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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
DEPARTAMENTO DE ENFERMAGEM
PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM
BETINA BARBEDO ANDRADE
MARCAS NO CORPO, MARCAS NA ALMA: AS RELAÇÕES FAMILI ARES DE
MULHERES HIV POSITIVAS, INFECTADAS POR SEUS MARIDOS
MARINGÁ
2007
Livros Grátis
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BETINA BARBEDO ANDRADE
MARCAS NO CORPO, MARCAS NA ALMA: AS RELAÇÕES FAMILI ARES DE
MULHERES HIV POSITIVAS, INFECTADAS POR SEUS MARIDOS
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Área de Concentração: enfermagem e o processo do cuidado do Departamento de Enfermagem do Centro de Ciência da Saúde da Universidade Estadual de Maringá - PR, como parte dos requisitos para a obtenção do título de mestre em Enfermagem.
Orientadora: Profª Drª Maria Angélica Pagliarini Waidman
MARINGÁ
2007
BETINA BARBEDO ANDRADE
MARCAS NO CORPO, MARCAS NA ALMA: AS RELAÇÕES FAMILI ARES DE
MULHERES HIV POSITIVAS, INFECTADAS POR SEUS MARIDOS
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Área de Concentração: enfermagem e o processo do cuidado do Departamento de Enfermagem do Centro de Ciência da Saúde da Universidade Estadual de Maringá - PR, como parte dos requisitos para a obtenção do título de mestre em Enfermagem.
Aprovada em:
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________________________________
Profª Drª Maria Angélica Pagliarini Waidman
Universidade Estadual de Maringá – UEM
___________________________________________________________________
Profª Drª
Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC
___________________________________________________________________
Profª Drª
Universidade Estadual de Maringá – UEM
Dedico este trabalho
A todas as Marias guerreiras e incansavelmente
apaixonadas pela vida. A todos aqueles que
acreditaram que seria possível e que estiveram ao
meu lado nessa jornada. à minha mãe, a pessoa
que mais acreditou e investiu em mim em toda a
minha vida. aos meus filhos, razão do meu existir,
dedico este trabalho, também como eles, gerado
de minhas entranhas e que recebeu minha total
dedicação.
AGRADECIMENTOS
“O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – obrigada, Senhor, pela
inspiração, pelo cajado, por sua presença em minha vida.
Com alegria, deixo aqui consignados os mais sinceros sentimentos de
gratidão também a tantas outras pessoas que me ajudaram nesta jornada,
principalmente:
- ao meu pai, Carlos Augusto Cabral Barbedo( in memoriam),que me inspirou
à leitura e aos estudos, com seu exemplo e invejável inteligência;
- às minhas irmãs, Cassinha e Silvana, sempre presentes em todos os
momentos de minha vida, verdadeiros anjos da guarda por Deus enviados;
- à minha mãe, Tereza, exemplo de dignidade e de mãe;.
- ao meu marido, Hélio, companheiro de todas as horas, amor verdadeiro de
toda uma vida bem vivida;
- à Isadora, Matheus e Raíssa, meus filhos, meus amores, meu orgulho, pelas
horas abstraídas de sua companhia;
- às minhas avós, Paula e Dione (in memoriam), mulheres fortes que me
legaram força e determinação;
- às minhas amigas e companheiras Harue, Marta, Cecília, Beth Belini, Maísa,
Bernadete, Hilmara, Eliane, que torceram por mim, me incetivaram e ajudaram nos
momentos difíceis;
- “amigo é coisa prá se guardar ...” bons encontros, amizades que valem a
pena – minhas queridas amigas de jornada Beth, Dagmar e Keli, sem vocês seria
muito mais difícil...
- ah! E agora sim... o Senhor sempre coloca seus anjos em minha vida, e
você, minha querida orientadora Maria Angélica, é um deles. Agradeço-te por essa
doçura, pelo ser humano de qualidade que você é, pela sua acolhida, pela confiança
em mim depositada, pela sua extremada competência e inteligência aguçada. Admir-
te muito!!!! Acredito que ganhei uma grande amiga;
- ás minhas queridas deusas gregas e romanas pela maravilhosa experiência
que me proporcionaram, por abrirem suas vidas e confiarem em mim. Valeu!!!
- às minhas companheiras de trabalho, Ana Paula, Patrícia, Neusa, Cristiane,
Regina, Vanda e Selma, pela paciência, carinho e compreensão que me dedicam...
- aos meus alunos, que me inspiram e me fazem acreditar que sempre é
possível fazer melhor...aos que são, aos que foram, aos que serão;
- aos professores e funcionários do Departamento de Enfermagem da UEM;
- à Coordenadora do Mestrado de Enfermagem, Sonia, pelas lágrimas
derramadas, pelo apoio recebido quando precisei, por você ser assim, essa mulher
forte que faz as coisas acontecerem;
- ao professor Raul e à Marlene pela grande ajuda prestada;
Enfim, foram tantas pessoas importantes, que receio ter esquecido de
mencionar alguém. De qualquer forma a todos os meus sinceros agradecimentos...
Até a próxima!!!!
Há um tempo em que é preciso abandonar as
roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo,
e esquecer os nossos caminhos, que nos levam
sempre aos mesmos lugares. É o tempo da
travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos
ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.
(Fernando Pessoa)
Maria Maria
Maria, Maria é um dom, uma certa magia
Uma força que nos alerta
Uma mulher que merece viver e amar
Como outra qualquer do planeta
Maria, Maria é o som, é a cor, é o suor
É a dose mais forte e lenta
De uma gente que ri quando deve chorar
E não vive, apenas agüenta
Mas é preciso ter força, é preciso ter raça
É preciso ter gana sempre
Quem traz no corpo a marca
Maria, Maria mistura a dor e a alegria
Mas é preciso ter manha, é preciso ter graça
É preciso ter sonho sempre
Quem traz a fé nessa marca
Possui a estranha mania de ter fé na vida
Mas é preciso ter força...
Mas é preciso ter manha...
(Milton Nascimento - Fernando Brant)
RESUMO
ANDRADE, B. B. Marcas no corpo, marcas na alma : as relações familiares de mulheres HIV positivas, infectadas por seus maridos. 2007. 140 f. Dissertação (Mestrado)–Departamento de Enfermagem, Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2007.
A consolidação da Aids como uma doença crônica colocou em evidência muitas
questões na pauta das discussões sobre a vivência dos portadores, questões de cunho
biológico e psicossociais, que ganham destaque à medida que se observa quanto
afetam a qualidade de vida dos portadores. Dentre os aspectos psicossociais, o
relacionamento do paciente com sua família assume especial importância, tendo-se em
vista a dificuldade pela qual passam ambos ao deparar-se com tal diagnóstico. Desta
forma, este estudo tem por objetivos: compreender o significado de a mulher ser
soropositiva para o HIV e viver em família; apreender comportamentos, sentimentos e
atitudes de mulheres soropositivas para o HIV infectadas por seus companheiros no
cotidiano familiar; e investigar alterações nas relações familiares das mulheres.
Realizou-se uma pesquisa de caráter descritivo- qualitativa, que foi desenvolvida junto a
oito mulheres soropositivas para o HIV/Aids que mantinham relacionamento
monogâmico e estável e foram infectadas por seus parceiros. Os dados foram
coletados nos domicílios das mulheres, utilizando-se como estratégia de coleta de
dados a entrevista aberta. O tratamento dos dados seguiu os pressupostos da técnica
da análise de conteúdo proposta por Minayo (1994). Os resultados estão apresentados
em forma de categorias temáticas, que revelaram: a complexidade das emoções do
existir com Aids; a importância da rede social de apoio para a vivência da mulher com
HIV/Aids, e, por último, o cuidado permeando o cotidiano dessas mulheres. A
compreensão do significado de ser HIV/Aids-positiva e de como isto interfere nos
relacionamentos em família traz aos profissionais enfermeiros a possibilidade de
encontrar estratégias para auxiliar as famílias em seus processos de enfrentamento,
aceitação e naturalização do HIV/Aids, de forma a minimizar a devastação que a
soropositividade pode causar nessas famílias. No plano das políticas públicas de saúde,
este estudo contribui para a reflexão sobre a necessidade de direcionar o atendimento
psicossocial ao portador e sua família, bem como para com a estratégia Saúde da
Família, à medida que reflete o cuidado subjetivo e propõe o investimento no cuidado
familial de portadores como forma de manter o equilíbrio e a funcionalidade desta rede
de apoio (família), indispensável às portadoras. Por fim, serve ainda à academia, ao
proporcionar essa reflexão à educação acadêmica e profissional no Brasil, de forma a
oferecer ao mercado de trabalho profissionais melhor preparados para atuar frente à
realidade perversa das pessoas que vivem com HIV/Aids.
Palavras-chave: Família. Soropositividade para HIV. Mulheres. União estável.
Cuidado de enfermagem.
ABSTRACT
ANDRADE, B. B. Scars in the body, scars in the soul : the family relantionship of HIV positive women, infecred by their husbands. 2007. 140 f. Essay (Master Degree)–Nursing Department, Maringa State University, Maringa, 2007.
The consolidation of AIDS as a chronic disease puts in evidence a lot of biological and
psychosocial questions related to the life of the carriers, which are highlighted according
to the observation of how much they affect their lives. Among the psychosocial aspects,
the relationship of the patient with its family has a special importance, understanding the
difficulty that each of them face after the diagnosis. The purpose of this research is: to
understand the meaning of being HIV positive and living among family; to learn
behaviors, feelings and posture of women HIV positive infected by their partners inside
daily life of the family and; to investigate changes in the family relationships of these
women. It was carried out a descriptive research with qualitative analysis, developed
with eight women HIV positive who had a stable and monogamic relationship and who
were infected by their companions. Open interview was used as a strategy to collect
data inside the women’s houses. Data treatment followed the purpose of content
analysis technique, suggested by Minayo (1994). The results were presented in thematic
categories which showed: the complexity of emotions of living with AIDS; the importance
of social nets of support for the life of the HIV woman and, at last, the care of the daily
life for those women. The understanding of the meaning of being HIV positive and how
this interfere in the family relationship, bring to the nursing professionals the possibility to
find strategies helping the family in the process of confrontation, acceptance and
naturalizing the HIV, in a way of reducing the devastation that HIV seropositivity can
bring to those families. In public health politics, this research can contribute to the
reflection of the need to indicate the psychosocial attendance to the carrier and its
family, as well as a strategy of the Family Health Program, the way that reflects the
subjective care and propose the investment in the care of the carrier’s family as a way of
keeping the balance and structure of this supports net (family), essential to the carriers.
At last, for academic studies, it gives the reflection of the academic and professional
education in Brazil, offering to the labor market, better prepared professionals to work
facing the brutal reality of the people who live with HIV/AIDS.
Keywords: Family. HIV Seropositivity. Women. Stable Union. Nursing Care.
10
RESUMEN
ANDRADE, B.B. Huellas en el cuerpo, huellas en el alma : las relaciones familiares de mujeres con el Sida, infectadas por sus maridos. 2007. 140 f. Disertación (Maestría)–Departamento de Enfermagem, Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2007.
La consolidación del Sida como una enfermedad crónica, puso en evidencia muchas
cuestiones en la pauta de discusiones entorno a la vivencia de los portadores,
cuestiones esas de carácter biológico y psicosocial, que ganan destaque de acuerdo
con lo que se observa en cuanto afectan la calidad de vida de los portadores. Dentre
los aspectos psicosociales, la relación del paciente con su familia asume especial
importancia, teniendo en vista la dificultad por la cual pasan ambos al depararse con
tal diagnóstico. De esta forma, este estudio tiene por objetivos: comprender el
significado de ser seropositiva al HIV y vivir en familia; aprender comportamientos,
sentimientos y actitudes de mujeres seropositivas al HIV, infectadas por sus
compañeros, en el cotidiano familiar y, investigar alteraciones en las relaciones
familiares de las mujeres. Se ha realizado una investigación de carácter descriptivo
de análisis cualitativa, que fue desarrollada junto a ocho mujeres seropositiva al
HIV/Sida que poseen relación monogámica y estable y que fueron infectadas por sus
compañeros. Los datos fueron recopilados en los domicilios de las mujeres
utilizando como estrategia de recopilación de datos en una encuesta abierta. El
tratamiento de los datos siguió el presupuesto de la técnica de análisis de contenido,
propuesta por Minayo (1994). Los resultados están presentados en forma de
categorías temáticas que revelaron: la complejidad de las emociones del existir con
Sida; la importancia de la red social de apoyo para la vivencia de la mujer HIV/Sida
y, por último, el cuidado perneando el cotidiano de esas mujeres. La comprensión
del significado de ser HIV/Sida positiva y de cómo esto interfere en las relaciones en
familia, trae a los profesionales enfermeros la posibilidad de encontrar estrategias
para auxiliar las familias en sus procesos de enfrentamiento, aceptación y
naturalización del HIV/Sida de forma a minimizar la devastación positiva que puede
perpetrar a esas familias. En el plan de las políticas públicas de salud, este estudio
contribuye para la reflexión de la necesidad de orientar la atención psicosocial al
portador y su familia, así como para con la estrategia “Saúde da Familia”, al paso
que refleja el cuidado subjetivo y propone la inversión en el cuidado familiar de
portadores como forma de mantener el equilibrio y la funcionalidad de esta red de
apoyo(familia). Indispensable a las portadoras. Por fin, sirve aun a la academia, de
modo a proporcionar la reflexión de la educación académica y profesional en Brasil,
de forma a ofrecer al mercado laboral, profesionales mejores preparados para actuar
frente a la realidad perversa de las personas que viven con HIV/Sida.
Palabras clave: Familia. Seropositiva para el HIV. Mujeres. Unión estable. Atención
de Enfermería.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................. 14
1.1 O universo familiar de mulheres HIV/Aids infectadas por seus
parceiros ......................................................................................................
14
1.2 Minha trajetória: a presença da Aids em minhas ativ idades
profissionais ................................................................................................
16
2 REVISÃO DE LITERATURA ....................................................................... 19
2.1 Aids: a trajetória da epidemia ................................................................... 19
2.2 A Aids e o universo feminino .................................................................... 22
2.3 O conceito de vulnerabilidade e sua relação com a i nfecção
feminina .......................................................................................................
24
2.4 Mulher, família e HIV ................................................................................... 27
2.4.1 Relações familiares ...................................................................................... 30
3 CAMINHO METODOLÓGICO .................................................................... 34
3.1 Tipo de pesquisa ........................................................................................ 34
3.2 Sujeitos da pesquisa .................................................................................. 34
3.3 Local de estudo .......................................................................................... 35
3.4 Procedimento de coleta dos dados ......................................................... 36
3.5 Procedimento de análise dos dados ....................................................... 38
3.6 Aspectos éticos .......................................................................................... 39
4 MARCAS NO CORPO, MARCAS NA ALMA: .................. ......................... 40
4.1 Eu e a Aids: a história de vida das mulheres estuda das ...................... 40
4.1.1 Aphrodite: “tudo posso naquele que me fortalece” ...................................... 40
4.1.2 Hera: o significado da alegria ....................................................................... 41
4.1.3 Pandora: um exsudato de sofrimento e dor ................................................. 42
4.1.4 Thebe: amor e ódio: paradoxo constante .................................................... 43
4.1.5 Réia: o sofrimento não dura para sempre ................................................... 44
4.1.6 Vênus: a Aids não escolhe idade ................................................................. 45
4.1.7 Elara: amor é para toda a vida ..................................................................... 46
4.1.8 Ceres: ser jovem com Aids: a experiência que não é bem vinda ............... 47
4.2 Caracterização das participantes da pesquisa ...................................... 48
4.3 Categorias temáticas enunciadas ............................................................ 52
4.3.1 Existir com Aids: a (des) construção de um castelo de emoções ............... 54
4.3.1.1 O diagnóstico de soropositividade ............................................................... 54
4.3.1.2 Negar a doença: uma forma de se auto-proteger ....................................... 63
4.3.1.3 De repente... a depressão: o sofrimento é revelado em forma de
doença ..........................................................................................................
66
4.3.1.4 Estou infectada, e agora? ............................................................................. 69
4.3.1.5 O amor e a sexualidade: o caminho para contrair HIV/Aids ....................... 71
4.3.1.6 Vivendo com Aids: o confronto com a realidade ......................................... 75
4.3.1.7 Ser mulher e viver em um mundo masculino: uma questão de gênero ..... 77
4.3.1.8 De quem é a culpa?: mesmo que seja dele, a culpa é minha .................... 79
4.3.2 Ter Aids e não estar só: o papel da rede social para o portador ................ 80
4.3.2.1 Outras fontes de apoio: a comunidade que acolhe ................................... 90
4.3.2.2 A rede de apoio influenciando negativamente a vida do portador:
estigma, discriminação e preconceito ..........................................................
93
4.3.2.3 Fé e religiosidade: o sagrado como suporte para enfrentar a doença ....... 95
4.3.2.4 Outras redes influenciando de forma negativa a vida do portador ............. 101
4.3.3 O modo de ser e estar HIV+: o cuidado se revelando no dia-a-dia do
portador .........................................................................................................
104
4.3.3.1 Cuidar de si, do outro, de todos, descuidar-se ............................................ 108
5 APROXIMANDO OS RESULTADOS À PRÁTICA DE ENFERMAGEM .. 113
5.1 Aproximando os resultados à prática de enfermagem: refletir é
preciso .........................................................................................................
113
5.1.1 E para não dizer que não falei das flores...................................................... 117
REFERÊNCIAS ............................................................................................ 122
APÊNDICE ................................................................................................... 134
ANEXOS ....................................................................................................... 137
14
1 INTRODUÇÃO
É difícil precisar o número de mulheres infectadas por seus parceiros. A
preocupação com este número, cada vez mais crescente, nos levou a pesquisa.
1.1 O universo familiar de mulheres HIV/Aids infectadas por seus parceiros
Pesquisas sobre população realizadas por demógrafos e cientistas sociais dão-
nos a conhecer que as transformações ocorridas na sociedade contemporânea
relacionadas à ordem econômica, à organização do trabalho, à revolução na área da
reprodução humana, à mudança de valores, à liberalização dos hábitos e costumes e
ao fortalecimento da lógica individualista em termos societários, redundaram em
mudanças radicais na organização das famílias (GOLDANI, 1994; PEREIRA, 1995
apud ALTHOFF; ELSEN; NITSCHKE, 2004).
Essas transformações, que envolvem aspectos positivos e negativos,
desencadearam um processo de fragilização dos vínculos familiares e os tornaram mais
vulneráveis. Por exemplo, famílias menores que contam com apenas um adulto e vivem
longe de sua parentela – tão comuns no nosso tempo – estão mais vulneráveis a
eventos como a morte, doenças, desemprego e a própria gestão da vida cotidiana. Os
mais diversos autores têm apontado que na sociedade brasileira, dadas as
desigualdades características da sua estrutura social, o grau de vulnerabilidade vem
aumentando e com isso aumenta a exigência de as famílias, para sobreviverem,
desenvolverem complexas estratégias de relações entre seus membros (MIOTO, 2004).
O desenvolvimento destas estratégias de relacionamento entre os membros
familiares pode se tornar imperioso quando aparece uma doença como a Aids em um
contexto no qual a mulher é infectada por seu parceiro, dentro de uma união estável.
Pode ocorrer a fragilização do vínculo familiar, especialmente nas famílias de
composição nuclear. É nesse momento que outros segmentos familiares, até mesmo de
não-cosangüinidade, podem oferecer apoio e acolhida a este núcleo familiar fragilizado.
Estas relações não envolvem apenas os filhos, esposos e esposas, mas também
mães, pais, irmãos, parentes e amigos de maior proximidade. Nesse momento, quando
15
o diagnóstico é compartilhado com os membros da família, o relacionamento do casal
fica exposto, a diversidade de sentimentos envolvidos é imensurável e única em cada
membro da família, assim como as reações, o apoio ou o repúdio, o julgamento e a dor.
Alguns estudos (DECESARO 2007; MOTTA 2004; ANDRADE, 2001) aqui ou no
final??? demonstram que a vida familiar e as relações intra e extrafamiliares se alteram
significativamente na situação de doença, o que torna necessário efetuar uma
modificação e uma readequação da rotina familiar. No caso das mulheres soropositivas
para o HIV/Aids, estas mudanças não estão relacionadas ao estresse do papel do
cuidador, como nos estudos acima referidos, mas circunscritas ao aspecto psicossocial
que a soropositividade confere aos seus portadores, já que inicialmente o que
caracteriza a infecção é a presença do vírus no organismo. Desta forma, a demanda
por cuidados físicos pode ou não estar presente, mas o estigma, a dor de saber-se
infectada, faz parte do cotidiano de cada uma dessas pessoas.
A moldura mais abrangente no que concerne à formação do casal é dada pelo
amor romântico. O par igualitário tem sua origem explicada por um encontro psicológico
singular, apoiado na crença de um sentimento amoroso, e por esta razão, almeja
extirpar outras considerações que não as motivadas pelo sentimento. O casal
compreende apoio psicológico, companherismo e certa regularidade de relações
sexuais, mas, sobretudo, precedência em relação às demais relações (HEILBORN,
1996 apud SALDANHA, 2003).
Desta forma, discutir a presença do HIV nas relações conjugais é debruçar-se
sobre as relações afetivas, é teorizar sobre construtos sociais arraigados, como as
relações de gênero e a fidelidade, base da maioria das relações amorosas.
Giacomozzi e Camargo (2004), em estudo sobre a representação social de
mulheres quanto à prevenção da Aids, demonstraram que as mulheres consideram a
prevenção da Aids uma coisa fundamental para todas as pessoas, exceto para elas
mesmas, visto que se sentem protegidas dentro do casamento, pois confiam em seus
maridos.
Diante desta assertiva fica mais fácil compreender a desconstrução do castelo
de sonhos que a maioria das mulheres infectadas por seus maridos vivencia com a
descoberta da condição de soropositividade e quanto isto pode influenciar as relações
familiares nos diversos aspectos que envolvem a convivência diária. Estar HIV+
infectada por seu parceiro é estar envolvida em uma rede de apoio que mistura cuidado
e descuidado, um pano de fundo que sustenta a vida de ser mulher e viver com Aids.
16
1.2 Minha trajetória: a presença da Aids em minhas ati vidades profissionais
Minha aproximação com o tema teve início em meados de 1993, quando
trabalhava como enfermeira de uma unidade básica de saúde, na região metropolitana
de Curitiba. Esta era uma época em que a Aids ainda era incomum em mulheres e
relacionada quase exclusivamente a homossexuais masculinos. Nessa época fui
solicitada a realizar uma visita domiciliar a uma casa da região rural do município onde,
segundo relato da agente comunitária local, “havia uma mulher com uma diarréia muito
grave que a estava consumindo”. Tratava-se de uma mulher jovem, cujos filhos eram
pequenos e que não tinha quem cuidasse dela, pois o marido fora embora e a
vizinhança estava assustada. Ela sabia ser portadora de Aids e estava em
acompanhamento em Curitiba, mas não possuía a compreensão da dimensão da
doença. Acompanhei essa paciente até sua morte, que ocorreu em poucos meses, mas
a situação de fragilidade e de vulnerabilidade daquela mulher persistiu por muitos anos
me incomodando.
O tempo foi passando, participei de vários Work Shops e capacitações em
HIV/Aids do Ministério da Saúde e de ongs, que à época já alertavam para o aumento
da infecção entre heterosexuais, conforme pode ser observado por publicações da
época, como o Radis 1998 - (reunião, análise e difusão de informações em saúde) um
boletim da Fiocruz.
Continuei meu trabalho na mesma unidade de saúde, e pude acompanhar, na
década de 1990, o início da distribuição do AZT na rede pública. Naquele momento, o
Brasil passava a ser o segundo país em números absolutos de casos e já eram
observados vários casos entre heterossexuais, crescendo o alerta para o aumento da
infecção entre mulheres (AIDS, 1998).
Segundo o Boletim Epidemiológico de 2005, a incidência entre os heterosexuais
aumentou em 61,1% entre as décadas de 1980 e 1990. No ano de 2002 essa
porcentagem elevou-se a 93,5% (BRASIL, 2005). Para Figueiredo (1998), duas
explicações seriam possíveis para este fenômeno: a redução da transmissão sangüínea
e sexual homossexual, decorrente das primeiras estratégias de prevenção; e a demora
do início das campanhas de prevenção visando ao público heterossexual, inclusive o
feminino.
17
No final da década de 1990, mudei-me para Umuarama e passei a trabalhar na
Secretaria Municipal de Saúde. Nesse período iniciei minhas atividades de pós-
graduação, cursando uma especialização em Saúde Pública. Na ocasião realizei um
diagnóstico de saúde do município de Umuarama, em que foi observado o aumento das
notificações de Aids entre mulheres (ANDRADE, 1999). Nessa época os serviços de
assistência ao portador do HIV/Aids não estavam estruturados e havia grande
dificuldade no tratamento desses pacientes.
Um avanço importante aconteceu com a publicação da Portaria Ministerial n.º
569, de 1º de junho de 2000, que implantou o Programa de Humanização no Pré - natal
e Nascimento, estabelecendo a obrigatoriedade dos exames de testagem do HIV na
gestação (BRASIL, 2000). A partir de então, as notificações de HIV em mulheres cresce
assustadoramente, e a minha inquietação aumenta a cada dia ao ver mais e mais
mulheres que se descobrem soropositivas quando iniciam o pré-natal.
No ano de 2001 iniciei minhas atividades como docente na Universidade
Paranaense, no curso de enfermagem. Nesse período comecei a acompanhar alunos
em estágios supervisionados no Centro de Saúde Escola, uma unidade de saúde fruto
de uma parceria entre a Universidade e o Município. No estágio em saúde coletiva,
comecei a realizar o acompanhamento das gestantes cadastradas naquela unidade, por
meio da consulta de enfermagem. Ocorre que o Centro de Saúde Escola tornara-se
referência para o atendimento de gestantes de alto risco, outra exigência da Portaria n.º
569 (BRASIL, 2000), a qual determinava que os municípios deveriam deixar
estabelecidas as unidades de referência para o pré-natal de risco.
Nessa ocasião já ansiava por cursar o mestrado, o que na verdade já era um
sonho antigo, protelado pelo nascimento dos filhos e pelas dificuldades de acesso.
Contudo, assistindo as gestantes do serviço, comecei a observar a grande angústia de
mulheres que se descobriam portadoras de HIV e Aids durante o pré-natal.
Investigando mais profundamente a questão, observei que em sua maioria essas
tinham relacionamento estável e haviam sido contaminadas por seus parceiros. O
incômodo cresceu, a inquietação tomou conta dos meus dias: “Como essas mulheres
conseguem manter seus casamentos? O que elas sentem em relação aos seus
parceiros? Como ficam as relações familiares, após o diagnóstico?”.
No ano de 2006, finalmente fui selecionada para cursar o mestrado, e possuía
somente uma certeza: queria realizar minha pesquisa com mulheres soropositivas para
o HIV; e foi assim, partindo dessa inquietação, que escolhi como questão norteadora
18
para este estudo: “Como mulheres infectadas pelo HIV vivenciam seus sentimentos,
atitudes e comportamentos junto aos familiares, especialmente junto ao marido que a
contaminou e às pessoas que vivem sob o mesmo teto?”
É fundamental compreender as relações sociais existentes entre a pessoa e
elementos emocionalmente representativos para ela, pois, como afirma Strawn (1989),
a família ou pessoas escolhidas como seus representantes têm um importante papel na
criação de carências emocionais e sociais para o portador do HIV, ou, seguindo uma
linha oposta, podem vir a contribuir para a projeção da esperança e qualidade de vida.
Com base nas descrições até agora arroladas, pretendo alcançar três objetivos
com este estudo: 1- compreender o significado de ser soropositiva para o HIV e viver
em família; 2- apreender comportamentos, sentimentos e atitudes de mulheres
soropositivas para o HIV, infectadas por seus companheiros no cotidiano familiar; e 3-
investigar alterações nas relações familiares das mulheres.
19
2 REVISÃO DE LITERATURA
2.1 Aids: a trajetória da epidemia
De acordo com o Ministério da Saúde (BRASIL, 2005), os primeiros casos de
Aids no mundo ocorreram nos EUA, no Haiti e na África Central, entre 1977 e 1978, e
foram descobertos e definidos como Aids somente em 1982, quando se classificou a
nova síndrome. Ainda em 1982 foram feitos os primeiros diagnósticos da nova doença
no Brasil, a essa época já conhecida como Aids.
Segundo Mansur et al. e Peterman et al. (1985 apud SANCHES, 1999), no início
dos anos 80 do século passado uma série de pessoas com sintomas pouco comuns
para a idade chamaram a atenção de profissionais de saúde norte-americanos. Tratava-
se de pessoas jovens acometidas pelo sarcoma de Kaposi e pela pneumonia por
Pneumocistis carinii. Embora estes sintomas já fossem bem-conhecidos, eram
característicos de pacientes idosos (no caso do Kaposi) ou em quadros avançados de
câncer (no caso da pneumocistose); eles nunca haviam sido observados em pacientes
sem histórico de outras doenças.
As primeiras pessoas a manifestarem esta sintomatologia possuíam em comum
o fato de serem homossexuais do sexo masculino, residentes em grandes cidades
norte-americanas. Por tratar-se inicialmente de uma doença observada em
homossexuais masculinos, ela foi rapidamente considerada uma patologia ligada ao
estilo de vida, e sua transmissão, relacionada ao sexo anal. Isso, entretanto, logo se
mostrou inconsistente, com o aparecimento de casos entre heterosexuais e também
pelo fato de o sexo anal ser considerado uma prática que data dos primórdios da
humanidade.
Ainda de acordo com dados do Ministério da Saúde (BRASIL, 2005), em 1984 a
equipe de Luc Montagner, do Instituto Pasteur, na França, isola e caracteriza um
retrovírus (vírus mutante que se transforma conforme o meio em que vive) como
causador da Aids. Inicia-se uma disputa entre o grupo do médico norte-americano
Robert Gallo e o do francês Luc Montagner pela primazia da descoberta do HIV. Ainda
nessse mesmo ano (1984), acontece a estruturação do primeiro programa de controle
da Aids no Brasil - o Programa da Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo.
20
A partir de 1985, o teste para detecção de anticorpos séricos anti-HIV se torna
disponível (BRASIL, 2005). Hoje, analisando documentos sobre a Aids da década de
1980, é possível perceber que nesse período, no Brasil, a Aids era uma doença quase
desconhecida:
A Aids surgiu aparentemente nos EUA em 1979 e foi identificada em 1981 [...] Embora a doença se concentre nos EUA, ela vem sendo diagnosticada em vários países, inclusive no Brasil, principalmente nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro [...] (O QUE..., 1987, p. 87).
Transcorridos cinco anos da descrição da doença, as autoridades sanitárias
ainda não possuíam estratégias de enfrentamento definidas para a contenção da
prevalência da doença, que à época aumentava exponencialmente, em virtude da
crença de que a Aids era uma doença de homens homossexuais e de as publicações
em saúde da década de 1980 concentrarem-se em debater as questões relativas a
essa população.
De acordo com dados do Ministério da Saúde (BRASIL, 2007), no ano de 1988
iniciaram-se as primeiras terapias com o AZT no Brasil, ainda em pequena escala. Em
1991 inicia-se o processo para a aquisição e distribuição gratuita de anti-retrovirais
(ARV). Dez anos depois de a Aids ser identificada, a OMS anunciava que 10 milhões de
pessoas estavam infectadas pelo HIV no mundo. Na tentativa de desmistificar a
doença, o jogador de basquete norte-americano Magic Johnson anunciava que tinha
HIV. Como avanço para tratamento, foi lançado o Videx (ddl), que, como o AZT, faz
parte de um grupo de drogas chamadas inibidores de transcriptase reversa (BRASIL,
2005).
Na primeira década de 2000 aconteceu a 13ª Conferência Internacional sobre
Aids, em Durban, na África do Sul, em que foi exposta ao mundo a mortandade por Aids
na África, onde dezessete milhões de pessoas haviam morrido, entre elas 3,7 milhões
de crianças, e 8,8% dos adultos estavam contaminados. Nesta mesma ocasião, o
Presidente da África do Sul, Thabo Mbeki, escandalizava o mundo ao sugerir que o HIV
não causa a aids. Também nesta mesma década (2000) foi realizado o I Fórum em
HIV/Aids e DST da América Latina, no Rio de Janeiro (BRASIL, 2005). Apesar de a
doença já ter então mais de 10 anos, ainda se percebia falta de esclarecimento sobre
ela e o descaso de alguns governantes relacionado à promoção/prevenção e
tratamento da síndrome.
21
Um marco para o avanço na medicalização foi o acordo promovido pelas Nações
Unidas, em que cinco grandes companhias farmacêuticas concordaram em diminuir o
preço dos remédios usados no tratamento da Aids para os países em desenvolvimento.
Neste cenário de avanços e retrocessos observa-se que no Brasil aumentavam
os casos em mulheres e a proporção nacional de casos de Aids notificados já era de
uma mulher para cada dois homens, totalizando 17.806 casos até junho de 2000
(BRASIL, 2005).
O último boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, divulgado em novembro
de 2006, mostra que o HIV/Aids apresenta uma tendência de estabilização,
especialmente no Sul e Sudeste do país, e que a razão de sexos vem diminuindo
sistematicamente, passando de 15,1 homens por mulher em 1986 para 1,5 homem por
mulher em 2005. Observou-se que as taxas de incidência entre indivíduos acima de 35
anos vêm crescendo persistentemente, de modo bem mais evidente entre mulheres de
40 a 49 anos, passando de 17,9 por 100.000 hab. em 1998 para 27,9 em 100.000 hab.
em 2003, conforme pode ser observado no gráfico abaixo (BRASIL, 2006).
Gráfico 1 – Razão de sexos entre os casos de Aids por ano de diagnóstico. Brasil, 1986-20061.
Para Figueiredo (1998), duas explicações seriam possíveis para o fenômeno da
diminuição da razão entre os sexos, do número de casos de Aids: a redução da
transmissão sangüínea e sexual homossexual, decorrente das primeiras estratégias de
1 Casos notificados no SINAN e registrados no SISCEL até 30/06/2006 e no SIM de 2000 a 2005.
Dados preliminares para os anos de 2000 a 2006.
22
prevenção; e a demora do início das campanhas de prevenção visando ao público
heterossexual, inclusive o feminino.
Alves et al. (2002) acreditam que aspectos de vida referentes à identidade sexual
e de gênero, tais como transgressão, culpa, onipotência, relação com a morte, entre
outros, interferem na prevenção da Aids, pois são características individuais que
envolvem crenças, valores, costumes, etc. e necessitam ser mais bem entendidos para
uma maior efetividade dos atuais programas de prevenção.
O comportamento epidemiológico da doença, segundo Joffe (1995), pode ser
explicado pela falta de informação, a que se associam vários outros fatores, entre os
quais a crença de que o risco de contaminação está distante, o processo histórico da
doença que relaciona sua disseminação à promiscuidade e aos mecanismos de defesa,
e a projeção do risco para o outro.
2.2 A Aids e o universo feminino
Historicamente, a Aids se configurou como uma doença estigmatizante que
acometia homens homossexuais. Essa idéia conferia certa invulnerabilidade a outros
grupos e, por muito tempo, a idéia de disseminação da infecção via práticas
heterossexuaias foi negada e, nesse sentido,também foi negada a possibilidade de
existirem mulheres infectadas. Quando foram notificados os primeiros casos em
mulheres, imediatamente se imaginou tratar-se de casos em prostitutas. Neste
contexto, a mulher, por se sentir fora das categorias ditas de risco, se revestia de uma
proteção ilusória.
Os primeiros movimentos em direção ao enfrentamento do problema foram e
continuam a ser embasados no conceito de prevenção. Entretanto, observa-se uma
grande dificuldade de adesão aos programas de prevenção à Aids, especialmente entre
mulheres que possuem relações monogâmicas, dado que pode ser confirmado pela
crescente incidência da doença nessa população.
Villela (1998) observa que as mulheres adquirem Aids por meio de contatos
sexuais esporádicos, pela prestação de serviços sexuais remunerados, mas, cada vez
mais, com seus parceiros fixos, tanto namorados como maridos.
23
O impacto psicológico e biológico de estar infectada é algo que não pode ser
mensurado; as angústias, a dor e as reações de constrangimento são realidades
comuns a todas e podem resultar em uma dificuldade de tratamento inicial das
mulheres.
Em estudo sobre o sentimento de cinco portadores de HIV/Aids, Fernandes et al.
(2000) descrevem a experiência da descoberta do diagnóstico como um impacto que
leva as pessoas a refletirem sobre a Aids como um ponto final, como o deparar-se com
a própria finitude.
Segundo vários autores (BASTOS; SZWARCWALD, 2000; PARKER;
CAMARGO, 2000), no Brasil, um país caracterizado por enormes diferenças sociais e
geográficas, a epidemia de Aids passa a ser determinada pelos processos de
interiorização, pauperização, heterossexualização e feminização.
Embora a prevenção seja o aspecto mais abordado dentre os programas de
controle da Aids, intervir e mudar comportamentos é uma tarefa muito complexa, pois
depende exclusivamente de cada pessoa. Sobre isso, Ayres (2002) ressalta que os
progressos do conhecimento e da técnica nesse campo não chegaram a alterar
substantivamente os determinantes fundamentais da infecção e adoecimento de
significativos contingentes populacionais. Para o autor, é necessário que nos
detenhamos mais no contexto de intersubjetividade que permeia as relações sociais e
culturais de um grupo, para que se possam construir meios de reduzir a vulnerabilidade.
Diversos autores (PAIVA et al., 2002; SOUTO, 2004; BASTOS et al., 1993;
ALVES et al., 2002; FIGUEIREDO; AYRES, 2002;) relacionam a crescente incidência
da Aids no universo feminino ao sentimento de proteção de que se julgam cobertas as
mulheres que possuem relações monogâmicas. Reforçam ainda que o fato de
inicialmente a doença estar vinculada à homossexualidade resultou em uma
acomodação tanto das pessoas quanto dos serviços de saúde.
Nascimento (1997) ressalta que a disseminação da doença foi acompanhada na
imprensa por matérias que, por um lado, divulgavam os esforços da comunidade para
debelar o HIV e, por outro, reforçavam, no imaginário coletivo, a noção de que a Aids
era efeito necessário de condutas reprováveis do ponto de vista da moralidade
preconizada pelo satus quo.
Giacomozzi e Camargo (2004) vinculam a contaminação às relações de
confiança cega estabelecidas nos lares monogâmicos. Em seus estudos encontraram
24
que as mulheres têm um sentimento de segurança no casamento, concebendo suas
casas como uma instância de segurança e proteção contra a Aids.
Entre mulheres dos setores populares, não existe percepção de risco, porque
elas constroem sua identidade em um sistema de representações no qual o valor mais
alto é o da família e da casa, ocorrendo uma sobreposição do valor família em relação
ao valor indivíduo, o que torna impossível para essas mulheres reconhecer tal
possibilidade no seio da família, sob o risco de perderem sua identidade social
(BARBOSA, 1999).
Ainda nos estudos de Giacomozzi e Camargo (2004), as mulheres associam ao
universo masculino um potencial para traição diferente do delas – elas não traem, se
apaixonam - mas quando falam do próprio marido, colocam-no em um lugar diferente,
assegurando que ele é diferente dos demais.
Segundo Joffe (1995), a projeção da responsabilidade da disseminação da Aids
sobre grupos estranhos é um mecanismo de defesa que afasta tanto o próprio grupo
como o EU da Aids, deixando intacta a sensação de controle. A autora ainda afirma que
“a tendência dominante na representação da Aids se relaciona com a responsabilidade,
e especialmente com a responsabilidade e a culpabilidade do outro” (JOFFE, 1995, p.
302).
Destarte, vários autores (LISBOA, 2003; FIGUEIREDO; AYRES, 2002; AYRES,
2002; PAIVA et al., 2002), em estudos sobre a vulnerabilidade das mulheres à infecção
pelo HIV, sugerem que o fato de a mulher se perceber em risco não determina
mudança de comportamento. Lisboa (2003) complementa dizendo que a
vulnerabilidade afeta mulheres diferentes de modo diverso, dependendo de fatores
estruturais, tais como pobreza, idade, trabalho, desinformação e baixa negociabilidade
do uso de preservativo.
2.3 O conceito de vulnerabilidade e sua relação com a infecção feminina
Para falar em vulnerabilidade é necessário que exploremos inicialmente o
conceito de grupo de risco, que surgiu já no período em que a doença foi descrita. Para
Ayres et al. (2006), este conceito foi desenvolvido no intuito de compreender a nova e
grave doença que vinha desafiando o corpo de conhecimento na prevenção de agravos
25
e estabelecer quem eram as pessoas que estavam adoecendo e quais as suas
características. A adoção deste conceito aconteceu de forma quase mecânica como
instrumento de prevenção, transformando o risco em condição concreta, o que acabou
por criar uma condição de isolamento sanitário desta população. Esta estigmatização
resultou, segundo Daniel (apud AYRES, 2002), em uma verdadeira “morte social”.
Este conceito introduziu ainda o conceito de comportamento de risco, que por
suas características, impunha a responsabilidade da infecção exclusivamente no
sujeito, como podemos observar nas considerações de Ayres.
A principal limitação identificada na noção de comportamento de risco, no entanto, é o outro lado desse chamamento às responsabilidades de cada um: exatamente a potencialidade de culpabilização individual. À medida que uma pessoa se infecta com o HIV, tende-se a lhe atribuir a responsabilidade pela infecção, por não ter aderido a um comportamento seguro (e não arriscado), por ter falhado nos esforços de prevenção (AYRES, 2006, p. 395).
Ainda de acordo com vários autores (AYRES et al., 2006; KALICHMAN apud
PAIVA; OLIVEIRA; PASSOS, 2005; CAMARGO JÚNIOR, 1994), os resultados práticos
dessas primeiras ações contra epidemia mostraram importantes limites no seu controle
e acabaram por acirrar preconceito e discriminação contra os grupos identificados como
de risco, o que retardou a identificação da suscetibilidade das pessoas que neles não se
incluíam
As críticas a este processo de enfrentamento, de acordo com Mann et al. (1993),
no início dos anos 90 deram origem, nos EUA, a um instrumento para a compreensão e
a intervenção sobre a epidemia de Aids, que foi denominado de análise de
vulnerabilidade à infecção pelo HIV e à Aids. A partir de então, o conceito de
vulnerabilidade passou a nortear diversos estudos sobre a temática.
Para Ayres (2006), a noção de vulnerabilidade procura explicar que a exposição
ao HIV e o adoecimento pela Aids não são fatores que resultam exclusivamente de
aspectos individuais, mas sim, de um conjunto de fatores que acarretam maior
suscetibilidade ao adoecimento, fatores coletivos e contextuais. Esses fatores são
classificados pelo Ministério da Saúde (BRASIL, 2005) como um conjunto de fatores de
natureza biológica, epidemiológica, social e cultural, cuja interação amplia ou reduz o
risco ou a proteção de um grupo populacional frente a uma determinada doença,
condição ou dano.
26
Essa análise pode ser feita identificando-se os conhecimentos, as opiniões, as
atitudes, as crenças e os valores que influenciam comportamentos dos indivíduos
diante da Aids. Neste contexto, não apenas os comportamentos considerados de
exposição ao risco são por si sós determinantes da propagação da epidemia, mas
também e, sobretudo, as condições culturais, sociais ou biológicas que reduzem a
autonomia do poder decisório de proteção individual. Quando se fala em vulnerabilidade
busca-se oferecer informações para que as pessoas percebam se têm maior ou menor
risco de se infectar.
Para Sanches (1999), do ponto de vista biológico, praticamente todos somos
suceptíveis à infecção pelo HIV, se expostos ao vírus através do contato sexual ou
através do sangue. Entretanto Bastos (2000) encontrou, além dos fatores gerais, que a
mulher torna-se mais vulnerável do ponto de vista biológico devido à extensão da
superfície da mucosa vaginal exposta ao sêmen, além da direcionalidade do sêmen,
que é ejaculado, enquanto o líquido vaginal se difunde por espalhamento.
As infecções sexualmente transmissíveis, geralmente assintomáticas nas
mulheres, postergam o início do tratamento e colaboram para sua maior
vulnerabilidade. Entre os aspectos de vulnerabilidade, destacam-se: a pobreza; a
exclusão de base racial; a rigidez de papéis e condutas nas relações de gênero; a
intolerância à diversidade, especialmente de opção sexual; o limitado diálogo com as
novas gerações e a conseqüente incompreensão dos seus valores e projetos; o
descaso com o bem-estar das gerações mais idosas; e a impressionante desintegração
da sociedade civil no mundo globalizado (CASTELLS, 1999 apud AYRES, 2002, p. 12).
Considerando a tendência da epidemia do HIV/Aids relacionada a feminização e
pauperização, o presente estudo buscará, neste contexto, estabelecer as condições
que impõem maior vulnerabilidade à população feminina. A pobreza confere maior
vulnerabilidade, à medida que afasta as pessoas da informação, dos insumos de
proteção, além de promover condições de vida que podem contribuir para o aumento da
infecção.
Além das questões biológicas, o avanço do HIV/Aids entre mulheres não apenas
é indicativo das dificuldades em oferecer respostas institucionais para a contenção da
epidemia, mas também, e sobretudo, remete para as questões que envolvem a
identidade de gênero, que determinam os papéis sociais de homens e mulheres, cuja
assimetria aumenta a vulnerabilidade das mulheres à infecção (SALDANHA, 2003, p.
25).
27
Destarte, as questões relativas ao gênero possuem grande influência na
determinação da vulnerabilidade, uma vez que nossa sociedade ainda é fortemente
marcada pela organização patriarcal, consolidando ao homem uma situação hierárquica
superior dentro da constituição familiar. Esta realidade pode ser observada
especialmente entre classes socias de menor poder aquisitivo ou educacional, que
impõem às mulheres uma maior dependência financeira e social.
A vulnerabilidade feminina é fortemente definida por um tipo de relação que a
mulher mantém com sua sexualidade e consigo mesma, cuja marca tem sido a
subordinação ao desejo masculino. As relações de gênero estão estruturadas na
sociedade com fundamento em uma assimetria de poder nas esferas social, econômica
e afetivo-sexual, o que determina um contexto em que a população feminina acaba
extremamente vulnerável à epidemia de Aids, dificultando a negociação do uso de
preservativo por parte do homem. Levar em conta essa realidade é o que possibilitará o
estabelecimento de novos parâmetros para os cuidados que se devam ter na vida
sexual e reprodutiva de homens e mulheres (SOUTO, 2004).
Assim, a pobreza e a baixa condição educacional também são fatores que
influenciam no poder de negociação entre os pares, e acima de tudo, as relações de
confiança absoluta, que, de acordo com o que se encontrou em estudos já
apresentados, fazem da mulher o lado mais susceptível de uma relação, uma vez que
em nossa sociedade ainda é aceitável que os homens possuam relacionamentos
extraconjugais.
2.4 Mulher, família e HIV
A estrutura teórica que orienta este estudo refere-se à compreensão da
complexa interação mulher - portadora do HIV - família, fundamental para o
entendimento das construções que fazem parte da realidade comum das entrevistadas.
Iniciaalmente serão aqui definidos, de acordo com os parâmetros legislativos brasileiros,
os tipos de relações conjugais a serem abordados nesta pesquisa.
A Constituição Federal de 1988 e as leis 8971/94 e 9278/96 constituíram um
marco extremamente significativo para o direito de família. A partir delas, passaram a
ser reconhecidas as múltiplas formas constitutivas de família que sempre existiram,
28
embora à margem dos ordenamentos jurídicos. Assim, de acordo com o princípio do
pluralismo familiar, foram reconhecidas expressamente, além do casamento, mais duas
formas constitutivas de família, quais sejam: a união estável e a família monoparental
(BRASIL, 1988, 1994, 1998).
A Lei 9.278/96 (BRASIL, 1996), em seu art. 1º, define a união estável como “a
convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida
com o objetivo de constituição de família”, e desta forma, teria derrogado a art. 1º da Lei
8.971/94, não mais se exigindo o rígido prazo de cinco anos para caracterizar-se a
união estável. No art. 1723 estabelece que “é reconhecida como entidade familiar a
união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua
e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”.
A família monoparental é classificada,de acordo com a Constituição de 1988,
como a entidade familiar formada por qualquer um dos pais e seus descendentes; e o
casamento, como a opção legalmente constituída de relacionamentos conjugais
(BRASIL,1988). A união estável é uma das formas mais comuns de relacionamento
conjugal em nossa sociedade e, para os fins desta pesquisa serão consideradas todas
as formas de união em que se haja estabelecido este tipo de relacionamento, sejam
elas formais ou não.
A família, para Althoff (2004) e Elsen (2004), é aquela que oferece cuidados a
seus membros diariamente, seja em situações de saúde seja em condições de doença.
Por isso, viver em família na atualidade constitui-se em sobrecarga e estresse,
principalmente para a mulher, pois quando o núcleo familiar passa por uma grave
situação de desequilíbrio, causada pelo adoecimento de um dos pares, especialmente
se essa doença estiver ligada a um contexto de finitude, de traição e de estigmatização,
como é o caso da Aids, verifica-se um desarranjo na organização e estrutura familiar
que pode contribuir para alterações no cotidiano dessa família.
Zaleski (1996) observa que ao longo do desenvolvimento da Aids ocorrem
perdas significativas na vida do indivíduo afetado, tais como de saúde, aparência física
e família. Além disso, há a necessidade de mudanças nos hábitos pessoais em
decorrência da doença, a ingestão de medicamentos e seus efeitos colaterais, a
ameaça das doenças oportunistas, o deparar-se com a morte ou, o medo dela. Todas
essas demandas vão exigir uma adaptação do paciente e de seus familiares e alterar a
forma como se relacionam entre si e socialmente. Souza e Vietta (1999) ainda
acrescentam que a Aids tem um efeito desagregador na estrutura familiar, que não raro
29
já se encontrava abalada por questões como drogadição, ausência de alguma figura
parental, envolvimento criminal e outras atitudes tidas como “transgressoras” pela
sociedade.
Conforme observado por Fernandes e Neman (2002), a relação HIV-portador-
família é muito pouco explorada e muito pouco descrita na literatura, e mesmo que se
tenha consciência de que as emoções são fortes elementos capazes de interferir no
processo saúde-doença, observa-se certa inabilidade em qualificar a importância desta
interação e o que ela promove ou desencadeia no portador do HIV.
Visitando-se a bibliografia familial, encontra-se referência a diferentes autores
que destacam os cuidados realizados pela família como promotores de saúde e vida,
tais como: Boehs (1990), Monticelli (1997) e Althoff (2001). Partindo do pressuposto de
que a família cuida, Elsen (2004) acrescenta que o cuidado familial é um conceito em
construção que se concretiza nas ações e interações de cada grupo familial e se
direciona a cada um de seus membros. Ele acontece pela convivência, nas reflexões e
interpretações, dentro de um processo contínuo de interações. É inegável que a
ocorrência de uma doença crônica, estigmatizante e com transmissão relacionada ao
parceiro, altere significativamente a qualidade dessas interações. Isto se agrava ainda
mais se a mulher, a quem culturalmente é atribuído o cuidado da família, passa de
cuidadora à condição de quem necessita ser cuidada.
Fernandes e Neman (2002) observam que o HIV/Aids vem trazendo diversas
conseqüências à vida de seus portadores, mostrando importantes conotações no
âmbito familiar, trazendo à tona modificações individualizadas, abalando a sociedade
familiar. As reações da família ao saber do diagnóstico HIV+ em um de seus integrantes
são difíceis de prever, e isso provavelmente se deve a um grande número de fatores
intrinsecamente envolvidos, sendo um deles a relação da pessoa infectada com cada
membro da família, o que, obviamente, sempre varia. A proximidade entre as pessoas é
diversificada, demonstrando que os pais terão reações diferentes dos primos e dos
demais parentes (STRAWN, 1989).
O impacto da descoberta da sorologia positiva para o HIV envolve um misto de
vergonha, culpa, raiva, negação, rejeição, indiferença, acolhida, compreensão, apoio e
aceitação nos membros da família. Este complexo de sentimentos e reações que uma
família pode apresentar acaba envolvendo o portador do HIV/Aids em um processo
semelhante, que suscita nele emoções controversas - de medo, baixa estima, rejeição,
negação, vergonha, entre outras (MARTIN; BALDESSIN, 1990).
30
Apesar de a doença ser algo desagradável e pouco aceitável pelo ser humano,
Souza et al. (2004) acreditam que adoecer é uma manifestação intencional do corpo e
um processo de movimentação da vida. Desta forma tomamos contato com nossa
finitude e, dependendo de como seja aceita, esta experiência pode nos enriquecer
como seres humanos.
Por isso, Bielemann (2004, p. 242) afirma que “o adoecer consiste num momento
de introspecção, análise e reflexão, que pode contribuir para o aprimoramento do ser
humano e que na doença sobressai o viver sendo acentuada a busca de manter a
vida”. No entanto, as pessoas que absorvem somente o lado negativo da doença são
incapazes deste enriquecimento.
Dada a importância da família na vida de seus componentes, percebe-se que a
presença da doença, especialmente da Aids, produz abalos únicos e específicos para
cada pessoa envolvida, o que pode gerar sentimentos e atitudes diversos em cada
membro familiar, principalmente da mulher em relação ao esposo que a tenha
contaminado. Por essa razão, a compreensão da dinâmica dos relacionamentos
familiares é imprescindível para que possamos trabalhar com o cuidado familial.
2.4.1 Relações familiares
A família constitui o primeiro universo de relações sociais e “representa, talvez, a
forma de relação mais complexa e de ação mais profunda sobre a personalidade
humana, dada a enorme carga emocional das relações entre seus membros” (REY;
MARTINEZ, 1989, p. 143).
De acordo com Kreppner (1992), a complexa rede de relações familiares
apresenta características especificas de unicidade e complexidade, constituindo um
contexto em desenvolvimento.
Sobremaneira, estudar e compreender a dinâmica das relações familiares se
torna tarefa das mais difícil, dada a complexidade de fatores que envolvem os
processos inter-relacionais humanos. A observação dos relacionamentos humanos nos
traz a certeza de que aflora uma gama de sentimentos e emoções quando nos
imiscuímos neste universo; tratar com emoções e sentimentos requer habilidade e
discernimento, para que não mergulhemos nas questões psicoafetivas estudadas,
31
misturando-nos e perdendo o poder de compreender o fenômeno. Isto se refere ao
estudo das relações familiares das mulheres pesquisadas, que, como portadoras de
HIV cuja infecção se deu através dos maridos, possuem relacionamentos delicados. É
necessário então buscar a compreensão do fenômeno, resgatando o surgimento dos
processos que envolvem os relacionamentos familiares e sociais.
Desde os primórdios da civilização humana, o homem vive em grupos, sendo
esta uma condição “inerente á condição humana” (MENGEL apud DUARTE, 2001). É
evidente que esse viver em grupo estabeleceu regras de convivência, ainda que
inconscientes, para que esta convivência pudesse acontecer da maneira mais
harmônica possível.
Em Decesaro (2007), encontramos que, apesar de a família como grupo existir
em nossa sociedade há muito tempo, somente ao longo da história é que surgiu o
sentimento familiar. A autora reforça ainda que antes dos séculos XVI e XVII o
sentimento de família era desconhecido, a concepção de família era reduzida à célula
conjugal, e ao homem era permitido optar pela companhia de seus vizinhos e amigos
em vez da de seus parentes.
De acordo com Moragas (1997), as relações conjugais representam a essência
da relação familiar, pois é a partir delas que se iniciam as famílias considerando a
existência dos filhos, responsáveis por garantir as gerações descendentes. Para o
autor, a relação entre pais e filhos possui dinâmica própria e caminha geralmente da
dependência total para a independência e posteriormente para a interdependência ou
dependência total novamente, como forma de compensação vital.
Diogo e Duarte (2002) acrescentam que, por mais importante que seja o vínculo
biológico, a concepção que cada elemento tem sobre a família e a dinâmica das
relações familiares construídas ao longo da história de vida da família são o que
caracteriza as relações familiares.
Corroborando a afirmação das autoras, Petrini (2004) afirma que, apesar de
todas as transformações ao longo da história, a família se apresenta socialmente de
forma peculiar, caracterizada intensamente pela dinâmica das relações, mantendo-
se como condição para a humanização e a socialização e servindo de alicerce para
o desenvolvimento e realização das pessoas. Cada família distingue-se por um
modo exclusivo de viver a diferença de gênero, de cultura e de relações entre as
gerações (PETRINI, 2004).
32
As peculiaridades de cada pessoa e a forma como elas são aceitas ou
rechaçadas pelo grupo familiar é que constituem o cerne dos relacionamentos
familiares. Sobre isso, Decesaro (2007) acrescenta que as relações produzidas no
grupo familiar definem-se pelos comportamentos e pela individualidade de seus
membros e, que um contexto histórico específico, influenciado por questões
educacionais, econômicas, culturais, sociais e religiosas, é fator determinante no
estabelecimento dessas relações.
Dentro do núcleo familiar as pessoas tendem a se mostrar de modo mais
verdadeiro, embora seja comum assumirem papéis socialmente determinados para que
a dinâmica familiar seja mantida. Desta forma, em situações de doença ou de cuidados
a idosos e crianças, as funções de cuidador geralmente são assumidas pelas mulheres.
Os vínculos familiares realizam uma relação na qual a pessoa entra com a
totalidade de sua existência, de seu temperamento, de suas capacidades e limites,
diferentemente do que acontece com quase todos os outros ambientes da vida, nos
quais se estabelecem relações parciais, limitadas a capacidades específicas,
correspondentes a funções determinadas (PETRINI, 2003, p. 72). Ainda segundo o
autor, pertencer a um conjunto de pessoas que constituem uma família, por meio de
vínculos complexos e profundos, realiza as pessoas, porém os vínculos de pertença,
muitas vezes, são motivo de opressão e abusos nas relações familiares.
Duarte (2001) afirma que a habilidade das famílias em se adaptar ou enfrentar
uma crise depende muito de seus recursos. Torna-se necessário, então, que os
profissionais de saúde ajudem estas famílias a identificar e acessar seus recursos. A
autora categoriza ainda os recursos social, cultural, religioso, econômico, educacional e
médico como os maiores recursos familiares.
O estudo dos relacionamentos familiares de mulheres portadoras do vírus HIV
desvela um universo contraditório de ações e emoções. A dualidade representada por
uma condição de vitimização por ter sido exposta ao vírus pelo parceiro e de pecado,
por ser a Aids uma doença ligada ao sexo, configura-se como um dos fatores que
complexificam as relações dentro do seio familiar. Pereira e Costa (2007) denominam
de construções monolíticas a condição de ora “santas” ora “pecadoras” atribuída às
mulheres soropositivas, e afirmam que essas condições traem a noção de uma
complexidade subjetiva e vivencial dessas mulheres: a necessidade de ser respeitada,
a importância da apropriação de seu lugar como legitimo no mundo e em suas relações.
Desta forma, o cotidiano familiar é permeado por uma diversidade de ações e reações
33
que, agravada pelo fator doença, faz emergir o preconceito, a culpa, a sublimação e a
negação, entre outros componentes emocionais. “Entendendo que as emoções são
essenciais na vida do ser humano, e compreendendo que representam um papel
preponderante na evolução das doenças” (PEREIRA; CHAVES, 1999, p. 405), torna-se
imperativo identificar como são constituídas as relações familiares destas mulheres.
Por fim, para que as relações familiares possam ser bem-sucedidas, faz-se
necessário compreender a complexidade do outro, como afirma Ferraz (1996 apud
STEFANELLI, 1999, p. 73): “permitir a complexidade do outro talvez seja um dos mais
valiosos segredos das relações interpessoais bem sucedidas porque implica a
aceitação desse outro exatamente como ele é, sem as máscaras impostas pelo
cotidiano social”
A tentativa de compreender essa problemática e a escassez de estudos sobre
essa temática são as molas propulsoras deste estudo, que pretende contribuir para que
a assistência às mulheres portadoras do HIV/Aids seja embasada não apenas nos
aspectos biológicos, mas também numa concepção mais humanitária, priorizando as
relações familiares, fator de grande impacto para a adesão ao tratamento da doença.
34
3 CAMINHO METODOLÓGICO
3.1 Tipo de pesquisa
Realizou-se uma pesquisa de caráter descritivo de análise qualitativa. Segundo
Gil (1999), as pesquisa descritivas têm como objetivo principal descrever as
características de uma população ou fenômeno, ou estabelecer relações entre
variáveis. O autor reforça que algumas pesquisas descritivas vão além da simples
identificação de relação entre variáveis, e buscam, sim, determinar a natureza desta
relação. São muito utilizadas por pesquisadores sociais preocupados com a atuação
prática.
Para Minayo et al. (2002), a análise qualitativa busca a apreensão profunda dos
significados e das relações sociais, focalizando indivíduo e sociedade em um nível de
realidade que não pode ser quantificado. Por meio dela, trabalha-se com o universo de
significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, ou seja, nos
aprofundamos no universo dos relacionamentos e dos sujeitos pesquisados.
Essa metodologia representa uma colaboração potencial para as pesquisas
desenvolvidas com HIV/Aids, porque favorece a análise dos significados e dos valores
socialmente construídos e de valores presentes no cotidiano das pessoas. Auxilia,
assim, na compreensão do imaginário que alicerça comportamentos e sentimentos,
permitindo um mergulho no cerne de relacionamentos e na vida das pessoas.
3.2 Sujeitos da pesquisa
Por tratar-se de estudo qualitativo, não foi previamente definido o número de
participantes, pois de acordo com Minayo (2002), a pesquisa qualitativa não se baseia
em critérios numéricos para garantir sua representatividade, importando, sim, que a
amostragem possibilite investigar o problema em suas múltiplas dimensões. Entretanto,
após iniciada a pesquisa, foram entrevistadas oito mulheres, e, com esta quantia já se
começou a observar a saturação dos dados, o que determinou a suspensão das
entrevistas.
35
Desta forma, a pesquisa foi desenvolvida junto a oito mulheres soropositivas
para o HIV/Aids que possuíam relacionamento estável e que tenham sido infectadas
por seus parceiros.
3.3 Local de estudo
O estudo foi realizado no município de Umuarama, sede da 12ª Regional de
Saúde e do Consórcio Intermunicipal de Saúde. Esta regional é composta por 22
municípios, com população estimada para 2006, segundo a Secretaria Estadual de
Saúde do Paraná, de 237.362 habitantes, dos quais 58.933 estão na área rural e
178.379 estão concentrados na área urbana. Cabe ressaltar que a população feminina
é de 119.393 e a masculina de 117.969.
O município de Umuarama localiza-se no Noroeste do Estado do Paraná, a 430
m acima do nível do mar, entre a latitude 23º 47' 55'' sul e longitude 53º 18' 48'' oeste.
(dados colhidos na fonte eletrônica http://www.umuarama.com.br/co_geogra.php).
Segundo o último censo do IBGE (2001), a população de Umuarama era de
90.621 habitantes. Por tratar-se do maior município da região, tornou-se referência para
os serviços de saúde, tanto públicos quanto privados.
As principais atividades econômicas da região são a agropecuária de corte e a
agricultura. Conhecida popularmente por “Capital da Amizade”, Umuarama é uma
cidade acolhedora, de clima quente e progressista.
O Consórcio Intermunicipal de Saúde (CISA) é o órgão que abriga a estrutura
física do programa de controle de DST/Aids da 12ª Regional de Saúde, local onde se
realiza a maioria dos atendimentos assistenciais e administrativos aos pacientes
portadores do HIV/Aids. No ano de 2007, este programa possuía cadastradas 106
mulheres portadoras de HIV/Aids.
Os pacientes atendidos no CISA são encaminhados pelos municípios da região
e, mediante agendamento, atendidos diariamente no período matutino por equipe
multiprofissional, constituída por médico infectologista, enfermeiro e assistente social.
No ano de 2007, o município de Umuarama criou o seu próprio programa de
DST/Aids, iniciando um processo de desvinculação do CISA. A partir daí os portadores
de Umuarama passaram a ser atendidos pelo programa DST/Aids da Secretaria
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Municipal de Saúde do município. Além disso, a ONG (organização não
governamental) Grupo União pela Vida presta serviços a esta população, além de
promover reuniões e atividades educativas. Esta ONG foi fundada em 16/09/2000,
possui 40 pessoas cadastradas e está sediada no município de Umuarama.
As atividades organizacionais relativas ao estabelecimento dos serviços de
controle e tratamento do HIV/Aids no município de Umuarama datam do início dos anos
2000. Desde então, por problemas administrativos, o serviço enfrenta grandes
dificuldades de instalação e manutenção.
Imaginou-se, a princípio, que os dados necessários para a realização da
pesquisa seriam encontrados nos prontuários do programa, por esse motivo a proposta
inicial era realizar a coleta de dados com pacientes cadastradas no CISA,
independentemente do local de residência. Como esses dados não foram encontrados,
optou-se por buscá-los junto à ONG, e por essa razão as mulheres entrevistadas são
todas residentes no município de Umuarama.
3.4 Procedimento de coleta dos dados
A abordagem das entrevistadas foi um processo bastante lento e delicado, que
iniciou no mês de abril de 2007 e terminou no mês de junho de 2007. Num primeiro
momento, como já mencionado, pensei em identificar as mulheres oriundas de
relacionamentos estáveis, através de levantamento realizado em prontuário ou na ficha
de notificação de agravo, infelizmente, pórém, nenhum dos documentos possui tal
registro.
A partir desta dificuldade, desisti de trabalhar com dados do município e busquei
a identificação das mulheres capazes de fazer parte da pesquisa por meio da ONG.
Assim, as dirigentes da ONG relacionaram as mulheres com o perfil desejado, que
foram contatadas via telefone, e em seguida foram agendadas visitas domiciliares para
a realização das entrevistas, utilizei uma planilha para caracterizar as mulheres
estudadas ( Apêndice B).
Para dar início às entrevistas, por tratar-se de um tema delicado e de difícil
abordagem, realizei um primeiro contato de aproximação e estabelecimento de vínculo,
37
apresentei os objetivos da pesquisa e as minhas intenções em relação aos trabalhos
junto às integrantes da ONG.
O segundo encontro foi caracterizado pela entrega do consentimento livre e
esclarecido para ciência e assinatura e pela realização da entrevista aberta, que foi
gravada com o consentimento das mulheres. Para a entrevista utilizei como questão
norteadora a afirmativa a seguir:
“Fale sobre sua vivência familiar após o diagnóstico do HIV”.
Mantive algumas questões de reserva, para serem aplicadas caso os objetivos
não fossem atingidos com a questão principal. Estas questões são referentes ao
relacionamento da mulher com o marido e os filhos, com outras pessoas da família mais
próximas e mais distantes e com os amigos. Procuravam focar sentimentos, atitudes e
comportamentos, buscando uma referência aos relacionamentos anteriores e
posteriores à descoberta do HIV e obter das entrevistadas a que elas atribuem as
mudanças, quando elas ocorrem.
Esta foi uma das fases mais delicadas da pesquisa, permeada por grande
emoção, tanto por parte das entrevistadas quanto da entrevistadora. Foi extremamente
difícil a primeira abordagem com cada uma das entrevistadas. Um sentimento de
invasão me dominava e a cada encontro eu pensava que não conseguiria me
aproximar, mas me revestia de coragem e seguia em frente. Chegar à primeira casa foi
emocionante: senti um calor subindo pela face e uma leve taquicardia, acompanhada
por muita ansiedade. Ao me aproximar e me deparar com uma mulher jovem, cheia de
vida, tive vontade de voltar para trás. As demais entrevistas transcorreram também com
certa dificuldade a cada chegada; por vezes foram necessárias duas visitas, e com
algumas entrevistadas, até três. O gravador me torturava: no meio das gravações
muitas vezes ele parava de gravar e eu precisava pedir que a entrevistada repetisse o
que não fora gravado. Muitas vezes as lágrimas de ambas rolaram, em momentos
simultâneos ou não. A algumas ajudei no cuidado com os bebês, outras precisaram de
um abraço, algumas vezes eu sentia que tudo o que aquela mulher queria era terminar
aquela conversa e esquecer o assunto, que a machucava. Um fato que me chamou a
atenção aconteceu depois das entrevistas. Uma amiga me disse: “Aphrodite me disse
que ficou com dó de você”. Eu disse: “Com dó de mim, por quê? Ela responde: “Porque
você chorou na entrevista dela”. Eu fiquei pensando...Ela com dó de mim!!!
Outro fato marcante se deu com uma das entrevistadas que fazia pré-natal na
US (unidade de saúde) em que trabalho. Foi preciso que eu apoiasse o casal,
38
conversasse com ambos e com os dois individualmente, pois estavam em plena crise.
O resultado foi muito positivo, estabeleceu-se um vínculo que acredito indissolúvel.
Enfim, mergulhar na realidade destas mulheres me trouxe uma experiência inesquecível
e me fez crescer como ser humano.
3.5 Procedimento de análise dos dados
Os dados foram transcritos e analisados segundo a técnica da análise de
conteúdo proposta por Minayo (2002), a que, na atualidade, é compreendida muito mais
como um conjunto de técnicas do que como uma técnica propriamente dita. Ainda de
acordo com Minayo (2002), uma das funções da análise de conteúdo diz respeito às
descobertas do que está por trás dos conteúdos manifestos, indo além das aparências
do que está sendo comunicado, o que vem diretamente ao encontro dos anseios da
pesquisadora em relação aos objetivos desta pesquisa.
De acordo com a autora, a análise de conteúdos pode abranger três fases: pré-
análise, exploração do material, tratamento dos resultados obtidos e interpretação.
Na primeira fase se trata da organização do material a ser analisado, definindo-
se a unidade de registro, a unidade de contexto, trechos significativos e categorias. Esta
fase consistiu inicialmente em exaustivas leituras, nas quais se grifavam as partes
importantes, as que chamavam a atenção no texto.
Segundo Minayo (2002), a unidade de registro é o que deve ser utilizado para
analisarmos o conteúdo de uma mensagem, e pode ser obtida através da
decomposição do conjunto da mensagem. Esta decomposição foi realizada com a
utilização de frases que referenciavam alguns temas específicos. Após estes passos,
definimos três temas diferentes: o primeiro era relacionado a sentimentos, o segundo à
rede de apoio e o terceiro ao cuidado.
A segunda fase compreendeu o tratamento dos resultados, ou seja, a colocação
dos assuntos abordados em forma de categorias a serem discutidas de acordo com os
temas levantados na leitura minuciosa.
A terceira constituiu-se na interpretação das mensagens de forma a
compreender mesmo aquilo que não estava explicitado claramente. Os resultados
estão apresentados em forma de categorias e subcategorias temáticas.
39
3.6 Aspectos éticos
O estudo foi realizado de acordo com as normas do Comitê de Ética Envolvendo
Seres Humanos da Universidade Estadual de Maringá – PR, de acordo com a
Resolução 196/96 do Ministério da Saúde, sob o protocolo n.º 0299/06 do COPEP
(ANEXO A).
Com o objetivo de preservar a identidade das mulheres entrevistadas, elas
aparecem na pesquisa com nomes fictícios de deusas da mitologia grega e romana.
Esses nomes foram escolhidos como forma de homenageá-las, pois pelo seu perfil,
fibra e coragem, muitas vezes nos fizeram pensar que somente supermulheres teriam
tamanho poder de enfrentamento.
Foi utilizado o termo de consentimento livre e esclarecido para ciência dos
sujeitos da pesquisa (APÊNDICE A). Além disso, foi solicitada autorização da instituição
à qual pertencem os sujeitos da pesquisa (ANEXO B).
40
4. MARCAS NO CORPO, MARCAS NA ALMA
Nesta parte serão apresentados os resultados e discussão do trabalho. Inicio
apresentando a história de vida das mulheres estudadas, em seguida uma breve
caracterização das mesmas e, finalmente os depoimentos, que serão apresentados
em categorias e sub- categorias do tema.
4.1 Eu e a Aids: a história de vida das mulheres estud adas
Com o objetivo de facilitar a compreensão da trajetória destas mulheres, passo a
apresentar a síntese de suas histórias a partir de fragmentos de seus discursos. Optei
por não transcrever as entrevistas na íntegra, a fim de preservar os direitos de sigilo.
4.1.1 Aphrodite: “Tudo posso naquele que me fortalece”
[...] eu quero viver pra mim ver eles formado, de terno: ‘olha, mãe, vencemos’ [...] (Aphrodite).
No diário de campo, após as entrevistas, registrei em frente ao seu nome –
“Otimismo”. Quando entrei em contato com ela por telefone pela primeira vez, me
surpreendeu a receptividade e a segurança daquela mulher: “eu quero falar”.
Procurei-a pela primeira vez no seu local de trabalho, conforme ela me solicitara.
Naquele dia a entrevista não pôde ser realizada porque ela estava de mudança e
tinha que ir para casa mais cedo. Combinamos novo encontro, que se daria após um
novo contato telefônico. Segui com as entrevistas e deixei para ligar-lhe por último,
ou seja, assim que terminasse as demais entrevistas. Um dia ela me ligou: “E aí, não
vem me entrevistar? A entrevista aconteceu logo depois, ao final de seu expediente,
no anfiteatro do seu local de trabalho, local este autorizado pelo administrador da
instituição.
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Aphrodite é uma bela mulher negra, com pouco menos de 40 anos,
divorciada, e tem três filhos. Sua vida já não era muito fácil. De família evangélica,
teve um filho solteira e se sentia muito sozinha, morar com a mãe era difícil, pois
havia muitos conflitos entre elas. Durante muitos anos ela orou e pediu ao Senhor
que lhe mandasse um marido. Quando apareceu “Otelo” ela acreditou que suas
preces tinham sido atendidas: “Quando eu vi aquele “negão” assim tipo o Edie
Murph, o olho cresceu...é esse...”
Estava grávida de oito meses quando descobri. Foi em 1998. Meu marido passou muito mal e foi internado. Ele tinha ido doar sangue e a secretária de lá, que conhecia ele desde criança, desconfiou. Ele fez o exame e deu positivo para HIV. Eu vivia com ele fazia 1 ano. Fui encaminhada para Curitiba e tive o menino lá, só que não deu tempo de fazer o AZT endovenoso, mas o menino é negativo. O Otelo ficou preso na Colônia Penal Agrícola e lá ele contraiu o HIV antes da gente se conhecer, em 1988. Lá ele recebeu o diagnóstico, mais como saiu da cadeia forte, quase 100kg ,ele achou que estava curado. Eu não sabia de nada, não sabia que ele era usuário de droga.
Aphrodite viveu ainda com Otelo por alguns anos, teve mais um filho com ele
e se separou em função da dependência de drogas do marido. Segundo seu relato,
ele era usuário de drogas injetáveis e por diversas vezes deixava seringas
contaminadas pelo chão. Vendia tudo o que tinham em casa e até a própria casa foi
vendida para traficantes. Os dois filhos são negativos para o HIV. Ela mora com
seus três filhos, trabalha como auxiliar de serviços gerais e seu desejo é encontrar
um novo companheiro. Está muito feliz porque conseguiu construir uma nova casa, é
evangélica praticante e tem como seu maior sonho ver seus filhos com diploma de
“doutor”.
4.1.2 Hera: o significado da alegria
[...] já que eu vou morrer, vou deixar a família melhor, né [...] e fiz a casa e não morri, comprei o carro e não morri, (rindo muito) [...] qué sabê de uma coisa? Num vou morrer não, eu vou é casar de novo (rindo) [...] (Hera).
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Eu terminei a entrevista com Pandora (as entrevistas aconteciam na ONG) e
imediatamente ela telefonou para Hera a fim de intermediar nosso contato. Ela nos
convidou para ir à casa dela naquele momento e lá fomos nós, Pandora e eu. Eram
10 horas da manhã. No meu diário de campo o nome dela aparece ligado à frase
“alegria de viver”. Recebeu-me muito bem, demonstrou ser uma pessoa muito
extrovertida, feliz. Contou-meu que já está no quarto casamento. As falas estão
sempre permeadas por muitos risos, que são prontamente substituídos por lágrimas
quando fala de suas dores e sofrimento causados pela doença. Hera é uma mulher
de 42 anos, viúva por três vezes e que parece viver de bem com a vida.
Quando foi infectada estava em seu segundo casamento. Era viúva desde os
19 anos. Refere que gostava muito dele e viviam muito felizes. Ele era
caminhoneiro, já estava contaminado muito antes de conhecê-la, embora só tenham
descoberto isso quando ele adoeceu, portanto ele não se sabia portador.
Era uma estória de malária, malária, e vai num médico e vai no outro e ele foi perdendo peso, perdendo peso até que o médico fez uma tomografia e descobriu: era o HIV. Isso foi em 1993, período em que não se ouvia quase falar de Aids. Em seguida ele ficou muito doente e eu e a mãe dele cuidamos dele. Ele viveu pouco tempo, 4 meses. Depois que ele morreu eu entendi o que estava se passando e aí tive muito medo, entrei em depressão por mais de um ano.
Depois de se recuperar da depressão, continuou trabalhando e ajudou seus
pais e irmã a construir suas casas e se estabilizarem financeiramente. Conheceu
outra pessoa, também soropositiva, e se casou. Essa pessoa faleceu quatro anos
depois. Hoje ela está casada novamente, com outro portador. Nunca teve filhos e
não trabalha fora de casa, se diz muito feliz e de bem com a vida. Ela demonstra ser
uma pessoa de muito bom senso e sua alegria de viver é contagiante.
4.1.3 Pandora: um exsudato de sofrimento e dor
Eu era uma pessoa feliz, uma pessoa que tinha uma profissão, que trabalhava, era independente, de repente tudo mudou [...] (Pandora).
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Pandora foi minha primeira entrevistada de fato, pois antes dela eu fui
entrevistar uma outra pessoa, que seria a primeira, mas fiquei muito nervosa e me
esqueci de ligar o gravador. Além disso, o primeiro contato foi apenas de
aproximação. A entrevista com Pandora foi marcada na ONG para as 8hs da manhã.
Durante a entrevista precisei trocar de gravador duas vezes, o que nos fez retomar
as gravações também por duas vezes. Pandora foi uma pessoa muito importante na
minha pesquisa, pois intermediou vários contatos que se tornaram sujeitos da
pesquisa. Durante nossa conversa, senti sua tristeza e revolta exudando por todos
os poros, e em meu diário de campo seu nome aparece ligado à palavra revolta. Ela
é uma mulher 38 anos, que se casou após os trinta anos; vive com o marido e a
filha, é técnica em contabilidade, mas não exerce a profissão.
Eu descobri que estava grávida já no quarto mês de gravidez, porque eu achava que não podia ter filhos. Aí fiz os exames e já veio junto o resultado do HIV. Logo comecei a tomar o AZT. Depois que eu peguei o resultado, ele (marido) não aceitava fazer o teste, quando ele foi fazer, minha filha já estava com oito meses. Ele ficou muito doente, quase morreu. Ele já tem a doença, eu sou só portadora. Nosso relacionamento ficou uma tragédia, tudo mudou [...] ele não aceita, eu vou no médico por ele, eu pego o remédio pra ele, eu tenho que cuidar de mim e dos outros...ele morre de medo que alguém saiba. Ele é o pai da minha filha, ela precisa do pai e eu tenho que cuidar dele porque ele é referência dela. Eu tenho um sonho... queria ser advogada [...] mas agora não dá mais...eu vivo em função da minha filha, do meu marido [...] um dia isso vai ser diferente, eu vou viver a minha vida [...].
Pandora me pareceu muito oprimida. Seu relacionamento com o marido é
muito difícil, pois, segundo ela, eles são pessoas muito diferentes. A mágoa ainda
está muito presente no seu discurso, e ela busca, por meio de novas atividades
desenvolvidas na ONG, reencontrar sua identidade, sua vida própria.
4.1.4 Thebe: amor e ódio: paradoxo constante
Tem hora que dá aquela tristeza [...] Eu não merecia, eu falo para mim mesma que eu não merecia isso. Precisava ele ter me prejudicado desse jeito? (Thebe).
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Entrevistei Thebe num dia em que chovia muito, quase uma tempestade,
tanto que em meio às suas falas, o gravador captava os sons ensurdecedores dos
trovões. Aquela mulher me pareceu triste como aquele dia escuro, sofrida e
machucada. Receou dar a entrevista, tem muito medo que seus filhos ou outras
pessoas venham a conhecer seu segredo. Ela mora com seus três filhos; estava em
licença-maternidade e seu esposo encontra-se detido em um presídio na cidade de
São Paulo. Vive sozinha, com a responsabilidade de três crianças e o peso quase
palpável de uma situação de vida delicada, de um momento muito difícil. O começo
de nossa entrevista foi marcada por uma postura de muita desconfiança; mas aos
poucos ela foi se soltando e ao final da entrevista estava muito à vontade,
mostrando fotografias de família e me dando o bebê para segurar. A sua fala revela
um misto de amor e ódio pelo marido, um sentimento que ela ainda não sabe definir.
Thebe é muito jovem, tem 33 anos, é casada, tem três filhos e trabalha como auxiliar
de serviços gerais. Sua filha mais velha é uma adolescente de 16 anos, o do meio
tem 8 anos e o mais novo é um bebê com menos de 6 meses de vida.
Eu descobri quando fui doar sangue. Aí eu pirei, queria me jogar em baixo de um caminhão. Eu tinha vontade de matar ele, eu falava pra ele que ele tinha destruído a minha vida. Ele era um marido excelente, aí depois se envolveu com umas garotas de programa e ainda por cima foi preso [...] Eu tenho muito medo de tudo isso, tenho medo que as pessoas saibam, tenho medo pelas crianças. Ainda bem que tenho o apoio da minha família, que é tudo pra mim, minha mãe, meus irmãos [...] agora quando ele sair da cadeia eu ainda não sei se vou querer ele de volta. Eu fui pra lá ver ele umas três vezes. É duro, um lugar horrível, eu não quero levar nosso bebê lá não [...] vamos ver como vai ficar. Eu quero é trabalhar e cuidar dos meus filhos.
Thebe traz impressa em seu rosto a marca da desconfiança e do medo. Além
da soropositividade, sua vida está num período muito complicado. Seus três filhos
estão em faixas etárias muito diferentes e necessitam de grande atenção e cuidado;
ela refere que é muito complicado para ela sozinha enfrentar toda essa situação.
Neste momento, seus irmãos e pais têm sido sua fonte de sustentação, além do
sogro, que também tem colaborado.
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4.1.5 Réia: o sofrimento não dura para sempre
Saio, me divirto, chego de madrugada, o moleque fica na mãe [...] tem muita gente que tem inveja de mim (Réia).
Eu conheci Réia há mais ou menos cinco anos, logo que ela recebeu o
diagnóstico de HIV, durante seu pré-natal. Naquela ocasião, como enfermeira do
serviço, acompanhei-a, inclusive através de visitas domiciliares. Quando reencontrei
Réia para a entrevista, percebi em seu rosto que sua vida havia se transformado: ela
mostrava uma expressão leve, diferente da que eu conhecera. No contato telefônico
que fiz para marcar a entrevista, ela manifestou de imediato sua preocupação com o
sigilo e já foi me perguntando: “Você não pegou meu telefone com minha mãe não,
né?” Hoje, Réia está com 35 anos, é viúva e mora sozinha com seu filho de 5 anos.
Nunca trabalhou fora de casa e vive da pensão que seu marido lhe deixou.
Eu descobri na gravidez. Foi difícil. Tudo de negativo vinha na cabeça. A minha família não sabe, eu escondo o máximo que posso, só contei pra uma irmã minha, porque o desespero foi muito grande. Eu não quero que ninguém saiba, se minha família souber vai sofrer e eu não quero isso. Eu sofri muito, mas já passou, agora eu sou feliz. Vivo com meu filho, saio, vou em baile, me divirto, tô sempre bem, não tomo mais remédio pra dormir, só mesmo o coquetel. Eu não queria uma separação de morte, nossa, a gente sofre; mas foi só no começo. Agora eu sou feliz.
Réia é viúva, vive com seu filho pequeno e recebe a pensão do marido.
Segundo ela, uma boa pensão, que tem lhe proporcionado uma qualidade de vida
muito boa. Sua história foi marcada por submissão e muito sofrimento. Seu marido
era alcoólico e agressivo, além de não aceitar o diagnóstico, tampouco o tratamento.
Chama a atenção o fato de ela não compartilhar o diagnóstico com seus familiares,
apesar de possuir com eles uma excelente relação.
4.1.6 Vênus: a Aids não escolhe idade
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Não confia e não acredita, todo homem casado vai fazer um dia. Você fala não, mas é [...] e não tem volta [...] (Vênus).
A entrevista com Vênus foi marcada por telefone para uma tarde de quarta-
feira, mas quando cheguei à sua casa não havia ninguém. Achei que ela tivesse se
arrependido; fiz novo contato telefônico e remarcamos a visita. Ela havia tido que
acompanhar uma vizinha ao hospital.
Vênus é, de todas as entrevistadas, a mais velha: tem 57 anos. É separada
por duas vezes e deixou de trabalhar há alguns anos em função de problemas
respiratórios desenvolvidos após a doença. Mora em casa própria. Era separada
quando conheceu o segundo marido, com quem viveu onze anos e por quem foi
infectada pelo HIV. Suas suspeitas a respeito do marido se iniciaram quando ele
começou a apresentar alguns sintomas que ela julgou esquisitos. Pedia que ele
fosse ao médico e ele se recusava, então desconfiou que havia algo errado.
Eu tinha um companheiro e ele tava muito ruim e não ia ao médico, porque ele sabia, ele sabia que era portador. Aí ele falou: ‘Eu não vou fazer exame nenhum, se você quiser faz você’. Eu fiz e deu, mas ele continuou negando por mais de seis meses. Meu problema é que o remédio me faz mal, me tira o apetite, me tira o sono, por isso eu emagreço. Agora o meu companheiro ele sabia que tinha e não me protegeu, os amigos dele já sabiam, mas eles também não falaram. Aí depois eu fiz amizade com eles, eles perguntaram: ‘Mas ele não se preparou com você?’ Eles ficaram muito revoltados. Eu disse a eles: ‘Por que vocês não me avisaram?’.
Vênus tem um filho e uma filha e no momento ambos estão morando com ela.
Ele é solteiro e ela é casada, se mudou para Umuarama há pouco tempo e está
morando com a mãe até encontrar uma casa. Tem dois netinhos e se diz feliz.
Procura não pensar na doença, toma seus remédios adequadamente e, segundo
ela, vai levando a vida.
4.1.7 Elara: amor é para toda a vida
[...] aí ele pedia pra eu deixar dele, só que [...] até hoje eu gosto dele, mesmo com o que aconteceu, até hoje. Amor, amor mesmo pra toda
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vida[...] meu sentimento por ele não mudou [...] se ele tivesse vivo tava com ele (o primeiro marido) até hoje [...] (Elara).
Elara era um nome que eu ouvia constantemente quando o assunto era
HIV/Aids. As pessoas que trabalham com o programa de DST/Aids têm Elara como
referência. De fato ela me pareceu uma liderança nata quando a conheci.
Conversamos longamente durante umas duas manhãs antes da entrevista. Foram
encontros casuais que aconteceram quando eu estava visitando os serviços de
DST/Aids do município e a ONG. Nas duas ocasiões em que conversamos antes da
gravação da entrevista, ela me falou um pouco do trabalho que realizava com
grupos de profissionais do sexo, de sua experiência com gangues de tráfico de
drogas, entre outras coisas. Suas colocações me pareceram muito ricas, e ao lado
do seu nome no meu diário de campo, anotei a palavra “sabedoria”.
Ela me conta que se separou do marido muito jovem, que tinha dois filhos
desse primeiro casamento, e que se casou novamente com um caminhoneiro e foi
morar no Norte do Brasil. Lá, depois de alguns anos, descobriram que seu marido
estava infectado. Cuidou dele até a morte, que aconteceu muito rapidamente.
Depois voltou para Umuarama. Seis meses após a morte de seu marido, conheceu
outro homem, a quem revelou sua condição de portadora; eles se casaram e estão
juntos há 10 anos. Ele não é portador.
Ele começou a ter muita diarréia e fraqueza, os médicos achavam que era dificuldade de adaptação, alimentação... Demorou para descobrir. Aí ele viveu seis meses. Até hoje eu gosto dele, mesmo com o que aconteceu, até hoje. Amor, amor mesmo pra toda vida. Meu pai não aceita, não fala comigo até hoje, na casa de minha mãe eu não passo da cozinha, porque meu pai é acamado, vive mais no quarto. Eu sou filha única. Minha mãe é dez, me apóia e se preocupa comigo. Eu tenho um primo com Aids, outro tá na cama. O Ministério da Saúde falou que é um portador em cada família, na minha já são quatro.
Elara hoje mora na zona rural do município, opção que fez para evitar que
seus filhos se envolvessem com traficantes que moravam em seu bairro. Vive com
seu marido e os dois filhos, que agora estão voltando a estudar, pois passaram
grandes dificuldades relacionadas à exclusão e preconceito na escola que
frequentavam. Ela se emociona muito quando fala de suas dificuldades e das
dificuldades que os portadores vivenciam em seu cotidiano.
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4.1.8 Ceres: ser jovem com Aids - a experiência que não é bem-vinda
Antes da doença eu estava bem, era gorda, agora emagreci. Fiquei com vontade de ir embora, fugir [...] (Ceres).
Ceres é a mais nova das mulheres entrevistadas. Aos 22 anos estava grávida, e
foi quando eu a conheci. É casada, já tem uma filha de 10 meses e vive com seu
marido na área rural do município. Não trabalha fora de casa. Apesar de possuir o
ensino médio completo, não foi capaz de evitar que a desinformação a transformasse
em mais uma vítima da Aids. Tem grande dificuldade de comunicação, é tímida e
ressabiada, mas muito inteligente e sabe o quer para si mesma. Descobriu sua
soropositividade na primeira gestação, e nesse parto queria fazer laqueadura, pois não
gostaria de ter mais filhos. Acompanhei Ceres durante todo o seu pré-natal e foi tudo
acertado para que logo após a cesariana fosse realizada a laqueadura, segundo
orientações da assistente social da Secretaria de Saúde do município. Entretanto, no
dia marcado para a realização da cesariana, Ceres foi dispensada pelo médico de
plantão da maternidade, dizendo que seu parto só aconteceria dentro de um mês. Ela
voltou para casa e dois dias depois deu entrada na maternidade em franco trabalho de
parto. A criança nasceu no corredor, não houve tempo de fazer a dose de ataque do
AZT e tampouco foi realizada a laqueadura.
Fiz exame e a mulher falou lá no posto: ‘Ceres, você tá com HIV’. Chorei bastante, elas me deram conselho, mas não adiantou. Demorou pra eu me acalmar. Eu peguei um desgosto da vida... Os outros diziam: ‘Essa doença não te cura’. A cidade inteira ficou sabendo e falava nas minhas costa. Hoje eu tô bem, quero viver pra cuidar das minhas filhas.
Hoje, Ceres continua morando com o marido e as duas filhas. Eles têm muita
dificuldade financeira, moram em uma casa construída em um terreno de parentes,
com dois cômodos.
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4.2 Caracterização das participantes da pesquisa
O grupo de entrevistadas foi composto por oito mulheres, que se encaixam
perfeitamente no perfil da epidemia. São mulheres ainda em período de fertilidade, em
sua maioria donas de casa, que foram contaminadas por via sexual, por seus parceiros
estáveis. Mulheres que não se percebiam vulneráveis e se sentiam protegidas dentro
de seus lares e por relacionamentos que julgavam seguros. A metade (quatro) das
entrevistadas descobriu-se infectada durante a gravidez, quando dos exames da rotina
pré-natal, que incluem obrigatoriamente o exame anti-HIV, após a implantação da
Portaria GM/MS n.º 569, de 01 de junho de 2000.
Essas mulheres possuem idade variando entre 22 e 57 anos, com o tempo de
diagnóstico de dois a catorze anos, o que nos mostra que foram infectadas muito
jovens. Cinco delas já estão sendo submetidas a tratamento, com tempo inicial variando
também entre dois e catorze anos, o que reafirma o já conhecido aumento da
longevidade após a introdução dos anti-retrovirais, descrito por vários autores
(JOHNSTON et al., 1998; PATERSON et al., 2000; SANDE; GILBERT; MOELERING
apud COLOMBRINI et al., 2006), que afirmam ser evidente a eficácia terapêutica
principalmente após a introdução do conceito da HART (Highly Active Antiretroviral
Terapy – Terapia Antiretroviral Altamente Eficaz), que indiscutivelmente torna mais lento
o curso da doença e prolonga a vida. Entre todas, não existiu nenhum caso de não-
adesão ou de abandono do tratamento.
O perfil socioeconômico destas mulheres aponta para os dados de feminização
da epidemia. A maioria delas vive com um parceiro, e três são legalmente casadas,
duas casadas consensualmente, com tempo de relacionamento mínimo de três anos e
máximo de catorze anos; Duas são separadas e uma é viúva.
Em relação à escolaridade, quatro delas freqüentaram o ensino médio, sendo
que três possuem o ensino médio completo e uma incompleto. Em contrapartida, quatro
mulheres freqüentaram apenas o ensino fundamental, e três delas não o completaram.
Na atualidade, apenas duas delas estão regularmente inseridas no mercado de
trabalho e exercem (as duas) a profissão de auxiliar de serviços gerais. As demais se
dedicam aos afazeres domésticos e cuidados com os filhos e quatro delas estão
50
engajadas no trabalho com o Grupo União pela Vida (ONG). Quando questionadas
sobre a razão de não estarem trabalhando, duas informaram ter parado de trabalhar
alguns anos após o diagnóstico, por problemas relacionados a ele; duas pararam de
trabalhar em função da gestação e encontraram dificuldades para retornar ao mercado
de trabalho; e as demais nunca exerceram atividades fora de casa.
Dentre as entrevistadas, apenas uma não tem filhos. O número de filhos varia
entre um e três, sendo que uma das entrevistadas estava, durante as entrevistas, no
terceiro trimestre de gravidez, tendo seu bebê nascido no transcorrer do trabalho. Todos
os filhos vivem com as mães.
Do número total de filhos dessas mulheres (catorze), oito nasceram antes do
diagnóstico e seis nasceram após, e quatro deles foram diagnosticados na gravidez e
dois foram gerados com suas mães conscientes do diagnóstico de soropositividade.
Isso pode nos levar a compreender que elas demonstram uma confiabilidade nas
medidas preventivas e no tratamento da doença, ao mesmo tempo em que aponta para
a não-adesão ao preservativo, visto que as mulheres que engravidaram após o
diagnóstico referem não ter planejado a gravidez. De acordo com Silveira e Santos
(2005), que examinaram diversas publicações sobre o assunto, o fato de saber-se
portador do HIV não implica, necessariamente, uso de preservativo em todas as
relações sexuais, mesmo com parceiro não portador ou de sorologia desconhecida. Os
autores ainda atribuem a melhora do estado de saúde e a redução da carga viral
decorrente das mais modernas terapias anti-retrovirais à sensação de diminuição da
necessidade de práticas seguras, o que poderia explicar a não-adesão ao uso de
preservativos por casais soroconcordantes.
Dentre as crianças nascidas após o diagnóstico, nenhuma apresentou
soropositividade, embora 03 ainda estejam em segmento observacional. Todas as
mulheres que engravidaram conscientes da soropositividade foram submetidas ao
tratamento anti-retroviral, variando em maior ou menor tempo, de acordo com a
precocidade do diagnóstico.
A maioria (seis) das mulheres infectadas por seus parceiros manteve
relacionamento com eles, sendo que destas, três permaneceram junto aos seus
maridos até a morte e três continuam vivendo com eles até o momento. Por outro lado,
hoje, quatro mulheres se encontram em novo relacionamento estável. A ruptura do
51
relacionamento após o diagnóstico aconteceu em dois casos, embora em um deles
tenha ocorrido em função de uma conjunção de fatores, entre os quais a drogadição do
parceiro, e não exclusivamente pela descoberta do diagnóstico.
Embora com a descoberta do diagnóstico haja um sentimento enorme de revolta
contra o parceiro, com a condenação dele como único culpado de toda a situação, com
o tempo o sentimento vai sendo substituído por aceitação, chegando até mesmo à
“absolvição” completa do parceiro.
A análise dos relacionamentos estáveis, que são cinco, mostra que um deles
acontece entre parceiros sorodiscordantes e com tempo de vida sexual ativa superior a
oito anos. Esta não-contaminação masculina pode ser explicada pela observação
cuidadosa dos métodos de proteção, das diferenças anatômicas entre os gêneros e do
grau de exposição ao vírus.
O uso do preservativo por essas mulheres parece ser mais facilmente negociável
a partir da descoberta do diagnóstico, mas esse uso não passa pela negociação com
seu parceiro fonte de infecção, mas se dá quando as mulheres saem para outros
relacionamentos. Silveira e Santos (2005) encontraram em seus estudos que “os
portadores de HIV mostram um comportamento de altruísmo preventivo geralmente
maior que os esforços de autoproteção dos HIV negativos”. Isso explicaria o fato de
que, das 08 mulheres, apenas duas parecem não se comprometer muito seriamente
com o uso do preservativo, ao passo que as demais demonstram estar convencidas da
sua necessidade e o adotam como regra de comportamento, embora uma delas relate
ainda possuir dificuldade de negociação com o parceiro. A justificativa para o fato é que
alguns deles (parceiros) não aceitam o diagnóstico, a despeito de toda a confirmação
laboratorial, ou se o aceitam, acreditam que o uso do preservativo, a esta altura, não
tem mais importância.
Silveira e Santos (2005) ressaltam ainda que o altruísmo preventivo dos
portadores de HIV pode ser reforçado por intervenções apropriadas, o que significa, de
acordo com King-Spooner (apud SILVEIRA; SANTOS, 2005), que aumentar os
esforços preventivos junto aos portadores de HIV pode ser mais efetivo do que entre
indivíduos da população em geral, por três razões: maior efeito na disseminação da
epidemia; altruísmo preventivo dos portadores do HIV e o fato de que esse altruísmo
pode ser reforçado por intervenções apropriadas.
52
Outro fator importante observado é que todas as mulheres referiram nunca ter
utilizado o preservativo antes da infecção, o que vem confirmar a percepção que
possuíam acerca de sua proteção dentro de um relacionamento estável.
Em relação ao enfrentamento da doença, seis mulheres já assumiram a
soropositividade publicamente, participando de eventos, palestras e cursos oferecidos
pelas ONGs e pelo Ministério da Saúde; duas delas preferem manter o sigilo, para
proteger os filhos e evitar o sofrimento da família com o conhecimento do diagnóstico, e
pelo medo do preconceito da sociedade contra ela e sua família.
Mesmo entre as mulheres que assumem o diagnóstico, é observada uma
negação em relação a ele, tanto por parte delas quanto das famílias, em um pacto de
silêncio que tem por função protegê-las da dor e da ameaça constante que a doença
representa para a preservação da vida.
A fé e a religiosidade foram citadas como fonte importante de conforto e estímulo
à vida. Todas as entrevistadas declararam algum tipo de relação com a religiosidade,
entretanto os princípios e normas religiosos foram citados como fatores que dificultam a
adesão às organizações religiosas. Esta temática será discutida posteriormente.
A rede de apoio oferecida hoje ao portador facilita o enfrentamento e talvez
justifique o alto índice de mulheres que assumem ser portadoras. Além disso, foi
observado, durante a pesquisa, que cada mulher é fonte de apoio e incentivo a outra
nas atividades da ONG, por possuírem histórias de vida semelhantes e compartilharem
a mesma dor.
Embora essas mulheres estejam em confronto diário com a doença, as
condições de cuidadora, de mãe e esposa são prevalentes. Foi possível observar que,
enquanto tiverem de quem cuidar, vão ter forças para lutar e sobreviver; e manter-se
em boas condições de saúde é condição sine qua non para serem cuidadoras. Assim,
sua família significa a maior e melhor rede de apoio, na qual elas depositam todas as
possibilidades de cuidar e ser cuidadas.
4.3 Categorias temáticas enunciadas
53
No diagrama abaixo estão representados os conteúdos das categorias e
subcategorias encontradas na análise dos dados que constituíram o eixo fundamental
desta pesquisa:
Diagrama 1 – A intersubjetividade de viver com Aids: relação entre as categorias e
subcategorias encontradas no estudo.
O diagnóstico da soropositividade
Negar a doença – uma forma de se auto- proteger
De repente a depressão: o sofrimento é revelado em
forma de doença
Estou infectada e agora? A vida
após o diagnóstico
Vivendo com Aids: o
confronto com a realidade
Ser mulher e viver com Aids
num mundo masculino:uma
questão de gênero
A rede de apoio influenciando
negativamente a vida do portador: estigma,
discriminação e preconceito
Cuidar de si, do outro, de todos:
descuidar-se
A rede de apoio influenciando
positivamente o portador: a família em evidência
Amor e sexualidade: o caminho
para contrair Aids
De quem é a culpa? mesmo que seja dele, a culpa é minha...
Outras fontes de apoio - a comunidade que acolhe
Fé e religiosidade: o sagrado como suporte para enfrentar a doença
Outras redes influenciando de forma negativa a vida do portador
Ter Aids e não estar só: o papel da rede social para o portador.
Existir com Aids: a (des) construção de um castelo de emoções.
O modo de ser e estar HIV+: o cuidado se revelando no dia-a-dia do portador.
54
4.3.1 Existir com Aids: a (des)construção de um castelo de emoções
Biologicamente, as emoções se traduzem por aquilo que as pessoas são
capazes de sentir nas situações que vivenciam. Entretanto, falar de sentimento e
emoção é traduzir em palavras as dores e alegrias que somos capazes de sentir e
expressar. É indubitável que as mulheres entrevistadas possuíam uma grande
bagagem de emoções que de forma variada foram externalizadas. O conteúdo das
entrevistas é extremamente emocional, os sentimentos permeiam todas as falas e por
isso, muitas vezes as categorias tendem a se misturar. Falar da dor da soropositividade
é fazer emergir sentimentos muitas vezes sufocados, é trazer à tona o medo, as
angústias, a fragilidade, a realidade que magoa e incomoda.
Não obstante, parece que a experiência da dor torna essas mulheres mais
valentes, fortes e determinadas. Elas mostram uma alegria de viver, um apego e uma
valorização da vida, dos seus significantes. Não demonstram piedade de si mesmas,
não ficam chorando pelos cantos, são guerreiras, vão à luta.
Nesta categoria aparecem seus sentimentos acerca de si mesmas, da família, da
sociedade, da doença, a dor da descoberta, a volta por cima.
4.3.1.1 O diagnóstico de soropositividade
O cotidiano de nossas vidas normalmente nos absorve e nos faz “funcionar”,
quase que automaticamente. Diariamente executamos tarefas necessárias e muitas
vezes repetitivas, e o tempo que dedicamos para refletir sobre cada acontecimento de
nosso dia-a-dia é estabelecido de acordo com a importância desses acontecimentos
para as nossas vidas. Dentro deste curso considerado “normal”, é possível avaliar,
usando de empatia, o impacto que uma notícia como o descobrimento da
soropositividade para o HIV pode causar em uma pessoa.
Projetos e planos pessoais podem perder totalmente a importância e o sentido.
Sentimentos múltiplos e contraditórios dominam o imaginário do portador. Entra em
cena uma série de questões referentes à infecção: como fui infectada? Por que não me
cuidei? Por que ele fez isso comigo? Como vou contar à minha família? (STEFANELLI
55
et al., 1999). encontraram em seus estudos que sentimentos como o medo, a
ansiedade, desespero e angústia estão presentes desde que a pessoa resolve fazer o
exame laboratorial até quando ela recebe o disgnóstico de positividade. Outros
sentimentos, como a solidão, a perda do significado da vida e a deseperança, também
podem surgir.
Nos discursos das entrevistadas pudemos observar que a Aids traz a prespectiva
da morte para muito perto, fato também encontrado pelas autoras em seus estudos,
que observaram ainda que “ a morte é algo que faz parte do nosso cotidiano, mas o
sentimento de finitude não é habitual no nosso pensar” (STEFANELLI et al., 1999, p.
69). Desta forma a confirmação do diagnóstico traz esse sentimento para o cotidiano,
fazendo com que essas pessoas passem a conviver com sua finitude de forma mais
íntima e próxima. Enfim, só é possível compreendermos a dimensão desta notícia para
a vida de uma pessoa à medida que a conhecemos e nos aproximamos de sua vivência
Os depoimentos abaixo dão a dimensão desta problemática para a vida dessas
pessoas. A totalidade das mulheres entrevistadas refriu uma dor “visceral” quando
soube da notícia, acompanhada de uma certeza de morte iminente, muitas até fazendo
referência ao desejo de pôr fim à própria vida.
[...] o médico falou assim que ele (marido) podia morrer hoje, amanhã, quando descobriu ele já tava na fase terminal [...] eu tinha 50% de chance de ter e 50% de chance de não ter [...] aí não fui fazer o exame logo, achei que assim que pegasse o resultado ía morrer [...] (Elara).
[...] eu vou morrer, eu vou morrer, eu vi enterrando alguém com isso, passou pra mim, vou morrer... Me dava pavor, me dava desespero e era quatro horas da manhã eu andava dentro de casa. Quase que eu tomei veneno, sabe [...] dá um pânico, piro o cabeção [...] acabou tudo, acabou tudo [...] (Hera).
É inevitável pensar na morte ao deparar-se com o diagnóstico de uma doença
incurável e estigmatizante como a Aids. Em desacordo com o que está em curso hoje, o
medo da morte parece ser resquício de uma época em que a doença matava muito
rapidamente, pois, como descrito por Nascimento (1997), a Aids irrompeu no cenário
público no início da década de 80 e a forma brutal como se manifestava espalhou
perplexidade tanto no meio científico quanto no meio leigo. O papel da imprensa
também foi decisivo no perfil da doença apreendido pela sociedade, reforçando no
imaginário coletivo a noção de que a Aids era efeito necessário de condutas
56
moralmente reprováveis. Assim, é compreensível que deparar-se com um diagnóstico
de uma doença desta magnitude, suscite o medo e a fantasia da morte próxima.
Hoje, como anteriormente citado, com o advento da terapia anti-retroviral é cada
vez maior a expectativa de vida do paciente HIV/Aids, especialmente porque no Brasil
esta terapia é acessível a todos e oferecida pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Dourado et al. (2006) observam que no Brasil, a partir de 1996, notou-se uma redução
progressiva da mortalidade por Aids e o crescimento da incidência da doença deixou de
ser acompanhado pelo de óbitos.
Outro aspecto relevante em relação ao enfrentamento do diagnóstico diz respeito
à falta de preparo de serviços de saúde e de profissionais para revelarem o resultado de
exames positivos aos portadores. Como a testagem de anticorpos para HIV passou a
fazer parte da rotina de pré-natal, é nas unidades básicas de saúde que é revelada a
maioria destes resultados. É consenso que a maioria das unidades básicas de saúde e
unidades de Saúde da Família não possuem serviços de aconselhamento estruturados.
Sobre isso, Carvalho e Piccinini (2006) resaltam que o diagnóstico deve ser fornecido
com suporte e aconselhamento, pois de outra forma, a experiência se torna muito mais
difícil. As autoras encontraram ainda que a dificuldade em assimilar o diagnóstico pode
resultar em uma falta de iniciativa para iniciar o tratamento.
[...] no dia que eu soube a mulher que me atendeu no posto falou assim: ‘Você tá com Aids, você precisa ir no médico logo, essa doença mata [...]’ (Réia).
O depoimento de Réia nos dá uma clara noção desta realidade: profissionais
mal-preparados para dar a notícia acabam por complicar ainda mais o processo de
assimilação e naturalização da doença. A entrevistada nos revelou ainda que, quando a
funcionária lhe disse isto, seu desespero foi tão grande, que ela simplesmente não teve
ação nenhuma nos primeiros dias após o diagnóstico.
Ainda em relação à revelação do diagnóstico, todas as entrevistadas
descreveram este momento como um dos mais difíceis, referindo ter se sentido
totalmente desorientadas e solitárias. Sobre isso, Carvalho e Piccinini (2006)
encontraram dados semelhantes em seus estudos, em que relatam que a impressão
transmitida por suas entrevistadas era de estarem sozinhas.
O sentimento de revolta é predominante em alguns depoimentos, mas sempre
como uma reação inicial, seguida de resignação e de uma posterior aliança ao
57
enfrentamento, o que possivelmente oferece a essas mulheres ferramentas que tornam
seu cotidiano mais ameno, no sentido de somarem forças para resolver os problemas
domésticos.
[...] revolta [...] revolta, mas você tem que se agarrar em alguma coisa, né? [...] Então você tá num barco furado, tem duas pessoas nesse barco, o que é que você vai fazer? Abandonar? Tem que seguir em frente, você tem que pegar o outro pela mão e ir junto [...] (Pandora).
[...] no começo eu queria matar ele [..] mas depois [...] que que eu vou fazer, que nem ó, todo mundo abandona, só ficou nós dois. Perde amizade, perde isso... Ainda mais que ele deu uma aprontada inda foi pra cadeia [...] (Thebe).
Este sentimento parece ser paulatinamente substituído por um desejo imenso de
lutar pela vida, como se o vírus representasse um desafio a essas mulheres e seus
amores, ou seja, o combustível necessário para a preservação da vida.
[...] aí ele fez o negócio lá (exame), aí o doutor mandô me chamar que era o vírus HIV, mas eu, como vivia muito bem, tinha um casamento muito sólido, gostava muito dele, daí não caiu a ficha, sabe? [...] você leva um choque assim, um tranco [...] eu fiquei meio boba [...] aí vou faze o quê? Vou cuidá dele [...] (Hera).
[...] eu sou uma pessoa que não sou muito assim de me apavorar não. Eu sou uma pessoa calma [...]. A gente tem que passar por certas coisas. Eu fui a premiada [...] no começo a gente fica revoltada com a pessoa, só que depois você se conforma, porque o homem sofre mais que a mulher [...] a gente é forte [...]eles se entrega em bebida e droga [...] (Vênus).
Mesmo com muito sofrimento, essas mulheres enfrentaram a doença; elas
demonstram força para lutar, para viver. Não se trata de resignação, mas sim de tentar
se adaptar a uma nova vida, a uma nova condição. O enfrentamento diário de uma
situação que nos incomoda traz sofrimento profundo e a psique é especialista em
buscar “estratégias de sobrevivência” para essa dor, entendendo-se “psique” como tudo
aquilo que é referente à alma e suas faculdades morais e intelectuais. Ao ouvir estes
relatos, imediatamente me veio à mente o texto de Machado de Assis que nos fala da
dualidade de nossas almas, especialmente quando nos deparamos com problemas de
difícil solução:
58
Convém dizer-lhes que desde que ficara só, não olhara uma só vez ao espelho. Não era abstenção deliberada, não tinha motivo; era um impulso inconsciente, um receio de achar-me um e dois, ao mesmo tempo, naquela casa solitária; e se tal explicação é verdadeira, nada prova melhor a contradição humana, porque ao fim de oito dias deu me na veneta de olhar para o espelho com o fim justamente de achar-me dois. Olhei e recuei. O próprio vidro parecia conjurado com o resto do universo; não me estampou a figura nítida e inteira, mas vaga, esfumaçada, difusa, sombra de sombra. A realidade das leis físicas não permite negar que o espelho reproduziu-me textualmente, com os mesmos contornos e feições; assim devia ter sido. Mas tal não foi a minha sensação. Então tive medo; atribuí o fenômeno à excitação nervosa em que andava; receei ficar mais tempo, e enlouquecer (MACHADO DE ASSIS, 1998).
Arruda (1999) traz com muita propriedade, na resenha que fez do livro de Fábio
Herrmann “A psique e Eu”, as palavras pronunciadas pelo personagem de Machado de
Assis no conto “O Espelho – um esboço da nova teoria da alma humana”, escrito em
1882, que nos dá a dimensão da intensa inquietação que nos alcança quando somos
confrontados com nós mesmos: afinal, quem sou eu? Este que me mostram, reconheço
como sendo eu mesmo? Sou uno, sou vários? Figuras que se desdobram,
“esfumaçadas e difusas”...
As questões relativas à alma são constantes em nossas vidas, e em situações
de estresse elas tendem a se intensificar, as inquietações e angústias variam de acordo
com cada indivíduo, sua história, sua estrutura psíquica.
Algumas reações iniciais destas mulheres diante da revelação diagnóstica
denotam a perda total do autocontrole, demonstrando ser este um momento muito
delicado, no qual, caso não se possua um suporte para extravasar suas emoções, fica-
se sujeito a atos extremos e inconseqüentes.
[...] eu pirei. Se não fosse minha mãe eu tinha me jogado embaixo de um caminhão [...] eu não conseguia trabalhar [...] (Thebe).
[...] eu chorei muito quando eu soube [...] chorei bastante [...] peguei um desgosto da vida [...] (Ceres).
Por outro lado, no depoimento de Aphrodite a revolta foi substituída por um
comportamento de compreensão. É evidente que o fato consumado não tem retorno, o
que ela faz é reunir forças e lutar, lutar muito. Uma das características mais fortes da
personalidade de Aphrodite é a determinação, que eu pude observar pelo seu relato de
59
história de vida e pela fibra que esta mulher demonstra ao falar de si mesma, de seus
filhos e do ex-marido:
[...] na hora a gente fica assim [...] será que é positivo? O papel na mão falta o ar, dá vontade de chorar [...] eu só dava risada... não vou dizer que é mil maravilhas, é difícil [...] Geralmente a mulher quebra tudo; ‘filho da mãe, você me infectou’ [...] Não, as coisa não é assim [...] ele nunca me falou nada que usou droga, que era [...] ele achava que tava curado [...] eu já perdoei ele, perdoei de coração [...] não tenho mágoa [...] (Aphrodite).
Outro aspecto que merece ser discutido está relacionado à angústia a que essas
mulheres e mães são submetidas durante o período de espera da confirmação
laboratorial de seus filhos recém-nascidos. Como o SUS prevê apenas os testes de
anticorpos como teste diagnóstico para o HIV e, como as crianças apresentam
anticorpos maternos até por volta dos 18 meses de vida, esse período em torno de dois
anos foi relatado como uma verdadeira tortura para as mães.
[...] no começo tudo o que vinha na cabeça era negativo[...], aí depois que o menino nasceu que ele tomou o remédio, enquanto ele tava tomando o remédio é um sofrimento pra mãe. Aí depois passou [...] passou [...] (Réia).
[...] antes de eu ir para a sala de cirurgia, uma freira entrou no quarto e me perguntou se eu já tinha escolhido a roupa do bebê, eu comecei a chorar [...] a menina nasceu perfeita, o primeiro teste deu negativo e o segundo positivo [...] até que no último foi negativo [...] foram dois anos de sofrimento [...] (Pandora).
Réia e Pandora trazem em seus relatos, assim como a maioria das mulheres
que tiveram seus filhos após a infecção, que o período de espera da confirmação
diagnóstica é muito doloroso, e, curiosamente, todas sabiam explicar a causa da
espera, o que aponta para uma boa orientação dos profissionais de saúde neste
segmento.
As entrevistadas Vênus, Thebe e Aphrodite tiveram como reação inicial a
negação, entretanto todas se submeteram ao teste e ao tratamento assim que
necessário. A negação nesses casos mostra uma relutância em entrar em contato com
a realidade. Elas sabem que têm o vírus, mas essa é uma realidade que causa muita
dor e traz muitas mudanças em seu curso de vida.
60
[...] eu sei que tenho que tomá esses remédios por causa do remédio do coração, aí eu lembro do outro. Mas do contrário eu nem penso [...] (Vênus).
[...] a minha vida continua a mesma. Ah, eu sou tão feliz, nossa!... Não me abati em nada [...] (Apphrodite).
[...] eu não aceitava [...] eu falava pra ele que ele tinha destruído minha vida [...] (Thebe).
Estudos como os de Saldanha (2003), Carvalho e Peccinini (2006) demonstram
que o sentimento de negação é muito comum nestas situações. A assimilação do
diagnóstico é tarefa complexa, e em ocasiões em que a integridade física é ameaçada,
são comuns as manifestações de defesa do ego. Essas manifestações serão discutidas
oportunamente.
No caso de Hera o diagnóstico foi uma surpresa completa, pois as primeiras
suspeitas eram de que seu parceiro estivesse com câncer e ela em nenhum momento
imaginou que ele pudesse estar com Aids. Segundo ela, nem se ouvia quase falar
sobre isso no ano de 1993, embora os primeiros casos da doença no Brasil datem de
1982. Entretanto, quando se viu diante da possibilidade de ser HIV+, chegou a desejar
que fosse câncer. Isto nos dá uma idéia da carga que é o HIV para o portador.
[...] meu marido ficou doente [...] era uma estória de malária e foi perdendo peso, perdendo peso [...] O médico me chamou [...] ou é câncer ou é HIV [...] Aí eu pensei: ai, meu Deus, tomara que seja câncer [...] (Hera).
Os discursos mostram bem o paradoxo que permeia essas relações depois da
descoberta do diagnóstico: ao mesmo tempo em que fluem sentimentos de revolta, o
perdão e o cuidado também assumem conotação valiosa.
[...] quando descobri estava grávida [...] Aí foi passando, passando e eu entendi que eu tinha que cuidar de mim, do menino e dele, e cuidei, cuidei dele até o fim, até a morte dele [...] (Réia).
[...] quando descobriu, ele viveu seis meses [...] ele ficou dois meses internado no hospital os dois meses eu fiquei morando no hospital [...] (Elara).
61
Os relatos de Réia e Elara nos remetem à reflexão sobre o papel de cuidadora
que emerge naturalmente nessas mulheres, papel que será discutido mais adiante.
Acredito que o fato de o diagnóstico muitas vezes ser desvelado na gravidez
complexifica ainda mais o processo de aceitação, pois ser mãe e estar com Aids
representam uma dualidade de sentimentos que misturam culpa, ansiedade e medo
relacionados a sentimentos de maternagem comuns nesse período. É mister que a
preocupação dos profissionais de saúde com a gestante soropositiva leve em
consideração não apenas os aspectos biológicos da assistência, mas também as
questões psicoafetivas da mãe, o que certamente contribuirá para um parto e
nascimento mais felizes.
É importante considerar que a maioria dessas mulheres ainda faz a descoberta
do diagnóstico pelos testes de rotina de gravidez, demonstrando que as ações
preventivas têm sido pouco eficientes, ou seja, não se consegue cooptar adeptos ao
uso do preservativo nas relações consideradas estáveis. Este dado já foi evidenciado
por vários estudos, como os de Giacomozzi e Camargo (2004, p. 42), segundo os
quais,
[...] para as mulheres que mantêm relacionamentos estáveis, a confiança é a certeza de que seus maridos não as traem e de que não as contaminarão com nenhuma doença sexualmente transmissível, portanto é desnecessário o uso de preservativos em um casamento confiável.
Os relatos a seguir são de duas mulheres que tiveram seus diagnósticos
revelados durante a gravidez:
[...] eu descobri na gravidez [...] já de quatro meses [...] tomei o AZT até a hora que ela nasceu, porque o parto é tudo diferente de um parto normal. Começa por aí: você sabe que você tem, aí começa a guerra psicológica com você [...] aí na mesa eu já passei muito medo, eu passei mal porque eu não ouvi minha filha chorar (Pandora).
[...] eu achava, que nem eu falei pro médico[...] ,eu vou morrer [...] eu não morri porque eu tinha uma criança na barriga, então não tinha como se matar. A vontade era de matar ele, era mandar ele embora, sei lá [...] (Réia).
62
O primeiro discurso deixa clara a fragilidade do sistema de saúde brasileiro,
quando a entrevistada demonstra não ter sido apoiada ou orientada pelos profissionais
de assistência ao pré-natal e parto sobre as condições em que este ocorreria,
destacando-se o fato de o parto ser como outro qualquer, onde se tomariam os
cuidados alusivos à prevenção de infecção, sendo a mulher soropositiva ou não. Além
disso, demonstra um grande esforço do sistema em resolver a problemática biológica
da infecção, o que é muito louvável, mas deixa transparecer a sua ineficiência em dar
suporte às questões psicológicas das portadoras.
[...] aquela parafernália toda, aí você toma o AZT injetável, como um soro, fica tomando até que o cordão umbilical seja cortado para que não haja risco maior para o seu filho [...] porque quando o bebê nasce eles não podem deixar você como num parto em condição normal, que você fica deitada com o bebê; não, eles pegam a criança e – “oh, seu filho nasceu” e já correm; e aquele tempo você fica ali preocupada, porque quanto mais tempo o bebê tiver contato com o sangue da mãe, mais essa criança tem risco. Eu não entendia isso na época, porque ninguém me explicou [...] (Pandora).
A segunda fala de Pandora e a de Réia, entre outras coisas, demonstram o
medo, a ansiedade e o desconhecimento em relação ao que estava acontecendo,
denotando a fragilidade emocional em que se encontravam essas mulheres, exigindo
do serviço suporte psicológico e social para o enfrentamento de sua nova condição.
Esse medo da morte é, na verdade, um medo pelos seus filhos, de não poder criá-los,
vê-los crescer, como veremos adiante.
Os motivos que levaram essas mulheres a procurar os serviços de saúde para o
seu diagnóstico não foram, em momento algum, motivos de prevenção ou promoção à
saúde. Verificamos que todas se descobriram contaminadas após algum evento que as
levou ao diagnóstico - nestes casos, gravidez e adoecimento dos maridos. Tais dados
são corroborados por Silva (2007), que em estudo realizado no município de Campo
Mourão, demonstrou que a maioria dos pacientes estudados somente procurou o
serviço após o aparecimento de sintomas. . Esses dados nos mostram que, embora o
fenômeno da infecção esteja comprovadamente crescente na população feminina,
nenhuma estratégia de enfrentamento tem sido efetivada nesta direção, o que nos
proporciona diagnósticos tardios, diminuição do tempo de sobrevida e aumento dos
riscos de infecção vertical. Considerando-se que, na atualidade, muitas famílias têm na
63
figura materna a responsabilidade financeira e psicológica, esta questão se torna ainda
mais delicada.
O diagnóstico do HIV não trouxe para essas mulheres apenas a presença de
uma doença: ele representou uma mudança radical no movimento de suas vidas,
destruindo sonhos, representando a morte e os medos conscientes e inconscientes de
cada uma delas, a exclusão, a vergonha, para algumas a destruição da própria vida.
Sobre isso, Selli e Chechin (2005 p. 358) afirmam com muita propriedade que “estas
mulheres, além de se sentiresm amedrontadas pelo olhar do outro – família,
companheiro, amigos, sociedade - carregam uma outra “dor”, que vem do olhar de si
para si”.
4.3.1.2 Negar a doença: uma forma de se autoproteger
De acordo com Taylor (1992), processos defensivos específicos são
empregados na busca de resolução de conflitos emocionais e libertação da ansiedade.
A autora denomina de mecanismos mentais os padrões de pensamento e
comportamento usados para proteger o indivíduo de aspectos ameaçadores de seu
ambiente ou de seus próprios sentimentos de ansiedade.
Os mecanismos de defesa do ego constituem um dos tipos de mecanismo
mental habitualmente usados quando o indivíduo, inconscientemente, experimenta um
conflito básico entre os impulsos do id e as demandas do superego (TAYLOR, 1992, p.
149). Estes mecanismos, estudados e identificados por Sigmund Freud, são vários:
compensação, deslocamento, negação, fixação, sublimação, formação reativa,
identificação, introjeção, anulação, isolamento, racionalização, repressão, regressão,
projeção, simbolização e condensação, conversão. Aqui serão discutidos apenas
aqules identificados em algumas entrevistas.
A negação é a adaptação seguidamente empregada para a defesa de uma forte
ansiedade (TAYLOR, 1992, p. 151). A capacidade de negar alguns fatos da realidade
que parecem desagradáveis e ferem o ego frágil, diminuto ou de pouca elasticidade, é a
contrapartida da realização alucinatória dos desejos. O maior de todos esses desejos
seria a inexistência da doença, seguida, talvez, da não-contaminação pelo parceiro, que
traz implícita a destruição da confiança e torna pública a infidelidade. Os discursos de
64
negação aparecem de várias formas, denotando a dificuldade das mulheres e de seus
significantes em enfrentar a soropositividade e suas conseqüências.
[...] são coisas que eu procuro apagar da minha vida [...] (Hera).
[...] a minha família não sabe, eu escondo o máximo que eu posso [...] porque se eu contar pra minha mãe ela vai sofrer, vai sentir o mesmo que eu senti; se eu contar pro pai então [...] Deus o livre [...] tenho um irmão também, mas eu não conto, nego. Já ligaram, passaram telefonema anônimo pra mãe, aí eu falei pra mãe: “Mãe, é mentira, não tenho nada, isso não existe [...] eu não gosto muito de conversa sobre isso [...] Deus que me perdoe, mas eu morro negando. È mentira [...] é mentira [...] (Réia).
[...] a minha família nem nunca tocô nesse assunto, meus filhos sabe pelos outros, nós nunca conversamos sobre isso [...] nunca tocaram no assunto [...] mas assim, não toco em assunto de doença [...] eu tenho certeza, eles (os filhos) têm tudo da certeza [...] mas nunca falou: “Mãe a senhora tem isso?” Se eles perguntá eu falo [...] (Vênus).
Nos discursos destas três mulheres a negação assume formas distintas. No caso
de Hera aparece sob a forma de autoproteção: à medida que eu faço de conta que uma
coisa não existe, ela deixa de me machucar tanto. Para Taylor (1992), os sentimentos
negados podem ser pensamentos, desejos, necessidades ou fatores da realidade
externa.
Réia vive uma vida dupla com a família e a sociedade, demonstrando a negação
do diagnóstico. A fala dela demonstra preocupação e proteção aos pais, mas
inconscientemente ela faz isso para se proteger. A negação, provavelmente, é o
mecanismo de defesa do ego mais simples e direto, pois alguém simplesmente se
recusa a aceitar a existência de uma situação penosa demais para ser tolerada
(TAYLOR, 1992).
No caso de Vênus, a doença aparece sempre de forma velada, e mesmo
quando se refere à Aids, ela nunca usa o nome, e sim, “aquela doença”. Parece que o
fato de mencionar o termo Aids é quase insuportável para ela, e a família reage na
mesma intensidade e da mesma forma, havendo, assim, um pacto de silêncio,
consciente ou inconsciente.
Com exceção de uma entrevistada, todas afirmaram levar vida normal, não
pensando diariamente na doença ou mesmo procurando não pensar em suas
65
conseqüências. Esta é a forma de enfrentamento mais comum identificada nas
entrevistas, e está presente na fala de todas as entrevistadas.
[...] a minha vida continua a mesma, fiquei três anos afastada do hospital porque eu peguei pneumonia [...]. Não abaixou a resistência [...] foi só pneumonia mesmo [...] A gente tem que encarar a Aids como uma coisa que nós vamos vencer [...] a minha cabeça é levantada pra cima, nunca baixei a cabeça [...] (Aphrodite).
[...] esse assunto eu não converso nem com a família, fica guardadinho lá no cantinho com sete chaves. Só em último caso mesmo [...] (Thebe).
No primeiro discurso Aphrodite afirma ter permanecido afastada do emprego por
uma pneumonia que, pelo que se pode entender, durou três anos, embora ela seja
veemente em afirmar que sua resistência não foi abalada. Esse afastamento pode ter
sido preventivo, ou até mesmo por desconhecimento da perícia, uma vez que ela fez
uso de medicação contra o HIV apenas no período gestacional; mas também pode
indicar uma necessidade de se afirmar como “apenas” portadora, o que faz com que a
Aids permaneça mais distante. A atitude dela também remete a um mecanismo de
defesa: a sublimação.
A sublimação fica evidente quando ela supervaloriza o seu bem-estar, a sua
adaptação à nova condição, já que, de acordo com Cobra (2003), a sublimação
consiste em adotar um comportamento ou um interesse que possa enobrecer
comportamentos instintivos de raiz ética, ou seja, um processo de deslocamento que os
indivíduos utilizam para desviar idéias que os perturbam. Complementando, Taylor
(1992) esclarece que os impulsos conscientes inaceitáveis são desviados para canais
pessoal e socialmente aceitáveis. Durante toda a entrevista a postura de sublimação é
manifestada pela depoente, a ponto de demonstrar empolgação quando fala de seu
enfrentamento da situação, enaltecendo seu enorme potencial de positividade, de
otimismo.
No caso de Thebe, a negação é o mecanismo mais evidente. Ela tem medo que
seus filhos venham a saber de seu diagnóstico, e não gosta de falar no assunto nem
com a família, pois quando fala, entristece e chora. Como sua filha mais velha é
adolescente, Thebe tem muito medo de perder seu amor e seu respeito caso ela venha
a saber.
66
4.3.1.3 De repente... a depressão: o sofrimento é revelado em forma de doença
De acordo com Bahls (2001), a depressão é o mais comum dos transtornos de
humor, e traz sofrimento e limitações significativas aos portadores e suas famílias,
sendo a principal causa de suicídios. O autor salienta ainda que existe uma
generalidade de conceitos em relação à depressão, o que, em associação com o
estigma e o preconceito, costuma criar concepções equivocadas sobre ela. Uma delas
é que a depressão não é uma doença, e sim, uma fraqueza de caráter que pode ser
superada através de esforço.
Para se ter uma idéia de onde vem a dificuldade de aceitação da depressão e
dos transtornos psiquiátricos, por parte tanto dos portadores quanto de seus familiares,
encontramos nos estudos de Sthal (1998) que são várias as concepções da população
geral sobre os transtornos mentais: 71% das pessoas entrevistadas consideram que
eles são conseqüência de fraqueza emocional, 65% acreditam serem causados por
más influências dos pais, 45% consideram que a culpa é da vítima, podendo ser
superados pela força de vontade, 43% acreditam que eles são incuráveis, 35% os
consideram resultantes de comportamentos pecaminosos e 10% acham que eles têm
base biológica.
Decorre deste equívoco de conceitos popularmente difundidos a grande
dificuldade das pessoas em procurar ajuda psiquiátrica quando dela necessitam.
Popularmente, as pessoas acreditam que só os loucos necessitam de cuidados
psiquiátricos. O grande estigma que envolve esta questão fica exacerbado quando
acrescido do componente HIV/Aids, por isso muitas vezes, por preconceito, os
portadores de Aids não buscam tratamento psiquiátrico. Essa dupla exclusão foi
relatada por Lisboa (2003), que, retratando a esquizofrenia e soropositividade para o
HIV, apresenta bem a questão duplamente estigmatizadora em um relato de um familiar
do sujeito estudado: “além de ter uma doença de puta, ainda por cima é louca”
(LISBOA, 2003, p. 4). Essas são questões extremamente delicadas para o cotidiano
dessas mulheres, que se vêem impelidas a enfrentar tais situações em um momento de
grande fragilidade.
Embora a negação apareça como a reação inicial de muitas das mulheres
estudadas, em seguida algumas delas passaram por um período de depressão
bastante acentuado Este resultado não encontrado em todas as entrevistadas, mas na
67
metade delas (04). A tristeza que toma conta dessas mulheres logo após a necessidade
de enfrentamento do diagnóstico é muito bem relatada por elas. O sentimento de
solidão, o medo, o desespero e a certeza da morte iminente são elementos que
agravam o estado psicológico de qualquer pessoa, e muitas delas necessitaram de
tratamento psiquiátrico e psicológico. Sobre isso, Veras e Petracco (2007) reforçam que
qualquer notícia de doença gera um processo de luto, que, no caso das pacientes HIV,
vai além do luto pela perda de um objeto concreto - a saúde – ou seja, seu sofrimento
não tem forma, é como se para elas a vida tivesse perdido o sentido.
[...] aí entrei com remédio para depressão [...] fui pra psicóloga, não conseguia trabalhar [...] eu chegava na escola e chorava, chorava dia e noite [...] (Thebe).
[...] quando eu vi enterrando [...] aí sim caiu minha ficha, aí entrei em depressão. Aí eu vi que ele morreu, que eu tava com aquilo, aí entrei em depressão e fiquei um ano [...] parei de trabalhar por causa da depressão [...] (Hera).
Das quatro entrevistadas que citaram a depressão como um de seus sintomas
primários mais fortes, apenas uma não iniciou tratamento imediato, as demais relatam
ter necessitado de acompanhamento médico e psicológico.
Thebe permanecia sob acompanhamento psicológico até alguns dias antes da
entrevista, tendo citado que efetuou todo o tratamento no CISA e que esse tratamento
foi de grande valia para sua recuperação. Citou ainda o uso de medicação
antidepressiva, que seria mantida ainda por um longo período.
No caso de Hera, a depressão se manifestou após a morte do marido. Ela relata
ter ficado em depressão por mais de um ano, ter tido pensamentos suicidas por
diversas vezes e ter se recuperado após tratamento psiquiátrico.
Essas informações vêm reforçar a necessidade da organização da terapêutica
de saúde mental de forma integralizada, de modo a garantir a portadores e do HIV/Aids
e fgamiliares o acesso aos mecanismos de prevenção, proteção e recuperação.
Considero ainda o transtorno mental como fator de vulnerabilidade à Aids, pois de
acordo com o enfoque de Lisboa (2003), é duplamente desafiador manter, qualificar e
ampliar as ações de prevenção ao HIV, se considerarmos que os portadores de
sofrimento psíquico encontram-se em especial vulnerabilidade diante da epidemia de
Aids. É ainda imprescindível pensarmos no contrário: a Aids como fator desencadeante
68
do transtorno mental, pois, como pôde ser observado nos depoimentos, 50% das
mulheres estudadas estão em tratamento psiquiátrico. Sobre isso, cabe retomar os
estudos de Veras e Petracco (2007), segundo os quais o corpo aparece como o lugar
que expressa as angústias e o sofrimento do ser humano.
Outro aspecto observado nas entrevistas diz respeito ao potencial gerador e
desencadeante do transtorno mental que determinadas situações detêm. De acordo
com o relato de Réia, enquanto seu marido era vivo ela sofria muito de depressão,
enxaqueca e doenças nervosas. Isso acontecia pelo fato de que ele não aceitava o
tratamento anti-HIV, era alcoólico e agressivo, não concordava com o uso do
preservativo, chegava em casa sempre de madrugada e alcoolizado.
[...] primeiro eu era muito nervosa, porque eu tomava remédio e ele não tomava [...] tomava remédio pra dormir, pra depressão; tinha problema de estômago; sofri quatro anos com dor de cabeça [...] eu ficava muito nervosa [...] (Réia).
Ela relata ter se curado da depressão após a morte do marido, pois segundo ela,
o fato de ele não se tratar e de ser alcoólico gerava nela um grande estresse. A
presença de um fator desencadeante pode ser mantenedora de uma condição
desfavorável de saúde, mas neste caso, a história de Réia nos mostra que ela adquiriu
alegria de viver depois de ter sido desobrigada de uma convivência que muita dor lhe
causava.
[...] agora vem a parte boa, minha vida mudou. Mudou por causa do seguinte: dava meia-noite, uma hora e o marido não aparecia, é claro que toda mulher fica nervosa[...] Depois que ele morreu eu sou feliz, eu não tenho mais problemas, eu não tenho nada [...] eu sempre tô boa, vou vivendo com o meu filho [...] eu precisei enterrar pra ficar de bem com a vida [...] (Réia).
Um fator observado foi que as mulheres que relataram maior sofrimento com a
depressão são aquelas que possuem diagnóstico há menos tempo, o que pode nos
levar a inferir que com o passar do tempo elas tendem a fazer um enfrentamento
melhor da doença e, conseqüentemente, sofrem menos. A presença dos sintomas logo
após o diagnóstico pode estar relacionada com o trauma da descoberta, associado
com a mágoa da traição e a desconstrução do castelo de emoções, o casamento.
O fato de três das mulheres que apresentaram depressão terem tido acesso ao
diagnóstico precoce e tratamento demonstra que o serviço de reabilitação psicológica
69
está mais bem-estruturado que o de prevenção. Este já é um bom começo, pois no
Brasil os serviços de saúde mental encontram-se em fase de organização e
estruturação, com a instalação dos CAPS e da nova política de saúde mental. É
necessário ressaltar que os centros de atendimento aos portadores do HIV/Aids
contemplam em suas equipes de atendimento o profissional psicólogo, mas de forma
centralizada e com acesso ainda dificultado pela grande demanda, o que inviabiliza os
trabalhos de prevenção nas unidades básicas de saúde (UBSs) que ainda não contam
com esse profissional. O que acontece freqüentemente nas UBSs é que o
encaminhamento só é feito quando há solicitação do paciente ou indicação médica para
tratamento, nunca em caráter preventivo.
4.3.1.4 Estou infectada, e agora?: a vida após o diagnóstico
Depois da constatação do diagnóstico, essas mulheres empreenderam o desafio
de viver sob um novo paradigma. As mudanças são tantas que muitas delas viram sua
vida tomar rumos jamais imaginados. A necessidade de reestruturação, de assunção de
novos papéis, é imperativa. Ao mesmo tempo, a identidade construída ao longo de toda
uma vida pode ser destruída quando se opta por assumir a soropositividade, o que leva
muitas mulheres a preferir o anonimato ou, ao contrário, a se envolverem em trabalhos
de organizações não governamentais e na luta pelo respeito à sua cidadania.
[...] demos uma palestra lá, era pra eu falar meia hora, falei uma hora e o povo gostou, o povo aplaudiu e ganhei presente [...] Eu não escondo de ninguém, porque isso acontece nas melhores famílias [...] (Aphrodite).
[...] eu passei pra outros projetos [...] tinha um sonho de ser advogada, deixei passar [...] agora eu tô entrando na ONG, mexendo com a coordenação das mulheres [...] (Pandora).
A fala de Aphrodite evidencia certo orgulho, o fato de ser portadora confere a ela
uma autoridade, uma mais-valia perante a sociedade que ela não possuía; assumir sua
soropositividade passou a ser um diferencial na sua vida. Pandora viu o curso de sua
vida mudar, seus sonhos se esmaecerem, ela precisou dar um novo sentido á sua vida.
70
Mas analisando outro discurso de sua autoria, podemos observar o sofrimento que esta
mudança ocasionou:
[...] a minha vida mudou de cabeça pra baixo, porque eu era uma pessoa feliz, de repente, mudou tudo [...] Você vive com uma bomba-relógio dentro de você, qualquer hora ela pode explodir. E você não sabe o que vai ser o amanhã [...] a gente vive um dia de cada vez [...] aí você olha para sua filha e pensa: será que eu vou estar aqui quando ela tiver 15 anos (chorando)? (Pandora).
O discurso de Pandora pode ser dividido em três partes.
A primeira parte é uma alusão ao seu passado feliz, e denota que, em situações
de grande sofrimento emocional, o apego ao passado é uma estratégia de
sobrevivência. Neste contexto, estudos como os de Carvalho e Piccinini (2006)
demonstram que a soropositividade surge como o fator mais difícil a ser enfrentado,
vivenciado como um castigo a comportamentos condenáveis somado a diversos tipos
de preconceito.
A segunda parte, quando Pandora fala em viver com uma bomba, declara a
ambivalência da doença: embora haja um esforço diário para manter seu cotidiano, a
incerteza da doença é uma ameaça constante. Este viver com uma bomba nos
referencia as questões ligadas à morte que fazem parte do imaginário das portadoras
do HIV. Sobre isso, convém buscar ensinamento em Freud (1988, p. 327), que em seu
texto sobre a morte nos diz: “ É impossível imaginar nossa própria morte, e sempre que
tentamos fazê-lo, podemos perceber que ainda estamos presentes como
espectadores”.
Na terceira parte do discurso verifiquei a preocupação destas mulheres: o medo
da ausência na vida dos filhos. Sobre isso, Saldanha (2003) observou em seus estudos
que a partir da realidade soropositiva os planos, para muitas destas mulheres, passam
a existir em função dos filhos. A autora encontrou também em seus estudos que a
maioria das mulheres sofrem em pensar que não ver seus filhos crescerem.
Apesar das dificuldades, todas as mulheres entrevistadas mantêm o curso de
sua vida, às vezes com mais às vezes com menos sofrimento, e buscam encontrar
novos rumos para viver melhor, oportunidade que algumas delas encontram na ONG.
É perceptível o dano que a soropositividade trouxe para seus relacionamentos, para
suas vidas; mas também aparece com muita força a fibra e a luta empreendida
diariamente para manter certa normalidade em seu dia-a-dia.
71
4.3.1.5 O amor e a sexualidade: o caminho para contrair HIV/Aids
A sexualidade é uma dimensão da vida que sabemos ser profundamente
determinada pelo contexto sociocultural em que acontece (PARKER; GALVÃO, 1996),
diretamente influenciada pelas relações de gênero, que muitas vezes impõem à mulher
uma condição inferior dentro do relacionamento. Embora muitas mudanças estejam em
curso, a base dos relacionamentos afetivos femininos ainda é o amor romântico, que
traz o ato sexual como uma conseqüência. Sendo assim, Fernandes (1997) acredita
que a vulnerabilidade das mulheres ao HIV é decorrente não só da subordinação de
sua sexualidade ao desejo masculino, mas também de sua própria vivência cotidiana
modelada na experiência do amor romântico.
De acordo com o que pudemos observar, a maioria das entrevistadas
permanece exercendo plenamente sua sexualidade, a despeito de dificuldades e
traumas que o advento da doença possa ter causado. Elas relatam que inicialmente o
conhecimento do diagnóstico ofuscou um pouco a sua sexualidade, mas com a
adaptação às novas condições e o uso constante de preservativo, todas elas se
mantêm sexualmente ativas.
A necessidade de reconstrução da vida afetiva as leva a buscar novos parceiros.
É curioso, nos relatos,que, enquanto algumas afirmam buscar homens na mesma
condição de soropositividade, outras procuram por pessoas que possam aceitá-las e
amá-las mesmo na condição de portadoras.
[...] quero casar de novo (rindo), Deus vai preparar um homem que vai me aceitar, vai aceitar meus filhos. Já tem um meio encaminhado [...], não é portador, é crente também [...] conhece a minha vida. É uma benção [...] (Aphrodite).
[...] já tinha uns cinco ou seis ano e eu não tinha morrido[...]eu ajoelhava e pedia pra Deus pra ele mandar um portador pra mim, porque era muita solidão [...] Aí eu arrumei um portador [...] Fiquei com ele um ano e ele morreu [...] Agora eu tô com outro já faz quatro anos [...] (Hera).
Assim, parece que buscar por um companheiro que compartilhe a mesma
vivência é tentar reduzir o risco de rejeição e sofrimento, ainda que essa busca possa
resultar em dor, com o surgimento dos sintomas ou a morte dessa pessoa. Em
72
contrapartida, o encontro com um homem sorodiscordante pode não ser conseqüência
de uma busca nesse sentido, mas sim, de uma relação madura com pessoas cujo
preconceito já esteja domado, na qual o amor seja mais forte do que o estigma.
Paiva (2003), em discussão sobre a emancipação psicossocial de portadores de
HIV/Aids, ressalta que muitas mulheres, depois do diagnóstico, abrem mão de sua vida
sexual, com medo de infectar ou de ser abandonadas por futuros parceiros. É o caso de
Vênus, que se sentiu tão traída que tem medo de se relacionar novamente, de ser
magoada, por isso mantém relacionamentos esporádicos e casuais.
[...] namorar não [...] não [...] pra mim ter um homem morando comigo, jamais, não eu não quero (Vênus).
Os aspectos relativos à sexualidade do portador do HIV são muito pouco
explorados pela literatura. É importante considerarmos que somos seres sexuados
desde a infância até a morte, e que o fato de se contrair uma doença aguda ou crônica
não diminui em nossas vidas a importância da sexualidade. No que tange à Aids,
encontram-se muitos estudos quantitativos que fazem referência ao potencial infectivo
da atividade sexual e aos riscos biológicos na cadeia de transmissão da infecção, mas
viver a sexualidade sendo portadora de uma doença tão intimamente ligada ao sexo é
caso raro.
Uma das questões mais sui-generes da epidemia HIV/Aids é que ela representa
um risco dentro das relações individuais, o que foge ao padrão epidêmico normalmente
deflagrado a partir da coletividade. Neste aspecto, a doença traz muitos agravantes
para a vida das pessoas: torna públicas dificuldades de relacionamento íntimo,
bombardeia a autoconfiança e a confiança no outro, exacerba as diferenças de gênero
e, acima de tudo, destrói o amor romântico, base da maioria dos relacionamentos
matrimoniais.
Muitas entrevistadas referem uma grande dificuldade em manter sua vida
amorosa e sexual logo após a descoberta da doença. Isto, provavelmente, está
relacionado aos seus sentimentos em relação à transmissão da doença, à infidelidade e
mentira, ao descuido do parceiro, entre outros tantos sentimentos que se misturam
dentro desta complexa rede de emoções que caracteriza o ser humano.
[...] me sinto zero, acabou, eu não vou expor e não vou arrumar alguém pra prejudicar também [...] (Thebe).
73
Na minha consciência minha vida sexual tinha acabado [...] (Hera).
[...] ficou uma tragédia, tudo mudou. Eu tinha relações sexuais de manhã, à tarde e à noite, aí já não [...] tinha aquele medo [...] (Pandora).
Além dos aspectos que demonstram o medo e a perda da confiança em si
mesma e no outro, os discursos trazem à discussão o uso do preservativo. Um fator
positivo encontrado nos depoimentos é que a maioria das mulheres aderiu ao uso do
preservativo e pode exercer sua sexualidade livremente, sem medo, optando por contar
ou não ao parceiro sua condição de portadora. Elas estão conscientes de seu papel na
cadeia da infecção, utilizam preservativos invariavelmente e buscam novos
relacionamentos estáveis.
[...] procuro estar de bem com a vida, estar feliz [...] por isso eu saio, vou pra festa e se arrumar um paquera eu fico mesmo [...] paquero, claro que eu não conto, porque daí eu uso a camisinha, a minha consciência tá tranqüila [...] (Réia).
[...] agora pra namorar eu me preparo, me previno [...] uso camisinha sempre (Vênus).
Em contrapartida, os depoimentos revelam também as dificuldades dessas
mulheres de negociar o uso do preservativo.
[...] eu fui num baile e um cara tava a fim; aí eu falei pra ele: ‘cê vai usar camisinha?’ Ele falou: ‘não, eu não tenho nada’. Eu falei: ‘mas eu não sei se eu tenho [...]’ (Vênus).
O depoimento de Vênus demonstra a falta de adesão ao uso do preservativo
mesmo em relações eventuais, o que pode ocorrer pelos mais variados motivos. Isso é
coroborado pelos dados encontrados no estudo de Paiva et al. (2002), que justificaram
o não-uso referindo que o preservativo provoca a perda do desejo pelo sexo, o
esquecimento, a recusa do parceiro ou da parceira a usá-lo e a perda da ereção.
A dificuldade de negociação de uso do preservativo aparece tanto nos
relacionamentos pontuais como nos relacionamentos ditos estáveis, mesmo quando
ambos são portadores.
74
[...] com meu marido eu não usava a camisinha, nem quando descobriu que tava com o vírus. A mulher casada que fala que usa camisinha é mentira, porque o homem ele não aceita [...] meu marido não aceitava de jeito nenhum [...] (Réia).
[...] tem que usar camisinha [...] o marido não quer, eles têm a mentalidade diferente, acha que vai morrer (Pandora).
Este é um fator que deve fazer parte da preocupação profissional na prevenção
da Aids. O preservativo feminino não oferece o conforto e a praticidade desejados, e a
maioria das mulheres não consegue negociar o uso do preservativo masculino nem
mesmo em situações em que a doença já é evidente, o que nos leva a refletir sobre o
grau de dificuldade de adesão ao processo preventivo. Ainda como fator agravante,
pesquisas (GIACOMOZZI; CAMARGO, 2004; SILVA, 2002; SALDANHA, 2003) nos
mostram que a fidelidade e a confiança têm sido amplamente utilizadas como medidas
de proteção, e por serem objeto tão frágil, explica-se o aumento da incidência da
infectividade entre casais monogâmicos.
A soropositividade pode provocar também uma situação de separação do casal.
Em momentos de crise emergem as dificuldades de relacionamento, a fragilização
individual é muito grande, o risco de uma cisão é iminente, pois muitas expectativas
foram frustradas. A admiração, tão necessária para o relacionamento, pode ter
acabado, causando um momento de grande dificuldade para o casal. Entretanto, das
oito entrevistadas, apenas duas não permaneceram com seus parceiros e com apenas
uma delas isso ocorreu em função da descoberta da soropositividade. Isso nos leva a
inferir que, apesar da crise, a separação pode ou não acontecer, e quando acontece,
não é imediatamente após a revelação do diagnóstico.
A Aids, apesar da face cruel, não matou nas mulheres pesquisadas o desejo de
viver o amor e a sexualidade, o que sinaliza um movimento em direção ao viver pleno e
sem medo, sem se deter na dor, ultrapassando limites e retirando da vida aquilo que ela
permite: o viver.
Elas revelam que desejam construir novos relacionamentos, baseados na
sinceridade, mesmo que só para elas, sem repetir aquilo que sofreram, que viveram em
outros relacionamentos, respeitando e cuidando do outro, amando.
75
4.3.1.6 Vivendo com Aids: o confronto com a realidade
A partir da constatação do diagnóstico, o confronto com a realidade torna-se
imperativo. Não se trata de escolha, mas sim, de necessidade. Desta forma esta
subcategoria está implícita em todas as outras, ou seja, nos relacionamentos afetivos
de todas as ordens, na vivência cotidiana, na busca pela qualidade de vida e cidadania,
no trabalho, na comunidade, na religião - enfim, é impossível estar com HIV/Aids e não
fazer o confronto com essa realidade. Ainda que para esse confronto sejam utilizados
os já discutidos mecanismos de defesa do ego, a necessidade de enfrentamento da
realidade está presente.
Analisando os estudos de Silva (1999), que afirma acontecer uma ruptura na
vida das pessoas doentes de Aids, concordamos com a autora, que considera
importante observar, ainda, uma outra dimensão da pessoa com Aids, que a leva a
desenvolver um discurso sobre si mesma e sobre o mundo a seu redor, para assegurar
sua continuidade numa vida que se desenrola do nascimento até a morte. É necessário
que assim seja, pois o cotidiano vai exigir atitudes dessa mulher, que precisa se
posicionar diante da doença, da vida, e determinar seu agir no mundo.
Desta forma, participar em ONGs, dar palestras em estabelecimentos públicos e
privados e a própria adesão ao tratamento são formas de confronto com a realidade.
[...] demos uma palestra lá, era pra eu falar meia hora, falei uma hora e o povo gostou, o povo aplaudiu e ganhei presente [...] Eu não escondo de ninguém, porque isso acontece nas melhores famílias [...] e, eu quero viver pra mim ver eles formado, de terno: ‘Olha, mãe, vencemos [...]’ (Aprhodite).
Quando Aprhodite fez este relato, seus olhos brilhavam, e pude observar
quanto ela se sentiu valorizada. Para que ela pudesse realizar esta palestra, foi
necessário todo um processo de aceitação e naturalização da doença, o que parece
ter sido muito bom para ela. Desta fala pude apreender que, mesmo em situações
muito desfavoráveis, como é o caso de ser soropositiva para o HIV, as pessoas
podem enfrentar a situação crescendo e auxiliando no crescimento de outras
pessoas.
Enfrentar a realidade de positividade ao HIV também pode trazer grande
desconforto e sofrimento, como pode ser observado pelo relato abaixo.
76
[...] eu participo de eventos e uma vez fui pra Foz, foi meu primeiro evento de pessoas vivendo com HIV/Aids [...] eu passei mal, vi pessoas com lipodistrofia, eu fiquei muito mal, impressionada, fui parar no hospital [...] Tipo assim: você vai fazer uma perícia no INSS e as pessoas dizem assim: hoje a Aids tem medicamento, as pessoas vivem bem. A realidade é bem outra, porque os remédios dão muitos efeitos colaterais [...] (Pandora).
No discurso de Pandora aparece quanto esse processo de vivenciar a Aids pode
ser difícil. Embora no momento ela esteja saudável, existe um medo imenso de
adoecer, e ver outras pessoas com o mesmo diagnóstico que o seu a deixou em
pânico. Trata-se de um sofrimento por antecipação. É ver-se no outro, é empatia
baseada em possibilidades reais. Isso foi muito doloroso para ela ,e enquanto falava, a
emoção tomou conta de suas palavras por diversas vezes.
A participação em organizações não governamentais e governamentais tem sido
muito importante para a aceitação e o crescimento pessoal de Pandora. Seus projetos
mudaram de curso, mas ela demonstra estar cada vez mais engajada nas lutas sociais
dos portadores, o que possivelmente trouxe um novo estímulo para sua vida, embora
ela ainda não tenha se dado conta disso, pois sua fala é sempre carregada de muita
amargura e revolta. Isto pôde ser observado durante a entrevista, pois quando ela
falava do trabalho que vem desenvolvendo com as mulheres portadoras do HIV, seus
olhos ganhavam um brilho especial e seu rosto se iluminava. Ela já não era aquela
mulher carregada de amargura e sua vibração era tão contagiante que eu senti desejo
de participar daquele trabalho na ONG. Vendo toda aquela empolgação, perguntei-lhe
se achava que a doença havia lhe trazido algum ganho, e rapidamente seu olhar se
transformou e ela voltou à carga de amargura: “- Não, não me trouxe nada de bom”.
Para outras entrevistadas, como Réia e Thebe, confrontar-se com a realidade
significou vivenciar uma vida de duplicidade, por não se sentirem seguras em
compartilhar seu diagnóstico com as outras pessoas, além de terem que enfrentar
sozinhas o cuidado dos filhos.
Hera e Elara fizeram um confronto interessante da soropositividade: assumiram
sua condição e partiram para viver um novo relacionamento amoroso, além de
partciparem das atividades da ONG. Ceres, por sua vez, que vive uma dura realidade
de extrema pobreza, parece resignada ao fato de ser soropositiva, como se da vida ela
somente pudesse esperar isso.
77
4.3.1.7 Ser mulher e viver em um mundo masculino: uma questão de gênero
[...] é ainda a humildade que surge, o sentimento tenaz e doloroso de uma ilegitimidade original: tem-se realmente o direito de ser, se não se é homem? (MOUGUE apud BERNARDI, 2007).
Parece bastante incoerente que uma mulher que tenha sido infectada pelo vírus
do HIV dentro do seu lar, em um relacionamento em que acreditava estar protegida das
agruras que acontecem fora desse universo por ela considerado sagrado, possa ainda
ser oprimida e subvalorizada por esse “macho”; contudo, as diversidades inerentes ao
comportamento humano e atribuídas às diferenças de gênero podem bem justificar esta
situação. A maior parte das mulheres entrevistadas vive ou viveu um relacionamento
matrimonial no qual o homem é o provedor da família e a mulher é a mãe e esposa
dedicada.
A lei masculina, a religião masculina, a política masculina impõem a submissão da mulher. Para o discurso masculino, a mulher é mais uma instituição que precisa ser organizada por leis e normas de conduta. No entanto, desde sempre, o homem sabe que uma mulher sempre trai as leis de propriedade, as regras de domínio. O assujeitamento da mulher imposto pelo discurso masculino demonstra o terror de que um poder diferente possa gerar o descontrole. Como a mulher pode atuar num mundo masculino de forma não masculina? Como a mulher, que não tem um conjunto de regras produzido por ela para nortear seu funcionamento no mundo, pode impor-se ao conjunto de normas masculinas que define o que é ser mulher? (BERNARDI, 2006, p. 1).
Dentre os discursos das oito entrevistadas, dois chamaram a atenção pela
situação de opressão a que essas mulheres estavam submetidas. Apesar de todo o
processo estabelecido pela revolução sexual advinda com o surgimento da pílula
anticoncepcional e das teorias do movimento hippie no início dos anos 1960, o
preconceito e a inferioridade atribuída ao sexo feminino durante séculos ainda
determinam comportamentos de homens e mulheres.
Essas questões, relativas ao gênero, aparecem de forma imperativa no próximo
discurso, onde fica clara a influência da cultura patriarcal que ainda subjuga e determina
papéis sociais desiguais:
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[...] teve um dia que ele tava bêbado, aí ele me agrediu. Aí eu pensei comigo mesmo: eu tenho que viver com ele, eu preciso dele - que na época eu precisava dele financeiramente. “É desaforo [...] aí eu vou ter que viver” . E vivi [...] ponhei o joelho no chão e acabou [...] (Réia).
Na fala de Réia podemos avaliar quanto pode ser doloroso vivenciar uma
situação de submissão. Esta mulher era freqüentemente ameaçada por seu marido e
manteve este relacionamento até a morte dele, pois não encontrava saída para sua
situação. Culturalmente, às mulheres foi ensinado que o casamento é indissolúvel e que
o papel da mulher é entender e acatar as decisões do marido, e apesar de tudo,
relações desta natureza são comuns em nosso meio.
Relacionamentos assim obscurecem a capacidade de raciocínio, destroem a
auto-imagem e a auto-estima e paralisam as pessoas, que se tornam incapazes de sair
desse continuum: sofrimento – ódio – sofrimento.
De acordo com Diniz (2001), o gênero é um construto social e cultural que
estabelece valores diferenciados para homens e mulheres e a forma como eles se
relacionam na sociedade. Trata-se de um construto que é especifico para cada cultura,
mas que determina diferença nos papéis de homens e mulheres no que tange ao
acesso a recursos produtivos e à autoridade para tomar decisões. A autora acredita
ainda que este poder diferenciado entre os gêneros é o que articula de forma complexa
a vivência da sexualidade. Isto se reflete diretamente nos padrões morais que ditam as
regras sociais e permitem aos homens uma vivência menos conturbada de sua
sexualidade.
Agências como a Organização Mundial de Saúde (OMS) e a Nações Unidas
para o combate da Aids (UNAIDS) têm definido as ações de gênero como
imprescindíveis para a resposta à epidemia de Aids (DINIZ, 2001), por três razões
principais: primeiro pela desigualdade de poder social, econômico e cultural; segundo,
pela carga desproporcional resultante da epidemia que recai sobre as mulheres (são
mais vulneráveis, são as cuidadoras de adultos e crianças quando estes adoecem,
sofrem mais discriminação quando são infectadas), e terceiro, pela evolução
diferenciada da infecção nas mulheres (biológica, assistencial ou pelos vieses
discriminatórios de gênero). A autora salienta ainda que as ações dirigidas às mulheres,
em grande parte, se limitam à prevenção da transmissão da mortalidade perinatal –
tratando a mulher como meio e não como finalidade da assistência.
79
4.3.1.8 De quem é a culpa?: mesmo que seja dele, a culpa é minha...
[...] sabe, assim, a gente também tem culpa de ponhá o marido assim pra fora, igual quando ele chegava cansado; assim, você não dava muita atenção. Sempre tem culpa dos dois lados [...] Aí eu falo assim que a mulher tem que ser mulher, amante, entre quatro paredes, fazer tudo o que ele quer na cama. Muitas coisas procura lá fora porque não tem dentro de casa [...] (Elara).
[...] eu errei [...] eu assumi meu erro [...] A base da história dele eu sabia [...] é errado o que ele fez. Ele, sabendo que era portador, por que foi fazer família? Se ele chegasse pra mim e falasse [...] nós não ia fazer filho, nós ia usar preservativo [...] eu hoje não ia ter esse HIV; mas fazê o quê, aconteceu [...] (Aphrodite).
A culpa é um dos sentimentos mais presentes em nossas vidas, As pessoas se
culpam por terem feito coisas das quais se arrependem ou por não terem feito coisas
que julgariam depois necessárias. Culpar o outro por nossos fracassos é uma forma de
dirimir nossa responsabilidade pelo erro, principalmente por ser o HIV um vírus
transmissível pessoa a pessoa e de conseqüências tão devastadoras para a vida.
Desde o surgimento dos primeiros casos de Aids a sociedade buscou um culpado:
primeiro foi a promiscuidade homossexual, em seguida os comportamentos de risco
das pessoas. Esse padrão tem sido incorporado especialmente pela mídia, e até
mesmo as políticas públicas de saúde têm sido questionadas por algumas ações de
culpabilização dos portadores.
Elara, além de chamar a si mesma a culpa da contaminação, exacerba
questões historicamente construídas de gênero. Em seu discurso a culpa não é
atribuída apenas a ela, mas a todas as mulheres que não possuem o comportamento
socialmente determinado para elas enquanto esposas: satisfazer sexualmente o
marido, a qualquer custo.
Aphrodite agrega certo conformismo à sua fala, o que mostra quanto a mulher
ainda é passiva em seu próprio processo de autocuidado, remetendo à prática
disseminada entre nós, de não-utilização do preservativo por parte de casais que se
consideram possuidores de relacionamentos estáveis.
[...] e uma que ele foi safado comigo, né? Fiquei com mágoa [...] não confia e não acredita, todo homem casado vai fazer um dia [...] (Vênus).
80
[...] ainda mais o Cravo (filho), que vai saber que o culpado de tudo isso é o pai dele [...] Prefiro eu sofrer do expor eles (filhos). Nem eu num gosto de me expor [...] (Thebe).
[...] ficô aquela relação assim que o culpado era ele e que eu ia morrer por culpa dele [...] (Réia).
O rancor e a culpabilização do parceiro são sentimentos comuns em muitos
discursos, como é possível observar nos discursos de Thebe e Réia, e podem dificultar
os relacionamentos familiares. Por trás da culpa podem estar presentes sentimentos
como a raiva, o desprezo e outros, que podem ser responsáveis por brigas e
desentendimentos entre os casais.
No caso de Vênus, ela foi muito enfática em questionar as relações
supostamente protegidas pela confiança, sendo fatalista em sua afirmação sobre a
traição masculina. É interessante observar que nesse universo a possibilidade de o
homem ser contaminado pela mulher é praticamente inexistente, ou seja, para Vênus a
possibilidade de uma mulher casada infectar seu parceiro parece não existir. Para ela,
ao homem é atribuída sempre a condição de infiel em uma relação. Esse discurso é
muito rico, e dele pode ser subtraída uma gama de sentimentos em relação ao parceiro.
Essa mulher perdeu totalmente a capacidade de confiar no sexo masculino, mesmo
porque seu parceiro de 11 anos sabia-se portador, nunca utilizou medidas de proteção
e jamais contou a ela sobre sua doença.
4.3.2 Ter Aids e não estar só: o papel da rede social para o portador
Denomina-se rede social ou rede de apoio o grupo de pessoas que, tendo
conhecimento do diagnóstico, serve de referência para o enfrentamento cotidiano do
viver com Aids, como, por exemplo, os serviços de referência à saúde, a família, as
organizações religiosas e sociais e organizações não governamentais. Conforme Chor
et al. (2001), as redes (networks) são definidas como “teias” de relações sociais que
circundam o indivíduo e suas características, como, por exemplo, disponibilidade e
freqüência de contato com amigos e parentes; ou como os grupos de pessoas com
quem há contato ou alguma forma de participação social (por exemplo, grupos
81
religiosos, associações sindicais) (BERKMAN; SYME, 1979; BOWLING apud CHOR et
al., 2001).
Essas “teias” de relações sociais assumem papel fundamental na vida de
pessoas com doenças crônicas, podendo ser decisivas na condução de uma melhor ou
pior qualidade de vida de portadores do HIV/Aids, à medida que podem oferecer
suporte físico e mental, transformando-se em verdadeiras redes de solidariedade. As
associações de caráter voluntário constituem formas de as pessoas se reunirem em
torno de objetivos comuns e cooperarem entre si. Além de envolverem uma relação de
troca, estimulam as ações de cidadania, as obrigações recíprocas e os laços de
dependência mútua. Além disso, a família, as instituições públicas de saúde, bem-estar
social e educação, as organizações religiosas, são elementos que podem contribuir
para estreitar relacionamentos e evitar o isolamento social de portadores do HIV/Aids.
Em seus estudos sobre a importância das redes sociais para a saúde das
pessoas, Chor et al. (2001) encontraram que os mecanismos de ação exercidos pela
rede e apoio social nos sistemas de defesa do organismo humano ainda não foram
elucidados, entretanto, duas hipóteses básicas são apresentadas. Na primeira, atuariam
“tamponando” a resposta do organismo em forma de doença, que pode ocorrer em
conseqüência de grandes perdas ou rupturas emocionais (COHEN; WILLS apud CHOR
et al., 2001, p. 888). Na segunda hipótese, o apoio social poderia reforçar a sensação
de controle sobre a própria vida, o que, por sua vez, implicaria em efeitos positivos
sobre a saúde (RODIN apud CHOR et al., 2001, p. 888).
Um estudo realizado por Ulla e Remor (2002) para avaliar as evidências
empíricas sobre a relação entre sistema imunológico e fatores psicossociais encontrou
que o apoio social, entre outros fatores, atuaria como modulador da resposta de
estresse diante de eventos ameaçadores; assim, fortes redes sociais favoreceriam uma
competência imunitária eficaz e um adequado estado de saúde.
Investigações vêm mostrando que a pobreza de relações sociais constitui fator
de risco à saúde comparável a outros que são comprovadamente nocivos, tais como o
fumo, a pressão arterial elevada, a obesidade e a ausência de atividade física, os quais
acarretam implicações clínicas para saúde pública (BROADHEAD et al. apud
ANDRADE; VAITSMAN, 2002).
Alguns autores (BRONFMAN, 1993; BERKMAN; SYME, 1979) demonstraram a
influência das redes sociais de apoio na redução da mortalidade, o que permite concluir
que, se a rede de apoio influencia taxas de mortalidade, sua ação positiva ou negativa
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sobre a morbidade é semelhante, e em se tratando de doenças crônicas, com alto
potencial desagregador e grande carga discriminatória, como é o caso da Aids, a
influência da rede de apoio pode estar potencializada.
Em contrapartida, o que pode acontecer diante da doença grave é justamente o
afastamento do doente de sua rede social. Andrade e Vaitsman (2002) acreditam que a
condição de enfermidade, por si só, altera as relações sociais da pessoa. Concordamos
com os autores no sentido de que, em face de situações de doença grave, sentimo-nos
impotentes, há uma fragilização que pode modificar o sentido da vida, a capacidade de
resolução de problemas pode estar diminuída e a pessoa pode se sentir menos
estimulada a trocas com seus contatos pessoais. É justamente nesse momento de
maior fragilidade que a presença da rede social de apoio pode ser decisiva na
condução do tratamento e do enfrentamento do HIV/Aids.
Assim, a convivência entre as pessoas pode favorecer o monitoramento da
condição de saúde do portador. Este foi um dado encontrado nos relatos de algumas
das mulheres pesquisadas, as quais afirmaram que o fato de seus familiares estarem
sempre indagando sobre se estavam tomando a medicação e comparecendo às
consultas médicas as fazia sentir-se cuidadas e apoiadas e, conseqüentemente, as
motivava a se cuidar melhor.
Outro aspecto a ser considerado em relação ao apoio social é o conceito de
empowerment, processo pelo qual indivíduos, grupos sociais e organizações passam a
ganhar mais controle sobre seus próprios destinos (VALLA, 1999). O empowerment,
como processo e resultado, é visto como emergente de um processo de ação social no
qual os indivíduos tomam posse de suas próprias vidas pela interação com outros
indivíduos, gerando pensamento crítico em relação à realidade, favorecendo a
construção da capacidade social e pessoal e possibilitando a transformação de relações
de poder. No nível individual, refere-se à habilidade das pessoas em ganhar
conhecimento e controle sobre forças pessoais, sociais, econômicas e políticas para
agir na direção da melhoria de sua situação de vida (ANDRADE; VAITSMAN, 2002, p.
928).
Desta maneira, a interação com uma rede social ampla, que contemple relações
interpessoais de natureza diversa, é fator que certamente beneficiará o portador do HIV/
Aids, e a conscientização desta necessidade pelos profissionais de saúde que prestam
apoio e assistência a essas pessoas é fundamental, no sentido de auxiliar na
construção e manutenção desta rede pelo portador. No contexto dos usuários dos
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serviços de saúde, apreender e estimular o conceito de empowerment é o que
possibilita aos profissionais de saúde estimular os portadores de HIV/Aids a assumir
uma postura mais ativa no tratamento e a responsabilidade por sua própria saúde.
Pôde-se verificar que a rede social construída pelas mulheres pesquisadas é
bem variada e se estabelece de acordo com as escolhas feitas por elas próprias de
revelar ou não seu diagnóstico. O que chama a atenção neste estudo é que as oito
mulheres entrevistadas contam com o apoio da família, apesar de uma delas só ter
revelado para um membro e outra não ter aberto o diagnóstico para a família que a
criou. Ser HIV positiva e não estar sozinha é o que mantém nessas mulheres acesa a
chama de viver, é o que as faz lutar e enfrentar os desafios de viver sob o jugo de
serem portadoras.
A rede de apoio influencia positivamente o portador, principalmente a constituída
pela família.
A família é um ponto de referência na vida de todos os seres humanos. Desde o
nascimento, dentre os filhotes animais, o bebê humano é aquele que por mais tempo
depende de cuidados de seus pais para garantir sua sobrevivência. Além da
dependência biológica, o ser humano possui uma dependência psíquica que nenhum
outro ser vivo possui. Ao longo da vida necessitamos de cuidados físicos e psicológicos,
de ser amados e aprovados, de limites e orientações. Normalmente, é com a família
que compartilhamos as vitórias, é a ela que se recorre nas dificuldades e é dela que se
espera amor incondicional, apesar de isso não ser, na realidade, uma unanimidade
entre todos os seres humanos.
Para Duarte (2001), a família é uma formação humana universal que até os dias
de hoje não encontrou outra capaz de substituí-la. A autora salienta ainda que cada
pessoa, ao longo de sua existência, possuirá várias famílias: a de seus ancestrais, a de
sua infância, a de sua adolescência, a de sua vida adulta e a de sua velhice. Dentro
desta perspectiva, podemos inferir que diante de situações de maior ou menor
complexidade que afetem o cotidiano familiar possa emergir também uma nova família.
As reações do núcleo familiar podem se alterar diante de situações de doença grave, de
morte, de problemas que muitas vezes deixam as pessoas impotentes, trazendo os
conflitos para o centro das relações e fazendo com que se congreguem em torno
dessas situações pessoas importantes, que fortalecem os elos e as fazem sentir-se
como famílias, independentemente dos laços que as unam.
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Inegavelmente, o ser humano tem necessidade de viver vinculado a outros, em
função de sua sociabilidade (DUARTE, 2001). Estar inserido em um grupo é o que nos
caracteriza como seres sociais que dependem de aprovação e aceitação do outro, da
proteção e do carinho, enfim, de fazer parte de uma rede de pessoas que nos amam e
querem nosso bem.
De acordo com Duarte (2001), diante das crises a família cumpre importantes
papéis, como assegurar bem-estar afetivo e material e absorver o impacto das tensões
provocadas pelas crises. Desta forma, a presença do diálogo entre os membros
familiares é o que assegura uma maior ou menor capacidade de resolução dos
problemas. Esta capacidade de diálogo precisa estar acompanhada por um grau de
maturidade dos membros familiares que permita uma maior flexibilidade na aceitação
do outro, minimizando os conflitos e possibilitando um melhor enfrentamento das
situações de crise.
Um aspecto importante a ser considerado quando abordamos questões relativas
à família é que cada uma delas se distingue por um modo exclusivo de viver a diferença
de gênero, de cultura e de relações entre as gerações (PETRINI, 2004). Assim, as
reações diante das situações de grande estresse vão variar dentro de cada núcleo
familiar, de acordo com sua cultura, suas experiências, suas vivências, suas dores e
alegrias, sua mais ou menos forte estrutura. Além disso, os aspectos econômicos,
religiosos e o próprio contexto histórico em que está inserida esta família são fatores
que interferem na dinâmica familiar e no modo como as famílias vão absorver e
administrar as situações de crise; e diante de uma nova crise, uma “nova” família vai
emergir dentro da mesma família, profundamente alterada pela transposição, ou não,
da própria crise.
Os depoimentos a seguir nos mostram o apoio e a aceitação da família como
fator de grande importância para a portadora reunir forças e continuar lutando.
[...] oh! Minha mãe é uma velhinha de 74 anos, pra ela é tudo dez [...] Ela fala pra todo mundo: ‘minha filha tem Aids [...]’. Ela fica muito preocupada [...] ela foi quem mais me ajudou e me acolheu quando eu fiquei sabendo (Elara). [...] o dia que eu contei (família) nós tava de baixo do pé de manga [...] a minha mãe falou: ‘O quê?’ Começou a chorar: ‘Ai meu Deus, o que vai ser dessa criança’ (estava grávida) [...]. Foi a que mais fez escândalo [...] Meus irmãos, não, aceitaram. Foi uma coisa tremenda, foi Deus na nossa vida [...] vão na minha casa, come, dorme, toma banho, ninguém fala ‘a Aphrodite tem Aids’, graças a
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Deus [...] a minha irmã mais velha me dá a maior força, me ajuda [...] (Aphrodite). [...] tudo que eu preciso é minha mãe, meus irmãos todos sabem. Minha família sabe e me apóia [...] todos [...] Meu mundo só gira em torno dos meus filhos, minha família que eu [...] [silêncio...] minha família é tudo [...] (Thebe).
No caso de Elara, ela refere que sua mãe demonstra uma aceitação
excepcional. Além de seu apoio incondicional, ela demonstra ausência total de
preconceito. Isto não quer dizer que a mãe não se preocupe com Elara, ao contrário,
está sempre atenta e próxima da filha, como pode ser constatado no relato quando
enuncia que sua mãe é a pessoa que melhor a acolheu na ocasião da descoberta do
diagnóstico.
Aphrodite tem nos irmãos sua maior fonte de apoio, especialmente em uma das
irmãs, que, segundo ela, lhe presta muita ajuda. Relata que sua mãe inicialmente teve
uma reação de não-aceitação, mas rapidamente tornou-se fonte de amparo, aceitação
e compreensão.
Thebe é quem mais demonstra contar com o apoio familiar. Durante a entrevista
uma de suas irmãs chegou à sua casa, e foi possível observar quanto seus familiares
constituem uma rede imprescindível para ela nesse momento, em que, além da
soropositividade, enfrenta a condição de estar com seu companheiro detido em um
complexo penitenciário distante.
Analisando os três depoimentos acima, podemos inferir que a família, para
essas mulheres, é uma poderosa fonte de suporte nos momentos de crise, o que
corrobora os dados encontrados na literatura (BRONFMAN, 1993; BERKMAN;
SYME, 1979; ANDRADE; WAISTMAN, 2002) arrolados acima.
As pessoas reagem de formas diferenciadas a situações de doença. Algumas
buscam o apoio dentro da família, outras preferem amigos ou se isolam tentando
enfrentar sozinhas. No entanto, a maioria das pessoas estudadas, ao estarem de
posse de um diagnóstico de HIV/Aids, buscaram compartilhá-lo com alguém, sendo
sempre um familiar. Verifiquei que, nos momentos de crise, o apoio, o carinho e
principalmente o acolhimento da família são, para as portadoras, os alicerces mais
importantes e necessários.
[...] aí eu tenho minha irmã, conversei muito [...] e ela me falou que não, que tinha que acontecer e aconteceu [...] Com a minha irmã eu
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tenho apoio, eu contei pra ela porque o desespero era muito grande [...] (Réia).
Ouvindo Réia, percebi quão indispensável é o apoio da família ao portador.
Apesar de ela não querer que sua família saiba de sua condição de portadora, não
conseguiu manter o diagnóstico em segredo total, denotando a grande necessidade
que têm as pessoas de compartilhar com alguém da família suas dores e medos.
Silva (1999), analisando a solidariedade intrafamiliar diante da Aids, encontrou
que a família nuclear, formada por pai, mãe, irmãos e irmãs, revela-se com freqüência
um apoio fundamental na organização da vida cotidiana dos doentes. Observou em
seus estudos que eles podem contar com o apoio familiar no decorrer de toda a sua
doença. A família mantém com eles múltiplas relações: desde o apoio econômico, sob
forma financeira, à provisão de alimento, ao alojamento, até às visitas regulares de
irmãos e irmãs.
[...] eu tenho uma história complicada de família. Minha mãe biológica e meu pai sabem, me apóiam, eles são pessoas muito simples, são do interior [...], só que a minha mãe que me adotou, ela não sabe [...] ela tá na Itália, volta o ano que vem [...] não sei se eu vou ter coragem de conversar com ela sobre isso [...] não sei como é que vai ser [...] (Pandora).
O discurso de Pandora demonstra o auto- e heteropreconceito que o portador de
Aids sofre. Quando ela fala da falta de coragem para compartilhar seu diagnóstico com
a mãe adotiva, demonstra a sua fragilidade e o medo do julgamento que dela pode
receber. Isto leva a inferir que, apesar de conviver e ter sido educada por essa mãe, sua
relação de confiança e afetividade com ela, segundo Pandora, não é tão forte a ponto
de poder encontrar nela o apoio que precisa para sentir-se acolhida na revelação do
diagnóstico.
Durante o período em que estive com essas mulheres pude perceber a
existência de um pacto de silêncio entre elas, seus familiares e amigos. Trata-se de um
pacto velado, que às vezes dificulta o estabelecimento da rede de apoio, já que não
permite naturalizar a doença. É possível observar que muitas entrevistadas não falam
nem sequer o nome Aids e se referem a ela como “aquela doença”. Falar sobre o
HIV/Aids é trazer a doença para o cotidiano, é ter que enfrentá-la no dia-a-dia, é admitir
sua proximidade, é assumir sua vulnerabilidade e buscar estratégias de enfrentamento
para as quais pode não estar preparada psíquica e emocionalmente.
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Eles sabe, mas não toca no assunto [...] Tem uma senhora de sessenta e pocos anos, essa se preocupa comigo [...] tá sempre me perguntando e vindo ver como é que eu tô, se eu tô comendo [...] Igual eu te disse, eu tenho muita sorte, eu tenho muitos amigos [...] me apóiam sem tocar no assunto [...] (Vênus).
[...] quando eu preciso conversar alguma coisa, aí converso com o médico, com as meninas lá do CISA [...] (Thebe).
A opção por compartilhar o diagnóstico com determinadas pessoas também está
presente em alguns discursos. Os sentimentos de empatia, aceitação e identificação
podem influenciar nessa escolha. Nem sempre todos os membros da família
transmitem segurança e aceitação. O medo do preconceito, da rejeição, pode estar por
trás dessas escolhas; ou ainda, a vergonha ou o fato de não querer decepcionar o outro
podem ser determinantes nesta decisão.
[...] meus amigos de antes ninguém sabe [...] apenas uma amiga que me apóia [...] e eu não vejo motivo para querer contar [...]. Isso é um problema meu, pessoal [...] O maior apoio vem da minha mãe biológica, tudo o que eu fizer, tudo o que eu precisar ela tá do meu lado [...] (Pandora).
Uma característica peculiar à Aids é o fato de ela se apresentar inicialmente
como uma doença aguda e, com o sucesso terapêutico estabelecido pela terapia
antiretroviral, ter se tornado uma doença crônica. Isso se reflete diretamente no
comportamento da família, que no início da epidemia via seu significante ser dilapidado
pela Aids em questão de meses, ao passo que hoje precisa aprender a conviver com a
cronicidade de uma doença que, como a lepra nos séculos passados, possui uma
capacidade de exclusão muito forte. Sobre conviver com a doença crônica na familia,
Marcon et al. (2004) observaram que as doenças crônicas apresentam como
peculiaridades marcantes a duração e o risco de complicações, o que exige um rigoroso
esquema de controle e cuidados permanentes, colocando em evidência o papel da
família enquanto cuidadora.
Um fato importante observado foi que a maioria das mulheres falou de suas
mães como fonte importante de apoio. Alguns estudos sobre famílias, dentre eles o de
Silva (1999), assinalam que, pelas regras da solidariedade familiar, os filhos têm a
obrigação ética de cuidar dos pais quando eles ficam idosos ou doentes. Esta regra de
solidariedade entre gerações, segundo a autora, inverte-se no caso dos doentes de
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Aids: os pais idosos, por vezes uma mãe viúva, ocupam-se de seus filhos doentes.
Suas mães os acompanham ao hospital, preparam-lhes as refeições, permanecem
junto deles para lhes fazer companhia. Os pais, principalmente a mãe, são os primeiros
da lista de pessoas que ajudam os doentes. Só quando não têm pais, ou quando estes
não podem assumir sozinhos as despesas cotidianas, é que eles recebem a ajuda de
seus irmãos e irmãs; e somente quando isto não é possível, e quando não têm outra
solução, é que pedem ajuda à assistente social (SILVA, 1999).
Como pode ser observado nos discursos das mulheres e nos estudos
apresentados, a valorização da família por parte do portador de HIV/Aids é evidente.
Carvalho et al. (2007), em estudo sobre resiliência (capacidade de adaptação ou
faculdade de recuperação) e o HIV/Aids, descreve o relacionamento familiar e entre
amigos e a vida social em sua microestrutura como possíveis fontes de apoio emocional
a que um indivíduo pode recorrer em situações de adversidade e que podem contribuir
para o estabelecimento da resiliência .O autor acrescenta ainda que família e os amigos
se constituem em expressivos fatores de proteção àqueles que precisam enfrentar a
infecção. Os relatos a seguir são enfatizadores dos aspectos positivos de apoio,
preocupação e aceitação familiar.
Mãe, a senhora quer que leve a senhora no médico? A senhora tá tomando o remédio da senhora [...]. Eles não são de acusar [...] meus amigos me trata que é uma maravilha, todo mundo, meus vizinhos [...] (Vênus). [...] minha mãe rezava todo dia pra eu casar pra eu ficar aqui em Umuarama [...] ela sempre tá querendo saber se eu tô me cuidando [...] (Elara).
Outro aspecto observado na fala das entrevistadas foi a união da família após a
manifestação da doença. Percebi que o surgimento de uma patologia em alguém da
família possibilitou a união dos familiares, a reflexão da situação acompanhada da
mudança de comportamentos e a valorização da vida, realçando questões ainda não
percebidas. Esse fato foi confirmado por Decesaro (2007), que, ao realizar um estudo
com famílias de pessoas dependentes de cuidados, constatou que diante de problemas
relacionados a doença em família verifica-se a presença da solidariedade orgânica,
forma de interação baseada no afeto existente nas relações de família. Revela a autora
que essa solidariedade evidencia a construção e a manutenção de laços afetivos que
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propiciam a coesão da família, manifestada no compartilhamento de espaços, valores e
idéias. Assim, esses mesmos mecanismos de solidariedade orgânica intrafamiliar
poderiam explicar o funcionamento das famílias em situações de fragilidade que
requerem a superação das diferenças, afim de que um objetivo comum seja alcançado:
o bem-estar dos seus membros.
Em alguns aspectos, viver em família constitui força, garra e vontade de viver.
[...] eu quero trabalhar pra mim vê eles (filhos) assim numa faculdade, né [...] eu quero tá lá na primeira página, coisa linda [...] Então a gente não tem que se abater. HIV é forte, mas nós somos mais forte do que ele [...] (Aphrodite).
Alguns depoimentos mostram essa valorização e os filhos como mola propulsora
e força para a superação das dificuldades.
[...] eu sou muito fechada, eu sou no meu mundo [...] eu aprendi a dar valor na minha vida, nos meus filhos, na minha família, tipo assim, eu tento aproveitar o máximo que eu posso, entendeu? (chorando). Cuidar, ficar junto [...] Carinhosa com as crianças eu sempre fui, mas agora mais ainda, aquele medo de um dia ter que partir e não te feito nada por eles [...] (Thebe).
No depoimento de Thebe fica claro como muitas vezes situações de sofrimento
extremo podem levar o ser humano a um aprendizado e à adoção de comportamentos
que valorizam o outro e a si mesmo. De acordo com o modo como enfrenta os
problemas, pode tirar maiores ou menores proveitos para o crescimento pessoal.
Compreender que a vida é um processo de constante aprendizado, cujo objetivo é
tornar os seres humanos melhores, permite estabelecer relações de riqueza
inestimável, consigo mesmo e com o outro. Podemos inferir que, apesar de todo o
sofrimento, Thebe encontrou forças para mudar sua forma de viver, valorizar a família e
fazer tudo o que talvez possa não vir a fazer no futuro; e com um pensamento de
finitude relata “aquele medo de um dia ter que partir...” demonstrando a necessidade de
viver intensamente o presente ao lado dos que ama.
A fala de Thebe demonstra que estar com Aids faz com que ela antecipe seu
futuro e explicita, claramente, o medo da ausência na vida dos filhos no futuro, uma
total impotência diante dessa possibilidade e, até mesmo, a culpa por ter que morrer
prematuramente e não ter deixado seus filhos “prontos”. Essa é uma reflexão que nos
leva a inferir que o medo da morte é irracional, pois se sabemos que a qualquer
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momento podemos ser ceifados por ela, o que nos faz pensar que somos imortais?
Estar diante de uma doença grave é a concretização da certeza de que somos frágeis
diante da morte e que é preciso não somente viver, mas viver intensamente. Por que a
percepção da morte só nos impele a mudanças quando nos deparamos com ela de
forma mais concreta? Por que a morte só se concretiza com a presença de uma doença
grave?
[...] de primeiro eu não olhava pra ninguém, era só a minha vida, eu não olhava no meu vizinho do lado que tava doente, no outro vizinho, sabe, era só a minha vida. Eu não olhava ninguém, eu tocava a minha vida e acabou. Hoje não, se alguém tiver doente eu vou lá, eu fico mais fora de casa do que dentro. Isso mudou bastante, pra melhor [...] (Elara).
Elara também manifesta mudança de comportamento a partir da experiência.
Podemos inferir que o fato de se sentir só e necessitar de amparo e apoio fez com que
ela desenvolvesse o sentimento de empatia. Além do mais, essa mudança de atitude
lhe possibilitou sentir-se valorizada quando ajuda as outras pessoas. Durante sua
entrevista pude observar que sua atitude é de tentar levar as pessoas que passam por
problemas semelhantes ao seu, conforto, esperança e amor. Parece-me que a
experiência de sofrimento lhe trouxe sabedoria, mostrando a necessidade de
compartilhar a vida com os demais, diferentemente do que fazia antes da doença.
4.3.2.1 Outras fontes de apoio: a comunidade que acolhe
Ainda como aspecto positivo das redes de apoio, podemos considerar os
amigos, a aceitação no trabalho pela chefia, os centros de saúde especializados no
controle da Aids e ainda as organizações religiosas, que possuem papel importante no
acolhimento ao portador.
Inicialmente, a Aids era uma doença devastadora, que ceifava as vidas de seus
portadores em pouquíssimo tempo; hoje, porém, a terapia medicamentosa ampliou a
sobrevida de seus portadores, o que leva as pessoas a uma nova adaptação. Os
familiares e amigos estão aprendendo a conviver com essa doença, que adquiriu
características de uma doença crônica.
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[...] meus amigos me trata que é uma maravilha; meus vizinhos, eles nunca falaram pra mim [...] Eu sô muito de ter pneumonia, minha imunidade cai, eu não agüento levantar, meus vizinhos fazem tudo, trazem as coisinhas pra mim (Vênus).
[...] minhas amigas falam: ‘Você tem que sair, passear [...]’. Aí elas falam assim,: ‘Qualquer hora eu também posso pegar, não tô livre, mas mil vezes o HIV do que um câncer’. Ela fala isso pra mim, daí é onde eu me conformo (Réia).
No depoimento de Réia podemos obsevar a comparação feita por sua amiga
entre o câncer e a Aids como uma constatação desta condição de cronicidade adquirida
pela Aids, e ainda, das mudanças na sintomatologia da doença, que hoje permite ao
seu portador viver por muitos anos sem sintomas. É interessante observar que para
muitas pessoas, atualmente o câncer é uma doença muito mais assustadora do que a
Aids, por ser de uma patologia que não possui um tratamento tão eficaz quanto a Aids,
muitas vezes não tem cura e acarreta ao indivíduo muita dor e sofrimento.
Sob outro aspecto, a presença da soropositividade gera maiores necessidades
de cuidados de saúde a essas pessoas. Há um aumento do número de exames e
consultas e a freqüência em serviços de apoio psicológico; os controles ginecológicos
têm que ser feitos com menor intervalo, enfim, aumentam as necessidades de controles
periódicos da saúde. Isto faz com que o portador tenha que se ausentar do emprego
com maior freqüência, gerando constrangimento na hora de dar explicações para tantas
ausências. É natural que isto cause estranheza aos empregadores, gerando uma
necessidade de compartilhar o diagnóstico com a chefia imediata para justificar as
saídas freqüentes do ambiente de trabalho.
[...] eu falei para a chefia poque eu precisava sair de vez em quando [...] Expliquei o que tava acontecendo, porque interfere, né? Falei pra ela e pro diretor [...] tive o maior apoio [...] ninguém mudou nada. Onde eu encontro ela, ela me dá um abraço um beijo [...] (Thebe).
[...] na época que nós descobrimos eu chamei o administrador, a enfermeira chefe, chamei a psicóloga e a chefe dos serviços gerais [...] sentei e expus o meu problema [...] Eu tive mais apoio, eles me apoiaram [...] eles me deixam aqui (na área administrativa), não porque eles me isolaram, mas pra mim não pegar nada de infecção, porque eles cuidam de mim, pra me proteger [...] (Aphrodite).
92
A aceitação no trabalho demonstra ser de suma importância para que as
portadoras pudessem manter um ritmo de normalidade em seu cotidiano. Dentre as
entrevistadas, duas (Aphrodite e Thebe) mantiveram seus empregos após a revelação
do diagnóstico. Ambas foram acolhidas e dizem não sentir nenhum tipo de rejeição por
parte de seus superiores até os dias atuais. Quanto à aceitação pelos colegas de
trabalho, uma delas não revelou e a outra, na revelação sofreu inicialmente algumas
rejeições, o que será discutido posteriormente.
Em relação aos serviços de saúde, algumas entrevistadas referem ser muito
bem acolhidas pelo CISA. Uma delas ainda compara o atendimento recebido no Paraná
com o que o marido recebe na penitenciária em São Paulo:
[...] eu aqui qualquer coisa que eu preciso eu subo lá no CISA, eles me explica, se precisar ir ao médico rapidinho elas já arrumam (as funcionárias), já encaixa, o Dr. já explica tudo, passa o remédio pelo CISA. Lá ( no presídio onde está o marido), já é mais difícil, também o lugar já não ajuda [...] (Thebe).
A organização dos centros de atendimento aos portadores de HIV/Aids é
fundamental para a qualidade de vida dessas pessoas. O vínculo criado entre
servidores e pacientes promove a inclusão, facilita o acesso, garante ao portador uma
referência especializada e preparada para responder ás suas demandas.
Carvalho et al. (2007) apontam os centros de saúde disponíveis na rede pública
como fator de proteção aos indivíduos para a vida em sociedade. De acordo com os
autores, o Brasil tem sido um país-modelo na luta contra a Aids, com o oferecimento de
tratamento gratuito na sua rede de saúde. Destacam ainda a disponibilidade dos
centros de referência no atendimento à infecção e à Aids, tanto para diagnóstico como
para tratamento, com distribuição gratuita de medicamentos anti-retrovirais. Para os
autores, mesmo que a situação não seja a ideal, o serviço prestado é de boa qualidade,
sendo um modelo de atendimento internacionalmente reconhecido. Reforçam ainda que
a legislação brasileira prevê a proteção ao indivíduo portador do vírus, dando direito à
privacidade quanto ao diagnóstico, proibindo a exigência de testes de HIV para
admissão em empregos, bem como a demissão por causa da soropositividade.
Carvalho et al. (2007) atribuem esses avanços na legislação a uma ação forte de
organizações não governamentais (ONGs) que, desde o início da epidemia, se mantêm
ativas, no intuito de proteger a saúde e a cidadania dos portadores do HIV/Aids.
93
4.3.2.2 A rede de apoio influenciando negativamente a vida do portador: estigma, discriminação e preconceito
O estigma e a discriminação são processos de desvalorização dos sujeitos, que produzem iniqüidades sociais e reforçam aquelas já existentes. Viver livre do estigma e de qualquer tipo de discriminação é um direito humano básico e que deve ser respeitado. Ser portador do HIV/Aids não pode e não deve ser motivo para desrespeitar esse direito (AYRES; FRANÇA JÚNIOR; PAIVA, 2006, p. 1).
As marcas negativas que nos são impostas ao longo da vida nos causam
sempre desconforto e sofrimento, são bordões repetidos tantas vezes que acabamos
muitas vezes por acreditar neles. São referências sempre aos aspectos negativos de
nossa aparência ou personalidade, com um intuito geralmente negativo. Rangel (2004)
afirma que o estigma é uma marca, um rótulo que se atribui a pessoas com certos
atributos que se incluem em determinadas classes ou categorias diversas, porém
comuns na perspectiva de desqualificação social. A autora ainda acrescenta que a
rotulação do estigma decorre de idéias pré-concebidas, cristalizadas e consolidadas no
pensamento, ou seja, decorrem dos preconceitos.
De acordo com Ayres, França Júnior e Paiva (2006), o estigma pode ser dividido
em duas categorias inter-relacionadas: o estigma sentido e o estigma sofrido. Estigma
sentido é a percepção de depreciação e/ou exclusão por parte do indivíduo portador de
alguma característica ou condição socialmente desvalorizada, o que acarreta
sentimentos prejudiciais como vergonha, medo, ansiedade, depressão. Por estigma
sofrido nos referimos às ações, atitudes ou omissões concretas que provocam danos ou
limitam benefícios às pessoas estigmatizadas. Em poucas palavras, o estigma sofrido é
a discriminação negativa, caracterizada como crime no plano jurídico nacional e
internacional.
Durante este estudo esta categoria foi uma das mais citadas, incluindo
depoimentos de todo o grupo estudado, sem exceção. O medo da discriminação está
presente no cotidiano, entretanto, ele é um medo de causar sofrimento não só a si
mesmo, mas também ao outro, especialmente aos filhos, conforme pode ser observado
nos relatos a seguir:
94
[...] muitas pessoas já me falaram, ‘[...] dia que sua filha sofrer um preconceito por tua causa, vai ser pior, vai doer mais [...]’ (Pandora) [...] se alguém olhar atravessado pro meu filho [...] eu não aceito [...] tenho medo de ter meu filho discriminado [...] porque meu filho é normal [...] isso ofende, isso dói [...] (Réia). [...] minha filha nem é filha dele, aí envolve o pai dela, ele vai querê tirar ela de mim. O menino é filho dele, mais é o pai dele [...] pode se revoltá [...] Eu tenho medo deles se revoltá e não querê ficar junto comigo [...] Vamos supor que eles fiquem sabendo (os filhos), aí eles saem na rua [...] alguém fala ‘Ah! Sua mãe é portadora [...] imagina como é que fica a cabecinha deles? (Thebe).
Nos depoimentos acima, três mulheres revelam preocupação, como mães,
principalmente com o sofrimento que possa ser imposto a seus filhos devido à doença.
Pude observar que a discriminação causa dor, machuca, mas pode assumir uma face
mais dolorosa quando imputada aos entes mais queridos, os filhos. A relação existente
entre aquelas mães e seus filhos é única, qualquer tipo de sofrimento experimentado
pelos filhos machuca dilacerantemente. Segundo elas, é possível suportar a própria dor,
mas ao falar da dor de um filho, seus olhos e faces demonstraram que isso é quase
insuportável. Sobre isso, Waldow (2004) enfatiza que, muito além das questões
culturais historicamente estabelecidas, o fato de ser a mulher quem dá abrigo ao bebê
em seu corpo constitui um laço biológico forte o suficiente para justificar a intrínseca
relação entre mães e filhos. Além disso, pelos discursos abaixo, podemos observar que
os temores destas mães não são infundados.
[...] levaram uma foto minha que saiu no jornal e puseram publicamente na escola das crianças [...]. Aquilo te abala tanto que você não tem armas [...]. Aí o que você faz para não ver mais seus filhos sofrer? Você esconde eles [...] (Elara).
O depoimento de Elara foi muito forte em relação à discriminação que sofreu
quando seus filhos eram menores. Justamente a escola, lugar onde se espera
encontrar a melhor das redes de apoio, onde se julga haver pessoas preparadas para
combater o preconceito e a discriminação, transformou-se no local onde ela e seus
filhos viveram o episódio mais dramático de suas existências, em relação ao HIV.
Quase dez anos depois, esta mulher se emociona e chora quando menciona o
acontecimento, mudaria suas vidas para sempre, limitando oportunidades, criando
animosidades, estabelecendo uma marca em duas crianças que jamais poderá ser
95
esquecida. Desta forma a escola que deveria assumir o papel de educar, passa a ser
lugar de exclusão e preconceito, legando aos seus um triste ensinamento: de dor e
preconceito.
[...] o que foi pior, o que mais aconteceu foi o preconceito, eles (filhos) sofreram muito com o preconceito [...] Eles tiveram que sair da escola, pararam de estudar, foram rejeitados [...]. A escola não aceitava filho de portador, a direção da escola foi o maior obstáculo [...]. Não foi só comigo, foi com três mães [...]. A escola achava que se nós três era portadora nossos filhos também eram [...] (Elara).
O estigma e o preconceito vêm acompanhando a Aids desde o seu surgimento,
estabelecendo processos de desvalorização humana, criando e reforçando iniqüidades
sociais e vitimizando familiares e portadores. A discriminação de pessoas, seja por raça,
cor da pele, opção sexual ou qualquer outra razão, é crime.
As políticas públicas de inclusão social pouco tem se preocupado com as
questões relativas ao portador do HIV. A prova disso é que um acontecimento como
este, dentro de uma escola, instituição pública a serviço da comunidade, não poderia ter
tido o desfecho que teve.
Além disso, o sofrimento moral a que foram submetidos os protagonistas desta
triste história, é um acontecimento que traz conseqüências sociais para toda a
comunidade, deixando implícita uma sensação de impunidade e iniqüidade moral. Fica
a pergunta: o que estamos ensinando para nossas crianças sobre cidadania e direitos
humanos?
O preconceito dentro da própria família também é citado por algumas das
entrevistadas, e embora pareça causar uma reação mais dolorosa, é inicialmente mais
bem superado e aceito.
[...] no começo eles ficaram com medo (família), eles não me ajudaram muito a cuidar do finado [...] eles afastou um pouco assim de mim, com medo [...] Mas eu não recrimino meu pai e minha mãe [...] Aí meu pai fazia assim: ‘Ai minha veia, qual é a toalha minha?’ - de medo de enxugar com a minha. Aparelho de barbear ele escondia [...] eu já tive parente que eu usei o banheiro e jogou água quente na patente, passou álcool, de medo [...] (Aphrodite). [...] sabe, tem alguns da família que se afastaram [...] com meu pai não há conversa, é aquela mente assim, ele tem 91 anos então é bem difícil [...] ele falou: ‘Se você tivesse ficado em casa criando teus filhos, você não tinha pegado [...] (Elara).
96
Os discursos de Aphrodite e Elara nos mostram as reações de exclusão dentro
da própria família, que deveria ser o local onde o sujeito fosse mais acolhido. Aphrodite
nos traz o medo dos familiares de contrair a doença, a falta de conhecimento sobre a
Aids e a segregação a que a pessoa é exposta dentro de sua própria casa. A fala de
Elara remete ao conteúdo profano da Aids que algumas pessoas ainda acreditam
conter e aponta para as questões de gênero anteriormente discutidas, que determinam
os papéis de homens e mulheres e reforça o conceito de que a mulher que está dentro
de casa, do casamento, está protegida contra esses malefícios.
Nos depoimentos abaixo está explícito o desconhecimento da doença, de seu
modo de transmissão e de seu tratamento. Aiinda existe a associação da Aids com
morte iminente.
[...] uma vez na minha casa a minha mãe brincando falô: ‘A Aphrodite não pode, ela tá morrendo [...]’ (Aphrodite).
[...] minha irmã que rejeitou eu, falô pra minha mãe: ‘Ela tá com essa doença, eu não quero nem sabê dela [...]’ (Ceres).
Muitos relatos fazem menção ao fato de as pessoas não tomarem água no
mesmo copo, não usarem os mesmos utensílios, embora o discurso científico e a
orientação para a comunidade descartem a contaminação por estas vias.
[...] me tratava diferente, os outro falava assim: ‘Essa doença não pega assim não’, mas ela (sogra) nem água no mesmo copo não tomava, se eu tomava no copo ela jogava o copo no lixo, de medo de eu passá neles(rindo) [...] (Ceres).
[...] tem pessoas que é vizinho, que desconfia, vem na minha casa, fica conversando, falando da vida dela, só que na minha casa não bebe água, isso é triste [...] (Réia).
O modo como as famílias se adaptam ao diagnóstico reflete a qualidade de seu
relacionamento anterior à doença, de suas vivências e do contexto social e cultural de
que esta família faz parte. A família é normalmente um ponto de apoio nos momentos
de maior dificuldade, entretanto, quando surge a doença grave ela pode se
desestruturar e passar a ser mais um elemento estressor para o portador. Um misto de
97
sentimentos pode ser observado nos discursos, sentimentos que vão desde rejeição
provocada pelo novo, pelo desconhecido, até a culpabilização do sujeito.
De acordo com alguns autores (KALOUSTIAN; CHINOY apud PETRINI, 2003), a
família responde a necessidades humanas e sociais relevantes, por isso é considerada
um recurso para a pessoa e para a sociedade. Concordo com os autores (CHINOY;
ANSCHEN apud PETRINI, 2003) quando afirmam que a estrutura familiar permanece
como forma de relação social constituitiva da espécie humana. Entretanto, Petrini
(2003) observa que as mudanças sociais e culturais desencadeadas ao longo dos
tempos interferiram na vida da família. A família tradicional arcaica e a família nuclear
urbana entraram em crise e, como conseqüência disso, as novas gerações encontram
mais dificuldades para alcançar a estabilidade psicológica necessária para enfrentar os
obstáculos de existência na sociedade moderna. Não existindo a tradicional
estruturação familiar, os laços se tornam mais distantes e frágeis, “as tarefas básicas de
socialização primária e de amparo aos seus membros mais frágeis, deixam de ser
realizadas satisfatoriamente” (PETRINI, 2003, p. 81). Isso pode resultar em uma série
de comportamentos vulneráveis, tais como drogadição, prostituição, alcoolismo,
marginalização, entre outros.
Quanto mais frágeis os vínculos e cuidados que a rede de solidariedade familiar
oferece, tanto menores são as chances de integração social para os seus membros
(PETRINI, 2003).
Outro aspecto a ser considerado é o estigma sofrido nas relações sociais. A
curiosidade e o medo da contaminação provocam situações de dor e exclusão no
cotidiano dessas pessoas. Sobre isso, Ayres, França Júnior e Paiva (2007) afirmam
que o estigma sentido e o sofrido causa grande impacto na vida dos portadores do
HIV, violando seus direitos e interferindo severamente no modo como organizam seu
cotidiano e nas possibilidades de serem felizes e saudáveis e de gozarem de boa
qualidade de vida.
[...] teve uma senhora que me perguntou perto de um monte de pessoa, se era verdade que eu tinha. Eu falei: ‘Eu tenho, mas teu marido também, porque eu peguei dele [...]. Deu um ‘pizero’, menina [...] (Vênus).
[...] é nessa hora que você sabe quem é amigo de verdade, quem não é. Muitos afastaram, na rua aqui todo mundo sabia que eu tinha HIV, que esparramaram. Tinha gente que passava na frente da
98
minha casa e fazia até o ‘nome-do-Pai [...]; meus amigos, de 20 ou 30, ficou três [...] (Hera).
Situações semelhantes podem ser vivenciadas no ambiente de trabalho, como
nos mostra o depoimento de Aphrodite.
[...] aqui (local de trabalho) foi uma menina que fez uma brincadeira [...] eu tava tomando café e a outra menina: ‘Ah! Aphrodite , dá um pouquinho desse café!’, e a outra menina gritou: ‘Não! não pega o copo dela que ela tem Aids (Aphrodite).
De acordo com Saldanha (2003), mesmo existindo no meio científico um grande
esforço para dar ao conceito de transmissão da Aids um sentido mais racional através
da elucidação de seus meios, não se conseguiu substituir o conjunto das
representações e imagens simbólicas provenientes de antigas epidemias. Isto
provavelmente se deva ao fato de os primeiros casos de Aids terem levado o indivíduo
a um flagelo assustador, impondo à doença um estigma de depreciação física e moral.
A discriminação afeta não somente o portador, mas também seus familiares,
amigos e significantes. No relato de Elara a exposição pública de sua figura e da de seu
parceiro foi uma situação de grande constrangimento para ambos. Trata-se de um caso
típico de estigma sofrido, que como visto anteriormente, é passivo de punição legal.
[...] aqui mesmo na vila tem um preconceito grande [...]. Meu marido trabalha na prefeitura e tava tendo uma palestra da CIPA e um rapaz que mora aqui e também trabalha lá perguntou pro meu marido no microfone quantos anos fazia que eu era portadora [...]. Aí meu marido ficou de saia justa. Só que eu quebrei, depois fui num outro encontro e falei, falei que ele é soronegativo e que só eu que sou soropositiva (Elara).
Acredito que a exposição pública da pessoa com Aids pode possuir duas
conotações. A primeira é que é preciso dismitificar e torná-la como outra doença,
respeitando e aceitando o portador a partir de orientações e esclarecimentos sobre ela
e a outra, que servem para reforçar o preconceito e a exclusão, como no caso de Elara.
A outra dificuldade, relatada pelas entrevistadas, diz respeito aos questionamentos
sofridos na busca de um novo emprego. Explicações sobre o porquê de não estar
trabalhando, sobre necessidades de tratamento de saúde, entre outras, acabam por
inviabilizar a entrada do portador no mercado de trabalho. Este acredita que, expondo o
problema, jamais será contratado. O medo da perda do emprego também é motivo para
99
que o diagnóstico não seja assumido publicamente. Ambos os casos se caracterizam
como estigma sentido.
[...] eu tenho plaquetopenia, às vezes sem nenhuma pancada já fica roxo, e eu fui procurar emprego e tava com manchas no braço [...]. A mulher perguntou pra mim se meu marido me batia [...]. Daí vem a pergunta: ‘Por que você não está trabalhando?’ Nossa [...] é um questionário, você não consegue um emprego, como é que você vai explicar? (Pandora).
[...] que nem, eu trabalho na prefeitura, então tenho medo que o pessoal – que a gente conhece todo mundo, né? – fica sabendo, aí tenta me tirá da escola, ah! Eu prefiro, é melhor que ninguém saiba’. (Thebe).
Na percepção dessas mulheres, o silêncio e o sigilo sobre a doença é uma forma
de protegerem a si mesmas e a suas famílias.
4.3.2.3 Fé e religiosidade: o sagrado como suporte para enfrentar a doença
Outro aspecto presente nos depoimentos diz respeito à busca de apoio ligada à
fé, à religiosidade. Mesmo considerando-se não ser a fé uma rede de apoio, como ela
geralmente está atrelada a uma religião, optamos por discuti-la aqui. É importante
salientar quanto ela é importante para o bem-estar de algumas das entrevistadas.
De acordo com Corrêa (2006), quando as condições de saúde humana atingem
uma situação-limite, deflagrada por um sistema de saúde sucateado e desumano, uma
sociedade individualista extremada e a-não concretização das promessas da ciência, é
que se busca algo “sobre-humano”, transcendente, sagrado, capaz de solucionar
problemas. Desta forma, quando a vida de uma pessoa é ameaçada pelo sofrimento,
pela doença e pelo luto, ela busca apoio na religião.
Esta afirmação pode ser corroborada pelos relatos da maioria das mulheres
entrevistadas, que afirmaram que quando receberam o diagnóstico ficaram
extremamentes exaltadas e precisaram de muita fé para se reerguer.
Faria e Seidl (2005) argumentam que vários pesquisadores têm investigado a
associação entre fatores relativos à religiosidade - práticas, afiliação e crenças - e
saúde, tanto em sua dimensão física quanto mental. A publicação em questão ressalta
a importância da religião na promoção do suporte emocional, instrumental e informativo,
100
reafirmando a diversidade de implicações que a religiosidade pode ter nos fenômenos
relacionados à saúde e ao adoecer. As autoras encontraram uma forte influência da
religiosidade nos aspectos relativos ao enfrentamento da doença, e adotaram a
definição de enfrentamento do Modelo Interativo do Estresse, que define enfrentamento
como “esforços cognitivos e comportamentais voltados para o manejo de exigências ou
demandas internas ou externas, que são avaliadas como sobrecarga aos recursos
pessoais” (FOLKMAN; LAZARUS; GRUEN; DE LONGIS, 1986, p. 572).
Em estudo realizado sobre enfrentamento de pessoas vivendo com HIV/Aids,
Seidl (2005) encontrou uma variedade de estratégias de enfrentamento utilizadas,
sendo que a de busca de práticas religiosas foi a de maior utilização como estratégia
pelos participantes. A autora conclui ainda que esta busca esteve associada
positivamente tanto com o enfrentamento do problema quanto da emoção. Pressupõe
que a religiosidade esteja relacionada a estratégias de aproximação e de manejo da
dificuldade e que a busca de práticas religiosas poderia funcionar como justificativa para
a esquiva à situação e/ou para a adoção de idéias fatalistas, atribuindo a forças
externas (um ser divino) o aparecimento e a resolução do problema. Isto pode ser
observado no depoimento abaixo:
[...] eu falava assim: SENHOR! O SENHOR é tudo na minha vida, o SENHOR. pode me ajudar [...] (Aphrofite).
Carvalho et al. ( 2007) consideraram em seus estudos que, como fonte de
interpretação para os acontecimentos da vida, a religiosidade pode representar apoio
para o enfrentamento das dificuldades e para mudanças de atitude.
Outro aspecto observado na análise da bibliografia sobre religiosidade e
processo saúde-doença está relacionado à auto-estima. Para Faria e Seidl (2005), a
religiosidade parece fornecer padrões comparativos para a auto-avaliação e o
autoconceito, de forma a valorizar a percepção que as pessoas têm de si mesmas.
[...] eu tive mais força pra viver depois que eu voltei pra igreja [...] Aí cê volta de lá naquela paz, com força que você tem que viver, que você tem que fazer [...] Tem hora que eu nem lembro da doença. Eu não tenho nada não [...] Eu faço oração, assisto de manhã o padre fulano e o padre beltrano, aí dá uma força, cê fica outra, cê não tem tempo pra ficar lembrando [...] (Thebe).
101
Thebe, relata em seu depoimento que ao retornar para a igreja sentiu-se
fortificada e em paz, o que a ajudou no enfrentamento de seu problema. Estes dados
são semelhantes aos encontrados por Soares, Nóbrega e Garcia (2004) ao referirem
que, para a paciente com Aids por elas estudada, a espiritualidade é uma forma de
mobilizar recursos para a manutenção de seu próprio bem-estar. Isto fica claro no
discurso de Thebe quando ela fala da oração e de seu positivismo: “Eu não tenho nada
não”.
Todos os depoimentos colhidos fazem alguma alusão à fé e à religiosidade,
como pode ser observado em alguns trechos destacados abaixo.
Eu tenho muita fé em Deus, que ainda vai achar a cura. [...] Vou na igreja quando não tem missa, vou lá agradecer, mas eu tenho muita fé em Deus [...] (Elara). Eu sou católica, sou casada na igreja, tenho fé, mas não vou na igreja [...] (Pandora). Só Deus na sua vida para te dar forças [...] (Réia).
4.3.2.4 Outras redes influenciando de forma negativa a vida do portador
Embora as redes sociais devam se constituir em fonte de apoio aos portadores
de HIV/Aids, isso nem sempre acontece. Para Gualda (apud STEFANELLI, 1999), a
doença crônica tem múltiplas dimensões e gera uma gama de demandas que assumem
a conotação de desafios ao desenvolvimento de cada um, na tentativa de adaptação da
nova condição de vida que se apresenta. Desta forma, o portador pode necessitar de
fontes diferentes de apoio para a sua adaptação, e essas fontes podem ou não estar
formalmente constituídas e preparadas para exercer este papel.
Como afirma Stefanelli (1999, p. 73) “A família também tem de ser cuidada para
que não se desestruture e possa encontrar caminhos para a humanização da
convivência, efetuando também reavaliações e adaptações em seu estilo de vida”.
Apesar de a maioria das mulheres entrevistadas relatar a familia como uma rede
de apoio importante, elas revelaram que alguns familiares se constituem como fonte de
estresse para elas, principalmente quando há preconceito e não-aceitação, como
102
descrito anteriormente por Réia, Vênus, Aphrodite e Ceres ao falarem da rede de apoio
influenciando negativamente suas vidas. Sobre isso, Tunala (2002), em estudo
realizado sobre as fontes de estresse da mulher soropositiva, encontrou a família como
uma das principais destas fontes. Acredito que as citações relativas ao preconceito de
alguns familiares em relação às mulheres estudadas podem ser um indício de que estas
famílias como um todo não estão tão bem-constituídas em rede de apoio, e sim, alguns
membros da família.
Uma das redes de apoio citadas negativamente pelas entrevistadas foi o serviço
de saúde e alguns profissionais de saúde. Teoricamente, o profissional de saúde é um
elemento que atua de forma a influir positivamente no tratamento e na vida do portador
de HIV/Aids. Isso, porém, nem sempre acontece. As falhas no sistema de saúde
denotam a fragilidade das políticas públicas, que têm nos recursos humanos seu maior
desafio, já que nem todos os profissionais de saúde encontram-se capacitados e
sensibilizados para operar em um modelo assistencial focado no ser humano. Os
resquícios de uma política de saúde hegemônica, focalizada na doença, ainda são
muito fortes e dificultam a operacionalização de um modelo centrado na pessoa. Os
discursos abaixo nos falam um pouco disso.
[...] no dia que eu descobri eu fui no INPS e a moça que me atendeu falou assim: ‘Procura o médico imediatamente, porque você vai morrer’, aí eu me desesperei (Réia).
[...] ele é um bom médico,só que não tem [...] eu comecei o tratamento com o Dr. 1, aí ele perguntou do pai, dos filhos, do cachorro, do cavalo, da família, e o Dr. 2 é assim, bem básico. Tem vez que a gente quer desabafar, ele já corta; ‘É receita que você quer?’ (Elara).
O discurso de Elara exibe claramente o despreparo do profissional para trabalhar
com o portador de Aids, pois pela minha experiência verifiquei que, às vezes, ouvir
atentamente pode ser a melhor terapia,. Na maioria das vezes o portador procura o
serviço não só para buscar receitas ou medicamentos, e sim, apoio, compreensão,
ajuda, ou até mesmo -como relatado anteriormente neste estudo - para conversar e se
dasabafar, já que não pode fazer isto com outras pessoas, por medo de ser julgado e
discriminado.
Ainda como aspecto negativo das redes de apoio, foi citada por uma das
entrevistadas a dificuldade de acesso a medicamentos que não fazem parte da cesta
103
básica do portador de HIV/Aids. A fala de Pandora acrescenta ainda a importância das
organizações não governamentais, no sentido de orientar e lutar junto com o portador
em busca de seus direitos constitucionalmente instituídos.
[...] tive que entrar com uma briga no CISA pra comprar o remédio que eu precisava [...] Tive que pegar um laudo pra eles poderem comprar, porque eles tinham cortado a medicação e eu tive que correr atrás [...] Tem portadores que não sabem, ficam sem remédio [...] sendo que eles têm direito. A gente tá aqui na ONG para encaminhar essas pessoas [...] (Pandora).
Pandora completou dizendo que teve condições de lutar por seus direitos por ser
bem-informada em conseqüência de sua participação na ONG, que lhe trouxe novos
conhecimentos. Além disso enfatizou o fato de muitos portadores não quererem lutar
por seus direitos pelo medo da exposição.
A relação com as instituições religiosas também é citada de forma negativa por
algumas dessas mulheres, que vêem nos dogmas religiosos grandes empecilhos para
que elas possam viver plenamente sua religiosidade; contudo a fé continua citada como
importante fonte de apoio.
Eu não vou na igreja. Porque acontece assim: se eu vou na igreja evangélica, eu e o Lírio não somos casados, fala que a gente tá no pecado. Se eu vou na igreja católica tem o uso do preservativo. Não pode usar o preservativo, n´ss temos que usar o preservativo. Então eu rezo em casa [...] só vou na igreja quando não tem missa, vou lá agradecer; mas eu tenho muita fé em Deus [...] (Elara).
[...] eu acho um crime [...] eu sou católica, a Igreja Católica negar que as pessoas têm que usar preservativo [...] então eu sou casada dentro da igreja, tudo certinho, eu não vou poder ter relações com meu marido porque a Igreja Católica condena que use o preservativo? (Pandora).
De acordo com Faria e Seidl ( 2005), o conflito com o dogma da igreja ou grupo
religioso do qual fazem parte poderia ser considerado indício da possível existência de
dificuldades das pessoas no envolvimento da religião no processo de enfrentamento
das doenças. Neste sentido as instituições religiosas poderiam se configurar em
estressores para a vida das portadoras. Além disso, o fato de uma mulher ser portadora
do vírus HIV e ser casada, com orientação médica para o uso do preservativo, acaba
104
por se constituir em um paradoxo, quando sua orientação religiosa aponta na direção
inversa desse uso, e pode gerar grandes conflitos pessoais.
3.3.3 O modo de ser e estar HIV+: o cuidado se revelando no dia-a-dia do portador
A palavra cuidado é muito presente em nosso vocabulário cotidiano. Usamo-la
para expressar nosso zelo e preocupação com seres vivos e não vivos: cuidado com os
filhos, com a casa, com os animais domésticos, no trânsito e em outras situações.
Quando me propus a falar de cuidado relacionado ao portador de HIV/Aids a partir das
falas expressas pelas mulheres entrevistadas, pretendia me aproximar ao máximo do
significado dessa palavra na vida delas, ou seja, desde o momento em que soube o
diagnóstico, até a aceitação da doença e o planejamento de uma nova forma de viver.
Para isso pensei em iniciar essa categoria com um pensamento de D’Ansembourg
sobre o cuidado:
Cuidar é ajudar o outro a viver o que ele tem que viver! Não é impedi-lo disso, nem tentar poupá-lo a um sofrimento que está no seu caminho, minimizando-o ou carregando o seu peso; é sim ajudá-lo a enfrentar a sua dificuldade, a mergulhar no seu sofrimento para dele se poder libertar, com consciência de que esse caminho só ao outro pertence e que ninguém o pode percorrer no seu lugar (D'Ansembourg).
Há algo nos seres humanos que não se encontra em nenhuma outra espécie
viva, que o faz único e especial, fá-lo sentir-se grande, dele se originando as mais belas
ações em direção ao outro: o sentimento, a capacidade de emocionar-se, de envolver-
se, de afetar e de sentir-se afetado. Dessa capacidade única se origina o cuidado.
O cuidado é uma ação inerente ao ser humano, é intuitivo, é instintivo, faz parte
da essência do ser. Para Boff (1999) e Waldow (2004), cuidar é uma forma de interação
humana, uma necessidade básica, é transformação e transcendência.
Cuidamos quando somos atentos ao outro, quando sorrimos, quando
acariciamos, quando realizamos as atividades domésticas, quando somos educados no
trânsito, enfim, quando deixamos nossas mais nobres características humanas se
desvelarem.
105
Mayeroff (1990) acredita que o cuidado se dirige principalmente a outra pessoa,
mas também se relaciona com coisas e idéias, enfatizando que cuidar de outra pessoa
é ajudá-la a crescer e se realizar.
Observamos que, cotidianamente, as entrevistadas cuidam e são cuidadas.
Algumas anotações do diário de campo nos permitem concluir que: Aphrodite cuida dos
dois filhos sozinha; Hera cuidou de dois maridos que faleceram por Aids, cuidou dos
pais, da irmã e hoje cuida de sua casa e esposo; Pandora cuida de sua casa, sua filha e
marido, cuida das mulheres da ONG; Réia cuida da casa e do filho sozinha; Thebe
também tem a responsabilidade de cuidar da casa e dos três filhos sozinha; Vênus quer
cuidar de todos, cuida da neta e de sua casa; Elara cuida de sua casa, marido e filhos,
cuida também das mulheres de “bar”, sua função na ONG; Ceres cuida de seus dois
bebês, de sua casa e seu marido. Na verdade, elas vivem cuidando e para o cuidado.
Em Boff (2003) encontramos ainda que o cuidado é o sustentáculo da
criatividade, da liberdade e da inteligência humana. Para o autor, ele é tão importante
para a humanidade, que é preciso que cada um de nós venha a desenvolver a
afetividade para com os outros, de modo a perceber suas necessidades, para que a
construção de um mundo melhor não seja apenas utopia.
Neste contexto, apreendendo o cuidado proposto por Boff (2003), é pertinente
que façamos um exercício de cuidado ao outro, e essa prática pode ser muito bem-
vivenciada no atendimento ao portador do HIV/Aids, resgatando a empatia, os
princípios da fé cristã - como o amor ao próximo e a caridade humana. Não se quer
dizer com isso que cuidar é uma forma de doação caridosa, mas sim, que é uma
escolha, uma opção ética e humanitária.
Realizar esta pesquisa representou, de certa forma, o cuidado. Ao desvelar o
universo destas mulheres estou cuidando para que elas sejam mais respeitadas,
compreendidas e ouvidas, e ao mesmo tempo alertando outros profissionais sobre a
importância desse cuidado.
Diante dos avanços da epidemia de HIV/Aids no Brasil e no mundo, é cada dia
mais comum os profissionais de saúde que atuam tanto na rede básica como na média
e alta complexidade se depararem com pessoas portadoras e doentes de Aids. Assim,
as ações de cuidar fazem ou farão parte do cotidiano profissional de inúmeros
trabalhadores da saúde, tornando-se necessário, de acordo com Pinheiro et al. (2005),
resgatar a verdadeira essência do cuidado, para possibilitar maior amorosidade entre os
seres humanos e, com isso, constuir um mundo com mais valor. Os autores salientam
106
ainda que é preciso existir a solidariedade, qualidade essencial para se enxergarem as
necessidades do outro, principalmente se esse é portador de uma doença
estigmatizadora, como a Aids.
Esta questão referente à solidariedade e cuidado com o bem-estar do outro me
remete à primeira visita realizada às mulheres em estudo. Quando cheguei em frente do
endereço, tive muita dificuldade em descer do carro, me sentia invadindo a vida de
outra pessoa que talvez não quisesse compartilhar comigo sua experiência. Desci do
carro, aproximei-me, e como já havíamos nos falado por telefone, ela me convidou a
entrar. Eu escolhia cada palavra com extremo cuidado, pois temia machucá-la ainda
mais. Conversamos por horas, mas acabei não ligando o gravador e toda a entrevista
foi perdida, pois após essa visita, por motivos de saúde não pudemos mais nos
encontrar e esta mulher não fez parte dos sujeitos da pesquisa. Não obstante, o
aprendizado dessa experiência não pode ser mensurado.
Pinheiro et al. (2005, p. 570), em estudos realizados sobre o cuidado humano e
portadores de HIV/Aids, frisam: “Ao se cuidar do outro, passa-se a respeitá-lo e a vê-lo
na sua individualidade, sendo imprescindível o conhecimento acerca da ética e da
moral, princípios que propiciam uma nova razão, instrumental, emocional e espiritual”.
As questões éticas são prioritárias quando se quer estudar portadores do HIV; a
maioria deles está muito fragilizada e a exposição é um fator dos mais temidos por eles.
Por essa razão, tive que tomar alguns cuidados antes de realizar as entrevistas:
contatei primeiro a ONG para que me fossem indicadas pessoas que apresentassem
potencial positivo para a participação deste tipo de estudo. O secretário da ONG foi
quem fez o primeiro contato, indagando se elas poderiam participar da pesquisa e se
ele poderia me passar seus telefones. Somente aí eu entrei em contato com elas. Por
meio das entrevistas desenvolvi um profundo respeito e uma enorme admiração por
estas mulheres. Foi estabelecido um vínculo, um pacto silencioso entre nós, e quando
nos encontramos casualmente após a pesquisa, nossa relação é de “velhas amigas”.
Paula e Crosseti (2005), em estudo desenvolvido sobre o cuidado com crianças
que convivem com a Aids sob a ótica da Teoria de Enfermagem Humanística de
Paterson e Zderard, descrevem o cuidado humano como uma relação inter-humana e
intersubjetiva, que possibilita que diferentes modos de cuidado possam ser desvelados.
Dessa forma, quando busquei discutir o cuidado dentro do contexto vivenciado pelas
mulheres entrevistadas, quis demonstrar que cuidar é uma atitude presente no dia-a-dia
destas mulheres, e que o cuidado ora discutido é um cuidado da portadora em relação
107
às pessoas com quem ela convivia, ao significado, para ela, da rede assistencial e de
apoio da qual ela faz parte e, até a mim própria, a pesquisadora, que procurei aplicar o
cuidado holístico na realização deste estudo.
Ainda de acordo com Paterson e Zderard (apud PAULA; CROSSETI, 2005), o
ser que cuida vivencia com o outro eventos de vida; portanto, cuidar de um ser humano
com HIV/Aids é compartilhar, é estar com, no sentido fenomenológico do cuidado. Este
processo proporciona aos cuidadores e ao ser cuidado uma interação que orienta as
relações de convivência e permite que as redes de apoio se intensifiquem. Esta
experiência de cuidar pôde ser observada quando algumas entrevistadas falaram do
cuidado que tiveram com seus maridos durante a doença e até a morte. Aparece
também nas falas relativas ao cuidado com os filhos, ao cuidado que recebem de
familiares, amigos e vizinhos.
As diversas formas de cuidar e ser cuidado descritas pelas mulheres estudadas
me fazem crer que o cuidado é quase sempre uma via de mão dupla: ao mesmo tempo
em que elas cuidam de seus filhos, pais, maridos e amigos, recebem alguma forma de
cuidado dessas pessoas; e refletindo-se sobre o cuidado como inerente ao ser humano,
é possível compreender como pessoas tão carentes de cuidados conseguem cuidar do
outro.
Observando as entrevistadas, é perceptível como a prática do cuidar está
estabelecida em seus cotidianos. Algumas delas tiveram forças para cuidar do marido
até a morte, enfrentando seus medos e o sofrimento de pensar que futuramente elas
mesmas poderiam estar naquela situação, superando até mesmo o impulso de se sentir
vitimizadas pelos homens que as haviam infectado. O cuidado delas para com seus
familiares aparece muitas vezes se sobrepondo a seu autocuidado, colocando-se elas
em segundo ou terceiro plano e se preocupando muito mais com a falta que fariam na
vida dos filhos do que propriamente com a interrupção de sua vida.
Ainda pode ser observada nas entrevistas uma referência ao cuidado recebido
pelos profissionais dos serviços de saúde e ao apoio mútuo encontrado nas ONGs.
Por fim, acredito que cuidar é mais que uma ação: são atitudes que resgatam o
amor ao outro, a paciência, o zelo, a ética e, principalmente, o respeito ao próximo e a si
próprio. Falar de cuidado no contexto desta experiência vivenciada com as oito
mulheres entrevistadas é explorar uma variedade de conotações e sentimentos que o
cuidar assume na vida dessas pessoas. O simples fato de serem mulheres e mães já
108
as alça a uma condição de cuidadoras incondicionais, como anteriormente discutido nas
questões de gênero.
O que chama a atenção nesses depoimentos é o grande potencial de cuidado
dispensado ao outro, que por vezes as leva a descuidar-se de si próprias.
Que grande ironia! Mulheres, cuidadoras por excelência, em algum momento se
descuidaram e contraíram uma infecção que traz na base de sua cadeia de transmissão
apenas uma forma de interrupção: o cuidado.
3.3.3.1 Cuidar de si, do outro, de todos, descuidar-se
O cuidado foi citado várias vezes durante as entrevistas, assumindo
diferentes formas ao longo da análise das falas. Iniciarei mostrando algumas
citações referentes ao autocuidado.
(sobre o remédio) [...] eu sou muito dedicada, eu tomo bem certinho, não esqueço nunca de toma, porque eu acho assim (chorando) é uma esperança né, é uma esperança né [...] (Vênus). [...] qualquer ventinho já tô pegando uma gripe [...] aí apareceu o HPV. Eu tenho cisto no seio [...]. Eu tinha saúde, agora é cada três meses no ginecologista [...]. Eu tomo hormônio [...] pra não menstruar, porque senão eu tenho hemorragia, eu tenho que fazer controle do CD4 [...] (Pandora).
Cabe ressaltar aqui que quando nos referimos ao autocuidado, quase sempre
fazemos alusões à adesão medicamentosa e ao uso do preservativo; no entanto,
Pereira e Costa (2007, p. 105) são categóricas ao afirmarem que, no contexto da
epidemia de Aids, o conceito de autocuidado a ser adotado deve ser o da
[...] adesão adequada aos medicamentos, uso de preservativos, cuidados com a alimentação, moradia, busca ativa de um espaço de escuta e informação, preservação de sua auto-imagem, relacionamentos satisfatórios para si ou busca para melhorá-los, capacidade de se fazer respeitar em espaços públicos e privados, participação mais ampla enquanto cidadã, entre outros desdobramentos.
109
É importante observar que o advento da Aids trouxe à vida dessas mulheres
grandes mudanças no cotidiano, Os medicamentos são em grande quantidade e na
maioria das vezes provocam importantes reações adversas; aumentam a necessidade
de controles e exames laboratoriais, assim como o número de consultas médicas
mensais, mudança de comportamento, de hábitos, de atitudes, na alimentação, entre
outras.
Sobre isso, Oliveira et al. (2003, p. 167) nos lembram que “vivemos num mundo
de inúmeras possibilidades e a responsabilidade de fazer o máximo desta existência
encontra-se dentro de cada um de nós”. Desta forma, aderir ou não ao tratamento anti-
retroviral passa a ser uma opção de vida para o portador, o que leva os profissionais de
saúde a uma condição de impotência diante da recusa e não-adesão.
Não obstante, cabe a observação de que as mulheres entrevistadas
certamente estão aderindo de forma adequada ao tratamento medicamentoso e aos
demais cuidados importantes para a manutenção da qualidade de vida de
portadores de HIV/Aids, uma vez que todas estão muito bem de saúde e algumas
com diagnóstico há mais de 10 anos. Durante nossas conversas, algumas revelaram
relutância dos parceioros em aderir ao tratamento. Apenas Ceres mostrou certa
dificuldade em relação à medicação, referindo esquecimento constante; no entanto,
apesar de não ser minha proposta, após a entrevista conversamos sobre o
medicamento, fiz várias orientações e respondi a questionamentos sobre a temática.
Desta forma, torna-se cada vez mais evidente a necessidade do diagnóstico
precoce, que permite ao portador ser medicado com a maior precocidade possível e
adaptar sua vida à nova terapêutica, evitando assim morte prematura.
Além de cuidarem de si mesmas, todas as entrevistadas são cuidadoras de seus
significantes.
[...] eu vou no médico por ele (companheiro) [...]. Ir no médico ele não vai [...], então eu cuido dele e da minha filha. Então se eu fico doente, eu já falo: ‘eu não posso ficar doente, eu tenho que cuidar de mim e dos outros [...]’. Eu sou o apoio de todos, da mãe, do pai [...] Quando tem problema médico, sou eu que corro, é tudo eu que faço [...] tudo eu que corro atrás [...] (Pandora).
Eu cuidei ele [...] ele morreu [...] agora eu tenho que cuidar de mim, do menino. Hoje eu tô bem, tomo o remédio certinho [...]. Depois da morte dele tudo mudou, agora vem a parte boa, minha vida mudou. (Réia).
110
No discurso de Pandora transparece certo cansaço deste papel de cuidadora.
Ela se ressente por seu parceiro não aderir ao tratamento espontaneamente, e se
mostra sobrecarregada pelo fato de a responsabilidade estar exclusivamente sobre ela.
Durante sua fala, demonstra que esse cuidado se constitui em uma carga muito
pesada, que a faz infeliz, e segundo ela, não sabe até quando vai suportar tal situação.
Réia, no entanto, aceitou com resignação seu papel de cuidadora do marido,
após cuja morte ela se mostrou liberta e aliviada. Estes posicionamentos me levam a
refletir que, embora essas mulheres cuidem de seus parceiros, nem sempre é fácil para
elas. Os sentimentos de rancor e a mágoa que muitas vezes não finda com o tempo,
dificultam esses relacionamentos e acabam se tornando obrigações de grande peso
emocional. Ela fala ainda de seu autocuidado com muita assertividade, o que reforça a
idéia de que, para as mães que são portadoras do HIV, é muito importante que estejam
bem, para poderem viver e cuidar de seus filhos.
O cuidado com o outro é bastante presente na fala da maioria das mulhere. Elas
não querem repetir com seus parceiros o que fizeram com elas.
Agora pra namorar eu uso preservativo, me previno [...] porque essa consciência pesada eu não vou ter [...] (Vênus). [...] eu tomo muito mais cuidado, que antigamente não, antigamente quando namorava nem usava a camisinha. Hoje não, só com camisinha [...] (Réia).
O uso do preservativo parece ter sido definitivamente incorporado por essas
mulheres. É uma pena que isso só ocorra neste momento e nestas circunstancias. e
que não tenha sido visto como medida preventiva para a proteção contra a doença. O
que chama a atenção em relação a este fato é que 50% das mulheres pesquisadas
informaram que seus respectivos parceiros se sabiam contaminados, mas não
comunicaram o fato à esposa. Esta é uma forma de descuido, uma falta de respeito e
dignidade para com o outro.
Eu sofri muito, porque vivi 11 anos, ele sabia que tinha e não me contou [...] nem ao menos se preparou para não passar pra mim [...] (Vênus). ‘[...] é errado o que ele fez, ele sabendo que era portador, porque foi fazer família? Se ele chegasse pra mim e falasse [...]’ (Aphrodite).
111
Na fala de Vênus a falta de cuidado do outro fica explícita. É um misto de
indignação e descrença em relação ao desvalor atribuído pelo parceiro a sua vida e à
da demais pessoas que ele continua a infectar; é quase um grito que ecoa como:
“Basta! Você não pode continuar impondo sofrimento e dor a pessoas desavisadas”.
Então ela faz a sua parte, avisa; mas tudo isso, mesmo consciente, é muito complexo
para ser resolvido assim.
O cuidado com os cortes e objetos cortantes também faz parte da preocupação
dessas mulheres, pelo medo de infectar seus entes queridos, numa referência clara à
responsabilidade pelos outros vivenciada cotidianamente. Em Waldow (2004)
encontramos que a compreensão do cuidar, em seu sentido pleno, é entendê-lo como
integral e universal, existencial e relacional. Desta forma ele é visto pela autora como
uma condição para a sobrevivência humana. Quando as mulheres entrevistadas
demonstram o cuidado que dedicam ao outro, o cuidado relacional, elas estão
corroborando a idéia de que cuidar é imprescindível para a existência humana.
[...] eu tava fazendo salada de repolho, tava picando o repolho e me cortei [...]. Que jeito eu vou arrumá um emprego pra cozinhá? Minhas amigas já sabe, se tiver que picar coisa em festa eu não faço [...] (Vênus).
[...] eu me cuido, né?. Em casa com as crianças, ás vezes quando eu me corto, procuro sempre tá me cuidando [...] (Aphrodite).
Num contexto que referencia a importância da família como cuidadora, podemos
observar nos discursos abaixo como o cuidado da família e de amigos é citado como
elemento de grande importância na vida dessas pessoas.
‘[...] mãe, a senhora não pode pega chuva, já tomou o remédio?’ (Vênus).
[...] que nem as meninas de bar, porque eu faço muito trabalho com mulher de bar, elas sempre perguntam se eu tô bem [...] é [...] me cuidam (Elara).
Vênus repete durante toda a entrevista o cuidado que seus filhos e vizinhos têm
com ela. É perceptível quanto isto lhe é confortante e estimulador. Acredito que é esse
cuidado o que assegura ao portador que ele não está sozinho e que seus entes
queridos o acompanharão durante toda sua trajetória de enfrentamento da Aids.
112
Stefanelli (1999, p. 72) encontrou em seus estudos que o suporte familiar é de
suma importância no processo de adaptação a uma nova condição de vida. Este
suporte proporciona mais segurança em relação a “Quem vai cuidar de mim?”, e
também às possibilidades de ajuda que a família pode dispor. De acordo com a autora,
a adaptação dos portadores de HIV/Aids ao novo estado de vida depende da
capacidade de cada um em mobilizar os recursos mais intensamente, e esses recursos
referem-se inclusive ao nível de apoio disponibilizado na rede social, na qual tem papel
preponderante a família.
Em outro contexto, podemos observar como o surgimento da doença grave
na família modifica comportamentos, numa referência ao que já foi discutido, sobre
valorização da vida. No depoimento de Thebe o cuidado de seu marido foi
manifestado após a descoberta do HIV, uma mudança de comportamento trazida
pela própria soropositividade.
[...] (o marido depois do HIV) posava bonitinho em casa, aquele carinho, ele sempre tava atento, tava sempre cuidando [...] (Thebe).
Um relato que me emocionou, o qual despontou quase como um clamor, foi
referido por Vênus ao alertar sobre o cuidado que devemos ter em nossas vidas em
relação à Aids. Dividiu sua experiência tentando mostrar ao outro a necessidade de
cada um assumir a responsabilidade pelo seu autocuidado, para que experiências
como a dela não sejam mais repetidas.
Eu queria tanto falar, e eu pro meu filho eu nunca deixo ele sem camisinha [...]. Para minha filha, não importa por quê, tem que usar [...]: Eu queria explicar: Filha (eu...) Fala pros teus filho, mostra a gravação pra eles. Eu queria explicar pra todas as mulheres: “Não confia em marido, não adianta, não confia [...] (Vênus).
Quando Vênus terminou esta fala, ambas estávamos com as lágrimas rolando
pela face. Ela falava com toda a propriedade de quem experienciou uma situação de
grande descuido, de desrespeito para com sua vida, de desamor... É importante
ressaltar que, apesar disso, ela demonstra uma extrema necessidade de proteger as
outras pessoas para que não se repita o que aconteceu com ela. Ao pedir que eu
mostrasse a gravação para os meus filhos, ela demonstra todo o cuidado e o carinho
que tem pelo próximo, deixando-nos uma grande lição sobre o cuidar: não é necessário
que sejamos experts em cuidado para cuidarmos, mas é imprescindível que tenhamos
amor à vida, à nossa e à dos outros seres vivos.
113
5 APROXIMANDO OS RESULTADOS À PRÁTICA DE ENFERMAGEM
Partindo do pressuposto que a enfermagem é uma prática social, portanto
articulada às demais práticas de saúde, os resultados ora encontrados, podem servir
para diminuir a distância entre teoria e prática.
5.1 Aproximando os resultados à prática de enfermagem: refletir é preciso
Sem a curiosidade que me move, que me inquieta, que me insere na busca, não aprendo nem ensino (Paulo Freire).
Pensar e fazer a enfermagem é uma construção coletiva desenvolvida há muito
tempo, por milhares de pessoas, portanto não serei a primeira nem a última a associar
os dados aqui encontrados com a prática do profissional de enfermagem.
Inegavelmente, acredito que este foi ou é o meu momento de repensar como eu
cuidava e como cuidarei a partir da realização deste estudo.
Confesso que, ao encerrá-lo, há em mim um misto de ter contribuído para a
compreensão da mulher portadora de HIV/Aids infectada por seu companheiro, com um
grande compromisso de como fazer mudar a realidade da assistência de enfermagem a
essa mulher. Assim, vivendo esse paradoxo, tento neste capítulo refletir e compartilhar
com meus colegas da mesma área o sentimento que neste momento inunda minha
existência .
O primeiro caso de Aids com que eu tive contato ocorreu no ano de 1987. Eu era
recém-formada e trabalhava em um grande hospital na capital do Paraná. Tratava-se de
um médico conhecido meu dos tempos de universidade que havia se formado e ido
fazer residência na Europa, e voltara dois anos depois já com o diagnóstico da doença.
Nessa época eu não dispunha de muita informação sobre a doença e me lembro que
fiquei muito assustada com o destino do meu colega. O diretor do hospital contratara o
rapaz, que logo em seguida fora afastado por objeção de outros membros da diretoria -
meu primeiro contato com o estigma da doença.
114
No ano de 1989 comecei a trabalhar em um grande hospital infantil, também na
capital do Estado. Ocasionalmente apareciam casos suspeitos de HIV e me lembro de
que na época o uso de luvas na punção endovenosa não era prática constante, e
eventualmente ficávamos sabendo de uma criança portadora que havíamos
puncionado sem luvas.
Já no ano de 1993, trabalhando como enfermeira de saúde pública em um
município da região metropolitana de Curitiba, tive o meu primeiro paciente portador da
doença. Embora naquela época já fossem bem conhecidos os mecanismos de
transmissão do HIV, lembro-me de ter sentido certo receio ao me aproximar da
paciente. Era alguma coisa irracional e ao mesmo tempo um constrangimento em impor
minha presença a uma criatura que era tão fragilizada e demonstrava uma passividade
assustadora. Ela morava com os quatro filhos, todos pequenos, e um irmão recém-
saído da adolescência, o qual cuidava dela e dos filhos. As condições de saneamento
eram precárias, assim como as condições financeiras. os vizinhos estavam assustados
com a doença e rejeitavam as crianças, e aquela mulher parecia absolutamente
resignada à sua sorte. Tomamos algumas medidas de ordem prática, como a oferta de
subsídios alimentares, a quitação das contas de água e luz, e conseguimos um colchão
e algumas outras coisas de necessidade básica. No meu papel de enfermeira de
acordo com o meu julgamento à época, fiz orientações de prevenção de transmissão da
doença, investiguei os possíveis contatos sexuais locais que ela havia mantido, solicitei
que informasse aos possíveis parceiros da sua condição, pedi que as crianças fossem
levadas à UBS para avaliação e dei mais algumas orientações de cunho biológico.
Infelizmente naquele momento eu não estava preparada para acolher a dor daquela
mulher. Investida da minha pretensa sabedoria técnica, deixei de fazer a coisa mais
importante naquele momento: ouvir a paciente, acolher sua dor maior, seus medos, sua
angústia. Lembro-me de ter deixado aquela casa muito impressionada com grande mal-
estar, colocando-me no lugar daquela mãe que estava prestes a deixar toda a sua prole
abandonada à própria sorte. Lembro-me também de ter saído com uma sensação de
não ter cumprido meu papel, e só mais tarde fui compreender por quê.
Naquela ocasião talvez eu não tenha percebido quão frágil era a situação
daquela família. Quem poderia cuidá-la? Apoiá-la? Como aquela mãe se sentia em
relação aos filhos que iria deixar? Não me lembro de ter procurado manter contato com
outros familiares ou ter buscado uma outra fonte de apoio para aquela família.
115
Refletindo sobre a prática profissional, hoje vejo quanto isso mudou. É
indiscutível o avanço alcançado após esses 23 anos: medicamentos que prolongam a
vida e melhoram visivelmente sua qualidade, os conceitos de risco e vulnerabilidade, as
mudanças referentes à proteção individual nas ações assistenciais médicas, de
enfermagem, entre outras, as ações de prevenção de caráter sexual que trazem o
preservativo para o topo da cadeia de proteção, a oferta de seringas e agulhas aos
usuários de drogas injetáveis, a qualidade dos hemocomponentes ofertada pelos
hemonúcleos, as medidas de controle da transmissão vertical, a criação de centros
especializados no tratamento e acompanhamento dos portadores, as ONGs - enfim um
avanço inegável.
Não obstante, em relação às questões psicoafetivas, como estão estruturadas e
organizadas as ações de apoio ao portador e sua família? De que forma os serviços
organizam as demandas que não são exclusivamente de cunho biológico? Como no
Brasil, infelizmente, muitas coisas somente são realizadas após a implantação de
portarias ministeriais, qual é a portaria que direciona o atendimento psicossocial ao
portador e sua família?
É preciso refletir. A organização social em que todos estamos inseridos, ainda
hoje, tem na família sua maior representação. Relações interpessoais são um grande
desafio para todos os seres humanos, contudo, a busca de soluções, quando realizada
com pessoas do meio intra- e extrafamiliar, pode tornar-se mais rica. Neste sentido
cabe a nós, profissionais enfermeiros, de certa forma mais próximos de nossa clientela,
encontrar formas de atuar perante esta problemática. O portador e sua família não
podem ser relegados a um segundo plano, ou a nenhum planejamento. De acordo com
este estudo, verifiquei que é preciso encontrar estratégias para auxiliar as famílias em
seus processos de enfrentamento, aceitação e naturalização do HIV/Aids. Equipes
multiprofissionais podem atuar de forma a minimizar a devastação que a
soropositividade pode provocar nessas famílias. A estratégia Saúde da Família deve se
constituir em razão de direito e de apoio a portadores e familiares.
Em contrapartida, o medo e a exclusão ainda são constantes entre os
profissionais. É usual ouvirmos a frase emitida por profissionais de saúde: “Vou usar
luva porque este paciente é portador de HIV”. Há cirurgiões que se negam a atender
pacientes por serem portadores; obstetras que protelam partos ou cesarianas de
portadoras do HIV de modo que outro profissional possa atendê-las; enfim, dentistas,
116
enfermeiros, ou qualquer outro profissional que permitem que o preconceito e a falta de
confiança em seu próprio trabalho os tornem indiferentes aos flagelos humanos.
Ainda de acordo com as ações implantadas no tratamento e controle do
HIV/Aids, o que se observa é uma enorme preocupação com os aspectos biológicos e
interferentes na cadeia de transmissão da doença, aspecto cuja relevância de modo
algum desejo minimizar. Contudo, analisando os resultados encontrados por essa
pesquisa, pude observar que os aspectos psíquicos, emocionais e sociais da epidemia
são fontes de grande sofrimento para o portador. É claro que com os benefícios
adquiridos com o controle e prolongamento da vida, a perspectiva do portador torna-se
diferente. Faz-se necessário encontrar estratégias que proporcionem a essas pessoas
uma vida com maior qualidade, pois os aspectos emocionais e psíquicos influenciam na
qualidade da saúde das pessoas. A pergunta que fica é: como nós, profissionais de
saúde, na nossa prática diária, podemos organizar nossas ações de forma a contemplar
o cuidado holístico tão sabiamente descrito por diversos autores?
O estudo empreendido me mostrou que viver com Aids é um desafio diário que
vai muito além dos aspectos contagionistas. Viver em família pode ser tanto uma fonte
de apoio e proteção como uma difícil empreitada para a portadora, visto que a presença
da doença é fonte de desestruturação e desorganização familiar, o que pode exercer
influência negativa sobre a vida dos portadores. Sobre isso, vale lembrar que a ESF
(Estratégia Saúde da Família) passa, com a publicação da Portaria Ministerial
389/2006, a ordenar os serviços de atenção básica no Brasil. Dessa forma, mais do que
nunca, os profissionais que compõem a estratégia devem absorver também esta fatia
populacional e investir no cuidado familial de forma a manter a família como rede de
apoio deste paciente. É inegável que quando falamos em aspectos emocionais e
psicológicos, temos o impulso de delegarmos o problema aos profissionais capacitados
para tal. Não se trata aqui de exercício ilegal da profissão, não é isso que estou
propondo; trata-se de um olhar diferente sobre o problema, de uma possibilidade de
escuta ativa por parte do profissional, com interesse e empatia. Proponho a busca de
uma solução conjunta para os problemas, com os devidos encaminhamentos, sempre
que necessário.
Com a preocupação em melhorar a adesão de portadores ao programa de
tratamento do HIV/Aids, o Ministério da Saúde (BRASIL, 2007) lançou um documento
que recomenda algumas estratégias a serem utilizadas pelas equipes de saúde para a
condução das PVHAs (pessoas vivendo com HIV e Aids). São elas: aumento do aporte
117
de informações; organização de grupos de adesão; atendimento individual;
interconsulta e consulta conjunta (tipo de consulta realizada ao mesmo tempo por dois
profissionais diferentes na presença ou ausência do paciente); atividades de sala de
espera; rodas de tratamento e o tratamento diretamente observado (TDO). Entretanto,
novamente a estruturação de serviços que priorizem as necessidades do portador no
contexto familiar e social não foi contemplada.
Expandir a compreensão sobre o outro é o que pode fazer dos profissionais de
saúde, muito mais que multiplicadores de cuidados físicos, seres motivados a
possibilitar a formação de uma verdadeira rede de apoio ao doente de Aids, ao portador
de HIV e a sua família, exercitando a escuta ativa e referendando parcerias que possam
contribuir efetivamente para a melhoria do viver dessas pessoas. Profissionais
enfermeiros, geralmente muito próximos à clientela adstrita, podem executar ações que
verdadeiramente impactem o dia-a-dia dessas pessoas, simplesmente ouvindo-as e
tentando compreender suas necessidades, para assim planejar uma assistência digna.
5.1.1 E para não dizer que não falei das flores...
“Viver é muito difícil!” Esta frase eu escutei inúmeras vezes, proferida pela minha
avó paterna do alto de sua sabedoria, conferida pelos seus 94 anos de vida. E já há
algum tempo percebi quanto de verdade existia nessas palavras. Dentre as mazelas
que nos afligem cotidianamente, as relações interpessoais estão entre nossos maiores
desafios. Isto porque nossas limitações pessoais, nosso modo de ser, nossas angústias
e medos se deparam com as mesmas dificuldades do outro.
Estudar as relações familiares de mulheres soropositivas praa o HIV, com o
agravante de terem sido infectadas por um membro da família, foi um aprendizado
inesquecível. Se viver já nos parece uma tarefa complexa, imaginemos viver com a
adição de fatores como os vivenciados por essas mulheres.
Primeiramente, imaginemos, se formos capazes, a dor da mulher ao saber-se
infectada, aliada ao medo da morte e do abandono dos filhos. Por mais que digamos ou
pensemos o que faríamos no lugar daquela pessoa, a dimensão e o impacto causado
pela presença da Aids em sua vida não pode ser por nós conhecida em sua totalidade.
118
Este impacto e suas conseqüências são únicos na vida de cada uma dessas mulheres
e somente podem ser dimensionados por elas mesmas.
Um fator observado no estudo é que grande parte (quatro) dos homens que
infectaram suas esposas possuíam a profissão de caminhoneiro, e que as
entrevistadas, na maioria das vezes, relacionaram o fato de eles permanecerem muitos
dias fora de casa com o risco maior a que eles estão expostos, numa negação da
necessidade do uso do preservativo, que nem sequer foi citado por elas. Elas atribuem
a si próprias a culpa por esses homens terem procurado aventuras extraconjugais, ou
os culpam por isso, mas nenhuma delas mencionou o fato de eles não terem usado o
preservativo. Os múltiplos sentimentos relacionados ao parceiro, como a culpa, a
autopiedade, a revolta e o perdão, são elementos que permeiam o dia-a-dia das
relações e podem constituir-se em fatores de estresse. Entretanto, apenas uma das
entrevistadas interrompeu o relacionamento afetivo com o parceiro quando se descobriu
infectada. Três delas manifestaram o desejo de pôr fim ao relacionamento, mas uma
delas afirmou depender financeiramente do marido e as outras duas ainda estão muito
confusas em relação aos seus sentimentos.
Em contrapartida, a dor não manifestada pode ser responsável pelo fato de
metade das entrevistadas apresentar um quadro depressivo, com tratamento e
acompanhamento psiquiátrico, o que me faz pensar que a depressão observada é
conseqüência da dificuldade de enfrentamento que a condição HIV/Aids impõe ao
portador.
A epidemia de Aids deflagrada em todo o planeta estimula a necessidade da
revisão de muitos conceitos por nós internalizados. Na verdade não são meros
conceitos, mas sim, construtos que ao longo dos tempos passaram a determinar
comportamentos e escolhas na vida de todos nós.
Evidentemente, estes construtos possuem origem solidificada e estimulada por
relações de gênero, que se constituem simultaneamente em causa e efeito deste
processo que tanto influencia nossa sociedade. Soma-se a isso o fato de que as
relações estabelecidas e solidificadas sobre a fidelidade e a confiança no outro fazem
com que as mulheres transfiram a esse outro a responsabilidade de seu autocuidado e
deleguem a seus pares a responsabilidade por ele.
Embora nossos discursos profissionais façam apologia do sexo seguro, do uso
do preservativo por todas as pessoas e em todas as relações sexuais, dificilmente a
nossa prática pessoal é condizente com o nosso discurso. Como convencer o outro a
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adotar um comportamento que a maioria de nós, profissionais de saúde, mesmo
detendo o conhecimento e a ciência dos riscos, estamos longe de adotar?
Outro sentimento muito presente nos discursos destas mulheres é o medo. Este
medo aparece muito ligado à maternidade, e representa a idealização do papel de mãe
socialmente construído através da história.
O casamento é idealizado como uma condição indissolúvel e entendido como
um projeto de vida a ser construído, que implica em amar e criar sua descendência.
Dentro desta idealização não há espaço para a desconfiança. O homem assume seu
papel de provedor do lar, e a mulher, a criação dos filhos, as atividades domésticas
além de, na maioria das vezes, contribuir com o orçamento familiar.
O relacionamento com outros membros da família aparece, na maioria das
vezes, como elemento de apoio, embora o estigma e o preconceito ainda imprimam
suas marcas tanto dentro como fora do seio familiar.
A rede social de apoio é entendida como essencial para a manutenção do
equilíbrio e da vida de todas as pessoas, nos momentos de crise, doença e morte. A
escola e os serviços de saúde, que deveriam constituir-se exclusivamente como redes
de apoio ao portador e seus familiares, nem sempre cumprem este papel, deixando
espaço para a exclusão e o descuidado.
Com base nos achados, acredito que descrever o significado de ser soropositiva
mistura sentimentos, comportamentos e sofrimento relacionados a ser portadora de
HIV/Aids e tê-lo adquirido do companheiro. Há uma mistura de amor e ódio,
proximidade e afastamento da morte, demonstrada pela força de viver e lutar,
especialmente para cuidar e “criar” os filhos, já que quatro mulheres descobriram a
soropositividade na gravidez.
Viver em família é compartilhar e ao mesmo tempo esconder o diagnóstico; é
proteger a família do preconceito e do estigma; é lutar, cuidar de todos e de si mesmo;
às vezes é culpar-se pela fatalidade, é perdoar, amar, negar, enfrentar – enfim, é buscar
no âmago do seu ser forças para lutar e vencer: a doença “letal”, o preconceito, o medo,
a culpa, a raiva, o abondono, o sentimento de impotência e as certezas e incertezas
que o fato de estar com Aids gerou nas mulheres entrevistadas.
Quanto a apreender comportamentos, sentimentos e atitudes das mulheres no
seu cotidiano e as alterações nas relações familiares após o diagnóstico, constatei que
sete mulheres referem levar sua vida normalmente, procurando não pensar na doença;
no entanto, depreendi de suas falas que da descoberta da infecção aos dias atuais uma
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série de sentimentos e comportamentos foram se alternando, levando a uma mudança
em seu cotidiano, ora com problemas sérios de relacionamento, ora com
enfrentamentos importantes que levaram ao amadurecimento, crescimento pessoal e
valorização da vida.
Ao mesmo tempo que abalou a estrutura familiar, a soropositividade promoveu a
aproximação de alguns menbros familiares, levando-os a buscar em conjunto a
superação da dificuldade, demonstrando força, garra e vontade de viver em família .
É necessário ainda refletir sobre a educação acadêmica e profissional no Brasil,
que vem oferecendo ao mercado de trabalho profissionais ainda pouco ou nada
preparados para atuarem ante a realidade perversa das pessoas que vivem com
HIV/Aids (PVHA). É função da academia possibilitar a apreensão e compreensão do
cuidado no seu sentido mais amplo, para que nossos futuros profissionais estejam mais
bem preparados para cuidar, “estar-com”. É imprescindível ainda,a compreensão da
“amplitude conceitual” da adesão ao tratamento como mais uma dimensão do cuidado
integral, para que esse conhecimento possa ser traduzido em ações capazes de causar
impacto real na qualidade de vida das PVHAs.
Os resultados obtidos nesta pesquisa vão ao encontro de estudos desenvolvidos
sobre o cuidado humano, e me fazem refletir que este é o caminho: cuidar na essência
do termo, resgatando e respeitando valores, estimulando o individuo ao próprio cuidado,
estabelecendo práticas educativas não somente para o portador e sua família, mas
também para profissionais que atuam junto aos portadores e familiares, nas escolas,
nas instituições religiosas, enfim, em todas as networks, para que juntos possamos
mudar a cara da Aids.
Por fim, apreender as vivências dessas mulheres me possibilita aumentar a
compreensão deste fenômeno que é “viver com Aids” e desvela um misto de dor e força
que comove e acalenta. É preciso ser forte, é necessário muita luta e muita
perseverança, mas viver é isso mesmo. O ser humano não conhece suas
potencialidades antes de elas serem deles exigidas, e como diria o poeta:
O vento ruge. urgente é a necessidade do apego, do apelo, do destroçar o tempo, do cobiçar o caminho urgente do vento que ruge. Urgente é negociar a vida, procurar saídas, esquecer partidas. Urgente é viver sem medo.
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Urgente é viver com tempo. Urgente é viver. Há gente que vive urgente sem o apego à vida, sem o apego ao tempo, sem dar tempo à vida. há gente que só vive. Há gente que só vive só, que só sonha só, que vive sonhando só sem sentir que o vento urgente traz o tempo para ser vivido. Eu vivo o momento agora que me dá prazer de correr com o vento. Eu vivo o tempo presente que me traz a paz. eu não vivo só (Marco Dias).
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134
APÊNDICES
135
APÊNDICE A
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Nome da Pesquisa: Relações familiares de portadoras do HIV: a vivência de
mulheres infectadas por seus parceiros
Nome do Pesquisador: Betina Barbedo Andrade
Objetivo Geral: Compreender o significado de ser soropositiva ao HIV e viver em
família.
Para tanto serão necessários a realização dos segui ntes procedimentos:
Serei submetido a uma entrevista aberta com a seguinte questão: fale sobre sua
vivência familiar após o diagnóstico do HIV.
Após ler e receber as explicações sobre a pesquisa, e ter meus direitos de:
1. Receber resposta a qualquer pergunta e esclarecimentos sobre os procedimentos,
riscos, benefícios e outros relacionados a pesquisa
2. Retirar o consentimento a qualquer momento e deixar de permitir minha participação
ou de qualquer individuo sob minha responsabiliddade de estudo;
3. Não ser identificado e ser mantido o caráter confidencial das informações
relacionadas a privacidade.
Declaro por meio deste, estar ciente do exposto e concordar com minha participação na
pesquisa.
Nome do voluntário: _____________________________________________________
RG: _________________________________CPF: ____________________________
Assinatura _______________________________
Umuarama, ___de ___________de_______.
Eu, Betina Barbedo Andrade, declaro por meio deste, que forneci toas as informações
referentes ao estudo ao participante.
RG: 2230296-5
CPF: 620502659-72
Assinatura do pesquisador _______________________________
Umuarama, ___de ___________de_______.
136
APÊNDICE B
PLANILHA PARA CARACTERIZAÇÃO DAS ENTREVISTADAS
1. Identificação: ______________________________________ 2. Idade: ___________________________________________ 3. Escolaridade: _____________________________________ 4. Tempo de diagnóstico: ______________________________ 5. Tempo de tratamento: _______________________________ 6. Número de filhos: __________________________________ 7. Tempo de casamento: ______________________________ 8. Vive com o parceiro: ________________________________
137
ANEXOS
138
ANEXO A
PARECER DO COMITÊ DE ÉTICA
139
ANEXO B
AUTORIZAÇÃO DA INSTITUIÇÃO
Livros Grátis( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download: Baixar livros de AdministraçãoBaixar livros de AgronomiaBaixar livros de ArquiteturaBaixar livros de ArtesBaixar livros de AstronomiaBaixar livros de Biologia GeralBaixar livros de Ciência da ComputaçãoBaixar livros de Ciência da InformaçãoBaixar livros de Ciência PolíticaBaixar livros de Ciências da SaúdeBaixar livros de ComunicaçãoBaixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNEBaixar livros de Defesa civilBaixar livros de DireitoBaixar livros de Direitos humanosBaixar livros de EconomiaBaixar livros de Economia DomésticaBaixar livros de EducaçãoBaixar livros de Educação - TrânsitoBaixar livros de Educação FísicaBaixar livros de Engenharia AeroespacialBaixar livros de FarmáciaBaixar livros de FilosofiaBaixar livros de FísicaBaixar livros de GeociênciasBaixar livros de GeografiaBaixar livros de HistóriaBaixar livros de Línguas
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