bioética em reprodução humana

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Biotica em Reproduo HumanaTatiana Liono1 e Rosana Castro2 A biotica emerge como estratgia de garantia dos direitos humanos face ao horror do holocausto e aos abusos da experimentao cientfica envolvendo seres humanos. Originalmente, props como parmetros ticos os princpios da autonomia, beneficncia, no maleficncia e justia, mas logo estendeu seu campo de regulao e crtica para a considerao da vulnerabilidade de certos grupos populacionais violao de seus direitos humanos no contexto da assistncia sade e da exposio ou limitao do acesso s novas tecnologias1 Tatiana Liono: Doutora em Psicologia pela UnB, pesquisadora da Anis - Instituto de Biotica, Direitos Humanos e Gnero, professora de Psicologia da Sade do UniCEUB/Braslia. 2 Rosana Castro: Antroploga, mestranda em Antropoloia Social na Universidade de Braslia, pesquisadora da Anis - Instituto de Biotica, Direitos Humanos e Gnero.

Biomdicas (DINIZ & GUILHEM, 2002). Assim, A biotica um campo de conhecimento e interveno que visa proteger os direitos humanos de pessoas envolvidas em pesquisas cientficas e em prticas mdicas. O exerccio da medicina envolve, em grande parte, experimentao cientfica, sobretudo nos casos em que prope novas tecnologias para fins de viabilizao de mudanas inovadoras nas condies de vida e de sade. Essas mudanas, operadas pela biomedicina, visam inaugurar alternativas vida e sade anteriormente no viveis, mas tornadas possveis pelos avanos biotecnolgicos. Nesse ce nrio, surgem diversas questes ticas, sobretudo em relao aos critrios de acesso s novas tecnologias, mas tambm quanto s repercusses que os avanos cientficos impem vida e s experincias humanas. A reproduo humana sempre foi uma experincia social regulada por prticas culturais e histricas. Diferentes povos em diferentes momentos histricos adotaram estratgias tanto para potencializar a fertilidade quanto para garantir que as relaes sexuais no acabassem necessariamente em procriao. Em meados do sculo 20, avanos biomdicos desencadearam uma revoluo na reproduo humana (BLANK, 1990). A tecnologia biomdica permitiu desvincular tanto a sexualidade da reproduo (pelo uso da plula anticoncepcional), quanto a reproduo humana do coit o heterossexual (por meio das novas tecnologias reprodutivas). Medicaes hormonais sintticas prescritas para fins de regulao do organismo para a fertilidade, mas tambm as tcnicas de manipulao de material gentico, como a inseminao artificial e a fertilizao in vitro, por exemplo, permitiram a viabilizao de concepes que no seriam consumadas seno por meio dessas intervenes. As novas tecnologias

reprodutivas, nesse sentido, podem ser definidas como um conjunto de procedimentos tecnolgicos v oltado para o tratamento de condies de infertilidade e infecundidade, por meio de tcnicas que substituem a relao sexual no processo da concepo de embries humanos (CORRA & LOYOLA, 1999; DINIZ & COSTA, 2005). A emergncia de experincias de reprodu o humana assistidas no Brasil, na dcada de 1980, foi acompanhada de grande publicidade, tendo sido inclusive tema de uma novela de grande audincia, a Barriga de Aluguel (CORRA, 1997). O tema foi mais largamente debatido na mdia do que pela comunidade cientfica ou mesmo por meio de fruns pblicos de deliberao de normas e polticas relativas sua aplicabilidade como servio na ateno sade da populao (CORRA, 1997; DINIZ, 2000). A tendncia da exposio do tema na mdia, no entanto, favorece a sobrevalorizao das tecnologias reprodutivas, reforando a ideia de que o poder mdico teria superado as limitaes reprodutivas, ocultando suas limitaes e silenciando os desafios ticos de democratizao desses servios a possveis usurios que no s e encaixam no modelo familiar heterossexual. Pode-se observar tambm uma polarizao no debate pblico sobre a avaliao social das novas tecnologias reprodutivas. Apesar de a mdia explorar com mais frequncia os aspectos positivos das tecnologias, tambm se veiculam valores negativos sobre os efeitos desse avano na medicina reprodutiva. Os avanos tecnolgicos no campo da reproduo humana so apresentados ora como conquista benfica da biomedicina, por meio da exaltao do poder mdico na superao de e ntraves individuais para a consumao da reproduo humana, ora como prticas de risco, sobretudo moral, sobre a famlia e a ordem patriarcal. Abrangem tambm o tema da diversidade humana, j que o debate muitas vezes vem acompanhado da sombra da eugenia n a seleo de embries (CORRA, 1997). Questes ticas e de proteo aos direitos humanos fundamentais devem ser consideradas nesse debate, no qual podemos destacar a contribuio dessas novas alternativas teraputicas para a manuteno de padres morais hegemnicos em relao ordem de gnero e, mais especificamente, famlia patriarcal. A considerao crtica dessas novas tecnologias biomdicas a partir da perspectiva da Biotica feminista permitir questionar os limites da autonomia no acesso assistn cia reprodutiva, sinalizando para a necessidade da defesa dos direitos humanos como estratgia de enfrentamento do poder de normatizao disciplinar que a medicina pode impor aos corpos e costumes (FOUCAULT, 1995). No Brasil, no existe ainda nenhuma legis lao que regulamente os procedimentos de reproduo assistida. O nico documento de que se

dispe para tanto a Resoluo 1358/923 do Conselho Federal de Medicina. Este, apesar de no ter fora de lei, oferece as orientaes ticas para utilizao das no vas tecnologias reprodutivas nas clnicas de fertilizao. Nesse documento esto presentes algumas informaes sobre o que os mdicos esto permitidos ou impedidos de fazer no uso das tecnologias reprodutivas. Em uma anlise das sesses dessa resoluo, pe rcebe- se uma tentativa de balizar a atividade mdica quando da manipulao de gametas para fins reprodutivos. A utilizao de tcnicas mdicas para realizao de procedimento de fecundao abriu uma srie de novas situaes que impem dilemas especficos, os quais demandam reflexo e regulamentao tica para alm dessa resoluo. Diversos aspectos do uso das novas tecnologias conceptivas, porm, encontram-se defasados nesse documento, como a assistncia reproduo para casais no-heterossexuais, a doao de embries pr-implantados para pesquisa cientfica e clonagem humana. Para este captulo, foram eleitas algumas questes ticas sobre a reproduo humana assistida e a regulamentao tica dessa prtica. Nas sesses seguintes sero abordadas problemti cas referentes s tecnologias reprodutivas que requerem reflexo crtica, tais como a compulsoriedade da maternidade, os critrios de elegibilidade para o acesso s tecnologias reprodutivas, as relaes entre mdicos e usurios e a figura do embrio extracorporal. Todos esses pontos aqui levantados merecem reflexo tica para que a aplicao de procedimentos em reproduo assistida e seus efeitos no contribuam para a violao de direitos humanos.Disponvel para consulta em http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/ s cfm/1992/1358 1992.htm

Um olhar biotico feminista sobre as novas tecnologias reprodutivasA expectativa social pelo cumprimento do papel da maternidade ganha nova fora com a disponibilizao no mercado das novas tecnologias reprodutivas conceptivas. Apesar de a reproduo assistida implicar em mediao tecnolgica da reproduo humana, persiste a ideia de que a maternidade promovida pelas tecnologias reprodutivas seria natural, apenas com uma pequena interferncia da cincia. Assim, o fato de a maternidade se concretizar a partir de etapas como concepo, gestao e parto parece chancelar a suposta naturalidade dos procedimentos em reproduo assistida.

De acordo com Luna (2007), as tcnicas de reproduo assistida teriam como objetivo a produo do corpo grvido. Nesse sentido, o nascimento de um beb no seria necessariamente o foco dos tratamentos, mas sim a realizao da gravidez. Para tanto, uma srie de procedimentos so necessrios, a grande maioria deles executados no corpo feminino: exames, remdios, ultrassonografia, aspirao folicular, fertilizao e implantao no tero muitos deles extremamente incmodos e doloridos, envolvendo variados graus de risco. Nota-se, assim, que a medicalizao da reproduo humana incide particular e principalmente sobre os corpos das mulheres (CORRA, 1997). Mais do que isso, essa medicalizao busca justificativa partindo do pressuposto de que a maternidade expressa como des ejo algo destinado s mulheres como parte de sua prpria natureza particular, quadro no qual a medicina exerce o papel de intervir tecnicamente quando a natureza no realiza a maternidade por si s. Salienta-se, ainda, que aliada compulsoriedade da mat ernidade se apresenta a falibilidade das novas tecnologias reprodutivas, o que relana a mulher vulnerabilidade ao sofrimento psquico quando a gravidez no se consuma por meio da reproduo assistida. Predomina um silncio sobre o alto ndice de insuces so das tecnologias reprodutivas, aliado exaltao da tecnologia biomdica e falsa ideia de que no haveria impedimentos para a consumao da procriao (CORRA & LOYOLA, 1999). Apesar de a interveno tecnolgica sobre a reproduo explicitar a no restrio dos processos reprodutivos a uma suposta ordem natural, tende -se a atribuir naturalidade maternidade e mesmo famlia que se visa constituir por meio da assistncia reprodutiva. Essa naturalidade do processo se refora a partir do nascimento de um filho do prprio sangue dos envolvidos, mesmo nos casos em que h doao de gametas. Contudo, esse estatuto somente reconhecido quando os procedimentos so realizados em um casal hetorossexual. Nesse sentido, a configurao familiar legtima e legiti mada nesses processos a tradicional patriarcal, na qual no h espao para a homoparentalidade ou para mes solteiras. Nessa reproduo da ordem familiar patriarcal, a posio da mulher como ser gestante e maternal se refora pelo advento das tecnologias reprodutivas. Explicita-se, assim, um processo de intensa interveno mdica com vistas ao cumprimento de uma expectativa social sobre as mulheres, calcada na maternidade.

A relao mdico-paciente, consentimento livre e esclarecido e vulnerabilidade

Na reproduo assistida, a transferncia do momento da fecundao do ambiente ntimo domiciliar do casal para o consultrio introduziu o mdico como pea indispensvel para a procriao. Esse profissio -nal est no cerne do atendimento aos usurios dessas novas tecnologias reprodutivas conceptivas, sendo ele responsvel pela avaliao diagnstica do casal, prescrio e avaliao dos exames e definio da forma de tratamento (LUNA, 2007). H na relao mdico -paciente uma assimetria de conhecimento e de poder (BOLTANSKI, 1989), na qual o mdico se constitui como a autoridade moral perante os usurios e responsvel pelas decises ticas do tratamento (TAMANINI, 2003). Essa situao pode comprometer a autonomia dos pacientes quanto a suas prprias escolhas, j que todo o processo teraputico conduzido pelo mdico. Nesse sentido, para que os usurios de reproduo assistida tenham condies de exercer sua autonomia por meio de suas escolhas reprodutivas, necessrio que essa relao assimtrica seja atenuada ao mx imo possvel. Aps constatada a necessidade de utilizao das tecnologias reprodutivas para realizao do projeto reprodutivo do casal, fundamental que o mdico lhes oferea, de maneira clara e acessvel, todas as informaes possveis sobre as opes de procedimentos, o tempo necessrio para faz -los, os riscos e benefcios destes, seus custos e as taxas de sucesso e fracasso do tratamento indicado. Tais informaes so essenciais para que os pacientes faam suas escolhas de maneira livre e esclarecida, podendo inclusive desistir do tratamento de modo a resguardar sua integridade fsica e psicolgica. O compromisso tico dos mdicos com o resguardo dos usurios da reproduo assistida no se encerra com o esclarecimento dos riscos dos procedimentos na assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido. Isso ocorre porque os usurios podem no ter domnio das categorias mdicas e dos procedimentos e efeitos destes sobre sua sade. Nesse sentido, o termo de consentimento no elemento suficiente para resguardar a integridade dos usurios nem para garantir sua autonomia perante as escolhas a respeito do tratamento. Mesmo aps a assinatura do termo, os mdicos ainda esto obrigados a agir de modo a garantir a melhor teraputica para os usurios, sem que estas lhes causem qualquer malefcio. Deste modo, ainda que o termo de consentimento opere como elemento de distribuio da responsabilidade entre o mdico e os usurios (LUNA, 2007), j que esses concordam em realizar os tratamentos apesar dos riscos descritos, cabe equipe mdica zelar integralmente pelo bem - -estar dos pacientes em todas as etapas do tratamento.

Critrios de elegibilidade e normatizao da famlia

A popularizao das tecnologias reprodutivas no Brasil se deveu apropriao do seu debate pela mdia, que tende a apresentar o tema de modo sensacionalista, idealizando os feitos mdicos e omitindo o alto grau de insucesso que os procedimentos apresentam na efetiva consumao da procriao (CORRA, 1997). O imaginrio popular o de que a med icina venceu as limitaes biolgicas dos casais infrteis, havendo disponveis no mercado alternativas teraputicas que garantem a realizao do projeto reprodutivo de casais para os quais a relao sexual no vinha viabilizando uma gestao. Aliada a ess a idealizao da tecnologia biomdica comparecem tambm muitas aluses aosefeitos danosos dessas novas tecnologias, tais como a seleo eugenista de traos genticos de embries, como, por exemplo, o sexo, a viabilizao de gerao de descendentes biolgicos de homossexuais, a gestao em mulheres solteiras ou em idade avanada, entre outros. A regulamentao do acesso s tecnologias reprodutivas conceptivas apresenta como premissa moral a normalidade da famlia patriarcal (DINIZ, 2000). Mulheres solteiras e pessoas homossexuais so considerados sujeitos inadequados para o acesso assistncia reprodutiva, havendo uma polarizao maniquesta no debate sobre a qualidade das novas tecnologias reprodutivas: se, por um lado, persiste a idealizao da tecnologia biomdica na pretensa superao de limites encontrados pelos casais heterossexuais em seu planejamento reprodutivo, por outro vige a ideia de que pessoas homossexuais ou fora de relacionamentos heterossexuais estveis no estariam aptas a educar crianas. A questo da elegibilidade dos beneficirios das tecnologias reprodutivas evidencia esse pressuposto moral, j que se considera apenas casais heterossexuais infrteis ou infecundos como possveis beneficirios da reproduo assistida. Esse pressuposto mora l desconsidera o potencial transgressor que as novas tecnologias apresentam para a moralidade heteronormativa vigente. Nesse sentido, a prtica da reproduo humana assistida tem mantido afirmaes convencionais sobre a sexualidade, o gnero e a reproduo , predominando a noo de que as tecnologias no mais que replicariam uma suposta reproduo sexual natural e heterossexual (DINIZ & COSTA, 2005; CORRA & ARN, 2008). Um dos principais argumentos para a normatizao restritiva do acesso s tecnologias reprodutivas o do risco para a criana nascida por esse meio, mas o risco o de que outros arranjos familiares tenham acesso tecnologia reprodutiva e constituam famlias concorrentes famlia completa (DINIZ, 2000). Estamos em plena revoluo na rep roduo humana, sendo que as tecnologias genticas e de reproduo, implementadas atualmente, abalam as estruturas sociais fundamentais (BLANK, 1990). Essas novas tecnologias reprodutivas trazem grandes desafios para a estrutura familiar tradicional,

que era supostamente natural mas que atualmente se torna possvel apenas pela interveno biomdica, nos casos de infertilidade e infecundidade. No cabe, portanto, delimitar uma diferenciao entre reproduo natural e reproduo artificial: diversas experinc ias de reproduo humana, atualmente, so mediadas tecnologicamente, mesmo entre casais heterossexuais, e mesmo as experincias de procriao no convencionais carregam a marca indelvel da biologia humana e da gentica. No Brasil, por exemplo, houve o caso, amplamente noticiado pela mdia impressa e virtual, de duas mulheres lsbicas que produziram uma gestao que abalou a prpria noo de maternidade. O vulo de uma delas foi fertilizado in vitro por material seminal adquirido em banco de esperma, tendo sido implantado o embrio no tero da segunda mulher. Do ponto de vista mdico, o beb seria filho daquela que transmitiu a carga gentica; do ponto de vista jurdico, me aquela que gestou o beb. Esse apenas um exemplo de como as tecnologias reprodutivas permitiram a realizao de novas formas de constituio de linhagens familiares, apesar de ser um tema polmico e que atravessado por discursos morais sobre o que haveria de ser uma famlia normal. Na perspectiva dos direitos humanos, fundamenta l resgatar o direito constituio de famlia como direito universal. A esse direito no caberiam excluses, apesar de a famlia patriarcal ser uma forma de constituio familiar hegemnica em vrias sociedades. Isso significa que as novas tecnologias reprodutivas abrem a possibilidade de constituio de famlias para muitas pessoas que supostamente no teriam condies de procriar, e o desafio contemporneo no tornar valores morais majoritrios parmetro para a excluso de determinadas pessoas do acess o reproduo humana assistida.

Manipulao gentica e destino de embriesA criao de tcnicas que permitem a fecundao fora do corpo feminino inaugurou uma srie de novas situaes para as quais a reflexo tica se mostra fundamental (NOVAES & SALEM, 1995). Um dos maiores desafios ticos das novas tecnologias reprodutivas diz respeito a pessoas e embries que no estaro envolvidos na configurao familiar viabilizada pela reproduo assistida. As questes da barriga de aluguel, dos doadores de esperma e dos embries excedentes e no implantados no tero merecem reflexo. De acordo com a Resoluo 1358/92 do Conselho Federal de Medicina, proibida a prtica de doao temporria do tero, popularmente conhecida como barriga de aluguel, salvo quando a doadora mantiver parentesco de at segundo grau com a mulher impedida de gestar o beb em seu prprio

tero.

Essa

restrio

no

se

fundamenta

apenas

em

questes

de

incompatibilidade orgnica, mas sobretudo visa coibir o uso instrumental do corpo feminino com fins comerciais. Dessa forma, proibida a prtica de comercializao do tero para fins de gestao de um embrio gerado por meio de fertilizao in vitro. Essa prtica, no entanto, corriqueira no Pas, e uma rpida busca pela ferramenta Google a par tir do termo barriga de aluguel denuncia que muitas mulheres se disponibilizam a alugar o tero a terceiros em troca de dinheiro. Essa uma situao que vulnerabiliza tanto a mulher doadora do tero quanto o casal que busca formas de consumar o seu dese jo procriativo. A mulher doadora se encontra em situao de assimetria de poder, j que sua disponibilidade tem fundamento na dificuldade econmica, e tambm porque quando o acordo sobre a gestao realizado ela no pode prever a repercusso emocional qu e a experincia da gestao ir ter sobre seus projetos de vida. Por outro lado, o casal que doou material gentico para a fecundao do embrio, ao se expor a uma prtica ilcita, no tem assegurado o direito ao acesso ao beb aps o nascimento, devendo r ecorrer Justia. A manuteno da possibilidade de utilizar um tero temporariamente doado para a reproduo assistida apenas em caso de parentesco prximo visa assegurar que hajam laos entre todos os envolvidos, inclusive com a mulher que gestou o beb em seu tero. A doao de gametas tambm no pode ter fins comerciais de acordo com a Resoluo 1358/92 do Conselho Federal de Medicina. A norma determina que a identidade dos doadores de gametas e receptores de material seminal ou ovular seja mantida em s igilo, resguardando o anonimato dos envolvidos e prevenindo, assim, conflitos ticos que poderiam emergir da disputa pela responsabilidade na concepo. A fertilizao in vitro (FIV) o procedimento que propiciou o surgimento do embrio extracorporal. Esta tecnologia permite a criao de embries em laboratrio para posterior implantao no tero da mulher. Desse modo, pode-se identificar, em termos gerais, a FIV como procedimento que cria embries fora do corpo feminino (CORRA, 2005). Nesse processo, recorrentemente so produzidos mais de quatro embries por procedimento, quantidade mxima estipulada pela norma mdica para a implantao de embries no tero com segurana para a mulher e para os futuros fetos. O excedente no transferido para o corpo femin ino no pode ser destrudo e obtm destinao a partir da deciso dos genitores (Resoluo CFM n 1358/92). Essa produo supranumerria de embries visa cobrir possveis falhas e perdas nas diversas etapas que compem os procedimentos de reproduo assistida. Devido impossibilidade de controlar esses eventos, a soluo encontrada foi a superproduo de vulos por meio da hiperestimulao ovariana e de embries (CORRA, 2005).

Esse processo, que visa a ampliao da margem de sucesso do tratamento para engravidar (DINIZ & CORRA, 2000), faz com que o resultado dos procedimentos de reproduo assistida no seja somente a gravidez, mas tambm um montante de embries que precisam receber destinao. Dentre os destinos possveis atualmente para esses embries excedentes est o congelamento em tanques de nitrognio lquido, a doao para pessoas usurias da reproduo assistida e a sua utilizao em pesquisas cientficas envolvendo clulas -tronco embrionrias. De acordo com a Resoluo CFM 1358/92, os embries excedentes produzidos a partir de FIV no podem ser eliminados ou destrudos, sendo os laboratrios obrigados a mant -los congelados por tempo indeterminado4 caso os genitores no lhes dem outra destina o. No momento da coleta de gametas para fertilizao, os genitores so chamados a explicitar qual destino deve ser dado aos embries extracorporais supranumerrios em caso de doena grave ou falecimento de uma das partes, ou divrcio. Aos usurios, cabe tambm expressar o desejo pela doao dos embries excedentes criopreservados. Os embries no implantados no tero podem tambm ser destinados para a realizao de pesquisas cientficas. No ms de maio de 2008, o Supremo Tribunal Federal passou a permitir que o Brasil desenvolva pesquisas a partir de clulas-tronco embrionrias. A partir de ento, os laboratrios esto autorizados a manipular embries humanos de modo a produzir conhecimento e teraputicas a partir de clulas totipotentes. Os embries a serem utilizados nesses procedimentos so aqueles excedentes de tratamentos de reproduo assistida, os quais somente podem ser doados para pesquisa com o consentimento dos genitores e se estiverem congelados h mais de trs anos (Brasil, 2005)5. Contudo, as diversas possibilidades de destinaes para os embries extracorporais, todas submetidas ao consentimento livre e informado dos genitores, no eliminam os desafios ticos impostos pela existncia do embrio extracorporal. Caso os genitores decidam doar embr ies para outros casais, por exemplo, esbarram no fato de no haver4 A interdio para descarte ou destruio de embries humanos est atrelada proibio da realizao de aborto no Brasil (Lei 2848, de 1940 Cdigo Penal). Evidencia-se, assim, a centralidade do embrio nos debates pblicos sobre aborto, pesquisas com clulas -tronco e regulamentao da RA no Brasil. 5 Ressalte -se, ainda, que todos os projetos de pesquisa envolvendo embries humanos devero passar por avaliao de um Comit de tica em Pesquisa e da Comisso Nacional de tica em Pesquisa. Ver Resoluo CNS 196/96.qualquer legislao que regulamente os termos dessa transao, bem como a responsabilidade de cada uma das partes sobre o futuro beb. Merece considerao, ainda, a seleo e manip ulao de embries para implantao no tero.

O procedimento de escolha de embries com determinadas caractersticas, mesmo que para aumento da efetividade do tratamento e satisfao dos usurios, um tema que desafia da discusso sobre reproduo humana assistida em termos ticos. Entre aqueles embries que sero de fato implantados no tero, existem alguns que podem sofrer manipulaes genticas de modo a evitar que determinadas enfermidades genticas e hereditrias sejam desenvolvidas. Para esses casos especficos, a Resoluo 1358/92 do Conselho Federal de Medicina permite que seja feita a manipulao do embrio. Mas h casos em que a manipulao gentica no permitida, tais como a definio de caractersticas fsicas como cor da pele, dos olhos e dos cabelos ou eliminao de deficincias. De acordo com Costa (2006), a manipulao de embries para determinao do sexo de futuros bebs um dos pontos mais recorrentes de violao da Resoluo do CFM. Nessas situaes, preocupa eticamente manipula es que visem um melhoramento da espcie, no sentido de eliminar diversidades corporais que fujam de padres estticos, funcionais e raciais hegemnicos.

Consideraes FinaisEssa primeira aproximao ao tema da tica implicada na assistncia reproduo humana visa considerar a autonomia dos usurios dessas tecnologias biomdicas, por meio de um dilogo real e claro com os profissionais de sade que conduzem os tratamentos. Diferentes indivduos que realizam seu planejamento familiar e que reconhecem nas tecnologias reprodutivas uma oportunidade para o desejo da procriao apresentam modos de vida diversos, no cabendo ao profissional da sade a aprovao moral ou no de uma dada constituio familiar. O olhar biotico fundamental nesse processo por apr oximar as decises ticas no campo da assistncia reprodutiva aos direitos humanos fundamentais. A adoo de tecnologias biomdicas deve estar comprometida com a promoo da autonomia e liberdade das pessoas, e no com a manuteno de padres morais hegem nicos e com a hierarquizao de valor instaurada na comparao entre seres humanos distintos entre si. Os procedimentos de manipulao gentica de embries com a inteno de eliminao da diversidade humana considerada indesejada merecem especial ateno d ado seu vis discriminatrio e eugnico. Da mesma forma, a restrio do uso das tecnologias reprodutivas a indivduos que aderem configurao familiar patriarcal e heterossexual deve ser considerada criticamente, dado o carter discriminatrio do no reconhecimento da legitimidade de famlias homossexuais ou formadas por

mes solteiras. Por fim, alertamos para a urgncia de uma legislao que regulamente os procedimentos envolvendo tecnologias reprodutivas e na qual os abusos sejam rechaados e o respeito aos direitos humanos resguardado.

Aspectos Importantes sobre a Pesquisa e o Tratamento da InfertilidadeO que Infertilidade?Um indivduo, homem ou mulher, considerado infrtil quando apresenta alteraes no sistema reprodutor que diminuem a capacidade ou o impedem de ter filhos. A princpio, um casal considerado infrtil quando aps 12 a 18 meses de relaes sexuais frequentes e regulares, sem nenhum tipo de contracepo, no conseguem a gestao. Entretanto, esse perodo pode variar com a idade da mulher e a ansiedade do casal. No necessrio que um casal cuja mulher tenha mais de 35 ou 38 anos espere este tempo, pois nesta fase de vida em que a fertilidade diminui gradativa e progressivamente, seis meses valem muito, e, por isso, poderemos abreviar esse perodo para seis a doze meses, ou menos. Aps os 40 anos, trs ou quatro meses j so o suficiente. Nem sempre os casais, mesmo os mais jovens, com menos de 30, aguentam a ansiedade e esperam os 18 meses. Por isso, mesmo tendo conhecimento do perodo terico de espera, muitas vezes antecipamos a pesquisa para ajustar a cincia ao bom -senso e ao bem-estar do casal. A chance de um casal que no tenha nenhum tipo de problema e mantenha relaes sexuais nos dias frteis conceber por meios naturais de 20% ao ms. Com o auxlio de tcnicas de reproduo assistida, a taxa de gestao pode chegar a 50% ao ms em mulheres com menos de 35 anos. A infertilidade, ao contrrio do que se acreditava no passado, um problema do casal, e no exclusivo da mulher. Sabemos que 30% das causas so femininas e outros 30% so masculinas. Em 40% dos casos, ambos os fatores esto presentes. A infertilidade pode ser primria, quando o casal nunca engravidou, ou secundria, quando j houve gestao anterior. Antigamente, utilizava -se o termo esterilidade como sendo a impossibilidade de gestao e infertilidade quando havia a diminuio da capacidade de conceber.

Atualmente, as duas palavras so gera lmente empregadas como sinnimos. Estudos mostram que at 15% dos casais em idade frtil apresentam dificuldade para engravidar, e metade deles ter de recorrer a tratamentos de reproduo assistida.

Exames que Avaliam a Fertilidade do CasalNa pesquisa da fertilidade, os fatores so estudados levando -se em considerao cada uma das etapas no processo de reproduo. Para cada uma delas existem exames bsicos que devem ser solicitados j na primeira consulta, com o objetivo de afastar ou confirmar hipteses diagnsticas. Resumindo de uma forma didtica, so cinco os fatores que devem ser pesquisados e que podem atrapalhar um casal para ter filhos. Entretanto, deve-se considerar que alguns casais no conseguem a gestao durante um determinado perodo e no se encontram justificativas mdicas para esta dificuldade, a chamada Infertilidade Inexplicvel ou Infertilidade Sem Causa Aparente (ISCA). Os fatores de infertilidade so: I. II. III. IV. V. Fator hormonal e fator ovariano: problemas hormonaisda mulher e da ovulao; Fator anatmico: pesquisa da integridade anatmicado tero, tubas, colo uterino e aderncias; Fator endometriose; Fator masculino; Fator imunolgico: pesquisa da incompatibilidade entre o muco cervical e o espermatozoide, o embrio e o tero, ou entre os gametas f emininos e masculinos, causada pela hostilidade, uma espcie de alergia. Esse fator, entretanto, no tem evidncias cientficas que comprovem os resultados encontrados e as vantagens nas chances de fertilizao. Por esse motivo, s devem ser solicitados exames em situaes especficas; Infertilidade Inexplicvel: Infertilidade Sem Causa Aparente (ISCA), j descrita acima.

VI.

I. Fator Hormonal e Fator OvarianoEsse fator representa 50% dos casos de infertilidade, por falta total de ovulao (anovulao) ou po r um defeito da mesma (disovulia insuficincia de corpo lteo). A pesquisa da ovulao feita por meio de mtodos indiretos que, em conjunto, do o diagnstico da existncia ou no da ovulao. O tratamento depende das alteraes observadas.

Dosagens

hormonais: So

realizadas

durante

o

ciclo

menstrual,

procurando-se avaliar a existncia, a qualidade e o perodo da ovulao. As dosagens devem ser feitas na poca adequada, estipulada pelo mdico, e os hormnios dosados so geralmente: FSH, LH, estradiol, p rolactina, progesterona e outros que podero ser indicados de acordo com as suspeitas diagnsticas (tireoide, por exemplo). Ultrassonografia transvaginal seriada: Por meio deste exame, que repetido algumas vezes durante o ciclo ovulatrio , pode-se prever a rotura do folculo (ovulao). Nos momentos que antecedem a ovulao, o folculo que contm o vulo atinge seu tamanho mximo, mais ou menos 20 mm, formando um pequeno cisto (cisto funcional). A ovulao nada mais que a rotura desse cisto com a expulso do vulo, que ser encaminhado ao tero por meio da tuba uterina, onde dever ser fertilizado, passando a se chamar embrio. Enfim, o acompanhamento ultrassonogrfico da ovulao prev facilmente o dia mais frtil da mulher em determin ado ms. Bipsia do endomtrio: Fornece material para exame microscpico e pode ser realizada no prprio consultrio, durante o exame de vdeohisteroscopia, ao redor do 24 dia do ciclo menstrual. O exame desse material permite avaliar tambm a ao efetiv a dos hormnios, informando se o endomtrio est em sincronia com a fase do ciclo menstrual.

II. Fator anatmicoConsiste na pesquisa de alteraes do rgo reprodutor, que podem impedir o encontro do espermatozoide com o vulo dentro das tubas e a consequente fecundao. O tero e as tubas devem exibir normalidade na sua morfologia e no seu funcionamento. As alteraes ocorrem em 20 a 30% dos casos de infertilidade. Alm das causas inflamatrias, traumticas, cirrgicas, de malformaes, de mioma etc., cum pre assinalar o papel dos fatores emocionais. O estresse pode ocasionar alteraes do peristaltismo (movimento) das tubas, comprometendo a captao e o transporte do vulo. Alguns exames podem ajudar a detectar melhor possveis problemas. So eles: Histerossalpingografia: um raio X contrastado. Constitui um importante exame para que o mdico avalie se a paciente apresenta tubas e cavidade uterina ntegras, o que essencial na avaliao de sua fertilidade. O mdico deve estar envolvido diretamente na inte rpretao e, sempre que possvel, acompanhar a prpria execuo do procedimento. A avaliao das chapas do exame deve ser cuidadosa, verificando a presena de estenoses, sinquias (aderncias), septos, plipos, malformaes uterinas, obstrues tubrias e leses mnimas tubrias. Os casos que demonstrem anormalidade podem seguir-se de laparoscopia e histeroscopia diagnsticas para prosseguir na avaliao. interessante observar que at 20% das

histerossalpingografias

normais

mostram

anormalidade

na

videolaparoscopia. Histerossonografia: um exame que pode ser realizado no prprio consultrio. Uma sonda especial colocada no tero por via vaginal, e atravs dela injeta-se um fluido que distende a cavidade uterina, caminha em direo s tubas e atinge a cav idade plvica. Esse procedimento acompanhado pelo ultrassom e permite avaliar a anatomia da cavidade uterina e, indiretamente, d a ideia da permeabilidade tubria pelo acmulo de lquido intra -abdominal atrs do tero. Entretanto, este exame no substitui a histerossalpingografia para avaliao das tubas. Ultrassonografia endovaginal: um instrumento importante na avaliao inicial da paciente infrtil. No passado, eram necessrios procedimentos mais agressivos para averiguar anormalidades ovarianas e u terinas. Com o uso do ultrassom vaginal, hoje mais fcil e segura a avaliao dessas estruturas pelo mdico. Pode -se usar o ultrassom vaginal para diagnosticar uma variedade de problemas. O comprometimento reprodutor: tero:y y

pode

atingir

os

seguintes

rgos

do

sistema

miomas uterinos (tamanho e localizao); anomalias estruturais, como alteraes do formato do tero (tero bicorno ou didelfo); alteraes anatmicas do endomtrio. Ovrios:

y

y y y

cistos; tumores; aspecto policstico. O ultrassom vaginal pode tambm diagnosticar problemas ovarianos e, conforme descrito no item anterior, muito til ao se acompanhar uma paciente por meio da fase ovulatria de seu ciclo e avaliar a presena do folculo dominante. Quadros como cistos de ovrios e en dometriomas podem ser facilmente visualizados com o uso do ultrassom vaginal.

Videolaparoscopia: um exame muito til e sofisticado, feito em ambiente hospitalar sob anestesia geral. Com uma microcmera de vdeo, introduzida no abdmen por meio de uma i nciso mnima na regio do umbigo, so visualizados os rgos genitais: tero, tubas, ovrios e rgos vizinhos. Com esse aparelho realizado um passeio pela cavidade abdominal, numa extraordinria viso panormica ao vivo e em cores. possvel ver tudo, com magnficos detalhes, na tela do monitor. Alteraes na permeabilidade tubria, aderncias e endometriose so diagnosticadas dessa forma e podem, ao mesmo tempo, ser tratadas cirurgicamente, sem a necessidade de cortar o abdmen. Esse equipamento per mite a introduo de pinas especiais para a realizao e atos operatrios, fazendo correes, como liberar os tecidos aderidos, cauterizar e vaporizar focos endometriticos, coagular sangramentos, e at realizar cirurgias maiores se necessrio (de miomas, cistos, gravidez tubria etc.). O diagnstico e o tratamento cirrgico por videolaparoscopia devem ser feitos por profissionais com experincia em infertilidade e microcirurgia. Ao se detectar determinada alterao durante um exame, o cirurgio especializado em Reproduo Humana dever ter experincia e capacidade para discernir as reais vantagens de um tratamento cirrgico. Caso contrrio, os traumas dessa cirurgia podero piorar ainda mais a sade reprodutiva dessa paciente. Videohisteroscopia: Pode ser feita em consultrio e permite, sem qualquer tipo de corte, o exame do interior do tero (endomtrio). Com a mesma microcmera utilizada no exame descrito acima possvel diagnosticar, na cavidade uterina, a existncia de alteraes, como miomas, plipos, malformaes e aderncias, que so corrigidas cirurgicamente, quando necessrio, pela mesma via.

Colo do tero: O muco cervical, como j foi descrito, extremamente importante no processo de fertilizao, pois nele que o espermatozoide nada em direo ao vulo a ser fecundado. Alteraes no colo uterino so responsveis por 15% a 50% das causas de Infertilidade. A anlise desse fator feita por meio da avaliao do muco cervical, da videohisteroscopia e da colposcopia Aderncias: Constituem o fator causado pela presena de obstculos (aderncias) na captao dos vulos pela(s) tuba(s), que deve(m) estar sem obstruo em toda a sua extenso. Muitas vezes, os rgos grudam uns nos outros, impedindo que exeram sua funo adequada. Geralmente, i sso provm de infeces plvicas, endometriose ou cirurgias nessa regio. O diagnstico inicial sugerido pela histerossalpingografia, mas a confirmao feita por meio da videolaparoscopia, o nico exame que permite o diagnstico definitivo e, concomita ntemente, o tratamento cirrgico. Quando no for possvel a resoluo pela via endoscpica, deve -se realizar a cirurgia pelas tcnicas convencionais, levando -se em considerao os princpios da microcirurgia.

III. Fator EndometrioseEndomtrio o tecido q ue reveste o tero internamente e formado entre as menstruaes. Esta pelcula solta-se e sai juntamente com o sangue cada vez que a mulher menstrua. Por razes ainda no definidas, esse revestimento pode migrar e se alojar em outros rgos, como ovri os, tubas, intestinos, bexiga, peritnio, e at mesmo no prprio tero, dentro do msculo. Quando isso acontece, d -se o nome de endometriose (inserida na musculatura do tero tem o nome de adenomiose), ou seja, endomtrio fora do seu local habitual. A end ometriose responsvel por cerca de 40% das causas femininas de infertilidade. A molstia no maligna e em certas pacientes se manifesta apenas discretamente, com leve aumento na intensidade das clicas menstruais. Em outras, pode ser um martrio, com dores fortes e sangramentos abundantes (endometriose profunda). Em qualquer uma das situaes, seja qual for o grau de endometriose, a fertilidade pode estar comprometida. Os indcios da existncia dessa doena podem ser dados, alm da histria clnica, pela dosagem no sangue de uma substncia chamada CA125, e por imagem suspeita vista pelo ultrassom com preparo intestinal, e realizados por profissionais especialistas nessa doena. Em casos mais avanados, devem ser solicitados ressonncia magntica, colonos copia e urografia excretora. Novos exames, como PCR, SAA, anticardiolipina IgG, IgA e IgM, alm de outros marcadores, representam uma opo para pesquisa e tratamentos imunolgicos futuros dessa patologia. Para confirmar o diagnstico e graduar o compromet imento dos rgos afetados pela doena, a videolaparoscopia essencial, podendo, por meio dela, obter tambm a

cura com a cauterizao e resseco dos focos. Um especialista em endometriose deve avaliar o caso. O tratamento clnico medicamentoso complementar uma alternativa que deve ser avaliada caso a caso.

IV. Fator masculinoA pesquisa da fertilidade no homem um captulo importante na Reproduo Humana, tanto pela participao nas dificuldades do casal em ter filhos, quanto pelo constrangimento e a maneira da coleta do material (pela masturbao), alm dos preconceitos que ainda existem envolvendo os possveis diagnsticos (por mais absurdos que isso parea).

A pesquisa da fertilidade masculina sempre muito mais simples que a feminina. fundamen tal que se saiba o que relevante nessa pesquisa, para que resultados superficiais no levem o casal a perder tempo e dinheiro, alm de sofrer com o desgaste psicolgico que envolve esse tipo de tratamento. O fator masculino responsvel, isoladamente, p or 30% a 40% dos casos de infertilidade e, associado ao fator feminino, por mais 20%; cmplice, portanto, de 50% dos casais com dificuldade para engravidar. Visto que a avaliao deste fator relativamente simples e pouco dispendiosa, esta deve ser realiz ada em todos os casos antes de qualquer indicao teraputica. Este estudo baseado na histria clnica (antecedentes de infeco, traumas, cirurgias pregressas, impotncia, hbitos como alcoolismo, tabagismo etc.), por meio de exame fsico, espermograma e, em casos especiais, exames genticos. Causas da Infertilidade Masculinay y y y y y

Diminuio do nmero de espermatozoides. Pouca mobilidade dos espermatozoides. Espermatozoides anormais. Ausncia da produo de espermatozoides. Vasectomia. Dificuldades na relao sexual. Doenas mais comuns

y y y y

Varicocele Infeces Problemas cromossmicos/genticos Malformaes

Alteraes mais comuns encontradas no espermogramaAstenospermia: quando a motilidade dos espermatozoides est diminuda ou, segundo alguns autores, a alte rao mais frequente no espermograma. As causas mais comuns so as infeces imunolgicas, varicocele, tabagismo, alcoolismo, medicamentos, problemas psquicos, endcrinos, estresse e doenas profissionais. Oligosastenospermia: a diminuio do nmero e da motilidade dos espermatozoides. As causas so as mesmas citadas no item anterior. Teratospermia: So alteraes do formato do espermatozoide. Os principais responsveis por estas alteraes so: as inflamaes, algumas drogas, origem congnita e varicocele. Os espermatozoides capazes de fertilizao devem ter formato perfeito. O formato ideal o formato oval.

Tratamentos do homem em casos difceisRecuperao dos espermatozoides diretamente dos testculos ou epiddimo. Em alguns casos, a qualidade dos espermatozoides to inadequada que impossvel realizarmos um tratamento por meio da coleta obtida pela ejaculao. Assim, temos duas alternativas para que consigamos sucesso no tratamento: PESA e TESA. Por meio desses procedimentos, os espermatozoides so recuperados diretamente do testculo ou do epiddimo (regio prxima do testculo) e, por meio de ICSI, os vulos so fertilizados. As principais tcnicas so:

PESA (aspirao microepididimal do esperma): Aspira - -se uma pequena quantidade de smen do epiddimo e os espermatozoides recuperados so utilizados para fertilizao por ICSI. TESA (bipsia do tecido testicular): uma tcnica similar, na qual os espermatozoides so retirados por uma minscula bipsia de tecido testicular. Depois, so recuperados e, a exemplo da tcnica anterior, so utilizados para fertilizao por ICSI. MICRODISSECO: uma microcirurgia que possibilita a retirada dos espermatozoides diretamente dos du ctos seminferos, que o local onde eles esto em maior concentrao. Essa tcnica utilizada em homens que no eliminam espermatozoides pela ejaculao, mas fabricam em pequena quantidade. A vantagem, quando comparada com outras tcnicas, o fato de ser menos agressiva e oferecer a possibilidade de se retirar vrias amostras de esperma, possibilitando o congelamento para uso futuro. Os resultados de PESA, TESA e MICRODISSECO tm sido bastante encorajadores, sugerindo que os homens que, por motivos div ersos (inclusive vasectomia), so incapazes de ejacular ou produzir esperma, voltam a ter capacidade, por essas tcnicas, de suprir o(s) espermatozoide(s) para fertilizao dos vulos de sua esposa. A mulher, evidentemente, deve seguir os procedimentos rot ineiros de super ovulao e coleta de vulos.

Banco de Smen (Smen de doador)Em algumas situaes especiais de infertilidade masculina grave, a nica opo a utilizao de esperma de doador, guardado em Banco de Esperma, de idoneidade indiscutvel. So casos de falta total de esperma (azoospermia, vasectomia), Aids, doenas hereditrias transmissveis e

tratamentos de quimioterapia. Mulheres solteiras que desejam ter filhos, dentro dos princpios ticos, podem tambm se beneficiar desse recurso. Os doadores so selecionados segundo critrios rigorosos: idade superior a 21 anos, mas inferior a 40 anos, integridade fsica e mental comprovada, fertilidade reconhecida sempre anonimamente e de acordo com as caractersticas fsicas e intelectuais que estejam em harmonia com o interesse do casal.

V. Fator ImunolgicoO fator imunolgico, que j teve sua importncia no passado, tornou -se restrito e, atualmente, sua contribuio como causa de infertilidade bastante limitada. Alguns testes como o Ps -Coito, ou Sims-Huhner, que consiste em identificar, sob a luz do microscpio, o comportamento dos espermatozoides em contato com o organismo feminino, j h algum tempo deixou de ser utilizado. Outros exames, incluindo as trombofilias que so: anticorpos, anticardiolipina, antiespermatozoides, antitireoidianos, fator anticoagulante lpico, fosfatidil serina, clulas NK, IgA, Fator V de Leiden, MTHFR (Metilenotetrahidrofolatoredutase), 25OH Vit D, entre outros podem ainda ser indicados em situaes especficas . Em alguns casos especiais, e somente em casos muito bem selecionados, pode ser solicitado o exame Cross Match, que avalia a rejeio do embrio pelo organismo materno.

VI. Infertilidade Inexplicvel Infertilidade Sem Causa Aparente (ISCA) muito difcil para um casal quando, aps o trmino da realizao de todos os exames solicitados, ao retornar ao consultrio ou clnica, eles tm como resposta do mdico que todos os resultados esto normais. Ante essa normalidade, alguns exames so repetidos, out ros novos so sugeridos, uns mais difceis e outros agressivos, mas, s vezes, ainda assim a resposta final : NORMALIDADE. Qual o motivo, ento, da dificuldade para engravidar? No tem explicao? A resposta : NO. A Infertilidade Inexplicvel ou Infer tilidade Sem Causa Aparente (ISCA) a dificuldade de um casal para engravidar, sem nenhuma razo aparente, aps um ano ou mais de relaes sexuais frequentes e sem o uso de qualquer mtodo anticoncepcional. Aproximadamente de 10% a 15% dos casais infrteis pertencem a este grupo. Sem dvida, esta falta de diagnstico definitivo leva essas pessoas a um sentimento de frustrao e angstia bastante grande. Entretanto, no podemos esquecer que a cincia progride numa velocidade to grande, que o desconhecido de hoje poder, em um curto prazo de tempo, ser esclarecido, e o que hoje no tem

explicao, amanh pode ser explicvel e tratvel. Portanto, quando se fala em INFERTILIDADE SEM CAUSA APARENTE, ou INFERTILIDADE INEXPLICVEL, significa o inexplicvel no p resente, e no no futuro. Mas o que interessa ao casal que procura um especialista um diagnstico e um tratamento para o presente.

O que fazer?A conduta mdica deve ser baseada na idade da mulher, no tempo de infertilidade, na ansiedade e expectativa do casal e na disponibilidade econmica. Se uma mulher extremamente jovem e est tentando engravidar h pouco tempo (um ano, por exemplo), pode - se aguardar ou realizar tratamentos simples e conservadores, como a induo da ovulao (ou relao sexual prog ramada, coito programado, namoro programado). Para esses casais, a introduo de terapias naturais ou complementares e algumas mudanas de hbitos podem trazer benefcios. Mulheres com mais idade merecem tratamentos com maiores chances de xito (Insemina o Intrauterina, Fertilizao in Vitro), pois, com o passar dos anos, as chances de gravidez diminuem gradativamente. O importante deixar claro que Infertilidade Sem Causa Aparente ou Infertilidade Inexplicvel bastante comum em casais que no consegu em ter filhos.

Tratamentos convencionaisA indicao teraputica baseia -se na histria clnica do casal, juntamente com a avaliao da pesquisa bsica laboratorial. Leva -se tambm em considerao a ansiedade do casal e as alteraes encontradas nos exames realizados. A idade da mulher tem fora decisiva por ser um fator que desequilibra as tendncias e norteia o melhor caminho para obteno da gestao. Quase sempre haver mais do que um tratamento disponvel e, na maioria das vezes, caber ao casal a decis o final pelo tipo de tratamento. O mdico dar as opes, orientando e ponderando, mas quem decidir o caminho ser a mulher e o homem que desejam ter filhos.

Fonte: Tognotti, E. e Pinotti, J.A. A Esterilidade Conjugal na Prtica da Propedutica Bsica Reproduo Humana...

Os Tratamentos1 Tratamento medicamentoso: com remdios que corrigem distrbios hormonais que estariam prejudicando a fertilidade (hormnios). 2 Tratamento cirrgico: para correo das alteraes anatmicas dos rgos reprodutores por microcirurgia, videohisteroscopia e/ou videolaparoscopia (inclusive em casos de endometriose). 3 Reproduo assistida: induo da ovulao (coito programado), inseminao artificial e fertiliza o in vitro (ICSI). 4 Doao de vulos: se a mulher no produzir vulos. 5 Banco de esperma: se o homem no produzir espermatozoides. Embora todos esses tratamentos sejam importantes, ser dada nfase aos TRATAMENTOS DE FERTILIZAO ASSISTIDA.

Os Tratamentos de Fertilizao AssistidaA Fertilizao Assistida consiste em um conjunto de tcnicas laboratoriais utilizadas pelos mdicos e embriologistas para promover a fecundao do vulo pelo espermatozoide, quando ela no ocorre por meios naturais. Os procedimentos mdicos na Fertilizao Assistida so rigorosamente tcnicos, feitos com equipamentos de alta preciso, tecnologia de ponta e por uma equipe especializada. A Reproduo Assistida pode ser classificada quanto complexidade: A) Baixa Complexidade Namoro programado. - Induo da Ovulao coito programado,

B) Mdia Complexidade - Inseminao Intrauterina

C) Alta Complexidade - FIV (Fertilizao In Vitro convencional; Beb de Proveta) - ICSI (Injeo Intracitoplasmtica de Espermatozoide)

A) Induo Da Ovulao coito programado, Namoro programado (Baixa Complexidade)Com todos os exames laboratoriais ultranormais, a paciente poder ter sua ovulao induzida por medicamentos, para que seja recrutado um maior nmero de vulos naquele ms. O crescimento deles acompanhado por ultrassonografia seriada transvaginal at que os folculos atinjam um tamanho ideal (em sincronia com o endomtrio que o tecido que reveste o interior do tero, onde ocorre a implantao do embrio). Por meio do estmulo hormonal, os vulos devem ter um crescimento progressivo e atingir um tamanho aproximado de 18 mm, e o endomtrio, uma espessura superior a 7 mm. Atingido esse ponto ideal (o que geralmente ocorre ao redor do 12 ao 14 dia do ciclo), a ovulao desencadead a 24 a 36 horas aps a injeo de um medicamento adequado (HCG). A partir desse momento, o mdico orientar a melhor poca para as relaes sexuais. Pelo maior nmero de vulos disponveis, e pela certeza da poca da ovulao, as chances de gravidez so substancialmente maiores quando comparadas ao ciclo espontneo (sem medicao). A chance de sucesso desse mtodo ao redor de 12% a 15% a cada ciclo. Embora essa chance seja inferior aos 20% definidos para gravidez espontnea, deve -se lembrar que os casais em tratamento j possuem alguma dificuldade para engravidar. Por isso, essa taxa de sucesso menor do que a esperada quando a gravidez obtida naturalmente, por casais sem problemas.

B) Inseminao Intrauterina (Mdia Complexidade)A Inseminao Intrauterina, conhecida desde a Antiguidade, um recurso teraputico de grande valor no tratamento do casal infrtil. As indicaes dessa opo so baseadas na impossibilidade ou dificuldade do smen para alcanar o vulo no aparelho genital da mulher (tu bas), impedindo, assim, a fecundao. As candidatas a essa modalidade teraputica so as pacientes que apresentam: a) Muco cervical pobre ou deficiente. b) Infertilidade Sem Causa Aparente (ISCA), Infertilidade Inexplicvel. c) Maridos com espermograma alt erado (oligospermia, astenospermia ou problemas anatmicos).

importante: Como a fertilizao ocorre no ambiente natural, isto , nas tubas, estas devem estar permeveis. Induo da Ovulao, Tcnica e Dia da Inse minao Da mesma forma feita no coito programado, os ovrios so estimulados por hormnios, com o objetivo de obter um maior nmero de vulos recrutados. Esses vulos tambm tm seu crescimento acompanhado pela ultrassonografia at que atinjam um dimetro aproxima do de 18 mm, e o endomtrio, uma espessura superior a 7 mm. A ovulao tambm desencadeada no momento adequado por um medicamento. A diferena consiste nas dosagens dos medicamentos utilizados para o estmulo ovariano e no fato de que, em vez das relae s sexuais, os espermatozoides sero colocados dentro do tero. A inseminao artificial um procedimento relativamente simples. realizada no consultrio, sem anestesia, indolor e no dura mais que alguns minutos. Com a paciente em posio ginecolgica , o esperma colocado dentro do tero, perto dos orifcios internos das tubas, atravs de um cateter delicado que transpassa a vagina e o canal cervical. Aps a inseminao, a paciente dever ficar em repouso no consultrio por cerca de 20 minutos, a fim de que o smen alcance o interior das tubas e ocorra a fertilizao. Ao final desse perodo, poder voltar s suas atividades cotidianas. Os ndices de sucesso da Inseminao Intrauterina, em seguida estimulao ovariana (superovulao), esto ao redor d e 18% a 25% por ciclo, mas podem chegar a 50% depois de algumas tentativas. Nos casos em que o parceiro masculino for portador de distrbios muito graves do esperma (azoospermia falta total de espermatozoides), pode ser usado o esperma congelado de um do ador annimo, disponvel nos Bancos de Smen.

C) Fertilizao In Vitro (FIV) ou Beb de ProvetaConsiste na mais sofisticada e avanada de todas as tcnicas de Fertilizao Assistida. Para se realizar esta tcnica (ou programa), a mulher recebe, da mesma forma que nas tcnicas anteriores, alguns hormnios, porm em maiores doses, para se obter um maior nmero de vulos recrutados. Tambm neste procedimento, os vulos tm seu crescimento acompanhado pela ultrassonografia at que atinjam um dimetro aproxim ado de 18 mm, e o endomtrio, uma espessura superior a 7 mm. A paciente recebe uma ltima injeo (HCG) para terminar o amadurecimento dos vulos, que so aspirados 35 horas aps, por meio de uma agulha especial. Em seguida, so colocados em contato com es permatozoides (in vitro), permitindo a sua fecundao fora do corpo da me. Quando a quantidade de espermatozoides for pequena, utiliza - -se a tcnica da ICSI (Injeo Intracitoplasmtica de Espermatozoide), que consiste na injeo de um espermatozoide den tro do vulo. Os embries so desenvolvidos inicialmente em laboratrio, retornando, depois, ao tero onde continuam o crescimento at o dia do nascimento. A chance de sucesso desta tcnica pode chegar a at 55% em pacientes com menos de 35 anos.

Indicaes clssicas:y y y y y y y y

Mulheres com alteraes peritoneais (aderncias). Obstruo nas tubas. Infertilidade Sem Causa Aparente (ISCA) ou Infertilidade Inexplicvel. Fatores imunolgicos graves. Endometriose. Falhas repetidas em tratamentos menos complexos. Idade avanada. Fator masculino (contagem baixa, alterao grave em morfologia ou motilidade dos espermatozoides). Tcnica A tcnica relativamente complexa e sua execuo pode ser dividida em seis fases: 1 Fase - Bloqueio dos hormnios do organismo. 2 Fase - Estmulo do crescimento dos vulos. 3 Fase - Coleta dos vulos. 4 Fase - Fertilizao dos vulos. 5 Fase - Transferncia do(s) embrio(es) para o tero. 6 Fase - Controle hormonal at o teste de gravidez. Assim, detalhadamente, temos: 1 Fase - Bloqueio dos hormnios do organismo Consiste no bloqueio parcial do funcionamento dos ovrios com medicao adequada. Com esta conduta possvel ter o controle da funo ovariana, no havendo perigo de ocorrer ovulao fora do momento previsto. 2 Fase - Estmulo do crescimento dos vulos Existem vrios esquemas de medicao para estimular o crescimento de um maior nmero de vulos. Havendo maior quantidade, tm -se mais embries, podendo ser escolhidos os melhores e, consequentemente, aumentando as chances de g ravidez. Esta fase dura de oito a doze dias e acompanhada pelo ultrassom transvaginal e por dosagens hormonais. 3 Fase Coleta dos vulos Em um ambiente cirrgico e com sedao profunda, os vulos so aspirados atravs de uma agulha acoplada ao ultrassom. Este processo praticamente indolor e dura alguns minutos. Neste dia, realizada a coleta do smen do marido.

4 Fase - Fertilizao dos vulos No laboratrio, um embriologista experiente realiza a fertilizao dos vulos, que poder ser espontnea ou pela tcnica de ICSI (Injeo Intracitoplasmtica do Espermatozoide). A deciso depender da quantidade e da morfologia dos espermatozoides e do nmero de vulos.

5 Fase - Transferncia dos embries Dois a cinco dias aps a fertilizao, os embries so colocados no tero. Neste dia, sero conhecidos os de melhor qualidade, e assim o mdico e o casal decidiro juntos quantos deles sero transferidos, nmero este que pode variar d e um a quatro. A transferncia realizada com cateter flexvel, sem anestesia, atravs da vagina; indolor e semelhante ao desconforto do exame ginecolgico.

6 Fase - Suporte hormonal Nesta fase so realizados exames de sangue que comprovam o equilbrio hormonal. Caso haja necessidade, as doses podero ser modificadas. O teste de gravidez realizado 11 dias aps a transferncia dos embries. IMPORTANTE A probabilidade de ocorrer um aborto ou de nasc er um beb com malformao a mesma, tanto aps a induo da ovulao quanto aps a concepo natural. Os riscos existentes dependem da idade da me e de fatores genticos. Se a paciente ficar grvida aps este tratamento, no sero necessrias quaisquer medidas especiais; a gravidez ser tratada exatamente como qualquer outra, e o pr -natal exatamente igual ao de uma gestao espontnea. O trabalho de parto e a amamentao no sero afetados de nenhuma maneira.

Congelamento de embriesQuando no incio de um tratamento de fertilizao in vitro, uma questo bastante importante para mdicos e casais diz respeito ao nmero de vulos que potencialmente sero produzidos durante o ciclo. Este dado inicialmente

parece ser de pouca relevncia, mas torna -se importante, pois o nmero de vulos a serem produzidos est diretamente relacionado ao nmero de embries que sero obtidos. Um nmero maior de embries produzidos oferece equipe mdica uma maior chance de escolha para a transferncia, aumentando as chances d e sucesso. Oferece, tambm, melhores condies para cultivos mais longos, cultura de blasto - cistos, minimizando as chances de perda embrionria durante o cultivo. No entanto, a obteno de nmeros altos de vulos pode gerar um grande nmero de embries ex cedentes ao ciclo realizado. Segundo o Conselho Federal de Medicina, atualmente os embries excedentes aos ciclos de fertilizao in vitro podem ter trs destinos: congelamento, doao a outro casal ou doao pesquisa cientfica. O congelamento de embri es possui uma longa histria dentro da medicina reprodutiva, com nascimento na metade da dcada de 1980 e, hoje, comprovadamente um procedimento j bastante disseminado nos centros de reproduo humana espalhados pelo mundo. Neste campo, existe uma variedade de leis que geralmente mudam de acordo com o pas. Mas, de um modo geral, o congelamento de embries aceito pela maioria. Isso possibilita que casais que produzam nmeros altos de vulos e, consequentemente, embries, possam ter mais uma chance para o bter a sua to desejada gestao. Do mesmo modo, casais que conseguiram ter sucesso na primeira tentativa, e congelaram alguns embries excedentes podem voltar depois de alguns anos e utilizar estes mesmos embries para uma segunda tentativa. Os embries a serem congelados devem passar por um processo de desidratao, visando perder um pouco da gua que se encontra em suas clulas. Isso evita que os embries estourem durante o processo. Realizada essa etapa, eles so submetidos a congelamento computadorizad o, iniciando em 37C e, em um perodo de duas horas, alcanando -30C, sendo, depois, estocados a -196C em nitrognio lquido. O tempo de permanncia em nitrognio lquido parece afetar pouco a viabilidade embrionria, j existindo casos de gestaes aps um perodo de oito anos de congelamento. A perda de viabilidade durante o armaze namento parece ser pequena, contudo ainda existem dvidas quanto ao perodo mximo que os embries poderiam aguentar. Mesmo que ainda existam interrogaes com relao aos pr ocessos de congelamento, o nmero de procedimentos realizados at agora e o ndice de sucesso por tentativa mostram que este um procedimento que oferece bons ndices de sucesso e deve ser utilizado quando for necessrio, ou seja, naqueles casais que prod uzem um alto nmero de embries. Uma outra abordagem seria o acmulo de embries em casais que, ao contrrio, produzem poucos embries. Estes casais poderiam fazer vrios

ciclos com nmeros baixos de embries e congel -los. Depois de alguns meses, este estoque de embries poderia ser utilizado de uma s vez para maximizar suas chances. Este procedimento muito realizado quando se utilizam ciclos espontneos, ou seja, s ocorre a produo de um vulo, ou naquelas mulheres em que a produo de vulos mui to baixa. De modo geral, este procedimento deve ser sempre lembrado quando se inicia um tratamento de fertilizao in vitro, pois suas chances de utilizao so relativamente grandes.

Congelamento de vulosO congelamento de vulos um procedimento reserv ado a casos especiais. O grande problema no passado era a perda da capacidade de fertilizao destes vulos aps o descongelamento, mas esse problema j est praticamente superado. O primeiro nascimento proveniente de um vulo congelado foi em 1984 e, desd e essa poca, os avanos desta tcnica so encorajadores. As indicaes mais importantes so nos tratamentos oncolgicos, na preservao da fertilidade, em mulheres que tm medo de perder a fertilidade com o passar dos anos, nas que possuem histrico familiar de menopausa precoce e em fertilizao in vitro com excesso de vulos, pois evita o descarte de embries excedentes. Nos tratamentos oncolgicos, a sua utilizao ocorre em pacientes que devero ser submetidas a quimioterapia ou radioterapia. Este trat amento pode causar problemas irreversveis aos vulos. A retirada e o congelamento do mesmo antes do tratamento preservar a fertilidade. Com o trmino do tratamento, o vulo poder ser fertilizado em laboratrio, e o embrio, implantado no tero. Para a preservao da fertilidade, algumas mulheres, quando esto prximas dos 35 anos e ainda no se casaram, nem encontraram o futuro pai de seus filhos, podem ficar aflitas por saber que a fertilidade diminui com o passar dos anos. Nesse caso elas passam por um processo de estimulo ovariano, depois retiram -se os vulos estimulados e os congelam. Caso, no futuro, encontrem seu prncipe encantado e na poca seus vulos j estejam envelhecidos pela idade, os congelados podero ser utilizados. Os vulos sero fertilizados, e os embries, implantados no tero. Mulheres com histrico familiar de menopausa precoce podem congelar seus vulos preventivamente. Na poca que desejarem ter filhos, caso seu ovrio no esteja funcionando adequadamente, elas podero utilizar o s vulos que foram congelados anteriormente. Caso contrrio, podem manter os vulos congelados e utilizar os coletados na poca. No caso da fertilizao in vitro, algumas vezes, pode haver o excesso de vulos, que formam vrios embries. Como apenas uma pa rte deles so

transferidos para a futura mame, os outros devem ser congelados. Caso ocorra gestao e o casal no quiser mais ter filhos, podem se ver em um problema tico, pois embries so considerados seres vivos e no podem ser descartados. O congelam ento de vulos resolve esse problema, pois vulos so clulas, no so seres vivos, e podem ser descartados. Se no for realizado o congelamento de vulos, a nica alternativa, caso o casal aceite, a doao de embries para outro casal ou pesquisas cient ficas.

Doao de vulosExistem muitas causas de infertilidade, e praticamente todas so tratveis. Medicamentos induzem a ovulao, quando ela no for adequada; cirurgias recuperam problemas da anatomia do aparelho reprodutor, quando houver alteraes, como aderncias plvicas ou obstruo tubria; a endometriose tratvel pela videolaparoscopia; os espermatozoides, quando no estiverem presentes no smen, podero ser retirados do testculo por mini intervenes cirrgicas e, por fim, a fertilizao in v itro resolve quase todos os problemas. Todas essas dificuldades causam uma dor maior ou menor no sentimento da mulher, e os tratamentos disponveis para esses problemas aliviam o sofrimento com alguma facilidade. De todos os diagnsticos conhecidos, o mais difcil de ser aceito pela mulher o da ausncia de vulos capazes de serem fertilizados, isto , o ovrio no fabrica mais vulos capazes de gerar filhos. um momento de decepo, pois ela acredita que no ser mais possvel ser me. Este fato pode aco ntecer em mulheres jovens com falncia ovariana prematura, tambm chamada de menopausa precoce (www.menopausaprecoce.com.br); em casos de cirurgias mutiladoras, em que so retirados os dois ovrios; em idade avanada, quando os vulos produzidos no formam embries de boa qualidade, ou na prpria menopausa na idade certa (em torno dos 50 anos), poca em que no existem mais vulos. Nos dias de hoje, cada vez mais as mulheres retardam o casamento ou a busca de um filho por darem prioridade sua formao e carreira profissional ou conquista de bens materiais. Outras, perto dos 50 anos, reencontram uma vida afetiva feliz num segundo casamento com um homem sem filhos e que deseja uma famlia. Para outras, o destino quis que casassem mais tarde. Existem tambm casos de doenas genticas e cromossmicas transmissveis, quando no possvel ou permitido, por motivos religiosos, o Diagnstico Pr- -Implantacional (DPI - www.ipgo.com.br/pgd.html). No importa o motivo: a soluo a DOAO DE VULOS. Essas mulhere s podem ser mes e gerar seu(s) filho(s) no seu prprio ventre, tendo um

beb fruto dos espermatozoides do seu marido e de um vulo de uma mulher doadora. O primeiro impacto desta proposta de tratamento para essas pacientes sempre de indignao, acompanh ada de comentrios como: Desta maneira no me interessa, Ento este filho no ser meu, Esta criana no ter as minhas caractersticas, nem o meu DNA, e outros. Essas afirmaes so feitas por quase todas as mulheres numa fase inicial. Mesmo quando fornecemos uma vasta quantidade de informaes necessrias para a compreenso desse processo, deixam a clnica frustradas e acreditando que desistiro de ter filhos para sempre. Mas, aps um perodo de reflexo e conhecimento, retornam, aceitando esta op o para ter seus filhos. muito gratificante cuidar desses casais, porque a tristeza que tinham por considerarem irreversvel a sua fertilidade torna -se uma felicidade inesperada. A doao de vulos um tratamento muito sigiloso que do conhecimento exclusivo do mdico, do casal, e, algumas vezes, dependendo deles, de algum muito ntimo (me ou irm). As doadoras devem ser annimas, isto , no podem ser da prpria famlia nem conhecidas do casal. Devem ter semelhana fsica, tipo de sangue compatvel e sade fsica e mental comprovadas por exames. A incorporao do sentimento de me e o esprito de paternidade aps a constatao do sucesso da gravidez to grande, que todos os casais, aps esse momento, mal se lembram de que a gestao foi conseguida po r vulos doados. O que importa para essas mes que o beb veio do seu prprio ventre. Ela dar luz, e desse momento em diante, pelo resto da sua vida ser SEU FILHO! E por este motivo que um dos captulos do livro, Gravidez: caminhos, tropeos e conquistas, de minha autoria, tem o ttulo Bendito o fruto do vosso ventre.

stract This article discusses the so-called "new" reproductive technologies. The author analyzes and challenges this adjective, since for over two decades this group of medical techniques and experiments has been widely disseminated in the medical market. The media's coverage of test tube babies, and especially developments in intervention on human germ cells and embryos, help challenge the supposed permanent novelty of everything surrounding reproductive technologies and genetic interventions. Society is doubtless experiencing an open process in full innovation, but the social and symbolic effects on planning maternity, paternity, and filiation are still not well perceived or discussed. To illustrate such contradictions, the article focuses on the case of oocyte donation, highlighting the need for new perspectives in terms of social control over the dissemination of reproductive technologies. Key words Medical Technology; Reproduction Techniques; Ovum; Oocyte DonationResumo Este artigo discute as "novas" tecnologias reprodutivas. Atravs da interrogao dessa adjetivao, so analisadas estratgias e contradies que mantm como novo esse

conjunto de tcnicas e experincias mdicas iniciadas h mais de duas dcadas e que encontraram ampla difuso no mercado de servio mdicos. A presena, na mdia, da temtica dos bebs de proveta e, sobretudo, de seus desdobramentos em termos da interveno sobre clulas germinativas e sobre embries humanos, ajuda a conferir o carter de permanente novidade a tudo o que cerca as tecnologias reprodutivas e as intervenes genticas por ela possibilitadas. Apesar de, sem dvida, encontrarmo-nos diante de um processo aberto e em plena inovao, os efeitos sociais e simblicos no plano da maternidade, paternidade e filiao so ainda pouco sentidos e discutidos. Para ilustrar tais contradies focalizado o caso da doao de vulos. Este evidencia a necessidade de serem buscadas novas perspectivas em termos do controle social da difuso das tecnologias reprodutivas entre ns. Palavras-chave Tecnologia Mdica; Tcnicas de Reproduo; vulos; Doao de Ocitos

Aparentemente paradoxal, a pergunta que d ttulo discusso que se segue pertinente, a meu ver, uma vez que o estabelecimento sucessivo de tcnicas e prticas mdicas reunidas sob aquele termo - novas tecnologias reprodutivas (NTR) - tem conhecido uma rpida consagrao e um sucesso nos quais o aspecto de novidade sofre um ambguo process de velamento. Em o 1978 nasce o primeiro beb aps fertilizao in-vitro (FIV), na Inglaterra, e, em seguida, iniciam-se, no Brasil, as primeiras tentativas de repetio exitosa de emprego da mesma tecnologia, o que veio a ocorrer em 1984. Desde ento, bebs de proveta, troca de material reprodutivo humano, congelamento de embries, clonagem, medicina gentica preditiva, entre outros temas, no deixaram mais de sofrer ampla e intensa explorao miditica (Corra, 1997b). Persistem, contudo, mal documentados e mal esclarecidos, no plano cientfico, a eficcia duvidosa, os altos riscos e custos no emprego desta tecnologia (Annas, 1998). Em funo da quase inexistncia de uma prtica de registro, assim como da ausncia de vigilncia das atividades laboratoriais e clnicas da reproduo assistida, no se tem conhecimento, por exemplo, de quantos embries excedentes so produzidos; quantos esto congelados; quais os ndices de gestaes mltiplas e suas conseqncias para a sade das mulheres e bebs; quantos nascem por ano atravs daquelas tcnicas; quais as condies de nascimento desses bebs (idade gestacional, peso, complicaes perinatais etc.); qual a taxa de sucesso da aplicao das diferentes tcnicas entre diferentes casos de infertilidade, entre muitas outras perguntas que permanecem sem resposta no Brasil, embora seja fundamental que se possa obter tal tipo de informao e o conhecimento a ela relacionado. Paralelamente, no debate social, assiste a -se uma repetio de discusses de problemas morais, ticos, pessoais, suscitados por essa forma de interveno no processo reprodutivo, que tem repercusses no plano da filiao, da constituio de famlias, da subjetividade e das identidades. Para alm do fator temporal, representado aqui por mais de duas dca das de atividades e experincias de fertilizao artificial com seres humanos, quando se tem em mente uma perspectiva histrica da interveno mdica no processo reprodutivo, vemos reforada a idia de que as chamadas novas tecnologias de reproduo no po dem tampouco ser consideradas uma ruptura ou novidade completamente inesperada. De fato, identifica-se um processo de artificializao crescente, o qual incide sobre os diversos momentos da seqncia reprodutiva (contracepo, parto, aleitamento etc.). As NTR, voltadas para o estmulo da concepo, so, nesse sentido, a ltima etapa de um processo contnuo de medicalizao da reproduo e da sexualidade. Mas elas constituem sim uma importante inovao no sentido de que, pela primeira vez, o problema da impossibilidade de reproduo biolgica, mesmo que no sem dificuldades,

pode ser biologicamente resolvido. Essa novidade encontra, entretanto, obstculos para ser descrita como tal: chamado inicialmente de reproduo artificial, o conjunto de tcnicas que permite que pessoas estreis, sozinhas ou homossexuais sejam capazes de procriar, acabou por ser renomeado, no campo mdico, diversas vezes, como reproduo assistida, reproduo humana assistida ou, ainda, como assistncia mdica procriao, em clara eufem izao da idia de artificialidade ligada queles processos. A associao entre essa tecnologia (a FIV), aplicada no campo da clnica ginecolgica e obsttrica e entendida como forma de vencer infertilidades transitrias ou definitivas, s incertezas e aos impasses da aplicao das pesquisas genticas e de biologia molecular, que se desenvolvem paralelamente e, s vezes, agregadas medicina da reproduo, acentua essas ambigidades (Jamain et al., 2000). Se a FIV se anuncia e acolhida como uma revoluo na medicina, no que diz respeito aos sujeitos diretamente implicados - especialistas e usurios parece ser, at ento, socialmente adequado evitar todo um excesso da inovao, bem como evitar a idia de artificialidade quanto criao e manipulao da vida humana, sendo prefervel mant-la no domnio do "natural" e do conhecido (Corra & Loyola, 1999). Isso no se d sem dificuldades. A tecnologia conceptiva ter-se-ia desenvolvido em funo de uma demanda to antiga quanto a prpria humanidade: o desejo de ter filhos, de continuidade, de formao de famlias, enfim, de reproduo social. Temos visto que na criao de respostas a tal demanda conta mais a disponibilizao de uma tecnologia do que a definio de quadros patolgicos conceitualmente definidos, passveis de identificao diagnstica e de propostas de preveno e combate, como funciona a "antiga medicina moderna", em vigor at hoje nos mais diversos campos da ateno mdica. As NTR parecem, entretanto, seguir, o novo modelo encontrado em outras reas da "medicina de ponta" - vide Prozac, Xenical, Viagra etc. De fato, sem desejo de filhos no se pode falar em infertilidade. Mas qual seria o papel daquela tecnologia na demanda por filhos, hoje? A idia de realizao biolgica - gentica, gestacional, imaginria ou de aluguel - reforada e, algumas vezes, gerada pela reproduo assistida, no nos permite supor que as NTR poderiam ser criadoras de um novo desejo do desejo de filhos (Corra, 1997a)? Contraditoriamente, sua baixa performance - estima-se um sucesso global de menos de 10% (Marcus-Steiff, 1990) das tentativas, o que, para os mais entusiastas, no chegaria a 25% (ASRM, 1999) - nega, de forma bastante objetiva, o acesso ao sonhado beb que a FIV seria capaz de promover. Ainda mais paradoxalmente, o "tratamento" pela FIV aos impossibilitados de reproduo produz, como principal efeito iatrognico, as gestaes mltiplas. Vemos aqui a incapacidade de, atualmente, as tecnologias conceptivas, de fato, fazerem um beb (de proveta). Ou, dito de outra maneira, a incapacidade de essa tecnologia fazer artificialmente um beb da forma "mais natural" possvel. Guardando esta dimenso mais conceitual - na qual categorias como ruptura/continuidade, natural/artificial constituem polaridades em tenso, produzidas no atravessamento do campo da reproduo pela tecnologia conceptiva - poderamos retomar a pergunta do ttulo em sentido mais literal, aplicando-a a um plano mais prtico e da realidade: chamam a ateno, ento, como aspecto "novo" do campo das NTR, os problemas ligados constituio de uma prtica da doao de vulos.

A doao de vulos

As inovaes da tecnologia conceptiva avanaram do estabelecimento da ferilizao in vitro, t como mtodo de "tratar" a infertilidade de origem tubria, indo na direo do desenvolvimento de tcnicas microcirrgicas de manipulao de clulas reprodutivas. Depois disso surge, como problema maior a ser enfrentado, o do suprimento de vulos. A idia da produo in vitro da concepo foi motivada inicialmente pela impossibilidade de sua ocorrncia no local natural - as trompas (lesadas, obstrudas, cirurgicamente ligadas ou ausentes). Com o estabelecimento da ICSI (intracytoplasmic sperm injection), em 1992, buscou-se paliar as infertilidades atribudas ao fator masculino - o smen no fecundante ou hipofecundante. A possibilidade de manipulao laboratorial das clulas sexuais ou reprodutivas trazida por essa tcnica fez dela, ento, o padro do mtodo de reproduo assistida. A manipulao pode ser tambm de clulas imaturas, no ejaculadas, obtidas cirurgicamente do epiddimo ou do testculo (Te Velde et al., 1998). Sem dvida, a doao de vulos foi deixada "para depois" em funo de dificuldades especficas. Do ponto de vista tcnico, a impossibilidade de congelar e disponibilizar vulos em bancos - como havia ocorrido com o smen - colocou um entrave ligado circulao desse material biolgico humano. A invasividade e as pesadas manipulaes do corpo feminino implicadas nas diferentes etapas do ciclo FIV, tais como a hiperestimulao hormonal, a puno e coleta de vulos, a superproduo de embries etc. - so aspectos negativos, cuja imposio a mulheres que viriam apenas a "doar" seus vulos seria, de modo geral, ainda mais dificilmente justificvel do ponto de vista tico do que a FIV. Essas mulheres correriam os riscos e arcariam com custos financeiros sem estarem envolvidas em um projeto prprio de maternidade. As dificuldades ticas aumentam quando se especula sobre o que pode levar uma mulher a doar vulos nesse contexto de efeitos colaterais desagradveis e indesejveis, riscos e custos. Na economia do dom, no campo da sade, espera-se que doadora seja oferecido um contra-dom que simboliza o reconhecimento de seu gesto, o qual pode ser a valorizao social do ato, como no caso da doao de sangue. No campo da reproduo assistida, as incertezas e atitudes controversas relativas a bebs de proveta, ao uso de material reprodutivo "doado", ao congelamento de embries etc. no permitem que tal circuito possa ser acionado. As interrogaes que permanecem no plano tico, psicolgico e social, no que concerne s motivaes e compensaes individuais para o dom de vulos, tm acabado por suscitar representaes ainda mais negativas. A doao de vulos ficou vista, ento, como "ltima etapa teraputica", entre vrios motivos, pelo fato extremamente excepcional da ocorrncia de dom de vulos espontneo, o que cria aquilo que vem sendo discutido, no campo da reproduo assistida, como um estado depenria permanente de vulos. As indicaes principais do recurso vulo-doao no estudo de Cornet et al. (1996) seriam: a menopausa precoce (32%) e as digenesias gonadais (alteraes da forma e estrutura dos ovrios). Ficariam excludas, portanto, mulheres acima de 43 anos de idade ou outros fracassos no explicados da aplicao da FIV. O que se v no programa do Centro coordenado por Cortet et al. (1996) o encaminhamento de mulheres doadoras por iniciativa das receptoras. Aquelas vo doar para receptoras no conhecidas, de modo a ser garantido o anonimato requerido na prtica da doao. Para se ter idia dos efeitos da hiperestimulao hormonal das mulheres doadoras, como ocorre em toda FIV, foram recolhidos cerca de dez ovcitos por ciclo por doadora ao longo dos trs anos analisados no estudo. Outros pontos mencionados como parte do programa so: consultas com psiclogos, informao acerca dos riscos para obteno do consentimento e controles biolgicos do material trocado. O ltimo item fez com que, a partir de 1995, todos os embries devessem passar por congelamento antes da implantao, de modo a seguir o estado sorolgico dos casais e pacientes previamente tentativa de implantao do s embries. V-se como a normatizao da prtica da vulo-doao - mesmo que limitada, mas incluindo critrios no apenas tcnicos como tambm ticos - favorece seu enquadramento

enquanto prtica mdico-teraputica e dificulta enormemente sua aplicao em funo das exigncias a serem cumpridas. Estudo mais recente sobre a maturao de ovcitos in vitro e a respeito do congelamento de vulos amplia o espectro de "indicaes", propondo - pelo menos hipoteticamente, dado os resultados limitadssimos do congelamento de vulos e de tecido ovariano - a criao de bancos de vulos. O congelamento possibilitaria evitar a doao em casos como os de mulheres jovens que tivessem que sofrer radioterapia ou quimioterapia, muitas vezes infertilizantes, indicados no tratamento de cnceres (Bettahar-Leguble et al., 2000). Em funo das dificuldades apontadas, a doao de vulo permaneceu, portanto, pouco acessada, apesar de o registro do primeiro nascimento de um beb gerado com vulo doado ter ocorrido em 1983, na Austrlia (Laborie et al., 1985). Essa prtica reaparece hoje, junto de outras propostas que indicam claro aumento da invasividade da tecnologia conceptiva, como representado pelo assisted hatching, que pode ser traduzido por "ecloso embrionria assistida", o qual implica uma interveno no ovo formado, de modo a "ajud-lo" a implantar-se no tero. O aumento da invasividade da tecnologia coexiste com sua muito fraca performance. Reviso recente dos dados da rede francesa de conservao de clulas reprodutivas indi a uma taxa de c sucesso global da FIV associada doao de 14,5% (Fdration Franaise des Cecos, 1999). Apesar desses problemas, no que se refere aos aspectos simblicos das formas particulares de filiao que envolvem doao de smen e doao de vulos, os poucos estudos existentes indicam que, na doao de vulo, seria mais fcil, comparativamente doao de smen, a superao de conflitos psicolgicos quanto parentalidade. Isso porque a mulher passa pelas experincias da gestao e, sobretudo, pelo parto. Permanecem obscuras, contudo, as razes que levariam uma mulher a ser doadora (Laruelle & Englert, 1989; Englert et al., 1997).

Brasil: propostas de captao de vulos e (des)regulamentao das NTR

Como se deduz com facilidade, a dificuldade de recrutamento de doadoras tem papel central nos programas de doao de vulos. Isto constitui um aspecto que pode levar a propostas eticamente inaceitveis ou contestveis em funo do argumento da penria. As propostas mais comuns de captao de vulos tm sido (Englert et al., 1997): 1) coleta de vulos no momento da realizao de cirurgia abdominal. No se pode esquecer que uma agresso a mais feita nesses casos, representada pela estimulao hormonal e o monitoramento da paciente; 2) de mulheres que passam por outras tcnicas de FIV. Nesse caso, embora no se adicionem riscos, eticamente questionvel que mulheres submetidas a uma tcnica de reproduo assistida sejam capazes de dar consentimento livre quanto utilizao de alguns de seus vulos por outra mulher, visto sua dependncia da equipe mdica; 3) doadoras relacionais, aquelas que so trazidas pelo prprio casal interessado (modelo mais comum na Europa Ocidental hoje); 4) doadoras profissionais, aquelas que recebem remunerao para "doar" seus vulos, como so encontrados casos documentados nos Estados Unidos. A discusso da remunerao mais complicada na doao de vulos, porque essa prtica impe doadora gastos importantes com medicamentos, procedimentos mdico-cirrgicos e anestsicos, entre outros. No Brasil, determinado sentido da palavra voluntariado - presente desde o incio da instalao da reproduo assistida, nos anos 80 - retorna em programas de doao de vulo. Em momento

inicial da constituio do campo da reproduo assistida, pacientes ditas "voluntrias" - que normalmente no poderiam arcar com as despesas desse tratamento - eram inscritas em programas de reproduo assistida de clnicas privadas (localizadas principalmente na cidade de So Paulo). Naquelas ocasies, essas mulheres, acompanhadas por mdicos brasileiros, eram internadas para serem submetidas FIV sob a superviso de especialistas estrangeiros (Reis, 1985; Corea, 1987). Estes, por sua vez, alm de contriburem com a exportao dessas tcnicas para o Brasil, tinham, nessas oportunidades, a chance de ampliar e reafirmar seu prestgio na rea, alm de mais um campo de experincia com uma teraputica emergente. Em nosso Pas, a grande maioria dos expostos idia de bebs de proveta - popularizada pela mdia e, em particular, pela televiso - no consumidora potencial em funo dos altssimos custos desta tecnologia. Igualmente, a idia de que as mulheres entram em estado de in/hipofertilidade a partir de 35 anos de idade (para alguns especialistas, a partir j dos 30 anos) circula no mesmo circuito de divulgao e, talvez, de formao da demanda por reproduo assistida (RA): a mdia e as obras e materiais de divulgao concebidos pelos especialistas. Surgem ento novas propostas que envolvem a doao de vulos. Algumas equipes mdicas, trabalhando com doao de vulos no Brasil, tm recomendado a coleta de vulos de mulheres que viriam a submeter-se a pequenas cirurgias plvicas. Para tal, essas mulheres deveriam sofrer a hiperestimulao hormonal, visando a essa "doao". Nesse caso, segundo o especialista, "vislumbrar-se-ia beneficiar receptoras incluindo no programa mulheres de classes menos privilegiadas economicamente" (Donadio, 1999a). O autor quer dizer com isso que as menos favorecidas economicamente estariam livres de custear a compra de medicamentos para hiperestimulao, o monitoramento por imagens at a coleta, alm desse ltimo procedimento, todos a cargo da doadora (mulher submetida a outra cirurgia que concordou participar de tal programa). Outra abordagem ficou conhecida como "doao compartilhada de vulos" (Lopes et al., 1999). Segundo sua "metodologia, o Programa consiste basicamente em que uma mulher receptora, com indicao para recepo de vulos, doe a medicao para a hiperestimulao ovariana de uma paciente (doadora) portadora de infertilidade que justifique a realizao de fertilizao in vitro, mas que no disponha de recursos para tal" (Lopes et al., 1999:2). A primeira atendida na clnica privada do especialista que concebeu o Programa, e a segunda, em hospital pblico, onde ele tambm trabalha. Nessa operao temos, de um lado, uma mulher pobre, "doadora", cuja infertilidade determinada por problemas passveis de preveno. Esses problemas tpicos do terceiro e quarto mundos - como abortos e infeces de repetio mal tratados ou no tratados - levam muitas mulheres infertilidade por obstruo tubria. A elas soma-se um contingente representado pelas mulheres que "optaram" por esterilizao cirrgica "voluntria". Como mostra a ltima Pesquisa Nacional sobre Demografia e Sade (BENFAM, 1996), 40,1% das brasileiras esto esterilizadas em idade de 28,9 anos. Trata-se, portanto, de mulheres frteis do ponto de vista hormonal e de seus ovrios, que podem doar os vulos que produzem. De outro lado esto mulheres ricas - em geral, mais velhas -, seguindo os padres reprodutivos do mundo desenvolvido, que tm seu projeto de reproduo adiado, ou seja, seu desejo de maternidade deve esperar para que se cumpram outras realizaes no plano da escolaridade e da vida profissional. Elas tm uma idade na qual ou, de fato, sua fertilidade baixou, ou sua disponibilidade de espera por um beb acabou. Elas so, portanto, candidatas a receber vulos das primeiras, pagando por seu prprio tratamento e pelo das doadoras (as mulheres que no precisam de vulos, e sim de FIV, mas no podem comprar medicamentos, custear os procedimentos, honorrios mdicos etc.). Tal operao deixa evidente como, para alm de uma possvel explorao de gnero, essa medicina da reproduo acresce a possibilidade de explorao fsica e mental entre mulheres.

Ela evidencia, alm disso, mais claramente do que na aplicao de outras tcnicas de reproduo assistida, a questo da vulnerabilidade e de diferentes vulnerabilidades morais s quais se encontram expostas as mulheres confrontadas a seus desejos de reproduo e de maternidade vis--vis s tecnologias conceptivas. Recentemente teve-se notcia, pela imprensa, do caso de uma mulher que veio a engravidar de cinco bebs (Correio Brasiliense, 1999). Aos 39 anos de idade, desempregada, ela havia ligado as trompas h mais de dez anos, pois j tinha dois filhos. Casada pela segunda vez com um homem que ganha um salrio mnimo por ms, ela procurou um servio pblico envolvido em Programa como o citado, por no poder fazer a FIV "por conta prpria". Grvida em dezembro de 1999 (poca da matria), ela no podia levantar-se da cama, o que ocorreu durante quase toda a gestao, devido ao risco de entrar em trabalho de parto em um momento que a prematuridade dos bebs os colocaria sob risco de vida. Essa mulher interpreta a comunicao do obstetra de que uma das crianas est atravessada na parte baixa de seu tero, como desgnio de Deus: ele est segurando os outros bebs. "Vai se chamar Davi porque forte e protetor". O casal no sabe como vai fazer, mas no desfaz de seu destino. Segundo ela, a princpio, ao saber da gravidez de quntuplos (palavra cujo significado essa mulher no conhecia at ento), ficou triste e chorou, mas depois pensou: "Deus misericordioso. Era tanto o que eu queria, o que sonhei... Acho que eu e meu marido oramos demais e Deus mandou cinco de uma vez s". Seria a interveno da tecnologia conceptiva, mesmo em casos medicamente bem configurados como o de uma mulher com esterilidade tubria, uma prtica eticamente aceitvel, sempre? Bastaria o argumento teraputico? Em caso afirmativo, por que no existem defensores de sua introduo no servio pblico fora de qualquer associao como a proposta de compartilhamento? A 'doao compartilhada de vulos' deixa claro a opo por solues privatizantes e lucrativas nessa campo. Com ela, uma mulher vai pagar o tratamento de duas. E, sobretudo, vai ter o seu tratamento viabilizado, no caso da doao de vulos, pela incluso compulsria de uma 'doadora', cliente de uma FIV. Essa soluo evidencia os caminhos da difuso da reproduo assistida no Brasil, a oferta e a demanda por esses servios no cont