvido pelo governo americano com vistas ao apoio dessastecnologias, particularmente focado na meta de alcanar a viabilidadee o sucesso comercial das biorrenarias.

    As biorrenarias podem estar no embrio de uma nova revoluo

    tecnolgica, na linha proposta por Perez (2004), na qual o nanciamentotem papel complementar e indispensvel para a inovao. A deciso denanciar inovaes requer uma postura nanceira mais arriscada doque a mera intermediao nanceira e guiada pelo mesmo paradigmatecnoeconmico das revolues tecnolgicas, embora com posturamais voltil, exvel e menos arraigada que o capital produtivo quandosurgem sinais de exausto de determinado paradigma [Perez (2004)].

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    89Biorrefinarias, biocombustveis e qumica renovvel: revoluotecnolgica e financiamento

    O suporte ativo do governo americano no perodo de instalaodas biorrenarias corrobora a hiptese do papel dos governos naimplantao de tecnologias limpas, contrariando a hiptese de Perez

    de um papel mais passivo dos governos nessa fase de instalao[Perez (2004; 2010a)].

    Desde meados dos anos 1970, o Brasil desenvolveu uma forteindstria de etanol combustvel, graas a vantagens competitivasprovenientes de vantagens naturais, bem como de inovaes in-crementais e crescente produtividade agrcola, possibilitadas pormelhoramentos genticos da cana-de-acar, alm da melhoria daecincia na sntese industrial do etanol.

    Embora o Brasil tenha trilhado uma longa e exitosa jornada como etanol biocombustvel, a qumica verde, de produtos qumicos ba-seados no etanol (ou no acar), no teve a mesma sorte. Contudo,a crescente demanda por produtos qumicos e a insuciente ofertadomstica da indstria petroqumica baseada na nafta, aliadas svantagens competitivas dinmicas do setor sucroenergtico, abremuma avenida de oportunidades e criam enorme potencial para odesenvolvimento da qumica verde no Brasil.

    A estratgia de agregao de valor e sosticao aos recursosnaturais uma forma de promover no apenas catching up, mas atmesmo de alcanar a fronteira tecnolgica em certas reas, alme-jando competitividade em mercados mundiais [Perez (2010b)]. Odesenvolvimento da cadeia de valor da cana-de-acar depende deuma estratgia mais ampla de crescimento research-basedque passea incluir esforos de desenvolvimento de indstrias e tecnologias.Isso implica desaos no plano das polticas tecnolgica e industrial

    e instrumentos adequados de apoio governamental, como o desen-volvimento de formas especiais de instituies para lidar com aincerteza da inovao.

    O propsito principal deste artigo analisar o potencial de biorre-narias e qumica verde no Brasil, com base na hiptese de revoluestecnolgicas de Perez, alm do papel do apoio nanceiro governa-mental, inspirado na ampla rede de apoio federal s biorrenarias

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    desenvolvida nos Estados Unidos. O trabalho focaliza polticas,instrumentos e oportunidades de desenvolvimento das biorrenariasnos Estados Unidos e no Brasil, os dois pases lderes na produo

    de etanol, responsveis por mais de 80% da oferta mundial. De umlado, o governo americano tem desempenhado o papel mais ativona indstria de biocombustveis e tem erigido um amplo conjuntode instrumentos visando ao desenvolvimento de biocombustveis equmicos bio-based. De outro lado, o sucesso brasileiro com com-bustveis provenientes da cana-de-acar, por meio de inovaoincremental e base industrial consolidada, qualica o pas a fazerparte da corrida tecnolgica em direo a combustveis e qumicos

    de gerao avanada.O artigo est estruturado da seguinte forma. A seo seguinte apre-

    senta a abordagem terico-conceitual de uma iminente sexta revoluotecnolgica. A terceira seo aborda o conceito de biorrenaria, aspromissoras rotas tecnolgicas em desenvolvimento e os mecanismos

    de nanciamento e apoio governamental nos Estados Unidos. Naquarta seo descreve-se a exitosa experincia brasileira com etanol,bem como os instrumentos e oportunidades na corrida mundial dafronteira tecnolgica. Na ltima seo, so apresentadas as principais

    concluses do trabalho.

    Revolues tecnolgicas, paradigmas efinanciamento

    Schumpeter ps a inovao tecnolgica como pea central dadinmica das economias de mercado por meio do processo de

    destruio criadora. Firmas inovam em busca de lucros extraordi-nrios e participaes no mercado, convertendo conhecimentocientco em novos e melhorados produtos, processos e sistemas.Empregam para tal pesquisa e desenvolvimento (P&D) intrarmade forma sistemtica e realizam, usualmente, pesados investimentosem unidades de pesquisa, tais como laboratrios, plantas-piloto eplantas de demonstrao.

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    Embora as rmas sejam o lcus da inovao, existem numerosasinteraes e feedbacks que cercam o processo de inovao e suadifuso, dando lugar a redes sistemticas de inovao e cooperao

    entre universidades e instituies de pesquisa com rmas [Freeman(1996)]. O reconhecimento da importncia de interdependncias einteraes entre diversos atores para a inovao resultou no desenvol-vimento do conceito de sistema nacional de inovao (SNI) termoformalmente cunhado por Lundvall (1992) e Nelson (1993) com basenas ideias precursoras de Freeman e mesmo de sistemas setoriaisespeccos de inovao [Malerba (2004)].

    Admitir a importncia dessa rede ampla no elimina, contudo,

    o entendimento de que o mercado continua a ser o reinado dainovao e de rmas (frequentemente) como atores lderes. Decisesde investir em inovao so similares s decises de investir em

    nova capacidade produtiva, sujeitas mesma sorte de incertezas,ainda que de forma ampliada,1tomadas, em grande medida, comoresultado do animal spiritskeynesiano [Freeman (1974)]. Investi-mentos em inovao consideram expectativas no apenas sobre oretorno nanceiro, mas tambm sobre o comprometimento de gas-tos e o tempo at o sucesso comercial (ou no) da inovao. Como

    investimento signica longo prazo e comprometimento irreversvelde uxos de caixa, com base em posturas especulativas, a decisode investir baseia-se em como nanci-lo. A natureza particulardo investimento em inovao sustenta o consenso, mesmo nomainstream economics(nesse caso, por falhas de mercado e externa-lidades e ogapentre retornos sociais e privados), de que a inovaoe as atividades de P&D no podem ser deixadas exclusivamente como setor privado, sob o risco de subinvestimento, o que justica a

    interveno governamental na forma de apoio a P&D.Economias de mercado so guiadas pelo progresso tcnico, e sua

    dinmica est intrinsecamente relacionada dinmica das inovaes,

    1 A maior incerteza que ronda a inovao compreende a incerteza geral dos negcios aplicada a todas as decises sobre o futuro comum a qualquer investimento, mas tam-bm incertezas tcnicas e de mercado no sentido do sucesso comercial de uma inovao,no apenas quanto questo de funcionar ou no funcionar, mas tambm a que custo[Freeman (1974)].

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    assim explicando o ciclo econmico na verso de Schumpeter oudos ciclos longos da abordagem de Kondratieff. Conforme Perez(2004), as inovaes (mesmo as radicais) no so eventos isolados,

    mas ocorrem em clusterse compreendem um conjunto de inovaesinter-relacionadas. Revolues tecnolgicas fornecem tecnologiasgenricas que afetam toda a estrutura econmica e do lugar a novosparadigmas tecnoeconmicos que so um conjunto de rotinas paraa economia por meio das quais as novas tecnologias genricas sedifundem por todo o cenrio produtivo [Perez (2004)].

    A autora enfatiza a importncia de empregar o termo ondaspor mars denido como o processo pelo qual uma revoluo

    tecnolgica e um novo paradigma tecnoeconmico propagam-sepela economia e por meio do qual ocorrem mudanas profundas nos no nvel econmico, mas tambm no social. No obstante, umagrande mar de desenvolvimento comea com o surgimento debreakthroughtecnolgico (um big bang).

    A economia mundial deparou-se com cinco revolues tecnol-gicas e cada uma delas deu lugar a um conjunto de novas indstrias,princpios organizacionais, infraestrutura e um estoque de conhe-

    cimento que promoveu a modernizao das indstrias existentes[Perez (2010a)], conforme Tabela 1. O veculo da mudana umnovo paradigma tecnoeconmico que emerge da implementaoprtica das novas tecnologias e incorpora novos critrios do sensocomum sobre processos, organizaes produtivas e comportamentode mercados que seriam os mais ecientes e lucrativos.

    A mesma autora confere um papel indispensvel e complementarao nanciamento para a inovao, que requer posturas nanceiras

    mais arriscadas do que simples rotinas de intermediao. Comopreviamente argumentado por Freeman (1974), instituies nan-ceiras especiais foram desenvolvidas para lidar com o tipo especialde incerteza da inovao.

    Na abordagem de Perez, decises de nanciar inovaes soguiadas pelo mesmo paradigma tecnoeconmico das inova-es, principalmente no caso de inovaes radicais que exigem

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    bold and risk-loving bankers. Esse papel especial atribudo, inva-riavelmente, aos mercados de capitais por sua postura intrinsecamentede risco comparada a bancos tradicionais e seu comprometimento

    com clculos de risco convencionais.

    Tabela 1Revolues tecnolgicas e perodos de difuso

    Revoluo tecnolgica Difuso ocorre em dois perodos

    Bigbang

    Perodo deinstalao

    Turningpoint

    Perodo deoperao

    Primeira:a partir de 1771

    A Revoluo Industrial 1771 1770s-1790s 1793-1797 1798-1829

    (Inglaterra)

    Segunda:a partir de 1829Era das ferrovias e do vapor 1829 1830s-1840s 1848-1850 1850-1873

    (Inglaterra, espalhando-se para o continentee EUA)

    Terceira:a partir de 1875

    Era do ao, da eletricida de e da engenhariapesada

    1875 1875-1893 1893-1895 1895-1918

    (EUA e Alemanha, suplantando Inglaterra)

    Quarta:a partir de 1908 1929-1933Europa

    Era do petrleo, dos automveis e daproduo em massa

    1908 1908-1929 1929-1943EUA

    1943-1974

    (EUA, espalhando-se para a Europa)Quinta: a partir de 1971

    Era da informao e das telecomunicaes 1971 1971-2001 2001-?? 2001-...

    (EUA, espalhando-se para Europa e sia)

    Sexta:a part ir de 2005

    Era da economia verde 2005? 2005-... ? ?

    (EUA? Emergentes?)

    Fonte: Elaborao prpria, com base em dados de Perez (2004).

    A transio de uma revoluo tecnolgica para outra no ocorre

    de forma simples e linear, mas engendra processos complexos de-correntes de uma inrcia econmica e institucional profundamenteenraizada e expressa no paradigma precedente. A resistncia dasrmas mudana explicada pelo fato de que a trajetria preceden-te, mesmo em exausto, est incorporada em investimento de longoprazo nos equipamentos existentes, em estruturas, conhecimento eredes constitudas de clientes e fornecedores. O capital nanceiro,

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    por seu turno, na busca de retornos de curto prazo, mais exvel,rapidamente mutvel e menos comprometido quando emergem sinaisde exausto, uma vez que suas decises se baseiam em critrios de

    julgamento sobre qual inovao provvel de ser bem-sucedida eno esto atreladas propriedade de estruturas (unidades) fsicasexistentes [Perez (2004; 2010a)].

    Segundo Perez (2010a), a difuso das revolues tecnolgicascompreende dois perodos distintos: um perodo de instalao,caracterizado por esforos para superar a resistncia do antigo pa-radigma arraigado em instalaes fsicas e arranjos institucionais elegais; e um perodo de operao/explorao, no qual ocorre a conso-

    lidao do novo paradigma. Embora o primeiro perodo comece comas inovaes por parte das rmas, o capital nanceiro assumiria, deforma crescente, um papel de liderana,2ao passo que a liderana doperodo de explorao recai indiscutivelmente no capital produtivo,enquanto o nanceiro apenas se adapta (at que esse novo paradigmamostre sinais de exausto e outro surja).

    No perodo de instalao, os atores ativos seriam os novos em-presrios empreendedores e o capital nanceiro, sendo atribudo aogoverno um papel passivo. O papel mais importante do governo seriadesempenhado, sim, na transio para o segundo estgio e na operaodo novo paradigma, quando uma profunda reconstruo institucional requerida e serve como guia da inovao pelo capital produtivo, comum papel de suporte nanceiro atribudo ao capital nanceiro.

    Atualmente, o mundo estaria, segundo Perez (2010a; 2011), natransio para uma nova revoluo tecnolgica, a sexta, caracterizadacomo a era da biotecnologia, da nanotecnologia, da bioeletrnica e dosnovos materiais. Avanos nessas tecnologias radicalmente novas, que

    j esto em gestao, podero se tornar breakthroughs e deniro aprxima revoluo tecnolgica, embora ainda no seja possvel preverquais tecnologias prevalecero.

    2 Por exemplo, no perodo de instalao da quinta revoluo tecnolgica, o capital de riscodos Estados Unidos teria apoiado de 85% a 90% das rmas de tecnologia de informaoe comunicao [Perez (2010a)].

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    De todo modo, biocombustveis de segunda gerao, qumicosbaseados em recursos renovveis e baseados em tcnicas da biotec-nologia, em biorrenarias, so os possveis carros-chefe da prxima

    revoluo. Desde o comeo dos anos 2000, a economia mundial temenfrentado novos desaos relacionados a questes econmicas eambientais que, de forma crescente, tm guiado a inovao e novastecnologias, como energia renovvel, biologia sinttica, bioinform-tica, captura e conservao de carbono.

    Tecnologias limpas ou verdes compreendem um amplo conjuntode diferentes tecnologias com objetivos distintos com respeito re-duo da poluio, ecincia de recursos e mitigao da mudana

    climtica. Algumas dessas novas tecnologias ainda esto em fase depesquisa e desenvolvimento (P&D), guiadas por requisitos ambientais,mas, cada vez mais, tambm por determinantes econmicos, umavez que respondem a desaos para a forte expanso da demanda porfontes de matrias-primas e energia, como so fontes de crescimentoeconmico potencial e lucros extraordinrios da inovao em umanova revoluo tecnolgica.

    Inovaes environment-driven assumem caractersticas de bemquase pblico, caracterizadas por dupla externalidade: externalidadeambiental e externalidade de conhecimento, relacionadas a falhas demercado. As falhas de mercado relacionadas ao conhecimento decor-rem de apropriabilidade parcial do retorno/resultado do investimentopelos atributos de bem pblico do conhecimento que levam a subinves-timento; e assimetrias de informao entre investidores e nanciadoresacerca do entendimento sobre a inovao antes de sua comercializao,o que restringe o acesso s tradicionais fontes de nanciamento e levaagaps defundinge subinvestimento em inovaes com alto retorno

    social. Alm disso, essas tecnologias so tambm caracterizadas porexternalidades ambientais, uma vez que beneciam toda a sociedade,mesmo alm das fronteiras nacionais [Dutz e Sharma (2012)]. Osbenefcios potenciais das tecnologias verdes para todo o mundoreetem-se na crescente colaborao das inovaes.

    Esse carter de bem pblico (ou quase pblico) poderia engen-drar dimenses novas da prxima revoluo tecnolgica quando

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    comparada s precedentes: (a) dado seu mais alto retorno social (eglobal), elas requerem uma abordagem diferente (e mais ativa) dogoverno, no apenas em mbito nacional, como em sentido global,

    mesmo no perodo de instalao, por meio de envolvimento direto efunding a P&D e um arranjo mais amplo de incentivos inovao;(b) um consequente papel distinto do capital produtivo e, em especial,do capital nanceiro; e (c) dados os arcabouos institucionais e legaisexigidos pela inovao e pela adoo de tecnologias limpas, umasituao sem precedentes poderia ser criada, na qual o paradigmatecnoeconmico precederia o big bange o perodo de instalao.

    Tecnologias verdes e limpas, biorrefinarias,biocombustveis e qumicos renovveis

    De acordo com Unep (2011), o investimento global em tecnologias lim-pas tem crescido desde 2004, alcanando nmeros recordes de US$ 211bilhes em 2010 (alm de US$ 58 bilhes em fuses e aquisies). Emrelao a nanciamento de novo investimento (que cobre transaesde investidores em projetos que vo desde a pesquisa at a implantao

    de capacidade produtiva), tem havido uma mudana em direo aospases em desenvolvimento, parcialmente explicada pelos elevadosinvestimentos recentes da China que respondeu por 34% do inves-timento de US$ 143 bilhes em 2010 (82% do total da sia). A maiorparte desse investimento foi dirigida energia elica (66%), seguidade solar (18%), em 2010. Os biocombustveis perderam participao nototal (de 13%, em 2005, para 4%, em 2010, e queda em valores absolutos,registrando US$ 5,5 bilhes em 2010), da mesma forma que as tecnolo-gias de converso de biomassa e resduos (de 15% para 8%, no perodo,

    mas mantendo o mesmo patamar de investimentos desde 2007 emUS$ 11 bilhes anuais), conforme Grco 1. Em P&D, os investimentos,pblico e empresarial, somaram US$ 8,6 bilhes, em 2010.

    Os pases desenvolvidos ainda so lderes na inovao em tecno-logia verde e limpa Japo, Alemanha e Estados Unidos respondempor 60% dessas inovaes no mundo , embora um pequeno grupode nove economias emergentes (incluindo China, Brasil e ndia)

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    responda por 80% de todas as patentes verdes concedidas a pasesem desenvolvimento em 2006-2010 [Dutz e Sharma (2012)]. Comopercentagem do PIB, oito principais pases destacam-se em investi-

    mentos em energia limpa, conforme nmeros de 2009 divulgados pelosecretrio de energia dos Estados Unidos em seminrio de avaliaoda poltica de energia americana [Chu (2011)] (Grco 2).

    Grfico 1Financiamento de novo investimento em energia renovvel, portipo de tecnologia 2004-2010 (em US$ bilhes e percentagem)

    2010200920082007200620052004

    Marinha

    Geotrmica

    Pequenas hidreltricas

    Biomassa/resduos

    Biocombustveis

    Solar

    Elica

    59%

    8%

    19%

    US$ 19

    US$ 46

    US$ 77

    US$ 112

    US$ 132

    US$ 122

    US$ 143

    47%

    7%13%15%

    39%

    14%

    27%

    13%

    46%

    20%

    18%

    10%

    47%

    25%

    14%

    8%

    60%

    21%

    6%

    9%

    66%

    18%

    4%

    8%

    Fonte: Unep (2011).

    Neste artigo, interessam particularmente as tecnologias limpas re-

    lacionadas biomassa, sob o guarda-chuva das chamadas biorrena-rias, que representam a alternativa renovvel aos recursos fsseis paraproduo de biocombustveis, energia e qumica verde.3Atualmente,

    3 De acordo com EPA (2006), qumica verde, tambm conhecida como qumica susten-tvel, corresponde ao desenvolvimento de produtos e processos qumicos que mitiguemou eliminem a emisso de substncias nocivas ao meio ambiente por meio do emprego deum conjunto de princpios e metodologias para reduo da poluio na origem.

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    as biorrenarias podem envolver um amplo conjunto de possveistecnologias, no havendo (ainda) uma rota dominante, com muitasoportunidades de inovao. Muitas tecnologias em desenvolvimento

    empregam conhecimento cientco altamente sosticado provenientede diversas reas, notadamente biotecnologia moderna, que podemser pioneiras na prxima revoluo tecnolgica.

    Grfico 2Investimentos em energia limpa como percentagem do PIB principais pases (2009)

    Fonte: Chu (2011).

    Biorrefinarias, biocombustveis e qumicos bio-based

    De acordo com o National Renewable Energy Laboratory (NREL)dos Estados Unidos, uma biorrenaria uma unidade que integra

    os processos de converso da biomassa e equipamento para produzirmltiplos combustveis, qumicos e energia. Biomassa a matriaorgnica que pode ser convertida em energia. matria heterogneae quimicamente complexa que contm todos os elementos encon-trados nos recursos fsseis [Bastos (2007)]. As biorrenarias tmsido consideradas similares em conceito s renarias de petrleo,embora usem matria biolgica como matria-prima, em vez de pe-

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    99Biorrefinarias, biocombustveis e qumica renovvel: revoluotecnolgica e financiamento

    trleo.4Entretanto, enquanto as renarias de petrleo nasceram comoclssicos laboratrios qumicos, as biorrenarias baseadas na biomas-sa nascem da interface da engenharia, da qumica e da biotecnologia.

    O conceito apareceu pela primeira vez na lei agrcola americanaem 2002 (Farm Bill), incluindo unidades, equipamentos e processospara converter biomassa em biocombustveis, energia e qumicos,em vez de simples unidades isoladas que produzem um nico pro-duto, mesmo que baseado em matria-prima renovvel. Em 2005, oPrograma Plurianual de Biomassa do Departamento de Energia dosEstados Unidos expandiu o conceito para incluir unidades que usambiomassa lignocelulsica5para produo de biocombustveis e qumi-

    cos e gerao de energia em uma combinao tima que maximizeo retorno do investimento.

    As renarias de petrleo do origem a um conjunto diversicadode produtos, processados em vrias unidades industriais exigidas paraalcanar sua total viabilidade econmica: combustveis, que costumamter preos mais baixos, mas mercados mais amplos e com fortes eco-nomias de escala; e produtos qumicos, que, em geral, compreendemmercados menores, mas preos e margens de lucros elevados.6

    um conceito ainda em construo, que inclui, atualmente, dife-rentes fontes de matria-prima (feedstock)e tecnologias de conver-so. A situao atual pode ser caracterizada como uma verdadeiracorrida tecnolgica [Chu (2011)], na qual existem muitas apostas, masgrandes incertezas sobre qual matria-prima e qual tecnologia sero

    4 Arora e Gambardella (2010) enfatizam o carter disruptivo de tecnologias subjacentess biorrenarias, mas argumentam que constituiriam um novo paradigma tecnolgico eindustrial, com uma provvel congurao distinta das renarias de petrleo.

    5 A biomassa lignocelulsica (plantas energticas, tais comoswitchgrass, resduos agrco-las e orestais, tais como biomassa orestal, forragem de cereal, palha do trigo, bagao epalha da cana, alm de resduos slidos urbanos e outras fontes) composta de celulose,hemicelulose e lignina. o composto orgnico mais abundante na biosfera (cerca de 50%da biomassa terrestre) e, assim, a fonte de carbono mais abundante e renovvel do pla -neta, estimada entre seiscentos milhes e oitocentos milhes de toneladas anualmente,apenas nos Estados Unidos.

    6 Uma renar ia convencional produz qumicos de alto valor agregado em cerca de 5% dovolume [IEA (2009)].

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    vencedoras, tornando-se um breakthrough comercialmente bem--sucedido. O macio apoio do governo americano at recentementes biorrenarias e corrida tecnolgica da biomassa signica que

    so consideradas prioridade nacional [State of the Union de 2011].7Atualmente, h (pelo menos) quatro tipos de biorrenarias, con-

    forme o tipo de biomassa (feedstock):8

    biorrenarias verdes: baseadas em biomassa verde (gramneas,cereais imaturos etc.);

    biorrenarias de planta inteira (whole crop): baseadas em groscomestveis (fontes de amido);

    biorrenarias lignocelulsicas: baseadas em matria-primalignocelulsica; e

    biorrenarias aquticas: baseadas na biomassa das algas.9

    Muitos investimentos em biorrenarias tm sido conduzidos pormeio de parcerias estratgicas ejoint venturesentre empresas lderesqumicas e do petrleo, ou ainda rmas produtoras de alimentos ematrias-primas de biomassa, com rmas desenvolvedoras de pro-cessos biotecnolgicos, abrindo possibilidades de cadeias de valorcompletamente novas na indstria qumica.

    De fato, P&D e inovao em combustveis avanados e qumi-cos bio-basedenglobam redes amplas de universidades, institutosde pesquisa e, dependendo de especicidades nacionais, tambmlaboratrios governamentais. Nos Estados Unidos, alguns dos

    7 Disponvel em: . Acesso 23.2.2012.

    8 A respeito da tipologia de biorrenaria, ver o European Star-Colibri project (StrategicResearch Targets for 2020 Collaboration Initiative on Bioreneries): . IEA (2009) tem uma classicao alternativa. No entanto, so nomes dife-

    rentes para ideias praticamente idnticas.

    9 A biomassa de algas contm tanto hidrocarbonetos quanto acar cuja composiodepende das espcies e do ambiente em que so cultivadas , conversveis em muitos pro-dutos diferentes por meio de distintas tecnologias (bioetanol, biodiesel, bioquerosene deaviao etc.). Algumas espcies de algas tm alta preferncia por lipdios como materialde armazenagem e outras se tornam ricas em amido e acares. No momento presente, apesquisa em algas no mundo concentra-se no desenvolvimento de tecnologias de colhei-ta viveis e na otimizao de tecnologias de reno para os produtos nais (ver ).

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    101Biorrefinarias, biocombustveis e qumica renovvel: revoluotecnolgica e financiamento

    17 laboratrios do Departamento de Energia (US DOE) esto dire-tamente envolvidos no desenvolvimento de biocombustveis avan-ados, entre os quais o NREL e o Oak Ridge National Laboratory.

    Para acelerar a pesquisa a m de enfrentar os desaos biolgicose o custo-efetividade da tecnologia de biocombustveis avanados,foram criados trs novos centros de pesquisa em bioenergia em2007, com investimentos do DOE de US$ 400 milhes (em cincoanos). So eles: o Joint BioEnergy Institute (JBEI), vinculado aoLawrence Berkeley National Laboratory; o BioEnergy ScienceCenter (BESC), liderado pelo Oak Ridge National Lab; e o GreatLeak Bioenergy Research Center (GLBRC), ligado University ofWisconsin-Madison e com fortes vnculos com a Michigan StateUniversity. O papel especial do arranjo institucional norte-americanopode ser mais bem compreendido se for considerado que um dos dire-tores do JBEI desenvolveu na University of California Berkeley umadas mais promissoras rotas tecnolgicas de biocombustveis de novagerao e, ao mesmo tempo, foi o cofundador de duas promissorasstart-upsem biotecnologia da rea, Amyris e LS9, alm da Lygos, aprimeira empresaspin outdo JBEI.10

    Muitos dos atores mais inovadores efast moversno campo de bior-

    renarias so rmas americanasstart-upsde biotecnologia industrial(Tabela 2). Essas rmas de biotecnologia fortemente vinculadas auniversidades e laboratrios pblicos esto cada vez mais envolvi-das no desenvolvimento de biocombustveis e qumicos renovveis.

    De fato, os crescentes custos da inovao e a incerteza acerca deseu sucesso comercial, juntamente com diculdades relacionadas apropriabilidade dos resultados de inovaes ambientalmente orien-tadas que assumem caractersticas de bens quase pblicos , so

    razes para crescente colaborao em P&D. A pesquisa cooperativaenvolve rmas, universidades, institutos de pesquisa e laboratriospblicos, o que promove uma forma de brain bridge e comea aerodir fronteiras nacionais na busca da inovao tecnolgica. Comisso, so requeridos novos arranjos institucionais com vistas a lidarcom o amplo conjunto de alianas e parcerias internacionais que

    10Ver .

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    vo desde consrcios (ao nvel do estgio da pesquisa cooperativapr-competitiva) at a criao de novas empresas ejoint ventures.

    Tabela 2Rankingde 2010 da revista Biofuels Digestdas tecnologias maistransformadoras em biorrefinarias

    Tipo de tecnologia transformativa Principais inovadores

    Plataformas de microalgas, cianobactrias,lemna e plncton

    Algenol OriginOil PetroAlgae Sapphire Energy Solazyme

    Combustveis microbianos Amyris Joule Unlimited LS9

    Qumica renovvel BioEnergy International

    Tecnologias de biobutanol Butamax Cobalt Technologies Gevo GreenBiologics

    Tec nologias de matr ias-pr imas av anadas CeresTecnologias Fischer-Tropsch ClearFuels Rentech

    Etanol celulsico Coskata Dupont Danisco Cellulosic Ethanol Mascoma POET Qteros Verenium

    Mar inha tec nologias de macroalgas DuPont /BioArchitec ture Lab SES Seaweed EnergySolutions

    Matrias-primas tolerantes a sal Energy Allied International, The SeawaterFoundation and Global Seawater Masdar Instituteof Science and Technology, Boeing, Etihad Airwaysand UOP Honeywell

    Tecnologia de motores Ford Motor Company Bobcat project

    Tecnologias e plataformas enzimt icas Genencor Novozymes

    Sistemas de pequena escala e microfuelers KL Energy

    Sistemas de biodiesel SBI Bioenergy

    Fonte:Biofuel Digest, The 2010 Transformative Technology 30.

    Os principais desaos para a competitividade do modelo debiorrenaria esto relacionados disponibilidade e aos custosde matrias-primas, s novas tcnicas da moderna biotecnologiaindustrial, a processos termoqumicos aperfeioados e a sua apli-cao em escala comercial, alm da capacidade de unir mltiplas

    cadeias de valor.Medidas regulatrias tm tido papel-chave no desenvolvimento

    de biorrenarias, por meio de metas governamentais para uso e pro-duo de biocombustveis. A meta dos Estados Unidos, lanada naadministrao Bush, projetava originalmente produo de 36 milhesde gales (164 milhes de litros) at 2022, equivalentes a 20% dasnecessidades de transporte do pas, que na gesto de Barack Obama

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    103Biorrefinarias, biocombustveis e qumica renovvel: revoluotecnolgica e financiamento

    chega a 21 bilhes de gales at 2022 e 60 bilhes at 2030 (marketsharesuperior a 30%).11

    Alm da segurana energtica e dos aspectos ambientais, questeseconmicas tm se tornado cada vez mais uma razo determinante [IEA(2009)], tal como a busca de fontes alternativas de matrias-primas qu-micas, por causa da escassez de matrias-primas fsseis ou como formade diversicao de risco em funo da alta volatilidade de seus preos.Adicionalmente, a busca por matrias-primas renovveis e inovaoem qumicos implica imprimir um novo mpeto ao ritmo estagnanteda inovao qumica desde os anos 1980. Acredita-se, cada vez mais,que biorrenarias podero emergir de projetos de biocombustveis em

    indstrias nas quais o conceito de biorreno j est estabelecido, comoem papel e celulose ou na qumica [Chemsystems (2012)].

    O longo, complexo e incerto caminho rumo stecnologias comerciais

    Biorrenarias integradas podem ser classicadas de acordo com

    distintas tecnologias em que se baseiam: Tecnologias de primeira gerao: tecnologias maduras para

    produo de etanol do acar e amido. Com exceo da cana,sofrem srias crticas por competir com a produo de alimentos(diretamente ou na disputa pelo uso da terra), alm do real balan-o energtico e da reduo da emisso de gases de efeito estufa.

    Tecnologias de segunda gerao: biomassa lignocelulsica con-vertida em biocombustveis e qumicos por processos bioqu-

    micos (tais como a hidrlise enzimtica, que emprega enzimase microrganismos geneticamente modicados para quebra dacelulose e transformao em acar, com converso subsequenteem etanol, por fermentao) ou processos termoqumicos (ga-seicao da biomassa e posterior liquefao; pirlise).

    11 As metas da Unio Europeia para energia renovvel no so to ambiciosas com relaoaos biocombustveis: 10% do combustvel de transporte ter de vir de fontes renovveis.

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    Tecnologias de terceira gerao: biocombustveis avanadose rotas qumicas por meio de algas e hidrognio da biomassa,muitas em estgio de P&D.

    Tecnologias de quarta gerao: que combinam matrias-primasgeneticamente otimizadas (com capacidade de capturar maiorquantidade de carbono) e microrganismos geneticamente mo-dicados com vistas a alcanar fonte de carbono neutra parabiocombustveis e bioqumicos.

    Apesar desses vrios tipos de biorrenarias, apenas dois grandesgrupos dominantes de tecnologias (ou plataformas) parecem estarefetivamente em jogo: a plataforma bioqumica e a plataforma ter-

    moqumica. Enquanto muitos dos esforos de P&D na plataformatermoqumica consistem de melhoramentos em tecnologias exis-tentes e muitos desaos esto relacionados fabricao de equipa-mentos, a plataforma bioqumica envolve tecnologias estritamenteinovadoras e potenciais breakthroughs, sustentada pelos passosincertos da moderna biotecnologia industrial em produo em largaescala [Bastos (2007)].

    A rota bioqumica para produo de qumicos renovveis e bio-

    combustveis em biorrenarias baseia-se na moderna biotecnologia,dando lugar a uma terceira onda da biotecnologia.12A biotecnologiaindustrial (ou branca, como tambm chamada) tem evoludo comoum tpico setor baseado na cincia, em que as fronteiras convencio-nais entre cincia e tecnologia parecem ruir e empresas start-upssurgem de universidades e laboratrios de P&D [Fonseca e Bastos(2006)]. Por meio da biotecnologia, possvel criar novas molculasque formam os building blockscom propriedades semelhantes aosmateriais fsseis.

    12 A biotecnologia industrial considerada um campo revolucionrio da biotecnologia depoisdo clmax da biotecnologia verde (agrcola) e vermelha (sade) nos anos 1990, com desen -volvimento de medicamentos com base em DNA recombinante e em anticorpos monoclo-nais. Com numerosas aplicaes, as empresas que trabalham em biotecnologia branca socapazes de produzir biocombustveis, qumicos bio-basede biomateriais a partir da bio-massa. A sntese biotecnolgica tem potencial para complementar ou suplantar muitas rotasde sntese qumica para produtos qumicos estabelecidos com mais alto custo-ecincia,economia de matria-prima e benefcios ao meio ambiente [Schneider (2009)].

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    105Biorrefinarias, biocombustveis e qumica renovvel: revoluotecnolgica e financiamento

    Tecnologias de biomassa lignocelulsica esto nos ltimosestgios de P&D ou demonstrao, enfrentando desaos de co-mercializao e escalonamento. Vrias plantas de demonstrao

    projetadas no como provas de conceito, mas visando demonstrara viabilidade econmica e a competitividade de custo, rendimentoe ecincia esto em construo no mundo, particularmente nosEstados Unidos, envolvendo parcerias destart-upsde biotecnologia,empresas de petrleo e qumicas, com forte apoio do governo. Asprimeiras plantas comerciais devem estar operacionais antes de

    2015-2020 [Williamson (2011)].

    A rota bioqumica ainda requer melhoramento das caractersticas

    da matria-prima, reduo de custos por meio de adequados processosde pr-tratamento, melhoramentos da eccia das enzimas, reduodos custos de produo, melhoria completa e integrao de processo.A rota termoqumica, um processo mais maduro e h muito tempoem operao em processos de converso de carvo e gs natural(coal-to-liquide natural gas-to-liquid), tem menores oportunidades dereduo de custos, segundo especialistas (Tabela 3) [Williamson (2011)].

    Tabela 3Indicadores de rendimentos de biocombustveis por tonelada secade matria-prima, por meio de rotas de processamento bioqumicoe termoqumico

    Processos Rendimento biocombustvel(litro/t seca)

    Contedo deenergia (MJ/litro)

    Rendimento deenergia (GJ/t)

    Baixo Alto Low heat value Baixo Alto

    Bioqumica

    Etanol por hidrliseenzimtica

    110 300 21,1 2,3 6,3

    Termoqumica

    Syngas-to-Fischer-

    Tropsch diesel78 200 34,4 2,6 6,9

    Syngas-to-Ethanol 120 160 21,1 2,5 3,4

    Fonte: Williamson (2011).

    Essas tecnologias avanadas em estgio de desenvolvimentoainda envolvem custos no competitivos de produo. Os preos dopetrleo do o breakeven pointpara a viabilidade das biorrenarias.Preos dos combustveis so atrelados aos preos do petrleo, que

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    tm estado altos e volteis (acima de US$ 100 o barril), embora ospreos dos produtos qumicos bsicos sejam crescentemente rela-cionados aos preos do gs natural, que, entretanto, tm mostrado

    tendncia queda desde meados da dcada de 2000, em funo dodesenvolvimento de tecnologia doshale gasnos Estados Unidos, eque representa um desao adicional para a viabilidade econmicadas biorrenarias [Chemsystems (2012)].

    O desao crtico a ser enfrentado para a viabilidade comercial debiocombustveis e qumicos a partir da celulose tem sido apontado comosendo a criao de tecnologias de processo custo-efetivas e ecientesde pr-tratamento da biomassa (ainda no disponveis), dado que este

    corresponde ao segundo maior custo na produo de biocombustvel(19%-22%), depois do custo da matria-prima (30%-32%). Adicional-mente, existem desaos logsticos relacionados a altos up-front costsda oferta e do transporte de matrias-primas em escala comercial[Williamson (2011)].

    Tabela 4Hipteses do IEA de custos de etanol de 2a geraoem 2010, 2030 e 2050

    Tecnologia de conversolignocelulsica

    Hipteses Custos de produo201 0 US$/ lge 203 0 US$/ lg e 2050 US$/ lge

    Etanol bioqumico Otimista 0,80 0,55 0,55

    Pessimista 0,90 0,65 0,60

    Etanol termoqumico Otimista 1,00 0,60 0,55

    Pessimista 1,20 0,70 0,65

    Fonte: Williamson (2011).

    De todo modo, os custos de produo associados a ambas as rotas

    tecnolgicas so ainda incertos. Projees da International EnergyAgency (IEA) sobre custos futuros, atualmente entre US$ 80 eUS$ 90/litro de gasolina equivalente (lge) para o etanol, so mostradasna Tabela 4 para a segunda gerao de biocombustveis. Esses custosnecessitariam cair at algo em torno de US$ 0,80/lge para competircom o preo por atacado do petrleo em torno de US$ 100/bbl. Entre-tanto, Williamson (2011) considera que as amplas utuaes do preo

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    107Biorrefinarias, biocombustveis e qumica renovvel: revoluotecnolgica e financiamento

    do petrleo e do gs tornam os combustveis de segunda gerao aoscustos atuais um investimento arriscado.

    Embora algumas tecnologias emergentes possam ter chegado

    ao sucesso tcnico, nenhuma ainda alcanou sucesso comercial.Estimativas sobre a capacidade de produo do etanol celulsiconos Estados Unidos e em pases da Europa [Nyko et al. (2010)]evidenciam resultados modestos quando chegarem ao estgio ope-racional, tendo em vista que as plantas celulsicas representaromenos de 2% da atual capacidade mundial de etanol convencional.

    Entretanto, a despeito das tendncias de preos a curto prazo, excep-cionais desaos de longo prazo relacionados ao esgotamento do petrleo e

    questes ambientais continuam em jogo. Ademais, as condies extremasdas descobertas de novas reservas fsseis e os consequentes elevadoscustos de explorao e produo (tais como a explorao em guas ul-traprofundas da camada pr-sal do petrleo brasileiro) signicam fortesincentivos para a produo de qumicos renovveis, biocombustveise biorrenarias. As estimativas da IEA indicam que as necessidadesmundiais de energia primria crescero em mais de 50% at 2030. Orpido crescimento das economias emergentes signicar nveis semprecedentes de consumo de combustveis, energia e produtos qumicosque demandaro a contribuio de bioqumicos e biocombustveis.

    O financiamento das biorrefinarias nos Estados Unidos

    O nanciamento da inovao em biotecnologia branca (em energia)porstart-ups americanas requer posturas nanceiras mais arriscadasdo que a mera intermediao. De fato, o capital de risco foi impor-

    tante fonte de nanciamento do boomda energia limpa entre 2005 e2008, embora tenha experimentado declnio com a crise nanceira,da ordem de 40%, entre 2008 e 2009 (Grco 3).

    Embora o capital de risco j tenha recuperado os nveis de 2008no apoio s energias limpas, com investimentos acumulados deUS$ 10,6 bilhes entre 2009 e 2011 e uma mdia anual de quaseo dobro da vericada no perodo 2002-2008, quando o apoio acu-

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    mulado foi de US$ 10,3 bilhes [PWC/NVCA (2011); PWC (2012)],desde a crise ocorreram mudanas qualitativas importantes em suaatuao. O capital de risco parece ter perdido boa parte do apetite

    por projetos de mais alto risco em biocombustveis, passando apriorizar aqueles que contemplam a fabricao conjunta de produ-tos qumicos renovveis (de algo em torno de 10% do total em2006-2007 a cerca de trs quartos do investimento total em 2010),conforme Grco 4. Os dados da Unep (2011) indicam, contudo,que a recuperao do capital de risco e private equityem energiarenovvel em 2010 ainda no retornou aos nveis recordes de 2008 justamente no momento em que as empresas de biotecnologia in-

    dustrial aplicada energia estariam, em sua maioria, no perodocrtico conhecido como Vale da Morte.13

    Grfico 3Capital de risco nos EUA investimento total e em tecnologias

    limpas 2001-2011 (US$ bilho)

    2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

    38,1

    20,818,6

    22,4 22,9

    26,6

    30,8 30,5

    19,7

    23,328,4

    0,3 0,3 0,2 0,4 0,5 1,8

    3,0 4,1 2,5 3,8 4,3

    Total Tecnologia limpa

    Fonte: PWC/NVCA.

    13 Vale da Morte uma expresso empregada no mercado de capital de risco entendidacomo o perodo mais arriscado nanceiramente entre o recebimento de aporte de recur-sos de capital de risco e o incio do perodo em que a empresa vai auferir receitas.

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    109Biorrefinarias, biocombustveis e qumica renovvel: revoluotecnolgica e financiamento

    Grfico 4Parcela dos investimentos do capital de risco em empresas de

    biocombustveis que contemplam ou no qumicos renovveis

    2006-2010 (em %)

    0

    20

    40

    60

    80

    100

    2006 2007 2008 2009 2010

    Com qumicos re novveis Sem qumicos renovveis

    Fonte: Cleantech apudChemsystems (2012).

    Em especial, o nanciamento das biorrenarias e de tecnologiasde biotecnologia industrial em energia, por suas caractersticas, temensejado muitos questionamentos sobre a adequao do modelo do

    mercado de capitais. A indstria emergente de biorreno, cheia depromissoras start-upsdetentoras de tecnologias para converso da

    biomassa em combustveis e qumicos, enfrenta grandes desaosno desenvolvimento de tecnologia desde o laboratrio at a escalacomercial,14especialmente para rmas de biotecnologia emergentesengajadas na inovao e na instalao de biorrenarias.

    Apesar da forte base de conhecimento cientco (em bioqumica,biologia, qumica e outros campos que esto na raiz da moderna

    biotecnologia) e da pesquisa em laboratrio de novas plataformasqumicas (como a biologia sinttica), as empresas de biotecnologiaso inexperientes para enfrentar os desaos e tarefas demandadospara lanar um novo produto no mercado e tm capacidade nanceira

    14 Historicamente, a indstria qumica enfrentou grandes desaos de escalonamento e mui-tas inovaes falharam em alcanar sucesso comercial no estgio de escalonamento. Nastecnologias bioqumicas, esses riscos podem ser ainda maiores.

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    limitada diante das exigncias para construir plantas em escala comer-cial, pr-comercial ou mesmo demonstrao. A engenharia qumicae outros campos de conhecimento exigidos para transformao de

    reaes em escala de bancada na produo em plena escala indus-trial no so dominados pelas rmas de biotecnologia e demandamexpressivas somas de recursos. Especialmente em reas novas, comobiotecnologia, no h sequer dados sucientes de engenharia para oprojeto de plantas comerciais. Alm disso, a biotecnologia trabalhacom organismos vivos cujas condies de operao podem mudarde acordo com a escala e o ambiente.

    Schneider (2009) argumenta que mercados de capitais e ca-

    pitalistas de risco ainda no aceitam a biotecnologia industrial(ou branca), que a base de muitas biorrenarias, por causa dasexpressivas diculdades de adequada avaliao das empresas(valuation) e das amplas oportunidades de investimento.15O mer-cado potencial da biotecnologia vermelha, aplicada na sade, seriamais fcil de estimar por estar focado em medicamentos especcos,ao passo que a biotecnologia industrial desenvolve novas rotas deprocesso para uma srie de produtos (como biocombustveis, bio-qumicos e energia), mais complexa e exige maior conhecimento

    sobre a indstria.Estudo de Ghosh e Nanda (2010) questiona a adequao do modelo

    de capital de risco biotecnologia industrial em energia. O setor deenergia seria uma indstria madura, altamente competitiva em preose dominada por grandes corporaes. Novas rotas de processamento

    buscam, assim, economias de matria-prima e maior ecincia reetidaem custos. Inovaes bem-sucedidas requerem aportes expressivos decapital, durante longos perodos, que podem ser dcadas, envolvendo

    atividades complexas e caras de escalonamento (P,D&D) e exigindo ins-talao de plantas de demonstrao de larga escala.16Essas caractersticas

    15 Entretanto, seria exigido maior prazo para uma ideia chegar ao mercado de trs a cincoanos, comparado ao perodo de dez a 12 anos para novos medicamentos, em funo deexigncias regulatrias, alm de risco menor do investimento pela maior diversicaode aplicaes/mercados [Schneider (2009)].

    16 Estimativas dos custos de planta-piloto de etanol de segunda gerao esto entre

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    111Biorrefinarias, biocombustveis e qumica renovvel: revoluotecnolgica e financiamento

    do setor de energia (e mesmo da qumica bsica) seriam contrastantescom aquelas do modelo tpico do capital de risco, que exige rpido e ele-vado retorno do investimento e horizonte de tempo para sada, apoiando

    start-upsque usualmente requerem menos capital e dicilmente exigemprazos longos para terem xito ou fracasso (comosoftware).

    A crise, nesse sentido, signicou o amplo reconhecimento de quecomercializar aquelas tecnologias arriscado e complexo para rmasde biotecnologia, o que pode explicar a mudana (ou ampliao) dofoco de muitas dessas rmas biotecsem direo a produtos qumicos(de maior valor e margens de lucro). Alm de forte apoio governa-mental, principalmente pelo carter de bem quase pblico dessas ino-

    vaes, Ghosh e Nanda (2010) recomendam alianas e parcerias comgrandes e experientesplayers em projetos colaborativos de P,D&D.

    De todo modo, a crise evidenciou o papel fundamental dos go-vernos no nanciamento s biorrenarias, principalmente porquemesmo antes existiam poucas opes defundingpara construo degrandes plantas em escala comercial ou demonstrao [BioreningMagazine (2011a)]. Com a crise, capitalistas de risco recuaram deempresas novas e concentraram-se em entidades bem estabelecidas[Chu (2011)]. No caso americano, houve fortalecimento de sua rede deinstrumentos (regras de uso mandatrio, incentivos scais, subvenesa P,D&D, garantias de emprstimos, programas de encomendas pbli-cas, programas de aquisio certicada e rotulagem voluntria etc.).Jenkins et al. (2012) estimaram aumento macio do suporte federalnos Estados Unidos s tecnologias limpas com a crise, que passou deUS$ 44 bilhes, em 2002-2008 em relao a menos de um quartodesse valor por parte do capital de risco , para US$ 150 bilhes, em2009-2014, e o potencial de alavancar o investimento agregado pblico

    e privado acumulado a algo entre US$ 327 e US$ 622 bilhes.O expressivo aumento no volume de recursos decorreu do lana-

    mento do American Recovery and Reinvestment Act (ARRA) comoparte do pacote de US$ 800 bilhes de estmulo econmico paraP,D&D em biorrenarias e biocombustveis avanados. A poltica

    US$ 200 milhes e US$ 300 milhes, enquanto as plantas de demonstrao podem che-gar a US$ 500 milhes.

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    112 Revista do BNDES 38, dezembro 2012

    americana para biorrenarias teve incio em 2000, deslanchando apartir de 2005, mas o ARRA signicou a conrmao de seu turningpointno sentido de conferir maior prioridade ao foco prtico e ino-

    vao comercial (em relao ao apoio pesquisa bsica, que recebeuapenas 14% dos recursos totais do pacote)17e incluso de bioqumicoscomo elegveis para apoio do DOE, decisivo para o escalonamento e osucesso comercial das biorrenarias [Biorening Magazine (2011c)].

    Grfico 5Dispndio federal com energia limpa nos EUA 2009-2014 (US$ bilhes)

    ARRA No ARRA

    201420132012201120102009

    25,0

    10,7 8,54,2

    2,3

    19,3

    24,3

    22,2

    11,811,2

    10,9

    0,2

    Fonte: Jenkins et al.(2012).

    Desde ento, os recursos sofreram drstica reduo, pelo cartertemporrio dos programas do ARRA, cuja maioria se extingue em2012 (Grco 5). A queda dos recursos federais reete a mudana naprioridade da poltica americana para o desenvolvimento do gs natural(doshale rock), conforme discurso do presidente Barack Obama no

    17Todos os pases da OCDE e muitos no OCDE introduziram medidas discricionriaspor meio do lanamento de pacotes de estmulo econmico frente crise. Os pacotesscais dos pases da OCDE somaram cerca de 3,5% do PIB da rea, com destaque paraos Estados Unidos, cujo pacote somou 5,5% do PIB de 2008. Entre os emergentes, opacote chins somou 19% do PIB, segundo OCDE (2009). As reas prioritrias foraminfraestrutura, P&D e tecnologia verde.

  • 7/25/2019 Biorref_12_BNDES.pdf

    29/54

    113Biorrefinarias, biocombustveis e qumica renovvel: revoluotecnolgica e financiamento

    State of the Union de 2012. A maioria dos recursos concentrou-se emoperacionalizao/mercados (73% do total acumulado de US$ 150bilhes), P,D&D (19%) e manufatura (8%); quase 60% dos recursos na

    forma de dispndio direto, 34% em incentivos scais e 7% em garantiascapazes de alavancar quase US$ 50 bilhes em emprstimos.

    De todo modo, a importncia dos recursos federais evidente, acu-mulando US$ 108 bilhes em 2009-2011, paralelamente a investimentosde capital de risco de meros 10% desses valores. O enormegapentrefontes do governo americano e do capital de risco pode ser atribudoao elevado montante de plantas de demonstrao e pr-comercial das

    biorrenarias, muito alm do que o capital de risco poderia suportar.

    No caso especco dos biocombustveis, o apoio federal americanoteria somado US$ 2,1 bilhes, entre 2000 e 2009 [Nyko et al. (2010)].

    Embora os instrumentos mais conhecidos de encorajamento dosbiocombustveis sejam regras e metas de uso mandatrio, subvenese incentivos tributrios, uma rede mais ampla foi desenvolvida pelogoverno americano para apoio s biorrenarias.18 Tal rede incluiprogramas de trs departamentos federais (Energia, Agricultura eDefesa) e baseia-se em uma abordagem da inovao de naturezasistmica e orientada para o mercado (demand-oriented innovationpolicy),19 a partir de instrumentos de suporte s atividades maisprximas do mercado destinadas a demonstrar a viabilidade dastecnologias emergentes, o escalonamento de processos e o cartercomercializvel da inovao. O apoio a unidades de demonstra-o e pr-comerciais, tais como grants, garantias de emprstimos(loan guarantees), programas de compras pblicas, programas decerticao e etiquetagem, tem beneciado diretamente pequenasrmasstart-upsde biotecnologia, grandesplayersdas indstrias de

    18 A principal fonte de apoio federal a P&D o DOE, responsvel por quase trs quar tosdos fundos federais para P&D em energia (com destaque para a ARPA). O restante dosrecursos provm de outras agncias federais, em especial a National Science Foundation(NSF), o Departamento de Defesa e o USDA. O apoio produo originado de poucosprogramas federais (grantstemporrios e incentivos scais iniciados com o RecoveryAct; e programas de emprstimos e garantia de emprstimos) [Jenkins et al. (2012)].

    19 A respeito das polticas de inovao orientadas para a demanda ou medidas pelo lado daoferta, ver Edler e Georghiou (2007).

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    114 Revista do BNDES 38, dezembro 2012

    petrleo, qumica e agronegcios. A Tabela 5 sumariza alguns dosinvestimentos em biorrenarias nos Estados Unidos apoiados peloDOE, por meio do Biomass Program.20

    Um mecanismo importante de apoio s biorrenarias do DOE soos programas de emprstimos e garantia de emprstimos, cujas metasprimrias so demonstrar tecnologias e reduzir a percepo de riscopara investidores privados, alavancando investimentos por meio dereembolso pelo governo do emprestador por perdas eventuais, at umapercentagem determinada. Um desses programas foi criado em 2005e executado como custo neutro para o governo (autonancivel porexigir das empresas o reembolso do subsdio de crdito associado

    com a garantia do emprstimo), ao passo que um segundo programa,lanado como parte do ARRA 2009 em meio s diculdades paragarantir nanciamentos em um mercado de crdito apertado, noexige dos tomadores o pagamento dos custos do subsdio de crdito.21

    O Departamento de Agricultura (USDA) tem tambm importantesprogramas e instrumentos, incluindo garantias de emprstimos sprimeiras biorrenarias comerciais. O governo garante at 80% doemprstimo o que signica que cobrir essa parte do emprstimo nocaso de fracasso do projeto e defaultsdo pagamento pela empresa debancos comerciais, possibilitando menores taxas de juros. A falta deefetividade do programa, pela crise e pela averso de risco dos bancoscomerciais, levou a mudanas, com a introduo de um mecanismodo mercado de ttulos, de modo a atrair investidores institucionais(fundos mtuos, companhias de seguro ou fundos de penso), maisapropriados do que bancos para investimentos de longo prazo de altorisco de tecnologias no provadas.

    20 O Biomass Program/ERRE (Energy Efciency and Renewable Energy) compreen-de vrios programas federais, entre os quais o Biomass & Biorenery Program. AAdvanced Research Projects Agency-Energy (ARPA-E), outra agncia importante doDOE, voltada exclusivamente para inovaes de alto impacto, apoiando P,D&D e ati-vidades operacionais em tecnologias de energia limpa.

    21O mecanismo vem passando, contudo, por sria reavaliao em funo das perdas decasos como a falncia da Solyndra, empresa fabricante de painis de energia solar.

  • 7/25/2019 Biorref_12_BNDES.pdf

    31/54

    115Biorrefinarias, biocombustveis e qumica renovvel: revoluotecnolgica e financiamento

    Tabela5

    Investimentosemb

    iorrefinariasnosEUAapoiadospeloUSDOE(Biomas

    sProgram)

    Empresa

    Tecn

    ologiade

    converso

    Matria-prima

    Produtoprimrio

    Cap

    acidade

    biocombu

    stvel(gal/ano)

    Escala

    Localizao

    SolazymeInc.

    Algas

    Algas

    Lipdiosdealgas

    300.000

    Piloto

    Riverside,

    Pennsylvania

    SapphireEnergyInc.

    Algas

    Algas

    Lipdiosdealgas

    1.000.000

    Demonstrao

    Colum

    bus,

    NewM

    exico

    AlgenolBiofuelsInc.

    Algas

    Algas

    Etanol

    100.000

    Piloto

    FortM

    eyers,

    Flrid

    a

    Lignol

    Bio

    qumica

    Recursosflorestais

    Etanol

    2.500.000

    Demonstrao

    Femd

    ale,

    Wash

    ington

    PacificBiogasol

    Bio

    qumica

    Plantasenergticas,resduo

    s

    agrcolas

    Etanol

    2.700.000

    Demonstrao

    Board

    man,Oregon

    Amyris

    BiotechnologiesInc.

    Bio

    qumica

    Plantasenergticas

    Dieselrenovvel

    1.370

    Piloto

    Emer

    yville,

    Califrnia

    LogosTechnologies

    Bio

    qumica

    Plantasenergticas,recurso

    s

    florestais,resduosagrcolas

    Etanol

    50.000

    Piloto

    Visalia,Califrnia

    Abengoa

    Bio

    qumica

    Plantasenergticas,recurso

    s

    florestais,resduosagrcolas

    Etanol

    15.000.000

    Comercial

    Kugo

    ton,Kansas

    POET

    Bio

    qumica

    Resduosagrcolas

    Etanol

    25.000.000

    Comercial

    Emm

    etsbrug,Iowa

    ICMInc.

    Bio

    qumica

    Plantasenergticas

    Etanol

    345.000

    Piloto

    St.Joseph,

    Misso

    uri

    Mascoma

    Bio

    qumica

    Recursosflorestais

    Etanol

    40.000.000

    Comercial

    Kinro

    ss,M

    ichigan

    AmericanProcess

    Inc.(

    API)

    Bio

    qumica

    Recursosflorestais

    Etanol

    894.000

    Piloto

    Alpen

    a,M

    ichigan

    ArcherDaniels

    Midland(ADM)

    Bio

    qumica

    Resduosagrcolas

    Etanol

    25.800

    Piloto

    Decatur,Illinois

    BluefireLLC

    Bio

    qumica

    Recursosflorestais,M

    SW

    Etanol

    19.000.000

    Comercial

    Fulto

    n,M

    ississippi

    Myriant

    Bio

    qumica

    Plantasenergticas

    Bioprodutos

    0

    Demonstrao

    LakeProvidence,

    Louis

    iana

    Verenium

    Bio

    qumica

    Plantasenergticas,resduo

    s

    agrcolas

    Etanol

    1.400.000

    Demonstrao

    Jenni

    ngs,

    Louis

    iana

    RSA

    Bio

    qumica

    Recursosflorestais

    Biobutanol

    1.500.000

    Demonstrao

    OldTown,Maine

    Continua

  • 7/25/2019 Biorref_12_BNDES.pdf

    32/54

    116 Revista do BNDES 38, dezembro 2012

    Continuao

    Empresa

    Tecn

    ologiade

    converso

    Matria-prima

    Produtoprimrio

    Cap

    acidade

    biocombu

    stvel(gal/ano)

    Escala

    Localizao

    ElevanceRenewable

    Sciences

    Q

    umica

    Algas

    Dieselrenovvel,

    combustvelde

    aviao

    n.a.

    P&D

    Bolin

    gbrook,

    Illino

    is

    ZeaChemInc.

    H

    brida

    Plantasenergticas,resduo

    s

    agrcolas

    Etanol

    250.000

    Piloto

    Board

    man,Oregon

    IneosNewPlanet

    BioenergyLLC

    H

    brida

    MSW

    Etanol

    8.0

    00.000

    Demonstrao

    VeroBeach,F

    lrida

    ClearFuelsTechnology

    Term

    oqumica-

    gas

    eificao

    Recursosflorestais,resduos

    agrcolas

    Dieselrenovvel,

    combustvelde

    aviao

    151.000

    Piloto

    Comm

    erceCity,

    Color

    ado

    Flambeau

    Term

    oqumica-

    gas

    eificao

    Recursosflorestais

    Dieselrenovvel,ft

    waxes

    9.0

    00.000

    Comercial

    ParkFalls,

    Wisconsin

    NewPage

    Term

    oqumica-

    gas

    eificao

    Recursosflorestais

    Renewableftliquids

    8.2

    00.000

    Demonstrao

    WisconsinRapids,

    Wisconsin

    HaldorTopsoeInc.

    Term

    oqumica-

    gas

    eificao

    Recursosflorestais

    Hidrocarbonetos

    renovveis

    345.000

    Piloto

    DesP

    laines,Illinois

    RenewableEnergy

    InstituteInternational

    (REII)

    Term

    oqumica-

    gas

    eificao

    Algas,plantasenergticas,

    recursosflorestais,resduos

    agrcolas

    Dieselrenovvel

    625.000

    Piloto

    Toled

    o,O

    hio

    Enerkem

    Term

    oqumica-

    gas

    eificao

    Recursosflorestais,M

    SW

    Etanol

    10.000.000

    Demonstrao

    Pontotoc,

    Missi

    ssippi

    RangerFuels

    Term

    oqumica-

    gas

    eificao

    Recursosflorestais

    Etanol,metanol

    20.000.000

    Comercial

    Soperton,Georgia

    UOPLLC

    Term

    oqumica-

    p

    irlise

    Algas,plantasenergticas,

    recursosflorestais,resduos

    agrcolas

    Diesel,gasolina

    renovvel

    60.000

    Piloto

    Kapolei,Hawai

    GasTechnology

    Institute(GTI)

    Term

    oqumica-

    p

    irlise

    Algas,recursosflorestais,

    resduosagrcolas

    Diesel,gasolina

    renovvel

    n.a.

    P&D

    DesP

    laines,Illinois

    Fonte:USDepartmentofE

    nergy.

  • 7/25/2019 Biorref_12_BNDES.pdf

    33/54

    117Biorrefinarias, biocombustveis e qumica renovvel: revoluotecnolgica e financiamento

    Importante programa do USDA destinado a levar as inovaes ao

    mercado o Biopreferred Program, que possui dois componentes: (a)Federal Acquisition Regulator (FAR) para aquisio sustentvel por

    agncias federais de produtos bio-based(nas compras federais, exige-seum contedo mnimo renovvel, especicado e certicado pelo USDA),existindo inteno de sua expanso de modo a incluir tambm as comprasde produtos intermedirios e matrias-primas; e (b) Certied BiobasedProduct, que corresponde rotulagem voluntria para produtos certi-cados pelo USDA, assim assumindo maior visibilidade no mercado.

    O desenvolvimento de biorrenarias tambm tem apoio das comprasmilitares dos Estados Unidos por meio da ao do Departamento de

    Defesa (USDOD) em sincronia com os instrumentos de poltica do DOEe do USDA, criando mercado e demonstrao para investidores e usu-rios potenciais, de combustveis da marinha e da aviao. A aviao temum papel especialmente grande na indstria de biocombustveis, umavez que no existem perspectivas de outros substitutos aos combust-veis fsseis (como ocorre com os veculos terrestres) e so auspiciosasas projees de aumento do trfego areo [Nature (2011)]. O USDODxou meta agressiva de uso de 50% de biocombustveis at 2016.

    O aspecto que mais sobressai no recai no montante de recursosfederais, mas no papel do governo em prover recursos para um casotpico de dupla externalidade. Embora alianas estratgicas e parcerias(mesmo internacionais) comecem a se tornar fontes importantes defunding, o apoio federal s biorrenarias continuar a ser fundamentalpara sua viabilizao.

    Oportunidades e desafios em biorrefinariasno Brasil

    O etanol combustvel no Brasil

    O Brasil enfrentou uma jornada exitosa em etanol combustvel con-vencional (ou de primeira gerao). De meados da dcada de 1970 aoincio dos anos 1990, uma interveno federal agressiva no mercado

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    118 Revista do BNDES 38, dezembro 2012

    e forte suporte nanceiro, sob a gide do Programa Nacional dolcool (Prolcool), permitiram desenvolver uma vigorosa indstriade biocombustvel com base na cana-de-acar.

    O programa foi desenhado, quando as importaes de petrleoestavam prximas de 80% do consumo domstico, para encorajar oetanol combustvel por meio de: regras regulatrias (mistura man-datria do etanol anidro gasolina e, depois da segunda crise dopetrleo, o desenvolvimento de motor especial de veculos movidoexclusivamente a etanol hidratado); incentivos scais; emprstimossubsidiados; e preos de combustveis controlados por meio de umesquema de subsdio cruzado (cross-subsidy scheme) em que os

    preos da gasolina eram articialmente fomentados para manter opreo do etanol em nvel competitivo [Xavier (2007)]. Importantetambm foi a rede de infraestrutura logstica de armazenamento edistribuio pela Petrobras.

    A partir da segunda metade da dcada de 1980, a mudana nascondies econmicas (alta inao, altos dcits scais, queda nospreos do petrleo e reorientao da cana para produo de acar,em funo da alta dos preos do produto no mercado internacional,levando oferta insuciente e importao de etanol) comprometeua continuidade do programa, at sua extino no incio da dcada de1990, com o mercado de etanol desregulado e liberalizado.

    A indstria de etanol enfrentou grandes diculdades at a onda deexpanso seguinte, permitida com o desenvolvimento de tecnologiade motores e lanamento de veculos bicombustveis (ex-fuel) em2003, alm do aumento da mistura obrigatria do etanol gasolina(na faixa de 20% a 25%, dependendo do mercado de etanol). A partirda, teve incio uma expanso signicativa liderada pelo mercado

    domstico (cerca de 80% da produo de etanol, embora com ex-portaes crescentes).

    A produo brasileira de etanol feita por cerca de 430 desti-larias, em algo em torno de 26 bilhes de litros (6,86 bilhes degales) no ano passado. O Brasil o maior mercado mundial debiocombustveis, que representa mais de 40% do consumo do-mstico de combustveis enquanto nos Estados Unidos o etanol

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    119Biorrefinarias, biocombustveis e qumica renovvel: revoluotecnolgica e financiamento

    do milho alcana cerca de 3% da demanda de combustveis paratransporte terrestre. Na safra de 2010-2011, 620 milhes de tone-ladas de cana-de-acar foram produzidas (empregando 2% de

    terra agrcola) para produo de etanol (um pouco menos do que ametade) e acar. Essa produo gera resduos agrcolas (bagaoe palha) na proporo de cerca de dois teros da produo total decana-de-acar, usados na gerao de energia (usinas e destila-rias so autossuficientes em oferta de energia, que pode aindaser vendida em leiles) ou queimados no campo, mas constituemmatria-prima potencial para etanol lignocelulsico.

    As vantagens competitivas do etanol brasileiro resultam da locali-

    zao geogrca e de condies ideais de solo, clima e temperatura,mas tambm de uma produtividade agrcola crescente, possibilitada pormelhoramentos genticos da cana-de-acar decorrentes da expertisedo pas em tecnologia agrcola e gentica, e melhoria da ecincia nasntese industrial do etanol [Silva (2007); Goldemberg (2008)].

    Nesse sentido, o sucesso do etanol da cana no pode ser entendidoapenas como decorrente das vantagens naturais, mas como resul-tado de esforos cumulativos, trajetria de aprendizado, inovao

    incremental e sua difuso ao longo da cadeia de valor do etanol,fabricantes de equipamentos e universidades e institutos de pesquisa[Furtado, Scandifo e Cortez (2008; 2012)]. Infraestrutura madura,base industrial e um sistema setorial de inovao proporcionaramgrandes aumentos de produtividade e reduo de custos.

    Atualmente, a produo de etanol da cana-de-acar envolveuma tecnologia madura e mais eciente do que em qualquer outropas, com os mais baixos custos de produo22[Xavier (2007)]. A

    cana-de-acar o mais competitivofeedstockpara produo deetanol, com rendimentos mais altos, custos mais baixos e positivosbalanos energticos e ambientais. Mais de quinhentas variedadescomerciais da cana-de-acar (vinte variedades so usadas em

    22 A indstria no esteve imune crise: depois de anos com taxa de crescimento superior a10% a.a., a produo de cana caiu a 550 milhes de toneladas em 2011, exigindo pacotefederal de R$ 4 bilhes (Programa Prorenova), em 2011, para ampliar a produo decana-de-acar a 1 milho de hectares de plantao nova ou substituta (Unica).

  • 7/25/2019 Biorref_12_BNDES.pdf

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    120 Revista do BNDES 38, dezembro 2012

    80% da rea de cana) foram desenvolvidas por meio de tcnicastradicionais de melhoramentos genticos, adaptados a diferentescondies de solo e clima, geneticamente resistentes s principais

    pragas agrcolas, encurtamento do ciclo de produo, tolerncia escassez de gua (possibilitando a produo em terras alter-nativas) e rendimentos crescentes (nveis mais altos de sucrose).Novos sistemas de moagem foram desenvolvidos, e a fermentaofoi adaptada ao uso de diferentes microrganismos (leveduras) eenzimas para produzir mais etanol de forma mais rpida. Como amatria-prima responde por cerca de 60% dos custos de produo,esses melhoramentos contriburam para a alta produtividade doetanol. Alm disso, existem vantagens ambientais proporcionadaspor notvel ecincia energtica expressa pela razo de barril depetrleo equivalente (Grco 6).

    Grfico 6Eficincia energtica BOE produto/BOE insumo

    0 2 4 6 8 10 12

    Cana Brasil mnimo 6,7

    Cana Brasil mdia 9,3

    Cana Brasil mximo 11

    Milho EUA mximo 2,3

    Fonte: USDA apudVillela Filho (2011).

    Nota: BOE = barrel of oil equivalent.

    Alguns estudos reconhecem que as atuais vantagens de custo doetanol da cana (Grco 7) seriam mantidas mesmo com o desenvolvi-mento do etanol celulsico (Grco 8) [Meiser (2007)], que, ademais,no ter desaos logsticos para lidar com os resduos (palha e bagao)usados na produo de etanol.

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    121Biorrefinarias, biocombustveis e qumica renovvel: revoluotecnolgica e financiamento

    Grfico 7Custos do etanol a partir das plantas atuais

    0,0 0,5 1,0 1,5 2,0

    Milho (EUA) 1,2

    Cana-de-acar (Brasil) 0,8

    Trigo (Unio Europeia) 1,6

    Cana-de-acar (ndia) 0,9

    Milho (China) 1,8Cana-de-acar (Sudeste Asitico)

    0,9

    Fonte: Meiser (2007).

    A construo de competncias e inovaes incrementais na inds-tria resultou da atuao de diversas instituies pblicas de ensino epesquisa, tais como o Instituto Agronmico de Campinas (IAC), aFaculdade de Agricultura da Universidade de So Paulo (ESALQ) e aUnicamp, alm de instituies privadas de pesquisas, como o Centrode Tecnologia Canavieira (CTC), com fabricantes de equipamentos(como Dedini) e at mesmostart-upslocais em biotecnologia, comoAlellyx (spinoffda USP) e CanaViallis (spinoffda Universidade deSo Carlos). Essas instituies tiveram papel crtico na competitividadedo etanol brasileiro. O sistema setorial de inovao da cana-de-acar/etanol, originalmente pblico e fortemente enraizado no arcabouo depesquisa do extinto Instituto do Acar e do lcool (IAA), assumiucontorno mais privado depois das reformas econmicas do comeo dadcada de 1990, encontrando caminho prprio de desenvolvimento emfuno do renovado interesse do setor privado na pesquisa e na inovao

    em etanol, com vistas ao aumento da produtividade e da lucratividadedas usinas e destilarias [Furtado, Scandifo e Cortez (2008; 2012)].

    Atualmente, h um interesse crescente em investimentos em P&Dcom vistas a melhorar a ecincia da tecnologia de converso e sub-produtos, bem como em tecnologias de segunda gerao. Iniciativanotvel tambm a Rede de Pesquisa em Bioetanol, composta de22 instituies de pesquisa de diferentes regies do pas, que tam-

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    bm compreende rede de servios de tecnologia correlatos, alm dapesquisa cooperativa. Pesquisas cooperativas tm sido empreendidaspelo centro de pesquisas da Petrobras (Cenpes) com a Universidade

    Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a Universidade de Braslia (UNB),a Universidade Federal do Amazonas (UFA) e o CTC. A Ridesa, redede pesquisas envolvendo 11 universidades, concentra-se em varieda-des da cana-de-acar e no processo de pr-tratamento da biomassae de enzimas para o processo de hidrlise. A Embrapa, empresa depesquisa vinculada ao Ministrio da Agricultura, tambm trabalhaem variedades de cana e ecincia agrcola, em parceria com rmasdomsticas e estrangeiras. O recm-criado Centro de Pesquisa emBioetanol (CTBE), do Ministrio da Cincia, Tecnologia e Inovao,voltado para inovao em etanol lignocelulsico pela rota bioqumica,est construindo uma planta-piloto para estudos comerciais.

    Grfico 8Custos do etanol celulsico a partir de diferentes resduos

    0,0 0,2 0,4 0,6 0,8 1,0 1,2 1,4

    Milho (EUA)

    Cana-de-acar (Brasil)

    Trigo (Unio Europeia)

    Cana-de-acar (ndia)

    Milho (China)

    Cana-de-acar(Sudeste Asitico)

    0,9

    0,7

    1,2

    0,7

    0,6

    0,8

    Fonte: Meiser (2007).

    Alm disso, h iniciativas em mbito estadual, como a constru-o de planta de demonstrao da rota termoqumica do Instituto

    de Pesquisas Tecnolgicas (IPT) do estado de So Paulo e da redede pesquisa colaborativa estruturada pela Fapesp/BIOEN e Dedini,alm de parcerias da fundao estadual com empresas nacionais eestrangeiras (Oxiteno, Braskem, BP, Novozymes, alm de instituiesde pesquisa estrangeiras, como o Fraunhofer, e consrcios como oholands BE-BASIC). A Tabela 6 sumariza as principais linhas deinovao do pas e instituies envolvidas em etanol lignocelulsico.

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    123Biorrefinarias, biocombustveis e qumica renovvel: revoluotecnolgica e financiamento

    Embora a indstria brasileira de etanol tenha comeado exclusivamen-te com rmas locais, desde 2006/2007 passou a receber investimentosde empresas estrangeiras de agronegcios e energia (Bunge, Cargill,

    Innity Bioenergy, Abengoa, Louis Dreyfous, entre outras), tipicamentepor meio de fuses e aquisies (e nogreeneld). Mais recentemente,vieram as grandes empresas de petrleo, com a Shell formando coma Cosan, uma das grandes nacionais, a joint ventureRazen, e a BPadquirindo participaes, como na Tropical Bioenergy. Paralelamente,F&A por parte de empresas nacionais entrantes provenientes de outrossetores, como a ETH,joint ventureda Odebrecht e Brenco. Por m, in-vestimentos conjuntos tambm ocorrem na construo de infraestrutura

    de etanoldutos e armazenagem, com vistas exportao.Tabela 6P&D em etanol lignocelulsico no Brasil

    Instituies Pr-tratamento

    Hidrlise Fermentaodo C5

    Planta-piloto

    Enzimtica cida Hidrliseenzimtica

    Hidrlisecida

    Gaseificao

    CTC X X X

    Dedini X X X

    Novozymes X

    CTBE X X X X

    Petrobras X X X X

    Fapesp-BIOEN X X X

    Rede Hidrlise X X X X

    IPT X

    Fonte: Nyko et al. (2010).

    Quanto estrutura industrial, o setor caracteriza-se por quatronovas tendncias a partir de meados da dcada passada: um processode concentrao industrial, em que os 10 maiores grupos respondem

    por 43% da produo na safra de 2011/2012, em comparao com30% na safra 2005/2006 [ItauBBA (2011)]; o ingresso de rmasestrangeiras em uma indstria que comeou inteiramente local; in-vestimentos estrangeiros em P,D&D em biocombustveis de prximagerao e qumicos, por parte de empresas lderes, de instituies depesquisa, de consrcios e at de rmas de biotecnologia americanas,em um processo de internacionalizao indito da inovao e indcio

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    de uma nova geograa da inovao, por meio de alianas e parceriascom grupos locais; nalmente, uma participao direta da Petrobrasno setor, tanto em produo quanto em P,D&D e inovao, por meio

    do Cenpes e da constituio da Petrobras Biocombustveis (PBio).

    Oportunidades em bio-basedqumicos

    Embora o Brasil tenha trilhado uma longa e exitosa jornada emetanol combustvel, a qumica baseada no etanol (ou alcoolqumica)no foi to bem-sucedida no pas, com resultados bastante assim-

    tricos [Bastos (2007)].O Prolcool contemplou, originalmente, o encorajamento daproduo de produtos qumicos a partir do etanol, por meio de doistipos de incentivos: (1) subsdio de preo foi concedido ao etanolempregado como matria-prima qumica, xado em 35% do preodo eteno petroqumico e cotas para a matria-prima subsidiadaestabelecidas pelo Conselho Nacional do Petrleo (CNP); e (2)reduo a zero da taxa cobrada pelo IAA incidente sobre o preodo etanol (que podia alcanar at 12% do preo do produto) para

    produtos qumicos fabricados com etanol destinados exportao[Wongstchowski (2002)].

    Esses incentivos foram, entretanto, logo extintos, em funo daconcorrncia da instalao concomitante da indstria petroqumicano pas. Em 1982, o preo do etanol como matria-prima qumica foiequiparado ao preo da nafta petroqumica para todos os produtosqumicos que pudessem ser fabricados com base nessa matria-primapetroqumica, enquanto a iseno da taxa do IAA foi extinta em 1984.

    Desde ento, as plantas de etanol foram sendo progressivamentefechadas, nas dcadas de 1980 e 1990, convertidas em plantas combase no eteno.

    A indstria qumica brasileira ocupa atualmente a stima posiomundial em faturamento (US$ 158,5 bilhes, em 2011), contribuindocom 2,5% do PIB e 10% do PIB da indstria de transformao. Aproduo domstica compreende, entretanto, um conjunto reduzido

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    125Biorrefinarias, biocombustveis e qumica renovvel: revoluotecnolgica e financiamento

    de produtos, basicamente commodities(principalmente resinas ter-moplsticas), com crescente dependncia de importaes, sobretudode produtos de maior valor agregado e intensidade tecnolgica. O

    dcit na balana comercial tem sido expressivo (US$ 26 bilhes, em2011), resultado de elevados coecientes de importao (em mdia,30%), principalmente em intermedirios para fertilizantes e qumicosorgnicos bsicos [Bastos e Costa (2010)]. Estimativas da AssociaoBrasileira da Indstria Qumica (Abiquim) projetam um dcit deUS$ 42 bilhes em 2020.

    Esse elevado e crescente dcit comercial explicado pelo reduzidonmero de produtores domsticos e pela estratgia de fechamento/

    deslocamento de plantas por empresas multinacionais, alm dasdiculdades decorrentes da insuciente oferta domstica e competi-tividade de matria-prima petroqumica (nafta), em que 30% a 40%do consumo domstico suprido por importaes. A despeito daautossucincia do pas em petrleo, a insucincia crnica de ofertade nafta deve-se caracterstica pesada do petrleo brasileiro e disputa das fraes leves com a produo de gasolina [Bastos (2009)].

    A crescente demanda por produtos qumicos e a insuciente ofer-ta de qumicos produzidos da nafta, juntamente com as vantagenscompetitivas da cana-de-acar, abrem, contudo, uma avenida deoportunidades para o desenvolvimento da qumica renovvel (ouverde) no pas. Firmas qumicas domsticas j despertaram para aqumica baseada no etanol da cana como caminho para a expanso decapacidade produtiva, enquanto a indstria qumica global comea abuscar diversicar fontes de matrias-primas menos sujeitas vola-tilidade de preos. Atualmente, apenas 4% da produo de etanol nopas destinada indstria qumica (usada em solventes, farmacutica

    e alimentcia), participao que estimada alcanar 8,8% em 2015,principalmente pela expanso dos biopolmeros [Maxiquim (2010)].

    Esse crescente interesse em matrias-primas renovveis na inds-tria qumica brasileira reete-se em investimentos de empresas locaise multinacionais visando produo qumica baseada no etanol, comoa planta j operacional e outra em implantao de polietileno verde,alm do polipropileno verde, da Braskem, o polietileno verde da Dow

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    e projetos de planta de PVC com base no etanol convencional daSolvay.23Essas iniciativas compreendem, contudo, tpicos processosqumicos, no da biotecnologia industrial moderna.

    No entanto,playersestrangeiros, incluindo instituies acadmi-cas, empresas lderes qumicas e do petrleo e, recentemente, algumasrmas americanas de biotecnologia comeam a despertar para asvantagens comparativas do etanol da cana e parecem ansiosos por

    alianas com parceiros locais em produo e pesquisa cooperativa muitas vezes com vistas a empreender os estgios nais do desen-volvimento e demonstrao de qumicos verdes e biocombustveis,empregando matria-prima derivada da cana, seja o etanol ou o

    acar diretamente.Firmas como Amyris, LS9, Solazyme e outros veculos promissores

    de breakthroughscomeam a investir em plantas de demonstrao e

    pr-comerciais no Brasil, em parceria com grupos estabelecidos demaior porte, nacionais ou estrangeiras, do setor de etanol, da qumicae do petrleo, at mesmo com novos entrantes, como a GraalBio,em parceria com M&G, Chemtex, Beta Renewables e outras para im-plantao de unidade de etanol lignocelulsico no pas. A ampla redede pesquisa e inovao que se forma compreende uma dimenso inter-nacional ainda mais ampla, abrangendo produtores de enzimas, comoNovozymes, parcerias com consrcios como o holands BE-Basic,alm de instituies como o alemo Fraunhofer Institute, entre outras.

    O amplo interesse desses parceiros estrangeiros parece evidenciaruma dimenso nova do que tem sido apontado como uma crescenteinternacionalizao de atividades de P&D e a emergncia de redes deP&D distribudas globalmente por empresas estrangeiras, dando lugar aoque alguns autores vm chamando de uma nova geograa da inovao

    [Bruche (2009)] em funo da crescente reorientao do investimentode empresas multinacionais para economias emergentes (notadamenteChina e ndia). Em particular, abrange o que parece uma dimensoindita da internacionalizao da P&D que passa a incluirstart-upsdebiotecnologia estrangeiras e no apenas multinacionais [Bastos (2012b)].

    23 Apesar desse interesse, esses projetos foram adiados, logo depois da crise de 2008-2009ou recentemente.

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    127Biorrefinarias, biocombustveis e qumica renovvel: revoluotecnolgica e financiamento

    Embora os pases em desenvolvimento, com raras excees,tenham cado relativamente afastados da inovao e da produodas duas primeiras ondas da biotecnologia, que estiveram restritas

    aos pases desenvolvidos, um enfoque distinto parece caracterizar aterceira onda, seja pelas vantagens de recursos naturais (feedstockadvantages), seja pelo papel dos mercados emergentes, seja aindapela construo de capacitaes e competncias. No contexto deuma nova geograa da inovao, pode ser possvel para as econo-mias emergentes alcanar uma participao indita no desenvolvi-mento de tecnologias limpas, alm da possibilidade de agregaode valor por meio de investimentos em qumicos renovveis.

    Ofundingdas biorrefinarias brasileiras

    A maioria dos investimentos em P&D em biorrenarias no pastem recebido apoio federal na forma de emprstimos e subven-es, notadamente do Ministrio da Cincia, Tecnologia e Ino-vao (MCTI), cujo funding busca maior foco para o mercado(demand-side measures), mas ainda carrega a tradio do pas

    de forte vis de instrumentos orientados pelas polticas de oferta(supply-side measures), na forma de apoio s mencionadas redese centros de pesquisa e inovao (CTC, Embrapa, CTBE, IPT),em pesquisa pr-competitiva, cabendo mencionar, entretanto, ocaso do Cenpes/Petrobras. Em relao ao maior foco no mercado,alm do apoio ao desenvolvimento e ao uso de biocombustveis deaviao e pesquisa em qumica renovvel, vm sendo incentivadaspesquisas colaborativas entre empresas e universidades/instituies

    de pesquisa, por meio do apoio da Finep com recursos dos fundossetoriais/FNDCT