bilinguismo aplicado À educaÇÃo especial de surdos

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7/31/2019 BILINGUISMO APLICADO À EDUCAÇÃO ESPECIAL DE SURDOS http://slidepdf.com/reader/full/bilinguismo-aplicado-a-educacao-especial-de-surdos 1/15 BILINGUISMO APLICADO À EDUCAÇÃO ESPECIAL DE SURDOS INTRODUÇÃO A Educação Especial de Surdos e a Inclusão de Alunos Surdos em Escolas da Rede Regular têm sido, atualmente, temas frequentemente abordados não só no âmbito da educação, mas também no que se refere à abordagem clínico-terapêutica sobre os indivíduos que não possuem ou possuem pouca audição e à temática sócio-cultural que envolve a surdez. Com a compreensão de que a surdez é uma diferença cultural que possui sua própria língua gestual-visual e que o surdo possui sua forma de aprender e de entender o mundo diferente da forma ouvinte, Kyle (1999) defende a idéia de que toda criança surda deveria ter uma educação bilíngue. Para o autor, o desenvolvimento escolar dos surdos só ocorrerá de forma efetiva se a língua de sinais, que no Brasil é a LIBRAS, for aceita como primeira língua ou língua materna; na filosofia educacional bilíngue aplicada à Educação de Surdos, foco do presente trabalho, a língua falada no país é ensinada como segunda língua na modalidade escrita e, caso o aluno quiser, na modalidade oral (JOKINEN, 1999) O trabalho a seguir tem como objetivo explicar o que é a filosofia educacional do Bilinguismo. Primeiramente, entretanto, serão explicados, com base em Thoma (2009), os conceitos de Surdo- Mudo, Surdo e Deficiente Auditivo, utilizados amplamente, muitas vezes, de maneira errônea. Após, o trabalho mostrará um breve histórico dos surdos, destacando a importância, segundo Thoma (2009) do movimento surdo para as articulações de lutas políticas dos surdos. Por fim, o trabalho mostrará as características de uma instituição de educação especial de surdos, a qual foi visitada com o objetivo de adquirir conhecimento sobre o tema e para que houvesse a realização da pesquisa. Será abordado o perfil administrativo da instituição, os perfis dos alunos e de suas respectivas famílias, a prática do ensino bilíngue na escola, fundamentando-se em autores como Kyle (1999), Jokinen (1999), entre outros, e a posição da instituição perante a inclusão de alunos surdos em escolas da rede regular. Após, será mostrada, brevemente, a história de vida do professor surdo Cláudio Henrique Nunes Mourão, o Cacau. Por último, irão constar as considerações do grupo sobre o tema central do trabalho, o bilinguismo, e sobre os demais assuntos referentes à educação de surdos abordados ao longo do trabalho. SURDO? SURDO-MUDO? DEFICIENTE AUDITIVO? A utilização de termos referentes a pessoas que têm alguma perda auditiva é discutível, bem como seus variantes. No presente trabalho, abordaremos, de acordo com Thoma (2009), o uso correto ou não dos termos surdo-mudo, surdo e deficiente auditivo que são comumente empregados.

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BILINGUISMO APLICADO À EDUCAÇÃOESPECIAL DE SURDOS

INTRODUÇÃO 

A Educação Especial de Surdos e a Inclusão de Alunos Surdos em Escolas da Rede Regular têm

sido, atualmente, temas frequentemente abordados não só no âmbito da educação, mas também

no que se refere à abordagem clínico-terapêutica sobre os indivíduos que não possuem ou

possuem pouca audição e à temática sócio-cultural que envolve a surdez. Com a compreensão de

que a surdez é uma diferença cultural que possui sua própria língua gestual-visual e que o surdo

possui sua forma de aprender e de entender o mundo diferente da forma ouvinte, Kyle (1999)

defende a idéia de que toda criança surda deveria ter uma educação bilíngue. Para o autor, o

desenvolvimento escolar dos surdos só ocorrerá de forma efetiva se a língua de sinais, que noBrasil é a LIBRAS, for aceita como primeira língua ou língua materna; na filosofia educacional

bilíngue aplicada à Educação de Surdos, foco do presente trabalho, a língua falada no país é

ensinada como segunda língua na modalidade escrita e, caso o aluno quiser, na modalidade oral

(JOKINEN, 1999)

O trabalho a seguir tem como objetivo explicar o que é a filosofia educacional do Bilinguismo.

Primeiramente, entretanto, serão explicados, com base em Thoma (2009), os conceitos de Surdo-

Mudo, Surdo e Deficiente Auditivo, utilizados amplamente, muitas vezes, de maneira errônea.

Após, o trabalho mostrará um breve histórico dos surdos, destacando a importância, segundoThoma (2009) do movimento surdo para as articulações de lutas políticas dos surdos.

Por fim, o trabalho mostrará as características de uma instituição de educação especial de surdos,

a qual foi visitada com o objetivo de adquirir conhecimento sobre o tema e para que houvesse a

realização da pesquisa. Será abordado o perfil administrativo da instituição, os perfis dos alunos e

de suas respectivas famílias, a prática do ensino bilíngue na escola, fundamentando-se em

autores como Kyle (1999), Jokinen (1999), entre outros, e a posição da instituição perante a

inclusão de alunos surdos em escolas da rede regular. Após, será mostrada, brevemente, a

história de vida do professor surdo Cláudio Henrique Nunes Mourão, o Cacau.

Por último, irão constar as considerações do grupo sobre o tema central do trabalho, o

bilinguismo, e sobre os demais assuntos referentes à educação de surdos abordados ao longo do

trabalho. SURDO? SURDO-MUDO? DEFICIENTE AUDITIVO?

A utilização de termos referentes a pessoas que têm alguma perda auditiva é discutível, bem

como seus variantes. No presente trabalho, abordaremos, de acordo com Thoma (2009), o uso

correto ou não dos termos surdo-mudo, surdo e deficiente auditivo que são comumente

empregados.

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SURDO-MUDO 

Em primeiro lugar, o termo surdo-mudo foi e ainda é amplamente aplicado a pessoas com surdez,

no intuito de estabelecer uma relação quase lógica: quem não ouve, não fala; logo, quem é surdo

também é mudo. Na verdade, este é, dentre os termos citados acima, o mais errôneo por motivos

simples.

No que se refere à questão anatômica e fisiológica do corpo humano tem-se que o sistema

auditivo não estabelece relação nenhuma com a “falta de fala” no indivíduo surdo. Tanto isto é

verídico que existem muitos surdos que conseguem falar oralmente. A problemática envolve uma

questão ainda mais precoce: a aquisição de linguagem. No caso de uma criança que ainda não

tenha completado dois anos de idade e seja diagnosticada como surda, a possibilidade do

desenvolvimento normal da linguagem diminui drasticamente. Isto acontece em decorrência da

ausência do feedback auditivo (ou retorno auditivo), fundamental no processo de aquisição de

linguagem na criança onde, através da audição, ela escuta as demais pessoas falando e, desta

forma, também adquire linguagem.

SURDO 

A utilização do termo surdo mostra-se a mais adequada no momento em que devemos considerar

os surdos não como portadores de uma condição de surdez, mas sim como uma minoria

lingüística. É deste modo que os surdos preferem ser chamados, uma vez que compõem uma

cultura forte e rica como qualquer outra. É neste momento, também, que uma reflexão importantevem à tona: o termo correto é língua ou linguagem de sinais? É indispensável pensarmos que o

instrumento de comunicação dos surdos equivale-se a qualquer outra língua no mundo, já que sua

abrangência é total, sem deixar que nenhum termo sequer escape. Assim, a língua de sinais

brasileira foi considerada, a partir de meados de 2002, oficializada como língua no Brasil, tendo

assim, seu status linguístico reconhecido.

 Assim, quando nos referimos às pessoas surdas, estamos falando naqueles “que são usuários da

língua de sinais e que construíram uma identidade surda em comunidades de surdos” (THOMA,

2009).

Da mesma forma, é ainda relevante diferenciarmos a representação clínico-terapêutica da

representação sócio-antropológica, uma vez que aquela entende os surdos como deficientes

auditivos e os classifica de acordo com a sua perda auditiva e esta, diferentemente, entende os

surdos como integrantes de uma cultura própria e linguisticamente minoritários.

DEFICIENTE AUDITIVO 

Por fim, este termo, também amplamente utilizado, foi originalmente empregado por profissionais

da área médica, na tentativa de identificar a surdez como também uma deficiência e tratá-la como

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tal. Com o surgimento da fonoaudiologia, contudo, a conscientização do uso deste termo passou a

ser restrita em casos de realização de um exame denominado Audiometria. É a partir deste

exame fonoaudiológico que confirma-se ou não uma suspeita de surdez do individuo através do

estabelecimento de limiares auditivos deste paciente. Em outras palavras, é através desse exameque se pode estabelecer o mínimo de som que o paciente é capaz de escutar.

Para questão de ilustração tem-se que as perdas auditivas podem ser de diferenciados graus. A

classificação mais conhecida e amplamente utilizada classifica a perda auditiva em normal, leve,

moderada, severa e profunda (DAVIS e SILVERMAN, 1970). Portanto, é importante destacarmos

que a fonoaudiologia se vê preocupada em classificar a perda auditiva do paciente, e não o

próprio paciente, como muitas áreas da saúde costumam fazer.

Tem-se assim, que, até mesmo na concepção dos próprios surdos, que o verdadeiro deficiente

auditivo é aquele que vive a condição de surdez como uma deficiência, não a vendo como uma

cultura extremamente rica e normal. Por fim, destacamos aqui a importância da escola de surdos,

uma vez que esta tem sido apontada como o lugar onde as comunidades surdas emergem e

fazem com que as crianças surdas convivam com outras pessoas surdas, como uma forma de

reforçar os laços desta comunidade. Portanto, a surdez é uma experiência constituída na relação

com outros (surdos ou ouvintes) e que permite ao indivíduo surdo inserir-se na sociedade por

meio do bilinguismo.

BREVE HISTÓRICO DOS SURDOS 

Até os dias atuais, a comunidade surda trabalha com grande afinco por espaço e reconhecimento

perante a sociedade ouvinte.

É através do Movimento surdo que ocorre as articulações de lutas políticas dos surdos (THOMA,

2009). Esse movimento está representado em várias entidades no mundo inteiro. No Brasil, é a

Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos, FENEIS, a responsável por cuidar das

demandas e necessidades dos surdos no país. Temos que saber, porém, que a história de

tentativas dos surdos de serem aceitos e respeitados tanto linguisticamente como em termos de

identidade e cultura é de muitos séculos atrás:

Século XVI: Só a partir desse século é que passam a ocorrer as primeiras tentativas de educação

dos surdos. Antes disso, a sociedade acreditava que os surdos não podiam ser ensinados.

Entre 1712 – 1789: A educação dos surdos passa a ser mais explorada. Em 1750 surge a primeira

escola pública baseada no método oral e em 1760, é criada a primeira escola para surdos, com

base no método gestualista, graças ao abade Charles L´Epeé, que transforma sua casa nesse

local de ensino depois de observar duas crianças surdas se comunicando por gestos (THOMA,

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2009). Embora ambas as escolas tenham surgido quase que concomitantemente, o método oral

era extremamente mais divulgado e aceito.

1815 – 1817: O melhor aluno do abade é convidado para implantar nos Estados Unidos o ensino

de surdos utilizando a Língua de Sinais. Posteriormente, é fundada uma escola para surdos no

país.

1857: D. Pedro II convida o professor surdo Eduard Huet para criar no Brasil o Instituto Nacional

dos Surdos-Mudos (THOMA, 2009). Podemos, a partir disso, perceber que o interesse pelos

surdos no nosso país aconteceu bem mais tarde que em outros lugares.

1880: Consideramos esta uma data muito importante, pois mostra claramente que os surdos já

lutavam por um lugar linguístico e eram causadores de muitas polêmicas. Ocorre, nesse ano, o

Congresso de Educadores de Surdos, na Itália, onde grandes nomes como Graham Bell e JuanJacob estavam presentes. É apresentado um método de educação visando eliminar gestos e

Língua de Sinais. Ficou proibido o uso dessa língua nas escolas.

Século XX: A maioria das escolas usava o método oral puro.

1960: William Stokoe faz um estudo linguístico demonstrando que a Língua de Sinais é

equivalente as que usam a modalidade oral. Esse estudo foi muito importante na história dos

surdos, pois foi a partir daí que os surdos começaram a reivindicar ainda mais a aceitação da

Língua de Sinais de maneira mais forte e segura. Nessa mesma década, Dorothy S., mãe de

menina surda, começa a utilizar em uma escola: linguagem sinalizada + fala + leitura labial +

treino auditivo = Total Approach.

Final de 1970: No Brasil é introduzida a Comunicação Total.

1983: É criada no nosso país a Comissão de Luta pelos Direitos dos Surdos. No mesmo ano, na

Alemanha, os surdos reivindicam o reconhecimento da Língua de Sinais.

1986: O centro SUVAG, em Pernambuco, faz sua opção metodológica pelo Bilinguismo (THOMA,

2009).

1987: É criada a FENEIS, que luta pelos surdos no nosso país.

2002: Através da FENEIS ocorre a oficialização de LIBRAS em todo território nacional. Mais

precisamente dia 24 de abril de 2002.

A partir desse breve histórico podemos ver que a comunidade surda passou por imensas

dificuldades ao longo dos séculos para se estabelecer com tal. Apesar de grandes feitos terem

sido conquistados, ainda existe o preconceito contra uma língua que não tem como modalidade

ser oral-auditiva e sim gestual-visual. Acreditamos que através da FENEIS, e outros movimentos,

os surdos tendem a conquistar cada vez mais espaço em todos os sentidos. O que importa,

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atualmente, é tirar a ignorância que ronda a sociedade através de informações sobre os surdos,

que de deficientes já provaram não ter nada.

O BILINGUISMO 

O Bilinguismo (num sentido escrito) é uma proposta de ensino usada por escolas que se propõem

a tornar acessível à criança duas línguas no contexto escolar. Os estudos têm apontado para essa

proposta como sendo mais adequada para o ensino de crianças surdas, tendo em vista que se

considera a língua de sinais como língua natural e parte desse pressuposto para o ensino da

língua escrita. No entanto, o reconhecimento dos surdos enquanto pessoas surdas e da sua

comunidade linguística estão inseridos dentro de um conceito mais geral de bilinguismo.

Esse conceito mais geral de bilinguismo é determinado pela situação sócio-cultural da

comunidade surda como parte do processo educacional. O fato de serem pressupostas duaslínguas no processo educacional da pessoa surda, a Língua Brasileira de Sinais e a Língua

Portuguesa, está inserido num processo educacional. Bilinguismo para surdos atravessa a

fronteira linguística e inclui o desenvolvimento da pessoa surda dentro da escola e fora dela

dentro de uma perspectiva sócio-antropológica.

O bilinguismo, tal como entendemos, é mais do que o uso de duas línguas. É uma filosofia

educacional que implica em profundas mudanças em todo o sistema educacional para surdos. A

educação bilíngue consiste, em primeiro lugar, na aquisição da língua de sinais, sua língua

materna. Lacerda & Mantelatto (2000) afirmam que “o bilingüismo visa à exposição da criançasurda à língua de sinais o mais precocemente possível, pois esta aquisição propiciará ao surdo

um desenvolvimento rico e pleno de linguagem e, conseqüentemente, um desenvolvimento

integral”. A comunidade dos surdos está inserida na grande comunidade de ouvintes que, por sua

vez, caracteriza-se por fazer uso da linguagem oral e escrita.

O bilinguismo propõe que o surdo comunique-se fluentemente na sua língua materna (língua de

sinais) e na língua oficial de seu país. Oral ou escrita? Essa questão polêmica divide os

educadores de surdos. No entanto, todos concordam que o desenvolvimento cognitivo, afetivo,

sócio-cultural e acadêmico das crianças surdas não depende necessariamente de audição, massim do desenvolvimento espontâneo da sua língua. A língua de sinais propicia o desenvolvimento

linguístico e cognitivo da criança surda, facilita o processo de aprendizagem, serve de apoio para

a leitura e compreensão.

De acordo com Souza (1998), “a partir do momento em que os surdos passaram a se reunir em

escolas e associações e se constituíram em grupo por meio de uma língua, passaram a ter a

possibilidade de refletir sobre um universo de discursos sobre eles próprios, e com isso

conquistaram um espaço favorável para o desenvolvimento ideológico da própria identidade”.  

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Em síntese, a integração plena da pessoa surda passa, necessariamente, pela garantia de

convívio em um espaço, onde não haja repressão de sua condição de surdo, onde possa

expressar-se da maneira que mais lhe satisfaça, mantendo situações prazerosas de comunicação

e de aprendizagem. Para Vygotsky (1989), “a trajetória principal do desenvolvimento psicológicoda criança é uma trajetória de progressiva individualização, ou seja, é um processo que se origina

nas relações sociais, interpessoais e se transforma em individual, intrapessoal”.

O ENSINO BILÍNGUE: VISITA À INSTITUIÇÃO DE EDUCAÇÃO ESPECIAL DE SURDOS 

Com o objetivo de conhecer e observar uma instituição de ensino especial de surdos, foi

realizada, no dia três de dezembro de dois mil e nove, uma visita à Escola Estadual onde estão

matriculados 100 alunos, os quais são todos surdos. A escola localiza-se na cidade e oferece

todas as etapas que as demais escolas da rede estadual oferecem, sendo elas Educação Infantil,

Ensino Fundamental e Ensino Médio.

O grupo teve, como principal objetivo, ver a opinião e os argumentos de profissionais da educação

especial sobre a necessidade do ensino especial de surdos, os quais são vistos por esses

profissionais como uma minoria linguística que possui uma cultura e identidade próprias.

Conforme a Lei de Diretrizes e Bases da Educação do Brasil (LDB, 1996), os alunos com

deficiência devem ser matriculados preferencialmente em escolas da rede regular de ensino. Mas,

como veremos ao longo das observações feitas com a visita à Escola Estadual, os profissionais

do ensino especial não se limitam ao fator deficiência para argumentar a favor da educação

especial. Conforme o que foi respondido por (2009), diretora da instituição, o grupo teve a

possibilidade de obter informações relevantes para a realização do trabalho e de conhecer,

mesmo que superficialmente, a dinâmica de uma escola especial de surdos, onde o bilinguismo,

foco do presente trabalho, é praticado desde os primeiros dias que o aluno frequenta a sala de

aula.

FUNCIONAMENTO DA INSTITUIÇÃO VISITADA 

Primeiramente, foram feitas perguntas sobre a organização da instituição, enquanto escola

estadual. Ou seja, foram levantadas questões como o repasse de verbas pelo governo do Estado,merenda escolar, o espaço escolar, administração, formação dos professores, entre outras. No

que se refere ao repasse de verbas pelo governo do Estado, assim como ocorre com as

instituições de ensino regular, há problemas e atraso. Porém, a diretora observa, ao longo da

conversa, que há “uma maior negligência” para com as escolas especiais. No caso da merenda

escolar, as verbas repassadas pelo governo estadual, que primeiramente são fornecidas pelo

governo federal, são insuficientes. A merenda, por não contemplar de forma satisfatória todos os

alunos da escola, é conseguida por meio de doações.

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Objetivando uma melhor administração, foi criado, recentemente, o caixa escolar. O caixa escolar

é uma associação da escola, organizado pelos funcionários, no qual a verba é fornecida pelo

governo federal e é repassada diretamente para a escola, sem passar pelo governo estadual. A

organização do caixa escolar ainda está em andamento.

Além da merenda escolar, verbas para a construção de um laboratório de informática também não

são fornecidas. Entretanto, toda instituição especial usa o visual para o ensino dos alunos surdos,

sendo o computador um instrumento excepcional e imprescindível para o sucesso de sua

educação. O trabalho visual é essencial, visto que “o surdo usa comunicação visual (língua de

sinais) e não comunicação auditiva” (Car ta de Porto Alegre: a educação que nós surdos

queremos, 1999).

Não só há negligência no repasse de verbas para assuntos relacionados à surdez, de acordo com

a professora (2009), como também para com a acessibilidade do espaço escolar para alunos com

deficiência física. A instituição precisa de rampas e de um banheiro adaptado, visto que, assim

como em escolas regulares, há alunos cadeirantes. Entretanto, os banheiros não são adaptados e

há apenas escadas na escola.

Há quatro alunos matriculados na Educação Infantil, cinquenta alunos no Ensino Fundamental e

quarenta e seis no Ensino Médio. Há, também, um número considerável de alunos matriculados

na modalidade EJA, entre eles uma aluna de 65 anos que aprendeu LIBRAS somente aos 63

anos, com o ensino especial na escola. Quanto aos professores, há tanto ouvintes (que possuem

audição) quanto surdos. A formação acadêmica dos professores é exigida assim como se exige

na rede regular de educação.

A escola apresenta diversas atividades extracurriculares, como os Jogos Anuais de Surdos, onde

alunos surdos da escola e de outras escolas da região (que são bem poucas) competem em

várias modalidades do esporte. Há os Jogos Anuais da Inclusão, em que jovens ouvintes de

escolas regulares competem com alunos surdos da escola, também em diversos tipos de esporte.

Há aulas de dança e de teatro. Era oferecido pela escola um Curso de LIBRAS, aberto para as

famílias dos alunos e para a comunidade. Porém, em 2007, por ordem do governo estadual, ocurso foi retirado da programação extracurricular da escola. Segundo a diretora, “o governo quer 

matar a LIBRAS. O cancelamento do curso é um exemplo.”. Atualmente, a exigência da escola

para o retorno do curso de LIBRAS está na justiça.

A escola funciona nos turnos da manhã e da tarde. Também está na justiça a exigência para o

funcionamento do turno da noite, uma vez que há alunos que trabalham durante o dia, não

podendo, muitas vezes, prosseguir com o estudo devido às dificuldades de conciliá-lo com o

trabalho. O pedido para a abertura do turno da noite, assim como as exigências para o retorno do

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curso de LIBRAS, para a construção de um laboratório de informática e para a construção de

rampas e de banheiros adaptados para alunos com deficiência física, está na justiça.

OS ALUNOS DA INSTITUIÇÃO E SUAS FAMÍLIAS 

Como já foi mencionado anteriormente, a escola atende 100 alunos, sendo todos eles surdos. Há

dois alunos, atualmente, que possuem implante coclear  –  “equipamento eletrônico

computadorizado que substitui totalmente o ouvido de pessoas que têm surdez total ou quase

total” (BENTO, 2006 apud ELERT, 2008, p. 15) – sendo a escola, entretanto, contra o uso desse

gênero de equipamento e a favor do ensino de LIBRAS.

Segundo a direção da escola (2009), os alunos são, na sua maioria, instáveis. A maior parte

chega à instituição desconhecendo completamente a LIBRAS, ignorando, também, o conceito de

surdez. A escola tem como principal objetivo, então, ensinar a LIBRAS e as demais disciplinas,ajudando-os a buscar e assumir a sua identidade como surdos, inserindo-os na cultura surda.

Quanto às famílias dos alunos, são todas ouvintes. Os casos de famílias que buscam aprender a

LIBRAS são raros, sendo que a maior parte desconhece a LIBRAS e não buscam aprendê-la.

Segundo a diretora (2009), não só desconhecem a linguagem de sinais como desconhecem a

surdez, acreditando, apesar de matriculá-los em uma instituição especial, que a melhor coisa a

fazer seria colocá-los em uma escola de ensino regular, enxergando a criança apenas como um

deficiente auditivo que pode ser corrigido junto a uma classe de caráter regular.

A direção observa (2009) que os alunos costumam estudar muito na escola. Questionados sobre

o estudo dos conteúdos em casa, a maioria desses alunos diz não estudar devido à falta de ajuda

e estímulo por parte da família, ou seja, a maior parte dos alunos não revisa e não estuda em

casa porque não recebe nem apoio e nem ajuda dos familiares, preferindo estudar apenas no

ambiente escolar, tendo como auxílio somente a ajuda de seus professores. A direção ainda diz

que observa a falta de diálogo existente entre a maioria dos alunos e sua família, tendo como um

dos motivos a falta de conhecimento da linguagem de sinais por parte dessas famílias.

Como foi dito anteriormente, a maioria das famílias dos alunos não só desconhece a LIBRAS, mas

também não possui interesse em aprendê-la; por não conhecer a língua na qual a criança se

expressa, a família não consegue estabelecer um diálogo com ela, ocasionando a falta de

comunicação entre família ouvinte e membro surdo. De acordo com as palavras da diretora

(2009), “uma pessoa surda em uma família de ouvintes é como um móvel da casa, ignorado.”.

Ainda conforme a direção (2009), os alunos contam que, quando eram pequenos, sentiam medo

quando a família levava-os a algum lugar, pois desconheciam o local para onde estavam sendo

levados. A direção diz, também, que as mães pedem para os professores falarem a seus filhos

para eles tomarem banho, escovarem os dentes, etc., pois elas não conseguem mandá-los.

Frases como essa e como a anterior são indícios da completa falta de comunicação existente

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entre uma família ouvinte e um membro surdo, provando que o surdo permanece avulso em sua

família ouvinte.

Apesar de serem poucas, há famílias que buscam aprender a linguagem de sinais. Há, também,

famílias que reconhecem a criança como surda, e não como deficiente auditivo. No entanto, assim

como as que possuem interesse em aprender LIBRAS, famílias como essas são muito poucas.

Ainda de acordo com o que diz a direção (2009), a maior parte das famílias dos alunos não sabe e

não procura saber a LIBRAS, não reconhecendo a criança surda como membro de uma

comunidade com língua e cultura próprias, e sim, limitando-se a vê-lo como um deficiente auditivo

que precisa ser incluído no ensino regular para que sua deficiência seja corrigida.

O ENSINO DE LIBRAS E A PRÁTICA BILÍNGUE NA INSTITUIÇÃO  

Com o entendimento de que a surdez é uma diferença cultural que possui sua própria línguagestual-visual, sua forma de aprender e entender o mundo diferente da forma ouvinte, Kyle (1999)

defende a idéia de que toda criança surda deveria ser bilíngue. Para ele, o desenvolvimento

escolar dos surdos só será efetivo se a língua de sinais for aceita como língua materna ou

primeira língua. Na filosofia educacional bilíngue aplicada à Educação de Surdos, a língua falada

no país é ensinada como segunda língua na modalidade escrita e, caso o aluno quiser, na

modalidade oral (JOKINEN, 1999). Ou seja, o aluno surdo deve aprender a língua de sinais como

primeira língua, passando essa a ser utilizada no ensino de todas as áreas do saber.

Na instituição especial visitada, o bilinguismo é praticado desde os primeiros dias em que acriança chega à sala de aula. Conforme a direção da escola (2009), o ensino de LIBRAS e da

língua portuguesa escrita, sendo a associação das duas línguas que define o bilinguismo, é

iniciado através da observação, da experiência. O professor leva os alunos para o pátio para que

observem os objetos que fazem parte da escola, da paisagem, etc. Com a observação, o

professor ensina aos alunos o nome desses objetos em LIBRAS, estimulando o aluno a descrevê-

los, também por meio da língua de sinais. Dessa forma, o aluno aprende a LIBRAS como sendo

sua primeira língua ou língua materna.

O ensino da língua portuguesa escrita é realizado da mesma forma, porém com a explicação emLIBRAS. Ou seja, o aluno, após aprender a se expressar através da língua de sinais, aprende a se

expressar por meio da escrita, tendo a língua de sinais como sua primeira língua e a escrita como

sua segunda língua. Esse aluno deve saber associar a imagem à palavra escrita e expressá-la em

LIBRAS.

Ao longo da vida escolar do aluno, o bilinguismo é mantido. Os professores escrevem os

conteúdos em português, sendo a avaliação também escrita. Entretanto, a explicação dos

conteúdos é e deve ser feita em LIBRAS, lembrando que a LIBRAS é a primeira língua do surdo,

sendo nela que o aluno surdo se expressa de forma natural. A linguagem de sinais é ensinada na

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disciplina LIBRAS, que equivale à disciplina Língua Portuguesa, sendo essa ensinada nas escolas

de ensino regular. Assim como a disciplina Língua Portuguesa, a LIBRAS é ensinada ao longo de

toda a vida escolar do aluno, para que a linguagem de sinais seja cada vez mais aprimorada por

ele.

Um fator importante para o ensino de LIBRAS é a condição do professor. De acordo com a

direção da escola visitada (2009), a LIBRAS deve ser ensinada por um professor surdo, visto que,

ainda conforme a direção da instituição (2009), apenas um professor surdo usará a metodologia

correta para o ensino da linguagem de sinais, pois apenas ele, e não um professor ouvinte, que

tem a linguagem de sinais como sua língua materna. Apenas um professor que se comunica

através de LIBRAS conseguirá, de forma apropriada e eficiente, ensinar um aluno surdo a se

comunicar através dessa língua. Devido a isso que os professores que lecionam LIBRAS na escol

e, teoricamente, nas demais escolas especiais são todos surdos. As demais disciplinas, comomatemática, história, geografia, etc., são ensinadas tanto por profissionais surdos como por

ouvintes.

Ainda conforme a direção da escola (2009), assim como ocorre em escolas de ensino regular, há

alunos surdos que apresentam dificuldades no aprendizado de LIBRAS e da língua portuguesa

escrita. Há os que possuem dificuldades no aprendizado das duas línguas, assim como há os que

apresentam dificuldades em aprender uma das duas. Contudo, essa dificuldade é comum, tanto

no ensino especial como no ensino regular. O aprendizado do aluno com dificuldade deve ser

feito, então, com cuidado e atenção dedicados pelo educador, em qualquer modalidade da

educação, seja regular, seja especial.

Logo, o bilinguismo é uma filosofia educacional, na qual, quando é aplicada à Educação de

Surdos, há a associação da língua de sinais, a qual deve ser a língua materna do indivíduo surdo

e expressada por meio de gestos, com a língua falada oralmente no país, sendo essa a segunda

língua do surdo e expressada através da escrita e, se o aluno quiser, individualmente, expressada

de forma oral (JOKINEN, 1999). No caso do brasileiro surdo, essa língua materna deve ser a

LIBRAS e a segunda língua o Português escrito e, se o aluno desejar, falado por meio da

linguagem oral. É dessa forma que a filosofia educacional bilíngue para a Educação de Surdos é

aplicada na Escola Estadual e que, teoricamente, deve ser aplicada, também, nas demais escolas

de ensino especial.

OS ARGUMENTOS DA INSTITUIÇÃO ESCOLAR CONTRA A INCLUSÃO DE ALUNOS

SURDOS NA ESCOLA REGULAR 

O ensino de LIBRAS, conforme o que diz a direção da instituição escolar visitada (2009),

possibilita o surdo a se expressar de forma natural com uma língua que é dele por excelência, a

língua de sinais. A direção ainda observa que o aluno, após conhecer e aprender a LIBRAS, se

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expressa melhor e se reconhece como integrante da comunidade surda, assumindo a sua

identidade como surdo.

Sem o ensino de LIBRAS, o surdo não saberá como se expressar, sentindo-se um deficiente.

Indubitavelmente, o fato de a maioria das famílias dos alunos surdos não saber a LIBRAS e não

possuir interesse em aprendê-la também prejudica o desenvolvimento do surdo no que diz

respeito à sua forma de se expressar. Contudo, ao saber se comunicar por meio da linguagem de

sinais e tendo-a como sua língua materna, ele poderá se inserir na comunidade surda, tendo

conhecimento de sua cultura e não se sentindo um deficiente.

Com o bilinguismo, a direção também observa que há uma grande melhora na relação do surdo

com o mundo ouvintista. A sociedade atual é uma sociedade ouvintista, na qual o deficiente

auditivo sente-se excluído. No entanto, ao assumir sua identidade surda e tendo tido uma

educação bilíngue, o surdo poderá estabelecer uma comunicação, ainda que limitada devido à

sua falta de audição, com o mundo ouvinte; poderá se comunicar através da escrita, uma vez que,

com o ensino bilíngue, o indivíduo surdo pôde aprender a modalidade escrita da Língua

Portuguesa. Então, com o ensino de LIBRAS juntamente com o ensino da linguagem escrita,

observa-se que há uma grande melhora na forma de expressão do surdo e na sua comunicação

com o mundo ouvinte.

Quanto à inclusão de alunos surdos em escolas de ensino regular, a escola mostra-se contra.

Segundo a diretora (2009), “colocar uma criança surda em uma classe regular é matar uma

língua; é tirar o direito dessa criança de aprender uma língua com a qual ela possa se expressar e

se comunicar.”. De acordo com essas palavras, a criança surda que é colocada em uma class e

regular não aprenderá a LIBRAS como sua primeira língua, e sim, será oralizada, possuindo

dificuldades em se expressar e sendo vista como alguém com deficiência e muitas limitações,

passando, inevitavelmente, por preconceitos e sendo, por fim, excluída.

Essa situação é invertida quando o indivíduo surdo é colocado em uma classe especial, pois é

nessa condição que ele aprenderá a linguagem de sinais e, dessa forma, aprenderá a se

expressar por meio dela e por meio da linguagem escrita, se ele tiver uma educação bilíngue. Emuma instituição especial para surdos, o individuo surdo conhecerá outras pessoas que possuem a

mesma condição que ele, ou seja, outros surdos. Consequentemente, aprendendo em conjunto e

com uma linguagem e cultura próprias, a pessoa surda assumirá a sua identidade e terá

condições de se expressar melhor e naturalmente.

Um dos argumentos usados por pessoas que são a favor da inclusão de alunos surdos em

classes regulares é o de que professores do ensino regular aprenderão LIBRAS para que possam

comunicar-se com o aluno surdo. No entanto, segundo a escola (2009), isso não será possível. A

LIBRAS é uma língua na qual a fluência só é alcançada por meio do convívio diário com outros

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indivíduos que a usam para a comunicação, assim como acontece com as demais línguas, como

o inglês. Ainda segundo a direção da escola, um professor da rede regular não irá adquirir a

fluência necessária para ensinar um aluno surdo, visto que não terá condições de praticar a língua

assiduamente com apenas um aluno surdo em sua classe. Somente com o convívio diário que afluência necessária para ensinar um aluno surdo em LIBRAS é alcançada, e esse convívio existe

apenas nas instituições especiais e em famílias em que há membros surdos.

Outro argumento defendido pela escola é o de que, na classe regular, a LIBRAS não será usada

como primeira língua pelos professores, e sim, será usada como ferramenta, ou melhor, como

metodologia de ensino para fazer o aluno que não escuta entender o conteúdo. Porém, a LIBRAS

deve ser a primeira língua não só de um aluno, mas também de uma classe inteiramente

composta por alunos surdos, e não usada apenas como uma ferramenta para a comunicação

entre aluno e professora, e sim como língua oficial pertencente a uma cultura. Portanto, a LIBRAS,enquanto língua oficial de uma comunidade, será paulatinamente eliminada com a inclusão de

alunos surdos no ensino regular. Apenas nas instituições especiais de ensino, de acordo com a

diretora (2009), ela assumirá seu papel de língua oficial de uma cultura.

Por fim, como um dos muitos argumentos sustentados pela instituição contra a inclusão de alunos

surdos na escola regular, está o referente às dificuldades que enfrentarão os professores ao

lecionar em uma classe na qual está presente um aluno surdo. Mesmo sabendo alguns sinais da

LIBRAS, esses professores não conseguirão contemplar o aluno surdo da mesma forma como os

alunos ouvintes serão contemplados. O motivo pelo qual isso ocorrerá, segundo a instituição

(2009), é o fato de a primeira língua da classe e do professor ser o Português, e não a LIBRAS. A

LIBRAS seria, teoricamente, a língua materna apenas do aluno surdo. Isso significa que o

conteúdo não será passado adequadamente para o aluno que não escuta. Enquanto os demais

alunos da classe estarão sendo contemplados pelas explicações do professor, o aluno surdo será,

inevitavelmente, excluído. A LIBRAS só será a primeira língua de uma classe se essa classe for

constituída apenas por alunos surdos. Dessa forma, existente apenas em escolas especiais, o

conteúdo será passado em uma só língua, a LIBRAS, para todos os alunos, oferecendo as

mesmas oportunidades de aprendizagem a todos eles.

De acordo com a diretora (2009), “O termo inclusão é belo para a literatura, mas e a prática? É

humanamente impossível um professor ensinar um conteúdo em duas línguas ao mesmo tempo.

 Alguém será excluído, e esse alguém, no caso da inclusão de surdos, será o surdo.”. Ainda

segundo a diretora, “os professores não estão preparados para lidar com todos os tipos de

deficiência”. 

A opinião da direção da escola, juntamente com a dos demais profissionais que lá trabalham

(2009), é, portanto, que “a inclusão exclui”. Segundo esses profissionais, “a LIBRAS como língua

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oficial de uma comunidade só é ensinada nas instituições especiais. O indivíduo que não escuta,

pois, só fará parte de sua cultura tendo contato diário e aprendendo juntamente com os demais

indivíduos que, como ele, não escutam. A surdez é mais que uma condição. É uma cultura. E a

LIBRAS é o modo como os membros dessa cultura se expressam. Está aí a importância dasinstituições especiais que, como essa, ensinam e usam a linguagem de sinais como língua

materna e que, com isso, preservam a cultura surda.” 

HISTÓRIA DE VIDA DO PROFESSOR 

Surdo, professor da UFRGS, formado em Educação Física - Licenciatura Plena no IPA em 2007,

professor de Libras, estudante de Letras/Libras na UFSM, mestrando do programa de pós-

graduação-ufrgs, na linha dos estudos culturais em educação, único dançarino profissional surdo

do país, professor de dança de salão na escola de surdos frei pacífico e professor de teatro.

Estudou toda a infância e adolescência em escola regular, foi oralizado, ou seja, sabia pronunciar

as palavras, porém não entendia o sentido de nenhuma delas. Conheceu a Língua de Sinais

apenas aos 24 anos, o que oportunizou um crescimento profissional e cultural. Acredita que só

assumiu sua verdadeira identidade após descobrir a Língua de sinais.

Sobre as escolas regulares Cacau diz que “se uma criança surda iniciar na escola inclusão

(regular), a aquisição da linguagem é precária e atrasa muito o aprendizado tornando a criança

mais deficiente ainda. Ficará isolada por problemas de comunicação com ouvintes e as

brincadeiras das crianças ouvintes são na maioria baseada em sons e não somente o visual”. 

Na opinião de Cacau, o bilinguismo é importante para que haja comunicação entre ouvintes e

surdos, “nós surdos somos uma minoria linguística com o uso da Língua de Sinais como primeira

língua e Língua Portuguesa como segunda língua, então somos brasileiros e vivemos juntos no

mesmo país e por isso a importância do bilinguismo que favorece a interação e participação de

todas as pessoas para o pleno exercício da cidadania”. 

CONCLUSÃO 

São muitas as considerações finais do grupo após a realização do presente trabalho. Com apesquisa, conceitos como o da própria surdez ficaram adequadamente claros em nossa

concepção, visto que o indivíduo surdo não é apenas alguém que não possui audição, e sim, é

alguém que possui particularidades diferentes ao desenvolver formas de organização de acordo

com suas capacidades visuais-gestuais, fazendo parte, dessa maneira, da cultura surda

(DORZIAT; LIMA; ARAÚJO, 2009).

Estando o grupo informado a respeito de períodos importantes da história da comunidade surda,

com base em Thoma (2009) vimos que o reconhecimento da surdez como minoria linguística é

algo que só é alcançado a partir da afirmação da LIBRAS como língua de uma comunidade,

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constituindo a surdez não como uma deficiência, e sim, como uma cultura. Conforme a Carta de

Porto Alegre: a educação que nós surdos queremos, “o deficiente auditivo usa comunicação

auditiva, tendo restos auditivos que podem ser corrigidos com aparelhos; o surdo usa

comunicação visual (língua de sinais) e não comunicação auditiva.” (1999). Esse breve trecho dodocumento, elaborado por surdos, há 10 anos, no Pré-Congresso ao V Congresso Latino

Americano de Educação Bilíngue para Surdos, resume a diferença entre o deficiente auditivo e o

surdo. Essa importante diferença também foi trabalhada pelo grupo ao longo da pesquisa.

Quanto ao Bilinguismo aplicado à educação de surdos, tema escolhido pelo grupo para ser o foco

do trabalho, observamos que é uma alternativa de adaptação do surdo na sociedade ouvinte, visto

que essa sociedade é maioria. Se o surdo não souber adaptar-se a essa sociedade, sofrerá

preconceitos. O Bilinguismo é, portanto, a forma de ensino com a qual o surdo poderá assumir

sua identidade como tal e que permitirá que ele consiga comunicar-se com a sociedade ouvinteatravés da linguagem escrita e, se o surdo desejar, por meio da linguagem oral, também. Por fim,

o grupo conclui a importância do ensino especial para surdos, uma vez que o surdo, para se

reconhecer como tal, precisa aprender juntamente com outros surdos. Dessa forma, apenas, ele

terá a LIBRAS como sua língua materna e a surdez como cultura. Na escola regular, isso não será

possível, como vimos ao longo do trabalho. A possibilidade só existe com o ensino especial.

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