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Boletim Informativo da SBCS | janeiro - abril | 2009 Boletim Informativo da SBCS | janeiro - abril | 200930 31
a) Arbúsculos de FMAs nativos em pinhão-manso, b) Pelotons intactos (pi) e degradados (pd) em
células do protocórmio da orquídea Epidendrum secundum.
foto a
foto b
"Além das raízes": o papel dos fungos micorrízicos
Sidney Luiz Stürmer
Elke Jurandy Bran Nogueira Cardoso
Francisco Adriano de Souza
Maria Catarina Megumi Kasuya
O ano de 2009 coroa a
micorrizologia no país
com o lançamento do
livro “Micorrizas: 30
anos de pesquisa no
Brasil” e com a
organização do ICOM6
por pesquisadores
brasileiros.
"Além das raízes" nos remete a um
lugar distante, longínquo e inexplorado,
que as plantas não conseguem
conquistar. Mas representa um dos
habitats de maior diversidade biológica
no solo, onde, entre tantos outros
organismos importantes para o
funcionamento dos ecossistemas,
encontramos os fungos micorrízicos.
Eles estabelecem uma associação
denominada de micorrizas (mykes =
fungo e rhiza = raízes), a qual
representa a simbiose mutualista mais
comum entre raízes de plantas e
diversos fungos de solo, e justifica a
frase proferida por J.L. Harley: “Plantas
não têm raízes; plantas têm micorrizas”.
Esta frase de impacto alertou os
pesquisadores que trabalham com
plantas sobre o fato de que, em
condições naturais, a grande maioria
delas vive em simbiose micorrízica.
Plantas associadas a fungos micor-
rízicos, em geral, possuem maior
capacidade para aquisição de nutrientes
quando comparadas a plantas não
colonizadas.
A partir do conhecimento atual, é
possível afirmar que a contribuição das
micorrizas vai além da aquisição e
transferência de nutrientes para as
plantas. Considerando este aspecto, os
pesquisadores brasileiros escolheram
Além das raízes como o tema central
para o International Conference on
Mycorrhiza (ICOM 6), que será
realizado, em Belo Horizonte (MG), entre
os dias 9 e 14 de agosto deste ano, e que
contará com a participação de vários
especialistas nacionais e internacionais
(www.icom6.com.br).
As outras edições do ICOM foram
realizadas nos Estados Unidos, Suécia,
Austrália, Canadá e Espanha, e o
número de participantes vem crescendo
a cada evento. Os ICOMs representam o
fórum internacional de discussão sobre
os mais recentes avanços na pesquisa e
desenvolvimento em micorrizas e têm
sido uma ponte entre diversos
pesquisadores que atuam na área
biológica, agronômica e florestal. A
conferência permite aos participantes
apresentarem à comunidade suas
pesquisas atuais, novas metodologias e
processos, e possibilita ainda a
participação de profissionais e
estudantes em simpósios e workshops
relacionados à associação micorrízica.
O primeiro curso sobre micorrizas
no Brasil foi realizado, em 1978, no
Instituto Agronômico de Campinas, e
contou com a presença dos pesquisaores
Barbara Mosse e David Hayman, da
Estação Experimental de Rothamstead,
na Inglaterra. Esse curso é considerado
o marco referencial da pesquisa
brasileira em micorrizologia, por terem
participado pesquisadores que se
tornaram líderes na área e contribuíram,
direta ou indiretamente, para a
formação da maioria dos pesquisadores
atuantes no país, principalmente em
micorrizas arbusculares. Para celebrar
os 30 anos deste evento, que foi o marco
inicial nos programas de pesquisa com
micorriza no país, os pesquisadores da
área estão compilando os resultados
obtidos no Brasil até agora, os quais
serão apresentados em livro com
lançamento previsto para o ICOM6.
Mas, afinal, qual a importância das
Micorrizas ou das Associações Micor-
rízicas?
Os fungos que estabelecem esta
associação compartilham a caracterís-
tica de formarem estruturas especializa-
das dentro do córtex radicular das
plantas e crescerem além da superfície
das raízes, diferenciando hifas, micélio e
esporos no solo rizosférico. Essas hifas
capturam diversos nutrientes minerais
importantes para o desenvolvimento e
crescimento das plantas, como o fósforo
e o nitrogênio, translocando-os para as
raízes, os quais são utilizados pelas
plantas nos seus processos fisiológicos.
Desta forma, os fungos micorrízicos são
considerados um grupo-chave por
impactarem a nutrição vegetal, as
estruturas do solo e das comunidades
vegetais e servirem como elo entre o
sistema geoquímico e biológico nos
ecossistemas terrestres.
Entre os seis diferentes tipos de
simbioses micorrízicas reconhecidas, a
micorriza arbuscular (MA) é a
predominante em solos tropicais e
ocorre em membros da grande maioria
das famílias de plantas, dentre as quais,
grande parte dos vegetais cultivados. A
associação MA é formada pelos fungos
micorrízicos arbusculares (FMAs), que
pertencem ao Filo Glomeromycota e são
caracterizados por formarem os
arbúsculos dentro das raízes das
plantas, estrutura na qual se realiza a
troca de nutrientes entre a planta e o
fungo. No Brasil, tem sido registrado um
total de 80 espécies desses fungos das
210 atualmente conhecidas, ocorrendo
em agrossistemas, áreas degradadas e
ecossistemas naturais, como florestas,
dunas e cerrado. O potencial de uso
biotecnológico dos FMAs é enorme,
principalmente quando considerado o
papel desses fungos em aumentar a
absorção de nutrientes "imóveis" no
solo, como é o caso do fósforo. Pesquisas
têm sido direcionadas a entender os
mecanismos que regulam a simbiose e a
utilizar o conhecimento para melhorar a
eficiência na aquisição de fósforo por
plantas micorrízicas.
O tema é estratégico para o
agronegócio, principalmente no Brasil,
devido ao alto custo e à baixa eficiência
de utilização dos fertilizantes à base de
fósforo nos solos brasileiros. Metabólitos
secundários que atuam na sinalização
entre planta e fungo têm sido
caracterizados e isolados, os quais são
potencializadores da micorrização. Tais
aspectos, quando considerados em
conjunto com uma estratégia comercial,
podem ser utilizados para a produção de
inoculantes microbianos com FMAs. Do
ponto de vista ecológico, os FMAs
influenciam na estrutura, diversificação
e produtividade de comunidades de
plantas. No Brasil, as pesquisas têm
resultado na seleção de alguns isolados
fúngicos que poderiam ser utilizados em
inoculantes para o desenvolvimento de
plantas de interesse agrícola e de
espécies arbóreas para a recuperação de
áreas degradadas.
As ectomicorrizas (ECM) já são mais
restritas em sua ocorrência comparati-
vamente às MA e estão presentes em
apenas 3 % das fanerógamas, mas são
as associações dominantes em espécies
florestais de regiões temperadas. No
Brasil, dois exemplos de grande
importância econômica são o Pinus e o
Eucalyptus. Há aproximadamente seis
mil espécies de fungos ectomicorrízicos
pertencentes aos Filos Basidiomycota,
Ascomycota e Zygomycota. Além de
desempenharem papéis importantes
nos ciclos do nitrogênio e fósforo em
ecossistemas florestais, os fungos
ectomicorrízicos têm a capacidade de
mineralizar formas orgânicas de
nutrientes e solubilizar minerais, por
meio da produção de diversos ácidos
orgânicos.
As ECM são caracterizadas pela
alteração morfológica do sistema
radicular e pela presença de um manto
fúngico e da rede de Hartig. O manto é
formado por hifas fúngicas que cobre as
células da epiderme radicular. Já a rede
de Hartig pode ser visualizada como um
BIO
LO
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DO
SO
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BIO
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SO
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c) Raízes com ectomicorrizas, d) Basidiomas do fungo ectomicorrízico Scleroderma sp.
Sidney Luiz Stürmer é professor e
pesquisador da Universidade Regional de
Blumenau (FURB), Elke Jurandy Bran
Nogueira Cardoso é professora e
pesquisadora da Escola Superior de
Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ) e bolsista
de produtividade do CNPq, Francisco
Adriano de Souza é pesquisador da Embrapa
Agrobiologia, Maria Catarina Megumi
Kasuya é professora e pesquisadora da
Universidade Federal de Viçosa (UFV) e
bolsista de produtividade do CNPq.
foto c foto d
Boletim Informativo da SBCS | janeiro - abril | 200932
labirinto de hifas crescendo nos espaços
intercelulares da epiderme e do córtex
radicular. Além da superfície das raízes,
os fungos formam estruturas externas
como as hifas e os rizomorfos, essenciais
para a conexão entre as micorrizas e o
solo. Consequentemente, são
importantes também para a absorção e
transporte de nutrientes, bem como
para a formação de corpos de
frutificação dos fungos formadores de
ectomicorrizas. Uma das aplicações
biotecnológicas das ECMs é a utilização
de inoculante ectomicorrízico no sistema
de produção de mudas florestais para
que elas cresçam com maior vigor e
resistam às condições de estresse,
quando transplantadas para o campo.
Algumas formulações de inoculantes
incluem o uso de solo ou serapilheira
contendo propágulos fúngicos, plantas
micorrizadas naturalmente, esporos de
fungos ectomicorrízicos e o micélio
vegetativo, os quais permitem a
aplicação direta no substrato de plantio
das mudas ou em raízes nuas.
Um terceiro tipo de associação
micorrízica é aquela formada entre
fungos do Filo Basidiomycota e espécies
de orquídeas. A associação simbiótica
micorrízica em orquídeas é caracteriza-
da pela formação de uma estrutura
intracelular, que se assemelha a um
novelo de lã, comumente chamado de
peloton. O peloton é formado logo após a
infecção pelo fungo micorrízico e é
usualmente observado nas células do
córtex de raízes de orquídeas na
natureza. Depois de formado, o peloton
é digerido pela orquídea e os produtos
advindos dessa digestão são utilizados
pela planta para acréscimo de biomassa.
Após a germinação da semente e antes
do estabelecimento da planta adulta
autotrófica, a orquídea passa por uma
etapa heterotrófica, na qual utiliza a
digestão do fungo micorrízico para o seu
desenvolvimento, fenômeno conhecido
por micoheterotrofismo.
A associação micorrízica em
orquídeas é essencial em condições
naturais para que a planta possa
completar o seu ciclo de vida. Assim, o
isolamento de fungos micorrízicos de
orquídeas, principalmente de espécies
ameaçadas de extinção, tem ganhado
maior atenção nos dias de hoje, visando
à sua utilização em programas de
reintrodução de orquídeas na natureza,
por meio do cultivo simbiótico das
sementes.
No Brasil, alguns autores conside-
ram o cultivo simbiótico como de baixa
eficiência, mas o processo comumente
relatado é bastante rústico, resumindo-
se à maceração de raízes da planta-mãe
- que pode nem estar micorrizada! -,
com suco de tomate e água destilada, e
misturados às sementes e espalhados
sob uma superfície de cultivo ou estopa.
Esse método favorece o crescimento de
fungos saprofíticos ou até mesmo
fitopatogênicos. No entanto, em alguns
sistemas em que se utilizam fungos e
condições adequadas, podem-se obter
mudas saudáveis em curto período de
tempo. A organização de programas de
conservação, manejo e reintrodução de
espécies de orquídeas ameaçadas de
extinção requer também o conhecimen-
to de fungos micorrízicos que, durante
milhares de anos, coevoluíram com seus
hospedeiros na natureza.
O ano de 2009 vem coroar a
micorrizologia no país, com o lançamen-
to do livro Micorrizas: 30 anos de
pesquisa no Brasil e com a organização
do ICOM6 por pesquisadores brasileiros.
Esses fatos, sem dúvida, demonstram o
reconhecimento internacional das
pesquisas brasileiras nesta área da
microbiologia do solo.
As micorrizas representam uma
associação extremamente importante
para a produção vegetal baseada em
técnicas biotecnológicas alternativas,
para a conservação de espécies vegetais
ameaçadas de extinção e para a
manutenção da qualidade do solo. Além
disto, a sua alta diversidade em
ecossistemas brasileiros - aliado às
funções na nutrição vegetal e na
estrutura do solo - torna os fungos
micorrízicos parte essencial de qualquer
programa de preservação da biodiversi-
dade visando à conservação e ao manejo
sustentável da microbiota do solo.
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