bertonha, joão f. – rússia ascensão e queda de um império

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    RSSIA

    ASCENSO E QUEDA DE UM IMPRIO

    UMA HISTRIA GEOPOLTICA E MILITAR DARSSIA, DOS CZARES AO SCULO XXI

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    Joo Fbio Bertonha4

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    Bertonha, Joo Fbio.B??? Rssia: ascenso e queda de um imprio./ Joo Fbio

    Bertonha./ Curitiba: Juru, 2009.

    180 p.1. ?????. 2. ?????. I. Ttulo.

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    Joo Fbio Bertonha

    RSSIAASCENSO E QUEDA DE UM IMPRIO

    UMA HISTRIA GEOPOLTICA E MILITAR DA

    RSSIA, DOS CZARES AO SCULO XXI

    Curitiba

    Juru Editora

    2009

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    Para meus filhos: Isabela e Bruno.

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    AAAAGRADECIMENTOSGRADECIMENTOSGRADECIMENTOSGRADECIMENTOS

    Apesar da deciso de escrever o presente livro ser relati-vamente recente, meu interesse pela histria russa e, especialmen-te, pelos seus aspectos geopolticos e militares, tem, pelo menos,uns dez anos. Nesse longo perodo, aproveitei todas as oportunida-

    des que tive para, mesmo no meio de outras pesquisas, aprofundarmeus conhecimentos a respeito desse tpico.

    Nesse esforo, inmeras instituies, no Brasil e no exte-rior, me forneceram a infraestrutura necessria para tanto e seriacansativo mencionar a todas aqui. Do mesmo modo, um levanta-mento de todos os amigos e colegas com quem debati e discuti ostemas presentes neste livro seria quase impossvel. Desta forma,me limito a agradecer as pessoas diretamente envolvidas na reda-o e na formatao do presente trabalho.

    Em primeiro lugar, agradeo aos meus alunos dos cursosde Histria Contempornea I e II da Universidade Estadual de

    Maring (UEM) entre 1999 e 2007, os quais serviram de cobaia para algumas das teorias e ideias desenvolvidas aqui. Tambmmeus orientandos de graduao e mestrado se dispuseram a ler,mesmo quando trabalhando com temas totalmente diversos, a pri-meira verso, assim como os alunos e colegas do Laboratrio deEstudos do Tempo Presente da UEM, trazendo colaboraes para

    o aprimoramento do texto.Um agradecimento especial, tambm, aos Embaixadores Jernimo Moscardo (Presidente da Funag) e Carlos HenriqueCardim (Diretor do Instituto de Pesquisa em Relaes Internacio-nais), pelo convite para participar da II CNPEI (Seminrios prepa-ratrios: Rssia), em 28.06.2007. Neste evento, no Palcio Itama-raty, no Rio de Janeiro, pude aprofundar vrias das reflexes men-cionadas neste texto, alm de conhecer vrios dos autores citados.Foi uma oportunidade nica, que s posso agradecer.

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    Sidnei Munhoz, meu contnuo interlocutor no campo dahistria contempornea e das relaes internacionais e meu amigo,

    foi um leitor especialmente atento, colaborando imensamente para

    a melhoria do texto, pelo que muito lhe agradeo.Sidnei tambm me colocou em contato com os ex-diplo-

    matas e especialistas em relaes internacionais russos Alexandere Elena Zhebit, atualmente no Rio de Janeiro. Estes, com os seusamplos conhecimentos da histria e da insero internacional da

    Rssia, fizeram uma leitura incrivelmente minuciosa do primeiromanuscrito, me ajudando a localizar erros, corrigindo imprecisese me impedindo de cometer erros interpretativos que seriam quaseinevitveis para um no russo.

    Eles tambm me indicaram bibliografia e me chamaram aateno para a necessidade de compreender os diferentes momen-tos da insero internacional da Rssia, ressaltando as continui-dades, mas sem esquecer as mudanas. Do mesmo modo, me aler-taram como possvel e necessrio utilizar o pensamento geopol-tico e estratgico para compreender a histria russa, mas ressal-tando o fato que ele no pode ser superestimado e nem colocadocomo fator explicativo nico para essa histria. Enfim, apesar de

    estar claro que no absorvi todas as crticas deles e que a respon-sabilidade por esta verso final minha, ela ficou muito melhorque as iniciais graas ao seu empenho, pelo que lhes sou imensa-mente grato Alexander tambm aceitou escrever uma apresentao

    para este livro, o que muito me honra.

    Por fim, a meus filhos Isabela e Bruno e, como sempre, Luciane, sem os quais no saberia mais viver e que tm toda a pa-cincia com minhas contnuas viagens e com minhas horas no es-critrio. Este livro, como todos os outros, para vocs.

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    PPPPREFCIOREFCIOREFCIOREFCIO

    O tema de imprios um dos tpicos mais fascinantes etambm recorrentes na literatura especial histrica, poltica e cul-tural. Autores de diferentes matizes, correntes e escolas cientficasvm analisando com curiosidade e perplexidade o enigma de imp-

    rios. Desde os clssicos, como Tucdides e Ibn Khaldun, at osautores contemporneos, como Raymond Aron e Paul Kennedy, onascer e o ocaso dos imprios provocam um inelutvel mpeto deolhar por detrs dos bastidores da intrigante e mstica vida de umimprio, como quem que quisesse saber algo ntimo e picante sobrea vida de uma personalidade importante, de uma figura pblicacuja vida privada est escondida de um olhar particular.

    Desde o Imprio Romano at o chamado imprio ameri-cano, o veredicto dos estudiosos para com os imprios no muito

    diferente. Tout empire prira! (Todo imprio perecer!) Assim sedenomina a obra de Jean-Baptiste Duroselle, que se dedica ao es-tudo da poltica internacional em que imprios ocupam um lugarde destaque. Eles no so eternos, eles nascem e morrem e suasascenses, declnios e sucesses se entrelaam intimamente comdestinos hericos ou humilhantes, triunfantes ou tristes dos seus

    feitores povos e comunidades, governos e governantes, famlias eindivduos, homens e mulheres. O tema fascina Raymond Aron emseu Rpublique Impriale. Les tats-Unis dans le monde (1945-

    1972). ele quem sabiamente distingue o imperialismo clssico deum comportamento imperial, a diplomacia imperialista da diplo-macia imperial. O mesmo assunto cativou Immanuel Wallerstein(O declnio do imprio americano) e Emmanuel Todd (Depois do

    Imprio): para os dois os Estados Unidos da Amrica, um impriouniversal, segue o caminho de todo e qualquer imprio conhecidona histria.

    Todavia, o interesse do pblico ao tema dos imprios nun-ca se extingue. Todo mundo sabe que, mesmo que os imprios so-

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    mem, os mpetos, as saudades, os costumes e as prticas imperiais,vestidas em trajes ps-imperiais ou neo-imperiais persistem du-rante anos, dcadas ou mesmo sculos. Nesta ordem de livros se

    encaixa o ensaio de Joo Fbio Bertonha, que persegue o objetivode submeter a histria russa a este exame imperial, perpassando ocontexto do Imprio Russo, da Unio Sovitica e mesmo da Rssia

    ps-sovitica, como diz o ttulo Rssia: Ascenso e Queda de umImprio. Uma histria geopoltica e militar da Rssia, dos czaresao sculo XXI.

    O nome imprio cabe histria russa como luva, noapenas porque a Rssia j era um grande imprio, uma potncia

    mundial, mas tambm em virtude de sua imensido territorialatual, sua infinidade eurasitica e no menos pela razo de suahistria de superpotncia comunista no decorrer da Guerra Fria.Porm, a Histria da Rssia deixar de ser compreendida se o im-

    prio russo for dissociado da ideia russa ou se ela for relegadaao segundo plano. Os acontecimentos como a defesa das terrasrussas contra a invaso das ordens livnicas, o apaziguamento dosinvasores trtaro-mongis, numa combinao genial do militar ediplomata Alexandre Nevskyi, a reunificao das terras russas na

    poca do Iv Kalit, a batalha de Kulikovo em 1380 moldam amatriz da poltica do Estado de Moscou e posteriormente do Imp-rio Russo. O estado de Moscou iniciou a sua ascenso no sculo

    XVI sob a presso do jugo externo e se estruturou e se expandiudurante todo esse perodo na luta pela sobrevivncia no oeste, nosul e no sudeste, escreve Vassilyi Klutchevsky. A sobrevivnciasignifica a consolidao da unidade nacional frente expanso da

    Livnia e da Polnia no oeste, a disseminao da f ortodoxa nosudeste, a luta contra a invaso otomana no sul.

    A ideia russa perpassa a histria russa mediante a per-cepo de um carter singular da Rssia, herdeira do legado do

    Imprio Romano oriental. Diz a carta do Czar Iv III, o Grande:.... as duas Romas caram, a Terceira est em p e a Quarta nohaver.... Passados os anos dolorosos da poca de Smuta, o rei-nado do Czar Alexei Mikhailovich marca uma evoluo da Rssiaem direo a um maior poder, atravs da reserva de uma seguran-a maior, sobretudo territorial, o que no exclui a diplomacia, ocomrcio ou simples expanso natural, como aconteceu no caso da

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    Sibria Ocidental e Oriental, criando um caminho que ser traa-do pelo Pedro I, pela Catarina II, pelo novo imperialismo do s-culo XIX, que provocou a guerra russo-japonesa de 1904-1905 e

    parcialmente a Grande Guerra.Respeitando as noes da geopoltica to fortemente rela-

    cionadas pelo autor histria russa e aceitando a relevncia dageopoltica para esta histria, vimos sustentar a ideia de que a sua

    funo no pode ser superestimada nem mesmo em relao his-tria russa. O espao da Rssia, como diz o prprio autor, criou-sedevido expanso natural e aos descobrimentos territoriais e ma-rtimos, incluindo o Alaska e o sudoeste da Califrnia. A posteriorcorrida imperialista da segunda metade o sculo XIX se encaixano perfil imperial de maneira parcial, movida pelo fortalecimentode segurana em relao ao Imprio Otomano, pelos interesseseconmicos na sia Central e no Tibet e pela consolidao territo-rial e pela poltica de desenvolvimento do espao russo atravs doimperialismo ferrovirio. Portanto, as razes, levantadas porSerguei Iulievich Witte, para justificar a construo da Transsibe-riana, so de natureza econmica e desenvolvimentista. Ele, o pri-meiro ministro do governo de Nicolau II, chama a obteno das

    concesses de produo madeireira na Coreia, de aventura deBezobrazov e Cia., provocando a reao dos japoneses, incenti-vados pelos britnicos.

    As nuances que distinguem o imperialismo sovitico doimperialismo russo no so to distintos, pelo contrrio, tm muitoem comum. Pode-se interpretar o imperialismo sovitico como ocaso clssico de expansionismo. Do ponto de vista realista, a ocupa-o da Europa Oriental em 1944-1945 deveria ser uma ao impe-rialista da imposio de domnio direto sobre a parte da Europa

    pela Unio Sovitica. No entanto, se olharmos a presena militarsovitica como garantia de segurana, a manuteno das forasarmadas na Polnia, RDA, Tchecoslovquia, Hungria, no mbitodo Tratado de Varsvia, tem uma razo e surge como uma reao,durante a Guerra Fria, ao desafio estratgico ocidental. As inter-venes na Hungria (1956) e na Tchecoslovquia (1968) se encai-

    xam no confronto bipolar na Europa. A interveno no Afeganisto(1979) visa estabilidade poltica de um pas sacudido pelo con-

    flito intestina nos anos 70, um fator de preocupao para a lide-

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    rana do partido comunista sovitico que tomou a deciso de con-sequncias srias, seno fatais, para os destinos da Unio Soviti-ca, provocando um substancial declnio do poder.

    Havia uma diferena entre o imprio russo e o regime dapoca comunista? O messianismo comunista mesclou-se fortementecom a ideia russa durante o stalinismo, s olhar como foramamarguradas as relaes entre a Unio Sovitica e a China, quan-do a ltima declarou a pretenso de liderar o movimento comunistainternacional nos anos 50. Na Rssia de hoje vem se travando umdebate em torno das similitudes e das diferenas entre um imprio euma federao, nos moldes de uma diferenciao entre a UnioSovitica e a Rssia ps-comunista. Pode-se depreender desse de-bate que a Rssia ps-comunista tem traos de semelhana com oimprio russo como a Unio Sovitica tambm teve. Porm, o fede-ralismo, que no deve ser confundido com imperialismo e que pos-sui estruturas semelhantes e usa mecanismos parecidos, um ins-trumento poltico cuja sintonizao com os interesses dos sujeitos

    jurdicos da federao passa por dificuldades nos domnios jurdi-co, poltico, econmico, cultural e de segurana da nova Rssia. Asensao de que a dissoluo da Unio Sovitica foi uma trag-

    dia tornou-se um chavo, usado tanto por polticos quanto porleigos. Um saudosismo pelos velhos bons tempos est presente nos programas de alguns partidos. As expresses de nacionalismotnico so banidas e rotuladas ilegtimas no apenas porque asecesso proibida pela constituio russa, mas tambm porque o

    fantasma da imploso sovitica continua assombrando a opiniopblica nacional. As guerras da Chechnia so tidas como a ma-nuteno da integridade territorial e a defesa da soberania russa,ou seja, o fantasma que paira sempre o mesmo: segurana nacio-

    nal. Quer a expanso da OTAN nos anos 90 e 2000, quer o enfra-quecimento do regime de no proliferao e de controle aos ar-mamentos nucleares, quer a agresso da Gergia contra a Os-sitia do Sul, tudo encontra a sua explicao dentro do contextoda segurana. Enfim, a essncia da histria russa, que perdeudurante as Guerras Mundiais e em consequncia das perseguiesdezenas de milhes de pessoas.

    Em todas as perguntas onde aparece a comparao, a po-ltica da Rssia, interna ou externa, vista sob a suspeita de impe-

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    Os ltimos captulos do livro situam a Rssia dentro doscontextos polticos, econmicos, militares transformacionistas queacompanham a transio da Rssia no mundo de hoje em funo

    da globalizao, da interdependncia, da regionalizao, da pro-liferao das novas ameaas, da exacerbao dos problemas glo-bais que a humanidade enfrenta, das novas crises que se vislum-bram nos horizontes futuras.

    Entendo que situar a Rssia, mesmo em casos aparente-mente simples, complicado. Lembremos as palavras de Bis-marck: A Rssia nunca to forte ou to fraca quanto parece.

    No importa qual o grau de ruptura que a Rssia j enfrentouou poder enfrentar no decorrer de sua histria, o que une o povorusso e os povos da Rssia sua cultura, sua crena milenar, suaexperincia histrica trgica e educadora, que se resume em tais

    palavras como resistncia a tribulaes, pacincia e f.

    O livro de Joo Fbio Bertonha maduro, slido, basea-do em fontes srias e fidedignas e apresentar aos leitores do p-blico geral e especializado um relato consequente, estruturadosobre a histria contempornea e militar, sobre a trajetria da

    Rssia nesta histria.

    Prof. Dr. Alexander Zhebit

    CFCH/UFRJ

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    SSSSUMRIOUMRIOUMRIOUMRIO

    INTRODUO .................................................................................................19

    Captulo 1 A formao territorial e a expanso imperialista russa at aPrimeira Guerra Mundial ..........................................................23

    As origens da Rssia.........................................................................................23

    Da Moscvia Rssia Imperial........................................................................25Pedro, o Grande, e a busca da modernidade.....................................................28As guerras napolenicas ...................................................................................30O expansionismo russo na Europa e na sia no sculo XIX............................31A guerra da Crimeia (1854-1856) ....................................................................35O conflito com o Japo (1904-1905)................................................................37

    Captulo 2 Economia e Poltica no Sculo XIX Russo .................................39A Rssia em 1815.............................................................................................39Uma grande potncia? ......................................................................................40A revoluo militar do sculo XIX...................................................................41A Rssia e as mudanas econmicas e militares do sculo XIX......................42A Rssia em 1914: o colosso com ps de barro ...............................................47

    Captulo 3 A Rssia na Primeira Guerra Mundial .....................................53A Rssia e a poltica de poder europia entre os sculos XIX e XX................53A Rssia na guerra: mobilizao e operaes de guerra 1914-1915 .............55A ofensiva Brusilov e o colapso do Exrcito russo 1916-1917.....................57A Rssia na Primeira Guerra Mundial: uma avaliao.....................................62

    Captulo 4 A Unio Sovitica.........................................................................69Perdas territoriais e guerra civil 1917-1920...................................................69Reconstruo do poder industrial e militar 1921-1941..................................72A URSS na Segunda Guerra Mundial ..............................................................78A vitria sovitica na Segunda Guerra Mundial...............................................84

    Captulo 5 A Unio Sovitica na Guerra Fria..............................................91A nova paisagem geopoltica: EUA e URSS entre 1945 e 1950 ......................91A URSS na Guerra Fria: Cerco geopoltico e expansionismo..........................94

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    A corrida armamentista e o complexo industrial militar sovitico ...................97A decadncia econmica e as reformas de Gorbachev...................................107

    Captulo 6 O colapso de um Imprio: a Rssia nos anos 90 .....................111O fracasso da poltica de reformas e o fim da URSS......................................111Perdas territoriais e decadncia imperial ........................................................117Declnio econmico........................................................................................120Colapso militar ...............................................................................................123

    Captulo 7 A Rssia de Putin e alm ...........................................................127Poltica: a volta do autoritarismo....................................................................127Recuperao e (ir)relevncia econmica ........................................................131Problemas sociais e crise demogrfica ...........................................................134

    O poder militar russo no incio do sculo XXI...............................................136A desintegrao da Federao Russa?............................................................142

    Captulo 8 A Rssia e o mundo no sculo XXI...........................................147A poltica externa russa: o exterior prximo...............................................147A Rssia e o mundo........................................................................................158

    CONSIDERAES FINAIS ............................................................................163

    REFERNCIAS................................................................................................171

    SOBRE O AUTOR ...........................................................................................177NDICE ALFABTICO....................................................................................179

    MapasMapa 1 Expanso russa no sculo XVI ........................................................26Mapa 2 Expanso do Imprio russo no Cucaso (1763-1914) .....................32Mapa 3 Expanso do Imprio russo na Sibria e sia Central (1689-

    1914)................................................................................................33

    Mapa 4 Regies industriais e rede ferroviria na Rssia europeia noincio do sculo XX .........................................................................45Mapa 5 A Rssia na Primeira Guerra Mundial.............................................61Mapa 6 Ofensivas do Exrcito Vermelho em 1942-1945.............................82Mapa 7 Os blocos sovitico e ocidental nos anos 40 e 50 e a crise

    cubana de 1962 ................................................................................95Mapa 8 Etnias na URSS na dcada de 1980...............................................113Mapa 9 Os Estados sucessores da URSS....................................................117

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    IIIINTRODUONTRODUONTRODUONTRODUO

    Primeira cena, 1999: Cem mil soldados russos, apoiadospor avies, helicpteros de ataque, blindados e artilharia pesada,reduzem a cinzas a pequena repblica separatista da Chechnia.Aparentemente, os russos demonstraram o enorme poder de fogo desuas Foras Armadas.

    Segunda cena, 2005: Comeam manobras militares entrea China e a Rssia na regio do Pacfico. Aparentemente, Moscoue Pequim se unem para desafiar a grande superpotncia norte--americana.

    Terceira cena, 2007: Irritado pela instalao de msseisantibalsticos norte-americanos na Repblica Tcheca e Polnia, ogoverno russo ameaa denunciar os tratados de desarmamento naEuropa assinados nos anos 90. Aparentemente, o fantasma da Guer-ra Fria est de volta.

    Esses trs aparentemente nos pargrafos de cima no soocasionais. De fato, longe de demonstrar a fora e o poder da Rs-sia, a campanha da Chechnia e as bravatas russas sobre a sua ca-pacidade de enfrentar os Estados Unidos so, na verdade, menosprova de fora e mais da fraqueza da Rssia atual.

    Realmente, para qualquer um que estude a histria mun-

    dial nos ltimos sculos e, mais especialmente, tenha acompanha-do o noticirio internacional nas dcadas posteriores SegundaGuerra Mundial, a referncia Rssia ou Unio Sovitica seriaquase obrigatria. Todas as outras potncias seja ela a Frana dosculo XVIII, a Inglaterra do sculo XIX ou os Estados Unidos nosculo XX no podiam ignorar a opinio de Moscou e, na pocada Guerra Fria, todos sabiam, ao acompanhar o noticirio na TVou atravs dos jornais, que o ponto de vista do Kremlin seria sem-pre mencionado, logo depois, ou mesmo antes, do da Casa Branca.

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    Hoje, contudo, a situao mudou radicalmente. A Rssiacontinua a ser uma grande potncia e os sinais de sua recuperaoso evidentes, mas no mais nem sombra do que foi. A voz do

    governo russo est crescendo, mas ainda no tem o eco de dcadasatrs. Como possvel tal situao quando, meros quinze anosatrs, o poder russo ainda atemorizava o mundo?

    Na verdade, o processo de ascenso e queda das grandespotncias no nada novo na Histria. Antigos pases que domina-ram a poltica mundial e eram grandes potncias militares (como aInglaterra, a Espanha e a Frana) hoje foram reduzidos a potnciasde segunda categoria, enquanto outros, como os Estados Unidos,ascenderam. Mesmo em termos econmicos, a situao nunca est-vel e pases antes ricos, como a Argentina e o Uruguai, so atual-mente pobres, enquanto a China cresce em ritmo acelerado. Enfim,a oscilao das naes no ranking de riqueza, poder e influnciano nenhuma novidade.

    No caso russo, o que impressiona e causa interesse a ve-locidade com que o processo aconteceu. Alm disso, o colapso doImprio russo nos interessa especialmente por estar ocorrendo emnosso tempo, gerando efeitos e problemas com que teremos que

    conviver durante os prximos anos, seno dcadas. Sendo assim,compreender o processo de ascenso e queda do Imprio russo pa-rece uma necessidade.

    Nesse sentido, esse livro tem o objetivo de ser uma introdu-o a esta temtica, utilizando a histria russa para compreender osdilemas da Rssia contempornea. Ele no se pretende, contudo, umahistria completa da sociedade ou do povo russos. Se quisssemosescrever tal histria, vrias questes abordadas apenas lateralmentenesse livro, como a questo agrria na Rssia, a histria do Partido

    bolchevique e da ideologia comunista, as lutas sociais no perodoczarista e outras deveriam ser aprofundadas, o que no o caso.

    Realmente, importante deixar claro que no pretendoabordar em detalhes certos tpicos da histria russa (especialmenteno perodo sovitico), como o regime stalinista, a ideologia leni-nista e as diversas revolues de 1917, entre outros, sobre os quais

    j existe uma bibliografia considervel em portugus. Qualquerleitor pode encontrar, sem dificuldades, nesta bibliografia, materialpara aprofundamento a respeito desses assuntos, o que me exime de

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    abord-los alm do mnimo necessrio para o desenvolvimento domeu argumento.

    Do mesmo modo, outros tpicos mais gerais, como as ori-gens das duas guerras mundiais ou os dilemas do mundo globaliza-do, tambm sero vistos apenas para dar o contexto preciso da atua-o russa no mundo, sem o exame de todos os desdobramentos edebates que deles fazem parte.

    Em resumo, este um livro com um foco bastante preciso,ou seja, a insero internacional da Rssia nos ltimos sculos, comnfase na sua histria militar e geopoltica, partindo da poca dosczares e chegando ao momento atual, no incio do sculo XXI. A

    questo da formao territorial da Rssia e a ida e vinda das suasfronteiras ser especialmente trabalhada, assim como o relaciona-mento do Estado russo com o resto do mundo e as guerras em que opas se envolveu nos ltimos sculos.

    Nesse sentido, o primeiro captulo apresentar um panoramageral da formao da Moscvia imperial e do Estado imperial russo eda sua expanso em direo sia e Europa, desde a poca moder-na at o incio da Primeira Guerra Mundial. Os principais conflitosem que o Estado russo se envolveu nesse processo, como as guerrasnapolenicas e as da Crimeia e do Japo, tambm sero apresentados.Teremos, assim, o pano de fundo factual a partir do qual poderemoscompreender os dilemas estratgicos e militares com que a Rssia sedefrontava entre fins do sculo XIX e incios do sculo XX. No ca-ptulo segundo, tais dilemas sero explorados em profundidade, en-quanto o terceiro estudar o momento em que a Rssia imperial foirealmente colocada prova, ou seja, a Primeira Guerra Mundial.

    Os captulos seguintes abordaro a formao da Unio So-

    vitica, a sua participao na Segunda Guerra Mundial e o conflitocom os Estados Unidos durante a Guerra Fria, focalizando especial-mente os problemas geopolticos e militares enfrentados pelos sovi-ticos. Por fim, analisar-se- o colapso do sistema sovitico, com oconsequente retorno do Estado russo ao cenrio internacional.

    Os dois ltimos captulos se concentram justamente nessanova Rssia e procuram fazer um diagnstico dos seus atuais ele-mentos de poder e das suas condies econmicas, militares e es-tratgicas neste sculo XXI. As perspectivas de atuao geopoltica

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    da Rssia e sua insero dentro do sistema de grandes potnciasatual sero especialmente enfocadas.

    Percebe-se, assim, que a densidade do texto aumenta medida que nos aproximamos do momento atual, com mais espaosendo dedicado, por exemplo, aos ltimos dez anos da histria rus-sa do que s centenas do perodo czarista. Tal opo nos parececonveniente para um trabalho que no se pretende um grande trata-do geral sobre a Histria russa, mas que procura utilizar elementosdesta Histria para explicar os dilemas e problemas da Rssia hoje.

    Cumpre ressaltar, ainda, uma vez que este um livro vol-tado centralmente a um pblico sem muita familiaridade com a

    histria russa, ou seja, o brasileiro. Assim, certas referncias ouinformaes histricas que seriam absolutamente desnecessriaspara um pblico russo ou mesmo europeu tero que ser, aqui,acrescentadas. Do mesmo modo, este um livro que se pretendevoltado ao pblico no especializado ou que se inicia no estudo daHistria das Relaes Internacionais.

    O prprio formato do texto, corrido, sem notas e remeten-do bibliografia final para a fonte das informaes utilizadas nomesmo, indica esse seu carter mais geral e o esforo para atingir

    um pblico mais amplo. Realmente, no faria realmente sentido emsobrecarregar um livro como este com uma imensa massa de refe-rncias ou notas que dificultariam a sua leitura.

    Alm disso, como este um trabalho que utiliza larga-mente fontes estatsticas e factuais de domnio pblico e/ou vincu-ladas pela mdia escrita, televisiva e no espao virtual nos anosrecentes, nem sempre foi possvel ou necessrio citar a origem dasinformaes. Apenas quando foi completamente inevitvel, paraevitar o plgio, citar o autor de alguma opinio ou dado, isso foifeito. E, mesmo assim, preferiu-se, nesses casos, utilizar o sistemaautor-data, que permite uma maior fluidez do texto.

    Enfim, o objetivo deste livro entender como e porque aRssia cresceu a ponto de se tornar um grande Imprio, as razesda sua decadncia e o impacto tanto dessa ascenso quanto dessaqueda dentro da histria das relaes internacionais, nos ltimossculos, o que uma tarefa essencial para quem quer compreenderno apenas a Rssia, como o prprio mundo em que vivemos.

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    Captulo 1

    AAAA FORMAO TERRITORIAL E AFORMAO TERRITORIAL E AFORMAO TERRITORIAL E AFORMAO TERRITORIAL E AEXPANSO IMPERIALISTA RUSSAEXPANSO IMPERIALISTA RUSSAEXPANSO IMPERIALISTA RUSSAEXPANSO IMPERIALISTA RUSSA

    AT AAT AAT AAT A PPPPRIMEIRARIMEIRARIMEIRARIMEIRA GGGGUERRAUERRAUERRAUERRA MMMMUNDIALUNDIALUNDIALUNDIAL

    AS ORIGENS DA RSSIA

    No existe um consenso sobre as origens das vrias tribos

    e grupos que compartilhavam a lngua e a cultura eslava. O que conhecido que, por volta de 800 anos antes de Cristo, tribos esla-vas habitavam a regio que agora a Rssia central (que eles co-nheciam como Rus), disputando territrio, por sculos, com outrastribos que tambm haviam se instalado na regio, assim como cominvasores vindos das profundezas da sia.

    Por volta de 200 d.C., tribos germnicas, como os godos, ede origem asitica, como os hunos, controlaram o territrio eslavo.A partir do momento em que as primeiras adentraram o ImprioRomano e as segundas foram derrotadas por este, os eslavos se ex-pandiram pela regio que hoje a Europa Oriental. Conflitos doseslavos, divididos em vrios reinos e grupos, com tribos asiticas,como os avaros, e com o Imprio bizantino marcaram os sculosseguintes.

    Por volta do sculo 9 d.C., guerreiros e mercadores escan-dinavos, os vikings, atingiram o territrio dos eslavos e consegui-ram criar um Estado, conhecido como o da Rssia de Kiev, com

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    sede justamente nesta cidade. Sob a liderana de vrios reis, essereino tornou-se, por volta de 1030, o maior Estado em rea territo-rial da Europa, submetendo a maioria dos povos eslavos e mesmo

    algumas tribos de outras origens.Em 988, um importante acontecimento marcou a histria

    do povo russo: a converso ao Cristianismo. Antes pagos, os esla-vos foram progressivamente se convertendo e, nesse ano, o Cristia-nismo foi oficialmente adotado como religio oficial pelo PrncipeVladimir, do Reino da Rssia de Kiev.

    No entanto, enquanto poloneses, croatas e outros eslavosse tornaram catlicos romanos, srvios, blgaros e russos se torna-

    ram, depois do cisma de 1054, catlicos ortodoxos, mais prximoda herana bizantina. Os bizantinos, alis, foram especialmenteimportantes na formao cultural, lingustica e religiosa dos eslavosdo oriente, entre os quais os russos. Cristalizou-se, nesses anos,assim, uma diviso cultural e religiosa dentro do mundo eslavo (esobretudo dentro do mundo cristo)que marcaria a histria dessespovos nos sculos futuros.

    Nos dois sculos seguintes, o que ficou conhecido como oprimeiro Imprio russo dividiu-se novamente em vrios principa-dos, o que enfraqueceu o poder do reino frente aos muitos inimigosnas fronteiras. Em 1223, comearam as invases dos trtaro--mongis, que subjugaram o territrio russo. Algumas dcadas de-pois, eles se retiraram e retornaram s estepes. Mas mantiveramexpedies punitivas e exigncias de tributos por outros duzentos ecinquenta anos, marcando profundamente a cultura e a maneira dever o mundo dos russos.

    Os trtaro-mongis foram realmente brutais na sua domi-

    nao da Rssia, assim como de outros povos. Cidades inteiras,como Moscou e Kiev, foram destrudas e saques e pilhagens eramcomuns. Ao norte, protegido pela geografia, um dos principadosrussos, o de Novgorod, conseguiu escapar das invases mongis,mas teve que repelir tambm ataques dos suecos e dos cavaleirosteutnicos.

    Por volta do sculo XIV, medida que o poder mongol en-fraquecia, comeava a ascenso do Estado que seria a verdadeiraorigem do Imprio russo, a Moscvia.

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    DA MOSCVIA RSSIA IMPERIAL

    O Gro-Ducado de Moscou, ou Moscvia (denominaodada ao Estado russo em documentos estrangeiros dos sculosXVI-XVII), como o prprio nome indica, tinha a sua origem e oseu centro na cidade de Moscou. Entre os sculos XIII e XVI, oprestgio e a influncia desse novo Estado no cessaram de crescer,assim como o seu territrio, medida que ele ia anexando os vizi-nhos. Apenas entre 1359 e 1425, o territrio da Moscvia foi mul-tiplicado por oito.

    Nos anos seguintes, no reinado de Ivan III, o Grande

    (1462-1505), esse processo de engrandecimento continuou. Durantemais de quarenta anos, o Estado moscovita foi capaz no apenas dereunir fora militar suficiente para se livrar da suserania dos trta-ros, como multiplicou a rea sob o seu domnio em mais quatrovezes. Por intimidao, submisso voluntria ou conquista, o dom-nio moscovita continuou a crescer.

    Foi no reinado de Iv IV, o Terrvel (1547-1584), contu-do, que a expanso territorial foi mais marcante. As conquistas nooeste, onde os russos enfrentaram povos militarmente mais fortes,

    como os suecos e poloneses, foram menos importantes, mas fo-ram largamente compensadas pelos substanciais ganhos no leste.Ali, aproveitando-se da fraqueza dos Estados trtaros remanes-centes (a maioria convertida, nos sculos anteriores, ao islamis-mo), houve substancial expanso, com a conquista da bacia doVolga e penetrao na Sibria. Os russos agora comandavam po-vos que no eram etnicamente russos e nem sequer eslavos, for-mando um verdadeiro Imprio, com cerca de doze milhes dehabitantes.

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    Mapa 1 Expanso russa no sculo XVI

    Fonte: Channon e Hudson (1996), p. 39.

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    No reinado de Iv IV, os russos viveram um regime deopresso e violncia. Na verdade, o poder dentro do Estado mosco-vita sempre foi concentrado nas mos do rei, mas Iv IV levou isso

    ao limite. Como reflexo disso, quando de sua coroao, em 1547,ele assumiu o ttulo de czar (uma derivao de Csar), como sinalde sua determinao em exercer o poder autocraticamente. O ttulofoi, a partir da, utilizado pelos soberanos moscovitas.

    Na primeira metade do sculo XVII, os ganhos e perdasterritoriais russas seguiram um padro mais ou menos igual. Quan-do enfrentavam exrcitos mais poderosos e bem armados, como ospoloneses e suecos, os russos cediam e tiveram perdas substanciaisno Bltico e em outros locais. Por todo esse sculo, a fronteira oci-dental russa ia e voltava conforme a sorte das armas, mas sem ga-nhos realmente marcantes.

    J na Sibria, os exrcitos do czar e as expedies organi-zadas pelos ricos mercadores em busca de peles e outros artigosagiam numa rea escassamente povoada e controlada por tribos ereinos militarmente fracos, muitos dos quais desconheciam as ar-mas de fogo. Vrios rios, alm disso, forneciam canais seguros decomunicao militar e comrcio. Dessa forma, o territrio russo foi

    sendo continuamente ampliado para leste.Assim, o poder russo foi lentamente absorvendo o territ-

    rio a leste dos montes Urais. J em 1581-82 a cidadela de Isker, naSibria Ocidental, foi ocupada. Em 1632, o posto avanado deYakutsk foi fundado, seguido por Okhotsk em 1649 e Irkutsk em1652 e com exploradores russos atingindo os Oceanos Pacfico ertico. Na mesma poca, assim, em que espanhis, portugueses,ingleses e franceses criavam e ampliavam seus Imprios na Amri-ca, os russos construam o seu na sia.

    verdade que boa parte desse territrio era controlado ape-nas informalmente pelo czar. As pequenas guarnies de soldadosrussos e de cossacos no conseguiam, efetivamente, manter total do-mnio das populaes conquistadas, especialmente num territrio tovasto. Mas tal expanso territorial representou, com certeza, um ele-mento chave para a potncia russa de ento e tambm para o futuro.

    Na segunda metade do sculo XVII, a nova dinastia reinan-te, os Romanov (que ficaria no poder de 1613 at 1917), procurou

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    recuperar as perdas nas fronteiras ocidentais, continuar a expansopara o leste e para o sul e modernizar o Estado e as Foras Armadas.O auge desse processo, contudo, ocorreu no reinado de Pedro, o

    Grande, entre 1682 e 1725.

    PEDRO, O GRANDE, E A BUSCA DA MODERNIDADE

    O reinado de Pedro, o Grande, foi marcado por guerras in-cessantes. No leste, os cossacos, os comerciantes e os soldados rus-sos continuaram a expanso e, em 1716, foi fundada a cidade de

    Omsk, no corao da Sibria. Os russos tambm se apossaram dapennsula de Kamtchatka e das ilhas Curilas, j no Oceano Pacfico.No sul, as tropas do czar travaram uma srie de guerras com o Im-prio turco-otomano, procurando um acesso para o mar Negro. Nofinal, os turcos conseguiram impedir momentaneamente a expansorussa, mas o Imprio turco-otomano estava claramente na defensivafrente aos russos nesse perodo.

    Foi no Ocidente, contudo, que as vitrias de Pedro forammais relevantes. Depois de uma longa guerra, de mais de vinte

    anos (1700-1721), chamada a Grande Guerra do Norte, com aSucia (na qual os russos tiveram grandes vitrias, como na Ba-talha de Poltava, em 1709, e na da Pennsula de Hango, esta na-val, em 1714), a Rssia conquistou uma sada para o mar Bltico.Mais importante do que isso, contudo, foi a fundao de umanova capital nas terras conquistadas, So Petersburgo, em 1703, eo reconhecimento, dada essa vitria, da Rssia como grande po-tncia pelos demais pases europeus. A adoo do ttulo Impera-dor (que acabou por se confundir com o de czar, apesar disto

    ser, tecnicamente, incorreto) por parte de Pedro, em 1721, e aadoo do termo Imprio russo (no lugar de Moscvia) paradesignar o Estado, a partir de ento, tambm refletem o novostatus internacional que se pretendia para a Rssia.

    Esse perodo tambm foi de intensa modernizao e oci-dentalizao. Pedro procurou aproximar o Estado e a cultura russados padres ocidentais, modernizando a estrutura poltica e esti-mulando a indstria e o comrcio. As Foras Armadas tambmreceberam melhorias, incluindo o recrutamento em bases perma-

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    nentes, o que permitiu, alis, as suas vitrias militares. No entanto,a sua nfase no poder absoluto do soberano e do Estado e as prpriasresistncias das elites russas tornaram esse processo de moderniza-

    o e liberalizao bastante limitado.Os sucessores de Pedro, entre 1725 e 1789, conseguiram

    amplos ganhos territoriais em todas as direes. No leste, na penn-sula de Kamtchatka, a base naval de Petropavlovsky foi fundadaem 1740 e o domnio russo cresceu na direo do mar de Aral e dasia Central. O processo de expanso atingiu, por fim, a Amrica,ou seja, o Alasca, que comeou a ser explorado por caadores depeles nesses anos.

    No reinado de Catarina II, a Grande, entre 1762 e 1796, aomesmo tempo em que a expanso prosseguia no sul, em detrimentodos turcos, e no leste, houve avanos substanciais tambm no oeste.O Estado polons sofreu trs partilhas entre a Rssia, a ustria e aPrssia, em 1772, 1793 e 1795, e cessou de existir. O Imprio russoavanou suas fronteiras para o Ocidente, absorvendo o que hoje aBielo-Rssia, a parte ocidental da Ucrnia e reas no Bltico. Pelaprimeira vez na histria, se excluirmos a Sucia, o Estado russotinha fronteiras com as potncias ocidentais.

    Para explicar essa tendncia expansionista russa na po-ca czarista, temos que levar em conta no apenas os aspectos geo-polticos e a ideologia imperialista russa, inegvel e que conside-rava direito e dever da Rssia se expandir pelo mundo. Tambmeram relevantes as ambies dos mais diversos monarcas, queambicionavam os ganhos polticos e econmicos de uma expan-so contnua, e a busca de outras vantagens econmicas. A buscade segurana frente a outros Estados e a prpria prtica da mo-narquia de distribuir terras e servos aos nobres como forma de

    garantir a sua lealdade tambm davam impulso a essa expanso.Em resumo, a busca do Estado russo pelo controle de

    mais territrio na poca moderna no era nada excepcional, comose a Rssia fosse o nico pas que buscasse expandir sua baseterritorial. Essa expanso das fronteiras era um processo quasenatural, muitas vezes impulsionado pelo Estado e, frequente-mente, posto em movimento pela iniciativa de comerciantes, ca-adores e outros. Havia interesses econmicos, de segurana,polticos e vrios outros atuando, junto com as ambies geopo-

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    lticas e estratgicas, para fazer da Rssia uma nao expansio-nista.

    Claro que o expansionismo russo na poca moderna tinhaespecificidades, como o fato de ele se concentrar em reas cont-guas ao territrio j conquistado (com os russos ausentes, assim, dacorrida colonial na Amrica, com exceo do Alasca e da Califr-nia, e das lutas pelo comrcio dos produtos tropicais na sia efrica) e do papel menor (ainda que importante, especialmente nocaso da Sibria) de uma burguesia comercial na sua consecuo.Ainda assim, estava, de uma forma ou outra, inserido num mo-mento maior da histria europeia.

    AS GUERRAS NAPOLENICAS

    Os exrcitos russos, como visto, j estavam atuando nasguerras europeias desde o sculo XVIII. Neste sculo, os russosderrotaram suecos, turcos e poloneses em vrias guerras e, em1760, na Guerra dos Sete anos, chegaram a ocupar temporaria-

    mente Berlim, surpreendendo os europeus pela persistncia e com-batividade das suas tropas. Foi no ciclo de guerras gerado pela Re-voluo Francesa e por Napoleo Bonaparte entre 1789 e 1815,contudo, que a Rssia ascendeu definitivamente ao papel de grandepotncia europeia.

    J em 1798-1799, um corpo de dezoito mil soldados rus-sos, liderados pelo general Aleksandr Suvorov, apoiou os austracoscontra os franceses no norte da Itlia. Nos anos seguintes, exrcitos

    russos participaram das batalhas de Austerlitz e Friedland contra ossoldados de Napoleo, tendo perdas to grandes que levaram o czara fazer a paz de Tilsit com a Frana, em 1807.

    Cinco anos depois, contudo, as tenses entre os dois pa-ses levaram invaso da Rssia pelo Grande Exrcito de Na-poleo, com 550.000 homens. Mesmo derrotados em Borodino,os russos no se renderam e resistiram at que a fome, o frio e afalta de suprimentos dizimaram os franceses e seus aliados. Em1813-1814, fazendo parte da VI Coalizo Antinapolenica, os

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    soldados do exrcito russo chegaram at Paris, que foi ocupadapor eles, em 1814.

    Vrios elementos colaboraram para salvar a Rssia da con-quista francesa, permitindo a sua recuperao militar. Em primeirolugar, a invaso conseguiu criar um clima patritico e mobilizar aomenos parte da populao russa para uma guerra de guerrilhas contraos franceses, repetindo o cenrio desastroso que eles enfrentaram naEspanha entre 1808 e 1813. Depois, os franceses tiveram que lidarcom o clima inclemente, a imensido do pas, a distncia que separa-va a Europa do ncleo do poder russo em Moscou (o que lhe davauma certa invulnerabilidade) e, especialmente, as dificuldades paraabastecer as tropas francesas no imenso espao do Imprio.

    A firmeza e a pacincia da liderana russa, especialmenteo general Kutuzov e o czar Alexandre I, que souberam explorar asfraquezas francesas no campo de batalha, recuando para o interiordo espao russo quando necessrio e recusando as ofertas de pazfeitas por Napoleo, tambm foram fundamentais para a vitria.

    De qualquer modo, a entrada de um exrcito russo em Pa-ris foi, com certeza, um smbolo da ascenso russa ao status de po-tncia mundial, potncia esta que continuou a se expandir nas d-cadas seguintes.

    O EXPANSIONISMO RUSSO NA EUROPA ENA SIA NO SCULO XIX

    Ainda que as fronteiras do Imprio russo estivessem seaproximando da regio desde o sculo XVI, foi apenas no final dos

    sculos XVIII e XIX que a rea entre os mares Negro e Cspio foiincorporada. Tanto atravs da submisso voluntria, como pelaconquista dos pequenos Estados das montanhas, a fronteira foi sen-do levada para o sul. Uma longa srie de guerras com a Prsia ecom o Imprio turco, especialmente entre 1783 e 1878, tambmtrouxe novos territrios. Na segunda metade do sculo XIX, a Rs-sia controlava quase toda a regio do Cucaso e seus povos, queincluam cristos, como os armnios e os georgianos, e muulma-nos, como os chechenos e os azeris.

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    Mapa 2 Expanso do Imprio russo no Cucaso (1763-1914)

    Fonte: Channon e Hudson (1996), p. 73.

    No decorrer do sculo XIX, o Imprio russo tambm com-pletou a conquista da sia Central. Os antigos povos de origemtrtara, persa ou turca da regio (como os cazaques, os uzbeques, osturcomenos e outros) tiveram que aceitar a soberania russa e, deforma gradual, mas persistente, a fronteira foi sendo levada para osul. Ao faz-lo, os russos compensavam suas dificuldades, desde aguerra da Crimeia, em se expandir na direo da Europa e amplia-

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    vam seu cacife, ao se mostrarem um Imprio em crescimento,frente aos outros poderes europeus, especialmente a Inglaterra.

    Mapa 3 Expanso do Imprio russo naSibria e sia Central (1689-1914)

    Fonte: Channon e Hudson (1996), p. 55.

    No final do sculo, realmente, os russos estavam se apro-ximando da ndia, que era, ento, a colnia mais importante do Im-prio britnico. Tal situao era extremamente preocupante para

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    Londres, o que levou a uma crescente tenso com os russos na regio.A situao poderia ter degenerado em guerra entre as duas potncias,mas tanto o Imprio russo como a Inglaterra, no final do sculo XIX

    e incio do sculo XX, no desejavam, especialmente para poderemunir foras frente Alemanha no cenrio europeu, entrar em conflitono corao da sia, o que levou assinatura de acordos disciplinan-do a conquista da regio em 1907 e ao estabelecimento do Afega-nisto como estado tampo entre os dois Imprios.

    Para explicar essa tendncia expansionista russa no sculoXIX, temos que recordar que vrios dos elementos atuantes nossculos anteriores, j mencionados, e que instigavam o expansio-nismo, ainda estavam atuando, como os interesses econmicos, abusca de segurana frente s outras potncias etc. A ideologia impe-rialista russa, que justificava e defendia o direito da Rssia de ab-sorver cada vez mais territrios, tambm era um elemento de conti-nuidade frente ao perodo anterior.

    Na corrida imperialista do sculo XIX, contudo, entra-vam em jogo outros elementos. Nesse momento, as colnias adqui-riram, para as potncias europeias, uma importncia ainda maior,servindo no s para o comrcio e para o abastecimento da Europa

    de produtos tropicais (como havia sido nos sculos anteriores),como tambm para fornecer matrias-primas e consumir os pro-dutos produzidos nas crescentemente industrializadas metrpoleseuropeias. Os interesses econmicos, apesar de no exclusivos,deram um novo formato ao imperialismo do sculo XIX.

    Alm disso, houve uma mudana substancial na mentali-dade das elites europeias nesse perodo. Dispor de colnias no eramais simplesmente uma questo de escolha, mas algo fundamentalpara demonstrar vitalidade e fora. Em um momento em que o na-

    cionalismo exacerbado se tornava, por diversas razes, uma dasbases da poltica europeia, no dispor de colnias e de foras mili-tares poderosas era um sinal de fracasso nacional. Adquirir um Im-prio e conseguir desfrut-lo e proteg-lo no era nenhuma desonra.Pelo contrrio, era uma prova de vitalidade e fora nacional e amaioria das naes europeias se lanou neste desafio.

    Assim, apesar das especificidades russas, a serem vistas aseguir, no se pode dizer que o Imprio russo fosse muito diferentedas outras naes europeias, quando o assunto era a expanso impe-

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    rial. Interesses econmicos, busca de segurana e desenvolvimentoe ideologia imperial (ou pensamento geopoltico) se articulavampara fortalecer ambies de expanso externa que j vinham, na

    realidade, desde a poca das Grandes Navegaes.De qualquer forma, as conquistas territoriais russas, no de-

    correr do sculo XIX, mesmo no tendo chegado ndia, foramsubstanciais, ampliando ainda mais o j imenso territrio do Imp-rio e compensando a desistncia em prosseguir a colonizao daAmrica do Norte, corporificada na venda do Alasca aos EstadosUnidos em 1867.

    Cumpre ressaltar, por fim, uma especificidade do imperia-

    lismo russo dentro do panorama imperial europeu do sculo XIX.Enquanto os pases da Europa Ocidental criavam colnias de alm--mar, mantidas em contato com a metrpole atravs da fora naval, osrussos optaram por uma poltica de crescimento em territrio cont-guo ao que eles j possuam, na sia e na Europa. Os novos territ-rios e povos incorporados Rssia tinham, na maior parte dos casos,menos direitos do que os russos tnicos e eram tratados quase comocolnias, mas a prpria proximidade territorial implicava numa mistu-ra entre russos e no russos muito superior a que teria acontecido sesuas colnias estivessem em outro continente. Centro e periferia aoinvs de metrpoles e colnias como na Europa ocidental.

    Portanto, a prpria incorporao de territrios contguos im-plicava na criao de um tipo de relacionamento entre dominantes edominados diferente daquele criado pelos europeus ocidentais nassuas colnias alm-mar. Um sistema imperial bastante parecido, nesseponto, com o dos norte-americanos, que se expandiram pela Amricado Norte por todo o sculo XIX, com a diferena que os novos Esta-dos dos Estados Unidos recebiam direitos iguais aos dos 13 originais.

    De qualquer modo, a formao particular do Imprio russo teve impli-caes futuras quando da descolonizao dos Imprios europeus.

    A GUERRA DA CRIMEIA (1854-1856)

    As origens da Guerra da Crimeia esto justamente nessapoltica expansionista russa na direo da sia e da Europa. Comovisto, os russos estavam pressionando fortemente o enfraquecido

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    Imprio turco-otomano e anexando territrios tanto na Europa comona sia. H certa controvrsia se a Rssia czarista queria destruir oImprio turco e se apossar diretamente dos estreitos que ligam o mar

    Mediterrneo ao Negro ou se ela ambicionava unicamente o seucontrole indireto. De qualquer forma, essa posse daria Rssia umasada para o mar aberto e uma imensa influncia na bacia do Medi-terrneo. O problema que tal ambio era inaceitvel para as po-tncias ocidentais, especialmente a Frana e a Inglaterra.

    Em 1853, aps uma srie de motivaes casuais, russos eturcos entraram em guerra novamente e a marinha turca foi destru-da pela russa. Franceses e ingleses intervieram ento, enviando umaexpedio para Sebastopol, base da frota russa do mar Negro, napennsula da Crimeia.

    Ainda que a expedio franco-britnica Crimeia tenhatido imensos problemas na sua organizao e sistema logstico,sofrendo imensas perdas, ela foi capaz de derrotar as igualmenteincompetentes foras do czar, revelando as suas muitas debilidades.Os exrcitos e frotas russas estavam espalhados dentro do territriodo Imprio ou vigiando as muitas fronteiras e povos conquistados,sendo impossvel reuni-los para um ataque conjunto aos invasores.

    Havia imensos problemas para abastecer as tropas em luta e muitosdos soldados recrutados para a guerra no tinham treinamento ade-quado (KENNEDY, 1989, p. 170-175).

    Alm disso, alguns lderes militares russos eram poucocompetentes e o armamento das tropas, como veremos a seguir,estava claramente ultrapassado. Estas eram caractersticas antigasdas Foras Armadas russas, mas sempre compensadas pela massanumrica. Agora, pela primeira vez, a superioridade numrica russano compensou a sua inferioridade em armamentos e o Estado rus-

    so revelou-se incapaz de sustentar uma luta prolongada. No sur-preende, assim, que, em 1856, com o Imprio claramente na defen-siva, o governo do czar Alexandre II tenha sido obrigado a ceder.

    A Guerra da Crimeia trouxe, assim, perdas territoriais eproblemas econmicos Rssia, alm de quase meio milho demortes. Mais importante do que tudo, entretanto, foi a demonstra-o da crescente fraqueza econmica e militar russa frente ao Oci-dente, o que levou, como veremos no captulo seguinte, a tentativasde mudanas econmicas e sociais dentro do pas.

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    Tambm a guerra russo-japonesa de 1904-1905 seguiu pa-dres semelhantes, tendo suas origens na permanente poltica deexpanso do Imprio russo e deixando claras as debilidades e pro-

    blemas deste Imprio na virada dos sculos XIX e XX.

    O CONFLITO COM O JAPO (1904-1905)

    A Rssia, no incio do sculo XX, continuava a sua polticaexpansionista no Oriente, voltada agora China, Manchria e Coreia. De um lado, acreditava-se que no haveria rival para o poderrusso nessa regio, longe das preocupaes dos europeus, e que seria

    possvel ampliar o poder do Imprio sem grandes dificuldades. Deoutro, havia ali interesses econmicos russos muito precisos, voltadosaos recursos naturais dessas regies. O problema que as ambiesda Rssia se chocaram com as de outra potncia, o Japo, o qual tam-bm desejava controlar a regio oriental da China e a Coreia.

    Em 1904, o Japo, preocupado com o crescimento do podernaval russo na regio e com a finalizao da ferrovia trans-siberiana(que visava, de um lado, a integrao e o desenvolvimento econmicosiberiano, mas que tambm tinha um interesse estratgico em ampliar

    a capacidade logstica das tropas russas na fronteira com a China)atacou as instalaes navais de Port Arthur. As foras terrestres enavais russas, pegas de surpresa e com uma oficialidade incompetenteno comando, foram, apesar de numerosas, derrotadas rapidamente.Vrios cruzadores e encouraados russos foram afundados e Port

    Arthurfoi cercado, rendendo-se em janeiro de 1905.

    Em um supremo esforo, a frota russa do mar Bltico deua volta ao mundo para enfrentar os japoneses. Partindo da Europaem outubro de 1904, seus cerca de cinquenta navios, dos quais oitoencouraados modernos, deram a volta pela frica do Sul e pelondico, atingindo a regio do conflito em maio de 1905. Apesar doesforo, tudo o que a esquadra russa mal comandada e com tri-pulao grandemente inexperiente conseguiu foi ser completa-mente destruda na batalha de Tsushima, em 27.05.1905. A Rssiaperdeu sua condio de grande potncia martima e o Imprio teveque aceitar a derrota e ceder territrios e reas de influncia ao Ja-po, numa outra indicao das suas dificuldades nessa virada dossculos XIX para o XX, as quais exploraremos melhor a seguir.

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    Captulo 2

    EEEECONOMIA ECONOMIA ECONOMIA ECONOMIA E PPPPOLTICA NOOLTICA NOOLTICA NOOLTICA NO

    SSSSCULOCULOCULOCULO XIX RXIX RXIX RXIX RUUUUSSSSSOSOSOSO

    A RSSIA EM 1815

    Ao final das guerras napolenicas, em 1815, a Rssia eraindubitavelmente um ator de importncia nas relaes internacio-nais europeias. Seu territrio era imenso e superava largamente ode qualquer pas do Ocidente. Sua agricultura havia conhecido pro-gressos e, sob estmulo estatal e atendendo as demandas militares, aindstria tinha se desenvolvido para fornecer armas, munio, uni-formes e outros artigos.

    Sua populao tambm era expressiva e, tanto por anexa-es como por crescimento natural, estava em rpido desenvolvi-mento. Em 1815, o Imprio contava com cinquenta e um milhesde habitantes, tendo superado a Frana como pas mais populoso da

    Europa. Esse crescimento continuou nos anos seguintes. Isso signi-ficava ampla disponibilidade de recrutas para as Foras Armadas ede mo de obra para a economia.

    Dada essa disponibilidade de homens e a nfase das despe-sas estatais nas foras militares (cerca de quatro quintos do ora-mento nacional), o Exrcito russo era imenso. Realmente, comquase oitocentos mil homens em 1815, era simplesmente togrande que era considerado to imbatvel em terra quanto a mari-nha britnica o era no mar. Alm disso, o soldado russo era reco-

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    nhecidamente pouco exigente e capaz de suportar as maiores pri-vaes, o que dava aos seus generais uma grande fora militar. OImprio era visto como um colosso a ser temido (KENNEDY,

    1989, p. 168-176).

    UMA GRANDE POTNCIA?

    No entanto, a Rssia estava longe de ser uma potncia real-mente dominante e, mesmo que as pessoas que viviam naquelemomento no pudessem saber, estava em lenta decadncia. Seuterritrio era amplo, mas grandemente desabitado e sem boas viasde comunicao, o que, muitas vezes, era mais um problema doque uma vantagem. Sua populao era numerosa, mas menos ins-truda e mais pobre do que no resto da Europa e, muitas vezes,hostil ao domnio do Imprio, o que obrigava os militares russos adesviarem parte substancial dos seus soldados para misses depolcia interna.

    Em termos econmicos, progressos estavam a ocorrer,

    com crescimento na produo de ferro, tecidos e agrcola, mas emritmo inferior ao do Ocidente. Basta recordar, a propsito, que se aproduo de ferro duplicou na Rssia nas primeiras dcadas dosculo XIX, ela aumentou trinta vezes na Gr-Bretanha, o que indi-ca como os russos ainda viviam num pas arcaico, com a produoagrcola limitada pela servido dos camponeses, uma indstria pe-quena, um sistema financeiro e de administrao pblica atrasados,com relao Europa ocidental, e pouco eficientes e um regimepoltico autocrtico.

    Em termos militares, o mesmo poderia ser dito. Haviaenormes problemas de abastecimento, a maioria dos oficiais eraincompetente e a capacidade russa em desenvolver armas tecnolo-gicamente avanadas era pequena. Os russos, alm disso, eram umapotncia terrestre, com presena nula nos grandes oceanos e comuma marinha de guerra pequena (cerca de 1/5 da britnica em1815) e isolada nos mares gelados e no Negro. Alm disso, as mu-danas no panorama tecnolgico mundial iam na direo contrrias condies russas.

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    A REVOLUO MILITAR DO SCULO XIX

    No perodo da Idade Moderna, quando a tecnologia militarse desenvolvia lentamente, ainda era possvel copiar a experinciaestrangeira e superar pases com Foras Armadas melhores atravsdo peso dos nmeros. No sculo XIX, tal possibilidade diminuiubastante, o que deixou evidente todas as vantagens e desvantagensda Rssia como grande potncia.

    Na primeira metade do sculo XIX, contudo, tal situaoainda no era to clara e a presso para reformas e mudanas erapequena. Assim, o sistema poltico e a sociedade russa oscila-

    ram, nas primeiras dcadas desse sculo, entre tmidas tentativasde reformas e liberalizao e ondas reacionrias. Camponesesempobrecidos e nacionalistas poloneses fizeram vrios levantes,reprimidos com rigor, e a maior parte do poder efetivo continua-va nas mos do czar e da nobreza. A economia tambm continua-va a ser gerida e pensada com os padres dos sculos anteriores,sem muita preocupao com as intensas mudanas que j varriama Europa Ocidental e os Estados Unidos. O grande problema,para os russos, era que uma revoluo econmica e militar estavaem curso nesse perodo, que eles podiam tentar ignorar, mas nosem consequncias.

    Realmente, no perodo da Idade Moderna, entre os s-culos XVI e XVIII, as Foras Armadas europeias, que haviamabsorvido e desenvolvido a tecnologia das armas de fogo, esta-vam ligeiramente frente, em termos tecnolgicos, dos seus ri-vais de fora da Europa. Entre os Estados europeus, contudo, nohavia um diferencial tecnolgico expressivo e as armas que equi-

    pavam espanhis ou franceses, nas guerras do sculo XVII, noeram muito diferentes.

    Nessa poca, o que levava vitria ou derrota, no con-fronto entre os Estados europeus, era o fator financeiro. A produode armas e a manuteno dos Exrcitos consumiam enormes somasde dinheiro e o vencedor normalmente era aquele que conseguialevantar mais recursos para manter suas foras em campo e/ou tinhamais homens e recursos para gastar. A Rssia estava bem nestesquesitos e era, portanto, uma grande potncia.

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    Com a Revoluo Industrial, a partir do final do sculoXVIII, os recursos financeiros continuaram importantes, mas asForas Armadas foram lentamente ficando dependentes das novas

    fbricas que se espalhavam por boa parte do mundo. Estas novasindstrias produziam armamento cada vez mais desenvolvido tec-nologicamente, como navios movidos a vapor, canhes mais rpi-dos e precisos, a metralhadora (a partir do final do sculo XIX) eoutros, e em larga escala, o que permitia criar Exrcitos e Marinhascada vez maiores e mais poderosos e recuperar as perdas em ritmoacelerado.

    A RSSIA E AS MUDANAS ECONMICAS EMILITARES DO SCULO XIX

    No caso russo, apesar de uma experincia de ocidentaliza-o j ter se iniciado com Pedro, o Grande, o primeiro sinal de alerta,como visto no captulo anterior, foi a Guerra da Crimeia. Nesta,quando os numerosos navios de madeira e vela russos tentaram en-frentar os navios de ferro e movidos a vapor dos franceses e ingleses(muitos deles com novidades blicas, como granadas de fragmenta-o para seus canhes e foguetes), foi um fracasso. Do mesmomodo, massas de soldados russos armados com fuzis de pederneira(com alcance de 200 metros) foram dizimadas pelos soldados alia-dos, que tinham fuzis modernos capazes de atirar a mil metros. Almdisso, medida que a guerra prosseguia e os estoques de armas esuprimentos russos se esgotavam, franceses e ingleses no apenasconseguiam produzir os seus em massa, repondo as perdas, comotinham navios a vapor para lev-los a Crimeia com rapidez.

    Assim, os russos foram derrotados pela sua dificuldade emse adaptar ao mundo moderno nos mais diferentes aspectos, mas,especialmente, pela nova tecnologia ocidental. Ficou mais do queclaro, que, se a Rssia quisesse continuar a ser uma potncia euro-peia, reformas teriam que ser implementadas. Esse foi o grandedesafio do Estado russo, a partir de ento.

    Esse novo contexto gerou um grande desafio aos Estadose s Foras Armadas de boa parte do mundo, nessa poca, e no

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    apenas Rssia. Realmente, se agora o que representava a dife-rena entre um Exrcito poderoso e um fraco, entre conquistar eser conquistado, era uma capacidade industrial desenvolvida,

    conseguir essa capacidade tornou-se algo vital para todos os Es-tados. No toa, assim, que muitos pases, como a ustria, aItlia e outros, e no s a Rssia, tenham se lanado, entre fins dosculo XIX e incios do sculo XX, em um frentico esforo paraconverter suas economias e suas foras militares para o novo pa-dro que ia se impondo.

    Os resultados obtidos pelos vrios pases nesse esforo va-riaram muito. O Reino Unido, bero da Revoluo Industrial e

    grande potncia dominante na primeira metade do sculo XIX, en-fraqueceu em termos relativos, mas continuou importante. J osEstados Unidos e a Alemanha cresceram em ritmo acelerado e sedestacaram no cenrio econmico e industrial mundial, com a Ale-manha tambm se preocupando em criar um Exrcito e uma Mari-nha de peso.

    No caso russo, a tentativa de adaptao ao novo con-texto tambm ocorreu. A servido foi abolida em toda a Rssiaem 1861 (ainda que a maioria dos camponeses continuasse em

    extrema pobreza e sofrendo a explorao dos senhores de terras)e o Estado iniciou um programa de estmulo ao desenvolvimentoindustrial.

    Tal programa foi conduzido de uma forma totalmenteautoritria, coerente com o carter do Estado russo de ento. Ocampo foi penalizado, com os recursos dos impostos sendo canali-zados para a indstria e as cidades. Os trabalhadores, rurais e urba-nos foram submetidos intensa explorao e verdadeiramente san-

    grados por impostos e salrios baixos, com todo descontentamentosendo imediatamente reprimido.

    Alm disso, o carter instrumental do programa de moder-nizao russo fica claro quando se verificam os setores beneficia-dos, ou seja, a indstria pesada (ao, carvo) e as ferrovias, enfim,aqueles necessrios ao poder militar. Em resumo, as reformas rus-sas visavam claramente recuperao do poder do Estado e no amelhora do nvel de vida da populao ou a transformao do Esta-do para um padro mais democrtico. A ambio dos czares era

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    uma Rssia poderosa e temida e no democrtica, equitativa e comalto nvel de vida para a populao. Tanto que, em 1913, apenas154 milhes de rublos foram destinados pelo Estado sade e edu-

    cao, enquanto 970 milhes foram absorvidos pelas Foras Arma-das (KENNEDY, 1989, p. 230).

    Os resultados desse esforo foram bastante positivos, sepensarmos apenas no crescimento econmico e industrial. A popu-lao urbana passou de 3,6% para 7% da populao, entre 1890 e1913, e a rede ferroviria (essencial para os movimentos militares)cresceu de mil e quinhentos quilmetros, em 1860, para trinta milem 1890 e setenta e cinco mil em 1914, incluindo a Trans-

    -siberiana, que permitia a ligao com a Sibria. Tambm foramlanadas medidas para tentar modernizar a agricultura.

    No campo industrial, o crescimento atingiu uma mdia de5% ao ano, entre 1860 e 1914. A produo de carvo cresceu deseis milhes de toneladas, em 1890, para trinta e seis, em 1914.Nesse ano, a Rssia, com seus grandes campos na regio de Baku,era o segundo maior produtor de petrleo do mundo. Em 1914, oImprio russo tinha se tornado a quarta potncia industrial do mun-do, com destaque para a indstria do ao, a petrolfera e do carvo.

    Um grande complexo metalrgico havia surgido na Ucrnia, a in-dstria txtil era forte em Moscou e So Petersburgo e a Polniahavia se tornado um polo industrial. A economia russa ainda eramuito dependente de capitais e maquinaria avanada da Europa(sendo que parte substancial da indstria russa estava sob controlede investidores estrangeiros) e o povo russo era pouco beneficiadopelo crescimento econmico, mas a Rssia se tornou autossuficienteem vrios dos principais produtos industriais, especialmente aque-les necessrios para o abastecimento militar (KENNEDY, 1989,

    p. 226-235).

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    Mapa 4 Regies industriais e rede ferroviria na Rssiaeuropeia no incio do sculo XX

    Fonte: Channon e Hudson (1996), p. 85.

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    Tambm as Foras Armadas sofreram reformulaes, aomenos em alguns pontos. O Exrcito passou a selecionar os seussoldados a partir do recrutamento universal. A Marinha russa, por

    sua vez, que havia crescido bastante nos reinados de Pedro, oGrande, e Catarina II, mas decado depois, foi reconstruda.

    Os russos, alm disso, ao mesmo tempo em que procura-vam melhorar a qualidade das suas Foras Armadas, continuavama investir e a confiar nos nmeros. Em 1880, os russos tinhamquase 800 mil homens no Exrcito, nmero este ampliado para1,4 milho em 1914, com cinco milhes nas reservas imediatas(KENNEDY, 1989, p. 200). Em todos esses anos, o Imprio ja-mais deixou de ter a maior Fora Armada da Europa, ao menosnumericamente.

    Os nmeros brutos tambm continuavam a beneficiar osrussos em outros aspectos. A sua base territorial era imensa, supe-rando mais de vinte milhes de quilmetros quadrados e represen-tando dezenas de vezes a rea de seus oponentes, como a Alemanhaou a ustria. Sua populao tambm continuava a crescer em ritmoacelerado, atingindo 116 milhes em 1890, 135 milhes em 1900 e175 milhes em 1914, sendo, neste ltimo ano, quase trs vezes a

    alem, quatro vezes e meia a francesa e cinco vezes a italiana. Pa-recia um reservatrio sem fim de homens e recursos (KENNEDY,1989, p. 195).

    Em resumo, a Rssia, at 1914, havia feito esforos imen-sos para modernizar a sua economia e as suas Foras Armadas e aimpresso geral dos que viviam naquela poca que tais esforoshaviam sido bem-sucedidos, havendo razes para temer o colossorusso, que parecia estar voltando ao seu perodo de glria ps-der-rota de Napoleo, em 1815.

    Essa avaliao do renovado poder russo era realmenteforte nesses anos iniciais do sculo XX. Neste contexto, poucosduvidavam que Estados Unidos e Rssia seriam duas superpotn-cias do futuro. Os primeiros devido ao seu amplo territrio, popula-o e, especialmente, poder econmico e a segunda a partir da suamassa de terra e gente e suas imensas foras militares. Um indicati-vo de como as pessoas viam os acontecimentos, e que explica aansiedade francesa, por exemplo, para conseguir a aliana de Mos-cou contra Berlim.

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    A RSSIA EM 1914: O COLOSSO COM PS DE BARRO

    Apesar desses imensos progressos, a Rssia ainda tinhaproblemas se ela queria realmente competir com os Estados avan-ados da Europa Ocidental. Ainda em 1914, ela era uma sociedadeessencialmente agrcola e com uma agricultura atrasada e poucoprodutiva. O povo russo tinha nveis de alfabetizao, expectativade vida e bem-estar social bem abaixo dos da Europa Ocidental, oque estimulava um crescente descontentamento social, corporifica-do na Revoluo de 1905.

    Essa situao era um claro reflexo, cumpre ressaltar no-

    vamente, da opo russa por uma modernizao apenas parcial. Aselites russas (e tambm as de outras sociedades em busca de mo-dernizao na mesma poca, como a Turquia e o Egito) imagina-vam que, absorvendo a tecnologia e os sistemas de produo oci-dentais, poderiam manter a fora poltica e militar da sua nao semalterar os princpios autoritrios e arcaicos que a geriam. O proble-ma que a modernizao ao estilo ocidental implicava, tambm,uma burocracia eficiente, um governo competente, uma populaominimamente educada, a participao das massas na poltica e a

    liberdade de pensamento e atividade empresarial.O grande dilema que, para o governo dos czares, tais li-

    berdades seriam impensveis, enquanto a educao primria era atmesmo desestimulada, de modo a no colocar ideias na grandemassa de camponeses. Assim, algumas das alteraes ambicionadaspelo governo do Imprio na sua estrutura econmica e militar noderam certo simplesmente por falta de mudanas mais amplas nasociedade.

    Nesse ponto, o contraste com o Japo da era Meiji signifi-cativo. O governo de Tquio tambm empreendeu, mais ou menos mesma poca, um programa de modernizao industrial e militarbancado em boa medida pelo Estado. Contudo, houve uma aberturamaior para a educao de massas, o sistema poltico ocidental e odesenvolvimento cientfico. O Japo, com certeza, no se tornou umpas ocidental, mas seu processo de modernizao, mais completo,permitiu que ele adquirisse o poder econmico e militar com o qualderrotou a Rssia em 1905 e se tornou uma potncia imperialista.

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    Alm disso, apesar dos imensos avanos em termos abso-lutos, em termos relativos os competidores da Rssia, estavamcrescendo com mais vigor e em ritmo mais acelerado formando

    uma base econmica e industrial mais slida e desenvolvida. Bastarecordar aqui, como, se foi uma imensa conquista russa ampliar oseu Produto Interno Bruto de dez bilhes de dlares, em 1830, paravinte e um bilhes, em 1890, essa conquista perde vigor quandorecordamos que, no mesmo perodo, a Alemanha fez seu PIB cres-cer de 7,2 para 26,4 bilhes e a Gr-Bretanha de 8,2 para 29,4 bi-lhes (KENNEDY, 1989, p. 169).

    Em todos os outros setores, a mesma situao se repete.

    No caso da rede ferroviria, o aumento da malha foi imenso, mas agrandeza do pas a deixava muito aqum das necessidades e bemlonge da densidade ferroviria da Inglaterra ou da Alemanha. Naindstria do ao, a produo russa cresceu de 950 mil para 4,8 mi-lhes de toneladas/ano entre 1890 e 1913, mas s a norte-americanacresceu de 9,3 para 31,8 milhes, e a alem de 4,1 para 17,6 mi-lhes no mesmo perodo (KENNEDY, 1989, p. 197).

    Alm disso, os nmeros relativos evoluo do PIB percapita (ou seja, a riqueza dividida pelo nmero de habitantes) indi-

    cam outro problema do crescimento russo. No perodo entre 1830 a1890, a renda per capita russa praticamente estagnou, oscilandoentre 170 e 182 dlares, enquanto a inglesa subiu de 346 para 785,a alem de 245 para 537 e a francesa de 264 para 515 dlares(KENNEDY, 1989, p. 169).

    Os russos sempre haviam sido os mais pobres, em ter-mos relativos, da Europa, mas agora a distncia estava aumentan-do em ritmo acelerado, o que indica como, em geral, o cresci-

    mento da economia russa no sculo XIX ocorria essencialmentepelo aumento da populao e no por inovaes tecnolgicas oucrescimento da produtividade, como era na Europa Ocidental e nosEstados Unidos, em plena era industrial. Assim, a base de riquezada potncia russa estava perdendo importncia, apesar de ainda serenorme.

    As Foras Armadas tambm continuavam com problemasimensos. A Marinha estava dividida em vrias frotas, incapazes dese concentrarem, e no dispunha de bons portos fora dos mares

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    gelados, alm de ser claramente inferior, em nmeros e qualidade,s ocidentais. J no Exrcito, a oficialidade, apesar de no ser, pro-vavelmente, to corrupta e incompetente como a historiografia

    marxista afirmou posteriormente, era claramente menos eficientedo que a alem ou a francesa, enquanto seus soldados, apesar dedisciplinados e valentes, sofriam com a falta de recursos, uma dis-ciplina brutal, mtodos arcaicos de instruo e, especialmente, como analfabetismo.

    O analfabetismo, que atingia parte substancial dos campo-neses recrutados, realmente prejudicava muito o treinamento militarde homens que no conseguiam sequer ler suas ordens ou os manuais

    de manuteno do pouco equipamento mecanizado disponvel. Asinstrues, as ordens, os procedimentos de limpeza e conservaodas armas e outros tinham que ser aprendidos de cor, com perda deeficincia (KENNEDY, 1989, p. 232-234).

    Alm disso, como acontecia com toda a sociedade e a eco-nomia russas, as Foras Armadas tentavam resolver os problemasoriundos da baixa qualidade do potencial humano, da sua poucacriatividade e flexibilidade, da escassa mecanizao dos servios edo prprio gigantismo do pas usando mais homens para fazer o

    mesmo servio. Assim, enquanto nos Exrcitos alemo e francs,havia um homem nos servios de retaguarda para cada dois na linhade frente, a proporo russa era de dois ou trs na retaguarda paraum combatente, o que indica desperdcio de potencial humano(JUKES, 1979, p. 79).

    O prprio tamanho das Foras Armadas e do pas, alis,era um peso para sua eficincia, pois pulverizava seus recursos eimpunha problemas imensos no campo do abastecimento e organi-

    zao. Realmente, enquanto todos os outros pases se esforavampara fazer o mximo com os recrutas de que dispunham, o proble-ma russo era o excesso de contingente disponvel. Nem a sua buro-cracia nem o seu sistema ferrovirio podiam suportar o esforo derecrutar todos os seus sditos em idade militar, tanto que, na prti-ca, s eram convocados, anualmente, um em cada trs. Essa peque-na porcentagem permitia aos russos manter o seu imenso exrcitode tempo de paz, mas, em comparao, suas reservas treinadas (oshomens que deixavam todo ano as fileiras e iam para a reserva)

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    eram bem menores do que, por exemplo, na Alemanha, o que seriafonte de dificuldades, por exemplo, durante a Primeira GuerraMundial (KENNEDY, 1989, p. 232-234).

    Havia tambm outros problemas, como a questo tnica.Dentro da imensa populao que estava submetida ao czar, partesubstancial era de no russos e mesmo de no eslavos, que no seidentificavam completamente com o Estado. No ocidente, haviablticos, finlandeses, romenos, bielo-russos e ucranianos, estes doisltimos de etnia eslava e prximos culturalmente dos russos. NoCucaso, georgianos, armnios e um sem nmero de povos muul-manos. Na bacia do Volga, muulmanos trtaros e, na Sibria, vrios

    povos asiticos.Na sia Central, por sua vez, havia muulmanos de lnguaturca e cultura persa, administrados por Moscou num esquema pra-ticamente colonial. Um problema de falta de homogeneidade relati-vamente comum a todos os Estados do mundo nessa poca, masmuito potencializado no caso russo pelos nmeros envolvidos. Cin-quenta por cento da populao do Imprio, efetivamente, no era deetnia russa.

    A maneira encontrada pelo Estado czarista para lidar como problema, tipicamente russa, foi a cooptao e a represso, apli-cadas em graus variveis conforme o perodo e o governante nopoder. A certos povos, como os habitantes da Sibria, da sia Cen-tral ou os finlandeses, foi concedida iseno do servio militar, oque diminua o potencial militar do Imprio, mas aliviava as ten-ses. Tambm se permitia algum grau de liberdade cultural para ospovos conquistados, abria-se certo espao de atuao para as eliteslocais dentro do sistema poltico imperial e se exigia lealdade

    coroa e ao czar e no ao Estado russo.Ao mesmo tempo, colonos de etnia russa foram estimula-dos a povoar as terras virgens da Sibria (para onde um milho depessoas se transferiu, apenas entre 1896 e 1905) e tambm as per-tencentes a povos conquistados, como o Turquesto. O Imprio,alm disso, lanou uma poltica de russificao, de forma a ampliaro controle do Estado sobre as populaes conquistadas. Tal polticateve certo grau de sucesso, mas tambm trouxe tenses que, nomomento certo, podiam explodir, como explodiram.

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    O sistema de recrutamento russo tambm prejudicava oesforo do pas para formar uma grande reserva. No apenasmuitas etnias e grupos eram isentos do servio militar, como o

    sistema no recrutava os melhores e mais aptos, mas especial-mente os incapazes de se livrar dele. Os mais ricos, os arrimos defamlia e outras categorias eram isentos e essas isenes eramtantas que muitos homens fisicamente inaptos eram incorporados,o que prejudicava a eficincia do Exrcito. Tambm inexistia umcadastro geral dos possveis recrutas, com a exceo dos que ha-viam passado pelas fileiras, o que facilitava ainda mais as evasese dificultava a formao de reservas para tempo de guerra (JUKES,1979, p. 79-80).

    Realmente, o princpio moderno da nao em armas,com a responsabilidade da defesa nacional repartida por todos osseus cidados, era visto com enorme desconfiana pelas suas eli-tes, que suspeitavam da ideia de armar o povo e que tendiam a vernos soldados mera carne para ser consumida, e no cidados aserem instrudos e armados da melhor forma possvel.

    Enfim, a Rssia na virada do sculo XIX para o sculoXX talvez parecesse mais forte do que efetivamente era. Com sua

    nfase nas Foras Armadas, o progresso econmico e o simplespeso populacional e territorial, a Rssia era poderosa e tem-laseria algo lgico. Mas sua modernizao econmica e militartinha sido precria, instrumental e elementos fundamentais para oprogresso em longo prazo como o nvel de instruo e riquezade sua populao ou um sistema poltico menos corrupto, buro-crtico e desigual no tinham sido tocados, o que seria trgicono futuro.

    Nesse ponto, uma comparao com os Estados Unidos significativa. Durante o sculo XIX, num crescimento essencial-mente conduzido pelas foras do mercado capitalista, com apenas oapoio do Estado, a economia americana cresceu em nveis impres-sionantes, tanto na agricultura como na indstria. Em 1914, a eco-nomia norte-americana j era a maior do mundo, sendo equivalente soma das economias britnica, francesa, alem e russa e sendomais de cinco vezes esta ltima. Os Estados Unidos eram, de longe,a maior potncia econmica e industrial do mundo e todos perce-biam isso.

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    No entanto, ningum temia, naqueles anos, os EstadosUnidos. Isolados no continente americano, com pouco interesse napoltica europeia e Foras Armadas extremamente reduzidas (com a

    exceo da Marinha), os norte-americanos eram muito menos as-sustadores do que a Rssia, que tinha um Exrcito dez vezes maior.Os norte-americanos eram muito mais ricos, consumiam mais ao eenergia e tinham uma sociedade muito mais dinmica e moderna, oque seria relevante em longo prazo, mas parecia pouco importanteno curto, o que explica porque a Europa olhava e temia Moscou,mas no Washington, nessa poca. Em alguns momentos, a imagemimportava mais do que a realidade.

    Em resumo, os esforos russos, apesar de imensos, foraminsuficientes frente ao obtido pelos rivais. um fato que o simplespeso dos nmeros de um Estado to populoso e vasto assustava,mas a guerra da Crimeia j indicava que a situao russa no eraexatamente positiva e o conflito com o Japo apenas confirmou quea corrida estava sendo perdida. Foi na Primeira Guerra Mundial,contudo, que os dilemas russos se tornaram mais evidentes.

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    Captulo 3

    A RA RA RA RSSIA NASSIA NASSIA NASSIA NA PPPPRIMEIRARIMEIRARIMEIRARIMEIRA

    GGGGUERRAUERRAUERRAUERRA MMMMUNDIALUNDIALUNDIALUNDIAL

    A RSSIA E A POLTICA DE PODER EUROPIAENTRE OS SCULOS XIX E XX

    Na primeira metade do sculo XIX, as relaes internacio-

    nais no continente europeu eram relativamente estveis, com os prin-cipais atores se preocupando mais com a ordem interna e com o res-surgimento da Frana do que com outra coisa. Nesse contexto, a Rs-sia era claramente uma das principais foras da poltica europeia e suapreocupao central era manter a ordem conservadora no conti-nente. O czar se aliou aos soberanos da Prssia e da ustria naSanta Aliana, cujo objetivo central era impedir quaisquer movi-mentos revolucionrios de atingir o poder no continente e vigiar aFrana. Assim, exrcitos russos colaboraram para sufocar revolues,

    por exemplo, na ustria, em 1848, e a Rssia era vista, com razo,como uma fora totalmente reacionria e imensamente poderosa.

    Na segunda metade do sculo XIX, contudo, a situaomudou radicalmente e, de uma forma lenta, mas contnua, as ten-ses entre os pases europeus cresceram, com o afirmar-se das dis-putas nacionalistas e por colnias fora da Europa e um crescentemilitarismo. Esse coquetel de nacionalismo exacerbado, disputascoloniais e militarismo formava a base do relacionamento entre ospases europeus na virada dos sculos XIX e XX, gerando grande

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    tenso entre as grandes potncias, que temiam ficar sozinhas numagrande guerra, o que significaria derrota certa. Uma das maneirasencontradas para tentar resolver esse temor foi a construo de alian-

    as, que acabaram formando dois grandes blocos.Alianas no eram, na verdade, novidade no cenrio euro-

    peu. Essas alianas do incio do sculo XX, contudo, tinham umaparticularidade: eram fixas. Antes, os europeus faziam e desfaziamsuas alianas conforme os acontecimentos, sempre tentando impe-dir que o pas mais forte dominasse os outros. Um mtodo talvezpouco leal, mas que impedia que blocos rivais se formassem e queo dio entre eles crescesse, pois os inimigos de hoje podiam ser osamigos de amanh. No incio do sculo XX, essa flexibilidade sefoi e at a Inglaterra, uma das maiores defensoras dessa poltica detodos contra todos para impedir o mais forte de triunfar, acabou porse unir definitivamente Frana contra a Alemanha depois que estacomeou a construir uma grande Marinha de guerra, a qual poderiaameaar o Imprio britnico.

    Nesse contexto, a Rssia oscilou entre os dois blocos. Porum lado, ela tinha rivalidades ideolgicas com a Frana (preferindo oconservadorismo de alemes e austracos) e geopolticas com a In-

    glaterra na sia e no Mediterrneo. Suas relaes com a Alemanhatambm eram reforadas pelos laos de parentesco entre suas famliasreais. Por outro lado, austracos e russos disputavam reas de influn-cia nos Blcs e os franceses eram grandes investidores na economiarussa. Assim, havia potencial para a Rssia se aliar a qualquer um doslados, mas problemas circunstanciais e o crescente poderio alemoacabaram por levar o Imprio aliana com Inglaterra e Frana.

    A Rssia, evidentemente, no foi simplesmente uma vti-ma inocente nesse jogo entre as grandes potncias. Ela tambm

    tinha ambies imperialistas e elas no eram pequenas. O Impriodos czares ambicionava, como j indicado no captulo anterior, asua transformao numa potncia global. Para tanto, seria necess-rio que a Rssia dispusesse de uma imensa fora naval e controlas-se as sadas para os mares quentes no Mediterrneo, no Pacfico eno Atlntico. Depois, era imperativo evitar que os pases inimigosconseguissem cercar o Imprio, pelo que os Blcs, reas da Chinae do Oriente Mdio