betina barbedo andrade marcas no corpo, marcas …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “o...

143
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE DEPARTAMENTO DE ENFERMAGEM PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS NA ALMA: AS RELAÇÕES FAMILIARES DE MULHERES HIV POSITIVAS, INFECTADAS POR SEUS MARIDOS MARINGÁ 2007

Upload: duongkhanh

Post on 06-Dec-2018

223 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ

CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

DEPARTAMENTO DE ENFERMAGEM

PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM

BETINA BARBEDO ANDRADE

MARCAS NO CORPO, MARCAS NA ALMA: AS RELAÇÕES FAMILI ARES DE

MULHERES HIV POSITIVAS, INFECTADAS POR SEUS MARIDOS

MARINGÁ

2007

Page 2: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

Livros Grátis

http://www.livrosgratis.com.br

Milhares de livros grátis para download.

Page 3: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

BETINA BARBEDO ANDRADE

MARCAS NO CORPO, MARCAS NA ALMA: AS RELAÇÕES FAMILI ARES DE

MULHERES HIV POSITIVAS, INFECTADAS POR SEUS MARIDOS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Área de Concentração: enfermagem e o processo do cuidado do Departamento de Enfermagem do Centro de Ciência da Saúde da Universidade Estadual de Maringá - PR, como parte dos requisitos para a obtenção do título de mestre em Enfermagem.

Orientadora: Profª Drª Maria Angélica Pagliarini Waidman

MARINGÁ

2007

Page 4: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

BETINA BARBEDO ANDRADE

MARCAS NO CORPO, MARCAS NA ALMA: AS RELAÇÕES FAMILI ARES DE

MULHERES HIV POSITIVAS, INFECTADAS POR SEUS MARIDOS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Área de Concentração: enfermagem e o processo do cuidado do Departamento de Enfermagem do Centro de Ciência da Saúde da Universidade Estadual de Maringá - PR, como parte dos requisitos para a obtenção do título de mestre em Enfermagem.

Aprovada em:

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________________________________

Profª Drª Maria Angélica Pagliarini Waidman

Universidade Estadual de Maringá – UEM

___________________________________________________________________

Profª Drª

Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC

___________________________________________________________________

Profª Drª

Universidade Estadual de Maringá – UEM

Page 5: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

Dedico este trabalho

A todas as Marias guerreiras e incansavelmente

apaixonadas pela vida. A todos aqueles que

acreditaram que seria possível e que estiveram ao

meu lado nessa jornada. à minha mãe, a pessoa

que mais acreditou e investiu em mim em toda a

minha vida. aos meus filhos, razão do meu existir,

dedico este trabalho, também como eles, gerado

de minhas entranhas e que recebeu minha total

dedicação.

Page 6: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

AGRADECIMENTOS

“O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada, Senhor, pela

inspiração, pelo cajado, por sua presença em minha vida.

Com alegria, deixo aqui consignados os mais sinceros sentimentos de

gratidão também a tantas outras pessoas que me ajudaram nesta jornada,

principalmente:

- ao meu pai, Carlos Augusto Cabral Barbedo( in memoriam),que me inspirou

à leitura e aos estudos, com seu exemplo e invejável inteligência;

- às minhas irmãs, Cassinha e Silvana, sempre presentes em todos os

momentos de minha vida, verdadeiros anjos da guarda por Deus enviados;

- à minha mãe, Tereza, exemplo de dignidade e de mãe;.

- ao meu marido, Hélio, companheiro de todas as horas, amor verdadeiro de

toda uma vida bem vivida;

- à Isadora, Matheus e Raíssa, meus filhos, meus amores, meu orgulho, pelas

horas abstraídas de sua companhia;

- às minhas avós, Paula e Dione (in memoriam), mulheres fortes que me

legaram força e determinação;

- às minhas amigas e companheiras Harue, Marta, Cecília, Beth Belini, Maísa,

Bernadete, Hilmara, Eliane, que torceram por mim, me incetivaram e ajudaram nos

momentos difíceis;

- “amigo é coisa prá se guardar ...” bons encontros, amizades que valem a

pena – minhas queridas amigas de jornada Beth, Dagmar e Keli, sem vocês seria

muito mais difícil...

- ah! E agora sim... o Senhor sempre coloca seus anjos em minha vida, e

você, minha querida orientadora Maria Angélica, é um deles. Agradeço-te por essa

doçura, pelo ser humano de qualidade que você é, pela sua acolhida, pela confiança

em mim depositada, pela sua extremada competência e inteligência aguçada. Admir-

te muito!!!! Acredito que ganhei uma grande amiga;

- ás minhas queridas deusas gregas e romanas pela maravilhosa experiência

que me proporcionaram, por abrirem suas vidas e confiarem em mim. Valeu!!!

- às minhas companheiras de trabalho, Ana Paula, Patrícia, Neusa, Cristiane,

Regina, Vanda e Selma, pela paciência, carinho e compreensão que me dedicam...

Page 7: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

- aos meus alunos, que me inspiram e me fazem acreditar que sempre é

possível fazer melhor...aos que são, aos que foram, aos que serão;

- aos professores e funcionários do Departamento de Enfermagem da UEM;

- à Coordenadora do Mestrado de Enfermagem, Sonia, pelas lágrimas

derramadas, pelo apoio recebido quando precisei, por você ser assim, essa mulher

forte que faz as coisas acontecerem;

- ao professor Raul e à Marlene pela grande ajuda prestada;

Enfim, foram tantas pessoas importantes, que receio ter esquecido de

mencionar alguém. De qualquer forma a todos os meus sinceros agradecimentos...

Até a próxima!!!!

Page 8: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

Há um tempo em que é preciso abandonar as

roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo,

e esquecer os nossos caminhos, que nos levam

sempre aos mesmos lugares. É o tempo da

travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos

ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.

(Fernando Pessoa)

Maria Maria

Maria, Maria é um dom, uma certa magia

Uma força que nos alerta

Uma mulher que merece viver e amar

Como outra qualquer do planeta

Maria, Maria é o som, é a cor, é o suor

É a dose mais forte e lenta

De uma gente que ri quando deve chorar

E não vive, apenas agüenta

Mas é preciso ter força, é preciso ter raça

É preciso ter gana sempre

Quem traz no corpo a marca

Maria, Maria mistura a dor e a alegria

Mas é preciso ter manha, é preciso ter graça

É preciso ter sonho sempre

Quem traz a fé nessa marca

Possui a estranha mania de ter fé na vida

Mas é preciso ter força...

Mas é preciso ter manha...

(Milton Nascimento - Fernando Brant)

Page 9: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

RESUMO

ANDRADE, B. B. Marcas no corpo, marcas na alma : as relações familiares de mulheres HIV positivas, infectadas por seus maridos. 2007. 140 f. Dissertação (Mestrado)–Departamento de Enfermagem, Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2007.

A consolidação da Aids como uma doença crônica colocou em evidência muitas

questões na pauta das discussões sobre a vivência dos portadores, questões de cunho

biológico e psicossociais, que ganham destaque à medida que se observa quanto

afetam a qualidade de vida dos portadores. Dentre os aspectos psicossociais, o

relacionamento do paciente com sua família assume especial importância, tendo-se em

vista a dificuldade pela qual passam ambos ao deparar-se com tal diagnóstico. Desta

forma, este estudo tem por objetivos: compreender o significado de a mulher ser

soropositiva para o HIV e viver em família; apreender comportamentos, sentimentos e

atitudes de mulheres soropositivas para o HIV infectadas por seus companheiros no

cotidiano familiar; e investigar alterações nas relações familiares das mulheres.

Realizou-se uma pesquisa de caráter descritivo- qualitativa, que foi desenvolvida junto a

oito mulheres soropositivas para o HIV/Aids que mantinham relacionamento

monogâmico e estável e foram infectadas por seus parceiros. Os dados foram

coletados nos domicílios das mulheres, utilizando-se como estratégia de coleta de

dados a entrevista aberta. O tratamento dos dados seguiu os pressupostos da técnica

da análise de conteúdo proposta por Minayo (1994). Os resultados estão apresentados

em forma de categorias temáticas, que revelaram: a complexidade das emoções do

existir com Aids; a importância da rede social de apoio para a vivência da mulher com

HIV/Aids, e, por último, o cuidado permeando o cotidiano dessas mulheres. A

compreensão do significado de ser HIV/Aids-positiva e de como isto interfere nos

relacionamentos em família traz aos profissionais enfermeiros a possibilidade de

encontrar estratégias para auxiliar as famílias em seus processos de enfrentamento,

aceitação e naturalização do HIV/Aids, de forma a minimizar a devastação que a

soropositividade pode causar nessas famílias. No plano das políticas públicas de saúde,

este estudo contribui para a reflexão sobre a necessidade de direcionar o atendimento

psicossocial ao portador e sua família, bem como para com a estratégia Saúde da

Família, à medida que reflete o cuidado subjetivo e propõe o investimento no cuidado

Page 10: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

familial de portadores como forma de manter o equilíbrio e a funcionalidade desta rede

de apoio (família), indispensável às portadoras. Por fim, serve ainda à academia, ao

proporcionar essa reflexão à educação acadêmica e profissional no Brasil, de forma a

oferecer ao mercado de trabalho profissionais melhor preparados para atuar frente à

realidade perversa das pessoas que vivem com HIV/Aids.

Palavras-chave: Família. Soropositividade para HIV. Mulheres. União estável.

Cuidado de enfermagem.

Page 11: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

ABSTRACT

ANDRADE, B. B. Scars in the body, scars in the soul : the family relantionship of HIV positive women, infecred by their husbands. 2007. 140 f. Essay (Master Degree)–Nursing Department, Maringa State University, Maringa, 2007.

The consolidation of AIDS as a chronic disease puts in evidence a lot of biological and

psychosocial questions related to the life of the carriers, which are highlighted according

to the observation of how much they affect their lives. Among the psychosocial aspects,

the relationship of the patient with its family has a special importance, understanding the

difficulty that each of them face after the diagnosis. The purpose of this research is: to

understand the meaning of being HIV positive and living among family; to learn

behaviors, feelings and posture of women HIV positive infected by their partners inside

daily life of the family and; to investigate changes in the family relationships of these

women. It was carried out a descriptive research with qualitative analysis, developed

with eight women HIV positive who had a stable and monogamic relationship and who

were infected by their companions. Open interview was used as a strategy to collect

data inside the women’s houses. Data treatment followed the purpose of content

analysis technique, suggested by Minayo (1994). The results were presented in thematic

categories which showed: the complexity of emotions of living with AIDS; the importance

of social nets of support for the life of the HIV woman and, at last, the care of the daily

life for those women. The understanding of the meaning of being HIV positive and how

this interfere in the family relationship, bring to the nursing professionals the possibility to

find strategies helping the family in the process of confrontation, acceptance and

naturalizing the HIV, in a way of reducing the devastation that HIV seropositivity can

bring to those families. In public health politics, this research can contribute to the

reflection of the need to indicate the psychosocial attendance to the carrier and its

family, as well as a strategy of the Family Health Program, the way that reflects the

subjective care and propose the investment in the care of the carrier’s family as a way of

keeping the balance and structure of this supports net (family), essential to the carriers.

At last, for academic studies, it gives the reflection of the academic and professional

education in Brazil, offering to the labor market, better prepared professionals to work

facing the brutal reality of the people who live with HIV/AIDS.

Keywords: Family. HIV Seropositivity. Women. Stable Union. Nursing Care.

Page 12: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

10

RESUMEN

ANDRADE, B.B. Huellas en el cuerpo, huellas en el alma : las relaciones familiares de mujeres con el Sida, infectadas por sus maridos. 2007. 140 f. Disertación (Maestría)–Departamento de Enfermagem, Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2007.

La consolidación del Sida como una enfermedad crónica, puso en evidencia muchas

cuestiones en la pauta de discusiones entorno a la vivencia de los portadores,

cuestiones esas de carácter biológico y psicosocial, que ganan destaque de acuerdo

con lo que se observa en cuanto afectan la calidad de vida de los portadores. Dentre

los aspectos psicosociales, la relación del paciente con su familia asume especial

importancia, teniendo en vista la dificultad por la cual pasan ambos al depararse con

tal diagnóstico. De esta forma, este estudio tiene por objetivos: comprender el

significado de ser seropositiva al HIV y vivir en familia; aprender comportamientos,

sentimientos y actitudes de mujeres seropositivas al HIV, infectadas por sus

compañeros, en el cotidiano familiar y, investigar alteraciones en las relaciones

familiares de las mujeres. Se ha realizado una investigación de carácter descriptivo

de análisis cualitativa, que fue desarrollada junto a ocho mujeres seropositiva al

HIV/Sida que poseen relación monogámica y estable y que fueron infectadas por sus

compañeros. Los datos fueron recopilados en los domicilios de las mujeres

utilizando como estrategia de recopilación de datos en una encuesta abierta. El

tratamiento de los datos siguió el presupuesto de la técnica de análisis de contenido,

propuesta por Minayo (1994). Los resultados están presentados en forma de

categorías temáticas que revelaron: la complejidad de las emociones del existir con

Sida; la importancia de la red social de apoyo para la vivencia de la mujer HIV/Sida

y, por último, el cuidado perneando el cotidiano de esas mujeres. La comprensión

del significado de ser HIV/Sida positiva y de cómo esto interfere en las relaciones en

familia, trae a los profesionales enfermeros la posibilidad de encontrar estrategias

para auxiliar las familias en sus procesos de enfrentamiento, aceptación y

naturalización del HIV/Sida de forma a minimizar la devastación positiva que puede

perpetrar a esas familias. En el plan de las políticas públicas de salud, este estudio

contribuye para la reflexión de la necesidad de orientar la atención psicosocial al

portador y su familia, así como para con la estrategia “Saúde da Familia”, al paso

Page 13: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

que refleja el cuidado subjetivo y propone la inversión en el cuidado familiar de

portadores como forma de mantener el equilibrio y la funcionalidad de esta red de

apoyo(familia). Indispensable a las portadoras. Por fin, sirve aun a la academia, de

modo a proporcionar la reflexión de la educación académica y profesional en Brasil,

de forma a ofrecer al mercado laboral, profesionales mejores preparados para actuar

frente a la realidad perversa de las personas que viven con HIV/Sida.

Palabras clave: Familia. Seropositiva para el HIV. Mujeres. Unión estable. Atención

de Enfermería.

Page 14: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................. 14

1.1 O universo familiar de mulheres HIV/Aids infectadas por seus

parceiros ......................................................................................................

14

1.2 Minha trajetória: a presença da Aids em minhas ativ idades

profissionais ................................................................................................

16

2 REVISÃO DE LITERATURA ....................................................................... 19

2.1 Aids: a trajetória da epidemia ................................................................... 19

2.2 A Aids e o universo feminino .................................................................... 22

2.3 O conceito de vulnerabilidade e sua relação com a i nfecção

feminina .......................................................................................................

24

2.4 Mulher, família e HIV ................................................................................... 27

2.4.1 Relações familiares ...................................................................................... 30

3 CAMINHO METODOLÓGICO .................................................................... 34

3.1 Tipo de pesquisa ........................................................................................ 34

3.2 Sujeitos da pesquisa .................................................................................. 34

3.3 Local de estudo .......................................................................................... 35

3.4 Procedimento de coleta dos dados ......................................................... 36

3.5 Procedimento de análise dos dados ....................................................... 38

3.6 Aspectos éticos .......................................................................................... 39

4 MARCAS NO CORPO, MARCAS NA ALMA: .................. ......................... 40

4.1 Eu e a Aids: a história de vida das mulheres estuda das ...................... 40

4.1.1 Aphrodite: “tudo posso naquele que me fortalece” ...................................... 40

4.1.2 Hera: o significado da alegria ....................................................................... 41

4.1.3 Pandora: um exsudato de sofrimento e dor ................................................. 42

4.1.4 Thebe: amor e ódio: paradoxo constante .................................................... 43

4.1.5 Réia: o sofrimento não dura para sempre ................................................... 44

4.1.6 Vênus: a Aids não escolhe idade ................................................................. 45

4.1.7 Elara: amor é para toda a vida ..................................................................... 46

4.1.8 Ceres: ser jovem com Aids: a experiência que não é bem vinda ............... 47

4.2 Caracterização das participantes da pesquisa ...................................... 48

Page 15: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

4.3 Categorias temáticas enunciadas ............................................................ 52

4.3.1 Existir com Aids: a (des) construção de um castelo de emoções ............... 54

4.3.1.1 O diagnóstico de soropositividade ............................................................... 54

4.3.1.2 Negar a doença: uma forma de se auto-proteger ....................................... 63

4.3.1.3 De repente... a depressão: o sofrimento é revelado em forma de

doença ..........................................................................................................

66

4.3.1.4 Estou infectada, e agora? ............................................................................. 69

4.3.1.5 O amor e a sexualidade: o caminho para contrair HIV/Aids ....................... 71

4.3.1.6 Vivendo com Aids: o confronto com a realidade ......................................... 75

4.3.1.7 Ser mulher e viver em um mundo masculino: uma questão de gênero ..... 77

4.3.1.8 De quem é a culpa?: mesmo que seja dele, a culpa é minha .................... 79

4.3.2 Ter Aids e não estar só: o papel da rede social para o portador ................ 80

4.3.2.1 Outras fontes de apoio: a comunidade que acolhe ................................... 90

4.3.2.2 A rede de apoio influenciando negativamente a vida do portador:

estigma, discriminação e preconceito ..........................................................

93

4.3.2.3 Fé e religiosidade: o sagrado como suporte para enfrentar a doença ....... 95

4.3.2.4 Outras redes influenciando de forma negativa a vida do portador ............. 101

4.3.3 O modo de ser e estar HIV+: o cuidado se revelando no dia-a-dia do

portador .........................................................................................................

104

4.3.3.1 Cuidar de si, do outro, de todos, descuidar-se ............................................ 108

5 APROXIMANDO OS RESULTADOS À PRÁTICA DE ENFERMAGEM .. 113

5.1 Aproximando os resultados à prática de enfermagem: refletir é

preciso .........................................................................................................

113

5.1.1 E para não dizer que não falei das flores...................................................... 117

REFERÊNCIAS ............................................................................................ 122

APÊNDICE ................................................................................................... 134

ANEXOS ....................................................................................................... 137

Page 16: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

14

1 INTRODUÇÃO

É difícil precisar o número de mulheres infectadas por seus parceiros. A

preocupação com este número, cada vez mais crescente, nos levou a pesquisa.

1.1 O universo familiar de mulheres HIV/Aids infectadas por seus parceiros

Pesquisas sobre população realizadas por demógrafos e cientistas sociais dão-

nos a conhecer que as transformações ocorridas na sociedade contemporânea

relacionadas à ordem econômica, à organização do trabalho, à revolução na área da

reprodução humana, à mudança de valores, à liberalização dos hábitos e costumes e

ao fortalecimento da lógica individualista em termos societários, redundaram em

mudanças radicais na organização das famílias (GOLDANI, 1994; PEREIRA, 1995

apud ALTHOFF; ELSEN; NITSCHKE, 2004).

Essas transformações, que envolvem aspectos positivos e negativos,

desencadearam um processo de fragilização dos vínculos familiares e os tornaram mais

vulneráveis. Por exemplo, famílias menores que contam com apenas um adulto e vivem

longe de sua parentela – tão comuns no nosso tempo – estão mais vulneráveis a

eventos como a morte, doenças, desemprego e a própria gestão da vida cotidiana. Os

mais diversos autores têm apontado que na sociedade brasileira, dadas as

desigualdades características da sua estrutura social, o grau de vulnerabilidade vem

aumentando e com isso aumenta a exigência de as famílias, para sobreviverem,

desenvolverem complexas estratégias de relações entre seus membros (MIOTO, 2004).

O desenvolvimento destas estratégias de relacionamento entre os membros

familiares pode se tornar imperioso quando aparece uma doença como a Aids em um

contexto no qual a mulher é infectada por seu parceiro, dentro de uma união estável.

Pode ocorrer a fragilização do vínculo familiar, especialmente nas famílias de

composição nuclear. É nesse momento que outros segmentos familiares, até mesmo de

não-cosangüinidade, podem oferecer apoio e acolhida a este núcleo familiar fragilizado.

Estas relações não envolvem apenas os filhos, esposos e esposas, mas também

mães, pais, irmãos, parentes e amigos de maior proximidade. Nesse momento, quando

Page 17: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

15

o diagnóstico é compartilhado com os membros da família, o relacionamento do casal

fica exposto, a diversidade de sentimentos envolvidos é imensurável e única em cada

membro da família, assim como as reações, o apoio ou o repúdio, o julgamento e a dor.

Alguns estudos (DECESARO 2007; MOTTA 2004; ANDRADE, 2001) aqui ou no

final??? demonstram que a vida familiar e as relações intra e extrafamiliares se alteram

significativamente na situação de doença, o que torna necessário efetuar uma

modificação e uma readequação da rotina familiar. No caso das mulheres soropositivas

para o HIV/Aids, estas mudanças não estão relacionadas ao estresse do papel do

cuidador, como nos estudos acima referidos, mas circunscritas ao aspecto psicossocial

que a soropositividade confere aos seus portadores, já que inicialmente o que

caracteriza a infecção é a presença do vírus no organismo. Desta forma, a demanda

por cuidados físicos pode ou não estar presente, mas o estigma, a dor de saber-se

infectada, faz parte do cotidiano de cada uma dessas pessoas.

A moldura mais abrangente no que concerne à formação do casal é dada pelo

amor romântico. O par igualitário tem sua origem explicada por um encontro psicológico

singular, apoiado na crença de um sentimento amoroso, e por esta razão, almeja

extirpar outras considerações que não as motivadas pelo sentimento. O casal

compreende apoio psicológico, companherismo e certa regularidade de relações

sexuais, mas, sobretudo, precedência em relação às demais relações (HEILBORN,

1996 apud SALDANHA, 2003).

Desta forma, discutir a presença do HIV nas relações conjugais é debruçar-se

sobre as relações afetivas, é teorizar sobre construtos sociais arraigados, como as

relações de gênero e a fidelidade, base da maioria das relações amorosas.

Giacomozzi e Camargo (2004), em estudo sobre a representação social de

mulheres quanto à prevenção da Aids, demonstraram que as mulheres consideram a

prevenção da Aids uma coisa fundamental para todas as pessoas, exceto para elas

mesmas, visto que se sentem protegidas dentro do casamento, pois confiam em seus

maridos.

Diante desta assertiva fica mais fácil compreender a desconstrução do castelo

de sonhos que a maioria das mulheres infectadas por seus maridos vivencia com a

descoberta da condição de soropositividade e quanto isto pode influenciar as relações

familiares nos diversos aspectos que envolvem a convivência diária. Estar HIV+

infectada por seu parceiro é estar envolvida em uma rede de apoio que mistura cuidado

e descuidado, um pano de fundo que sustenta a vida de ser mulher e viver com Aids.

Page 18: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

16

1.2 Minha trajetória: a presença da Aids em minhas ati vidades profissionais

Minha aproximação com o tema teve início em meados de 1993, quando

trabalhava como enfermeira de uma unidade básica de saúde, na região metropolitana

de Curitiba. Esta era uma época em que a Aids ainda era incomum em mulheres e

relacionada quase exclusivamente a homossexuais masculinos. Nessa época fui

solicitada a realizar uma visita domiciliar a uma casa da região rural do município onde,

segundo relato da agente comunitária local, “havia uma mulher com uma diarréia muito

grave que a estava consumindo”. Tratava-se de uma mulher jovem, cujos filhos eram

pequenos e que não tinha quem cuidasse dela, pois o marido fora embora e a

vizinhança estava assustada. Ela sabia ser portadora de Aids e estava em

acompanhamento em Curitiba, mas não possuía a compreensão da dimensão da

doença. Acompanhei essa paciente até sua morte, que ocorreu em poucos meses, mas

a situação de fragilidade e de vulnerabilidade daquela mulher persistiu por muitos anos

me incomodando.

O tempo foi passando, participei de vários Work Shops e capacitações em

HIV/Aids do Ministério da Saúde e de ongs, que à época já alertavam para o aumento

da infecção entre heterosexuais, conforme pode ser observado por publicações da

época, como o Radis 1998 - (reunião, análise e difusão de informações em saúde) um

boletim da Fiocruz.

Continuei meu trabalho na mesma unidade de saúde, e pude acompanhar, na

década de 1990, o início da distribuição do AZT na rede pública. Naquele momento, o

Brasil passava a ser o segundo país em números absolutos de casos e já eram

observados vários casos entre heterossexuais, crescendo o alerta para o aumento da

infecção entre mulheres (AIDS, 1998).

Segundo o Boletim Epidemiológico de 2005, a incidência entre os heterosexuais

aumentou em 61,1% entre as décadas de 1980 e 1990. No ano de 2002 essa

porcentagem elevou-se a 93,5% (BRASIL, 2005). Para Figueiredo (1998), duas

explicações seriam possíveis para este fenômeno: a redução da transmissão sangüínea

e sexual homossexual, decorrente das primeiras estratégias de prevenção; e a demora

do início das campanhas de prevenção visando ao público heterossexual, inclusive o

feminino.

Page 19: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

17

No final da década de 1990, mudei-me para Umuarama e passei a trabalhar na

Secretaria Municipal de Saúde. Nesse período iniciei minhas atividades de pós-

graduação, cursando uma especialização em Saúde Pública. Na ocasião realizei um

diagnóstico de saúde do município de Umuarama, em que foi observado o aumento das

notificações de Aids entre mulheres (ANDRADE, 1999). Nessa época os serviços de

assistência ao portador do HIV/Aids não estavam estruturados e havia grande

dificuldade no tratamento desses pacientes.

Um avanço importante aconteceu com a publicação da Portaria Ministerial n.º

569, de 1º de junho de 2000, que implantou o Programa de Humanização no Pré - natal

e Nascimento, estabelecendo a obrigatoriedade dos exames de testagem do HIV na

gestação (BRASIL, 2000). A partir de então, as notificações de HIV em mulheres cresce

assustadoramente, e a minha inquietação aumenta a cada dia ao ver mais e mais

mulheres que se descobrem soropositivas quando iniciam o pré-natal.

No ano de 2001 iniciei minhas atividades como docente na Universidade

Paranaense, no curso de enfermagem. Nesse período comecei a acompanhar alunos

em estágios supervisionados no Centro de Saúde Escola, uma unidade de saúde fruto

de uma parceria entre a Universidade e o Município. No estágio em saúde coletiva,

comecei a realizar o acompanhamento das gestantes cadastradas naquela unidade, por

meio da consulta de enfermagem. Ocorre que o Centro de Saúde Escola tornara-se

referência para o atendimento de gestantes de alto risco, outra exigência da Portaria n.º

569 (BRASIL, 2000), a qual determinava que os municípios deveriam deixar

estabelecidas as unidades de referência para o pré-natal de risco.

Nessa ocasião já ansiava por cursar o mestrado, o que na verdade já era um

sonho antigo, protelado pelo nascimento dos filhos e pelas dificuldades de acesso.

Contudo, assistindo as gestantes do serviço, comecei a observar a grande angústia de

mulheres que se descobriam portadoras de HIV e Aids durante o pré-natal.

Investigando mais profundamente a questão, observei que em sua maioria essas

tinham relacionamento estável e haviam sido contaminadas por seus parceiros. O

incômodo cresceu, a inquietação tomou conta dos meus dias: “Como essas mulheres

conseguem manter seus casamentos? O que elas sentem em relação aos seus

parceiros? Como ficam as relações familiares, após o diagnóstico?”.

No ano de 2006, finalmente fui selecionada para cursar o mestrado, e possuía

somente uma certeza: queria realizar minha pesquisa com mulheres soropositivas para

o HIV; e foi assim, partindo dessa inquietação, que escolhi como questão norteadora

Page 20: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

18

para este estudo: “Como mulheres infectadas pelo HIV vivenciam seus sentimentos,

atitudes e comportamentos junto aos familiares, especialmente junto ao marido que a

contaminou e às pessoas que vivem sob o mesmo teto?”

É fundamental compreender as relações sociais existentes entre a pessoa e

elementos emocionalmente representativos para ela, pois, como afirma Strawn (1989),

a família ou pessoas escolhidas como seus representantes têm um importante papel na

criação de carências emocionais e sociais para o portador do HIV, ou, seguindo uma

linha oposta, podem vir a contribuir para a projeção da esperança e qualidade de vida.

Com base nas descrições até agora arroladas, pretendo alcançar três objetivos

com este estudo: 1- compreender o significado de ser soropositiva para o HIV e viver

em família; 2- apreender comportamentos, sentimentos e atitudes de mulheres

soropositivas para o HIV, infectadas por seus companheiros no cotidiano familiar; e 3-

investigar alterações nas relações familiares das mulheres.

Page 21: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

19

2 REVISÃO DE LITERATURA

2.1 Aids: a trajetória da epidemia

De acordo com o Ministério da Saúde (BRASIL, 2005), os primeiros casos de

Aids no mundo ocorreram nos EUA, no Haiti e na África Central, entre 1977 e 1978, e

foram descobertos e definidos como Aids somente em 1982, quando se classificou a

nova síndrome. Ainda em 1982 foram feitos os primeiros diagnósticos da nova doença

no Brasil, a essa época já conhecida como Aids.

Segundo Mansur et al. e Peterman et al. (1985 apud SANCHES, 1999), no início

dos anos 80 do século passado uma série de pessoas com sintomas pouco comuns

para a idade chamaram a atenção de profissionais de saúde norte-americanos. Tratava-

se de pessoas jovens acometidas pelo sarcoma de Kaposi e pela pneumonia por

Pneumocistis carinii. Embora estes sintomas já fossem bem-conhecidos, eram

característicos de pacientes idosos (no caso do Kaposi) ou em quadros avançados de

câncer (no caso da pneumocistose); eles nunca haviam sido observados em pacientes

sem histórico de outras doenças.

As primeiras pessoas a manifestarem esta sintomatologia possuíam em comum

o fato de serem homossexuais do sexo masculino, residentes em grandes cidades

norte-americanas. Por tratar-se inicialmente de uma doença observada em

homossexuais masculinos, ela foi rapidamente considerada uma patologia ligada ao

estilo de vida, e sua transmissão, relacionada ao sexo anal. Isso, entretanto, logo se

mostrou inconsistente, com o aparecimento de casos entre heterosexuais e também

pelo fato de o sexo anal ser considerado uma prática que data dos primórdios da

humanidade.

Ainda de acordo com dados do Ministério da Saúde (BRASIL, 2005), em 1984 a

equipe de Luc Montagner, do Instituto Pasteur, na França, isola e caracteriza um

retrovírus (vírus mutante que se transforma conforme o meio em que vive) como

causador da Aids. Inicia-se uma disputa entre o grupo do médico norte-americano

Robert Gallo e o do francês Luc Montagner pela primazia da descoberta do HIV. Ainda

nessse mesmo ano (1984), acontece a estruturação do primeiro programa de controle

da Aids no Brasil - o Programa da Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo.

Page 22: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

20

A partir de 1985, o teste para detecção de anticorpos séricos anti-HIV se torna

disponível (BRASIL, 2005). Hoje, analisando documentos sobre a Aids da década de

1980, é possível perceber que nesse período, no Brasil, a Aids era uma doença quase

desconhecida:

A Aids surgiu aparentemente nos EUA em 1979 e foi identificada em 1981 [...] Embora a doença se concentre nos EUA, ela vem sendo diagnosticada em vários países, inclusive no Brasil, principalmente nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro [...] (O QUE..., 1987, p. 87).

Transcorridos cinco anos da descrição da doença, as autoridades sanitárias

ainda não possuíam estratégias de enfrentamento definidas para a contenção da

prevalência da doença, que à época aumentava exponencialmente, em virtude da

crença de que a Aids era uma doença de homens homossexuais e de as publicações

em saúde da década de 1980 concentrarem-se em debater as questões relativas a

essa população.

De acordo com dados do Ministério da Saúde (BRASIL, 2007), no ano de 1988

iniciaram-se as primeiras terapias com o AZT no Brasil, ainda em pequena escala. Em

1991 inicia-se o processo para a aquisição e distribuição gratuita de anti-retrovirais

(ARV). Dez anos depois de a Aids ser identificada, a OMS anunciava que 10 milhões de

pessoas estavam infectadas pelo HIV no mundo. Na tentativa de desmistificar a

doença, o jogador de basquete norte-americano Magic Johnson anunciava que tinha

HIV. Como avanço para tratamento, foi lançado o Videx (ddl), que, como o AZT, faz

parte de um grupo de drogas chamadas inibidores de transcriptase reversa (BRASIL,

2005).

Na primeira década de 2000 aconteceu a 13ª Conferência Internacional sobre

Aids, em Durban, na África do Sul, em que foi exposta ao mundo a mortandade por Aids

na África, onde dezessete milhões de pessoas haviam morrido, entre elas 3,7 milhões

de crianças, e 8,8% dos adultos estavam contaminados. Nesta mesma ocasião, o

Presidente da África do Sul, Thabo Mbeki, escandalizava o mundo ao sugerir que o HIV

não causa a aids. Também nesta mesma década (2000) foi realizado o I Fórum em

HIV/Aids e DST da América Latina, no Rio de Janeiro (BRASIL, 2005). Apesar de a

doença já ter então mais de 10 anos, ainda se percebia falta de esclarecimento sobre

ela e o descaso de alguns governantes relacionado à promoção/prevenção e

tratamento da síndrome.

Page 23: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

21

Um marco para o avanço na medicalização foi o acordo promovido pelas Nações

Unidas, em que cinco grandes companhias farmacêuticas concordaram em diminuir o

preço dos remédios usados no tratamento da Aids para os países em desenvolvimento.

Neste cenário de avanços e retrocessos observa-se que no Brasil aumentavam

os casos em mulheres e a proporção nacional de casos de Aids notificados já era de

uma mulher para cada dois homens, totalizando 17.806 casos até junho de 2000

(BRASIL, 2005).

O último boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, divulgado em novembro

de 2006, mostra que o HIV/Aids apresenta uma tendência de estabilização,

especialmente no Sul e Sudeste do país, e que a razão de sexos vem diminuindo

sistematicamente, passando de 15,1 homens por mulher em 1986 para 1,5 homem por

mulher em 2005. Observou-se que as taxas de incidência entre indivíduos acima de 35

anos vêm crescendo persistentemente, de modo bem mais evidente entre mulheres de

40 a 49 anos, passando de 17,9 por 100.000 hab. em 1998 para 27,9 em 100.000 hab.

em 2003, conforme pode ser observado no gráfico abaixo (BRASIL, 2006).

Gráfico 1 – Razão de sexos entre os casos de Aids por ano de diagnóstico. Brasil, 1986-20061.

Para Figueiredo (1998), duas explicações seriam possíveis para o fenômeno da

diminuição da razão entre os sexos, do número de casos de Aids: a redução da

transmissão sangüínea e sexual homossexual, decorrente das primeiras estratégias de

1 Casos notificados no SINAN e registrados no SISCEL até 30/06/2006 e no SIM de 2000 a 2005.

Dados preliminares para os anos de 2000 a 2006.

Page 24: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

22

prevenção; e a demora do início das campanhas de prevenção visando ao público

heterossexual, inclusive o feminino.

Alves et al. (2002) acreditam que aspectos de vida referentes à identidade sexual

e de gênero, tais como transgressão, culpa, onipotência, relação com a morte, entre

outros, interferem na prevenção da Aids, pois são características individuais que

envolvem crenças, valores, costumes, etc. e necessitam ser mais bem entendidos para

uma maior efetividade dos atuais programas de prevenção.

O comportamento epidemiológico da doença, segundo Joffe (1995), pode ser

explicado pela falta de informação, a que se associam vários outros fatores, entre os

quais a crença de que o risco de contaminação está distante, o processo histórico da

doença que relaciona sua disseminação à promiscuidade e aos mecanismos de defesa,

e a projeção do risco para o outro.

2.2 A Aids e o universo feminino

Historicamente, a Aids se configurou como uma doença estigmatizante que

acometia homens homossexuais. Essa idéia conferia certa invulnerabilidade a outros

grupos e, por muito tempo, a idéia de disseminação da infecção via práticas

heterossexuaias foi negada e, nesse sentido,também foi negada a possibilidade de

existirem mulheres infectadas. Quando foram notificados os primeiros casos em

mulheres, imediatamente se imaginou tratar-se de casos em prostitutas. Neste

contexto, a mulher, por se sentir fora das categorias ditas de risco, se revestia de uma

proteção ilusória.

Os primeiros movimentos em direção ao enfrentamento do problema foram e

continuam a ser embasados no conceito de prevenção. Entretanto, observa-se uma

grande dificuldade de adesão aos programas de prevenção à Aids, especialmente entre

mulheres que possuem relações monogâmicas, dado que pode ser confirmado pela

crescente incidência da doença nessa população.

Villela (1998) observa que as mulheres adquirem Aids por meio de contatos

sexuais esporádicos, pela prestação de serviços sexuais remunerados, mas, cada vez

mais, com seus parceiros fixos, tanto namorados como maridos.

Page 25: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

23

O impacto psicológico e biológico de estar infectada é algo que não pode ser

mensurado; as angústias, a dor e as reações de constrangimento são realidades

comuns a todas e podem resultar em uma dificuldade de tratamento inicial das

mulheres.

Em estudo sobre o sentimento de cinco portadores de HIV/Aids, Fernandes et al.

(2000) descrevem a experiência da descoberta do diagnóstico como um impacto que

leva as pessoas a refletirem sobre a Aids como um ponto final, como o deparar-se com

a própria finitude.

Segundo vários autores (BASTOS; SZWARCWALD, 2000; PARKER;

CAMARGO, 2000), no Brasil, um país caracterizado por enormes diferenças sociais e

geográficas, a epidemia de Aids passa a ser determinada pelos processos de

interiorização, pauperização, heterossexualização e feminização.

Embora a prevenção seja o aspecto mais abordado dentre os programas de

controle da Aids, intervir e mudar comportamentos é uma tarefa muito complexa, pois

depende exclusivamente de cada pessoa. Sobre isso, Ayres (2002) ressalta que os

progressos do conhecimento e da técnica nesse campo não chegaram a alterar

substantivamente os determinantes fundamentais da infecção e adoecimento de

significativos contingentes populacionais. Para o autor, é necessário que nos

detenhamos mais no contexto de intersubjetividade que permeia as relações sociais e

culturais de um grupo, para que se possam construir meios de reduzir a vulnerabilidade.

Diversos autores (PAIVA et al., 2002; SOUTO, 2004; BASTOS et al., 1993;

ALVES et al., 2002; FIGUEIREDO; AYRES, 2002;) relacionam a crescente incidência

da Aids no universo feminino ao sentimento de proteção de que se julgam cobertas as

mulheres que possuem relações monogâmicas. Reforçam ainda que o fato de

inicialmente a doença estar vinculada à homossexualidade resultou em uma

acomodação tanto das pessoas quanto dos serviços de saúde.

Nascimento (1997) ressalta que a disseminação da doença foi acompanhada na

imprensa por matérias que, por um lado, divulgavam os esforços da comunidade para

debelar o HIV e, por outro, reforçavam, no imaginário coletivo, a noção de que a Aids

era efeito necessário de condutas reprováveis do ponto de vista da moralidade

preconizada pelo satus quo.

Giacomozzi e Camargo (2004) vinculam a contaminação às relações de

confiança cega estabelecidas nos lares monogâmicos. Em seus estudos encontraram

Page 26: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

24

que as mulheres têm um sentimento de segurança no casamento, concebendo suas

casas como uma instância de segurança e proteção contra a Aids.

Entre mulheres dos setores populares, não existe percepção de risco, porque

elas constroem sua identidade em um sistema de representações no qual o valor mais

alto é o da família e da casa, ocorrendo uma sobreposição do valor família em relação

ao valor indivíduo, o que torna impossível para essas mulheres reconhecer tal

possibilidade no seio da família, sob o risco de perderem sua identidade social

(BARBOSA, 1999).

Ainda nos estudos de Giacomozzi e Camargo (2004), as mulheres associam ao

universo masculino um potencial para traição diferente do delas – elas não traem, se

apaixonam - mas quando falam do próprio marido, colocam-no em um lugar diferente,

assegurando que ele é diferente dos demais.

Segundo Joffe (1995), a projeção da responsabilidade da disseminação da Aids

sobre grupos estranhos é um mecanismo de defesa que afasta tanto o próprio grupo

como o EU da Aids, deixando intacta a sensação de controle. A autora ainda afirma que

“a tendência dominante na representação da Aids se relaciona com a responsabilidade,

e especialmente com a responsabilidade e a culpabilidade do outro” (JOFFE, 1995, p.

302).

Destarte, vários autores (LISBOA, 2003; FIGUEIREDO; AYRES, 2002; AYRES,

2002; PAIVA et al., 2002), em estudos sobre a vulnerabilidade das mulheres à infecção

pelo HIV, sugerem que o fato de a mulher se perceber em risco não determina

mudança de comportamento. Lisboa (2003) complementa dizendo que a

vulnerabilidade afeta mulheres diferentes de modo diverso, dependendo de fatores

estruturais, tais como pobreza, idade, trabalho, desinformação e baixa negociabilidade

do uso de preservativo.

2.3 O conceito de vulnerabilidade e sua relação com a infecção feminina

Para falar em vulnerabilidade é necessário que exploremos inicialmente o

conceito de grupo de risco, que surgiu já no período em que a doença foi descrita. Para

Ayres et al. (2006), este conceito foi desenvolvido no intuito de compreender a nova e

grave doença que vinha desafiando o corpo de conhecimento na prevenção de agravos

Page 27: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

25

e estabelecer quem eram as pessoas que estavam adoecendo e quais as suas

características. A adoção deste conceito aconteceu de forma quase mecânica como

instrumento de prevenção, transformando o risco em condição concreta, o que acabou

por criar uma condição de isolamento sanitário desta população. Esta estigmatização

resultou, segundo Daniel (apud AYRES, 2002), em uma verdadeira “morte social”.

Este conceito introduziu ainda o conceito de comportamento de risco, que por

suas características, impunha a responsabilidade da infecção exclusivamente no

sujeito, como podemos observar nas considerações de Ayres.

A principal limitação identificada na noção de comportamento de risco, no entanto, é o outro lado desse chamamento às responsabilidades de cada um: exatamente a potencialidade de culpabilização individual. À medida que uma pessoa se infecta com o HIV, tende-se a lhe atribuir a responsabilidade pela infecção, por não ter aderido a um comportamento seguro (e não arriscado), por ter falhado nos esforços de prevenção (AYRES, 2006, p. 395).

Ainda de acordo com vários autores (AYRES et al., 2006; KALICHMAN apud

PAIVA; OLIVEIRA; PASSOS, 2005; CAMARGO JÚNIOR, 1994), os resultados práticos

dessas primeiras ações contra epidemia mostraram importantes limites no seu controle

e acabaram por acirrar preconceito e discriminação contra os grupos identificados como

de risco, o que retardou a identificação da suscetibilidade das pessoas que neles não se

incluíam

As críticas a este processo de enfrentamento, de acordo com Mann et al. (1993),

no início dos anos 90 deram origem, nos EUA, a um instrumento para a compreensão e

a intervenção sobre a epidemia de Aids, que foi denominado de análise de

vulnerabilidade à infecção pelo HIV e à Aids. A partir de então, o conceito de

vulnerabilidade passou a nortear diversos estudos sobre a temática.

Para Ayres (2006), a noção de vulnerabilidade procura explicar que a exposição

ao HIV e o adoecimento pela Aids não são fatores que resultam exclusivamente de

aspectos individuais, mas sim, de um conjunto de fatores que acarretam maior

suscetibilidade ao adoecimento, fatores coletivos e contextuais. Esses fatores são

classificados pelo Ministério da Saúde (BRASIL, 2005) como um conjunto de fatores de

natureza biológica, epidemiológica, social e cultural, cuja interação amplia ou reduz o

risco ou a proteção de um grupo populacional frente a uma determinada doença,

condição ou dano.

Page 28: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

26

Essa análise pode ser feita identificando-se os conhecimentos, as opiniões, as

atitudes, as crenças e os valores que influenciam comportamentos dos indivíduos

diante da Aids. Neste contexto, não apenas os comportamentos considerados de

exposição ao risco são por si sós determinantes da propagação da epidemia, mas

também e, sobretudo, as condições culturais, sociais ou biológicas que reduzem a

autonomia do poder decisório de proteção individual. Quando se fala em vulnerabilidade

busca-se oferecer informações para que as pessoas percebam se têm maior ou menor

risco de se infectar.

Para Sanches (1999), do ponto de vista biológico, praticamente todos somos

suceptíveis à infecção pelo HIV, se expostos ao vírus através do contato sexual ou

através do sangue. Entretanto Bastos (2000) encontrou, além dos fatores gerais, que a

mulher torna-se mais vulnerável do ponto de vista biológico devido à extensão da

superfície da mucosa vaginal exposta ao sêmen, além da direcionalidade do sêmen,

que é ejaculado, enquanto o líquido vaginal se difunde por espalhamento.

As infecções sexualmente transmissíveis, geralmente assintomáticas nas

mulheres, postergam o início do tratamento e colaboram para sua maior

vulnerabilidade. Entre os aspectos de vulnerabilidade, destacam-se: a pobreza; a

exclusão de base racial; a rigidez de papéis e condutas nas relações de gênero; a

intolerância à diversidade, especialmente de opção sexual; o limitado diálogo com as

novas gerações e a conseqüente incompreensão dos seus valores e projetos; o

descaso com o bem-estar das gerações mais idosas; e a impressionante desintegração

da sociedade civil no mundo globalizado (CASTELLS, 1999 apud AYRES, 2002, p. 12).

Considerando a tendência da epidemia do HIV/Aids relacionada a feminização e

pauperização, o presente estudo buscará, neste contexto, estabelecer as condições

que impõem maior vulnerabilidade à população feminina. A pobreza confere maior

vulnerabilidade, à medida que afasta as pessoas da informação, dos insumos de

proteção, além de promover condições de vida que podem contribuir para o aumento da

infecção.

Além das questões biológicas, o avanço do HIV/Aids entre mulheres não apenas

é indicativo das dificuldades em oferecer respostas institucionais para a contenção da

epidemia, mas também, e sobretudo, remete para as questões que envolvem a

identidade de gênero, que determinam os papéis sociais de homens e mulheres, cuja

assimetria aumenta a vulnerabilidade das mulheres à infecção (SALDANHA, 2003, p.

25).

Page 29: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

27

Destarte, as questões relativas ao gênero possuem grande influência na

determinação da vulnerabilidade, uma vez que nossa sociedade ainda é fortemente

marcada pela organização patriarcal, consolidando ao homem uma situação hierárquica

superior dentro da constituição familiar. Esta realidade pode ser observada

especialmente entre classes socias de menor poder aquisitivo ou educacional, que

impõem às mulheres uma maior dependência financeira e social.

A vulnerabilidade feminina é fortemente definida por um tipo de relação que a

mulher mantém com sua sexualidade e consigo mesma, cuja marca tem sido a

subordinação ao desejo masculino. As relações de gênero estão estruturadas na

sociedade com fundamento em uma assimetria de poder nas esferas social, econômica

e afetivo-sexual, o que determina um contexto em que a população feminina acaba

extremamente vulnerável à epidemia de Aids, dificultando a negociação do uso de

preservativo por parte do homem. Levar em conta essa realidade é o que possibilitará o

estabelecimento de novos parâmetros para os cuidados que se devam ter na vida

sexual e reprodutiva de homens e mulheres (SOUTO, 2004).

Assim, a pobreza e a baixa condição educacional também são fatores que

influenciam no poder de negociação entre os pares, e acima de tudo, as relações de

confiança absoluta, que, de acordo com o que se encontrou em estudos já

apresentados, fazem da mulher o lado mais susceptível de uma relação, uma vez que

em nossa sociedade ainda é aceitável que os homens possuam relacionamentos

extraconjugais.

2.4 Mulher, família e HIV

A estrutura teórica que orienta este estudo refere-se à compreensão da

complexa interação mulher - portadora do HIV - família, fundamental para o

entendimento das construções que fazem parte da realidade comum das entrevistadas.

Iniciaalmente serão aqui definidos, de acordo com os parâmetros legislativos brasileiros,

os tipos de relações conjugais a serem abordados nesta pesquisa.

A Constituição Federal de 1988 e as leis 8971/94 e 9278/96 constituíram um

marco extremamente significativo para o direito de família. A partir delas, passaram a

ser reconhecidas as múltiplas formas constitutivas de família que sempre existiram,

Page 30: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

28

embora à margem dos ordenamentos jurídicos. Assim, de acordo com o princípio do

pluralismo familiar, foram reconhecidas expressamente, além do casamento, mais duas

formas constitutivas de família, quais sejam: a união estável e a família monoparental

(BRASIL, 1988, 1994, 1998).

A Lei 9.278/96 (BRASIL, 1996), em seu art. 1º, define a união estável como “a

convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida

com o objetivo de constituição de família”, e desta forma, teria derrogado a art. 1º da Lei

8.971/94, não mais se exigindo o rígido prazo de cinco anos para caracterizar-se a

união estável. No art. 1723 estabelece que “é reconhecida como entidade familiar a

união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua

e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”.

A família monoparental é classificada,de acordo com a Constituição de 1988,

como a entidade familiar formada por qualquer um dos pais e seus descendentes; e o

casamento, como a opção legalmente constituída de relacionamentos conjugais

(BRASIL,1988). A união estável é uma das formas mais comuns de relacionamento

conjugal em nossa sociedade e, para os fins desta pesquisa serão consideradas todas

as formas de união em que se haja estabelecido este tipo de relacionamento, sejam

elas formais ou não.

A família, para Althoff (2004) e Elsen (2004), é aquela que oferece cuidados a

seus membros diariamente, seja em situações de saúde seja em condições de doença.

Por isso, viver em família na atualidade constitui-se em sobrecarga e estresse,

principalmente para a mulher, pois quando o núcleo familiar passa por uma grave

situação de desequilíbrio, causada pelo adoecimento de um dos pares, especialmente

se essa doença estiver ligada a um contexto de finitude, de traição e de estigmatização,

como é o caso da Aids, verifica-se um desarranjo na organização e estrutura familiar

que pode contribuir para alterações no cotidiano dessa família.

Zaleski (1996) observa que ao longo do desenvolvimento da Aids ocorrem

perdas significativas na vida do indivíduo afetado, tais como de saúde, aparência física

e família. Além disso, há a necessidade de mudanças nos hábitos pessoais em

decorrência da doença, a ingestão de medicamentos e seus efeitos colaterais, a

ameaça das doenças oportunistas, o deparar-se com a morte ou, o medo dela. Todas

essas demandas vão exigir uma adaptação do paciente e de seus familiares e alterar a

forma como se relacionam entre si e socialmente. Souza e Vietta (1999) ainda

acrescentam que a Aids tem um efeito desagregador na estrutura familiar, que não raro

Page 31: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

29

já se encontrava abalada por questões como drogadição, ausência de alguma figura

parental, envolvimento criminal e outras atitudes tidas como “transgressoras” pela

sociedade.

Conforme observado por Fernandes e Neman (2002), a relação HIV-portador-

família é muito pouco explorada e muito pouco descrita na literatura, e mesmo que se

tenha consciência de que as emoções são fortes elementos capazes de interferir no

processo saúde-doença, observa-se certa inabilidade em qualificar a importância desta

interação e o que ela promove ou desencadeia no portador do HIV.

Visitando-se a bibliografia familial, encontra-se referência a diferentes autores

que destacam os cuidados realizados pela família como promotores de saúde e vida,

tais como: Boehs (1990), Monticelli (1997) e Althoff (2001). Partindo do pressuposto de

que a família cuida, Elsen (2004) acrescenta que o cuidado familial é um conceito em

construção que se concretiza nas ações e interações de cada grupo familial e se

direciona a cada um de seus membros. Ele acontece pela convivência, nas reflexões e

interpretações, dentro de um processo contínuo de interações. É inegável que a

ocorrência de uma doença crônica, estigmatizante e com transmissão relacionada ao

parceiro, altere significativamente a qualidade dessas interações. Isto se agrava ainda

mais se a mulher, a quem culturalmente é atribuído o cuidado da família, passa de

cuidadora à condição de quem necessita ser cuidada.

Fernandes e Neman (2002) observam que o HIV/Aids vem trazendo diversas

conseqüências à vida de seus portadores, mostrando importantes conotações no

âmbito familiar, trazendo à tona modificações individualizadas, abalando a sociedade

familiar. As reações da família ao saber do diagnóstico HIV+ em um de seus integrantes

são difíceis de prever, e isso provavelmente se deve a um grande número de fatores

intrinsecamente envolvidos, sendo um deles a relação da pessoa infectada com cada

membro da família, o que, obviamente, sempre varia. A proximidade entre as pessoas é

diversificada, demonstrando que os pais terão reações diferentes dos primos e dos

demais parentes (STRAWN, 1989).

O impacto da descoberta da sorologia positiva para o HIV envolve um misto de

vergonha, culpa, raiva, negação, rejeição, indiferença, acolhida, compreensão, apoio e

aceitação nos membros da família. Este complexo de sentimentos e reações que uma

família pode apresentar acaba envolvendo o portador do HIV/Aids em um processo

semelhante, que suscita nele emoções controversas - de medo, baixa estima, rejeição,

negação, vergonha, entre outras (MARTIN; BALDESSIN, 1990).

Page 32: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

30

Apesar de a doença ser algo desagradável e pouco aceitável pelo ser humano,

Souza et al. (2004) acreditam que adoecer é uma manifestação intencional do corpo e

um processo de movimentação da vida. Desta forma tomamos contato com nossa

finitude e, dependendo de como seja aceita, esta experiência pode nos enriquecer

como seres humanos.

Por isso, Bielemann (2004, p. 242) afirma que “o adoecer consiste num momento

de introspecção, análise e reflexão, que pode contribuir para o aprimoramento do ser

humano e que na doença sobressai o viver sendo acentuada a busca de manter a

vida”. No entanto, as pessoas que absorvem somente o lado negativo da doença são

incapazes deste enriquecimento.

Dada a importância da família na vida de seus componentes, percebe-se que a

presença da doença, especialmente da Aids, produz abalos únicos e específicos para

cada pessoa envolvida, o que pode gerar sentimentos e atitudes diversos em cada

membro familiar, principalmente da mulher em relação ao esposo que a tenha

contaminado. Por essa razão, a compreensão da dinâmica dos relacionamentos

familiares é imprescindível para que possamos trabalhar com o cuidado familial.

2.4.1 Relações familiares

A família constitui o primeiro universo de relações sociais e “representa, talvez, a

forma de relação mais complexa e de ação mais profunda sobre a personalidade

humana, dada a enorme carga emocional das relações entre seus membros” (REY;

MARTINEZ, 1989, p. 143).

De acordo com Kreppner (1992), a complexa rede de relações familiares

apresenta características especificas de unicidade e complexidade, constituindo um

contexto em desenvolvimento.

Sobremaneira, estudar e compreender a dinâmica das relações familiares se

torna tarefa das mais difícil, dada a complexidade de fatores que envolvem os

processos inter-relacionais humanos. A observação dos relacionamentos humanos nos

traz a certeza de que aflora uma gama de sentimentos e emoções quando nos

imiscuímos neste universo; tratar com emoções e sentimentos requer habilidade e

discernimento, para que não mergulhemos nas questões psicoafetivas estudadas,

Page 33: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

31

misturando-nos e perdendo o poder de compreender o fenômeno. Isto se refere ao

estudo das relações familiares das mulheres pesquisadas, que, como portadoras de

HIV cuja infecção se deu através dos maridos, possuem relacionamentos delicados. É

necessário então buscar a compreensão do fenômeno, resgatando o surgimento dos

processos que envolvem os relacionamentos familiares e sociais.

Desde os primórdios da civilização humana, o homem vive em grupos, sendo

esta uma condição “inerente á condição humana” (MENGEL apud DUARTE, 2001). É

evidente que esse viver em grupo estabeleceu regras de convivência, ainda que

inconscientes, para que esta convivência pudesse acontecer da maneira mais

harmônica possível.

Em Decesaro (2007), encontramos que, apesar de a família como grupo existir

em nossa sociedade há muito tempo, somente ao longo da história é que surgiu o

sentimento familiar. A autora reforça ainda que antes dos séculos XVI e XVII o

sentimento de família era desconhecido, a concepção de família era reduzida à célula

conjugal, e ao homem era permitido optar pela companhia de seus vizinhos e amigos

em vez da de seus parentes.

De acordo com Moragas (1997), as relações conjugais representam a essência

da relação familiar, pois é a partir delas que se iniciam as famílias considerando a

existência dos filhos, responsáveis por garantir as gerações descendentes. Para o

autor, a relação entre pais e filhos possui dinâmica própria e caminha geralmente da

dependência total para a independência e posteriormente para a interdependência ou

dependência total novamente, como forma de compensação vital.

Diogo e Duarte (2002) acrescentam que, por mais importante que seja o vínculo

biológico, a concepção que cada elemento tem sobre a família e a dinâmica das

relações familiares construídas ao longo da história de vida da família são o que

caracteriza as relações familiares.

Corroborando a afirmação das autoras, Petrini (2004) afirma que, apesar de

todas as transformações ao longo da história, a família se apresenta socialmente de

forma peculiar, caracterizada intensamente pela dinâmica das relações, mantendo-

se como condição para a humanização e a socialização e servindo de alicerce para

o desenvolvimento e realização das pessoas. Cada família distingue-se por um

modo exclusivo de viver a diferença de gênero, de cultura e de relações entre as

gerações (PETRINI, 2004).

Page 34: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

32

As peculiaridades de cada pessoa e a forma como elas são aceitas ou

rechaçadas pelo grupo familiar é que constituem o cerne dos relacionamentos

familiares. Sobre isso, Decesaro (2007) acrescenta que as relações produzidas no

grupo familiar definem-se pelos comportamentos e pela individualidade de seus

membros e, que um contexto histórico específico, influenciado por questões

educacionais, econômicas, culturais, sociais e religiosas, é fator determinante no

estabelecimento dessas relações.

Dentro do núcleo familiar as pessoas tendem a se mostrar de modo mais

verdadeiro, embora seja comum assumirem papéis socialmente determinados para que

a dinâmica familiar seja mantida. Desta forma, em situações de doença ou de cuidados

a idosos e crianças, as funções de cuidador geralmente são assumidas pelas mulheres.

Os vínculos familiares realizam uma relação na qual a pessoa entra com a

totalidade de sua existência, de seu temperamento, de suas capacidades e limites,

diferentemente do que acontece com quase todos os outros ambientes da vida, nos

quais se estabelecem relações parciais, limitadas a capacidades específicas,

correspondentes a funções determinadas (PETRINI, 2003, p. 72). Ainda segundo o

autor, pertencer a um conjunto de pessoas que constituem uma família, por meio de

vínculos complexos e profundos, realiza as pessoas, porém os vínculos de pertença,

muitas vezes, são motivo de opressão e abusos nas relações familiares.

Duarte (2001) afirma que a habilidade das famílias em se adaptar ou enfrentar

uma crise depende muito de seus recursos. Torna-se necessário, então, que os

profissionais de saúde ajudem estas famílias a identificar e acessar seus recursos. A

autora categoriza ainda os recursos social, cultural, religioso, econômico, educacional e

médico como os maiores recursos familiares.

O estudo dos relacionamentos familiares de mulheres portadoras do vírus HIV

desvela um universo contraditório de ações e emoções. A dualidade representada por

uma condição de vitimização por ter sido exposta ao vírus pelo parceiro e de pecado,

por ser a Aids uma doença ligada ao sexo, configura-se como um dos fatores que

complexificam as relações dentro do seio familiar. Pereira e Costa (2007) denominam

de construções monolíticas a condição de ora “santas” ora “pecadoras” atribuída às

mulheres soropositivas, e afirmam que essas condições traem a noção de uma

complexidade subjetiva e vivencial dessas mulheres: a necessidade de ser respeitada,

a importância da apropriação de seu lugar como legitimo no mundo e em suas relações.

Desta forma, o cotidiano familiar é permeado por uma diversidade de ações e reações

Page 35: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

33

que, agravada pelo fator doença, faz emergir o preconceito, a culpa, a sublimação e a

negação, entre outros componentes emocionais. “Entendendo que as emoções são

essenciais na vida do ser humano, e compreendendo que representam um papel

preponderante na evolução das doenças” (PEREIRA; CHAVES, 1999, p. 405), torna-se

imperativo identificar como são constituídas as relações familiares destas mulheres.

Por fim, para que as relações familiares possam ser bem-sucedidas, faz-se

necessário compreender a complexidade do outro, como afirma Ferraz (1996 apud

STEFANELLI, 1999, p. 73): “permitir a complexidade do outro talvez seja um dos mais

valiosos segredos das relações interpessoais bem sucedidas porque implica a

aceitação desse outro exatamente como ele é, sem as máscaras impostas pelo

cotidiano social”

A tentativa de compreender essa problemática e a escassez de estudos sobre

essa temática são as molas propulsoras deste estudo, que pretende contribuir para que

a assistência às mulheres portadoras do HIV/Aids seja embasada não apenas nos

aspectos biológicos, mas também numa concepção mais humanitária, priorizando as

relações familiares, fator de grande impacto para a adesão ao tratamento da doença.

Page 36: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

34

3 CAMINHO METODOLÓGICO

3.1 Tipo de pesquisa

Realizou-se uma pesquisa de caráter descritivo de análise qualitativa. Segundo

Gil (1999), as pesquisa descritivas têm como objetivo principal descrever as

características de uma população ou fenômeno, ou estabelecer relações entre

variáveis. O autor reforça que algumas pesquisas descritivas vão além da simples

identificação de relação entre variáveis, e buscam, sim, determinar a natureza desta

relação. São muito utilizadas por pesquisadores sociais preocupados com a atuação

prática.

Para Minayo et al. (2002), a análise qualitativa busca a apreensão profunda dos

significados e das relações sociais, focalizando indivíduo e sociedade em um nível de

realidade que não pode ser quantificado. Por meio dela, trabalha-se com o universo de

significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, ou seja, nos

aprofundamos no universo dos relacionamentos e dos sujeitos pesquisados.

Essa metodologia representa uma colaboração potencial para as pesquisas

desenvolvidas com HIV/Aids, porque favorece a análise dos significados e dos valores

socialmente construídos e de valores presentes no cotidiano das pessoas. Auxilia,

assim, na compreensão do imaginário que alicerça comportamentos e sentimentos,

permitindo um mergulho no cerne de relacionamentos e na vida das pessoas.

3.2 Sujeitos da pesquisa

Por tratar-se de estudo qualitativo, não foi previamente definido o número de

participantes, pois de acordo com Minayo (2002), a pesquisa qualitativa não se baseia

em critérios numéricos para garantir sua representatividade, importando, sim, que a

amostragem possibilite investigar o problema em suas múltiplas dimensões. Entretanto,

após iniciada a pesquisa, foram entrevistadas oito mulheres, e, com esta quantia já se

começou a observar a saturação dos dados, o que determinou a suspensão das

entrevistas.

Page 37: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

35

Desta forma, a pesquisa foi desenvolvida junto a oito mulheres soropositivas

para o HIV/Aids que possuíam relacionamento estável e que tenham sido infectadas

por seus parceiros.

3.3 Local de estudo

O estudo foi realizado no município de Umuarama, sede da 12ª Regional de

Saúde e do Consórcio Intermunicipal de Saúde. Esta regional é composta por 22

municípios, com população estimada para 2006, segundo a Secretaria Estadual de

Saúde do Paraná, de 237.362 habitantes, dos quais 58.933 estão na área rural e

178.379 estão concentrados na área urbana. Cabe ressaltar que a população feminina

é de 119.393 e a masculina de 117.969.

O município de Umuarama localiza-se no Noroeste do Estado do Paraná, a 430

m acima do nível do mar, entre a latitude 23º 47' 55'' sul e longitude 53º 18' 48'' oeste.

(dados colhidos na fonte eletrônica http://www.umuarama.com.br/co_geogra.php).

Segundo o último censo do IBGE (2001), a população de Umuarama era de

90.621 habitantes. Por tratar-se do maior município da região, tornou-se referência para

os serviços de saúde, tanto públicos quanto privados.

As principais atividades econômicas da região são a agropecuária de corte e a

agricultura. Conhecida popularmente por “Capital da Amizade”, Umuarama é uma

cidade acolhedora, de clima quente e progressista.

O Consórcio Intermunicipal de Saúde (CISA) é o órgão que abriga a estrutura

física do programa de controle de DST/Aids da 12ª Regional de Saúde, local onde se

realiza a maioria dos atendimentos assistenciais e administrativos aos pacientes

portadores do HIV/Aids. No ano de 2007, este programa possuía cadastradas 106

mulheres portadoras de HIV/Aids.

Os pacientes atendidos no CISA são encaminhados pelos municípios da região

e, mediante agendamento, atendidos diariamente no período matutino por equipe

multiprofissional, constituída por médico infectologista, enfermeiro e assistente social.

No ano de 2007, o município de Umuarama criou o seu próprio programa de

DST/Aids, iniciando um processo de desvinculação do CISA. A partir daí os portadores

de Umuarama passaram a ser atendidos pelo programa DST/Aids da Secretaria

Page 38: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

36

Municipal de Saúde do município. Além disso, a ONG (organização não

governamental) Grupo União pela Vida presta serviços a esta população, além de

promover reuniões e atividades educativas. Esta ONG foi fundada em 16/09/2000,

possui 40 pessoas cadastradas e está sediada no município de Umuarama.

As atividades organizacionais relativas ao estabelecimento dos serviços de

controle e tratamento do HIV/Aids no município de Umuarama datam do início dos anos

2000. Desde então, por problemas administrativos, o serviço enfrenta grandes

dificuldades de instalação e manutenção.

Imaginou-se, a princípio, que os dados necessários para a realização da

pesquisa seriam encontrados nos prontuários do programa, por esse motivo a proposta

inicial era realizar a coleta de dados com pacientes cadastradas no CISA,

independentemente do local de residência. Como esses dados não foram encontrados,

optou-se por buscá-los junto à ONG, e por essa razão as mulheres entrevistadas são

todas residentes no município de Umuarama.

3.4 Procedimento de coleta dos dados

A abordagem das entrevistadas foi um processo bastante lento e delicado, que

iniciou no mês de abril de 2007 e terminou no mês de junho de 2007. Num primeiro

momento, como já mencionado, pensei em identificar as mulheres oriundas de

relacionamentos estáveis, através de levantamento realizado em prontuário ou na ficha

de notificação de agravo, infelizmente, pórém, nenhum dos documentos possui tal

registro.

A partir desta dificuldade, desisti de trabalhar com dados do município e busquei

a identificação das mulheres capazes de fazer parte da pesquisa por meio da ONG.

Assim, as dirigentes da ONG relacionaram as mulheres com o perfil desejado, que

foram contatadas via telefone, e em seguida foram agendadas visitas domiciliares para

a realização das entrevistas, utilizei uma planilha para caracterizar as mulheres

estudadas ( Apêndice B).

Para dar início às entrevistas, por tratar-se de um tema delicado e de difícil

abordagem, realizei um primeiro contato de aproximação e estabelecimento de vínculo,

Page 39: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

37

apresentei os objetivos da pesquisa e as minhas intenções em relação aos trabalhos

junto às integrantes da ONG.

O segundo encontro foi caracterizado pela entrega do consentimento livre e

esclarecido para ciência e assinatura e pela realização da entrevista aberta, que foi

gravada com o consentimento das mulheres. Para a entrevista utilizei como questão

norteadora a afirmativa a seguir:

“Fale sobre sua vivência familiar após o diagnóstico do HIV”.

Mantive algumas questões de reserva, para serem aplicadas caso os objetivos

não fossem atingidos com a questão principal. Estas questões são referentes ao

relacionamento da mulher com o marido e os filhos, com outras pessoas da família mais

próximas e mais distantes e com os amigos. Procuravam focar sentimentos, atitudes e

comportamentos, buscando uma referência aos relacionamentos anteriores e

posteriores à descoberta do HIV e obter das entrevistadas a que elas atribuem as

mudanças, quando elas ocorrem.

Esta foi uma das fases mais delicadas da pesquisa, permeada por grande

emoção, tanto por parte das entrevistadas quanto da entrevistadora. Foi extremamente

difícil a primeira abordagem com cada uma das entrevistadas. Um sentimento de

invasão me dominava e a cada encontro eu pensava que não conseguiria me

aproximar, mas me revestia de coragem e seguia em frente. Chegar à primeira casa foi

emocionante: senti um calor subindo pela face e uma leve taquicardia, acompanhada

por muita ansiedade. Ao me aproximar e me deparar com uma mulher jovem, cheia de

vida, tive vontade de voltar para trás. As demais entrevistas transcorreram também com

certa dificuldade a cada chegada; por vezes foram necessárias duas visitas, e com

algumas entrevistadas, até três. O gravador me torturava: no meio das gravações

muitas vezes ele parava de gravar e eu precisava pedir que a entrevistada repetisse o

que não fora gravado. Muitas vezes as lágrimas de ambas rolaram, em momentos

simultâneos ou não. A algumas ajudei no cuidado com os bebês, outras precisaram de

um abraço, algumas vezes eu sentia que tudo o que aquela mulher queria era terminar

aquela conversa e esquecer o assunto, que a machucava. Um fato que me chamou a

atenção aconteceu depois das entrevistas. Uma amiga me disse: “Aphrodite me disse

que ficou com dó de você”. Eu disse: “Com dó de mim, por quê? Ela responde: “Porque

você chorou na entrevista dela”. Eu fiquei pensando...Ela com dó de mim!!!

Outro fato marcante se deu com uma das entrevistadas que fazia pré-natal na

US (unidade de saúde) em que trabalho. Foi preciso que eu apoiasse o casal,

Page 40: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

38

conversasse com ambos e com os dois individualmente, pois estavam em plena crise.

O resultado foi muito positivo, estabeleceu-se um vínculo que acredito indissolúvel.

Enfim, mergulhar na realidade destas mulheres me trouxe uma experiência inesquecível

e me fez crescer como ser humano.

3.5 Procedimento de análise dos dados

Os dados foram transcritos e analisados segundo a técnica da análise de

conteúdo proposta por Minayo (2002), a que, na atualidade, é compreendida muito mais

como um conjunto de técnicas do que como uma técnica propriamente dita. Ainda de

acordo com Minayo (2002), uma das funções da análise de conteúdo diz respeito às

descobertas do que está por trás dos conteúdos manifestos, indo além das aparências

do que está sendo comunicado, o que vem diretamente ao encontro dos anseios da

pesquisadora em relação aos objetivos desta pesquisa.

De acordo com a autora, a análise de conteúdos pode abranger três fases: pré-

análise, exploração do material, tratamento dos resultados obtidos e interpretação.

Na primeira fase se trata da organização do material a ser analisado, definindo-

se a unidade de registro, a unidade de contexto, trechos significativos e categorias. Esta

fase consistiu inicialmente em exaustivas leituras, nas quais se grifavam as partes

importantes, as que chamavam a atenção no texto.

Segundo Minayo (2002), a unidade de registro é o que deve ser utilizado para

analisarmos o conteúdo de uma mensagem, e pode ser obtida através da

decomposição do conjunto da mensagem. Esta decomposição foi realizada com a

utilização de frases que referenciavam alguns temas específicos. Após estes passos,

definimos três temas diferentes: o primeiro era relacionado a sentimentos, o segundo à

rede de apoio e o terceiro ao cuidado.

A segunda fase compreendeu o tratamento dos resultados, ou seja, a colocação

dos assuntos abordados em forma de categorias a serem discutidas de acordo com os

temas levantados na leitura minuciosa.

A terceira constituiu-se na interpretação das mensagens de forma a

compreender mesmo aquilo que não estava explicitado claramente. Os resultados

estão apresentados em forma de categorias e subcategorias temáticas.

Page 41: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

39

3.6 Aspectos éticos

O estudo foi realizado de acordo com as normas do Comitê de Ética Envolvendo

Seres Humanos da Universidade Estadual de Maringá – PR, de acordo com a

Resolução 196/96 do Ministério da Saúde, sob o protocolo n.º 0299/06 do COPEP

(ANEXO A).

Com o objetivo de preservar a identidade das mulheres entrevistadas, elas

aparecem na pesquisa com nomes fictícios de deusas da mitologia grega e romana.

Esses nomes foram escolhidos como forma de homenageá-las, pois pelo seu perfil,

fibra e coragem, muitas vezes nos fizeram pensar que somente supermulheres teriam

tamanho poder de enfrentamento.

Foi utilizado o termo de consentimento livre e esclarecido para ciência dos

sujeitos da pesquisa (APÊNDICE A). Além disso, foi solicitada autorização da instituição

à qual pertencem os sujeitos da pesquisa (ANEXO B).

Page 42: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

40

4. MARCAS NO CORPO, MARCAS NA ALMA

Nesta parte serão apresentados os resultados e discussão do trabalho. Inicio

apresentando a história de vida das mulheres estudadas, em seguida uma breve

caracterização das mesmas e, finalmente os depoimentos, que serão apresentados

em categorias e sub- categorias do tema.

4.1 Eu e a Aids: a história de vida das mulheres estud adas

Com o objetivo de facilitar a compreensão da trajetória destas mulheres, passo a

apresentar a síntese de suas histórias a partir de fragmentos de seus discursos. Optei

por não transcrever as entrevistas na íntegra, a fim de preservar os direitos de sigilo.

4.1.1 Aphrodite: “Tudo posso naquele que me fortalece”

[...] eu quero viver pra mim ver eles formado, de terno: ‘olha, mãe, vencemos’ [...] (Aphrodite).

No diário de campo, após as entrevistas, registrei em frente ao seu nome –

“Otimismo”. Quando entrei em contato com ela por telefone pela primeira vez, me

surpreendeu a receptividade e a segurança daquela mulher: “eu quero falar”.

Procurei-a pela primeira vez no seu local de trabalho, conforme ela me solicitara.

Naquele dia a entrevista não pôde ser realizada porque ela estava de mudança e

tinha que ir para casa mais cedo. Combinamos novo encontro, que se daria após um

novo contato telefônico. Segui com as entrevistas e deixei para ligar-lhe por último,

ou seja, assim que terminasse as demais entrevistas. Um dia ela me ligou: “E aí, não

vem me entrevistar? A entrevista aconteceu logo depois, ao final de seu expediente,

no anfiteatro do seu local de trabalho, local este autorizado pelo administrador da

instituição.

Page 43: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

41

Aphrodite é uma bela mulher negra, com pouco menos de 40 anos,

divorciada, e tem três filhos. Sua vida já não era muito fácil. De família evangélica,

teve um filho solteira e se sentia muito sozinha, morar com a mãe era difícil, pois

havia muitos conflitos entre elas. Durante muitos anos ela orou e pediu ao Senhor

que lhe mandasse um marido. Quando apareceu “Otelo” ela acreditou que suas

preces tinham sido atendidas: “Quando eu vi aquele “negão” assim tipo o Edie

Murph, o olho cresceu...é esse...”

Estava grávida de oito meses quando descobri. Foi em 1998. Meu marido passou muito mal e foi internado. Ele tinha ido doar sangue e a secretária de lá, que conhecia ele desde criança, desconfiou. Ele fez o exame e deu positivo para HIV. Eu vivia com ele fazia 1 ano. Fui encaminhada para Curitiba e tive o menino lá, só que não deu tempo de fazer o AZT endovenoso, mas o menino é negativo. O Otelo ficou preso na Colônia Penal Agrícola e lá ele contraiu o HIV antes da gente se conhecer, em 1988. Lá ele recebeu o diagnóstico, mais como saiu da cadeia forte, quase 100kg ,ele achou que estava curado. Eu não sabia de nada, não sabia que ele era usuário de droga.

Aphrodite viveu ainda com Otelo por alguns anos, teve mais um filho com ele

e se separou em função da dependência de drogas do marido. Segundo seu relato,

ele era usuário de drogas injetáveis e por diversas vezes deixava seringas

contaminadas pelo chão. Vendia tudo o que tinham em casa e até a própria casa foi

vendida para traficantes. Os dois filhos são negativos para o HIV. Ela mora com

seus três filhos, trabalha como auxiliar de serviços gerais e seu desejo é encontrar

um novo companheiro. Está muito feliz porque conseguiu construir uma nova casa, é

evangélica praticante e tem como seu maior sonho ver seus filhos com diploma de

“doutor”.

4.1.2 Hera: o significado da alegria

[...] já que eu vou morrer, vou deixar a família melhor, né [...] e fiz a casa e não morri, comprei o carro e não morri, (rindo muito) [...] qué sabê de uma coisa? Num vou morrer não, eu vou é casar de novo (rindo) [...] (Hera).

Page 44: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

42

Eu terminei a entrevista com Pandora (as entrevistas aconteciam na ONG) e

imediatamente ela telefonou para Hera a fim de intermediar nosso contato. Ela nos

convidou para ir à casa dela naquele momento e lá fomos nós, Pandora e eu. Eram

10 horas da manhã. No meu diário de campo o nome dela aparece ligado à frase

“alegria de viver”. Recebeu-me muito bem, demonstrou ser uma pessoa muito

extrovertida, feliz. Contou-meu que já está no quarto casamento. As falas estão

sempre permeadas por muitos risos, que são prontamente substituídos por lágrimas

quando fala de suas dores e sofrimento causados pela doença. Hera é uma mulher

de 42 anos, viúva por três vezes e que parece viver de bem com a vida.

Quando foi infectada estava em seu segundo casamento. Era viúva desde os

19 anos. Refere que gostava muito dele e viviam muito felizes. Ele era

caminhoneiro, já estava contaminado muito antes de conhecê-la, embora só tenham

descoberto isso quando ele adoeceu, portanto ele não se sabia portador.

Era uma estória de malária, malária, e vai num médico e vai no outro e ele foi perdendo peso, perdendo peso até que o médico fez uma tomografia e descobriu: era o HIV. Isso foi em 1993, período em que não se ouvia quase falar de Aids. Em seguida ele ficou muito doente e eu e a mãe dele cuidamos dele. Ele viveu pouco tempo, 4 meses. Depois que ele morreu eu entendi o que estava se passando e aí tive muito medo, entrei em depressão por mais de um ano.

Depois de se recuperar da depressão, continuou trabalhando e ajudou seus

pais e irmã a construir suas casas e se estabilizarem financeiramente. Conheceu

outra pessoa, também soropositiva, e se casou. Essa pessoa faleceu quatro anos

depois. Hoje ela está casada novamente, com outro portador. Nunca teve filhos e

não trabalha fora de casa, se diz muito feliz e de bem com a vida. Ela demonstra ser

uma pessoa de muito bom senso e sua alegria de viver é contagiante.

4.1.3 Pandora: um exsudato de sofrimento e dor

Eu era uma pessoa feliz, uma pessoa que tinha uma profissão, que trabalhava, era independente, de repente tudo mudou [...] (Pandora).

Page 45: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

43

Pandora foi minha primeira entrevistada de fato, pois antes dela eu fui

entrevistar uma outra pessoa, que seria a primeira, mas fiquei muito nervosa e me

esqueci de ligar o gravador. Além disso, o primeiro contato foi apenas de

aproximação. A entrevista com Pandora foi marcada na ONG para as 8hs da manhã.

Durante a entrevista precisei trocar de gravador duas vezes, o que nos fez retomar

as gravações também por duas vezes. Pandora foi uma pessoa muito importante na

minha pesquisa, pois intermediou vários contatos que se tornaram sujeitos da

pesquisa. Durante nossa conversa, senti sua tristeza e revolta exudando por todos

os poros, e em meu diário de campo seu nome aparece ligado à palavra revolta. Ela

é uma mulher 38 anos, que se casou após os trinta anos; vive com o marido e a

filha, é técnica em contabilidade, mas não exerce a profissão.

Eu descobri que estava grávida já no quarto mês de gravidez, porque eu achava que não podia ter filhos. Aí fiz os exames e já veio junto o resultado do HIV. Logo comecei a tomar o AZT. Depois que eu peguei o resultado, ele (marido) não aceitava fazer o teste, quando ele foi fazer, minha filha já estava com oito meses. Ele ficou muito doente, quase morreu. Ele já tem a doença, eu sou só portadora. Nosso relacionamento ficou uma tragédia, tudo mudou [...] ele não aceita, eu vou no médico por ele, eu pego o remédio pra ele, eu tenho que cuidar de mim e dos outros...ele morre de medo que alguém saiba. Ele é o pai da minha filha, ela precisa do pai e eu tenho que cuidar dele porque ele é referência dela. Eu tenho um sonho... queria ser advogada [...] mas agora não dá mais...eu vivo em função da minha filha, do meu marido [...] um dia isso vai ser diferente, eu vou viver a minha vida [...].

Pandora me pareceu muito oprimida. Seu relacionamento com o marido é

muito difícil, pois, segundo ela, eles são pessoas muito diferentes. A mágoa ainda

está muito presente no seu discurso, e ela busca, por meio de novas atividades

desenvolvidas na ONG, reencontrar sua identidade, sua vida própria.

4.1.4 Thebe: amor e ódio: paradoxo constante

Tem hora que dá aquela tristeza [...] Eu não merecia, eu falo para mim mesma que eu não merecia isso. Precisava ele ter me prejudicado desse jeito? (Thebe).

Page 46: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

44

Entrevistei Thebe num dia em que chovia muito, quase uma tempestade,

tanto que em meio às suas falas, o gravador captava os sons ensurdecedores dos

trovões. Aquela mulher me pareceu triste como aquele dia escuro, sofrida e

machucada. Receou dar a entrevista, tem muito medo que seus filhos ou outras

pessoas venham a conhecer seu segredo. Ela mora com seus três filhos; estava em

licença-maternidade e seu esposo encontra-se detido em um presídio na cidade de

São Paulo. Vive sozinha, com a responsabilidade de três crianças e o peso quase

palpável de uma situação de vida delicada, de um momento muito difícil. O começo

de nossa entrevista foi marcada por uma postura de muita desconfiança; mas aos

poucos ela foi se soltando e ao final da entrevista estava muito à vontade,

mostrando fotografias de família e me dando o bebê para segurar. A sua fala revela

um misto de amor e ódio pelo marido, um sentimento que ela ainda não sabe definir.

Thebe é muito jovem, tem 33 anos, é casada, tem três filhos e trabalha como auxiliar

de serviços gerais. Sua filha mais velha é uma adolescente de 16 anos, o do meio

tem 8 anos e o mais novo é um bebê com menos de 6 meses de vida.

Eu descobri quando fui doar sangue. Aí eu pirei, queria me jogar em baixo de um caminhão. Eu tinha vontade de matar ele, eu falava pra ele que ele tinha destruído a minha vida. Ele era um marido excelente, aí depois se envolveu com umas garotas de programa e ainda por cima foi preso [...] Eu tenho muito medo de tudo isso, tenho medo que as pessoas saibam, tenho medo pelas crianças. Ainda bem que tenho o apoio da minha família, que é tudo pra mim, minha mãe, meus irmãos [...] agora quando ele sair da cadeia eu ainda não sei se vou querer ele de volta. Eu fui pra lá ver ele umas três vezes. É duro, um lugar horrível, eu não quero levar nosso bebê lá não [...] vamos ver como vai ficar. Eu quero é trabalhar e cuidar dos meus filhos.

Thebe traz impressa em seu rosto a marca da desconfiança e do medo. Além

da soropositividade, sua vida está num período muito complicado. Seus três filhos

estão em faixas etárias muito diferentes e necessitam de grande atenção e cuidado;

ela refere que é muito complicado para ela sozinha enfrentar toda essa situação.

Neste momento, seus irmãos e pais têm sido sua fonte de sustentação, além do

sogro, que também tem colaborado.

Page 47: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

45

4.1.5 Réia: o sofrimento não dura para sempre

Saio, me divirto, chego de madrugada, o moleque fica na mãe [...] tem muita gente que tem inveja de mim (Réia).

Eu conheci Réia há mais ou menos cinco anos, logo que ela recebeu o

diagnóstico de HIV, durante seu pré-natal. Naquela ocasião, como enfermeira do

serviço, acompanhei-a, inclusive através de visitas domiciliares. Quando reencontrei

Réia para a entrevista, percebi em seu rosto que sua vida havia se transformado: ela

mostrava uma expressão leve, diferente da que eu conhecera. No contato telefônico

que fiz para marcar a entrevista, ela manifestou de imediato sua preocupação com o

sigilo e já foi me perguntando: “Você não pegou meu telefone com minha mãe não,

né?” Hoje, Réia está com 35 anos, é viúva e mora sozinha com seu filho de 5 anos.

Nunca trabalhou fora de casa e vive da pensão que seu marido lhe deixou.

Eu descobri na gravidez. Foi difícil. Tudo de negativo vinha na cabeça. A minha família não sabe, eu escondo o máximo que posso, só contei pra uma irmã minha, porque o desespero foi muito grande. Eu não quero que ninguém saiba, se minha família souber vai sofrer e eu não quero isso. Eu sofri muito, mas já passou, agora eu sou feliz. Vivo com meu filho, saio, vou em baile, me divirto, tô sempre bem, não tomo mais remédio pra dormir, só mesmo o coquetel. Eu não queria uma separação de morte, nossa, a gente sofre; mas foi só no começo. Agora eu sou feliz.

Réia é viúva, vive com seu filho pequeno e recebe a pensão do marido.

Segundo ela, uma boa pensão, que tem lhe proporcionado uma qualidade de vida

muito boa. Sua história foi marcada por submissão e muito sofrimento. Seu marido

era alcoólico e agressivo, além de não aceitar o diagnóstico, tampouco o tratamento.

Chama a atenção o fato de ela não compartilhar o diagnóstico com seus familiares,

apesar de possuir com eles uma excelente relação.

4.1.6 Vênus: a Aids não escolhe idade

Page 48: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

46

Não confia e não acredita, todo homem casado vai fazer um dia. Você fala não, mas é [...] e não tem volta [...] (Vênus).

A entrevista com Vênus foi marcada por telefone para uma tarde de quarta-

feira, mas quando cheguei à sua casa não havia ninguém. Achei que ela tivesse se

arrependido; fiz novo contato telefônico e remarcamos a visita. Ela havia tido que

acompanhar uma vizinha ao hospital.

Vênus é, de todas as entrevistadas, a mais velha: tem 57 anos. É separada

por duas vezes e deixou de trabalhar há alguns anos em função de problemas

respiratórios desenvolvidos após a doença. Mora em casa própria. Era separada

quando conheceu o segundo marido, com quem viveu onze anos e por quem foi

infectada pelo HIV. Suas suspeitas a respeito do marido se iniciaram quando ele

começou a apresentar alguns sintomas que ela julgou esquisitos. Pedia que ele

fosse ao médico e ele se recusava, então desconfiou que havia algo errado.

Eu tinha um companheiro e ele tava muito ruim e não ia ao médico, porque ele sabia, ele sabia que era portador. Aí ele falou: ‘Eu não vou fazer exame nenhum, se você quiser faz você’. Eu fiz e deu, mas ele continuou negando por mais de seis meses. Meu problema é que o remédio me faz mal, me tira o apetite, me tira o sono, por isso eu emagreço. Agora o meu companheiro ele sabia que tinha e não me protegeu, os amigos dele já sabiam, mas eles também não falaram. Aí depois eu fiz amizade com eles, eles perguntaram: ‘Mas ele não se preparou com você?’ Eles ficaram muito revoltados. Eu disse a eles: ‘Por que vocês não me avisaram?’.

Vênus tem um filho e uma filha e no momento ambos estão morando com ela.

Ele é solteiro e ela é casada, se mudou para Umuarama há pouco tempo e está

morando com a mãe até encontrar uma casa. Tem dois netinhos e se diz feliz.

Procura não pensar na doença, toma seus remédios adequadamente e, segundo

ela, vai levando a vida.

4.1.7 Elara: amor é para toda a vida

[...] aí ele pedia pra eu deixar dele, só que [...] até hoje eu gosto dele, mesmo com o que aconteceu, até hoje. Amor, amor mesmo pra toda

Page 49: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

47

vida[...] meu sentimento por ele não mudou [...] se ele tivesse vivo tava com ele (o primeiro marido) até hoje [...] (Elara).

Elara era um nome que eu ouvia constantemente quando o assunto era

HIV/Aids. As pessoas que trabalham com o programa de DST/Aids têm Elara como

referência. De fato ela me pareceu uma liderança nata quando a conheci.

Conversamos longamente durante umas duas manhãs antes da entrevista. Foram

encontros casuais que aconteceram quando eu estava visitando os serviços de

DST/Aids do município e a ONG. Nas duas ocasiões em que conversamos antes da

gravação da entrevista, ela me falou um pouco do trabalho que realizava com

grupos de profissionais do sexo, de sua experiência com gangues de tráfico de

drogas, entre outras coisas. Suas colocações me pareceram muito ricas, e ao lado

do seu nome no meu diário de campo, anotei a palavra “sabedoria”.

Ela me conta que se separou do marido muito jovem, que tinha dois filhos

desse primeiro casamento, e que se casou novamente com um caminhoneiro e foi

morar no Norte do Brasil. Lá, depois de alguns anos, descobriram que seu marido

estava infectado. Cuidou dele até a morte, que aconteceu muito rapidamente.

Depois voltou para Umuarama. Seis meses após a morte de seu marido, conheceu

outro homem, a quem revelou sua condição de portadora; eles se casaram e estão

juntos há 10 anos. Ele não é portador.

Ele começou a ter muita diarréia e fraqueza, os médicos achavam que era dificuldade de adaptação, alimentação... Demorou para descobrir. Aí ele viveu seis meses. Até hoje eu gosto dele, mesmo com o que aconteceu, até hoje. Amor, amor mesmo pra toda vida. Meu pai não aceita, não fala comigo até hoje, na casa de minha mãe eu não passo da cozinha, porque meu pai é acamado, vive mais no quarto. Eu sou filha única. Minha mãe é dez, me apóia e se preocupa comigo. Eu tenho um primo com Aids, outro tá na cama. O Ministério da Saúde falou que é um portador em cada família, na minha já são quatro.

Elara hoje mora na zona rural do município, opção que fez para evitar que

seus filhos se envolvessem com traficantes que moravam em seu bairro. Vive com

seu marido e os dois filhos, que agora estão voltando a estudar, pois passaram

grandes dificuldades relacionadas à exclusão e preconceito na escola que

frequentavam. Ela se emociona muito quando fala de suas dificuldades e das

dificuldades que os portadores vivenciam em seu cotidiano.

Page 50: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

48

4.1.8 Ceres: ser jovem com Aids - a experiência que não é bem-vinda

Antes da doença eu estava bem, era gorda, agora emagreci. Fiquei com vontade de ir embora, fugir [...] (Ceres).

Ceres é a mais nova das mulheres entrevistadas. Aos 22 anos estava grávida, e

foi quando eu a conheci. É casada, já tem uma filha de 10 meses e vive com seu

marido na área rural do município. Não trabalha fora de casa. Apesar de possuir o

ensino médio completo, não foi capaz de evitar que a desinformação a transformasse

em mais uma vítima da Aids. Tem grande dificuldade de comunicação, é tímida e

ressabiada, mas muito inteligente e sabe o quer para si mesma. Descobriu sua

soropositividade na primeira gestação, e nesse parto queria fazer laqueadura, pois não

gostaria de ter mais filhos. Acompanhei Ceres durante todo o seu pré-natal e foi tudo

acertado para que logo após a cesariana fosse realizada a laqueadura, segundo

orientações da assistente social da Secretaria de Saúde do município. Entretanto, no

dia marcado para a realização da cesariana, Ceres foi dispensada pelo médico de

plantão da maternidade, dizendo que seu parto só aconteceria dentro de um mês. Ela

voltou para casa e dois dias depois deu entrada na maternidade em franco trabalho de

parto. A criança nasceu no corredor, não houve tempo de fazer a dose de ataque do

AZT e tampouco foi realizada a laqueadura.

Fiz exame e a mulher falou lá no posto: ‘Ceres, você tá com HIV’. Chorei bastante, elas me deram conselho, mas não adiantou. Demorou pra eu me acalmar. Eu peguei um desgosto da vida... Os outros diziam: ‘Essa doença não te cura’. A cidade inteira ficou sabendo e falava nas minhas costa. Hoje eu tô bem, quero viver pra cuidar das minhas filhas.

Hoje, Ceres continua morando com o marido e as duas filhas. Eles têm muita

dificuldade financeira, moram em uma casa construída em um terreno de parentes,

com dois cômodos.

Page 51: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

49

4.2 Caracterização das participantes da pesquisa

O grupo de entrevistadas foi composto por oito mulheres, que se encaixam

perfeitamente no perfil da epidemia. São mulheres ainda em período de fertilidade, em

sua maioria donas de casa, que foram contaminadas por via sexual, por seus parceiros

estáveis. Mulheres que não se percebiam vulneráveis e se sentiam protegidas dentro

de seus lares e por relacionamentos que julgavam seguros. A metade (quatro) das

entrevistadas descobriu-se infectada durante a gravidez, quando dos exames da rotina

pré-natal, que incluem obrigatoriamente o exame anti-HIV, após a implantação da

Portaria GM/MS n.º 569, de 01 de junho de 2000.

Essas mulheres possuem idade variando entre 22 e 57 anos, com o tempo de

diagnóstico de dois a catorze anos, o que nos mostra que foram infectadas muito

jovens. Cinco delas já estão sendo submetidas a tratamento, com tempo inicial variando

também entre dois e catorze anos, o que reafirma o já conhecido aumento da

longevidade após a introdução dos anti-retrovirais, descrito por vários autores

(JOHNSTON et al., 1998; PATERSON et al., 2000; SANDE; GILBERT; MOELERING

apud COLOMBRINI et al., 2006), que afirmam ser evidente a eficácia terapêutica

principalmente após a introdução do conceito da HART (Highly Active Antiretroviral

Terapy – Terapia Antiretroviral Altamente Eficaz), que indiscutivelmente torna mais lento

o curso da doença e prolonga a vida. Entre todas, não existiu nenhum caso de não-

adesão ou de abandono do tratamento.

O perfil socioeconômico destas mulheres aponta para os dados de feminização

da epidemia. A maioria delas vive com um parceiro, e três são legalmente casadas,

duas casadas consensualmente, com tempo de relacionamento mínimo de três anos e

máximo de catorze anos; Duas são separadas e uma é viúva.

Em relação à escolaridade, quatro delas freqüentaram o ensino médio, sendo

que três possuem o ensino médio completo e uma incompleto. Em contrapartida, quatro

mulheres freqüentaram apenas o ensino fundamental, e três delas não o completaram.

Na atualidade, apenas duas delas estão regularmente inseridas no mercado de

trabalho e exercem (as duas) a profissão de auxiliar de serviços gerais. As demais se

dedicam aos afazeres domésticos e cuidados com os filhos e quatro delas estão

Page 52: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

50

engajadas no trabalho com o Grupo União pela Vida (ONG). Quando questionadas

sobre a razão de não estarem trabalhando, duas informaram ter parado de trabalhar

alguns anos após o diagnóstico, por problemas relacionados a ele; duas pararam de

trabalhar em função da gestação e encontraram dificuldades para retornar ao mercado

de trabalho; e as demais nunca exerceram atividades fora de casa.

Dentre as entrevistadas, apenas uma não tem filhos. O número de filhos varia

entre um e três, sendo que uma das entrevistadas estava, durante as entrevistas, no

terceiro trimestre de gravidez, tendo seu bebê nascido no transcorrer do trabalho. Todos

os filhos vivem com as mães.

Do número total de filhos dessas mulheres (catorze), oito nasceram antes do

diagnóstico e seis nasceram após, e quatro deles foram diagnosticados na gravidez e

dois foram gerados com suas mães conscientes do diagnóstico de soropositividade.

Isso pode nos levar a compreender que elas demonstram uma confiabilidade nas

medidas preventivas e no tratamento da doença, ao mesmo tempo em que aponta para

a não-adesão ao preservativo, visto que as mulheres que engravidaram após o

diagnóstico referem não ter planejado a gravidez. De acordo com Silveira e Santos

(2005), que examinaram diversas publicações sobre o assunto, o fato de saber-se

portador do HIV não implica, necessariamente, uso de preservativo em todas as

relações sexuais, mesmo com parceiro não portador ou de sorologia desconhecida. Os

autores ainda atribuem a melhora do estado de saúde e a redução da carga viral

decorrente das mais modernas terapias anti-retrovirais à sensação de diminuição da

necessidade de práticas seguras, o que poderia explicar a não-adesão ao uso de

preservativos por casais soroconcordantes.

Dentre as crianças nascidas após o diagnóstico, nenhuma apresentou

soropositividade, embora 03 ainda estejam em segmento observacional. Todas as

mulheres que engravidaram conscientes da soropositividade foram submetidas ao

tratamento anti-retroviral, variando em maior ou menor tempo, de acordo com a

precocidade do diagnóstico.

A maioria (seis) das mulheres infectadas por seus parceiros manteve

relacionamento com eles, sendo que destas, três permaneceram junto aos seus

maridos até a morte e três continuam vivendo com eles até o momento. Por outro lado,

hoje, quatro mulheres se encontram em novo relacionamento estável. A ruptura do

Page 53: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

51

relacionamento após o diagnóstico aconteceu em dois casos, embora em um deles

tenha ocorrido em função de uma conjunção de fatores, entre os quais a drogadição do

parceiro, e não exclusivamente pela descoberta do diagnóstico.

Embora com a descoberta do diagnóstico haja um sentimento enorme de revolta

contra o parceiro, com a condenação dele como único culpado de toda a situação, com

o tempo o sentimento vai sendo substituído por aceitação, chegando até mesmo à

“absolvição” completa do parceiro.

A análise dos relacionamentos estáveis, que são cinco, mostra que um deles

acontece entre parceiros sorodiscordantes e com tempo de vida sexual ativa superior a

oito anos. Esta não-contaminação masculina pode ser explicada pela observação

cuidadosa dos métodos de proteção, das diferenças anatômicas entre os gêneros e do

grau de exposição ao vírus.

O uso do preservativo por essas mulheres parece ser mais facilmente negociável

a partir da descoberta do diagnóstico, mas esse uso não passa pela negociação com

seu parceiro fonte de infecção, mas se dá quando as mulheres saem para outros

relacionamentos. Silveira e Santos (2005) encontraram em seus estudos que “os

portadores de HIV mostram um comportamento de altruísmo preventivo geralmente

maior que os esforços de autoproteção dos HIV negativos”. Isso explicaria o fato de

que, das 08 mulheres, apenas duas parecem não se comprometer muito seriamente

com o uso do preservativo, ao passo que as demais demonstram estar convencidas da

sua necessidade e o adotam como regra de comportamento, embora uma delas relate

ainda possuir dificuldade de negociação com o parceiro. A justificativa para o fato é que

alguns deles (parceiros) não aceitam o diagnóstico, a despeito de toda a confirmação

laboratorial, ou se o aceitam, acreditam que o uso do preservativo, a esta altura, não

tem mais importância.

Silveira e Santos (2005) ressaltam ainda que o altruísmo preventivo dos

portadores de HIV pode ser reforçado por intervenções apropriadas, o que significa, de

acordo com King-Spooner (apud SILVEIRA; SANTOS, 2005), que aumentar os

esforços preventivos junto aos portadores de HIV pode ser mais efetivo do que entre

indivíduos da população em geral, por três razões: maior efeito na disseminação da

epidemia; altruísmo preventivo dos portadores do HIV e o fato de que esse altruísmo

pode ser reforçado por intervenções apropriadas.

Page 54: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

52

Outro fator importante observado é que todas as mulheres referiram nunca ter

utilizado o preservativo antes da infecção, o que vem confirmar a percepção que

possuíam acerca de sua proteção dentro de um relacionamento estável.

Em relação ao enfrentamento da doença, seis mulheres já assumiram a

soropositividade publicamente, participando de eventos, palestras e cursos oferecidos

pelas ONGs e pelo Ministério da Saúde; duas delas preferem manter o sigilo, para

proteger os filhos e evitar o sofrimento da família com o conhecimento do diagnóstico, e

pelo medo do preconceito da sociedade contra ela e sua família.

Mesmo entre as mulheres que assumem o diagnóstico, é observada uma

negação em relação a ele, tanto por parte delas quanto das famílias, em um pacto de

silêncio que tem por função protegê-las da dor e da ameaça constante que a doença

representa para a preservação da vida.

A fé e a religiosidade foram citadas como fonte importante de conforto e estímulo

à vida. Todas as entrevistadas declararam algum tipo de relação com a religiosidade,

entretanto os princípios e normas religiosos foram citados como fatores que dificultam a

adesão às organizações religiosas. Esta temática será discutida posteriormente.

A rede de apoio oferecida hoje ao portador facilita o enfrentamento e talvez

justifique o alto índice de mulheres que assumem ser portadoras. Além disso, foi

observado, durante a pesquisa, que cada mulher é fonte de apoio e incentivo a outra

nas atividades da ONG, por possuírem histórias de vida semelhantes e compartilharem

a mesma dor.

Embora essas mulheres estejam em confronto diário com a doença, as

condições de cuidadora, de mãe e esposa são prevalentes. Foi possível observar que,

enquanto tiverem de quem cuidar, vão ter forças para lutar e sobreviver; e manter-se

em boas condições de saúde é condição sine qua non para serem cuidadoras. Assim,

sua família significa a maior e melhor rede de apoio, na qual elas depositam todas as

possibilidades de cuidar e ser cuidadas.

4.3 Categorias temáticas enunciadas

Page 55: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

53

No diagrama abaixo estão representados os conteúdos das categorias e

subcategorias encontradas na análise dos dados que constituíram o eixo fundamental

desta pesquisa:

Diagrama 1 – A intersubjetividade de viver com Aids: relação entre as categorias e

subcategorias encontradas no estudo.

O diagnóstico da soropositividade

Negar a doença – uma forma de se auto- proteger

De repente a depressão: o sofrimento é revelado em

forma de doença

Estou infectada e agora? A vida

após o diagnóstico

Vivendo com Aids: o

confronto com a realidade

Ser mulher e viver com Aids

num mundo masculino:uma

questão de gênero

A rede de apoio influenciando

negativamente a vida do portador: estigma,

discriminação e preconceito

Cuidar de si, do outro, de todos:

descuidar-se

A rede de apoio influenciando

positivamente o portador: a família em evidência

Amor e sexualidade: o caminho

para contrair Aids

De quem é a culpa? mesmo que seja dele, a culpa é minha...

Outras fontes de apoio - a comunidade que acolhe

Fé e religiosidade: o sagrado como suporte para enfrentar a doença

Outras redes influenciando de forma negativa a vida do portador

Ter Aids e não estar só: o papel da rede social para o portador.

Existir com Aids: a (des) construção de um castelo de emoções.

O modo de ser e estar HIV+: o cuidado se revelando no dia-a-dia do portador.

Page 56: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

54

4.3.1 Existir com Aids: a (des)construção de um castelo de emoções

Biologicamente, as emoções se traduzem por aquilo que as pessoas são

capazes de sentir nas situações que vivenciam. Entretanto, falar de sentimento e

emoção é traduzir em palavras as dores e alegrias que somos capazes de sentir e

expressar. É indubitável que as mulheres entrevistadas possuíam uma grande

bagagem de emoções que de forma variada foram externalizadas. O conteúdo das

entrevistas é extremamente emocional, os sentimentos permeiam todas as falas e por

isso, muitas vezes as categorias tendem a se misturar. Falar da dor da soropositividade

é fazer emergir sentimentos muitas vezes sufocados, é trazer à tona o medo, as

angústias, a fragilidade, a realidade que magoa e incomoda.

Não obstante, parece que a experiência da dor torna essas mulheres mais

valentes, fortes e determinadas. Elas mostram uma alegria de viver, um apego e uma

valorização da vida, dos seus significantes. Não demonstram piedade de si mesmas,

não ficam chorando pelos cantos, são guerreiras, vão à luta.

Nesta categoria aparecem seus sentimentos acerca de si mesmas, da família, da

sociedade, da doença, a dor da descoberta, a volta por cima.

4.3.1.1 O diagnóstico de soropositividade

O cotidiano de nossas vidas normalmente nos absorve e nos faz “funcionar”,

quase que automaticamente. Diariamente executamos tarefas necessárias e muitas

vezes repetitivas, e o tempo que dedicamos para refletir sobre cada acontecimento de

nosso dia-a-dia é estabelecido de acordo com a importância desses acontecimentos

para as nossas vidas. Dentro deste curso considerado “normal”, é possível avaliar,

usando de empatia, o impacto que uma notícia como o descobrimento da

soropositividade para o HIV pode causar em uma pessoa.

Projetos e planos pessoais podem perder totalmente a importância e o sentido.

Sentimentos múltiplos e contraditórios dominam o imaginário do portador. Entra em

cena uma série de questões referentes à infecção: como fui infectada? Por que não me

cuidei? Por que ele fez isso comigo? Como vou contar à minha família? (STEFANELLI

Page 57: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

55

et al., 1999). encontraram em seus estudos que sentimentos como o medo, a

ansiedade, desespero e angústia estão presentes desde que a pessoa resolve fazer o

exame laboratorial até quando ela recebe o disgnóstico de positividade. Outros

sentimentos, como a solidão, a perda do significado da vida e a deseperança, também

podem surgir.

Nos discursos das entrevistadas pudemos observar que a Aids traz a prespectiva

da morte para muito perto, fato também encontrado pelas autoras em seus estudos,

que observaram ainda que “ a morte é algo que faz parte do nosso cotidiano, mas o

sentimento de finitude não é habitual no nosso pensar” (STEFANELLI et al., 1999, p.

69). Desta forma a confirmação do diagnóstico traz esse sentimento para o cotidiano,

fazendo com que essas pessoas passem a conviver com sua finitude de forma mais

íntima e próxima. Enfim, só é possível compreendermos a dimensão desta notícia para

a vida de uma pessoa à medida que a conhecemos e nos aproximamos de sua vivência

Os depoimentos abaixo dão a dimensão desta problemática para a vida dessas

pessoas. A totalidade das mulheres entrevistadas refriu uma dor “visceral” quando

soube da notícia, acompanhada de uma certeza de morte iminente, muitas até fazendo

referência ao desejo de pôr fim à própria vida.

[...] o médico falou assim que ele (marido) podia morrer hoje, amanhã, quando descobriu ele já tava na fase terminal [...] eu tinha 50% de chance de ter e 50% de chance de não ter [...] aí não fui fazer o exame logo, achei que assim que pegasse o resultado ía morrer [...] (Elara).

[...] eu vou morrer, eu vou morrer, eu vi enterrando alguém com isso, passou pra mim, vou morrer... Me dava pavor, me dava desespero e era quatro horas da manhã eu andava dentro de casa. Quase que eu tomei veneno, sabe [...] dá um pânico, piro o cabeção [...] acabou tudo, acabou tudo [...] (Hera).

É inevitável pensar na morte ao deparar-se com o diagnóstico de uma doença

incurável e estigmatizante como a Aids. Em desacordo com o que está em curso hoje, o

medo da morte parece ser resquício de uma época em que a doença matava muito

rapidamente, pois, como descrito por Nascimento (1997), a Aids irrompeu no cenário

público no início da década de 80 e a forma brutal como se manifestava espalhou

perplexidade tanto no meio científico quanto no meio leigo. O papel da imprensa

também foi decisivo no perfil da doença apreendido pela sociedade, reforçando no

imaginário coletivo a noção de que a Aids era efeito necessário de condutas

Page 58: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

56

moralmente reprováveis. Assim, é compreensível que deparar-se com um diagnóstico

de uma doença desta magnitude, suscite o medo e a fantasia da morte próxima.

Hoje, como anteriormente citado, com o advento da terapia anti-retroviral é cada

vez maior a expectativa de vida do paciente HIV/Aids, especialmente porque no Brasil

esta terapia é acessível a todos e oferecida pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Dourado et al. (2006) observam que no Brasil, a partir de 1996, notou-se uma redução

progressiva da mortalidade por Aids e o crescimento da incidência da doença deixou de

ser acompanhado pelo de óbitos.

Outro aspecto relevante em relação ao enfrentamento do diagnóstico diz respeito

à falta de preparo de serviços de saúde e de profissionais para revelarem o resultado de

exames positivos aos portadores. Como a testagem de anticorpos para HIV passou a

fazer parte da rotina de pré-natal, é nas unidades básicas de saúde que é revelada a

maioria destes resultados. É consenso que a maioria das unidades básicas de saúde e

unidades de Saúde da Família não possuem serviços de aconselhamento estruturados.

Sobre isso, Carvalho e Piccinini (2006) resaltam que o diagnóstico deve ser fornecido

com suporte e aconselhamento, pois de outra forma, a experiência se torna muito mais

difícil. As autoras encontraram ainda que a dificuldade em assimilar o diagnóstico pode

resultar em uma falta de iniciativa para iniciar o tratamento.

[...] no dia que eu soube a mulher que me atendeu no posto falou assim: ‘Você tá com Aids, você precisa ir no médico logo, essa doença mata [...]’ (Réia).

O depoimento de Réia nos dá uma clara noção desta realidade: profissionais

mal-preparados para dar a notícia acabam por complicar ainda mais o processo de

assimilação e naturalização da doença. A entrevistada nos revelou ainda que, quando a

funcionária lhe disse isto, seu desespero foi tão grande, que ela simplesmente não teve

ação nenhuma nos primeiros dias após o diagnóstico.

Ainda em relação à revelação do diagnóstico, todas as entrevistadas

descreveram este momento como um dos mais difíceis, referindo ter se sentido

totalmente desorientadas e solitárias. Sobre isso, Carvalho e Piccinini (2006)

encontraram dados semelhantes em seus estudos, em que relatam que a impressão

transmitida por suas entrevistadas era de estarem sozinhas.

O sentimento de revolta é predominante em alguns depoimentos, mas sempre

como uma reação inicial, seguida de resignação e de uma posterior aliança ao

Page 59: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

57

enfrentamento, o que possivelmente oferece a essas mulheres ferramentas que tornam

seu cotidiano mais ameno, no sentido de somarem forças para resolver os problemas

domésticos.

[...] revolta [...] revolta, mas você tem que se agarrar em alguma coisa, né? [...] Então você tá num barco furado, tem duas pessoas nesse barco, o que é que você vai fazer? Abandonar? Tem que seguir em frente, você tem que pegar o outro pela mão e ir junto [...] (Pandora).

[...] no começo eu queria matar ele [..] mas depois [...] que que eu vou fazer, que nem ó, todo mundo abandona, só ficou nós dois. Perde amizade, perde isso... Ainda mais que ele deu uma aprontada inda foi pra cadeia [...] (Thebe).

Este sentimento parece ser paulatinamente substituído por um desejo imenso de

lutar pela vida, como se o vírus representasse um desafio a essas mulheres e seus

amores, ou seja, o combustível necessário para a preservação da vida.

[...] aí ele fez o negócio lá (exame), aí o doutor mandô me chamar que era o vírus HIV, mas eu, como vivia muito bem, tinha um casamento muito sólido, gostava muito dele, daí não caiu a ficha, sabe? [...] você leva um choque assim, um tranco [...] eu fiquei meio boba [...] aí vou faze o quê? Vou cuidá dele [...] (Hera).

[...] eu sou uma pessoa que não sou muito assim de me apavorar não. Eu sou uma pessoa calma [...]. A gente tem que passar por certas coisas. Eu fui a premiada [...] no começo a gente fica revoltada com a pessoa, só que depois você se conforma, porque o homem sofre mais que a mulher [...] a gente é forte [...]eles se entrega em bebida e droga [...] (Vênus).

Mesmo com muito sofrimento, essas mulheres enfrentaram a doença; elas

demonstram força para lutar, para viver. Não se trata de resignação, mas sim de tentar

se adaptar a uma nova vida, a uma nova condição. O enfrentamento diário de uma

situação que nos incomoda traz sofrimento profundo e a psique é especialista em

buscar “estratégias de sobrevivência” para essa dor, entendendo-se “psique” como tudo

aquilo que é referente à alma e suas faculdades morais e intelectuais. Ao ouvir estes

relatos, imediatamente me veio à mente o texto de Machado de Assis que nos fala da

dualidade de nossas almas, especialmente quando nos deparamos com problemas de

difícil solução:

Page 60: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

58

Convém dizer-lhes que desde que ficara só, não olhara uma só vez ao espelho. Não era abstenção deliberada, não tinha motivo; era um impulso inconsciente, um receio de achar-me um e dois, ao mesmo tempo, naquela casa solitária; e se tal explicação é verdadeira, nada prova melhor a contradição humana, porque ao fim de oito dias deu me na veneta de olhar para o espelho com o fim justamente de achar-me dois. Olhei e recuei. O próprio vidro parecia conjurado com o resto do universo; não me estampou a figura nítida e inteira, mas vaga, esfumaçada, difusa, sombra de sombra. A realidade das leis físicas não permite negar que o espelho reproduziu-me textualmente, com os mesmos contornos e feições; assim devia ter sido. Mas tal não foi a minha sensação. Então tive medo; atribuí o fenômeno à excitação nervosa em que andava; receei ficar mais tempo, e enlouquecer (MACHADO DE ASSIS, 1998).

Arruda (1999) traz com muita propriedade, na resenha que fez do livro de Fábio

Herrmann “A psique e Eu”, as palavras pronunciadas pelo personagem de Machado de

Assis no conto “O Espelho – um esboço da nova teoria da alma humana”, escrito em

1882, que nos dá a dimensão da intensa inquietação que nos alcança quando somos

confrontados com nós mesmos: afinal, quem sou eu? Este que me mostram, reconheço

como sendo eu mesmo? Sou uno, sou vários? Figuras que se desdobram,

“esfumaçadas e difusas”...

As questões relativas à alma são constantes em nossas vidas, e em situações

de estresse elas tendem a se intensificar, as inquietações e angústias variam de acordo

com cada indivíduo, sua história, sua estrutura psíquica.

Algumas reações iniciais destas mulheres diante da revelação diagnóstica

denotam a perda total do autocontrole, demonstrando ser este um momento muito

delicado, no qual, caso não se possua um suporte para extravasar suas emoções, fica-

se sujeito a atos extremos e inconseqüentes.

[...] eu pirei. Se não fosse minha mãe eu tinha me jogado embaixo de um caminhão [...] eu não conseguia trabalhar [...] (Thebe).

[...] eu chorei muito quando eu soube [...] chorei bastante [...] peguei um desgosto da vida [...] (Ceres).

Por outro lado, no depoimento de Aphrodite a revolta foi substituída por um

comportamento de compreensão. É evidente que o fato consumado não tem retorno, o

que ela faz é reunir forças e lutar, lutar muito. Uma das características mais fortes da

personalidade de Aphrodite é a determinação, que eu pude observar pelo seu relato de

Page 61: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

59

história de vida e pela fibra que esta mulher demonstra ao falar de si mesma, de seus

filhos e do ex-marido:

[...] na hora a gente fica assim [...] será que é positivo? O papel na mão falta o ar, dá vontade de chorar [...] eu só dava risada... não vou dizer que é mil maravilhas, é difícil [...] Geralmente a mulher quebra tudo; ‘filho da mãe, você me infectou’ [...] Não, as coisa não é assim [...] ele nunca me falou nada que usou droga, que era [...] ele achava que tava curado [...] eu já perdoei ele, perdoei de coração [...] não tenho mágoa [...] (Aphrodite).

Outro aspecto que merece ser discutido está relacionado à angústia a que essas

mulheres e mães são submetidas durante o período de espera da confirmação

laboratorial de seus filhos recém-nascidos. Como o SUS prevê apenas os testes de

anticorpos como teste diagnóstico para o HIV e, como as crianças apresentam

anticorpos maternos até por volta dos 18 meses de vida, esse período em torno de dois

anos foi relatado como uma verdadeira tortura para as mães.

[...] no começo tudo o que vinha na cabeça era negativo[...], aí depois que o menino nasceu que ele tomou o remédio, enquanto ele tava tomando o remédio é um sofrimento pra mãe. Aí depois passou [...] passou [...] (Réia).

[...] antes de eu ir para a sala de cirurgia, uma freira entrou no quarto e me perguntou se eu já tinha escolhido a roupa do bebê, eu comecei a chorar [...] a menina nasceu perfeita, o primeiro teste deu negativo e o segundo positivo [...] até que no último foi negativo [...] foram dois anos de sofrimento [...] (Pandora).

Réia e Pandora trazem em seus relatos, assim como a maioria das mulheres

que tiveram seus filhos após a infecção, que o período de espera da confirmação

diagnóstica é muito doloroso, e, curiosamente, todas sabiam explicar a causa da

espera, o que aponta para uma boa orientação dos profissionais de saúde neste

segmento.

As entrevistadas Vênus, Thebe e Aphrodite tiveram como reação inicial a

negação, entretanto todas se submeteram ao teste e ao tratamento assim que

necessário. A negação nesses casos mostra uma relutância em entrar em contato com

a realidade. Elas sabem que têm o vírus, mas essa é uma realidade que causa muita

dor e traz muitas mudanças em seu curso de vida.

Page 62: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

60

[...] eu sei que tenho que tomá esses remédios por causa do remédio do coração, aí eu lembro do outro. Mas do contrário eu nem penso [...] (Vênus).

[...] a minha vida continua a mesma. Ah, eu sou tão feliz, nossa!... Não me abati em nada [...] (Apphrodite).

[...] eu não aceitava [...] eu falava pra ele que ele tinha destruído minha vida [...] (Thebe).

Estudos como os de Saldanha (2003), Carvalho e Peccinini (2006) demonstram

que o sentimento de negação é muito comum nestas situações. A assimilação do

diagnóstico é tarefa complexa, e em ocasiões em que a integridade física é ameaçada,

são comuns as manifestações de defesa do ego. Essas manifestações serão discutidas

oportunamente.

No caso de Hera o diagnóstico foi uma surpresa completa, pois as primeiras

suspeitas eram de que seu parceiro estivesse com câncer e ela em nenhum momento

imaginou que ele pudesse estar com Aids. Segundo ela, nem se ouvia quase falar

sobre isso no ano de 1993, embora os primeiros casos da doença no Brasil datem de

1982. Entretanto, quando se viu diante da possibilidade de ser HIV+, chegou a desejar

que fosse câncer. Isto nos dá uma idéia da carga que é o HIV para o portador.

[...] meu marido ficou doente [...] era uma estória de malária e foi perdendo peso, perdendo peso [...] O médico me chamou [...] ou é câncer ou é HIV [...] Aí eu pensei: ai, meu Deus, tomara que seja câncer [...] (Hera).

Os discursos mostram bem o paradoxo que permeia essas relações depois da

descoberta do diagnóstico: ao mesmo tempo em que fluem sentimentos de revolta, o

perdão e o cuidado também assumem conotação valiosa.

[...] quando descobri estava grávida [...] Aí foi passando, passando e eu entendi que eu tinha que cuidar de mim, do menino e dele, e cuidei, cuidei dele até o fim, até a morte dele [...] (Réia).

[...] quando descobriu, ele viveu seis meses [...] ele ficou dois meses internado no hospital os dois meses eu fiquei morando no hospital [...] (Elara).

Page 63: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

61

Os relatos de Réia e Elara nos remetem à reflexão sobre o papel de cuidadora

que emerge naturalmente nessas mulheres, papel que será discutido mais adiante.

Acredito que o fato de o diagnóstico muitas vezes ser desvelado na gravidez

complexifica ainda mais o processo de aceitação, pois ser mãe e estar com Aids

representam uma dualidade de sentimentos que misturam culpa, ansiedade e medo

relacionados a sentimentos de maternagem comuns nesse período. É mister que a

preocupação dos profissionais de saúde com a gestante soropositiva leve em

consideração não apenas os aspectos biológicos da assistência, mas também as

questões psicoafetivas da mãe, o que certamente contribuirá para um parto e

nascimento mais felizes.

É importante considerar que a maioria dessas mulheres ainda faz a descoberta

do diagnóstico pelos testes de rotina de gravidez, demonstrando que as ações

preventivas têm sido pouco eficientes, ou seja, não se consegue cooptar adeptos ao

uso do preservativo nas relações consideradas estáveis. Este dado já foi evidenciado

por vários estudos, como os de Giacomozzi e Camargo (2004, p. 42), segundo os

quais,

[...] para as mulheres que mantêm relacionamentos estáveis, a confiança é a certeza de que seus maridos não as traem e de que não as contaminarão com nenhuma doença sexualmente transmissível, portanto é desnecessário o uso de preservativos em um casamento confiável.

Os relatos a seguir são de duas mulheres que tiveram seus diagnósticos

revelados durante a gravidez:

[...] eu descobri na gravidez [...] já de quatro meses [...] tomei o AZT até a hora que ela nasceu, porque o parto é tudo diferente de um parto normal. Começa por aí: você sabe que você tem, aí começa a guerra psicológica com você [...] aí na mesa eu já passei muito medo, eu passei mal porque eu não ouvi minha filha chorar (Pandora).

[...] eu achava, que nem eu falei pro médico[...] ,eu vou morrer [...] eu não morri porque eu tinha uma criança na barriga, então não tinha como se matar. A vontade era de matar ele, era mandar ele embora, sei lá [...] (Réia).

Page 64: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

62

O primeiro discurso deixa clara a fragilidade do sistema de saúde brasileiro,

quando a entrevistada demonstra não ter sido apoiada ou orientada pelos profissionais

de assistência ao pré-natal e parto sobre as condições em que este ocorreria,

destacando-se o fato de o parto ser como outro qualquer, onde se tomariam os

cuidados alusivos à prevenção de infecção, sendo a mulher soropositiva ou não. Além

disso, demonstra um grande esforço do sistema em resolver a problemática biológica

da infecção, o que é muito louvável, mas deixa transparecer a sua ineficiência em dar

suporte às questões psicológicas das portadoras.

[...] aquela parafernália toda, aí você toma o AZT injetável, como um soro, fica tomando até que o cordão umbilical seja cortado para que não haja risco maior para o seu filho [...] porque quando o bebê nasce eles não podem deixar você como num parto em condição normal, que você fica deitada com o bebê; não, eles pegam a criança e – “oh, seu filho nasceu” e já correm; e aquele tempo você fica ali preocupada, porque quanto mais tempo o bebê tiver contato com o sangue da mãe, mais essa criança tem risco. Eu não entendia isso na época, porque ninguém me explicou [...] (Pandora).

A segunda fala de Pandora e a de Réia, entre outras coisas, demonstram o

medo, a ansiedade e o desconhecimento em relação ao que estava acontecendo,

denotando a fragilidade emocional em que se encontravam essas mulheres, exigindo

do serviço suporte psicológico e social para o enfrentamento de sua nova condição.

Esse medo da morte é, na verdade, um medo pelos seus filhos, de não poder criá-los,

vê-los crescer, como veremos adiante.

Os motivos que levaram essas mulheres a procurar os serviços de saúde para o

seu diagnóstico não foram, em momento algum, motivos de prevenção ou promoção à

saúde. Verificamos que todas se descobriram contaminadas após algum evento que as

levou ao diagnóstico - nestes casos, gravidez e adoecimento dos maridos. Tais dados

são corroborados por Silva (2007), que em estudo realizado no município de Campo

Mourão, demonstrou que a maioria dos pacientes estudados somente procurou o

serviço após o aparecimento de sintomas. . Esses dados nos mostram que, embora o

fenômeno da infecção esteja comprovadamente crescente na população feminina,

nenhuma estratégia de enfrentamento tem sido efetivada nesta direção, o que nos

proporciona diagnósticos tardios, diminuição do tempo de sobrevida e aumento dos

riscos de infecção vertical. Considerando-se que, na atualidade, muitas famílias têm na

Page 65: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

63

figura materna a responsabilidade financeira e psicológica, esta questão se torna ainda

mais delicada.

O diagnóstico do HIV não trouxe para essas mulheres apenas a presença de

uma doença: ele representou uma mudança radical no movimento de suas vidas,

destruindo sonhos, representando a morte e os medos conscientes e inconscientes de

cada uma delas, a exclusão, a vergonha, para algumas a destruição da própria vida.

Sobre isso, Selli e Chechin (2005 p. 358) afirmam com muita propriedade que “estas

mulheres, além de se sentiresm amedrontadas pelo olhar do outro – família,

companheiro, amigos, sociedade - carregam uma outra “dor”, que vem do olhar de si

para si”.

4.3.1.2 Negar a doença: uma forma de se autoproteger

De acordo com Taylor (1992), processos defensivos específicos são

empregados na busca de resolução de conflitos emocionais e libertação da ansiedade.

A autora denomina de mecanismos mentais os padrões de pensamento e

comportamento usados para proteger o indivíduo de aspectos ameaçadores de seu

ambiente ou de seus próprios sentimentos de ansiedade.

Os mecanismos de defesa do ego constituem um dos tipos de mecanismo

mental habitualmente usados quando o indivíduo, inconscientemente, experimenta um

conflito básico entre os impulsos do id e as demandas do superego (TAYLOR, 1992, p.

149). Estes mecanismos, estudados e identificados por Sigmund Freud, são vários:

compensação, deslocamento, negação, fixação, sublimação, formação reativa,

identificação, introjeção, anulação, isolamento, racionalização, repressão, regressão,

projeção, simbolização e condensação, conversão. Aqui serão discutidos apenas

aqules identificados em algumas entrevistas.

A negação é a adaptação seguidamente empregada para a defesa de uma forte

ansiedade (TAYLOR, 1992, p. 151). A capacidade de negar alguns fatos da realidade

que parecem desagradáveis e ferem o ego frágil, diminuto ou de pouca elasticidade, é a

contrapartida da realização alucinatória dos desejos. O maior de todos esses desejos

seria a inexistência da doença, seguida, talvez, da não-contaminação pelo parceiro, que

traz implícita a destruição da confiança e torna pública a infidelidade. Os discursos de

Page 66: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

64

negação aparecem de várias formas, denotando a dificuldade das mulheres e de seus

significantes em enfrentar a soropositividade e suas conseqüências.

[...] são coisas que eu procuro apagar da minha vida [...] (Hera).

[...] a minha família não sabe, eu escondo o máximo que eu posso [...] porque se eu contar pra minha mãe ela vai sofrer, vai sentir o mesmo que eu senti; se eu contar pro pai então [...] Deus o livre [...] tenho um irmão também, mas eu não conto, nego. Já ligaram, passaram telefonema anônimo pra mãe, aí eu falei pra mãe: “Mãe, é mentira, não tenho nada, isso não existe [...] eu não gosto muito de conversa sobre isso [...] Deus que me perdoe, mas eu morro negando. È mentira [...] é mentira [...] (Réia).

[...] a minha família nem nunca tocô nesse assunto, meus filhos sabe pelos outros, nós nunca conversamos sobre isso [...] nunca tocaram no assunto [...] mas assim, não toco em assunto de doença [...] eu tenho certeza, eles (os filhos) têm tudo da certeza [...] mas nunca falou: “Mãe a senhora tem isso?” Se eles perguntá eu falo [...] (Vênus).

Nos discursos destas três mulheres a negação assume formas distintas. No caso

de Hera aparece sob a forma de autoproteção: à medida que eu faço de conta que uma

coisa não existe, ela deixa de me machucar tanto. Para Taylor (1992), os sentimentos

negados podem ser pensamentos, desejos, necessidades ou fatores da realidade

externa.

Réia vive uma vida dupla com a família e a sociedade, demonstrando a negação

do diagnóstico. A fala dela demonstra preocupação e proteção aos pais, mas

inconscientemente ela faz isso para se proteger. A negação, provavelmente, é o

mecanismo de defesa do ego mais simples e direto, pois alguém simplesmente se

recusa a aceitar a existência de uma situação penosa demais para ser tolerada

(TAYLOR, 1992).

No caso de Vênus, a doença aparece sempre de forma velada, e mesmo

quando se refere à Aids, ela nunca usa o nome, e sim, “aquela doença”. Parece que o

fato de mencionar o termo Aids é quase insuportável para ela, e a família reage na

mesma intensidade e da mesma forma, havendo, assim, um pacto de silêncio,

consciente ou inconsciente.

Com exceção de uma entrevistada, todas afirmaram levar vida normal, não

pensando diariamente na doença ou mesmo procurando não pensar em suas

Page 67: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

65

conseqüências. Esta é a forma de enfrentamento mais comum identificada nas

entrevistas, e está presente na fala de todas as entrevistadas.

[...] a minha vida continua a mesma, fiquei três anos afastada do hospital porque eu peguei pneumonia [...]. Não abaixou a resistência [...] foi só pneumonia mesmo [...] A gente tem que encarar a Aids como uma coisa que nós vamos vencer [...] a minha cabeça é levantada pra cima, nunca baixei a cabeça [...] (Aphrodite).

[...] esse assunto eu não converso nem com a família, fica guardadinho lá no cantinho com sete chaves. Só em último caso mesmo [...] (Thebe).

No primeiro discurso Aphrodite afirma ter permanecido afastada do emprego por

uma pneumonia que, pelo que se pode entender, durou três anos, embora ela seja

veemente em afirmar que sua resistência não foi abalada. Esse afastamento pode ter

sido preventivo, ou até mesmo por desconhecimento da perícia, uma vez que ela fez

uso de medicação contra o HIV apenas no período gestacional; mas também pode

indicar uma necessidade de se afirmar como “apenas” portadora, o que faz com que a

Aids permaneça mais distante. A atitude dela também remete a um mecanismo de

defesa: a sublimação.

A sublimação fica evidente quando ela supervaloriza o seu bem-estar, a sua

adaptação à nova condição, já que, de acordo com Cobra (2003), a sublimação

consiste em adotar um comportamento ou um interesse que possa enobrecer

comportamentos instintivos de raiz ética, ou seja, um processo de deslocamento que os

indivíduos utilizam para desviar idéias que os perturbam. Complementando, Taylor

(1992) esclarece que os impulsos conscientes inaceitáveis são desviados para canais

pessoal e socialmente aceitáveis. Durante toda a entrevista a postura de sublimação é

manifestada pela depoente, a ponto de demonstrar empolgação quando fala de seu

enfrentamento da situação, enaltecendo seu enorme potencial de positividade, de

otimismo.

No caso de Thebe, a negação é o mecanismo mais evidente. Ela tem medo que

seus filhos venham a saber de seu diagnóstico, e não gosta de falar no assunto nem

com a família, pois quando fala, entristece e chora. Como sua filha mais velha é

adolescente, Thebe tem muito medo de perder seu amor e seu respeito caso ela venha

a saber.

Page 68: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

66

4.3.1.3 De repente... a depressão: o sofrimento é revelado em forma de doença

De acordo com Bahls (2001), a depressão é o mais comum dos transtornos de

humor, e traz sofrimento e limitações significativas aos portadores e suas famílias,

sendo a principal causa de suicídios. O autor salienta ainda que existe uma

generalidade de conceitos em relação à depressão, o que, em associação com o

estigma e o preconceito, costuma criar concepções equivocadas sobre ela. Uma delas

é que a depressão não é uma doença, e sim, uma fraqueza de caráter que pode ser

superada através de esforço.

Para se ter uma idéia de onde vem a dificuldade de aceitação da depressão e

dos transtornos psiquiátricos, por parte tanto dos portadores quanto de seus familiares,

encontramos nos estudos de Sthal (1998) que são várias as concepções da população

geral sobre os transtornos mentais: 71% das pessoas entrevistadas consideram que

eles são conseqüência de fraqueza emocional, 65% acreditam serem causados por

más influências dos pais, 45% consideram que a culpa é da vítima, podendo ser

superados pela força de vontade, 43% acreditam que eles são incuráveis, 35% os

consideram resultantes de comportamentos pecaminosos e 10% acham que eles têm

base biológica.

Decorre deste equívoco de conceitos popularmente difundidos a grande

dificuldade das pessoas em procurar ajuda psiquiátrica quando dela necessitam.

Popularmente, as pessoas acreditam que só os loucos necessitam de cuidados

psiquiátricos. O grande estigma que envolve esta questão fica exacerbado quando

acrescido do componente HIV/Aids, por isso muitas vezes, por preconceito, os

portadores de Aids não buscam tratamento psiquiátrico. Essa dupla exclusão foi

relatada por Lisboa (2003), que, retratando a esquizofrenia e soropositividade para o

HIV, apresenta bem a questão duplamente estigmatizadora em um relato de um familiar

do sujeito estudado: “além de ter uma doença de puta, ainda por cima é louca”

(LISBOA, 2003, p. 4). Essas são questões extremamente delicadas para o cotidiano

dessas mulheres, que se vêem impelidas a enfrentar tais situações em um momento de

grande fragilidade.

Embora a negação apareça como a reação inicial de muitas das mulheres

estudadas, em seguida algumas delas passaram por um período de depressão

bastante acentuado Este resultado não encontrado em todas as entrevistadas, mas na

Page 69: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

67

metade delas (04). A tristeza que toma conta dessas mulheres logo após a necessidade

de enfrentamento do diagnóstico é muito bem relatada por elas. O sentimento de

solidão, o medo, o desespero e a certeza da morte iminente são elementos que

agravam o estado psicológico de qualquer pessoa, e muitas delas necessitaram de

tratamento psiquiátrico e psicológico. Sobre isso, Veras e Petracco (2007) reforçam que

qualquer notícia de doença gera um processo de luto, que, no caso das pacientes HIV,

vai além do luto pela perda de um objeto concreto - a saúde – ou seja, seu sofrimento

não tem forma, é como se para elas a vida tivesse perdido o sentido.

[...] aí entrei com remédio para depressão [...] fui pra psicóloga, não conseguia trabalhar [...] eu chegava na escola e chorava, chorava dia e noite [...] (Thebe).

[...] quando eu vi enterrando [...] aí sim caiu minha ficha, aí entrei em depressão. Aí eu vi que ele morreu, que eu tava com aquilo, aí entrei em depressão e fiquei um ano [...] parei de trabalhar por causa da depressão [...] (Hera).

Das quatro entrevistadas que citaram a depressão como um de seus sintomas

primários mais fortes, apenas uma não iniciou tratamento imediato, as demais relatam

ter necessitado de acompanhamento médico e psicológico.

Thebe permanecia sob acompanhamento psicológico até alguns dias antes da

entrevista, tendo citado que efetuou todo o tratamento no CISA e que esse tratamento

foi de grande valia para sua recuperação. Citou ainda o uso de medicação

antidepressiva, que seria mantida ainda por um longo período.

No caso de Hera, a depressão se manifestou após a morte do marido. Ela relata

ter ficado em depressão por mais de um ano, ter tido pensamentos suicidas por

diversas vezes e ter se recuperado após tratamento psiquiátrico.

Essas informações vêm reforçar a necessidade da organização da terapêutica

de saúde mental de forma integralizada, de modo a garantir a portadores e do HIV/Aids

e fgamiliares o acesso aos mecanismos de prevenção, proteção e recuperação.

Considero ainda o transtorno mental como fator de vulnerabilidade à Aids, pois de

acordo com o enfoque de Lisboa (2003), é duplamente desafiador manter, qualificar e

ampliar as ações de prevenção ao HIV, se considerarmos que os portadores de

sofrimento psíquico encontram-se em especial vulnerabilidade diante da epidemia de

Aids. É ainda imprescindível pensarmos no contrário: a Aids como fator desencadeante

Page 70: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

68

do transtorno mental, pois, como pôde ser observado nos depoimentos, 50% das

mulheres estudadas estão em tratamento psiquiátrico. Sobre isso, cabe retomar os

estudos de Veras e Petracco (2007), segundo os quais o corpo aparece como o lugar

que expressa as angústias e o sofrimento do ser humano.

Outro aspecto observado nas entrevistas diz respeito ao potencial gerador e

desencadeante do transtorno mental que determinadas situações detêm. De acordo

com o relato de Réia, enquanto seu marido era vivo ela sofria muito de depressão,

enxaqueca e doenças nervosas. Isso acontecia pelo fato de que ele não aceitava o

tratamento anti-HIV, era alcoólico e agressivo, não concordava com o uso do

preservativo, chegava em casa sempre de madrugada e alcoolizado.

[...] primeiro eu era muito nervosa, porque eu tomava remédio e ele não tomava [...] tomava remédio pra dormir, pra depressão; tinha problema de estômago; sofri quatro anos com dor de cabeça [...] eu ficava muito nervosa [...] (Réia).

Ela relata ter se curado da depressão após a morte do marido, pois segundo ela,

o fato de ele não se tratar e de ser alcoólico gerava nela um grande estresse. A

presença de um fator desencadeante pode ser mantenedora de uma condição

desfavorável de saúde, mas neste caso, a história de Réia nos mostra que ela adquiriu

alegria de viver depois de ter sido desobrigada de uma convivência que muita dor lhe

causava.

[...] agora vem a parte boa, minha vida mudou. Mudou por causa do seguinte: dava meia-noite, uma hora e o marido não aparecia, é claro que toda mulher fica nervosa[...] Depois que ele morreu eu sou feliz, eu não tenho mais problemas, eu não tenho nada [...] eu sempre tô boa, vou vivendo com o meu filho [...] eu precisei enterrar pra ficar de bem com a vida [...] (Réia).

Um fator observado foi que as mulheres que relataram maior sofrimento com a

depressão são aquelas que possuem diagnóstico há menos tempo, o que pode nos

levar a inferir que com o passar do tempo elas tendem a fazer um enfrentamento

melhor da doença e, conseqüentemente, sofrem menos. A presença dos sintomas logo

após o diagnóstico pode estar relacionada com o trauma da descoberta, associado

com a mágoa da traição e a desconstrução do castelo de emoções, o casamento.

O fato de três das mulheres que apresentaram depressão terem tido acesso ao

diagnóstico precoce e tratamento demonstra que o serviço de reabilitação psicológica

Page 71: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

69

está mais bem-estruturado que o de prevenção. Este já é um bom começo, pois no

Brasil os serviços de saúde mental encontram-se em fase de organização e

estruturação, com a instalação dos CAPS e da nova política de saúde mental. É

necessário ressaltar que os centros de atendimento aos portadores do HIV/Aids

contemplam em suas equipes de atendimento o profissional psicólogo, mas de forma

centralizada e com acesso ainda dificultado pela grande demanda, o que inviabiliza os

trabalhos de prevenção nas unidades básicas de saúde (UBSs) que ainda não contam

com esse profissional. O que acontece freqüentemente nas UBSs é que o

encaminhamento só é feito quando há solicitação do paciente ou indicação médica para

tratamento, nunca em caráter preventivo.

4.3.1.4 Estou infectada, e agora?: a vida após o diagnóstico

Depois da constatação do diagnóstico, essas mulheres empreenderam o desafio

de viver sob um novo paradigma. As mudanças são tantas que muitas delas viram sua

vida tomar rumos jamais imaginados. A necessidade de reestruturação, de assunção de

novos papéis, é imperativa. Ao mesmo tempo, a identidade construída ao longo de toda

uma vida pode ser destruída quando se opta por assumir a soropositividade, o que leva

muitas mulheres a preferir o anonimato ou, ao contrário, a se envolverem em trabalhos

de organizações não governamentais e na luta pelo respeito à sua cidadania.

[...] demos uma palestra lá, era pra eu falar meia hora, falei uma hora e o povo gostou, o povo aplaudiu e ganhei presente [...] Eu não escondo de ninguém, porque isso acontece nas melhores famílias [...] (Aphrodite).

[...] eu passei pra outros projetos [...] tinha um sonho de ser advogada, deixei passar [...] agora eu tô entrando na ONG, mexendo com a coordenação das mulheres [...] (Pandora).

A fala de Aphrodite evidencia certo orgulho, o fato de ser portadora confere a ela

uma autoridade, uma mais-valia perante a sociedade que ela não possuía; assumir sua

soropositividade passou a ser um diferencial na sua vida. Pandora viu o curso de sua

vida mudar, seus sonhos se esmaecerem, ela precisou dar um novo sentido á sua vida.

Page 72: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

70

Mas analisando outro discurso de sua autoria, podemos observar o sofrimento que esta

mudança ocasionou:

[...] a minha vida mudou de cabeça pra baixo, porque eu era uma pessoa feliz, de repente, mudou tudo [...] Você vive com uma bomba-relógio dentro de você, qualquer hora ela pode explodir. E você não sabe o que vai ser o amanhã [...] a gente vive um dia de cada vez [...] aí você olha para sua filha e pensa: será que eu vou estar aqui quando ela tiver 15 anos (chorando)? (Pandora).

O discurso de Pandora pode ser dividido em três partes.

A primeira parte é uma alusão ao seu passado feliz, e denota que, em situações

de grande sofrimento emocional, o apego ao passado é uma estratégia de

sobrevivência. Neste contexto, estudos como os de Carvalho e Piccinini (2006)

demonstram que a soropositividade surge como o fator mais difícil a ser enfrentado,

vivenciado como um castigo a comportamentos condenáveis somado a diversos tipos

de preconceito.

A segunda parte, quando Pandora fala em viver com uma bomba, declara a

ambivalência da doença: embora haja um esforço diário para manter seu cotidiano, a

incerteza da doença é uma ameaça constante. Este viver com uma bomba nos

referencia as questões ligadas à morte que fazem parte do imaginário das portadoras

do HIV. Sobre isso, convém buscar ensinamento em Freud (1988, p. 327), que em seu

texto sobre a morte nos diz: “ É impossível imaginar nossa própria morte, e sempre que

tentamos fazê-lo, podemos perceber que ainda estamos presentes como

espectadores”.

Na terceira parte do discurso verifiquei a preocupação destas mulheres: o medo

da ausência na vida dos filhos. Sobre isso, Saldanha (2003) observou em seus estudos

que a partir da realidade soropositiva os planos, para muitas destas mulheres, passam

a existir em função dos filhos. A autora encontrou também em seus estudos que a

maioria das mulheres sofrem em pensar que não ver seus filhos crescerem.

Apesar das dificuldades, todas as mulheres entrevistadas mantêm o curso de

sua vida, às vezes com mais às vezes com menos sofrimento, e buscam encontrar

novos rumos para viver melhor, oportunidade que algumas delas encontram na ONG.

É perceptível o dano que a soropositividade trouxe para seus relacionamentos, para

suas vidas; mas também aparece com muita força a fibra e a luta empreendida

diariamente para manter certa normalidade em seu dia-a-dia.

Page 73: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

71

4.3.1.5 O amor e a sexualidade: o caminho para contrair HIV/Aids

A sexualidade é uma dimensão da vida que sabemos ser profundamente

determinada pelo contexto sociocultural em que acontece (PARKER; GALVÃO, 1996),

diretamente influenciada pelas relações de gênero, que muitas vezes impõem à mulher

uma condição inferior dentro do relacionamento. Embora muitas mudanças estejam em

curso, a base dos relacionamentos afetivos femininos ainda é o amor romântico, que

traz o ato sexual como uma conseqüência. Sendo assim, Fernandes (1997) acredita

que a vulnerabilidade das mulheres ao HIV é decorrente não só da subordinação de

sua sexualidade ao desejo masculino, mas também de sua própria vivência cotidiana

modelada na experiência do amor romântico.

De acordo com o que pudemos observar, a maioria das entrevistadas

permanece exercendo plenamente sua sexualidade, a despeito de dificuldades e

traumas que o advento da doença possa ter causado. Elas relatam que inicialmente o

conhecimento do diagnóstico ofuscou um pouco a sua sexualidade, mas com a

adaptação às novas condições e o uso constante de preservativo, todas elas se

mantêm sexualmente ativas.

A necessidade de reconstrução da vida afetiva as leva a buscar novos parceiros.

É curioso, nos relatos,que, enquanto algumas afirmam buscar homens na mesma

condição de soropositividade, outras procuram por pessoas que possam aceitá-las e

amá-las mesmo na condição de portadoras.

[...] quero casar de novo (rindo), Deus vai preparar um homem que vai me aceitar, vai aceitar meus filhos. Já tem um meio encaminhado [...], não é portador, é crente também [...] conhece a minha vida. É uma benção [...] (Aphrodite).

[...] já tinha uns cinco ou seis ano e eu não tinha morrido[...]eu ajoelhava e pedia pra Deus pra ele mandar um portador pra mim, porque era muita solidão [...] Aí eu arrumei um portador [...] Fiquei com ele um ano e ele morreu [...] Agora eu tô com outro já faz quatro anos [...] (Hera).

Assim, parece que buscar por um companheiro que compartilhe a mesma

vivência é tentar reduzir o risco de rejeição e sofrimento, ainda que essa busca possa

resultar em dor, com o surgimento dos sintomas ou a morte dessa pessoa. Em

Page 74: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

72

contrapartida, o encontro com um homem sorodiscordante pode não ser conseqüência

de uma busca nesse sentido, mas sim, de uma relação madura com pessoas cujo

preconceito já esteja domado, na qual o amor seja mais forte do que o estigma.

Paiva (2003), em discussão sobre a emancipação psicossocial de portadores de

HIV/Aids, ressalta que muitas mulheres, depois do diagnóstico, abrem mão de sua vida

sexual, com medo de infectar ou de ser abandonadas por futuros parceiros. É o caso de

Vênus, que se sentiu tão traída que tem medo de se relacionar novamente, de ser

magoada, por isso mantém relacionamentos esporádicos e casuais.

[...] namorar não [...] não [...] pra mim ter um homem morando comigo, jamais, não eu não quero (Vênus).

Os aspectos relativos à sexualidade do portador do HIV são muito pouco

explorados pela literatura. É importante considerarmos que somos seres sexuados

desde a infância até a morte, e que o fato de se contrair uma doença aguda ou crônica

não diminui em nossas vidas a importância da sexualidade. No que tange à Aids,

encontram-se muitos estudos quantitativos que fazem referência ao potencial infectivo

da atividade sexual e aos riscos biológicos na cadeia de transmissão da infecção, mas

viver a sexualidade sendo portadora de uma doença tão intimamente ligada ao sexo é

caso raro.

Uma das questões mais sui-generes da epidemia HIV/Aids é que ela representa

um risco dentro das relações individuais, o que foge ao padrão epidêmico normalmente

deflagrado a partir da coletividade. Neste aspecto, a doença traz muitos agravantes

para a vida das pessoas: torna públicas dificuldades de relacionamento íntimo,

bombardeia a autoconfiança e a confiança no outro, exacerba as diferenças de gênero

e, acima de tudo, destrói o amor romântico, base da maioria dos relacionamentos

matrimoniais.

Muitas entrevistadas referem uma grande dificuldade em manter sua vida

amorosa e sexual logo após a descoberta da doença. Isto, provavelmente, está

relacionado aos seus sentimentos em relação à transmissão da doença, à infidelidade e

mentira, ao descuido do parceiro, entre outros tantos sentimentos que se misturam

dentro desta complexa rede de emoções que caracteriza o ser humano.

[...] me sinto zero, acabou, eu não vou expor e não vou arrumar alguém pra prejudicar também [...] (Thebe).

Page 75: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

73

Na minha consciência minha vida sexual tinha acabado [...] (Hera).

[...] ficou uma tragédia, tudo mudou. Eu tinha relações sexuais de manhã, à tarde e à noite, aí já não [...] tinha aquele medo [...] (Pandora).

Além dos aspectos que demonstram o medo e a perda da confiança em si

mesma e no outro, os discursos trazem à discussão o uso do preservativo. Um fator

positivo encontrado nos depoimentos é que a maioria das mulheres aderiu ao uso do

preservativo e pode exercer sua sexualidade livremente, sem medo, optando por contar

ou não ao parceiro sua condição de portadora. Elas estão conscientes de seu papel na

cadeia da infecção, utilizam preservativos invariavelmente e buscam novos

relacionamentos estáveis.

[...] procuro estar de bem com a vida, estar feliz [...] por isso eu saio, vou pra festa e se arrumar um paquera eu fico mesmo [...] paquero, claro que eu não conto, porque daí eu uso a camisinha, a minha consciência tá tranqüila [...] (Réia).

[...] agora pra namorar eu me preparo, me previno [...] uso camisinha sempre (Vênus).

Em contrapartida, os depoimentos revelam também as dificuldades dessas

mulheres de negociar o uso do preservativo.

[...] eu fui num baile e um cara tava a fim; aí eu falei pra ele: ‘cê vai usar camisinha?’ Ele falou: ‘não, eu não tenho nada’. Eu falei: ‘mas eu não sei se eu tenho [...]’ (Vênus).

O depoimento de Vênus demonstra a falta de adesão ao uso do preservativo

mesmo em relações eventuais, o que pode ocorrer pelos mais variados motivos. Isso é

coroborado pelos dados encontrados no estudo de Paiva et al. (2002), que justificaram

o não-uso referindo que o preservativo provoca a perda do desejo pelo sexo, o

esquecimento, a recusa do parceiro ou da parceira a usá-lo e a perda da ereção.

A dificuldade de negociação de uso do preservativo aparece tanto nos

relacionamentos pontuais como nos relacionamentos ditos estáveis, mesmo quando

ambos são portadores.

Page 76: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

74

[...] com meu marido eu não usava a camisinha, nem quando descobriu que tava com o vírus. A mulher casada que fala que usa camisinha é mentira, porque o homem ele não aceita [...] meu marido não aceitava de jeito nenhum [...] (Réia).

[...] tem que usar camisinha [...] o marido não quer, eles têm a mentalidade diferente, acha que vai morrer (Pandora).

Este é um fator que deve fazer parte da preocupação profissional na prevenção

da Aids. O preservativo feminino não oferece o conforto e a praticidade desejados, e a

maioria das mulheres não consegue negociar o uso do preservativo masculino nem

mesmo em situações em que a doença já é evidente, o que nos leva a refletir sobre o

grau de dificuldade de adesão ao processo preventivo. Ainda como fator agravante,

pesquisas (GIACOMOZZI; CAMARGO, 2004; SILVA, 2002; SALDANHA, 2003) nos

mostram que a fidelidade e a confiança têm sido amplamente utilizadas como medidas

de proteção, e por serem objeto tão frágil, explica-se o aumento da incidência da

infectividade entre casais monogâmicos.

A soropositividade pode provocar também uma situação de separação do casal.

Em momentos de crise emergem as dificuldades de relacionamento, a fragilização

individual é muito grande, o risco de uma cisão é iminente, pois muitas expectativas

foram frustradas. A admiração, tão necessária para o relacionamento, pode ter

acabado, causando um momento de grande dificuldade para o casal. Entretanto, das

oito entrevistadas, apenas duas não permaneceram com seus parceiros e com apenas

uma delas isso ocorreu em função da descoberta da soropositividade. Isso nos leva a

inferir que, apesar da crise, a separação pode ou não acontecer, e quando acontece,

não é imediatamente após a revelação do diagnóstico.

A Aids, apesar da face cruel, não matou nas mulheres pesquisadas o desejo de

viver o amor e a sexualidade, o que sinaliza um movimento em direção ao viver pleno e

sem medo, sem se deter na dor, ultrapassando limites e retirando da vida aquilo que ela

permite: o viver.

Elas revelam que desejam construir novos relacionamentos, baseados na

sinceridade, mesmo que só para elas, sem repetir aquilo que sofreram, que viveram em

outros relacionamentos, respeitando e cuidando do outro, amando.

Page 77: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

75

4.3.1.6 Vivendo com Aids: o confronto com a realidade

A partir da constatação do diagnóstico, o confronto com a realidade torna-se

imperativo. Não se trata de escolha, mas sim, de necessidade. Desta forma esta

subcategoria está implícita em todas as outras, ou seja, nos relacionamentos afetivos

de todas as ordens, na vivência cotidiana, na busca pela qualidade de vida e cidadania,

no trabalho, na comunidade, na religião - enfim, é impossível estar com HIV/Aids e não

fazer o confronto com essa realidade. Ainda que para esse confronto sejam utilizados

os já discutidos mecanismos de defesa do ego, a necessidade de enfrentamento da

realidade está presente.

Analisando os estudos de Silva (1999), que afirma acontecer uma ruptura na

vida das pessoas doentes de Aids, concordamos com a autora, que considera

importante observar, ainda, uma outra dimensão da pessoa com Aids, que a leva a

desenvolver um discurso sobre si mesma e sobre o mundo a seu redor, para assegurar

sua continuidade numa vida que se desenrola do nascimento até a morte. É necessário

que assim seja, pois o cotidiano vai exigir atitudes dessa mulher, que precisa se

posicionar diante da doença, da vida, e determinar seu agir no mundo.

Desta forma, participar em ONGs, dar palestras em estabelecimentos públicos e

privados e a própria adesão ao tratamento são formas de confronto com a realidade.

[...] demos uma palestra lá, era pra eu falar meia hora, falei uma hora e o povo gostou, o povo aplaudiu e ganhei presente [...] Eu não escondo de ninguém, porque isso acontece nas melhores famílias [...] e, eu quero viver pra mim ver eles formado, de terno: ‘Olha, mãe, vencemos [...]’ (Aprhodite).

Quando Aprhodite fez este relato, seus olhos brilhavam, e pude observar

quanto ela se sentiu valorizada. Para que ela pudesse realizar esta palestra, foi

necessário todo um processo de aceitação e naturalização da doença, o que parece

ter sido muito bom para ela. Desta fala pude apreender que, mesmo em situações

muito desfavoráveis, como é o caso de ser soropositiva para o HIV, as pessoas

podem enfrentar a situação crescendo e auxiliando no crescimento de outras

pessoas.

Enfrentar a realidade de positividade ao HIV também pode trazer grande

desconforto e sofrimento, como pode ser observado pelo relato abaixo.

Page 78: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

76

[...] eu participo de eventos e uma vez fui pra Foz, foi meu primeiro evento de pessoas vivendo com HIV/Aids [...] eu passei mal, vi pessoas com lipodistrofia, eu fiquei muito mal, impressionada, fui parar no hospital [...] Tipo assim: você vai fazer uma perícia no INSS e as pessoas dizem assim: hoje a Aids tem medicamento, as pessoas vivem bem. A realidade é bem outra, porque os remédios dão muitos efeitos colaterais [...] (Pandora).

No discurso de Pandora aparece quanto esse processo de vivenciar a Aids pode

ser difícil. Embora no momento ela esteja saudável, existe um medo imenso de

adoecer, e ver outras pessoas com o mesmo diagnóstico que o seu a deixou em

pânico. Trata-se de um sofrimento por antecipação. É ver-se no outro, é empatia

baseada em possibilidades reais. Isso foi muito doloroso para ela ,e enquanto falava, a

emoção tomou conta de suas palavras por diversas vezes.

A participação em organizações não governamentais e governamentais tem sido

muito importante para a aceitação e o crescimento pessoal de Pandora. Seus projetos

mudaram de curso, mas ela demonstra estar cada vez mais engajada nas lutas sociais

dos portadores, o que possivelmente trouxe um novo estímulo para sua vida, embora

ela ainda não tenha se dado conta disso, pois sua fala é sempre carregada de muita

amargura e revolta. Isto pôde ser observado durante a entrevista, pois quando ela

falava do trabalho que vem desenvolvendo com as mulheres portadoras do HIV, seus

olhos ganhavam um brilho especial e seu rosto se iluminava. Ela já não era aquela

mulher carregada de amargura e sua vibração era tão contagiante que eu senti desejo

de participar daquele trabalho na ONG. Vendo toda aquela empolgação, perguntei-lhe

se achava que a doença havia lhe trazido algum ganho, e rapidamente seu olhar se

transformou e ela voltou à carga de amargura: “- Não, não me trouxe nada de bom”.

Para outras entrevistadas, como Réia e Thebe, confrontar-se com a realidade

significou vivenciar uma vida de duplicidade, por não se sentirem seguras em

compartilhar seu diagnóstico com as outras pessoas, além de terem que enfrentar

sozinhas o cuidado dos filhos.

Hera e Elara fizeram um confronto interessante da soropositividade: assumiram

sua condição e partiram para viver um novo relacionamento amoroso, além de

partciparem das atividades da ONG. Ceres, por sua vez, que vive uma dura realidade

de extrema pobreza, parece resignada ao fato de ser soropositiva, como se da vida ela

somente pudesse esperar isso.

Page 79: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

77

4.3.1.7 Ser mulher e viver em um mundo masculino: uma questão de gênero

[...] é ainda a humildade que surge, o sentimento tenaz e doloroso de uma ilegitimidade original: tem-se realmente o direito de ser, se não se é homem? (MOUGUE apud BERNARDI, 2007).

Parece bastante incoerente que uma mulher que tenha sido infectada pelo vírus

do HIV dentro do seu lar, em um relacionamento em que acreditava estar protegida das

agruras que acontecem fora desse universo por ela considerado sagrado, possa ainda

ser oprimida e subvalorizada por esse “macho”; contudo, as diversidades inerentes ao

comportamento humano e atribuídas às diferenças de gênero podem bem justificar esta

situação. A maior parte das mulheres entrevistadas vive ou viveu um relacionamento

matrimonial no qual o homem é o provedor da família e a mulher é a mãe e esposa

dedicada.

A lei masculina, a religião masculina, a política masculina impõem a submissão da mulher. Para o discurso masculino, a mulher é mais uma instituição que precisa ser organizada por leis e normas de conduta. No entanto, desde sempre, o homem sabe que uma mulher sempre trai as leis de propriedade, as regras de domínio. O assujeitamento da mulher imposto pelo discurso masculino demonstra o terror de que um poder diferente possa gerar o descontrole. Como a mulher pode atuar num mundo masculino de forma não masculina? Como a mulher, que não tem um conjunto de regras produzido por ela para nortear seu funcionamento no mundo, pode impor-se ao conjunto de normas masculinas que define o que é ser mulher? (BERNARDI, 2006, p. 1).

Dentre os discursos das oito entrevistadas, dois chamaram a atenção pela

situação de opressão a que essas mulheres estavam submetidas. Apesar de todo o

processo estabelecido pela revolução sexual advinda com o surgimento da pílula

anticoncepcional e das teorias do movimento hippie no início dos anos 1960, o

preconceito e a inferioridade atribuída ao sexo feminino durante séculos ainda

determinam comportamentos de homens e mulheres.

Essas questões, relativas ao gênero, aparecem de forma imperativa no próximo

discurso, onde fica clara a influência da cultura patriarcal que ainda subjuga e determina

papéis sociais desiguais:

Page 80: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

78

[...] teve um dia que ele tava bêbado, aí ele me agrediu. Aí eu pensei comigo mesmo: eu tenho que viver com ele, eu preciso dele - que na época eu precisava dele financeiramente. “É desaforo [...] aí eu vou ter que viver” . E vivi [...] ponhei o joelho no chão e acabou [...] (Réia).

Na fala de Réia podemos avaliar quanto pode ser doloroso vivenciar uma

situação de submissão. Esta mulher era freqüentemente ameaçada por seu marido e

manteve este relacionamento até a morte dele, pois não encontrava saída para sua

situação. Culturalmente, às mulheres foi ensinado que o casamento é indissolúvel e que

o papel da mulher é entender e acatar as decisões do marido, e apesar de tudo,

relações desta natureza são comuns em nosso meio.

Relacionamentos assim obscurecem a capacidade de raciocínio, destroem a

auto-imagem e a auto-estima e paralisam as pessoas, que se tornam incapazes de sair

desse continuum: sofrimento – ódio – sofrimento.

De acordo com Diniz (2001), o gênero é um construto social e cultural que

estabelece valores diferenciados para homens e mulheres e a forma como eles se

relacionam na sociedade. Trata-se de um construto que é especifico para cada cultura,

mas que determina diferença nos papéis de homens e mulheres no que tange ao

acesso a recursos produtivos e à autoridade para tomar decisões. A autora acredita

ainda que este poder diferenciado entre os gêneros é o que articula de forma complexa

a vivência da sexualidade. Isto se reflete diretamente nos padrões morais que ditam as

regras sociais e permitem aos homens uma vivência menos conturbada de sua

sexualidade.

Agências como a Organização Mundial de Saúde (OMS) e a Nações Unidas

para o combate da Aids (UNAIDS) têm definido as ações de gênero como

imprescindíveis para a resposta à epidemia de Aids (DINIZ, 2001), por três razões

principais: primeiro pela desigualdade de poder social, econômico e cultural; segundo,

pela carga desproporcional resultante da epidemia que recai sobre as mulheres (são

mais vulneráveis, são as cuidadoras de adultos e crianças quando estes adoecem,

sofrem mais discriminação quando são infectadas), e terceiro, pela evolução

diferenciada da infecção nas mulheres (biológica, assistencial ou pelos vieses

discriminatórios de gênero). A autora salienta ainda que as ações dirigidas às mulheres,

em grande parte, se limitam à prevenção da transmissão da mortalidade perinatal –

tratando a mulher como meio e não como finalidade da assistência.

Page 81: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

79

4.3.1.8 De quem é a culpa?: mesmo que seja dele, a culpa é minha...

[...] sabe, assim, a gente também tem culpa de ponhá o marido assim pra fora, igual quando ele chegava cansado; assim, você não dava muita atenção. Sempre tem culpa dos dois lados [...] Aí eu falo assim que a mulher tem que ser mulher, amante, entre quatro paredes, fazer tudo o que ele quer na cama. Muitas coisas procura lá fora porque não tem dentro de casa [...] (Elara).

[...] eu errei [...] eu assumi meu erro [...] A base da história dele eu sabia [...] é errado o que ele fez. Ele, sabendo que era portador, por que foi fazer família? Se ele chegasse pra mim e falasse [...] nós não ia fazer filho, nós ia usar preservativo [...] eu hoje não ia ter esse HIV; mas fazê o quê, aconteceu [...] (Aphrodite).

A culpa é um dos sentimentos mais presentes em nossas vidas, As pessoas se

culpam por terem feito coisas das quais se arrependem ou por não terem feito coisas

que julgariam depois necessárias. Culpar o outro por nossos fracassos é uma forma de

dirimir nossa responsabilidade pelo erro, principalmente por ser o HIV um vírus

transmissível pessoa a pessoa e de conseqüências tão devastadoras para a vida.

Desde o surgimento dos primeiros casos de Aids a sociedade buscou um culpado:

primeiro foi a promiscuidade homossexual, em seguida os comportamentos de risco

das pessoas. Esse padrão tem sido incorporado especialmente pela mídia, e até

mesmo as políticas públicas de saúde têm sido questionadas por algumas ações de

culpabilização dos portadores.

Elara, além de chamar a si mesma a culpa da contaminação, exacerba

questões historicamente construídas de gênero. Em seu discurso a culpa não é

atribuída apenas a ela, mas a todas as mulheres que não possuem o comportamento

socialmente determinado para elas enquanto esposas: satisfazer sexualmente o

marido, a qualquer custo.

Aphrodite agrega certo conformismo à sua fala, o que mostra quanto a mulher

ainda é passiva em seu próprio processo de autocuidado, remetendo à prática

disseminada entre nós, de não-utilização do preservativo por parte de casais que se

consideram possuidores de relacionamentos estáveis.

[...] e uma que ele foi safado comigo, né? Fiquei com mágoa [...] não confia e não acredita, todo homem casado vai fazer um dia [...] (Vênus).

Page 82: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

80

[...] ainda mais o Cravo (filho), que vai saber que o culpado de tudo isso é o pai dele [...] Prefiro eu sofrer do expor eles (filhos). Nem eu num gosto de me expor [...] (Thebe).

[...] ficô aquela relação assim que o culpado era ele e que eu ia morrer por culpa dele [...] (Réia).

O rancor e a culpabilização do parceiro são sentimentos comuns em muitos

discursos, como é possível observar nos discursos de Thebe e Réia, e podem dificultar

os relacionamentos familiares. Por trás da culpa podem estar presentes sentimentos

como a raiva, o desprezo e outros, que podem ser responsáveis por brigas e

desentendimentos entre os casais.

No caso de Vênus, ela foi muito enfática em questionar as relações

supostamente protegidas pela confiança, sendo fatalista em sua afirmação sobre a

traição masculina. É interessante observar que nesse universo a possibilidade de o

homem ser contaminado pela mulher é praticamente inexistente, ou seja, para Vênus a

possibilidade de uma mulher casada infectar seu parceiro parece não existir. Para ela,

ao homem é atribuída sempre a condição de infiel em uma relação. Esse discurso é

muito rico, e dele pode ser subtraída uma gama de sentimentos em relação ao parceiro.

Essa mulher perdeu totalmente a capacidade de confiar no sexo masculino, mesmo

porque seu parceiro de 11 anos sabia-se portador, nunca utilizou medidas de proteção

e jamais contou a ela sobre sua doença.

4.3.2 Ter Aids e não estar só: o papel da rede social para o portador

Denomina-se rede social ou rede de apoio o grupo de pessoas que, tendo

conhecimento do diagnóstico, serve de referência para o enfrentamento cotidiano do

viver com Aids, como, por exemplo, os serviços de referência à saúde, a família, as

organizações religiosas e sociais e organizações não governamentais. Conforme Chor

et al. (2001), as redes (networks) são definidas como “teias” de relações sociais que

circundam o indivíduo e suas características, como, por exemplo, disponibilidade e

freqüência de contato com amigos e parentes; ou como os grupos de pessoas com

quem há contato ou alguma forma de participação social (por exemplo, grupos

Page 83: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

81

religiosos, associações sindicais) (BERKMAN; SYME, 1979; BOWLING apud CHOR et

al., 2001).

Essas “teias” de relações sociais assumem papel fundamental na vida de

pessoas com doenças crônicas, podendo ser decisivas na condução de uma melhor ou

pior qualidade de vida de portadores do HIV/Aids, à medida que podem oferecer

suporte físico e mental, transformando-se em verdadeiras redes de solidariedade. As

associações de caráter voluntário constituem formas de as pessoas se reunirem em

torno de objetivos comuns e cooperarem entre si. Além de envolverem uma relação de

troca, estimulam as ações de cidadania, as obrigações recíprocas e os laços de

dependência mútua. Além disso, a família, as instituições públicas de saúde, bem-estar

social e educação, as organizações religiosas, são elementos que podem contribuir

para estreitar relacionamentos e evitar o isolamento social de portadores do HIV/Aids.

Em seus estudos sobre a importância das redes sociais para a saúde das

pessoas, Chor et al. (2001) encontraram que os mecanismos de ação exercidos pela

rede e apoio social nos sistemas de defesa do organismo humano ainda não foram

elucidados, entretanto, duas hipóteses básicas são apresentadas. Na primeira, atuariam

“tamponando” a resposta do organismo em forma de doença, que pode ocorrer em

conseqüência de grandes perdas ou rupturas emocionais (COHEN; WILLS apud CHOR

et al., 2001, p. 888). Na segunda hipótese, o apoio social poderia reforçar a sensação

de controle sobre a própria vida, o que, por sua vez, implicaria em efeitos positivos

sobre a saúde (RODIN apud CHOR et al., 2001, p. 888).

Um estudo realizado por Ulla e Remor (2002) para avaliar as evidências

empíricas sobre a relação entre sistema imunológico e fatores psicossociais encontrou

que o apoio social, entre outros fatores, atuaria como modulador da resposta de

estresse diante de eventos ameaçadores; assim, fortes redes sociais favoreceriam uma

competência imunitária eficaz e um adequado estado de saúde.

Investigações vêm mostrando que a pobreza de relações sociais constitui fator

de risco à saúde comparável a outros que são comprovadamente nocivos, tais como o

fumo, a pressão arterial elevada, a obesidade e a ausência de atividade física, os quais

acarretam implicações clínicas para saúde pública (BROADHEAD et al. apud

ANDRADE; VAITSMAN, 2002).

Alguns autores (BRONFMAN, 1993; BERKMAN; SYME, 1979) demonstraram a

influência das redes sociais de apoio na redução da mortalidade, o que permite concluir

que, se a rede de apoio influencia taxas de mortalidade, sua ação positiva ou negativa

Page 84: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

82

sobre a morbidade é semelhante, e em se tratando de doenças crônicas, com alto

potencial desagregador e grande carga discriminatória, como é o caso da Aids, a

influência da rede de apoio pode estar potencializada.

Em contrapartida, o que pode acontecer diante da doença grave é justamente o

afastamento do doente de sua rede social. Andrade e Vaitsman (2002) acreditam que a

condição de enfermidade, por si só, altera as relações sociais da pessoa. Concordamos

com os autores no sentido de que, em face de situações de doença grave, sentimo-nos

impotentes, há uma fragilização que pode modificar o sentido da vida, a capacidade de

resolução de problemas pode estar diminuída e a pessoa pode se sentir menos

estimulada a trocas com seus contatos pessoais. É justamente nesse momento de

maior fragilidade que a presença da rede social de apoio pode ser decisiva na

condução do tratamento e do enfrentamento do HIV/Aids.

Assim, a convivência entre as pessoas pode favorecer o monitoramento da

condição de saúde do portador. Este foi um dado encontrado nos relatos de algumas

das mulheres pesquisadas, as quais afirmaram que o fato de seus familiares estarem

sempre indagando sobre se estavam tomando a medicação e comparecendo às

consultas médicas as fazia sentir-se cuidadas e apoiadas e, conseqüentemente, as

motivava a se cuidar melhor.

Outro aspecto a ser considerado em relação ao apoio social é o conceito de

empowerment, processo pelo qual indivíduos, grupos sociais e organizações passam a

ganhar mais controle sobre seus próprios destinos (VALLA, 1999). O empowerment,

como processo e resultado, é visto como emergente de um processo de ação social no

qual os indivíduos tomam posse de suas próprias vidas pela interação com outros

indivíduos, gerando pensamento crítico em relação à realidade, favorecendo a

construção da capacidade social e pessoal e possibilitando a transformação de relações

de poder. No nível individual, refere-se à habilidade das pessoas em ganhar

conhecimento e controle sobre forças pessoais, sociais, econômicas e políticas para

agir na direção da melhoria de sua situação de vida (ANDRADE; VAITSMAN, 2002, p.

928).

Desta maneira, a interação com uma rede social ampla, que contemple relações

interpessoais de natureza diversa, é fator que certamente beneficiará o portador do HIV/

Aids, e a conscientização desta necessidade pelos profissionais de saúde que prestam

apoio e assistência a essas pessoas é fundamental, no sentido de auxiliar na

construção e manutenção desta rede pelo portador. No contexto dos usuários dos

Page 85: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

83

serviços de saúde, apreender e estimular o conceito de empowerment é o que

possibilita aos profissionais de saúde estimular os portadores de HIV/Aids a assumir

uma postura mais ativa no tratamento e a responsabilidade por sua própria saúde.

Pôde-se verificar que a rede social construída pelas mulheres pesquisadas é

bem variada e se estabelece de acordo com as escolhas feitas por elas próprias de

revelar ou não seu diagnóstico. O que chama a atenção neste estudo é que as oito

mulheres entrevistadas contam com o apoio da família, apesar de uma delas só ter

revelado para um membro e outra não ter aberto o diagnóstico para a família que a

criou. Ser HIV positiva e não estar sozinha é o que mantém nessas mulheres acesa a

chama de viver, é o que as faz lutar e enfrentar os desafios de viver sob o jugo de

serem portadoras.

A rede de apoio influencia positivamente o portador, principalmente a constituída

pela família.

A família é um ponto de referência na vida de todos os seres humanos. Desde o

nascimento, dentre os filhotes animais, o bebê humano é aquele que por mais tempo

depende de cuidados de seus pais para garantir sua sobrevivência. Além da

dependência biológica, o ser humano possui uma dependência psíquica que nenhum

outro ser vivo possui. Ao longo da vida necessitamos de cuidados físicos e psicológicos,

de ser amados e aprovados, de limites e orientações. Normalmente, é com a família

que compartilhamos as vitórias, é a ela que se recorre nas dificuldades e é dela que se

espera amor incondicional, apesar de isso não ser, na realidade, uma unanimidade

entre todos os seres humanos.

Para Duarte (2001), a família é uma formação humana universal que até os dias

de hoje não encontrou outra capaz de substituí-la. A autora salienta ainda que cada

pessoa, ao longo de sua existência, possuirá várias famílias: a de seus ancestrais, a de

sua infância, a de sua adolescência, a de sua vida adulta e a de sua velhice. Dentro

desta perspectiva, podemos inferir que diante de situações de maior ou menor

complexidade que afetem o cotidiano familiar possa emergir também uma nova família.

As reações do núcleo familiar podem se alterar diante de situações de doença grave, de

morte, de problemas que muitas vezes deixam as pessoas impotentes, trazendo os

conflitos para o centro das relações e fazendo com que se congreguem em torno

dessas situações pessoas importantes, que fortalecem os elos e as fazem sentir-se

como famílias, independentemente dos laços que as unam.

Page 86: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

84

Inegavelmente, o ser humano tem necessidade de viver vinculado a outros, em

função de sua sociabilidade (DUARTE, 2001). Estar inserido em um grupo é o que nos

caracteriza como seres sociais que dependem de aprovação e aceitação do outro, da

proteção e do carinho, enfim, de fazer parte de uma rede de pessoas que nos amam e

querem nosso bem.

De acordo com Duarte (2001), diante das crises a família cumpre importantes

papéis, como assegurar bem-estar afetivo e material e absorver o impacto das tensões

provocadas pelas crises. Desta forma, a presença do diálogo entre os membros

familiares é o que assegura uma maior ou menor capacidade de resolução dos

problemas. Esta capacidade de diálogo precisa estar acompanhada por um grau de

maturidade dos membros familiares que permita uma maior flexibilidade na aceitação

do outro, minimizando os conflitos e possibilitando um melhor enfrentamento das

situações de crise.

Um aspecto importante a ser considerado quando abordamos questões relativas

à família é que cada uma delas se distingue por um modo exclusivo de viver a diferença

de gênero, de cultura e de relações entre as gerações (PETRINI, 2004). Assim, as

reações diante das situações de grande estresse vão variar dentro de cada núcleo

familiar, de acordo com sua cultura, suas experiências, suas vivências, suas dores e

alegrias, sua mais ou menos forte estrutura. Além disso, os aspectos econômicos,

religiosos e o próprio contexto histórico em que está inserida esta família são fatores

que interferem na dinâmica familiar e no modo como as famílias vão absorver e

administrar as situações de crise; e diante de uma nova crise, uma “nova” família vai

emergir dentro da mesma família, profundamente alterada pela transposição, ou não,

da própria crise.

Os depoimentos a seguir nos mostram o apoio e a aceitação da família como

fator de grande importância para a portadora reunir forças e continuar lutando.

[...] oh! Minha mãe é uma velhinha de 74 anos, pra ela é tudo dez [...] Ela fala pra todo mundo: ‘minha filha tem Aids [...]’. Ela fica muito preocupada [...] ela foi quem mais me ajudou e me acolheu quando eu fiquei sabendo (Elara). [...] o dia que eu contei (família) nós tava de baixo do pé de manga [...] a minha mãe falou: ‘O quê?’ Começou a chorar: ‘Ai meu Deus, o que vai ser dessa criança’ (estava grávida) [...]. Foi a que mais fez escândalo [...] Meus irmãos, não, aceitaram. Foi uma coisa tremenda, foi Deus na nossa vida [...] vão na minha casa, come, dorme, toma banho, ninguém fala ‘a Aphrodite tem Aids’, graças a

Page 87: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

85

Deus [...] a minha irmã mais velha me dá a maior força, me ajuda [...] (Aphrodite). [...] tudo que eu preciso é minha mãe, meus irmãos todos sabem. Minha família sabe e me apóia [...] todos [...] Meu mundo só gira em torno dos meus filhos, minha família que eu [...] [silêncio...] minha família é tudo [...] (Thebe).

No caso de Elara, ela refere que sua mãe demonstra uma aceitação

excepcional. Além de seu apoio incondicional, ela demonstra ausência total de

preconceito. Isto não quer dizer que a mãe não se preocupe com Elara, ao contrário,

está sempre atenta e próxima da filha, como pode ser constatado no relato quando

enuncia que sua mãe é a pessoa que melhor a acolheu na ocasião da descoberta do

diagnóstico.

Aphrodite tem nos irmãos sua maior fonte de apoio, especialmente em uma das

irmãs, que, segundo ela, lhe presta muita ajuda. Relata que sua mãe inicialmente teve

uma reação de não-aceitação, mas rapidamente tornou-se fonte de amparo, aceitação

e compreensão.

Thebe é quem mais demonstra contar com o apoio familiar. Durante a entrevista

uma de suas irmãs chegou à sua casa, e foi possível observar quanto seus familiares

constituem uma rede imprescindível para ela nesse momento, em que, além da

soropositividade, enfrenta a condição de estar com seu companheiro detido em um

complexo penitenciário distante.

Analisando os três depoimentos acima, podemos inferir que a família, para

essas mulheres, é uma poderosa fonte de suporte nos momentos de crise, o que

corrobora os dados encontrados na literatura (BRONFMAN, 1993; BERKMAN;

SYME, 1979; ANDRADE; WAISTMAN, 2002) arrolados acima.

As pessoas reagem de formas diferenciadas a situações de doença. Algumas

buscam o apoio dentro da família, outras preferem amigos ou se isolam tentando

enfrentar sozinhas. No entanto, a maioria das pessoas estudadas, ao estarem de

posse de um diagnóstico de HIV/Aids, buscaram compartilhá-lo com alguém, sendo

sempre um familiar. Verifiquei que, nos momentos de crise, o apoio, o carinho e

principalmente o acolhimento da família são, para as portadoras, os alicerces mais

importantes e necessários.

[...] aí eu tenho minha irmã, conversei muito [...] e ela me falou que não, que tinha que acontecer e aconteceu [...] Com a minha irmã eu

Page 88: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

86

tenho apoio, eu contei pra ela porque o desespero era muito grande [...] (Réia).

Ouvindo Réia, percebi quão indispensável é o apoio da família ao portador.

Apesar de ela não querer que sua família saiba de sua condição de portadora, não

conseguiu manter o diagnóstico em segredo total, denotando a grande necessidade

que têm as pessoas de compartilhar com alguém da família suas dores e medos.

Silva (1999), analisando a solidariedade intrafamiliar diante da Aids, encontrou

que a família nuclear, formada por pai, mãe, irmãos e irmãs, revela-se com freqüência

um apoio fundamental na organização da vida cotidiana dos doentes. Observou em

seus estudos que eles podem contar com o apoio familiar no decorrer de toda a sua

doença. A família mantém com eles múltiplas relações: desde o apoio econômico, sob

forma financeira, à provisão de alimento, ao alojamento, até às visitas regulares de

irmãos e irmãs.

[...] eu tenho uma história complicada de família. Minha mãe biológica e meu pai sabem, me apóiam, eles são pessoas muito simples, são do interior [...], só que a minha mãe que me adotou, ela não sabe [...] ela tá na Itália, volta o ano que vem [...] não sei se eu vou ter coragem de conversar com ela sobre isso [...] não sei como é que vai ser [...] (Pandora).

O discurso de Pandora demonstra o auto- e heteropreconceito que o portador de

Aids sofre. Quando ela fala da falta de coragem para compartilhar seu diagnóstico com

a mãe adotiva, demonstra a sua fragilidade e o medo do julgamento que dela pode

receber. Isto leva a inferir que, apesar de conviver e ter sido educada por essa mãe, sua

relação de confiança e afetividade com ela, segundo Pandora, não é tão forte a ponto

de poder encontrar nela o apoio que precisa para sentir-se acolhida na revelação do

diagnóstico.

Durante o período em que estive com essas mulheres pude perceber a

existência de um pacto de silêncio entre elas, seus familiares e amigos. Trata-se de um

pacto velado, que às vezes dificulta o estabelecimento da rede de apoio, já que não

permite naturalizar a doença. É possível observar que muitas entrevistadas não falam

nem sequer o nome Aids e se referem a ela como “aquela doença”. Falar sobre o

HIV/Aids é trazer a doença para o cotidiano, é ter que enfrentá-la no dia-a-dia, é admitir

sua proximidade, é assumir sua vulnerabilidade e buscar estratégias de enfrentamento

para as quais pode não estar preparada psíquica e emocionalmente.

Page 89: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

87

Eles sabe, mas não toca no assunto [...] Tem uma senhora de sessenta e pocos anos, essa se preocupa comigo [...] tá sempre me perguntando e vindo ver como é que eu tô, se eu tô comendo [...] Igual eu te disse, eu tenho muita sorte, eu tenho muitos amigos [...] me apóiam sem tocar no assunto [...] (Vênus).

[...] quando eu preciso conversar alguma coisa, aí converso com o médico, com as meninas lá do CISA [...] (Thebe).

A opção por compartilhar o diagnóstico com determinadas pessoas também está

presente em alguns discursos. Os sentimentos de empatia, aceitação e identificação

podem influenciar nessa escolha. Nem sempre todos os membros da família

transmitem segurança e aceitação. O medo do preconceito, da rejeição, pode estar por

trás dessas escolhas; ou ainda, a vergonha ou o fato de não querer decepcionar o outro

podem ser determinantes nesta decisão.

[...] meus amigos de antes ninguém sabe [...] apenas uma amiga que me apóia [...] e eu não vejo motivo para querer contar [...]. Isso é um problema meu, pessoal [...] O maior apoio vem da minha mãe biológica, tudo o que eu fizer, tudo o que eu precisar ela tá do meu lado [...] (Pandora).

Uma característica peculiar à Aids é o fato de ela se apresentar inicialmente

como uma doença aguda e, com o sucesso terapêutico estabelecido pela terapia

antiretroviral, ter se tornado uma doença crônica. Isso se reflete diretamente no

comportamento da família, que no início da epidemia via seu significante ser dilapidado

pela Aids em questão de meses, ao passo que hoje precisa aprender a conviver com a

cronicidade de uma doença que, como a lepra nos séculos passados, possui uma

capacidade de exclusão muito forte. Sobre conviver com a doença crônica na familia,

Marcon et al. (2004) observaram que as doenças crônicas apresentam como

peculiaridades marcantes a duração e o risco de complicações, o que exige um rigoroso

esquema de controle e cuidados permanentes, colocando em evidência o papel da

família enquanto cuidadora.

Um fato importante observado foi que a maioria das mulheres falou de suas

mães como fonte importante de apoio. Alguns estudos sobre famílias, dentre eles o de

Silva (1999), assinalam que, pelas regras da solidariedade familiar, os filhos têm a

obrigação ética de cuidar dos pais quando eles ficam idosos ou doentes. Esta regra de

solidariedade entre gerações, segundo a autora, inverte-se no caso dos doentes de

Page 90: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

88

Aids: os pais idosos, por vezes uma mãe viúva, ocupam-se de seus filhos doentes.

Suas mães os acompanham ao hospital, preparam-lhes as refeições, permanecem

junto deles para lhes fazer companhia. Os pais, principalmente a mãe, são os primeiros

da lista de pessoas que ajudam os doentes. Só quando não têm pais, ou quando estes

não podem assumir sozinhos as despesas cotidianas, é que eles recebem a ajuda de

seus irmãos e irmãs; e somente quando isto não é possível, e quando não têm outra

solução, é que pedem ajuda à assistente social (SILVA, 1999).

Como pode ser observado nos discursos das mulheres e nos estudos

apresentados, a valorização da família por parte do portador de HIV/Aids é evidente.

Carvalho et al. (2007), em estudo sobre resiliência (capacidade de adaptação ou

faculdade de recuperação) e o HIV/Aids, descreve o relacionamento familiar e entre

amigos e a vida social em sua microestrutura como possíveis fontes de apoio emocional

a que um indivíduo pode recorrer em situações de adversidade e que podem contribuir

para o estabelecimento da resiliência .O autor acrescenta ainda que família e os amigos

se constituem em expressivos fatores de proteção àqueles que precisam enfrentar a

infecção. Os relatos a seguir são enfatizadores dos aspectos positivos de apoio,

preocupação e aceitação familiar.

Mãe, a senhora quer que leve a senhora no médico? A senhora tá tomando o remédio da senhora [...]. Eles não são de acusar [...] meus amigos me trata que é uma maravilha, todo mundo, meus vizinhos [...] (Vênus). [...] minha mãe rezava todo dia pra eu casar pra eu ficar aqui em Umuarama [...] ela sempre tá querendo saber se eu tô me cuidando [...] (Elara).

Outro aspecto observado na fala das entrevistadas foi a união da família após a

manifestação da doença. Percebi que o surgimento de uma patologia em alguém da

família possibilitou a união dos familiares, a reflexão da situação acompanhada da

mudança de comportamentos e a valorização da vida, realçando questões ainda não

percebidas. Esse fato foi confirmado por Decesaro (2007), que, ao realizar um estudo

com famílias de pessoas dependentes de cuidados, constatou que diante de problemas

relacionados a doença em família verifica-se a presença da solidariedade orgânica,

forma de interação baseada no afeto existente nas relações de família. Revela a autora

que essa solidariedade evidencia a construção e a manutenção de laços afetivos que

Page 91: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

89

propiciam a coesão da família, manifestada no compartilhamento de espaços, valores e

idéias. Assim, esses mesmos mecanismos de solidariedade orgânica intrafamiliar

poderiam explicar o funcionamento das famílias em situações de fragilidade que

requerem a superação das diferenças, afim de que um objetivo comum seja alcançado:

o bem-estar dos seus membros.

Em alguns aspectos, viver em família constitui força, garra e vontade de viver.

[...] eu quero trabalhar pra mim vê eles (filhos) assim numa faculdade, né [...] eu quero tá lá na primeira página, coisa linda [...] Então a gente não tem que se abater. HIV é forte, mas nós somos mais forte do que ele [...] (Aphrodite).

Alguns depoimentos mostram essa valorização e os filhos como mola propulsora

e força para a superação das dificuldades.

[...] eu sou muito fechada, eu sou no meu mundo [...] eu aprendi a dar valor na minha vida, nos meus filhos, na minha família, tipo assim, eu tento aproveitar o máximo que eu posso, entendeu? (chorando). Cuidar, ficar junto [...] Carinhosa com as crianças eu sempre fui, mas agora mais ainda, aquele medo de um dia ter que partir e não te feito nada por eles [...] (Thebe).

No depoimento de Thebe fica claro como muitas vezes situações de sofrimento

extremo podem levar o ser humano a um aprendizado e à adoção de comportamentos

que valorizam o outro e a si mesmo. De acordo com o modo como enfrenta os

problemas, pode tirar maiores ou menores proveitos para o crescimento pessoal.

Compreender que a vida é um processo de constante aprendizado, cujo objetivo é

tornar os seres humanos melhores, permite estabelecer relações de riqueza

inestimável, consigo mesmo e com o outro. Podemos inferir que, apesar de todo o

sofrimento, Thebe encontrou forças para mudar sua forma de viver, valorizar a família e

fazer tudo o que talvez possa não vir a fazer no futuro; e com um pensamento de

finitude relata “aquele medo de um dia ter que partir...” demonstrando a necessidade de

viver intensamente o presente ao lado dos que ama.

A fala de Thebe demonstra que estar com Aids faz com que ela antecipe seu

futuro e explicita, claramente, o medo da ausência na vida dos filhos no futuro, uma

total impotência diante dessa possibilidade e, até mesmo, a culpa por ter que morrer

prematuramente e não ter deixado seus filhos “prontos”. Essa é uma reflexão que nos

leva a inferir que o medo da morte é irracional, pois se sabemos que a qualquer

Page 92: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

90

momento podemos ser ceifados por ela, o que nos faz pensar que somos imortais?

Estar diante de uma doença grave é a concretização da certeza de que somos frágeis

diante da morte e que é preciso não somente viver, mas viver intensamente. Por que a

percepção da morte só nos impele a mudanças quando nos deparamos com ela de

forma mais concreta? Por que a morte só se concretiza com a presença de uma doença

grave?

[...] de primeiro eu não olhava pra ninguém, era só a minha vida, eu não olhava no meu vizinho do lado que tava doente, no outro vizinho, sabe, era só a minha vida. Eu não olhava ninguém, eu tocava a minha vida e acabou. Hoje não, se alguém tiver doente eu vou lá, eu fico mais fora de casa do que dentro. Isso mudou bastante, pra melhor [...] (Elara).

Elara também manifesta mudança de comportamento a partir da experiência.

Podemos inferir que o fato de se sentir só e necessitar de amparo e apoio fez com que

ela desenvolvesse o sentimento de empatia. Além do mais, essa mudança de atitude

lhe possibilitou sentir-se valorizada quando ajuda as outras pessoas. Durante sua

entrevista pude observar que sua atitude é de tentar levar as pessoas que passam por

problemas semelhantes ao seu, conforto, esperança e amor. Parece-me que a

experiência de sofrimento lhe trouxe sabedoria, mostrando a necessidade de

compartilhar a vida com os demais, diferentemente do que fazia antes da doença.

4.3.2.1 Outras fontes de apoio: a comunidade que acolhe

Ainda como aspecto positivo das redes de apoio, podemos considerar os

amigos, a aceitação no trabalho pela chefia, os centros de saúde especializados no

controle da Aids e ainda as organizações religiosas, que possuem papel importante no

acolhimento ao portador.

Inicialmente, a Aids era uma doença devastadora, que ceifava as vidas de seus

portadores em pouquíssimo tempo; hoje, porém, a terapia medicamentosa ampliou a

sobrevida de seus portadores, o que leva as pessoas a uma nova adaptação. Os

familiares e amigos estão aprendendo a conviver com essa doença, que adquiriu

características de uma doença crônica.

Page 93: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

91

[...] meus amigos me trata que é uma maravilha; meus vizinhos, eles nunca falaram pra mim [...] Eu sô muito de ter pneumonia, minha imunidade cai, eu não agüento levantar, meus vizinhos fazem tudo, trazem as coisinhas pra mim (Vênus).

[...] minhas amigas falam: ‘Você tem que sair, passear [...]’. Aí elas falam assim,: ‘Qualquer hora eu também posso pegar, não tô livre, mas mil vezes o HIV do que um câncer’. Ela fala isso pra mim, daí é onde eu me conformo (Réia).

No depoimento de Réia podemos obsevar a comparação feita por sua amiga

entre o câncer e a Aids como uma constatação desta condição de cronicidade adquirida

pela Aids, e ainda, das mudanças na sintomatologia da doença, que hoje permite ao

seu portador viver por muitos anos sem sintomas. É interessante observar que para

muitas pessoas, atualmente o câncer é uma doença muito mais assustadora do que a

Aids, por ser de uma patologia que não possui um tratamento tão eficaz quanto a Aids,

muitas vezes não tem cura e acarreta ao indivíduo muita dor e sofrimento.

Sob outro aspecto, a presença da soropositividade gera maiores necessidades

de cuidados de saúde a essas pessoas. Há um aumento do número de exames e

consultas e a freqüência em serviços de apoio psicológico; os controles ginecológicos

têm que ser feitos com menor intervalo, enfim, aumentam as necessidades de controles

periódicos da saúde. Isto faz com que o portador tenha que se ausentar do emprego

com maior freqüência, gerando constrangimento na hora de dar explicações para tantas

ausências. É natural que isto cause estranheza aos empregadores, gerando uma

necessidade de compartilhar o diagnóstico com a chefia imediata para justificar as

saídas freqüentes do ambiente de trabalho.

[...] eu falei para a chefia poque eu precisava sair de vez em quando [...] Expliquei o que tava acontecendo, porque interfere, né? Falei pra ela e pro diretor [...] tive o maior apoio [...] ninguém mudou nada. Onde eu encontro ela, ela me dá um abraço um beijo [...] (Thebe).

[...] na época que nós descobrimos eu chamei o administrador, a enfermeira chefe, chamei a psicóloga e a chefe dos serviços gerais [...] sentei e expus o meu problema [...] Eu tive mais apoio, eles me apoiaram [...] eles me deixam aqui (na área administrativa), não porque eles me isolaram, mas pra mim não pegar nada de infecção, porque eles cuidam de mim, pra me proteger [...] (Aphrodite).

Page 94: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

92

A aceitação no trabalho demonstra ser de suma importância para que as

portadoras pudessem manter um ritmo de normalidade em seu cotidiano. Dentre as

entrevistadas, duas (Aphrodite e Thebe) mantiveram seus empregos após a revelação

do diagnóstico. Ambas foram acolhidas e dizem não sentir nenhum tipo de rejeição por

parte de seus superiores até os dias atuais. Quanto à aceitação pelos colegas de

trabalho, uma delas não revelou e a outra, na revelação sofreu inicialmente algumas

rejeições, o que será discutido posteriormente.

Em relação aos serviços de saúde, algumas entrevistadas referem ser muito

bem acolhidas pelo CISA. Uma delas ainda compara o atendimento recebido no Paraná

com o que o marido recebe na penitenciária em São Paulo:

[...] eu aqui qualquer coisa que eu preciso eu subo lá no CISA, eles me explica, se precisar ir ao médico rapidinho elas já arrumam (as funcionárias), já encaixa, o Dr. já explica tudo, passa o remédio pelo CISA. Lá ( no presídio onde está o marido), já é mais difícil, também o lugar já não ajuda [...] (Thebe).

A organização dos centros de atendimento aos portadores de HIV/Aids é

fundamental para a qualidade de vida dessas pessoas. O vínculo criado entre

servidores e pacientes promove a inclusão, facilita o acesso, garante ao portador uma

referência especializada e preparada para responder ás suas demandas.

Carvalho et al. (2007) apontam os centros de saúde disponíveis na rede pública

como fator de proteção aos indivíduos para a vida em sociedade. De acordo com os

autores, o Brasil tem sido um país-modelo na luta contra a Aids, com o oferecimento de

tratamento gratuito na sua rede de saúde. Destacam ainda a disponibilidade dos

centros de referência no atendimento à infecção e à Aids, tanto para diagnóstico como

para tratamento, com distribuição gratuita de medicamentos anti-retrovirais. Para os

autores, mesmo que a situação não seja a ideal, o serviço prestado é de boa qualidade,

sendo um modelo de atendimento internacionalmente reconhecido. Reforçam ainda que

a legislação brasileira prevê a proteção ao indivíduo portador do vírus, dando direito à

privacidade quanto ao diagnóstico, proibindo a exigência de testes de HIV para

admissão em empregos, bem como a demissão por causa da soropositividade.

Carvalho et al. (2007) atribuem esses avanços na legislação a uma ação forte de

organizações não governamentais (ONGs) que, desde o início da epidemia, se mantêm

ativas, no intuito de proteger a saúde e a cidadania dos portadores do HIV/Aids.

Page 95: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

93

4.3.2.2 A rede de apoio influenciando negativamente a vida do portador: estigma, discriminação e preconceito

O estigma e a discriminação são processos de desvalorização dos sujeitos, que produzem iniqüidades sociais e reforçam aquelas já existentes. Viver livre do estigma e de qualquer tipo de discriminação é um direito humano básico e que deve ser respeitado. Ser portador do HIV/Aids não pode e não deve ser motivo para desrespeitar esse direito (AYRES; FRANÇA JÚNIOR; PAIVA, 2006, p. 1).

As marcas negativas que nos são impostas ao longo da vida nos causam

sempre desconforto e sofrimento, são bordões repetidos tantas vezes que acabamos

muitas vezes por acreditar neles. São referências sempre aos aspectos negativos de

nossa aparência ou personalidade, com um intuito geralmente negativo. Rangel (2004)

afirma que o estigma é uma marca, um rótulo que se atribui a pessoas com certos

atributos que se incluem em determinadas classes ou categorias diversas, porém

comuns na perspectiva de desqualificação social. A autora ainda acrescenta que a

rotulação do estigma decorre de idéias pré-concebidas, cristalizadas e consolidadas no

pensamento, ou seja, decorrem dos preconceitos.

De acordo com Ayres, França Júnior e Paiva (2006), o estigma pode ser dividido

em duas categorias inter-relacionadas: o estigma sentido e o estigma sofrido. Estigma

sentido é a percepção de depreciação e/ou exclusão por parte do indivíduo portador de

alguma característica ou condição socialmente desvalorizada, o que acarreta

sentimentos prejudiciais como vergonha, medo, ansiedade, depressão. Por estigma

sofrido nos referimos às ações, atitudes ou omissões concretas que provocam danos ou

limitam benefícios às pessoas estigmatizadas. Em poucas palavras, o estigma sofrido é

a discriminação negativa, caracterizada como crime no plano jurídico nacional e

internacional.

Durante este estudo esta categoria foi uma das mais citadas, incluindo

depoimentos de todo o grupo estudado, sem exceção. O medo da discriminação está

presente no cotidiano, entretanto, ele é um medo de causar sofrimento não só a si

mesmo, mas também ao outro, especialmente aos filhos, conforme pode ser observado

nos relatos a seguir:

Page 96: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

94

[...] muitas pessoas já me falaram, ‘[...] dia que sua filha sofrer um preconceito por tua causa, vai ser pior, vai doer mais [...]’ (Pandora) [...] se alguém olhar atravessado pro meu filho [...] eu não aceito [...] tenho medo de ter meu filho discriminado [...] porque meu filho é normal [...] isso ofende, isso dói [...] (Réia). [...] minha filha nem é filha dele, aí envolve o pai dela, ele vai querê tirar ela de mim. O menino é filho dele, mais é o pai dele [...] pode se revoltá [...] Eu tenho medo deles se revoltá e não querê ficar junto comigo [...] Vamos supor que eles fiquem sabendo (os filhos), aí eles saem na rua [...] alguém fala ‘Ah! Sua mãe é portadora [...] imagina como é que fica a cabecinha deles? (Thebe).

Nos depoimentos acima, três mulheres revelam preocupação, como mães,

principalmente com o sofrimento que possa ser imposto a seus filhos devido à doença.

Pude observar que a discriminação causa dor, machuca, mas pode assumir uma face

mais dolorosa quando imputada aos entes mais queridos, os filhos. A relação existente

entre aquelas mães e seus filhos é única, qualquer tipo de sofrimento experimentado

pelos filhos machuca dilacerantemente. Segundo elas, é possível suportar a própria dor,

mas ao falar da dor de um filho, seus olhos e faces demonstraram que isso é quase

insuportável. Sobre isso, Waldow (2004) enfatiza que, muito além das questões

culturais historicamente estabelecidas, o fato de ser a mulher quem dá abrigo ao bebê

em seu corpo constitui um laço biológico forte o suficiente para justificar a intrínseca

relação entre mães e filhos. Além disso, pelos discursos abaixo, podemos observar que

os temores destas mães não são infundados.

[...] levaram uma foto minha que saiu no jornal e puseram publicamente na escola das crianças [...]. Aquilo te abala tanto que você não tem armas [...]. Aí o que você faz para não ver mais seus filhos sofrer? Você esconde eles [...] (Elara).

O depoimento de Elara foi muito forte em relação à discriminação que sofreu

quando seus filhos eram menores. Justamente a escola, lugar onde se espera

encontrar a melhor das redes de apoio, onde se julga haver pessoas preparadas para

combater o preconceito e a discriminação, transformou-se no local onde ela e seus

filhos viveram o episódio mais dramático de suas existências, em relação ao HIV.

Quase dez anos depois, esta mulher se emociona e chora quando menciona o

acontecimento, mudaria suas vidas para sempre, limitando oportunidades, criando

animosidades, estabelecendo uma marca em duas crianças que jamais poderá ser

Page 97: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

95

esquecida. Desta forma a escola que deveria assumir o papel de educar, passa a ser

lugar de exclusão e preconceito, legando aos seus um triste ensinamento: de dor e

preconceito.

[...] o que foi pior, o que mais aconteceu foi o preconceito, eles (filhos) sofreram muito com o preconceito [...] Eles tiveram que sair da escola, pararam de estudar, foram rejeitados [...]. A escola não aceitava filho de portador, a direção da escola foi o maior obstáculo [...]. Não foi só comigo, foi com três mães [...]. A escola achava que se nós três era portadora nossos filhos também eram [...] (Elara).

O estigma e o preconceito vêm acompanhando a Aids desde o seu surgimento,

estabelecendo processos de desvalorização humana, criando e reforçando iniqüidades

sociais e vitimizando familiares e portadores. A discriminação de pessoas, seja por raça,

cor da pele, opção sexual ou qualquer outra razão, é crime.

As políticas públicas de inclusão social pouco tem se preocupado com as

questões relativas ao portador do HIV. A prova disso é que um acontecimento como

este, dentro de uma escola, instituição pública a serviço da comunidade, não poderia ter

tido o desfecho que teve.

Além disso, o sofrimento moral a que foram submetidos os protagonistas desta

triste história, é um acontecimento que traz conseqüências sociais para toda a

comunidade, deixando implícita uma sensação de impunidade e iniqüidade moral. Fica

a pergunta: o que estamos ensinando para nossas crianças sobre cidadania e direitos

humanos?

O preconceito dentro da própria família também é citado por algumas das

entrevistadas, e embora pareça causar uma reação mais dolorosa, é inicialmente mais

bem superado e aceito.

[...] no começo eles ficaram com medo (família), eles não me ajudaram muito a cuidar do finado [...] eles afastou um pouco assim de mim, com medo [...] Mas eu não recrimino meu pai e minha mãe [...] Aí meu pai fazia assim: ‘Ai minha veia, qual é a toalha minha?’ - de medo de enxugar com a minha. Aparelho de barbear ele escondia [...] eu já tive parente que eu usei o banheiro e jogou água quente na patente, passou álcool, de medo [...] (Aphrodite). [...] sabe, tem alguns da família que se afastaram [...] com meu pai não há conversa, é aquela mente assim, ele tem 91 anos então é bem difícil [...] ele falou: ‘Se você tivesse ficado em casa criando teus filhos, você não tinha pegado [...] (Elara).

Page 98: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

96

Os discursos de Aphrodite e Elara nos mostram as reações de exclusão dentro

da própria família, que deveria ser o local onde o sujeito fosse mais acolhido. Aphrodite

nos traz o medo dos familiares de contrair a doença, a falta de conhecimento sobre a

Aids e a segregação a que a pessoa é exposta dentro de sua própria casa. A fala de

Elara remete ao conteúdo profano da Aids que algumas pessoas ainda acreditam

conter e aponta para as questões de gênero anteriormente discutidas, que determinam

os papéis de homens e mulheres e reforça o conceito de que a mulher que está dentro

de casa, do casamento, está protegida contra esses malefícios.

Nos depoimentos abaixo está explícito o desconhecimento da doença, de seu

modo de transmissão e de seu tratamento. Aiinda existe a associação da Aids com

morte iminente.

[...] uma vez na minha casa a minha mãe brincando falô: ‘A Aphrodite não pode, ela tá morrendo [...]’ (Aphrodite).

[...] minha irmã que rejeitou eu, falô pra minha mãe: ‘Ela tá com essa doença, eu não quero nem sabê dela [...]’ (Ceres).

Muitos relatos fazem menção ao fato de as pessoas não tomarem água no

mesmo copo, não usarem os mesmos utensílios, embora o discurso científico e a

orientação para a comunidade descartem a contaminação por estas vias.

[...] me tratava diferente, os outro falava assim: ‘Essa doença não pega assim não’, mas ela (sogra) nem água no mesmo copo não tomava, se eu tomava no copo ela jogava o copo no lixo, de medo de eu passá neles(rindo) [...] (Ceres).

[...] tem pessoas que é vizinho, que desconfia, vem na minha casa, fica conversando, falando da vida dela, só que na minha casa não bebe água, isso é triste [...] (Réia).

O modo como as famílias se adaptam ao diagnóstico reflete a qualidade de seu

relacionamento anterior à doença, de suas vivências e do contexto social e cultural de

que esta família faz parte. A família é normalmente um ponto de apoio nos momentos

de maior dificuldade, entretanto, quando surge a doença grave ela pode se

desestruturar e passar a ser mais um elemento estressor para o portador. Um misto de

Page 99: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

97

sentimentos pode ser observado nos discursos, sentimentos que vão desde rejeição

provocada pelo novo, pelo desconhecido, até a culpabilização do sujeito.

De acordo com alguns autores (KALOUSTIAN; CHINOY apud PETRINI, 2003), a

família responde a necessidades humanas e sociais relevantes, por isso é considerada

um recurso para a pessoa e para a sociedade. Concordo com os autores (CHINOY;

ANSCHEN apud PETRINI, 2003) quando afirmam que a estrutura familiar permanece

como forma de relação social constituitiva da espécie humana. Entretanto, Petrini

(2003) observa que as mudanças sociais e culturais desencadeadas ao longo dos

tempos interferiram na vida da família. A família tradicional arcaica e a família nuclear

urbana entraram em crise e, como conseqüência disso, as novas gerações encontram

mais dificuldades para alcançar a estabilidade psicológica necessária para enfrentar os

obstáculos de existência na sociedade moderna. Não existindo a tradicional

estruturação familiar, os laços se tornam mais distantes e frágeis, “as tarefas básicas de

socialização primária e de amparo aos seus membros mais frágeis, deixam de ser

realizadas satisfatoriamente” (PETRINI, 2003, p. 81). Isso pode resultar em uma série

de comportamentos vulneráveis, tais como drogadição, prostituição, alcoolismo,

marginalização, entre outros.

Quanto mais frágeis os vínculos e cuidados que a rede de solidariedade familiar

oferece, tanto menores são as chances de integração social para os seus membros

(PETRINI, 2003).

Outro aspecto a ser considerado é o estigma sofrido nas relações sociais. A

curiosidade e o medo da contaminação provocam situações de dor e exclusão no

cotidiano dessas pessoas. Sobre isso, Ayres, França Júnior e Paiva (2007) afirmam

que o estigma sentido e o sofrido causa grande impacto na vida dos portadores do

HIV, violando seus direitos e interferindo severamente no modo como organizam seu

cotidiano e nas possibilidades de serem felizes e saudáveis e de gozarem de boa

qualidade de vida.

[...] teve uma senhora que me perguntou perto de um monte de pessoa, se era verdade que eu tinha. Eu falei: ‘Eu tenho, mas teu marido também, porque eu peguei dele [...]. Deu um ‘pizero’, menina [...] (Vênus).

[...] é nessa hora que você sabe quem é amigo de verdade, quem não é. Muitos afastaram, na rua aqui todo mundo sabia que eu tinha HIV, que esparramaram. Tinha gente que passava na frente da

Page 100: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

98

minha casa e fazia até o ‘nome-do-Pai [...]; meus amigos, de 20 ou 30, ficou três [...] (Hera).

Situações semelhantes podem ser vivenciadas no ambiente de trabalho, como

nos mostra o depoimento de Aphrodite.

[...] aqui (local de trabalho) foi uma menina que fez uma brincadeira [...] eu tava tomando café e a outra menina: ‘Ah! Aphrodite , dá um pouquinho desse café!’, e a outra menina gritou: ‘Não! não pega o copo dela que ela tem Aids (Aphrodite).

De acordo com Saldanha (2003), mesmo existindo no meio científico um grande

esforço para dar ao conceito de transmissão da Aids um sentido mais racional através

da elucidação de seus meios, não se conseguiu substituir o conjunto das

representações e imagens simbólicas provenientes de antigas epidemias. Isto

provavelmente se deva ao fato de os primeiros casos de Aids terem levado o indivíduo

a um flagelo assustador, impondo à doença um estigma de depreciação física e moral.

A discriminação afeta não somente o portador, mas também seus familiares,

amigos e significantes. No relato de Elara a exposição pública de sua figura e da de seu

parceiro foi uma situação de grande constrangimento para ambos. Trata-se de um caso

típico de estigma sofrido, que como visto anteriormente, é passivo de punição legal.

[...] aqui mesmo na vila tem um preconceito grande [...]. Meu marido trabalha na prefeitura e tava tendo uma palestra da CIPA e um rapaz que mora aqui e também trabalha lá perguntou pro meu marido no microfone quantos anos fazia que eu era portadora [...]. Aí meu marido ficou de saia justa. Só que eu quebrei, depois fui num outro encontro e falei, falei que ele é soronegativo e que só eu que sou soropositiva (Elara).

Acredito que a exposição pública da pessoa com Aids pode possuir duas

conotações. A primeira é que é preciso dismitificar e torná-la como outra doença,

respeitando e aceitando o portador a partir de orientações e esclarecimentos sobre ela

e a outra, que servem para reforçar o preconceito e a exclusão, como no caso de Elara.

A outra dificuldade, relatada pelas entrevistadas, diz respeito aos questionamentos

sofridos na busca de um novo emprego. Explicações sobre o porquê de não estar

trabalhando, sobre necessidades de tratamento de saúde, entre outras, acabam por

inviabilizar a entrada do portador no mercado de trabalho. Este acredita que, expondo o

problema, jamais será contratado. O medo da perda do emprego também é motivo para

Page 101: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

99

que o diagnóstico não seja assumido publicamente. Ambos os casos se caracterizam

como estigma sentido.

[...] eu tenho plaquetopenia, às vezes sem nenhuma pancada já fica roxo, e eu fui procurar emprego e tava com manchas no braço [...]. A mulher perguntou pra mim se meu marido me batia [...]. Daí vem a pergunta: ‘Por que você não está trabalhando?’ Nossa [...] é um questionário, você não consegue um emprego, como é que você vai explicar? (Pandora).

[...] que nem, eu trabalho na prefeitura, então tenho medo que o pessoal – que a gente conhece todo mundo, né? – fica sabendo, aí tenta me tirá da escola, ah! Eu prefiro, é melhor que ninguém saiba’. (Thebe).

Na percepção dessas mulheres, o silêncio e o sigilo sobre a doença é uma forma

de protegerem a si mesmas e a suas famílias.

4.3.2.3 Fé e religiosidade: o sagrado como suporte para enfrentar a doença

Outro aspecto presente nos depoimentos diz respeito à busca de apoio ligada à

fé, à religiosidade. Mesmo considerando-se não ser a fé uma rede de apoio, como ela

geralmente está atrelada a uma religião, optamos por discuti-la aqui. É importante

salientar quanto ela é importante para o bem-estar de algumas das entrevistadas.

De acordo com Corrêa (2006), quando as condições de saúde humana atingem

uma situação-limite, deflagrada por um sistema de saúde sucateado e desumano, uma

sociedade individualista extremada e a-não concretização das promessas da ciência, é

que se busca algo “sobre-humano”, transcendente, sagrado, capaz de solucionar

problemas. Desta forma, quando a vida de uma pessoa é ameaçada pelo sofrimento,

pela doença e pelo luto, ela busca apoio na religião.

Esta afirmação pode ser corroborada pelos relatos da maioria das mulheres

entrevistadas, que afirmaram que quando receberam o diagnóstico ficaram

extremamentes exaltadas e precisaram de muita fé para se reerguer.

Faria e Seidl (2005) argumentam que vários pesquisadores têm investigado a

associação entre fatores relativos à religiosidade - práticas, afiliação e crenças - e

saúde, tanto em sua dimensão física quanto mental. A publicação em questão ressalta

a importância da religião na promoção do suporte emocional, instrumental e informativo,

Page 102: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

100

reafirmando a diversidade de implicações que a religiosidade pode ter nos fenômenos

relacionados à saúde e ao adoecer. As autoras encontraram uma forte influência da

religiosidade nos aspectos relativos ao enfrentamento da doença, e adotaram a

definição de enfrentamento do Modelo Interativo do Estresse, que define enfrentamento

como “esforços cognitivos e comportamentais voltados para o manejo de exigências ou

demandas internas ou externas, que são avaliadas como sobrecarga aos recursos

pessoais” (FOLKMAN; LAZARUS; GRUEN; DE LONGIS, 1986, p. 572).

Em estudo realizado sobre enfrentamento de pessoas vivendo com HIV/Aids,

Seidl (2005) encontrou uma variedade de estratégias de enfrentamento utilizadas,

sendo que a de busca de práticas religiosas foi a de maior utilização como estratégia

pelos participantes. A autora conclui ainda que esta busca esteve associada

positivamente tanto com o enfrentamento do problema quanto da emoção. Pressupõe

que a religiosidade esteja relacionada a estratégias de aproximação e de manejo da

dificuldade e que a busca de práticas religiosas poderia funcionar como justificativa para

a esquiva à situação e/ou para a adoção de idéias fatalistas, atribuindo a forças

externas (um ser divino) o aparecimento e a resolução do problema. Isto pode ser

observado no depoimento abaixo:

[...] eu falava assim: SENHOR! O SENHOR é tudo na minha vida, o SENHOR. pode me ajudar [...] (Aphrofite).

Carvalho et al. ( 2007) consideraram em seus estudos que, como fonte de

interpretação para os acontecimentos da vida, a religiosidade pode representar apoio

para o enfrentamento das dificuldades e para mudanças de atitude.

Outro aspecto observado na análise da bibliografia sobre religiosidade e

processo saúde-doença está relacionado à auto-estima. Para Faria e Seidl (2005), a

religiosidade parece fornecer padrões comparativos para a auto-avaliação e o

autoconceito, de forma a valorizar a percepção que as pessoas têm de si mesmas.

[...] eu tive mais força pra viver depois que eu voltei pra igreja [...] Aí cê volta de lá naquela paz, com força que você tem que viver, que você tem que fazer [...] Tem hora que eu nem lembro da doença. Eu não tenho nada não [...] Eu faço oração, assisto de manhã o padre fulano e o padre beltrano, aí dá uma força, cê fica outra, cê não tem tempo pra ficar lembrando [...] (Thebe).

Page 103: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

101

Thebe, relata em seu depoimento que ao retornar para a igreja sentiu-se

fortificada e em paz, o que a ajudou no enfrentamento de seu problema. Estes dados

são semelhantes aos encontrados por Soares, Nóbrega e Garcia (2004) ao referirem

que, para a paciente com Aids por elas estudada, a espiritualidade é uma forma de

mobilizar recursos para a manutenção de seu próprio bem-estar. Isto fica claro no

discurso de Thebe quando ela fala da oração e de seu positivismo: “Eu não tenho nada

não”.

Todos os depoimentos colhidos fazem alguma alusão à fé e à religiosidade,

como pode ser observado em alguns trechos destacados abaixo.

Eu tenho muita fé em Deus, que ainda vai achar a cura. [...] Vou na igreja quando não tem missa, vou lá agradecer, mas eu tenho muita fé em Deus [...] (Elara). Eu sou católica, sou casada na igreja, tenho fé, mas não vou na igreja [...] (Pandora). Só Deus na sua vida para te dar forças [...] (Réia).

4.3.2.4 Outras redes influenciando de forma negativa a vida do portador

Embora as redes sociais devam se constituir em fonte de apoio aos portadores

de HIV/Aids, isso nem sempre acontece. Para Gualda (apud STEFANELLI, 1999), a

doença crônica tem múltiplas dimensões e gera uma gama de demandas que assumem

a conotação de desafios ao desenvolvimento de cada um, na tentativa de adaptação da

nova condição de vida que se apresenta. Desta forma, o portador pode necessitar de

fontes diferentes de apoio para a sua adaptação, e essas fontes podem ou não estar

formalmente constituídas e preparadas para exercer este papel.

Como afirma Stefanelli (1999, p. 73) “A família também tem de ser cuidada para

que não se desestruture e possa encontrar caminhos para a humanização da

convivência, efetuando também reavaliações e adaptações em seu estilo de vida”.

Apesar de a maioria das mulheres entrevistadas relatar a familia como uma rede

de apoio importante, elas revelaram que alguns familiares se constituem como fonte de

estresse para elas, principalmente quando há preconceito e não-aceitação, como

Page 104: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

102

descrito anteriormente por Réia, Vênus, Aphrodite e Ceres ao falarem da rede de apoio

influenciando negativamente suas vidas. Sobre isso, Tunala (2002), em estudo

realizado sobre as fontes de estresse da mulher soropositiva, encontrou a família como

uma das principais destas fontes. Acredito que as citações relativas ao preconceito de

alguns familiares em relação às mulheres estudadas podem ser um indício de que estas

famílias como um todo não estão tão bem-constituídas em rede de apoio, e sim, alguns

membros da família.

Uma das redes de apoio citadas negativamente pelas entrevistadas foi o serviço

de saúde e alguns profissionais de saúde. Teoricamente, o profissional de saúde é um

elemento que atua de forma a influir positivamente no tratamento e na vida do portador

de HIV/Aids. Isso, porém, nem sempre acontece. As falhas no sistema de saúde

denotam a fragilidade das políticas públicas, que têm nos recursos humanos seu maior

desafio, já que nem todos os profissionais de saúde encontram-se capacitados e

sensibilizados para operar em um modelo assistencial focado no ser humano. Os

resquícios de uma política de saúde hegemônica, focalizada na doença, ainda são

muito fortes e dificultam a operacionalização de um modelo centrado na pessoa. Os

discursos abaixo nos falam um pouco disso.

[...] no dia que eu descobri eu fui no INPS e a moça que me atendeu falou assim: ‘Procura o médico imediatamente, porque você vai morrer’, aí eu me desesperei (Réia).

[...] ele é um bom médico,só que não tem [...] eu comecei o tratamento com o Dr. 1, aí ele perguntou do pai, dos filhos, do cachorro, do cavalo, da família, e o Dr. 2 é assim, bem básico. Tem vez que a gente quer desabafar, ele já corta; ‘É receita que você quer?’ (Elara).

O discurso de Elara exibe claramente o despreparo do profissional para trabalhar

com o portador de Aids, pois pela minha experiência verifiquei que, às vezes, ouvir

atentamente pode ser a melhor terapia,. Na maioria das vezes o portador procura o

serviço não só para buscar receitas ou medicamentos, e sim, apoio, compreensão,

ajuda, ou até mesmo -como relatado anteriormente neste estudo - para conversar e se

dasabafar, já que não pode fazer isto com outras pessoas, por medo de ser julgado e

discriminado.

Ainda como aspecto negativo das redes de apoio, foi citada por uma das

entrevistadas a dificuldade de acesso a medicamentos que não fazem parte da cesta

Page 105: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

103

básica do portador de HIV/Aids. A fala de Pandora acrescenta ainda a importância das

organizações não governamentais, no sentido de orientar e lutar junto com o portador

em busca de seus direitos constitucionalmente instituídos.

[...] tive que entrar com uma briga no CISA pra comprar o remédio que eu precisava [...] Tive que pegar um laudo pra eles poderem comprar, porque eles tinham cortado a medicação e eu tive que correr atrás [...] Tem portadores que não sabem, ficam sem remédio [...] sendo que eles têm direito. A gente tá aqui na ONG para encaminhar essas pessoas [...] (Pandora).

Pandora completou dizendo que teve condições de lutar por seus direitos por ser

bem-informada em conseqüência de sua participação na ONG, que lhe trouxe novos

conhecimentos. Além disso enfatizou o fato de muitos portadores não quererem lutar

por seus direitos pelo medo da exposição.

A relação com as instituições religiosas também é citada de forma negativa por

algumas dessas mulheres, que vêem nos dogmas religiosos grandes empecilhos para

que elas possam viver plenamente sua religiosidade; contudo a fé continua citada como

importante fonte de apoio.

Eu não vou na igreja. Porque acontece assim: se eu vou na igreja evangélica, eu e o Lírio não somos casados, fala que a gente tá no pecado. Se eu vou na igreja católica tem o uso do preservativo. Não pode usar o preservativo, n´ss temos que usar o preservativo. Então eu rezo em casa [...] só vou na igreja quando não tem missa, vou lá agradecer; mas eu tenho muita fé em Deus [...] (Elara).

[...] eu acho um crime [...] eu sou católica, a Igreja Católica negar que as pessoas têm que usar preservativo [...] então eu sou casada dentro da igreja, tudo certinho, eu não vou poder ter relações com meu marido porque a Igreja Católica condena que use o preservativo? (Pandora).

De acordo com Faria e Seidl ( 2005), o conflito com o dogma da igreja ou grupo

religioso do qual fazem parte poderia ser considerado indício da possível existência de

dificuldades das pessoas no envolvimento da religião no processo de enfrentamento

das doenças. Neste sentido as instituições religiosas poderiam se configurar em

estressores para a vida das portadoras. Além disso, o fato de uma mulher ser portadora

do vírus HIV e ser casada, com orientação médica para o uso do preservativo, acaba

Page 106: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

104

por se constituir em um paradoxo, quando sua orientação religiosa aponta na direção

inversa desse uso, e pode gerar grandes conflitos pessoais.

3.3.3 O modo de ser e estar HIV+: o cuidado se revelando no dia-a-dia do portador

A palavra cuidado é muito presente em nosso vocabulário cotidiano. Usamo-la

para expressar nosso zelo e preocupação com seres vivos e não vivos: cuidado com os

filhos, com a casa, com os animais domésticos, no trânsito e em outras situações.

Quando me propus a falar de cuidado relacionado ao portador de HIV/Aids a partir das

falas expressas pelas mulheres entrevistadas, pretendia me aproximar ao máximo do

significado dessa palavra na vida delas, ou seja, desde o momento em que soube o

diagnóstico, até a aceitação da doença e o planejamento de uma nova forma de viver.

Para isso pensei em iniciar essa categoria com um pensamento de D’Ansembourg

sobre o cuidado:

Cuidar é ajudar o outro a viver o que ele tem que viver! Não é impedi-lo disso, nem tentar poupá-lo a um sofrimento que está no seu caminho, minimizando-o ou carregando o seu peso; é sim ajudá-lo a enfrentar a sua dificuldade, a mergulhar no seu sofrimento para dele se poder libertar, com consciência de que esse caminho só ao outro pertence e que ninguém o pode percorrer no seu lugar (D'Ansembourg).

Há algo nos seres humanos que não se encontra em nenhuma outra espécie

viva, que o faz único e especial, fá-lo sentir-se grande, dele se originando as mais belas

ações em direção ao outro: o sentimento, a capacidade de emocionar-se, de envolver-

se, de afetar e de sentir-se afetado. Dessa capacidade única se origina o cuidado.

O cuidado é uma ação inerente ao ser humano, é intuitivo, é instintivo, faz parte

da essência do ser. Para Boff (1999) e Waldow (2004), cuidar é uma forma de interação

humana, uma necessidade básica, é transformação e transcendência.

Cuidamos quando somos atentos ao outro, quando sorrimos, quando

acariciamos, quando realizamos as atividades domésticas, quando somos educados no

trânsito, enfim, quando deixamos nossas mais nobres características humanas se

desvelarem.

Page 107: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

105

Mayeroff (1990) acredita que o cuidado se dirige principalmente a outra pessoa,

mas também se relaciona com coisas e idéias, enfatizando que cuidar de outra pessoa

é ajudá-la a crescer e se realizar.

Observamos que, cotidianamente, as entrevistadas cuidam e são cuidadas.

Algumas anotações do diário de campo nos permitem concluir que: Aphrodite cuida dos

dois filhos sozinha; Hera cuidou de dois maridos que faleceram por Aids, cuidou dos

pais, da irmã e hoje cuida de sua casa e esposo; Pandora cuida de sua casa, sua filha e

marido, cuida das mulheres da ONG; Réia cuida da casa e do filho sozinha; Thebe

também tem a responsabilidade de cuidar da casa e dos três filhos sozinha; Vênus quer

cuidar de todos, cuida da neta e de sua casa; Elara cuida de sua casa, marido e filhos,

cuida também das mulheres de “bar”, sua função na ONG; Ceres cuida de seus dois

bebês, de sua casa e seu marido. Na verdade, elas vivem cuidando e para o cuidado.

Em Boff (2003) encontramos ainda que o cuidado é o sustentáculo da

criatividade, da liberdade e da inteligência humana. Para o autor, ele é tão importante

para a humanidade, que é preciso que cada um de nós venha a desenvolver a

afetividade para com os outros, de modo a perceber suas necessidades, para que a

construção de um mundo melhor não seja apenas utopia.

Neste contexto, apreendendo o cuidado proposto por Boff (2003), é pertinente

que façamos um exercício de cuidado ao outro, e essa prática pode ser muito bem-

vivenciada no atendimento ao portador do HIV/Aids, resgatando a empatia, os

princípios da fé cristã - como o amor ao próximo e a caridade humana. Não se quer

dizer com isso que cuidar é uma forma de doação caridosa, mas sim, que é uma

escolha, uma opção ética e humanitária.

Realizar esta pesquisa representou, de certa forma, o cuidado. Ao desvelar o

universo destas mulheres estou cuidando para que elas sejam mais respeitadas,

compreendidas e ouvidas, e ao mesmo tempo alertando outros profissionais sobre a

importância desse cuidado.

Diante dos avanços da epidemia de HIV/Aids no Brasil e no mundo, é cada dia

mais comum os profissionais de saúde que atuam tanto na rede básica como na média

e alta complexidade se depararem com pessoas portadoras e doentes de Aids. Assim,

as ações de cuidar fazem ou farão parte do cotidiano profissional de inúmeros

trabalhadores da saúde, tornando-se necessário, de acordo com Pinheiro et al. (2005),

resgatar a verdadeira essência do cuidado, para possibilitar maior amorosidade entre os

seres humanos e, com isso, constuir um mundo com mais valor. Os autores salientam

Page 108: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

106

ainda que é preciso existir a solidariedade, qualidade essencial para se enxergarem as

necessidades do outro, principalmente se esse é portador de uma doença

estigmatizadora, como a Aids.

Esta questão referente à solidariedade e cuidado com o bem-estar do outro me

remete à primeira visita realizada às mulheres em estudo. Quando cheguei em frente do

endereço, tive muita dificuldade em descer do carro, me sentia invadindo a vida de

outra pessoa que talvez não quisesse compartilhar comigo sua experiência. Desci do

carro, aproximei-me, e como já havíamos nos falado por telefone, ela me convidou a

entrar. Eu escolhia cada palavra com extremo cuidado, pois temia machucá-la ainda

mais. Conversamos por horas, mas acabei não ligando o gravador e toda a entrevista

foi perdida, pois após essa visita, por motivos de saúde não pudemos mais nos

encontrar e esta mulher não fez parte dos sujeitos da pesquisa. Não obstante, o

aprendizado dessa experiência não pode ser mensurado.

Pinheiro et al. (2005, p. 570), em estudos realizados sobre o cuidado humano e

portadores de HIV/Aids, frisam: “Ao se cuidar do outro, passa-se a respeitá-lo e a vê-lo

na sua individualidade, sendo imprescindível o conhecimento acerca da ética e da

moral, princípios que propiciam uma nova razão, instrumental, emocional e espiritual”.

As questões éticas são prioritárias quando se quer estudar portadores do HIV; a

maioria deles está muito fragilizada e a exposição é um fator dos mais temidos por eles.

Por essa razão, tive que tomar alguns cuidados antes de realizar as entrevistas:

contatei primeiro a ONG para que me fossem indicadas pessoas que apresentassem

potencial positivo para a participação deste tipo de estudo. O secretário da ONG foi

quem fez o primeiro contato, indagando se elas poderiam participar da pesquisa e se

ele poderia me passar seus telefones. Somente aí eu entrei em contato com elas. Por

meio das entrevistas desenvolvi um profundo respeito e uma enorme admiração por

estas mulheres. Foi estabelecido um vínculo, um pacto silencioso entre nós, e quando

nos encontramos casualmente após a pesquisa, nossa relação é de “velhas amigas”.

Paula e Crosseti (2005), em estudo desenvolvido sobre o cuidado com crianças

que convivem com a Aids sob a ótica da Teoria de Enfermagem Humanística de

Paterson e Zderard, descrevem o cuidado humano como uma relação inter-humana e

intersubjetiva, que possibilita que diferentes modos de cuidado possam ser desvelados.

Dessa forma, quando busquei discutir o cuidado dentro do contexto vivenciado pelas

mulheres entrevistadas, quis demonstrar que cuidar é uma atitude presente no dia-a-dia

destas mulheres, e que o cuidado ora discutido é um cuidado da portadora em relação

Page 109: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

107

às pessoas com quem ela convivia, ao significado, para ela, da rede assistencial e de

apoio da qual ela faz parte e, até a mim própria, a pesquisadora, que procurei aplicar o

cuidado holístico na realização deste estudo.

Ainda de acordo com Paterson e Zderard (apud PAULA; CROSSETI, 2005), o

ser que cuida vivencia com o outro eventos de vida; portanto, cuidar de um ser humano

com HIV/Aids é compartilhar, é estar com, no sentido fenomenológico do cuidado. Este

processo proporciona aos cuidadores e ao ser cuidado uma interação que orienta as

relações de convivência e permite que as redes de apoio se intensifiquem. Esta

experiência de cuidar pôde ser observada quando algumas entrevistadas falaram do

cuidado que tiveram com seus maridos durante a doença e até a morte. Aparece

também nas falas relativas ao cuidado com os filhos, ao cuidado que recebem de

familiares, amigos e vizinhos.

As diversas formas de cuidar e ser cuidado descritas pelas mulheres estudadas

me fazem crer que o cuidado é quase sempre uma via de mão dupla: ao mesmo tempo

em que elas cuidam de seus filhos, pais, maridos e amigos, recebem alguma forma de

cuidado dessas pessoas; e refletindo-se sobre o cuidado como inerente ao ser humano,

é possível compreender como pessoas tão carentes de cuidados conseguem cuidar do

outro.

Observando as entrevistadas, é perceptível como a prática do cuidar está

estabelecida em seus cotidianos. Algumas delas tiveram forças para cuidar do marido

até a morte, enfrentando seus medos e o sofrimento de pensar que futuramente elas

mesmas poderiam estar naquela situação, superando até mesmo o impulso de se sentir

vitimizadas pelos homens que as haviam infectado. O cuidado delas para com seus

familiares aparece muitas vezes se sobrepondo a seu autocuidado, colocando-se elas

em segundo ou terceiro plano e se preocupando muito mais com a falta que fariam na

vida dos filhos do que propriamente com a interrupção de sua vida.

Ainda pode ser observada nas entrevistas uma referência ao cuidado recebido

pelos profissionais dos serviços de saúde e ao apoio mútuo encontrado nas ONGs.

Por fim, acredito que cuidar é mais que uma ação: são atitudes que resgatam o

amor ao outro, a paciência, o zelo, a ética e, principalmente, o respeito ao próximo e a si

próprio. Falar de cuidado no contexto desta experiência vivenciada com as oito

mulheres entrevistadas é explorar uma variedade de conotações e sentimentos que o

cuidar assume na vida dessas pessoas. O simples fato de serem mulheres e mães já

Page 110: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

108

as alça a uma condição de cuidadoras incondicionais, como anteriormente discutido nas

questões de gênero.

O que chama a atenção nesses depoimentos é o grande potencial de cuidado

dispensado ao outro, que por vezes as leva a descuidar-se de si próprias.

Que grande ironia! Mulheres, cuidadoras por excelência, em algum momento se

descuidaram e contraíram uma infecção que traz na base de sua cadeia de transmissão

apenas uma forma de interrupção: o cuidado.

3.3.3.1 Cuidar de si, do outro, de todos, descuidar-se

O cuidado foi citado várias vezes durante as entrevistas, assumindo

diferentes formas ao longo da análise das falas. Iniciarei mostrando algumas

citações referentes ao autocuidado.

(sobre o remédio) [...] eu sou muito dedicada, eu tomo bem certinho, não esqueço nunca de toma, porque eu acho assim (chorando) é uma esperança né, é uma esperança né [...] (Vênus). [...] qualquer ventinho já tô pegando uma gripe [...] aí apareceu o HPV. Eu tenho cisto no seio [...]. Eu tinha saúde, agora é cada três meses no ginecologista [...]. Eu tomo hormônio [...] pra não menstruar, porque senão eu tenho hemorragia, eu tenho que fazer controle do CD4 [...] (Pandora).

Cabe ressaltar aqui que quando nos referimos ao autocuidado, quase sempre

fazemos alusões à adesão medicamentosa e ao uso do preservativo; no entanto,

Pereira e Costa (2007, p. 105) são categóricas ao afirmarem que, no contexto da

epidemia de Aids, o conceito de autocuidado a ser adotado deve ser o da

[...] adesão adequada aos medicamentos, uso de preservativos, cuidados com a alimentação, moradia, busca ativa de um espaço de escuta e informação, preservação de sua auto-imagem, relacionamentos satisfatórios para si ou busca para melhorá-los, capacidade de se fazer respeitar em espaços públicos e privados, participação mais ampla enquanto cidadã, entre outros desdobramentos.

Page 111: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

109

É importante observar que o advento da Aids trouxe à vida dessas mulheres

grandes mudanças no cotidiano, Os medicamentos são em grande quantidade e na

maioria das vezes provocam importantes reações adversas; aumentam a necessidade

de controles e exames laboratoriais, assim como o número de consultas médicas

mensais, mudança de comportamento, de hábitos, de atitudes, na alimentação, entre

outras.

Sobre isso, Oliveira et al. (2003, p. 167) nos lembram que “vivemos num mundo

de inúmeras possibilidades e a responsabilidade de fazer o máximo desta existência

encontra-se dentro de cada um de nós”. Desta forma, aderir ou não ao tratamento anti-

retroviral passa a ser uma opção de vida para o portador, o que leva os profissionais de

saúde a uma condição de impotência diante da recusa e não-adesão.

Não obstante, cabe a observação de que as mulheres entrevistadas

certamente estão aderindo de forma adequada ao tratamento medicamentoso e aos

demais cuidados importantes para a manutenção da qualidade de vida de

portadores de HIV/Aids, uma vez que todas estão muito bem de saúde e algumas

com diagnóstico há mais de 10 anos. Durante nossas conversas, algumas revelaram

relutância dos parceioros em aderir ao tratamento. Apenas Ceres mostrou certa

dificuldade em relação à medicação, referindo esquecimento constante; no entanto,

apesar de não ser minha proposta, após a entrevista conversamos sobre o

medicamento, fiz várias orientações e respondi a questionamentos sobre a temática.

Desta forma, torna-se cada vez mais evidente a necessidade do diagnóstico

precoce, que permite ao portador ser medicado com a maior precocidade possível e

adaptar sua vida à nova terapêutica, evitando assim morte prematura.

Além de cuidarem de si mesmas, todas as entrevistadas são cuidadoras de seus

significantes.

[...] eu vou no médico por ele (companheiro) [...]. Ir no médico ele não vai [...], então eu cuido dele e da minha filha. Então se eu fico doente, eu já falo: ‘eu não posso ficar doente, eu tenho que cuidar de mim e dos outros [...]’. Eu sou o apoio de todos, da mãe, do pai [...] Quando tem problema médico, sou eu que corro, é tudo eu que faço [...] tudo eu que corro atrás [...] (Pandora).

Eu cuidei ele [...] ele morreu [...] agora eu tenho que cuidar de mim, do menino. Hoje eu tô bem, tomo o remédio certinho [...]. Depois da morte dele tudo mudou, agora vem a parte boa, minha vida mudou. (Réia).

Page 112: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

110

No discurso de Pandora transparece certo cansaço deste papel de cuidadora.

Ela se ressente por seu parceiro não aderir ao tratamento espontaneamente, e se

mostra sobrecarregada pelo fato de a responsabilidade estar exclusivamente sobre ela.

Durante sua fala, demonstra que esse cuidado se constitui em uma carga muito

pesada, que a faz infeliz, e segundo ela, não sabe até quando vai suportar tal situação.

Réia, no entanto, aceitou com resignação seu papel de cuidadora do marido,

após cuja morte ela se mostrou liberta e aliviada. Estes posicionamentos me levam a

refletir que, embora essas mulheres cuidem de seus parceiros, nem sempre é fácil para

elas. Os sentimentos de rancor e a mágoa que muitas vezes não finda com o tempo,

dificultam esses relacionamentos e acabam se tornando obrigações de grande peso

emocional. Ela fala ainda de seu autocuidado com muita assertividade, o que reforça a

idéia de que, para as mães que são portadoras do HIV, é muito importante que estejam

bem, para poderem viver e cuidar de seus filhos.

O cuidado com o outro é bastante presente na fala da maioria das mulhere. Elas

não querem repetir com seus parceiros o que fizeram com elas.

Agora pra namorar eu uso preservativo, me previno [...] porque essa consciência pesada eu não vou ter [...] (Vênus). [...] eu tomo muito mais cuidado, que antigamente não, antigamente quando namorava nem usava a camisinha. Hoje não, só com camisinha [...] (Réia).

O uso do preservativo parece ter sido definitivamente incorporado por essas

mulheres. É uma pena que isso só ocorra neste momento e nestas circunstancias. e

que não tenha sido visto como medida preventiva para a proteção contra a doença. O

que chama a atenção em relação a este fato é que 50% das mulheres pesquisadas

informaram que seus respectivos parceiros se sabiam contaminados, mas não

comunicaram o fato à esposa. Esta é uma forma de descuido, uma falta de respeito e

dignidade para com o outro.

Eu sofri muito, porque vivi 11 anos, ele sabia que tinha e não me contou [...] nem ao menos se preparou para não passar pra mim [...] (Vênus). ‘[...] é errado o que ele fez, ele sabendo que era portador, porque foi fazer família? Se ele chegasse pra mim e falasse [...]’ (Aphrodite).

Page 113: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

111

Na fala de Vênus a falta de cuidado do outro fica explícita. É um misto de

indignação e descrença em relação ao desvalor atribuído pelo parceiro a sua vida e à

da demais pessoas que ele continua a infectar; é quase um grito que ecoa como:

“Basta! Você não pode continuar impondo sofrimento e dor a pessoas desavisadas”.

Então ela faz a sua parte, avisa; mas tudo isso, mesmo consciente, é muito complexo

para ser resolvido assim.

O cuidado com os cortes e objetos cortantes também faz parte da preocupação

dessas mulheres, pelo medo de infectar seus entes queridos, numa referência clara à

responsabilidade pelos outros vivenciada cotidianamente. Em Waldow (2004)

encontramos que a compreensão do cuidar, em seu sentido pleno, é entendê-lo como

integral e universal, existencial e relacional. Desta forma ele é visto pela autora como

uma condição para a sobrevivência humana. Quando as mulheres entrevistadas

demonstram o cuidado que dedicam ao outro, o cuidado relacional, elas estão

corroborando a idéia de que cuidar é imprescindível para a existência humana.

[...] eu tava fazendo salada de repolho, tava picando o repolho e me cortei [...]. Que jeito eu vou arrumá um emprego pra cozinhá? Minhas amigas já sabe, se tiver que picar coisa em festa eu não faço [...] (Vênus).

[...] eu me cuido, né?. Em casa com as crianças, ás vezes quando eu me corto, procuro sempre tá me cuidando [...] (Aphrodite).

Num contexto que referencia a importância da família como cuidadora, podemos

observar nos discursos abaixo como o cuidado da família e de amigos é citado como

elemento de grande importância na vida dessas pessoas.

‘[...] mãe, a senhora não pode pega chuva, já tomou o remédio?’ (Vênus).

[...] que nem as meninas de bar, porque eu faço muito trabalho com mulher de bar, elas sempre perguntam se eu tô bem [...] é [...] me cuidam (Elara).

Vênus repete durante toda a entrevista o cuidado que seus filhos e vizinhos têm

com ela. É perceptível quanto isto lhe é confortante e estimulador. Acredito que é esse

cuidado o que assegura ao portador que ele não está sozinho e que seus entes

queridos o acompanharão durante toda sua trajetória de enfrentamento da Aids.

Page 114: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

112

Stefanelli (1999, p. 72) encontrou em seus estudos que o suporte familiar é de

suma importância no processo de adaptação a uma nova condição de vida. Este

suporte proporciona mais segurança em relação a “Quem vai cuidar de mim?”, e

também às possibilidades de ajuda que a família pode dispor. De acordo com a autora,

a adaptação dos portadores de HIV/Aids ao novo estado de vida depende da

capacidade de cada um em mobilizar os recursos mais intensamente, e esses recursos

referem-se inclusive ao nível de apoio disponibilizado na rede social, na qual tem papel

preponderante a família.

Em outro contexto, podemos observar como o surgimento da doença grave

na família modifica comportamentos, numa referência ao que já foi discutido, sobre

valorização da vida. No depoimento de Thebe o cuidado de seu marido foi

manifestado após a descoberta do HIV, uma mudança de comportamento trazida

pela própria soropositividade.

[...] (o marido depois do HIV) posava bonitinho em casa, aquele carinho, ele sempre tava atento, tava sempre cuidando [...] (Thebe).

Um relato que me emocionou, o qual despontou quase como um clamor, foi

referido por Vênus ao alertar sobre o cuidado que devemos ter em nossas vidas em

relação à Aids. Dividiu sua experiência tentando mostrar ao outro a necessidade de

cada um assumir a responsabilidade pelo seu autocuidado, para que experiências

como a dela não sejam mais repetidas.

Eu queria tanto falar, e eu pro meu filho eu nunca deixo ele sem camisinha [...]. Para minha filha, não importa por quê, tem que usar [...]: Eu queria explicar: Filha (eu...) Fala pros teus filho, mostra a gravação pra eles. Eu queria explicar pra todas as mulheres: “Não confia em marido, não adianta, não confia [...] (Vênus).

Quando Vênus terminou esta fala, ambas estávamos com as lágrimas rolando

pela face. Ela falava com toda a propriedade de quem experienciou uma situação de

grande descuido, de desrespeito para com sua vida, de desamor... É importante

ressaltar que, apesar disso, ela demonstra uma extrema necessidade de proteger as

outras pessoas para que não se repita o que aconteceu com ela. Ao pedir que eu

mostrasse a gravação para os meus filhos, ela demonstra todo o cuidado e o carinho

que tem pelo próximo, deixando-nos uma grande lição sobre o cuidar: não é necessário

que sejamos experts em cuidado para cuidarmos, mas é imprescindível que tenhamos

amor à vida, à nossa e à dos outros seres vivos.

Page 115: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

113

5 APROXIMANDO OS RESULTADOS À PRÁTICA DE ENFERMAGEM

Partindo do pressuposto que a enfermagem é uma prática social, portanto

articulada às demais práticas de saúde, os resultados ora encontrados, podem servir

para diminuir a distância entre teoria e prática.

5.1 Aproximando os resultados à prática de enfermagem: refletir é preciso

Sem a curiosidade que me move, que me inquieta, que me insere na busca, não aprendo nem ensino (Paulo Freire).

Pensar e fazer a enfermagem é uma construção coletiva desenvolvida há muito

tempo, por milhares de pessoas, portanto não serei a primeira nem a última a associar

os dados aqui encontrados com a prática do profissional de enfermagem.

Inegavelmente, acredito que este foi ou é o meu momento de repensar como eu

cuidava e como cuidarei a partir da realização deste estudo.

Confesso que, ao encerrá-lo, há em mim um misto de ter contribuído para a

compreensão da mulher portadora de HIV/Aids infectada por seu companheiro, com um

grande compromisso de como fazer mudar a realidade da assistência de enfermagem a

essa mulher. Assim, vivendo esse paradoxo, tento neste capítulo refletir e compartilhar

com meus colegas da mesma área o sentimento que neste momento inunda minha

existência .

O primeiro caso de Aids com que eu tive contato ocorreu no ano de 1987. Eu era

recém-formada e trabalhava em um grande hospital na capital do Paraná. Tratava-se de

um médico conhecido meu dos tempos de universidade que havia se formado e ido

fazer residência na Europa, e voltara dois anos depois já com o diagnóstico da doença.

Nessa época eu não dispunha de muita informação sobre a doença e me lembro que

fiquei muito assustada com o destino do meu colega. O diretor do hospital contratara o

rapaz, que logo em seguida fora afastado por objeção de outros membros da diretoria -

meu primeiro contato com o estigma da doença.

Page 116: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

114

No ano de 1989 comecei a trabalhar em um grande hospital infantil, também na

capital do Estado. Ocasionalmente apareciam casos suspeitos de HIV e me lembro de

que na época o uso de luvas na punção endovenosa não era prática constante, e

eventualmente ficávamos sabendo de uma criança portadora que havíamos

puncionado sem luvas.

Já no ano de 1993, trabalhando como enfermeira de saúde pública em um

município da região metropolitana de Curitiba, tive o meu primeiro paciente portador da

doença. Embora naquela época já fossem bem conhecidos os mecanismos de

transmissão do HIV, lembro-me de ter sentido certo receio ao me aproximar da

paciente. Era alguma coisa irracional e ao mesmo tempo um constrangimento em impor

minha presença a uma criatura que era tão fragilizada e demonstrava uma passividade

assustadora. Ela morava com os quatro filhos, todos pequenos, e um irmão recém-

saído da adolescência, o qual cuidava dela e dos filhos. As condições de saneamento

eram precárias, assim como as condições financeiras. os vizinhos estavam assustados

com a doença e rejeitavam as crianças, e aquela mulher parecia absolutamente

resignada à sua sorte. Tomamos algumas medidas de ordem prática, como a oferta de

subsídios alimentares, a quitação das contas de água e luz, e conseguimos um colchão

e algumas outras coisas de necessidade básica. No meu papel de enfermeira de

acordo com o meu julgamento à época, fiz orientações de prevenção de transmissão da

doença, investiguei os possíveis contatos sexuais locais que ela havia mantido, solicitei

que informasse aos possíveis parceiros da sua condição, pedi que as crianças fossem

levadas à UBS para avaliação e dei mais algumas orientações de cunho biológico.

Infelizmente naquele momento eu não estava preparada para acolher a dor daquela

mulher. Investida da minha pretensa sabedoria técnica, deixei de fazer a coisa mais

importante naquele momento: ouvir a paciente, acolher sua dor maior, seus medos, sua

angústia. Lembro-me de ter deixado aquela casa muito impressionada com grande mal-

estar, colocando-me no lugar daquela mãe que estava prestes a deixar toda a sua prole

abandonada à própria sorte. Lembro-me também de ter saído com uma sensação de

não ter cumprido meu papel, e só mais tarde fui compreender por quê.

Naquela ocasião talvez eu não tenha percebido quão frágil era a situação

daquela família. Quem poderia cuidá-la? Apoiá-la? Como aquela mãe se sentia em

relação aos filhos que iria deixar? Não me lembro de ter procurado manter contato com

outros familiares ou ter buscado uma outra fonte de apoio para aquela família.

Page 117: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

115

Refletindo sobre a prática profissional, hoje vejo quanto isso mudou. É

indiscutível o avanço alcançado após esses 23 anos: medicamentos que prolongam a

vida e melhoram visivelmente sua qualidade, os conceitos de risco e vulnerabilidade, as

mudanças referentes à proteção individual nas ações assistenciais médicas, de

enfermagem, entre outras, as ações de prevenção de caráter sexual que trazem o

preservativo para o topo da cadeia de proteção, a oferta de seringas e agulhas aos

usuários de drogas injetáveis, a qualidade dos hemocomponentes ofertada pelos

hemonúcleos, as medidas de controle da transmissão vertical, a criação de centros

especializados no tratamento e acompanhamento dos portadores, as ONGs - enfim um

avanço inegável.

Não obstante, em relação às questões psicoafetivas, como estão estruturadas e

organizadas as ações de apoio ao portador e sua família? De que forma os serviços

organizam as demandas que não são exclusivamente de cunho biológico? Como no

Brasil, infelizmente, muitas coisas somente são realizadas após a implantação de

portarias ministeriais, qual é a portaria que direciona o atendimento psicossocial ao

portador e sua família?

É preciso refletir. A organização social em que todos estamos inseridos, ainda

hoje, tem na família sua maior representação. Relações interpessoais são um grande

desafio para todos os seres humanos, contudo, a busca de soluções, quando realizada

com pessoas do meio intra- e extrafamiliar, pode tornar-se mais rica. Neste sentido

cabe a nós, profissionais enfermeiros, de certa forma mais próximos de nossa clientela,

encontrar formas de atuar perante esta problemática. O portador e sua família não

podem ser relegados a um segundo plano, ou a nenhum planejamento. De acordo com

este estudo, verifiquei que é preciso encontrar estratégias para auxiliar as famílias em

seus processos de enfrentamento, aceitação e naturalização do HIV/Aids. Equipes

multiprofissionais podem atuar de forma a minimizar a devastação que a

soropositividade pode provocar nessas famílias. A estratégia Saúde da Família deve se

constituir em razão de direito e de apoio a portadores e familiares.

Em contrapartida, o medo e a exclusão ainda são constantes entre os

profissionais. É usual ouvirmos a frase emitida por profissionais de saúde: “Vou usar

luva porque este paciente é portador de HIV”. Há cirurgiões que se negam a atender

pacientes por serem portadores; obstetras que protelam partos ou cesarianas de

portadoras do HIV de modo que outro profissional possa atendê-las; enfim, dentistas,

Page 118: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

116

enfermeiros, ou qualquer outro profissional que permitem que o preconceito e a falta de

confiança em seu próprio trabalho os tornem indiferentes aos flagelos humanos.

Ainda de acordo com as ações implantadas no tratamento e controle do

HIV/Aids, o que se observa é uma enorme preocupação com os aspectos biológicos e

interferentes na cadeia de transmissão da doença, aspecto cuja relevância de modo

algum desejo minimizar. Contudo, analisando os resultados encontrados por essa

pesquisa, pude observar que os aspectos psíquicos, emocionais e sociais da epidemia

são fontes de grande sofrimento para o portador. É claro que com os benefícios

adquiridos com o controle e prolongamento da vida, a perspectiva do portador torna-se

diferente. Faz-se necessário encontrar estratégias que proporcionem a essas pessoas

uma vida com maior qualidade, pois os aspectos emocionais e psíquicos influenciam na

qualidade da saúde das pessoas. A pergunta que fica é: como nós, profissionais de

saúde, na nossa prática diária, podemos organizar nossas ações de forma a contemplar

o cuidado holístico tão sabiamente descrito por diversos autores?

O estudo empreendido me mostrou que viver com Aids é um desafio diário que

vai muito além dos aspectos contagionistas. Viver em família pode ser tanto uma fonte

de apoio e proteção como uma difícil empreitada para a portadora, visto que a presença

da doença é fonte de desestruturação e desorganização familiar, o que pode exercer

influência negativa sobre a vida dos portadores. Sobre isso, vale lembrar que a ESF

(Estratégia Saúde da Família) passa, com a publicação da Portaria Ministerial

389/2006, a ordenar os serviços de atenção básica no Brasil. Dessa forma, mais do que

nunca, os profissionais que compõem a estratégia devem absorver também esta fatia

populacional e investir no cuidado familial de forma a manter a família como rede de

apoio deste paciente. É inegável que quando falamos em aspectos emocionais e

psicológicos, temos o impulso de delegarmos o problema aos profissionais capacitados

para tal. Não se trata aqui de exercício ilegal da profissão, não é isso que estou

propondo; trata-se de um olhar diferente sobre o problema, de uma possibilidade de

escuta ativa por parte do profissional, com interesse e empatia. Proponho a busca de

uma solução conjunta para os problemas, com os devidos encaminhamentos, sempre

que necessário.

Com a preocupação em melhorar a adesão de portadores ao programa de

tratamento do HIV/Aids, o Ministério da Saúde (BRASIL, 2007) lançou um documento

que recomenda algumas estratégias a serem utilizadas pelas equipes de saúde para a

condução das PVHAs (pessoas vivendo com HIV e Aids). São elas: aumento do aporte

Page 119: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

117

de informações; organização de grupos de adesão; atendimento individual;

interconsulta e consulta conjunta (tipo de consulta realizada ao mesmo tempo por dois

profissionais diferentes na presença ou ausência do paciente); atividades de sala de

espera; rodas de tratamento e o tratamento diretamente observado (TDO). Entretanto,

novamente a estruturação de serviços que priorizem as necessidades do portador no

contexto familiar e social não foi contemplada.

Expandir a compreensão sobre o outro é o que pode fazer dos profissionais de

saúde, muito mais que multiplicadores de cuidados físicos, seres motivados a

possibilitar a formação de uma verdadeira rede de apoio ao doente de Aids, ao portador

de HIV e a sua família, exercitando a escuta ativa e referendando parcerias que possam

contribuir efetivamente para a melhoria do viver dessas pessoas. Profissionais

enfermeiros, geralmente muito próximos à clientela adstrita, podem executar ações que

verdadeiramente impactem o dia-a-dia dessas pessoas, simplesmente ouvindo-as e

tentando compreender suas necessidades, para assim planejar uma assistência digna.

5.1.1 E para não dizer que não falei das flores...

“Viver é muito difícil!” Esta frase eu escutei inúmeras vezes, proferida pela minha

avó paterna do alto de sua sabedoria, conferida pelos seus 94 anos de vida. E já há

algum tempo percebi quanto de verdade existia nessas palavras. Dentre as mazelas

que nos afligem cotidianamente, as relações interpessoais estão entre nossos maiores

desafios. Isto porque nossas limitações pessoais, nosso modo de ser, nossas angústias

e medos se deparam com as mesmas dificuldades do outro.

Estudar as relações familiares de mulheres soropositivas praa o HIV, com o

agravante de terem sido infectadas por um membro da família, foi um aprendizado

inesquecível. Se viver já nos parece uma tarefa complexa, imaginemos viver com a

adição de fatores como os vivenciados por essas mulheres.

Primeiramente, imaginemos, se formos capazes, a dor da mulher ao saber-se

infectada, aliada ao medo da morte e do abandono dos filhos. Por mais que digamos ou

pensemos o que faríamos no lugar daquela pessoa, a dimensão e o impacto causado

pela presença da Aids em sua vida não pode ser por nós conhecida em sua totalidade.

Page 120: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

118

Este impacto e suas conseqüências são únicos na vida de cada uma dessas mulheres

e somente podem ser dimensionados por elas mesmas.

Um fator observado no estudo é que grande parte (quatro) dos homens que

infectaram suas esposas possuíam a profissão de caminhoneiro, e que as

entrevistadas, na maioria das vezes, relacionaram o fato de eles permanecerem muitos

dias fora de casa com o risco maior a que eles estão expostos, numa negação da

necessidade do uso do preservativo, que nem sequer foi citado por elas. Elas atribuem

a si próprias a culpa por esses homens terem procurado aventuras extraconjugais, ou

os culpam por isso, mas nenhuma delas mencionou o fato de eles não terem usado o

preservativo. Os múltiplos sentimentos relacionados ao parceiro, como a culpa, a

autopiedade, a revolta e o perdão, são elementos que permeiam o dia-a-dia das

relações e podem constituir-se em fatores de estresse. Entretanto, apenas uma das

entrevistadas interrompeu o relacionamento afetivo com o parceiro quando se descobriu

infectada. Três delas manifestaram o desejo de pôr fim ao relacionamento, mas uma

delas afirmou depender financeiramente do marido e as outras duas ainda estão muito

confusas em relação aos seus sentimentos.

Em contrapartida, a dor não manifestada pode ser responsável pelo fato de

metade das entrevistadas apresentar um quadro depressivo, com tratamento e

acompanhamento psiquiátrico, o que me faz pensar que a depressão observada é

conseqüência da dificuldade de enfrentamento que a condição HIV/Aids impõe ao

portador.

A epidemia de Aids deflagrada em todo o planeta estimula a necessidade da

revisão de muitos conceitos por nós internalizados. Na verdade não são meros

conceitos, mas sim, construtos que ao longo dos tempos passaram a determinar

comportamentos e escolhas na vida de todos nós.

Evidentemente, estes construtos possuem origem solidificada e estimulada por

relações de gênero, que se constituem simultaneamente em causa e efeito deste

processo que tanto influencia nossa sociedade. Soma-se a isso o fato de que as

relações estabelecidas e solidificadas sobre a fidelidade e a confiança no outro fazem

com que as mulheres transfiram a esse outro a responsabilidade de seu autocuidado e

deleguem a seus pares a responsabilidade por ele.

Embora nossos discursos profissionais façam apologia do sexo seguro, do uso

do preservativo por todas as pessoas e em todas as relações sexuais, dificilmente a

nossa prática pessoal é condizente com o nosso discurso. Como convencer o outro a

Page 121: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

119

adotar um comportamento que a maioria de nós, profissionais de saúde, mesmo

detendo o conhecimento e a ciência dos riscos, estamos longe de adotar?

Outro sentimento muito presente nos discursos destas mulheres é o medo. Este

medo aparece muito ligado à maternidade, e representa a idealização do papel de mãe

socialmente construído através da história.

O casamento é idealizado como uma condição indissolúvel e entendido como

um projeto de vida a ser construído, que implica em amar e criar sua descendência.

Dentro desta idealização não há espaço para a desconfiança. O homem assume seu

papel de provedor do lar, e a mulher, a criação dos filhos, as atividades domésticas

além de, na maioria das vezes, contribuir com o orçamento familiar.

O relacionamento com outros membros da família aparece, na maioria das

vezes, como elemento de apoio, embora o estigma e o preconceito ainda imprimam

suas marcas tanto dentro como fora do seio familiar.

A rede social de apoio é entendida como essencial para a manutenção do

equilíbrio e da vida de todas as pessoas, nos momentos de crise, doença e morte. A

escola e os serviços de saúde, que deveriam constituir-se exclusivamente como redes

de apoio ao portador e seus familiares, nem sempre cumprem este papel, deixando

espaço para a exclusão e o descuidado.

Com base nos achados, acredito que descrever o significado de ser soropositiva

mistura sentimentos, comportamentos e sofrimento relacionados a ser portadora de

HIV/Aids e tê-lo adquirido do companheiro. Há uma mistura de amor e ódio,

proximidade e afastamento da morte, demonstrada pela força de viver e lutar,

especialmente para cuidar e “criar” os filhos, já que quatro mulheres descobriram a

soropositividade na gravidez.

Viver em família é compartilhar e ao mesmo tempo esconder o diagnóstico; é

proteger a família do preconceito e do estigma; é lutar, cuidar de todos e de si mesmo;

às vezes é culpar-se pela fatalidade, é perdoar, amar, negar, enfrentar – enfim, é buscar

no âmago do seu ser forças para lutar e vencer: a doença “letal”, o preconceito, o medo,

a culpa, a raiva, o abondono, o sentimento de impotência e as certezas e incertezas

que o fato de estar com Aids gerou nas mulheres entrevistadas.

Quanto a apreender comportamentos, sentimentos e atitudes das mulheres no

seu cotidiano e as alterações nas relações familiares após o diagnóstico, constatei que

sete mulheres referem levar sua vida normalmente, procurando não pensar na doença;

no entanto, depreendi de suas falas que da descoberta da infecção aos dias atuais uma

Page 122: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

120

série de sentimentos e comportamentos foram se alternando, levando a uma mudança

em seu cotidiano, ora com problemas sérios de relacionamento, ora com

enfrentamentos importantes que levaram ao amadurecimento, crescimento pessoal e

valorização da vida.

Ao mesmo tempo que abalou a estrutura familiar, a soropositividade promoveu a

aproximação de alguns menbros familiares, levando-os a buscar em conjunto a

superação da dificuldade, demonstrando força, garra e vontade de viver em família .

É necessário ainda refletir sobre a educação acadêmica e profissional no Brasil,

que vem oferecendo ao mercado de trabalho profissionais ainda pouco ou nada

preparados para atuarem ante a realidade perversa das pessoas que vivem com

HIV/Aids (PVHA). É função da academia possibilitar a apreensão e compreensão do

cuidado no seu sentido mais amplo, para que nossos futuros profissionais estejam mais

bem preparados para cuidar, “estar-com”. É imprescindível ainda,a compreensão da

“amplitude conceitual” da adesão ao tratamento como mais uma dimensão do cuidado

integral, para que esse conhecimento possa ser traduzido em ações capazes de causar

impacto real na qualidade de vida das PVHAs.

Os resultados obtidos nesta pesquisa vão ao encontro de estudos desenvolvidos

sobre o cuidado humano, e me fazem refletir que este é o caminho: cuidar na essência

do termo, resgatando e respeitando valores, estimulando o individuo ao próprio cuidado,

estabelecendo práticas educativas não somente para o portador e sua família, mas

também para profissionais que atuam junto aos portadores e familiares, nas escolas,

nas instituições religiosas, enfim, em todas as networks, para que juntos possamos

mudar a cara da Aids.

Por fim, apreender as vivências dessas mulheres me possibilita aumentar a

compreensão deste fenômeno que é “viver com Aids” e desvela um misto de dor e força

que comove e acalenta. É preciso ser forte, é necessário muita luta e muita

perseverança, mas viver é isso mesmo. O ser humano não conhece suas

potencialidades antes de elas serem deles exigidas, e como diria o poeta:

O vento ruge. urgente é a necessidade do apego, do apelo, do destroçar o tempo, do cobiçar o caminho urgente do vento que ruge. Urgente é negociar a vida, procurar saídas, esquecer partidas. Urgente é viver sem medo.

Page 123: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

121

Urgente é viver com tempo. Urgente é viver. Há gente que vive urgente sem o apego à vida, sem o apego ao tempo, sem dar tempo à vida. há gente que só vive. Há gente que só vive só, que só sonha só, que vive sonhando só sem sentir que o vento urgente traz o tempo para ser vivido. Eu vivo o momento agora que me dá prazer de correr com o vento. Eu vivo o tempo presente que me traz a paz. eu não vivo só (Marco Dias).

Page 124: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

122

REFERÊNCIAS

AIDS. Revista Nacional de Saúde Pública , São Paulo, n. 68, p. 4, jul. 1998.

ALTHOFF, C. R. Convivendo em família : contribuição para a construção de uma teoria substantiva sobre o ambiente familiar. 2001. Tese (Doutorado em Filosofia de Enfermagem)–Programa de Pos-graduação em Enfermagem, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2001.

ALTHOFF, C. R. Delineando uma abordagem teórica sobre o processo de conviver em família. In: ELSEN, I.; MARCON, S. S.; SILVA, M. R. S. da. O viver em família e sua interface com a saúde e a doença . Maringá: Eduem, 2002.

ALTHOFF, C. R.; ELSEN, I.; NITSCHKE, R. G. Pesquisando a familia : olhares contemporâneos. Florianópolis: Papa-Livro, 2004.

ALVES, N. R.; KOVÁCS, J. M.; STALL, R.; PAIVA, V. Fatores psicossociais e a infecção por HIV em mulheres, Maringá, PR. Rev. Saúde Pública , São Paulo, v. 36, n. 4, p. 32-39, 2002. Suplemento. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rsp/v36n4s0/11161.pdf>. Acesso em: 22 set. 2007.

ANDRADE, B. B. Diagnóstico de saúde do município de Umuarama . 1999. Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização em Saúde Pública)-Universidade de Ribeirão Preto, Ribeirão Preto, 1999.

ANDRADE, O. G. Suporte ao sistema de cuidado familiar do idoso com acidente vascular cerebral a partir de uma perspect iva holística de saúde. 2001. 224 f. Tese (Doutorado)–Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2001.

ANDRADE, G. R. B.; VAITSMAN, J. Apoio social e redes: conectando solidariedade e saúde. Ciênc. Saúde Coletiva , Rio de Janeiro, v. 7, n. 4, 2002. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/csc/v7n4/14615.pdf>. Acesso em: 22 set. 2007.

ARRUDA, A. P. B. Que (rei) sou eu? Resenha de Fabio Herrmann. A psique e o eu. São Paulo: HePsyché, 1999.

ASSIS, M. O espelho. 5. ed. São Paulo, 1998.

AYRES, J. R. de C. M.; FRANÇA JÚNIOR, I. F.; CALAZANS, G. J.; SALETTI FILHO, H. C. Vulnerabilidade e prevenção em tempos de Aids. In: PARKER, R.; BARBOSA, R. M. Sexualidades pelo avesso : direitos, identidades e poder. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1999. p. 49-72.

Page 125: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

123

AYRES, J. R. C. Práticas educativas e prevenção de HIV/Aids: lições aprendidas e desafios atuais. Interface - Comunic. Saúde, Educ. , São Paulo, v. 6, n. 11, p. 11-24, ago. 2002.

AYRES, J. R. C. et al. Humanização e cuidado:a experiência da equipe de um serviço de DST/Aids no município de São Paulo. Ciênc. Saúde Coletiva , Rio de Janeiro, v. 10, n. 3, p. 689-698, 2005. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/csc/v10n3/a25v10n3.pdf>. Acesso em: 8 maio 2006.

AYRES, J. R. C. M. ; FRANÇA JÚNIOR, I ; PAIVA, V . Crianças e jovens vivendo com HIV/Aids: estigma e discriminação. Com Ciência - Revista Eletrônica de Jornalismo Científico - SBPC , São Paulo, v. 76, 10 maio 2006. Acesso em 05/08/2007.

AYRES, J. R. C. M. et al. Risco, vulnerabilidade e práticas de prevenção e promoção da saúde. In: CAMPOS, Gastão Wagner de Sousa et al. Tratado de Saúde Coletiva . São Paulo: Hucitec; Rio de Janeiro: Fiocruz, 2006.

BAHLS, S. C. Uma visão geral sobre a doença depressiva . Disponível em: <http://www.interacao.ufpr.br/download/Revista%20Intera%E7%E3o%20VOL%204.pdf>. Acesso em: 13 ago. 2007.

BARBOSA, M. R Negociação sexual ou sexo negociado? Poder, gênero e sexualidade em tempo de AIDS. In: BARBOSA, R. M.; PARKER, R. (Org.). Sexualidade pelo avesso : direitos, identidades e poder. Rio de janeiro: IMS/UERJ,1999.

BASTOS, F. I. et al. The hidden face of AIDS in Brazil. Cad. Saúde Pública , Rio de Janeiro, v. 9, n. 1, 1993 .Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X1993000100010&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 26 oct. 2007.

BASTOS F. I.; SZWARCWALD, C. L. AIDS e pauperização: principais conceitos e evidências empíricas. Cadernos de Saúde Pública , Rio de Janeiro, v. 16, p. 65-76, 2000. Suplemento 1.

BERKMAN, L. F.; SYME, S. L. Social networks, host resistance, and mortality: A nine-year follow-up study of Alameda County residents. Am. J. Epidemiol. , Baltimore, v. 109, p. 186-204, 1979. Disponível em: <http://aje.oxfordjournals.org/cgi/reprint/109/2/186>. Acesso em: 26 out. 2007.

BERNARDI, V. C. A submissão d'A mulher e a sub-missão de uma mulher : Sheherazade. Disponível em: <http://www.rubedo.psc.br/artigosb/sheraza.htm>. Acesso em: 22 ago. 2007.

Page 126: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

124

BIELEMANN, V. de L. M. Uma experiência de adoecer e morrer em família. In: ELSEN, I.; MARCON, S. S.; SILVA, S. M. R. O. Viver em família e sua interface com a saúde e a doença . Maringá: Eduem, 2004.

BOEHS, A. Prática do cuidado ao recém nascido e sua família, baseada na teoria transcultural de Leininger e na teoria do de senvolvimento da família . 1990. Dissertação (Mestrado em Enfermagem)–Programa de Pós Graduação em Enfermagem, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1990.

BOFF, L. Saber cuidar : ética do humano: compaixão pela terra. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999.

BOFF, L. Ethos mundial . Rio de Janeiro: Sextante, 2003.

BOLETIM Epidemiológico de AIDS do Município de São Paulo. São Paulo, v. 2, n. 4, 1998.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1 988. Disponível em: <www.trt02.gov.br/geral/tribunal2/legis/CF88>. Acesso em: 4 ago. 2007.

BRASIL. Lei no 8.971, de 29 de dezembro de 1994. Disponível em: <www.dji.com.br/leis_ordinarias/1994-008971-lc/8971-94.htm>. Acesso em: 4 ago. 2007.

Brasil. Lei nº 9.278, de 10 de maio de 1996. Disponível em: <http://www.dji.com.br/leis_ordinarias/1996-009278-lue/9278-96.htm>. Acesso em: 4 ago. 2007.

BRASIL. Ministério da Saúde. Boletim Epidemiológico da AIDS . Brasília, DF, v. 12, n. 1, 1998.

BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria GM/MS nº 569 de 01/06/2000 . Disponível em: <http://sna.saude.gov.br/legisla/legisla/obst/GM_P572_00obst.doc>. Acesso em: 4 ago. 2007.

BRASIL. Portaria Ministerial GM/MS nº 2104, 19 de novembro de 2002. Disponível em: <http://sna.saude.gov.br/legisla/legisla/obst/GM_P572_00obst.doc>. Acesso em: 4 ago. 2007.

BRASIL. Ministério da Saúde. Boletim Epidemiológico AIDS e DST , Brasília, DF, ano 2, n. 1, 2005.

BRASIL. Boletim Epidemiológico AIDS-DST . Brasília, DF, ano 3, n. 1, jan./jul. 2006.

Page 127: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

125

BRASIL. Ministério da Saúde. AIDS vinte anos : esboço histórico para entender o programa brasileiro. Disponível em: <http://www.aids.gov.br/data/Pages/LUMIS232EC481PTBRIE.htm>. Acesso em: 30 set. 2007.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Programa Nacional de DST e AIDS. Diretrizes para o fortalecimento das ações de adesã o ao tratamento para pessoas que vivem com HIV e AIDS . Brasília, DF, 2007.

BRASIL. Ministério da Saúde. História da AIDS . Brasília, DF. Disponível em: <http://www.aids.gov.br/data/Pages/LUMIS232EC481PTBRIE.htm>. Acesso em: 30 set. 2007.

BRONFMAN, P. Multimortalidad y estructura familiar : un estudio cualitativo de las muertes infantiles en las familias. 1993. Tese (Doutorado)-Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 1993. Disponível em: <http://bases.bireme.br/cgi-bin/wxislind.exe/iah/bvsSP/?IsisScript=iah/iah.xis&nextAction=lnk&base=TESESSP&lang=p&format=detailed.pft&indexSearch=ID&exprSearch=127973>. Acesso em: 26 out. 2007.

CAMARGO JÚNIOR, K. R. Aids e a Aids das ciências. Hist. Ciências e Saúde, Manguinhos, v. 1, p.135-160, 1994. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/hcsm/v1n1/a05v01n1.pdf>. Acesso em: 26 out. 2007.

CARVALHO, F. T.; PICCININI, C. A. Maternidade em situação de infecção pelo HIV: um estudo sobre os sentimentos de gestantes. Interação em Psicologia , Curitiba, v. 10, n. 2, p. 345-355, jul./ dez. 2006. Disponível em: <http://calvados.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/psicologia/article/viewFile/7693/5485>. Acessado em: 19 set. 2007.

CARVALHO, F. T. et al. Fatores de proteção relacionados à promoção de resiliência em pessoas que vivem com HIV/AIDS. Cad. Saúde Pública , Rio de Janeiro, v. 23, n. 9, 2007 . Disponível em: <http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2007000900011&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 21 set. 2007.

COBRA, R. Q. A Psicanálise. Cobra Pages . Brasília, DF, 2003. Disponível em: <http://www.cobra.pages.com.br>. Acesso em: 12 set. 2007.

CHOR, D. et al . Medidas de rede e apoio social no Estudo Pró-Saúde: pré-testes e estudo piloto. Cad. Saúde Pública , Rio de Janeiro, v. 17, n. 4, 2001 . Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2001000400022&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 15 ago 2007.

Page 128: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

126

COLOMBRINI, M. R. C. et al. Adesão à terapia antiretroviral para HIV/AIDS. Rev. Esc. de Enfermagem da USP , v. 40, n. 4, p. 576-581, 2006. Disponível em: <http://www.ee.usp.br/reeusp/upload/pdf/292.pdf>. Acesso em: 27 out. 2007.

CORRÊA, D. A. M. Religião e saúde: um estudo sobre as representações do fiel carismático sobre os processos de recuperação de enfermidades nos grupos de oração da RCC em Maringá, PR. Ciências, Cuidado e Saúde , Maringá, v. 5, 2006. Suplemento.

D'ANSEMBOURG, T. Cuidar não é responsabilizar-se por... Disponível em: <http://comunicacaonaoviolenta.blogspot.com/2006/10/cuidar.html> Acesso em: 22 ago. 2007.

DECESARO, M. N. Dinâmica das relações familiares : compreendendo o convívio com familiar dependente de cuidados físicos. 2007. 195 f. Tese (Doutorado)– Faculdade de Enfermagem de Ribeirão Preto, Ribeirão Preto, 2007.

DINIZ, S. G. Gênero e prevenção das DST/AIDS : coletivo feminista sexualidade e saúde. Brasília, DF, jun. 2001. Disponível em: <http://www.mulheres.org.br/fiqueamigadela/relacoesdegenero.pdf>. Aceso em: 22 ago. 2007.

DIOGO, M. J. D.; DUARTE, Y. A. O. Cuidados em domicilio : conceitos e práticas. In:Tratado de Geriatria e Gerontologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002.

DOURADO, I. et al.Tendências da epidemia de Aids no Brasil após a terapia anti-retroviral. Rev. Saúde Pública , Rio de janeiro, v. 40, p. 9-17, 2006. Suplemento. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rsp/v40s0/03.pdf>. Acesso em: 5 ago. 2007.

DUARTE, Y. A. O. Família : rede de suporte ou fator estressor – a ótica de idosos e cuidadores familiares. 2001. Tese (Doutorado)– Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001.

ELSEN, I. Cuidado familial: uma proposta inicial de sistematização conceitual. In: ELSEN, I.; MARCON, S. S.; SILVA, M. R dos. O viver em família e a sua interface coma saúde e a doença . Maringá: Eduem, 2004. p.11-24.

FARIA, J. B.; SEIDL, E. M. F . Religiosidade e enfrentamento em contextos de saúde e doença: revisão da literatura. Psicol. Reflex. Crit. , Porto Alegre, v.18, n. 3, set./dez. 2005. disponivel em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_serial&pid=0102-7972&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 21 set. 2007.

Page 129: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

127

FERNANDES, H. et al. Deparando-se com a finitude: o impacto do diagnóstico HIV + para a pessoa. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ENFERMAGEM, Recife., 52, 2000. Resumos... Recife: Aben, 2000. p. 92.

FERNANDES, H.; NEMAN, F. A (re) organizaçao do querer viver social- familiar: história oral de portador de Aids. Rev. Paul. Enferm. , São Paulo, v. 21, n. 2, p. 126-132, 2002.

FERNANDES, M. Saúde e sexualidade da mulher presidiária em São Paulo: relato de uma experiência de prevenção do HIV/AIDS. In: VILLELA, W. V. (Org.). Mulher e AIDS: ambigüidade e contradição. São Paulo: NEPAIDS, 1997.

FIGUEIREDO, R.; AYRES J. R. Intervenção comunitária e redução da vulnerabilidade de mulheres as DST/AIDS em São Paulo, SP. Rev. Saúde Pública , São Paulo, v. 36, n. 4, p. 96-107, ago. 2002. Suplemento.

FIGUEIREDO, R. M. M. D. Repensando estereótipos e a mulher frente as DST e AIDS para ações de saúde. In: FIGUEIREDO, R. M. M. D. Prevenção as DST e AIDS em ações de saúde e educação . São Paulo: Nepaids, 1998. p. 23-25.

FOLKMAN, S.; LAZARUS, R. S.; GRUEN, R. J.; DE LONGIS, A. Appraisal, coping, health status and psychological symptoms. J. Pers. Soc. Psychol. , Washington, D. C., v. 50, p. 571-579, 1986. Disponivel em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/sites/entrez?cmd=Retrieve&db=PubMed&list_uids=3701593&dopt=Citation. Acesso em: 8 ago. 2007.

FREUD, S. Nossas atitude para com a morte . 3. ed. Rio de Janeiro: Imago, 1988. Obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Edição Standard Brasileira.

GIACOMOZZI I. A.; CAMARGO V. B. Eu confio no meu marido: estudo da representação social de mulheres com parceiro fixo sobre a prevenção da Aids. Psicologia : teoria e prática, São Paulo, v. 6, n. 1, p. 31-44, 2004.

GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social . São Paulo: Atlas, 1999. IBGE. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/comercioeservico/pas/pas2000_2001/default.shtm>. Acesso em: 20 fev. 2007.

JOHNSTON, B. E.; AHMAD, K.; SMITH, C.; ROSE, D. N. Adherence to highly active anti-retroviral therapy among HIV-infected patients of the inner city. In: International Conference AIDS, 1998, Geneva. Abstract no. 32389 . Geneva: [s.n.], 1998. v. 1. p. 599. Disponivel em: <http://gateway.nlm.nih.gov/MeetingAbstracts/102229904.html>. Acesso em: 8 ago. 2006.

Page 130: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

128

JOFFE, H. “Eu não”, “o meu grupo não”: Representações sociais transculturais da AIDS. In: JOVCHELOVITCH, S.; GUARESHI, P. (Org.). Textos em representações sociais . Petrópolis, RJ: Vozes, 1995.

KREPPNER, K. Development in a developing context: rethinking the family’s role for children’s development. In: WINEGAR, L. T.; VALSINER, J. (Org.). Children’s development within social context. Hillsdale: Lawrence Erlbaum, 1992. p. 161-179. Disponível em: <http://www.scielo.br/scieloOrg/php/reflinks.php?refpid=S0102-3772200000030000500027&pid=S0102-37722000000300005&lng=en>. Acesso em: 26 dez. 2007.

LISBOA, M. E. S. Vulnerabilidade da mulher frente às DST/AIDS. In: HIV/AIDS Virtual Congress, 4., 2003, Lisboa. Abstract... Lisboa: [s.n.], 2003. Disponivel em: <http://www.aidscongress.net/comunicacao.php?num=183>. Acesso em: 6 maio 2006.

LISBOA, M. E. S. Dupla exclusão: esquizofrênica e sropositiva. In: _____. HIV/AIDS. Virtual Congress, 4., 2003, Lisboa. Abstract... Lisboa: [s.n.], 2003. Disponivel em: <http://www.aidscongress.net/comunicacao.php?num=183>. Acesso em: 22 ago. 2007.

MANN, J.; TARANTOLA, D. J. N.; NETTER, T. W. A AIDS no mundo . Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1993.

MARCON, S. S.; WAIDMANN, P. A. M.; CARREIRA, L.; DECESÁRIO, M. N. Compartilhando a situação de doença: o cotidiano de famílias de pacientes crônicos, In: ELSEN, I.; MARCON, S. S.; SANTOS. O viver em família e sua interface com a doença . Maringá: Eduem, 2002.

MARTIN, L.; BALDESSIN, A. Conviver com a aids : subsídios para o doente, sua família e grupos de apoio. São Paulo: Santuário, 1990.

MAYEROFF, M. On caring . New York: Harper Perennial, 1990.

MINAYO, M. C. S.; DESLANDES, S. F.; CRUZ NETO, O.; GOMES, R. Pesquisa social : teoria, método e criatividade. Petrópolis: Vozes, 2002.

MIOTO, R. C. T. Do conhecimento que temos à intervenção que fazemos: uma reflexão sobre a atenção as famílias no âmbito das políticas sociais. In: ALTHOFF, C. R.; ELSEN, I.; NITSCHKE, R. G. Pesquisando a familia : olhares contemporâneos. Florianópolis: Papa-Livro, 2004.

MONTICELLI, M. Nascimento como um rito de passagem : abordagem para o cuidado às mulheres e recém nascidos. São Paulo: Robe Editorial, 1997.

Page 131: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

129

MORAGAS, R. M. Gerontologia social : envelhecimento e qualidade de vida. São Paulo: Paulinas, 1997.

MOTTA, M. G. C. O. O entrelaçar de mundos: família e hospital. In: ELSEN, I.; MARCON, S. S.; SANTOS, M. R. dos (Org.). O viver em familia e sua interface com a saude e a doença . 2. ed. Maringá: Eduem, 2004. p. 153-167.

NASCIMENTO, R. D. do, A face visível da Aids. História, Ciências, Saúde , Rio de Janeiro, v. 4, n. 1, p. 169-184, mar./jun. 1997. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/hcsm/v4n1/v4n1a08.pdf>. Acesso em: 12 set. 2007.

OLIVEIRA, M. E.; BRÜGGEMANN, O. M. Cuidado humanizado : possibilidades e desafios para a prática de enfermagem. Florianópolis: Cidade Futura, 2003. O QUE é AIDS. Tema. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1987. Número especial AIDS.

PAIVA, V.; LATORRE, M. R.; GRAVATO, N.; LACERDA, R. Sexualidade de mulheres vivendo com HIV/AIDS em São Paulo. Cad. Saúde Pública , Rio de Janeiro, v.18, n. 6, p. 1609-1620, nov./dez. 2002. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/csp/v18n6/13257.pdf>. Acesso em: 19 set. 2007.

PAIVA, V. Sem mágicas soluções: a prevenção do HIV e da AIDS como um processo de emancipação psicossocial. Divulgação em Saúde para Debate , Rio de Janeiro, n. 27, p. 58-69, ago. 2003. Disponível em: <http://www.abiaids.org.br/media/Artigo%20Vera%20Paiva%2003.pdf>. Acesso em: 22 ago. 2007.

PAIVA, V.; SANTOS, N. J. S.; FRANÇA JÚNIOR, I.; FILIPE, E.; AYRES, J. R. C. M.; SEGURADO, A. Desire to have children: gender and reproductive rights of men and women living with HIV: a chlallenge to health care in Brazil. AIDS Patient Care STDS, Larchmont, v. 21, p. 268-277, 2007.

PARKER, R.; CAMARGO JÚNIOR, K. R. Pobreza e HIV/AIDS: aspectos antropológicos e sociológicos. Cad. Saúde Pública , Rio de Janeiro, v. 16, p. 89-102, 2000. Suplemento,1.

PARKER, R.; GALVÃO, J. Introdução: a omissão do poder público. In: ______. (Org.). Quebrando o silêncio : mulheres e Aids no Brasil. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1996. p. 3-8. História Social da Aids, n. 7.

PATERSON, D. L.; SWINDELLS, S.; MOHR, J.; BRESTER, M.; VERGIS, E. N.; SQUIER, C. et al. Adherence to protease inhibitor therapy and outcomes in patients whith HIV infection. Ann. Inter. Med. , Philadelphia, v.133, no. 1, p. 21-30, 2000. Disponivel em: <http://www.pitt.edu/~disease/faculty/facultybio/paterson.html>. Acesso em: 26/10/07.

Page 132: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

130

PAULA, C. C.; CROSSETI, M. G. O. O modo de cuidar no encontro com o ser-criança que convive com AIDS: o experienciar da finitude e a ética. Texto & Contexto Enferm., Florianópolis, v. 14, n. 2, p. 193-201, abr./jun. 2005. Disponível em: <http://www.textoecontexto.ufsc.br/viewarticle.php?id=83>. Acesso em: 30 set. 2007.

PEREIRA, M. H. G. G.; COSTA, L. F. Santa pecadora ou execrada santa? O autocuidado em mulheres soropositivas para HIV. Psico- USF , Itatiba, v.12, n. 1, p. 103-110, jan./jun. 2007.

PEREIRA, M. L. D.; CHAVES, E. C. Ser mãe e estar com Aids: o revivescimento do pecado original. Rev. Esc. Enf. USP , São Paulo, v. 33, n. 4, p. 404-410, dez.1999.

PETRINI, J. C. Pós modernidade e família : um itinerário de compreensão. Bauru: Edusc, 2003.

PETRINI, J. C. Notas para uma antropologia da família . 2004. Disponível em: <httr://www.fasm.edu.br>. Acesso em: 19 set. 2007.

PINHEIRO, P. N. da C. et al. Human care: an ethical reflexion on HIV/AIDS patients. Rev. Latino-Am. Enfermagem , Ribeirão Preto, v. 13, n. 4, 2005. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-11692005000400016&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 21 set. 2007.

RELATÓRIO DA ONU: 30,6 milhões de pessoas vivem hoje com o vírus HIV. Disponível em: <http://www.ensp.fiocruz.br/radis/pesquisa.html>. Acesso em : 12 abr. 2007.

REUNIÃO, análise, e difusão sobre informações em saúde. Revista Tema , São Paulo, ano 5, out. 1987.

RANGEL, M. A violência do estigma e do preconceito à luz da re presentação social . Disponível em: <http://www.arco-iris.org.br/_prt/dicas/arquivos/052004-02.doc>. Acesso em: 5 ago. 2007.

REY, F. G.; MARTNEZ, A. M. La personalidad: su educadión y desarrolo . Habana: Editorial Pueblo y Educación, 1989.

SALDANHA, W. A. A. Vulnerabilidade e construções de enfrentamento da soropositividade ao HIV por mulheres infectadas em relacionamento estável . 2003. Tese (Doutorado)-Faculdade de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2003. Disponível em: <http://www.capes.gov.br/.../conteudo/10/BancoTeses.htm>. Acesso em: 22 set. 2007.

Page 133: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

131

SANCHES, K. R. B. A AIDS e as mulheres jovens: uma questão de vulnerabilidade . 1999. Tese (Doutorado)-Fundação Oswaldo Cruz, Escola Nacional de Saúde Pública, 1999.

SEIDL, E. M. F. Enfrentamento, aspectos clínicos e sociodemográficos de pessoas vivendo com HIV/Aids. Psicol. Estud. , Maringá, v.10, n. 3, sept./dez. 2005.

SELLI, L.; CHECHIN, P. L. Mulheres HIV/Aids: silenciamento, dor moral e saúde coletiva. O mundo da Saúde , São Paulo, São Paulo, ano 29, v. 29, n. 3, p. 353-358, jul./set. 2005.

SIEGEL, K.; ANDERMAN, S. J.; SCHRISMSHAW, E. W. Religion and coping with health-related stress. Psychol. Health , Chur, v. 16, p. 631-653, 2001. Acesso em: 30 set. 2007.

SILVA, M. F. Homossexualismo nas Forças Armadas II. O Globo , Rio de Janeiro, 1999. Caderno Opinião.

SILVA, C. G. M. da. O significado de fidelidade e as estratégias para prevenção da Aids entre homens casados. Rev. Saúde Pública , São Paulo, v. 36, n. 4, 2002. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-89102002000500007&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 27 out. 2007.

SILVA ALCN. Convivendo com a Aids e seu tratamento : experiência de portadores e familiares. Dissertação (Mestrado)– Programa de Pos-Graduação em Enfermagem, Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2007.

SILVEIRA, F. M.; SANTOS, I. Impacto de intervenções no uso de preservativos em portadores do HIV. Rev. Saúde Pública , São Paulo, v. 39, n. 2, abr. 2005. Disponível em: <http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-89102005000200023&lng=pt>. Acesso em: 5 ago. 2007.

SOARES, M. S.; NÓBREGA, M. M. L.; GARCIA, T. R. Cuidados de enfermagem a uma paciente com Aids à luz da variável espiritual de Betty Newman. Ciência, Cuidado e Saúde , Maringá, v. 3, n.2, p. 187-194, maio/ago. 2004.

SOUTO, K. Mulheres em tempos de AIDS : o desafio da prevenção. união brasileira de mulheres. Disponível em: <http://www.ubmulheres.org.br>. Acesso em: 27 jul. 2006.

SOUZA, N. R.; VIETTA, E. P. Compreendendo o portador HIV/AIDS: usuário de drogas. DST: J. Brás. Doenças Transm.,Rio De Janeiro, v. 11, n. 5, p. 31-37, 1999.

Page 134: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

132

SOUZA, A. S.; KANTORSKI, L. P.; BIELEMANN, V. L. M. A Aids no interior da família-percepção, silêncio e segredo na convivência social. Acta Scient. Health Scienc., , Maringá, v. 26, n. 1, p. 1-9, 2004.

STAHL, S. M. Psicofarmacologia : bases neurocientíficas e aplicações clínicas. Rio de janeiro: Ed. Médica e Científica,1998.

STRAWN, J. M. As conseqüências psicossociais da Aids. In: DURHAN, J. D.; COHEN, F. L. (Org.). A Enfermagem e o aidético . São Paulo: Manoele, 1989.

STEFANELLI, M. C.; GUALDA, D. M. R.; FERRAZ, A. F. A convivência familiar do portador do HIV e do doente com Aids. Familia, Saúde e Desenvolvimento , Curitiba, v. 1, n.1/2, p. 67-74, jan./dez. 1999.

SZWARCWALD, C. L.; BASTOS, F. I.; ESTEVES, M. A. P.; ANDRADE, C. L. T. A disseminação da epidemia da AIDS no Brasil, no período de 1987-1996: uma análise espacial. Cad. Saúde Pública , Rio de Janeiro, v. 16, 2000. supplemento1. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/csp/v16s1/2209.pdf>. Acesso em: 29 set. 2007.

TAYLOR, C. M. Fundamentos de Enfermagem Psiquiátrica de Mereness . Porto Alegre: Artes Médicas, 1992.

TUNALA, L.; PAIVA, V.; VENTURA-FILIPE, E.; SANTOS, T.; SANTOS, N.; HEARST, N. Fatores psicossociais que dificultam a adesão das mulheres portadoras do HIV aos cuidados de saúde. In: TEIXEIRA, P. R.; PAIVA, V.; SHIMMA, E. P. (Org.). Tá difícil de engolir? São Paulo: NEPAIDS, 2000.

TUNALA, L. G. Fontes cotidianas de estresse entre mulheres portadoras de HIV. Rev. Saúde Pública , São Paulo, v. 36, n. 4, ago. 2002. Suplemento. Disponível em: <http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-89102002000500005>. Acesso em: 23 set. 2007.

ULLA, S.; REMOR, E. U. Psiconeuroimunologia e infeccção por hiv:realidade ou ficção? Psicologia : Reflexão e Crítica, Porto Alegre, v. 15, n. 1, p. 113-119, 2002. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/prc/v15n1/a13v15n1.pdf>. Acesso em: 16 set. 2007.

VALLA, V. V. Educação popular, saúde comunitária e apoiosocial numa conjuntura de globalização. Cad. Saúde Pública , São Paulo, v. 15, p. 7-14. Suplemento 2. Disponível em: <http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X1999000600002>. Acesso em: 16 set. 2007.

Page 135: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

133

VILELA, W. Vulnerabilidad de las mujeres respecto del HIV. In: GÓMEZ, A. (Ed.). Mujeres, vulnerabilidad y SIDA : um enfoque desde los derechos humanos. México, D. F.: Red de las Mujeres Latinoamericanas y del Caribe, 1998. p. 12-16 Cad. Mujer Salud, 3.

VERAS, J. F.; PETRACCO, M. M. Adoecimento psíquico em mulheres portadoras do vírus HIV : um desafio para a clínica contemporânea. Disponível em: <http://pepsic.bvs-psi.org.br/pdf/cogito/v6/v6a31.pdf>. Acesso em: 30 set. 2007.

WALDOW, V. R. Cuidado humano : o resgate necessário. Porto Alegre: Sagra Luzzatto, 1998.

WALDOW, V. R. O cuidado na saúde : a relação entre o eu, o outro e o cosmos. Petrópolis: Vozes 2004.

ZALESKI EGF, O. Sentido de vida do portador de síndrome da imunodef iciência adquirida : uma questão de saúde mental para ações de enfermagem. 1996. Dissertação (Mestrado)-Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de Sõ Paulo, Ribeirão Preto, 1996.

Page 136: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

134

APÊNDICES

Page 137: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

135

APÊNDICE A

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Nome da Pesquisa: Relações familiares de portadoras do HIV: a vivência de

mulheres infectadas por seus parceiros

Nome do Pesquisador: Betina Barbedo Andrade

Objetivo Geral: Compreender o significado de ser soropositiva ao HIV e viver em

família.

Para tanto serão necessários a realização dos segui ntes procedimentos:

Serei submetido a uma entrevista aberta com a seguinte questão: fale sobre sua

vivência familiar após o diagnóstico do HIV.

Após ler e receber as explicações sobre a pesquisa, e ter meus direitos de:

1. Receber resposta a qualquer pergunta e esclarecimentos sobre os procedimentos,

riscos, benefícios e outros relacionados a pesquisa

2. Retirar o consentimento a qualquer momento e deixar de permitir minha participação

ou de qualquer individuo sob minha responsabiliddade de estudo;

3. Não ser identificado e ser mantido o caráter confidencial das informações

relacionadas a privacidade.

Declaro por meio deste, estar ciente do exposto e concordar com minha participação na

pesquisa.

Nome do voluntário: _____________________________________________________

RG: _________________________________CPF: ____________________________

Assinatura _______________________________

Umuarama, ___de ___________de_______.

Eu, Betina Barbedo Andrade, declaro por meio deste, que forneci toas as informações

referentes ao estudo ao participante.

RG: 2230296-5

CPF: 620502659-72

Assinatura do pesquisador _______________________________

Umuarama, ___de ___________de_______.

Page 138: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

136

APÊNDICE B

PLANILHA PARA CARACTERIZAÇÃO DAS ENTREVISTADAS

1. Identificação: ______________________________________ 2. Idade: ___________________________________________ 3. Escolaridade: _____________________________________ 4. Tempo de diagnóstico: ______________________________ 5. Tempo de tratamento: _______________________________ 6. Número de filhos: __________________________________ 7. Tempo de casamento: ______________________________ 8. Vive com o parceiro: ________________________________

Page 139: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

137

ANEXOS

Page 140: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

138

ANEXO A

PARECER DO COMITÊ DE ÉTICA

Page 141: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

139

ANEXO B

AUTORIZAÇÃO DA INSTITUIÇÃO

Page 142: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

Livros Grátis( http://www.livrosgratis.com.br )

Milhares de Livros para Download: Baixar livros de AdministraçãoBaixar livros de AgronomiaBaixar livros de ArquiteturaBaixar livros de ArtesBaixar livros de AstronomiaBaixar livros de Biologia GeralBaixar livros de Ciência da ComputaçãoBaixar livros de Ciência da InformaçãoBaixar livros de Ciência PolíticaBaixar livros de Ciências da SaúdeBaixar livros de ComunicaçãoBaixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNEBaixar livros de Defesa civilBaixar livros de DireitoBaixar livros de Direitos humanosBaixar livros de EconomiaBaixar livros de Economia DomésticaBaixar livros de EducaçãoBaixar livros de Educação - TrânsitoBaixar livros de Educação FísicaBaixar livros de Engenharia AeroespacialBaixar livros de FarmáciaBaixar livros de FilosofiaBaixar livros de FísicaBaixar livros de GeociênciasBaixar livros de GeografiaBaixar livros de HistóriaBaixar livros de Línguas

Page 143: BETINA BARBEDO ANDRADE MARCAS NO CORPO, MARCAS …livros01.livrosgratis.com.br/cp082778.pdf · “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada , Senhor, pela inspiração,

Baixar livros de LiteraturaBaixar livros de Literatura de CordelBaixar livros de Literatura InfantilBaixar livros de MatemáticaBaixar livros de MedicinaBaixar livros de Medicina VeterináriaBaixar livros de Meio AmbienteBaixar livros de MeteorologiaBaixar Monografias e TCCBaixar livros MultidisciplinarBaixar livros de MúsicaBaixar livros de PsicologiaBaixar livros de QuímicaBaixar livros de Saúde ColetivaBaixar livros de Serviço SocialBaixar livros de SociologiaBaixar livros de TeologiaBaixar livros de TrabalhoBaixar livros de Turismo