biblioteca pública

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XXIV Congresso Brasileiro de Biblioteconomia, Documentação e Ciência da Informação Sistemas de Informação, Multiculturalidade e Inclusão Social Maceió, Alagoas, 07 a 10 de Agosto de 2011 Temática 3: Políticas de Informação, Multiculturalidade e Identidade Cultural As Bibliotecas Públicas e os Suportes para a Lei 10.639/03 Maria Cleide Rodrigues Bernardino [email protected] Universidade Federal do Ceará Joselina da Silva [email protected] Universidade Federal do Ceará Nicacia Lina do Carmo [email protected] Universidade Federal do Ceará RESUMO O conceito de biblioteca sempre esteve muito associado à preservação, sendo vista como guardião do conhecimento, no entanto, no contexto social vigente, novos paradigmas tem se estabelecido modificando essa visão de guardiã para disseminadora da informação, isso se aplica a qualquer tipo de biblioteca inclusive a biblioteca pública, que embora tenha um papel importante para a memória sócio cultural deve ser atuante em meio à comunidade no intuito de informar e difundir a cultura a educação e o lazer. Sendo assim, o objetivo do presente trabalho é discutir acerca das funções da biblioteca pública bem como propor uma reflexão sobre os fatores que influenciam o cumprimento destas funções. Trabalhos técnico-científicos PALAVRAS-CHAVE: Biblioteca Pública. Biblioteca Pública – Funções. Biblioteca Pública – Sociedade. Lei 10.639 – Biblioteca Pública. 1 Introdução A origem do conceito de biblioteca pública (ARAÚJO, 2002, p. 15) deu-se a partir da confluência do humanismo renascentista com a invenção da imprensa e a reforma protestante. Enquanto a invenção da imprensa permitiu em larga escala a reprodução da cultura escrita e popularizou a leitura, até então restrita a poucos, a ideologia da reforma pleiteava uma

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Sistemas de Informação, Multiculturalidade e Inclusão Social Maceió, Alagoas, 07 a 10 de Agosto de 2011

Temática 3: Políticas de Informação, Multiculturalidade e Identidade Cultural

As Bibliotecas Públicas e os Suportes para a Lei 10.639/03

Maria Cleide Rodrigues Bernardino [email protected]

Universidade Federal do Ceará Joselina da Silva

[email protected] Universidade Federal do Ceará

Nicacia Lina do Carmo [email protected]

Universidade Federal do Ceará

RESUMO O conceito de biblioteca sempre esteve muito associado à preservação,

sendo vista como guardião do conhecimento, no entanto, no contexto social vigente, novos paradigmas tem se estabelecido modificando essa visão de guardiã para disseminadora da informação, isso se aplica a qualquer tipo de biblioteca inclusive a biblioteca pública, que embora tenha um papel importante para a memória sócio cultural deve ser atuante em meio à comunidade no intuito de informar e difundir a cultura a educação e o lazer. Sendo assim, o objetivo do presente trabalho é discutir acerca das funções da biblioteca pública bem como propor uma reflexão sobre os fatores que influenciam o cumprimento destas funções.

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PALAVRAS-CHAVE: Biblioteca Pública. Biblioteca Pública – Funções. Biblioteca Pública – Sociedade. Lei 10.639 – Biblioteca Pública.

1 Introdução

A origem do conceito de biblioteca pública (ARAÚJO, 2002, p. 15) deu-se a partir da

confluência do humanismo renascentista com a invenção da imprensa e a reforma protestante.

Enquanto a invenção da imprensa permitiu em larga escala a reprodução da cultura escrita e

popularizou a leitura, até então restrita a poucos, a ideologia da reforma pleiteava uma

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educação mais democrática, socializadora e comum a todos. Por sua vez, todos esses fatores

vieram contribuir para o aumento do numero de alfabetizados.

A história dos livros e das bibliotecas registra uma interligação entre o acesso à informação e

o poder aquisitivo, de forma muito intensa (SUAIDEN, 2000, p. 52). O acesso à escrita

sempre foi marcado por esforços isolados, sem, no entanto, se tornar uma prioridade A leitura

e a escrita eram sinônimos de poder e de status e a biblioteca e o livro era o símbolo. Em

virtude do acesso restrito e segmentado, a biblioteca tinha um perfil diferente do que possui

hoje. Desse modo, pensar no usuário ou mesmo na informação não era um ponto fulcral. O

que prevalecia era a preservação da memória. Essa característica de registro da memória

prevaleceu por muitos anos e mais tarde somada ao caráter escolarizante da biblioteca

pública, devido a falta de bibliotecas escolares, conforme explicita Milanesi (2002, p. 47),

“[...] as bibliotecas fizeram pois, no século XX, um trajeto rumo aos currículos escolares, e,

por isso, entre outros motivos, deixaram de lado a população”.

Entretanto, sua missão, objetivos e serviços, tem sido motivo de constantes discussões entre

especialistas e congressos, tanto em âmbito nacional como internacional (SUAIDEN, 1995, p.

19). Isto nos faz refletir sobre a gestão da informação voltada para a comunidade. O papel

social da biblioteca, sobretudo, da biblioteca pública, que por sua característica, deve atender

a toda a comunidade de usuários, a mais diversificada possível, - que vai desde a dona de

casa, do adolescente, ao especialista -, exige de sua gerencia uma ação efetiva acerca das

necessidades informacionais da população.

A lei 10639/03, que prevê a obrigatoriedade da inclusão de História e Cultura Afro-brasileira

nos currículos escolares, nos leva a refletir sobre a principal fonte de pesquisa da comunidade:

a biblioteca pública, e sobre a gestão da informação e serviços voltados para esta temática.

Nossa proposta é uma reflexão a respeito do acervo das bibliotecas públicas no Ceará,

especificamente no centro sul, chamado de Cariri, observando se estão dotadas de

documentos e materiais nos mais variados suportes e se esses materiais, no caso de existirem,

se contam com alguma ferramenta para gerir essas informações.

A pesquisa foi realizada no período de março a junho de 2010, em 10 bibliotecas públicas e

comunitárias localizadas no cariri cearense, como parte integrante da disciplina de Bibliotecas

Públicas e Comunitárias, da matriz curricular do Curso de Biblioteconomia, da UFC Campus

Cariri. O objetivo desta investigação é descobrir se o acervo das bibliotecas públicas do cariri

cearense está devidamente condizente ao que prevê a lei 10.639, baseado na hipótese

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preliminar da falta de estruturação documental favorável para o auxílio à pesquisa e também

para instrumentação e aparato educacional para os professores da rede pública municipal,

sobre a referida lei.

Acreditamos que, mesmo estando previsto na lei, as nossas bibliotecas públicas ainda são

carentes em seu acervo, de material, seja bibliográfico ou não, em qualquer suporte físico, que

permita o cumprimento da lei pelas escolas da rede pública de ensino.

Por fim, discutimos sobre o papel da biblioteca pública em acordo com as necessidades

informacionais e a realidade da população, a qual esta serve, levando em consideração

principalmente as exigências da lei 10.639/03, a fim de minimizar a carência informacional da

comunidade usuária.

2 As Bibliotecas Públicas e os Suportes para a Lei 10.639/03

A biblioteca pública surgiu na segunda metade século XIX, nos EUA e Inglaterra (ALMEIDA

JÚNIOR, 2003, p. 66), no ano de 1850 e suas características dentre outras eram; totalmente

mantida pelo Estado, com a pretensão de atender a toda a comunidade e funções específicas.

No Brasil, a primeira biblioteca pública fundada foi a da Bahia, em 1811, até então, todas as

bibliotecas fundadas não eram totalmente públicas, ou não tinham características. A

Biblioteca Real já existia em Lisboa e o que ocorreu foi a sua transferência. O mais

interessante desse acontecimento é que a criação da Biblioteca Pública da Bahia foi criada por

iniciativa da comunidade, ou seja, ela nasceu da própria comunidade e de suas necessidades

(SUAIDEN, 1980, p. 5).

Araujo Junior (2005, p. 66) diz que há certa controvérsia a esse respeito entre os estudiosos,

alguns afirmam que: “o que motivou o surgimento da biblioteca pública foi a necessidade, a

partir das exigências da revolução industrial, de mão-de-obra mais qualificada”, afirmando

inclusive que, essa foi uma atitude meramente filantrópica. Sobre isto Wada (1985, p.16) diz

que:

Os homens da classe dominante viam nas bibliotecas uma forma de atenuar os problemas sociais. Assim, foram impostos ao povo, sem terem sido resultantes de uma demanda popular. O desenvolvimento industrial demandava de uma mão-de-obra especializada e a Biblioteca Pública surgiu como meio de aperfeiçoamento dos trabalhadores que já estavam fora do ensino formal.

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Outros estudiosos enxergam esse momento de surgimento da biblioteca pública no País como

uma reivindicação da população por acesso à educação gratuita, isto incentivado pela

revolução francesa e como uma busca de ascensão social, a população exige que o Estado

ofereça a seus filhos acesso a educação através de suporte pedagógico às ações educacionais.

Já Nogueira (1986 apud ALMEIDA JÚNIOR, 2003, p. 67) defende que:

[..] tanto a revolução industrial, gerando a necessidade de mão-de-obra qualificada, como a revolução francesa, que fundamenta pressões por maior democratização da educação, devem ser consideradas não de forma isolada, mas participando de maneira concomitante no surgimento das bibliotecas públicas.

O caráter educativo da biblioteca pública é evidenciado pela UNESCO, que credita à

biblioteca pública a função de favorecer e fortalecer a educação e a cultura, estimulando a

publicação de livros e a implantação de sistemas de bibliotecas públicas. De acordo com a

UNESCO “[...] a biblioteca pública representa uma força em prol da educação, da cultura e da

informação, sendo um instrumento indispensável para promover a paz e a compreensão entre

os povos e nações” (SUAIDEN, 1980, p. 40).

Com o objetivo principal de atender a todos em uma determinada comunidade, o que significa

que deve estar a serviço de todos os cidadãos, oferecendo-lhe como propõe a UNESCO,

informação, cultura e lazer. Entretanto, um questionamento é veemente: como as bibliotecas

públicas brasileiras cumprem essa diretriz? Ou mesmo, como estão aparatadas de forma a

cumprir seu papel perante a sociedade? As bibliotecas públicas são consideradas instrumento

de apoio pedagógico à educação escolar e hoje pela inexistência de bibliotecas escolares ou

mesmo pela ausência de atuação dessas, as bibliotecas públicas assumiram mais fortemente

essa função, sendo na maioria das vezes a única forma de pesquisa dos usuários.

Com o passar dos anos a biblioteca incorporou a função de biblioteca escolar às suas

atividades e a preocupação com a preservação da memória cedeu espaço ao acesso e gestão da

informação. Miranda et al (2008, p. 18) diz que:

A palavra biblioteca deixou de ser uma denominação aplicada à instituição encarregada, desde a Antiguidade, de preservar os acervos; há tempos deixou de designar um prédio com vocação específica, para ser um substantivo comum próprio para todo e qualquer conjunto de acervos tangíveis ou virtuais.

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Essa conceituação tradicional estava ligada a segmentação de público e classificação de

acervo. Hoje com novos modelos pautados na era tecnológica, o suporte se diversificou e o

público sofreu algumas alterações, entretanto, a política da biblioteca, seu caráter público e o

direcionamento de seus serviços permanecem. Isto nos coloca à frente de novos desafios,

como por exemplo, ser o local de disseminação de informações que possam subsidiar alunos e

professores quanto ao que rege a Lei 10.639.

Essa preocupação teve início na III Conferência Mundial Contra o Racismo, Discriminação

Racial, Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância realizada de 31 de agosto a 08 de

setembro de 2001, em Dobam, na África do Sul e como uma ratificação do relatório final da

conferência, o Brasil assumiu o compromisso de atuar propositivamente contra o racismo e a

discriminação racial e construir políticas com esse objetivo. A escola pela sua função de

formação da cidadania e entendendo o grande déficit quanto ao acesso às informações sobre

história e cultura afro-brasileira, necessita que a biblioteca dê suporte neste sentido e pela

própria problemática das bibliotecas escolares, como ausência de bibliotecários, esta

responsabilidade recai sobre a biblioteca pública.

Esse déficit informacional deu lugar na área da educação a sanção pelo governo Lula da Lei

10.639, em 09 de janeiro de 2003, que por sua vez alterou a Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional, - Lei nº 9394, de 20 de dezembro de 1996 - tornando obrigatório o ensino

de História e Cultura Africana e Afro-brasileira nas escolas de ensino fundamental e médio de

todo o país.

Segundo o texto legal, “o conteúdo programático incluirá o estudo da História da África e dos

Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da

sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e

política pertinentes à História do Brasil”. (BRASIL, 2003, art. 26-A).

Por seu turno, a Resolução CNE/CP Nº 1/ 2004 publicada no Diário Oficial da União (DOU)

de 22/06/2004, instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações

Etnico-Rraciais e para o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Em seus

parágrafos 1º e 2º do artigo 2º, a resolução trata de suas finalidades e sintetiza o espírito da

Lei 10.639/2003 e uma concepção de formação do cidadão pela escola, como expressamos a

seguir:

§ 1º A educação das Relações Étnico-Raciais tem por objetivo a divulgação e produção de conhecimentos, bem como de atitudes, posturas e valores que eduquem cidadãos quanto à pluralidade étnico-racial, tornando-os capazes de

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interagir e de negociar objetivos comuns que garantam, a todos, respeito aos direitos legais e valorização de identidade, na busca da consolidação da democracia brasileira. § 2º O Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana tem por objetivo o reconhecimento e valorização da identidade, história e cultura dos afro-brasileiros, bem como a garantia de reconhecimento e igualdade de valorização das raízes africanas da nação brasileira, ao lado das indígenas, européias, asiáticas.

Nesta seqüência de instrumentos e documentos legais que tratam do tema, em abril de 2007,

foi lançado o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE). O conceito de qualidade em

educação declarado no PDE está sintonizado com o previsto nas Diretrizes Curriculares para a

Implementação da Lei 10.639, de 2003. Desta forma, no que diz respeito à educação, o Brasil

além de cumprir os compromissos internacionais assumidos com o objetivo de combater o

racismo e a discriminação racial, por meio da Lei 10.639/2003 e da Resolução CNE/CP

1/2004, dá um importante passo na direção de uma mudança qualitativa no seu sistema de

ensino. No entanto, entre a orientação normativa e a efetividade das mudanças sugeridas

observa-se a existência de uma distância a ser trilhada que impõe a identificação de quais são

os atores sociais que, conjuntamente com os entes federativos, podem assumir a tarefa de

implementar as alterações previstas na Lei.

Assim, os desafios determinados pela globalização dos mercados, a evolução das tecnologias

da informação e comunicação, aliados aos novos padrões exigidos pelas organizações

modernas no tocante ao compartilhamento do conhecimento, impõem a necessidade do

desenvolvimento de novas habilidades. O que significa que, muitos aspectos precisam ser

aprofundados no que se referem à importância a ser dada pelos bibliotecários à capacitação

profissional e ao contínuo aprimoramento de suas habilidades numa perspectiva de adaptação

às modificações da sociedade moderna e às exigências colocadas pelos novos conhecimentos.

De uma maneira mais sistemática, precisamos voltar os olhos para as bibliotecas públicas pela

amplitude de seu atendimento e por suas funções e ainda em atendimento ao Manifesto da

UNESCO, sobre os subsídios necessários para auxiliar o que diz a lei.

Esperamos, portanto, uma estruturação de nossas bibliotecas públicas, tanto no que diz

respeito ao seu acervo, como também seus serviços e gerenciamento da informação, de modo

a atender as diretrizes previstas na lei e contribuir efetivamente para a educação no país. Nas

salas de aulas do Brasil, é muito comum o professor se basear no livro didático para

desenvolver os conteúdos com seus alunos. O que nos leva imediatamente a ressaltar a

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importância da biblioteca pública, que supre na maioria das vezes a lacuna deixada pela

biblioteca escolar.

Pelo contexto da biblioteca pública, seu conceito e funções e até mesmo pelo adjetivo que

carrega o seu nome, que indica uma socialização e abrangência, o foco de atendimento é

amplo, uma vez que se propõe a atender a todos os indivíduos de uma comunidade, como

afirmam Rasche e Varvakis (2006, p. 127):

No cotidiano da biblioteca pública, convive-se como diferente. Isso tem implicações na tomada de decisões relativas ao modo de organizar, de tratar acervos, de propor serviços, o que faz com que o gerenciamento de tais bibliotecas torne-se uma tarefa complexa.

Isto por sua vez, levando em conta todos os referenciais que permeiam o conceito de

biblioteca pública, a compreensão de seu papel social e missão enquanto disseminadora da

informação implica na ampliação de seus serviços de acordo com demandas sociais, como por

exemplo, o atendimento a Lei 10.639. O desafio das bibliotecas é adequar-se a este novo

serviço, gerir essas informações de modo a atender satisfatoriamente esta população usuária e

sobretudo, suprir a lacuna da biblioteca escolar.

3 Os Suportes para Lei no Eixo Crajubar: Metodologia

Nossa investigação pautada no Manifesto da UNESCO e funções da biblioteca pública:

educativa, cultural e recreativa, pontua as bibliotecas públicas municipais do Estado do Ceará,

mais especificamente, do cariri cearense, aqui representado pelos municípios de Juazeiro do

Norte, Ipaumirim, Barbalha, Farias Brito, Crato e Caririaçu, Brejo Santo, prevê a observação

do acervo e questionário respondido pelos responsáveis ou bibliotecários destas instituições, a

respeito do conhecimento da referida lei.

O progresso da ciência se faz pela quebra de paradigmas e pela discussão das teorias e

métodos (KUNH, 2009), a primeira regra a ser quebrada é a própria atuação das bibliotecas

públicas no que diz respeito á lei 10.639, uma vez que a mesma prevê que a escola deve ser a

responsável pela introdução das informações sobre a cultura e história afro-brasileira.

Entretanto, pela falta de bibliotecas escolares ou mesmo pela pouca atuação destas, a

biblioteca pública assume esta missão e se reconstrói pela quebra de seus próprios

paradigmas.

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Delineamos nossa investigação como pesquisa social de abordagem qualitativa, com a ajuda

de questionários e observação a fim de traçar uma paisagem a respeito do acervo das

bibliotecas públicas do cariri cearense a respeito da lei 10.639.

Minayo (2008, p. 14) diz que “o objeto das Ciências Sociais é essencialmente qualitativo”.

Entendemos ainda que, a pesquisa qualitativa “[...] trabalha com o universo dos significados,

dos motivos, das aspirações, das crenças, dos valores e das atitudes. Esse conjunto de

fenômenos humanos é entendido aqui como parte da realidade social [...]”. (MINAYO, 2008,

p. 21). Este delineamento prevê um ciclo de três etapas: a fase exploratória; o trabalho de

campo; e a análise do material.

A primeira etapa do processo foi contemplada através dos estudos de textos teóricos a respeito

de bibliotecas públicas, suas funções e conceitos; e sobre a lei 10.639, a fim de delimitar e

definir o objeto de pesquisa, desenvolvendo-o teórica e metodologicamente. Na segunda fase

combinamos os instrumentos de pesquisa questionário e observação nas visitas às bibliotecas

públicas palco da investigação. Esta etapa ocorreu concomitantemente com as atividades

desenvolvidas na disciplina Bibliotecas Públicas e Comunitárias, ministrada no primeiro

semestre de 2010.

A terceira e última etapa, a fase da interpretação, análise e tratamento do material,

articulando-os com a teoria, com o objetivo de conduzir a uma espécie “busca lógica, peculiar

e interna”, (MINAYO, 2008, p. 27) que nos permite afirmar que “a análise qualitativa não é

uma mera classificação de opinião dos informantes, é muito mais. É a descoberta de seus

códigos sociais a partir das falas, símbolos e observações” (MINAYO, 2008, p. 27).

Bauer e Gaskell (2008, p. 39) diz que toda pesquisa social “seleciona evidencia par

argumentar e necessita justificar a seleção que é a base de investigação, descrição,

demonstração, prova ou refutação de uma afirmação específica”. Para esta investigação

pretendemos responder ao questionamento se o acervo das bibliotecas públicas do cariri

cearense está devidamente condizente ao que prevê a lei 10.639.

4 Considerações Finais

De acordo com Cesarino (2007, p. 11) as “bibliotecas são instituições muito antigas que

sobrevivem há anos, adaptando-se às diversas mudanças políticas, sociais e tecnológicas. Essa

sobrevivência, por si só, já é suficiente para provar que cabe à biblioteca uma função muito

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importante na sociedade”, que é a função de servir a comunidade, oferecendo-lhes

informação, cultura e lazer.

Ao longo da história as bibliotecas públicas, (MUELLER, 1984) de uma forma ou de outra,

tiveram como funções básicas, a coleta, a conservação, a organização e a difusão de

informações, e têm buscado, através da difusão do conhecimento, a produção de um bem

social. A função social da biblioteca pública necessita de um maior empenho e de constantes

avaliações, como evidencia Almeida Júnior (2003).

Pautadas pelo Manifesto da UNESCO, que prevê que a biblioteca pública é:

[...] local de informação, tornando prontamente acessíveis aos seus utilizadores o conhecimento e a informação de todos os gêneros [...] Todos os grupos etários devem encontrar documentos adequados às suas necessidades. As coleções e serviços devem incluir todos os tipos de suporte e tecnologias modernas apropriados, assim como materiais tradicionais. (IFLA/UNESCO, 1994)

As bibliotecas públicas precisam para cumprir o que prevê o Manifesto, oferecer serviços com

base na igualdade de acesso para todos, sem distinção, disponibilizar serviços e materiais

específicos, dispor ainda de documentos adequados às necessidades de todos. Precisa,

sobretudo, compreender seu valor e missão perante a sociedade, funcionando como um

espaço sociocultural que dispõe de produtos e serviços informacionais para a comunidade em

geral e possui em seu acervo uma ampla gama de assuntos em múltiplos suportes.

Ao assumir seu papel perante sua comunidade, a biblioteca pública reconhecerá sua função

social e incorporará além do seu objetivo primordial que é preservar e difundir o

conhecimento, fazendo isto, principalmente no que se refere à cultura local, mas, incorporará

também a própria comunidade do seu entorno às suas funções e atribuições, sendo

reconhecida e legitimada pela sociedade, uma vez que a biblioteca pública (SUAIDEN, 1995,

p.20), dentre todos os tipos de bibliotecas é a única que possui realmente características de

uma instituição social, tanto pela amplitude de seu campo de ação quanto pela diversificação

de seus usuários.

O importante é compreendermos que enquanto usuários também somos responsáveis pelo

funcionamento e qualidade dos serviços oferecidos pela biblioteca pública, pois ao mesmo

tempo em que podemos fiscalizar suas ações, podemos também, nos inserir neste processo,

sugerindo, contribuindo para a melhoria e qualidade de suas funções.

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Essas novas exigências da biblioteca pública pressupõem um profissional com competências e

habilidades compatíveis, conhecimento geral e participação política. Compor o acervo da

biblioteca pública de material adequado para cumprir o que rege a lei 10.639 é

responsabilidade do Estado, entretanto, gerir esse material é papel do bibliotecário gestor e da

condução dos serviços oferecidos. Assim, como afirmam Rache e Varvakis (2006, p.137):

Percebe-se que os serviços é que vão conferir à biblioteca sua dinâmica, sua capacidade de transpor a métrica e estabilidade de seus acervos, permitindo a concretização da sua função social. Essa função social pede uma relação constante entre o que se pode chamar de corpus da biblioteca, suportes documentais, pessoal, informação, conhecimento, cultura e público utilizador.

Nossa investigação aplicou um questionário que visava responder a uma pergunta impar: se a

biblioteca pública em questão possui obras em observância a lei 10.639. Para este

questionamento obtivemos seis respostas negativas e quatro afirmativas, em termos

percentuais 60% de respostas negativas e 40 de respostas positivas.

Quanto as respostas afirmativas, a pergunta pedia um complemento, que o entrevistado citasse

algumas obras ou que o pesquisador observasse junto ao acervo se essas obras estavam

visíveis a primeira vista. Os entrevistados citaram obras de literatura de um modo geral,

mitologia dos orixás e outros títulos diversos. A observação do acervo identificou ainda,

livros de história sobre a escravidão. Literatura como a obra “O Crioulo”, de Adolfo Caminha,

presente em todas as bibliotecas observadas. Entretanto, não visualizamos nenhuma obra que

possa servir de subsídio para o professor preparar suas aulas sobre cultura e história afro-

brasileira como obriga a Lei. O acervo se restringe a temática da escravidão, resumindo toda a

cultura afro-brasileira ao período colonial.

É importante destacar que nesta fase da pesquisa nosso olhar se voltou para o acervo a fim de

complementar as respostas do entrevistado, o que se caracteriza pela observação participante.

Na prática nossas Bibliotecas Públicas são verdadeiras Bibliotecas Escolares. Isto se deve ao

fato de quase não existirem bibliotecas escolares ou mesmo pela contingência de sua atuação,

o que acaba por inferir às bibliotecas públicas municipais, obrigações e deveres desta. Por

exigência dessa demanda, nossas bibliotecas necessitam de um olhar mais efetivo quanto a

dotação de seus acervos e principalmente quanto a contratação de bibliotecário, de modo que

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permita uma inserção forte na sociedade e ao mesmo tempo efetive o cumprimento do que

rege a lei.

Por fim, consideramos que infelizmente as bibliotecas públicas ainda não estão aptas para

suprir a lacuna deixada pela biblioteca escolar no que diz respeito ao cumprimento do que

determina a Lei 10.639/2003 e recomendamos que seja traçada uma política de

desenvolvimento de coleções que permita à biblioteca pública assegurar aparato bibliográfico

ou não sobre cultura e história afro-brasileira para a comunidade escolar.

ABSTRACT: The concept of library has always been very involved in preservation, being seen as the guardian of knowledge, however, in the current social context, new paradigms have been established by modifying this view as guardian for disseminator of information, this applies to any library including the public library, although it has an important role in the socio-cultural memory must be active within the community in order to inform and spread the culture to education and leisure. Therefore, the aim of this paper is to discuss about the functions of the public library as well as proposing a reflection on the factors influencing the performance of these functions. KEYWORDS: Public Library. Public Library - Functions. Public Library – Society. Law 10.639/03 – Public Library.

Referências

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