bernardo guimarães e o paraíso obsceno · o quadro se comporia numa equação entre a lei do...

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Bernardo Guimarães e o paraíso obsceno A floresta enfeitiçada e os corpos da luxúria no romantismo Por Irineu Eduardo Jones Corrêa Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras (Ciência da Literatura), Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Letras (Ciência da Literatura) Orientador: Professor Doutor Luiz Edmundo Bouças Coutinho Co-orientador: Professor Doutor Celina Maria Moreira de Mello Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade de Letras 2006

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Bernardo Guimarães e o paraíso obsceno A floresta enfeitiçada e os corpos da luxúria no romantismo

Por Irineu Eduardo Jones Corrêa

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras (Ciência da Literatura), Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Letras (Ciência da Literatura)

Orientador: Professor Doutor Luiz Edmundo Bouças Coutinho Co-orientador: Professor Doutor Celina Maria Moreira de Mello

Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade de Letras 2006

IRINEU EDUARDO JONES CORRÊA

Bernardo Guimarães e o paraíso obsceno: a floresta enfeitiçada e os corpos da luxúria no romantismo

1 volume

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras (Ciência da Literatura), Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Letras (Ciência da Literatura)

Orientador: Professor Doutor Luiz Edmundo Bouças Coutinho Co-orientador: Professor Doutor Celina Maria Moreira de Mello

Rio de Janeiro 2006

IRINEU EDUARDO JONES CORRÊA

C824b Tese CORRÊA, Irineu Eduardo Jones. 1953

Bernardo Guimarães e o paraíso obsceno: a floresta enfeitiçada e os corpos da luxúria no

romantismo/ Irineu Eduardo Jones Corrêa. Rio de Janeiro, 2006.

viii, 245f.: il.; 29,7 cm. Tese (Doutorado em Ciência da Literatura) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Programa de Pós-Graduação em Letras. 1988. Orientador: Luiz Edmundo Bouças Coutinho Co-orientador: Celina Maria Moreira de Mello Bibliografia: p. 223 – 245.

1. Guimarães, Bernardo, 1825-1884. 2. Poesia – história e interpretação. 3. Romantismo. 4. Palavrão – palavra obscena. I. Coutinho, Luiz Edmundo Bouças (Orient.). II. Mello, Celina Maria Moreira de (Co-orient.) III. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Programa de Pós-Graduação em Ciência da Literatura. IV. Título.

CDD: B869.1

Por Maria das Graças Gonçalves da Silva – CRB-07 3502 – 27 de março de 2006

Bernardo Guimarães e o paraíso obsceno: a floresta enfeitiçada e os corpos da

luxúria no romantismo Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras (Ciência da Literatura), Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Letras (Ciência da Literatura) Rio de Janeiro, 28 de abril de 2006 _____________________________ Luiz Edmundo Bouças Coutinho, Professor Doutor, Universidade Federal do Rio de Janeiro ________________________ Celina Maria Moreira de Mello, Professor Doutor, Universidade Federal do Rio de Janeiro _______________________ Fernando Fábio Fiorese Furtado, Professor Doutor, Universidade Federal de Juiz de Fora _______________________ Wellington de Almeida Santos, Professor Doutor, Universidade Federal do Rio de Janeiro _______________________ José Carlos Santos de Azeredo, Professor Doutor, Universidade Federal do Rio de Janeiro _______________________ Alberto Pucheu Neto, Professor Doutor, Universidade Federal do Rio de Janeiro ________________________ Armando Ferreira Gens Filho, Professor Doutor, Universidade do Estado do Rio de Janeiro ________________________ Vera Lúcia Lins de Oliveira, Professor Doutor Universidade Federal do Rio de Janeiro

Aos poetas e aos censores que levam obscenidades e palavrões a sério.

A José Maria Pinto Vaz Coelho que primeiro colocou os poemas obscenos

de Bernardo em livro de uma grande editora.

A Sebastião Nunes que fez uma edição de luxo para eles.

AGRADECIMENTOS

Aos meus orientadores, Celina Moreira de Mello e Luiz Edmundo Bouças Coutinho, meio enfermeiros, meio psicanalistas, Mestres no absoluto. Aos professores da banca, pelo cuidado e atenção que dedicaram ao trabalho. Aos professores e colegas dos cursos que contribuíram para decisões e escolhas referentes à tese. Aos colegas da Fundação Biblioteca Nacional, em especial ao pessoal do balcão e dos armazéns de Obras Gerais, sempre dispostos a ensinar os detalhes de uma edição e localizar a obra invisível. A José Carlos Azeredo, Pedro Paulo Catharina e Theomar Jones amigos generosos e apoiadores. A Maria Lopes Corrêa, Pedro Lopes Corrêa e Ana Lúcia Maciel Lopes, Themis Corrêa e Irineu Dias Corrêa que perguntaram, riram e ajudaram a cada dia deste longo caminho.

RESUMO

CORRÊA, Irineu Eduardo Jones Corrêa. Bernardo Guimarães e o paraíso obsceno: a floresta enfeitiçada e os corpos da luxúria no romantismo. Rio de Janeiro, 2006. Tese. (Doutorado em Letras - Ciência da Literatura) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006.

Estudo sobre os poemas “Orgia dos duendes” (1865), “Elixir do pajé” e “A origem do mênstruo” (1875), de Bernardo Guimarães (1825-1884). O satanismo e a obscenidade que os textos convocam fazem deles obras estranhas ao paraíso poético, do romantismo literário nacional. O primeiro circula em antologias oficiais, mas os outros dois são marginalizados, surgindo apenas em publicações dedicadas a obras pornográficas e marginais. As análises dos poemas colocarão em perspectiva o contexto em que eles se constituíram, considerados os valores simbólicos vigentes na literatura brasileira, do tempo em que foram escritos e em diferentes momentos em que foram lidos. Serão experimentados conceitos como campo literário, grupo hegemônico, valor, habitus, lector propostos pela teoria do poder simbólico de Pierre Bourdieu. O texto do poeta será considerado enquanto produtividade e, portanto, de leitura condicionada a novas e constantes re-qualificações, conforme propuseram a teoria do texto de Roland Barthes e Julia Kristeva.

ABSTRACT

CORRÊA, Irineu Eduardo Jones Corrêa. Bernardo Guimarães e o paraíso obsceno: a floresta enfeitiçada e os corpos da luxúria no romantismo. Rio de Janeiro, 2006. Tese. (Doutorado em Letras - Ciência da Literatura) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006. An study on Bernardo’s Guimarães (1825-1884) poems ”A orgia dos duendes” (1865), “Elixir do pajé” (1875) e “A origem do mênstruo” (1875). The satanism and the obscenity that these texts present separate them from the poetical paradise of Brazilian’s Romanticism literary. The first of these poems figures in official anthologies. The others, however, are set aside from the traditional literary history, being found only in selections specially focused on pornographic and marginalized works. The analysis of these poems shall allow a perspective view on the context in which they were crafted, taking into consideration the various symbolic values that were valid by the time they were written and also in the different moments they have been read. Concepts proposed by Pierre Bourdieu’s Symbolic Power Theory will be experimented. The Poet’s text will be understood as “productivity”, thus subject to new and constant “re-qualifications” as proposed by “the Theories of the Text” of Roland Barthes and Julia Kristeva.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1. Primeira Missa no Brasil – 1861. MEIRELLES. Nota 124: p. 95. Figura 2. Batalha de Guararapes – 1875-1879. MEIRELLES. Nota 125: p. 97. Figura 3. Morte de Moema - 1866. MEIRELLES. Nota 126: p. 98. Figura 4. A Primavera - c.1477/78. BOTTICELLI. Nota 129: p. 103. Figura 5. Fauna do Brasil segundo Nieuhof. In: TAUNAY, (1934), 1998. Nota 133: p. 106. Figura 6. [A cena do canibalismo]. In: STADEN, 1557. Nota 168: p. 125. Figura 7. [A tentação na terra]. Grav. Th. de Bry. In. LÉRY, (1578), 1994. Nota 173: p. 128. Figura 8. América. Anônimo. Nota 224: p. 151. Figura 9. Salve! Querido Brasileiro Dia. Lith. De Lasteyrie. s.d. Nota 228: p. 154. Figura 10. [O cauim]. In: THEVET, 1575. Nota 267: p. 176. Figura 11. Virgem de Willendorf. Cerca de 20.000 aC. Nota 275: p. 181. Figura 12. [Vênus e Júpiter]. Raphael (1483-1520). Nota 338: p. 212.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 9

2 O PROBLEMA E O MÉTODO 29

3 O LUGAR DE UM BERNARDO 49 3. 1 O fio do labirinto 49

3. 2 A construção da tradição 52 3. 2. 1 Os historiadores e seus contextos 52 3. 2. 2 Os antologistas e seus textos 63 3. 2. 3 Antologias do mal falado e do proibido 67

3. 3 A tradição e a divergência 68 3. 3. 1 Biografias e bibliografias 68 3. 3. 2 Ensaios da tradição 71 3. 3. 3 A tradição enviesada 75

3. 4 Um espaço bernardino 85

4 OS PARAÍSOS INFERNAIS DE BERNARDO 91 4. 1 O espaço do poema 91

4. 2 A floresta enfeitiçada 99 4. 2. 1 O poema europeu 99

4. 2. 2 O paraíso terreal, o inferno tropical e a floresta romântica 119

4. 2. 3 O portal do paraíso: variações em torno da natureza e da floresta 132

4. 3 Um estranho no paraíso 140 4. 3. 1 Corpus braziliensis: genocídio, canibalismo e nudez 140 4. 3. 2 Um corpo nacional: o índio idealizado do contexto romântico 148 4. 3. 3 O corpo do exagero 164 4. 3. 4 Um estranho no paraíso 174

4. 4 A origem do mênstruo 180 4. 4. 1 Corpos em sacrifício: o feminino ideal 180 4. 4. 2 A deusa irada: horror e sublimação 188 4. 4. 3 A heresia bernardina 208

5 CONCLUSÃO 216

6 REFERÊNCIAS 223 6. 1 Obras de Bernardo Guimarães 223

6. 2 Artigos, capítulos e livros com referências ao autor 223

6. 3 Obras de outros poetas e referências às suas obras 228

6. 4 Dicionários, gramáticas e outras obras de referência 231

6. 5 Censura, marginalidade, obscenidade e pornografia 234

6. 6 Outros livros, artigos e ensaios 235

1 INTRODUÇÃO

Esta tese realiza a leitura de poemas satânicos e pornográficos de

Bernardo Guimarães (1825-1884) — “Orgia dos duendes” (1865), “Elixir do pajé”

e “A origem do mênstruo” (1875) —, pretendendo estabelecer uma rede de

significações para eles, levando em conta o contexto da literatura brasileira e de

composições daquela temática no campo literário de modo geral. Desta forma,

indicamos nossas articulações com a teoria do texto, segundo o debate proposto

por Roland Barthes e Julia Kristeva, e as experiências de uma sociologia para o

literário, conforme proposto por Pierre Bourdieu. Sempre com o objetivo de

produzir sentidos para o texto.

Uma apresentação preliminar do objeto, indicando objetivos gerais para o

trabalho e aspectos relevantes do corpus teórico, permitiria supor ausência de

problemas e dificuldades na maneira como se articulou literatura e poesia com

ciência e teoria. Entretanto, quando estão em jogo áreas do conhecimento

humano que circulam entre pretensas objetividades coletivas, as ciências, e

supostas subjetividades individuais, as artes, nada se passa de modo óbvio e

sem atrito. Especialmente num momento como o de agora, no qual a grande

produção teórica estruturalista, dos anos 60 e 70 do século XX, aplicada tão

intensamente no campo literário, encontra-se questionada, pelo que seria um

esgotamento das possibilidades de suas proposições. Situação causada, em

grande parte por suas próprias realizações — depois de passar por revisões

internas pós-estruturalistas e desconstrucionistas. Exemplar das mudanças

atuais seria o que acontece com a semiologia, linha teórica que chegou a

determinar programas de pós-graduação, na área de Letras e Comunicação, e

inspirar carreiras docentes importantes e um sem número de dissertações e

teses, e que perde espaço, sendo deslocada para um plano secundário da crítica

e dos estudos literários universitários. Desaparecido há mais de duas décadas

seu principal teórico, Roland Barthes, alguns dos questionamentos e formulações

mais importantes apresentados por ele — análise dos sistemas de significação e

produção de sentidos, relação entre crítica e verdade, morte do autor e leitura,

prazer-corpo-discurso — parecem sem sentido nos dias de hoje, por

esgotamento ou banalização. Banalização com a qual ele próprio se preocupava:

“A linguagem (dos outros) me transforma em imagem, como a batata bruta é

transformada em batata frita”.1

Formalismo, estruturalismo, pós-estruturalismo e pós-modernismo vão

sendo superados, reduzidos e referidos, com fortes doses de menosprezo, como

movimentos que passam sem nada deixar, que não sejam contribuições débeis

para uma história da amnésia dos estudos literários. Simples “ismos” significantes

de um passado recente, mas de importância que se dilui pelos imperativos do

novo. O quadro se comporia numa equação entre a lei do consumo dos objetos

culturais, admirados, imitados à exaustão e descartados, e a lei da sobrevivência,

na qual os vivos se apressam em enterrar os mortos, especialmente aqueles que,

ao produzirem suas obras foram admirados e, ao mesmo tempo invejados,

observou Perrone-Moisés, no Prefácio, da edição brasileira de O rumor da língua,

de 2004.

Evidentemente que o problema não poderá ser reduzido a eventuais

questões burocráticas ou de nomenclaturas e descrições de programas

acadêmicos e, muito menos, estará restrito à semiologia. O foco da preocupação

1 BARTHES, 2003.

se coloca na relação entre as modas teóricas e o pseudo-esgotamento de uma

ou outra contribuição, sem que os seus conceitos hajam sido experimentados nos

seus limites: problema grave não exatamente no que se refere à academia e sua

organização, mas nas conseqüências que trazem para a pesquisa e a construção

de conhecimento, conforme denunciado por Bourdieu.

A postura adotada aqui articula uma posição diferente, pressupondo que a

cada formulação teórica que se ocupou da literatura corresponderiam saberes e

formulações mantidos ativos no que se produz hoje — presentes nas mais

peremptórias refutações e nas mais naturalizadas confirmações do que foi

pensado, debatido e escrito anteriormente. Os estudos de Freud, Bourdieu e

Barthes são significantes da profunda impressão que o trabalho dos poetas

causa e do trabalho que seus textos não cessam de realizar. Termos como

significação, contexto, campo literário, romantismo, literatura brasileira, poesia,

satanismo e pornografia estão referenciados por paradigmas conceituais

específicos, indicativos de determinados modelos de análise. Sua naturalização

nos discursos teóricos não significa que os problemas ou caracteres para os

quais chamaram a atenção perderam sua capacidade de interrogar e exigir novas

elaborações. A crise teórica vivenciada pela crítica literária da atualidade seria

devida em parte ao debate dos anos 60 a 90, conforme analisam Hutcheon,

Casanova ou Eagleton. Portanto, a retomada de seus conceitos não se coloca

como um simples atraso ou retorno, o movimento integraria a hipótese de que as

questões que eles discutem não estão ultrapassadas, ao contrário, haveria muito

que avançar nos caminhos indicados por aqueles pesquisadores, desde que se

aceite a incorporação de novos elementos no debate.

Neste caso, não caberiam as mesmas formulações e frases, simples

exercícios de uma retórica decalcada dos mestres, prática bastante comum, mas

um trabalho de experimentação crítica dos conceitos, aplicando cada uma das

hipóteses teóricas sobre um determinado objeto, no seu limite, até que seja

necessário reformular a ambos. Uma regra elementar para os procedimentos

científicos que é esquecida com freqüência.

Curiosamente, ao colocarmos os estudos literários nestes termos, são

atualizados dois conceitos ideologicamente marcados sobre a produção de

conhecimento no país, que se acreditaram superados. O primeiro: a velha idéia

de um descompasso entre as realizações do campo literário brasileiro e as

européias ou americanas. O segundo: a suspeição da qualidade do que se fez e

se faz no país, em termos de ficção e poesia e de crítica. Entretanto, a base de

apoio para as suposições, a de que problemas culturais e teóricos aparecem e se

desenvolvem na razão direta das relações temporais, resolvendo-se apenas na

ordem da execução, seriam inconsistentes. Argumento liminar contra ela é

oferecido pela crítica pós-moderna, ao demonstrar que a crítica, e seus

constructos estão localizados no campo político, tanto quanto as criações

artísticas que estudam, e, neste sentido, suas qualidades e seu valor são

determinados no âmbito de lutas e disputas pela hegemonia e poder, ou seja, são

criações ideológicas. Um argumento que funciona para a atualidade dos

confrontos teóricos e, ao mesmo tempo, questiona a velha idéia de vício de

origem para desqualificar as produções do campo literário nacional, hipótese que

não passaria de uma posição construída na perspectiva do modelo hegemônico

de análise e compreensão do literário — o modelo colonial.

Dentro deste enfoque, o capítulo “O problema e o método” discorre sobre o

objetivo e o método desta tese, discutindo algumas das contradições formais e

temáticas da crítica. Nele serão apresentados os conceitos apropriados nela —

inconsciente, produção de sentido e trabalho do texto, campo literário, habitus e

cenário da enunciação. Articulados desde suas origens teóricas ou a partir das

leituras posteriores que os atualizaram, a sua utilização atenderá às

interpretações da presente análise, implicando que os conceitos psicanalíticos,

sociológicos e outros estarão a serviço da crítica literária, com as conseqüências

que o uso fora do âmbito do objeto para o qual foram originalmente criados

poderá acarretar.

A intenção é oferecer uma perspectiva razoável dos fundamentos teóricos

presentes na leitura dos poemas. Eles serão referenciados ao longo da tese

sempre que necessário, porém devidamente elaborados e apropriados, Pretende-

se mesmo que os conceitos sejam esquecidos na trama textual dos capítulos em

que se leiam os poemas de Bernardo. Não será, entretanto, um esquecimento

amnésico do conhecimento teórico organizado, proposta defendida por alguns

grupos pós-teóricos com ardor, mas um esquecimento relativo da teoria, em

moldes similares àqueles preconizados por Freud para a audição psicanalítica,

com a intenção de um despojamento receptivo às sutilezas do discurso do outro,

no caso, a escritura do poeta, não previstas nas preliminares.

Inscrita nesta proposta inicial está a hipótese principal da investigação:

considerados os poemas satânicos e pornográficos, Bernardo Guimarães terá

produzido uma obra singular. Uma originalidade que não significaria que o texto

do poeta estaria fora do contexto em que é escrito — o romantismo literário

brasileiro, do século XIX — ou isento de importante intertextualidade com obras

de outros poetas de brasileiros e europeus.

Não é casual o destaque dado ao nome do poeta na proposição do

trabalho. A significância de um nome de escritor se constrói com e a partir de sua

obra, na valoração que a ela é atribuída na origem, na sua contemporaneidade, e

nas variações que este valor sofre daí em diante. É assim desde quando o nome

Homero identifica o poeta divino que enfeixa, em única peça, um conjunto de

episódios lendários que evocam a expansão dos gregos em direção à Ásia.

Portanto, o autor se constitui igualmente na história literária em que se insere —

da sua tribo, cidade, região e no estrangeiro. Tanto de modo diacrônico, alocado

no eixo de uma tradição, quanto de modo sincrônico, nas divergências que

realiza daquela tradição.

O capítulo “O lugar de um Bernardo”, trabalhará com esta perspectiva. O

autor, conforme é conhecido hoje, é um nome que foi e é construído. Sua obra

não é pequena, além da poesia, em torno da qual a tese se desenvolve, ele

assina romance e crítica. Mas o seu texto está longe de ser um fator

determinante absoluto para o estabelecimento de seu lugar na história e no

cânone. Isto dependerá do que sobre ele opinarem alguns leitores especiais:

biógrafos, antologistas, historiadores, professores e críticos. Estes são os

lectores que estabelecem o lugar para o autor, determinando até mesmo a

inflexão da leitura a ser adotada diante de sua obra. Ou seja, num sentido radical,

antes da presença de seu texto para o leitor comum, o cânone, do qual os

lectores são os operadores principais, já indicou o sentido e estabeleceu o valor

do poeta e da obra. Uma indicação instituída de poder simbólico com capacidade

de sugestão suficiente para afetar até mesmo leitores treinados e outras vozes

constituintes do mesmo cânone. Quando opiniões e análises separadas

temporalmente são aproximadas e comparadas, encontramos pistas de

influências e convergências diversas, óbvias algumas vezes, inesperadas outras,

independentemente da consciência que seus autores tenham disso. Injunções

das quais o presente trabalho não está isento, na medida em que sustenta seu

discurso através de um conjunto determinado de teorias, defendidas por um

determinado grupo, unidos todos por uma determinada ideologia — as quais

pretendemos destacar sempre que nos dermos conta delas.

O reconhecimento da crítica e da produção teórica enquanto produtos

ideológicos, tais quais os fatos que estudam, é fundamental. Neutralidade

científica nas ciências humanas é mito, denunciado desde que a psicanálise

definiu a contra-transferência, a semiologia marcou suas relações com a literatura

sob as tensões do prazer e da política e a poética da pós-modernidade chamou a

atenção para o caráter provisório do exercício que faz. O cunho experimental

desta tese, convocatório de conceitos afetos originalmente a mais de uma ciência

ou área de conhecimento, materializa-se na razão da convergência ideológica

entre eles, qual seja, supor a existência de um espaço entre o que se escreve e o

que se lê, entre a forma e a substância, no qual há um trabalho incessante, tanto

consciente quanto inconsciente, tanto pessoal quanto coletivo.

O capítulo seguinte, “Os paraísos infernais de Bernardo”, investigará o

contexto em que a obra aparece: o romantismo brasileiro. Um exercício que

implicará algo mais do que simplesmente datar os poemas, embora não seja

banal lembrar que eles foram publicados no período que vai de 1859 e 1875.

Situá-los no âmbito daquele movimento significa inscrevê-los entre os marcos

fundadores da literatura brasileira, no momento em que ela foi considerada

instrumento fundamental na construção da identidade nacional do país que se

tornara independente, após mais de 300 anos de colonização.

Na lógica do romantismo nacionalista e indianista, o poeta Bernardo

Guimarães estaria sempre à margem do campo literário. A inflexão neoclássica

de sua musa lírica, portanto, atrasada em relação às idéias correntes na Europa,

faria de sua obra quase uma poesia fora da moda. Sua poesia bestialógica e de

nonsense, identificada como produto de estudantes brincalhões ou de um

excêntrico perdido nos sertões mineiros, seria aceita nos graves espaços do

parnaso nacional apenas enquanto expressão da musa travessa que inspiraria

poetas menores, cuja principal contribuição ao campo literário nacional seria

contrastar com os grandes escritores e seus textos fundamentais. Finalmente a

temática e a linguagem utilizadas por Bernardo nos poemas trabalhados aqui —

satanismo e sexualidade sem recalque, palavreado baixo e calão — completam o

conjunto de razões que fazem dele um estranho no paraíso literário tropical.

O impacto desta produção é tão violento que parte dela chega a ser

censurada na edição das suas poesias completas, publicada em 1959. O

organizador, Alphonsus de Guimaraens F°, acolhe a “Orgia dos duendes”, mas

se nega a reproduzir as outras duas. Uma atitude que, observe-se, nada tem de

original, pois censura e reticências acompanham a poesia bernardina desde

quando J. M. V. Pinto Coelho escreveu sobre ela, no ano seguinte à morte do

poeta, em 1885. Tantas reticências seriam sinais a indicar que os versos de

Bernardo nunca seriam qualificados o bastante para as posições centrais na cena

canônica, não importa a feição que tivessem.

O gesto censório de Coelho é todavia ambivalente, pois denuncia a

impropriedade da palavra escolhida por Bernardo e, ao mesmo tempo, chama a

atenção para as qualidades da obra que oferece censurada. “Poesias

pantagruélicas e bocageanas do Dr. B. Guimarães” é o título do capítulo que

reúne os versos estranhos do poeta. Pantagruel é personagem de Rabelais,

significante da narrativa transgressora e virulenta da Idade Média. Bocage é

significante da convivência no mesmo estro da lírica mais elevada e da rima mais

desbocada da Nova Arcádia portuguesa. Ao indicar tais relações o lector faz com

que os poemas da orgia, do mênstruo e do pajé transcendam ao contexto

romântico brasileiro. Com o reforço das indicações preciosas de Antonio

Candido, Haroldo de Campos e Flora Süssekind, investigaremos outras

influências para seu trabalho, ligações mais amplas para os textos, invisíveis aos

olhares mais pudicos, entretanto de profundas raízes na mais nobre tradição da

literatura, afinal, os dois grandes autores referidos no subtítulo casual são

literatura complexa e exigente de leituras incomuns. Com eles, mais Goethe,

Hugo e Gautier e Luciano, Apuleio e Horácio, Bernardo dialoga, conscientemente

ou não. Negar estas suas distintas e elevadas qualidades seria manter a

denegação da complexidade de seu trabalho, conforme a crítica fez durante

muito tempo, talvez horrorizada com a crueza do palavreado e violência dos

sentimentos humanos postos em seus versos.

As três seções que fazem parte deste capítulo experimentarão estas

hipóteses diante dos poemas “A floresta enfeitiçada”, “Um estranho no paraíso” e

“A origem do mênstruo”.

A leitura do texto sobre a orgia confrontará a floresta apresentada ali e os

seus habitantes monstruosos com a natureza idealizada do país, idealização

constituinte de um significativo conjunto de textos portugueses e brasileiros,

desde os tempos coloniais até aqueles de ideário romântico contemporâneo do

escritor. Idealização modulada por um estranhamento do europeu em relação

àquela terra e suas criaturas, objeto ambivalente sobre o qual se alternavam

projeções diversas, inferno para uns, paraíso para outros, cobiça extrema e

curiosidade imensa. Porém, a orgia feiticeira na literatura e nas artes não se

restringiria ao texto bernardino e a outros escritores inspirados pelo Novo

Mundo; ela integraria uma tradição cultural e literária européia. O poema seria

mais do que uma brincadeira engraçada com as crenças e a mitologia popular

da antiga colônia, ele reforçaria a indicação de que o poema de Bernardo

Guimarães deve ser encarado sob perspectivas mais amplas e complexas do

que habitualmente se faz.

Na seção sobre o “Um estranho no paraíso”, estarão em debate as

contradições entre o índio de Bernardo e o indianismo romântico, de Gonçalves

Dias e de José de Alencar. Este habitado por criaturas idealizadas, aquele um

habitante do paraíso infernal brasílico. Distanciado das regulações civilizatórias

românticas, o poema foi mantido denegado na cena canônica, embora fortemente

censurado, jamais completamente esquecido. Há de ser proveitoso acompanhar

a trama do poema, considerando os costumes e idiossincrasias dos habitantes

daquela floresta intangível. Personagens “brasileiríssimos”, na expressão

consagradora de Antonio Candido, embora seus anseios e medos falocráticos

ultrapassassem os limites do imaginário tropical, estando presentes na poesia de

escritores como Bocage e Apuleio. Mais uma vez, Bernardo se coloca entre

nomes significantes da tradição literária, agora em uma peça indubitavelmente

grosseira e vulgar. Linguagem e temática que exprimiriam uma vontade de

ruptura com os padrões vigentes para uma alta literatura, sempre identificadas

com o ideal de nação e povo, lembra Casanova, 2002. O que estaria significando,

então, o poema, capaz de posicionar seu autor entre os melhores poetas, porém

numa aproximação que se faz através de obras estranhas e censuráveis? Sabe-

se, com Freud, que o ser estranho tem um lugar privilegiado junto ao sujeito,

neste sentido, que lugar ocuparia a estranha composição de Bernardo no campo

literário? Esta é uma questão desenvolvida ao final da seção.

A última parte deste capítulo, “A origem do mênstruo”, compõe-se na

perspectiva das dúvidas trazidas à baila no fim do parágrafo anterior. É doxa que

a sexualidade feminina foi, ao tempo do aparecimento do poema, um tabu.

Apesar da psicanálise e das feministas, ela se mantém como característica a ser

reprimida nas mulheres e desqualificada socialmente, ainda no século XXI. A

leitura do poema começa denunciando que o tabu referido nos versos

permaneceria ativo nos campo literário, mesmo entre os audazes editores dos

versos censurados. Até a edição organizada por Sebastião Nunes, em 1988,

todas as que foram consultadas, seja impressas em reles folhetins ou luxuosas

pranchas, não fizeram referências ao poema em suas capas. Mesmo naquela, o

título maldito aparece apenas na contra-capa. Sempre publicado junto com o

texto do elixir, somente este título aparece, tornando necessário que se folheiem

as publicações para, ao final do primeiro poema, constatar-se que existe um

outro. Entre os poucos estudiosos que ousam trabalhar com a pornografia

bernardina, o texto manteve uma capacidade perturbadora. Candido, por

exemplo, recusa-se a nomeá-lo: “poema de título irreproduzível”; embora chame

a atenção para a perversidade que ali estaria presente — observação

desenvolvida depois, por alguns outros teóricos. Posteriormente, no eixo de uma

liminar análise sobre a poesia pantagruélica, de 1993, refere-se a ele como

brutal, sem maiores comentários.

Perversidade, brutalidade, tabu. A imagem feminina exposta no poema

expressa pensamentos, palavras e obras impensáveis entre as mulheres

idealizadas, exibindo diferenças que vão além daquelas determinadas pelos

gêneros alto e baixo. Mulheres desejantes não são tipos estranhos ao texto

romântico, mas naquela mulher que Bernardo faz existir, desejo aparece

vinculado à frustração e ao ódio, gerando atos vingativos e não sublimações,

como é comum. Além disso, não há lugar para pecado nem castigo nem para o

desejo, nem para o ódio, sentimentos comuns às heroínas românticas.

Estas diferenças serão examinadas, inclusive, à luz das diferenças na

recepção que os gêneros alto e baixo fazem dos temas e conteúdos poéticos.

Aspectos a serem investigados, a partir da idéia de que a poesia bernardina não

cessaria de trabalhar em seus leitores, na concepção proposta por Kristeva para

o incessante trabalho do texto literário.

Aquilo que os textos do satanismo e da pornografia fazem existir integra a

desordem dos horrores simbólicos. Enquanto poiesis seriam quase anátemas. A

convocação por parte da literatura de sentimentos e comportamentos sexuais e

agressivos, reconhecidos como degradantes, bárbaros e até mesmo

animalescos, apresentados através de um vocabulário baixo e escatológico

desprovido de metáforas suavizantes, constitui uma provocação à própria idéia

de literatura, enquanto bem simbólico de um projeto civilizatório. Os textos que

são constituídos com esta matéria são mantidos fora de cena, à margem, sendo

violentamente reprimidos e recalcados. Contudo, o que é estranho ou o que

causa estranheza ao homem civilizado diz respeito a sentimentos e

comportamentos que integram sua humanidade mais profunda e íntima, jamais

apagados definitivamente: recalcados retornariam como sintoma, sintoma que a

literatura é. Textos satânicos e pornográficos não cessam de ser escritos e lidos

e, novamente, forçados para fora da cena civilizatória. Apesar disso haverão de

retornar, denegados ou expostos enquanto alusões, críticas, ensaios ou teses.

Afinal, há de se indagar sobre a significância do ato poético de Bernardo

Guimarães, em total desacordo com os modelos canônicos do romantismo e,

principalmente, subversivo ao projeto político de seu tempo, no qual uma

literatura de alto nível é parte importante. Um autor que, simultaneamente, fazia

sucesso com seus romances morais.

A constatação de que poesia de linguagem baixa e debochada é coisa

séria, quando advinda da pena de escritores da estirpe de um Ovídio ou de um

Goethe, com os quais Bernardo dialoga, coloca em dúvida a adequação do lugar

destinado ao poeta na plêiade brasileira ou, pelo menos, que se indique a

necessidade de alterar a cartografia do campo literário brasileiro. Afinal,

desconsiderar as complexas articulações e os refinados diálogos, mesmo que

entabulados em linguagem estranha à lírica, seria colocar em dúvida o conceito

de poesia enquanto mimesis, opção neoclássica, ou invenção, proposta

romântica. Em síntese, seria a negação da abrangência e do vigor do campo

literário brasileiro.

Uma afirmação dessa monta não se pode fazer sem fundamentos. É

necessário que se retorne a questões teóricas, apresentadas no capítulo

metodológico. Uma delas: a partir de uma situação particular é possível

estabelecer uma formulação geral — um único poeta e apenas parte de sua obra

permitem visualizar alterações de posições no campo literário? Caso positivo, em

que termos? Caso negativo, por que não? Num ou noutro caso, que papel

desempenharam os construtos teóricos? Estas condições e possibilidades serão

elaboradas no capítulo final, de conclusão. Nele, os limites da divergência serão

postos à prova e um outro lugar para Bernardo será proposto.

Uma obra polêmica não está disponível facilmente. Os poemas

pornográficos e satânicos de Bernardo teriam circulado primeiramente de modo

semiclandestino, em livretos de larga difusão. “Não haveria um mineiro que não a

soubesse de cor. Há na província espalhadas um sem número de cópias desse

‘Elixir’ inútil e brejeiro”, reclamava Artur Azevedo, em 1885.2 Desde a década de

80, do século XX a situação mudou completamente e os poemas passaram às

páginas de livros comuns, editados por respeitáveis editoras, chegaram a edições

luxuosas e, finalmente, ocuparam os nobres espaços das páginas digitais da

Fundação Biblioteca Nacional e Ministério da Educação.3

As Poesias completas de Bernardo Guimarães foram apresentadas numa

edição organizada por Alphonsus de Guimaraens Filho, que preparou também

introdução, cronologia e notas, para o Instituto Nacional do Livro, em 1959. A

antologia reúne os livros Poesias (1865), Novas poesias (1876) e Folhas do

outono (1883) e, num capítulo à parte, os dispersos, recolhidos em estudos

biográficos e outras fontes. Na edição não falta iconografia com o retrato do

poeta, de sua esposa e das casas onde morou, com reproduções das capas de

seus livros. O poema “A orgia dos duendes” aparece completo, com o texto

correspondendo à edição princeps, de 1865. Ficam de fora apenas, por decisão

explícita do organizador, os poemas obscenos.4

“Elixir do pajé” e “A origem do mênstruo” aparecem em “impressões

clandestinas”, sendo considerada princeps aquela datada de sete de maio de

2 AZEVEDO, A. “Bernardo Guimarães” apud MAGALHÃES, 1926, p. 113. 3 As informações sobre os meios de suporte das edições, contidas neste capítulo, foram orientadas por Fernando Amaro, conservador-restaurador, da FBN. 4 GUIMARÃES, 1959.

1875, conforme Basílio de Magalhães.5 A biblioteca da Casa de Rui Barbosa

possui exemplar de uma delas, impressa em papel de madeira e impressão semi-

artesanal. Sem capa e sem referências de editor e ano de publicação,

acompanha-a uma anotação anônima informando: “Estas Poesias são de

Bernardo Guimarães, grande poeta, natural de Minas Gerais, e constituem

raridade bibliográfica, impressas em 1875. Rio de Janeiro, em 15 de março de

1903”. Um cotejo amador deste bilhete com outros manuscritos, reconhecidos

oficialmente como da lavra de Plínio Doyle, permite notar uma semelhança entre

a grafia de uns e outro, sugerindo que o bibliófilo teria escrito a nota. A edição foi

utilizada para cotejo com as demais apresentadas adiante.

Em edição corrente, produzida por editora estabelecida na praça e

disponível ao público em escala comercial, os poemas do elixir e do mênstruo

aparecem pela primeira vez em 1885. O livro Poesias e romances do Dr.

Bernardo Guimarães, antologia e biografia, foi organizado por José Maria Vaz

Pinto Coelho, literato que também organizou edições das obras de José Bonifácio

e de Gonçalves Dias. A publicação, logo no ano seguinte ao falecimento do

poeta, indica um interesse importante por parte das forças hegemônicas no

campo literário. A biografia, que apresenta descreve acontecimentos e

curiosidades de sua vida e reproduz discursos e debates dos quais Bernardo

participou ou foi tema, em vida ou após a morte, citando cuidadosamente as

fontes, de tal forma que serve de referência para boa parte dos trabalhos que lhe

são posteriores. Comenta vários aspectos da obra bernardina, reproduzindo

trechos da prosa e da poesia. Um dos capítulos é dedicado às “Produções

pantagruélicas e bocageanas do Dr. B. Guimarães”, no qual, após uma

5 MAGALHÃES, 1926, p. 113-4.

“Advertência importante aos adolescentes e um e outro sexo!” quanto ao fato de

as páginas seguintes não serem apropriadas para eles, apresenta “Elixir do pajé”

e “O despertar do mênstruo”. O organizador informa que o cuidado em avisar das

restrições de acesso ao texto repete o que se fez na edição dos versos

licenciosos de Bocage, pretensamente editada em Bruxelas, no ano de 1860.6

Considerando ser uma publicação da casa Laemmert, o livro se constitui

uma ousadia, por mais de um motivo. Seria a primeira vez que se tem notícia da

publicação de obras deste teor por editora de respeito e estabelecida na praça.

Além disso, ao fazê-lo, o livreiro avança sobre o catálogo, espaço psicológico e

comercial, do editor habitual das obras de Bernardo, o Senhor Garnier,

comercializando o escrito mais popular do escritor, aquele que mais lucros

proporcionaria, segundo observaria anos depois Basílio de Magalhães.

Esta aparição oficial não se dá, todavia, com todas as letras. O texto

aparece mutilado duplamente — com palavras e letras substituídas por pontos e

reticências — pois, ao censurar as palavras chulas e de baixo calão, censura

igualmente palavras comuns, deixando os poemas quase incompreensíveis,

como pode ser visto desde a primeira quadra da primeira das poesias.

C......

Que tens ......., ......., que pesar te oprime, Que assim te vejo murcho e cabisbaixo, Sumido entre essa imensa .......... Mole caindo .... p.... .......7

Esta versão do poema do elixir aparece com diversas diferenças em

relação às demais, clandestinas ou não. Ele está dividido em dois, o primeiro,

nomeado “C”, acompanhado por 6 pontos, sugerindo o mesmo número de letras

para completar a palavra. A segunda parte recebe o título de “Um”, seguido de

6 COELHO, 1885. 7 COELHO, 1885, p. 203-216, especialmente para os poemas pantagruélicos e bocageanos.

outros 6 pontos, alusivos a uma outra palavra completa, provavelmente a mesma

que no primeiro verso é também censurada. No outro poema, “O despertar do

mênstruo” aparece como subtítulo para “Madrigal”, título que não se repete em

nenhuma das outras edições conhecidas.

Importante para um trabalho que investiga significações é a epígrafe que

abre o poema: Lasciva est nobis pagina, vita proba. Frase recolhida nos versos

de Marcial, “Páginas lascivas, vida honrada”, traduziria uma distinção

fundamental entre o sujeito poético e o civil, uma referência cuidadosa que não

se repete em nenhuma outra edição. Sinalizaria também para uma erudição do

editor, senão do autor.8

Os poemas seriam publicados novamente em 1958, quase setenta anos

após a edição da Laemmert. Desta vez aparecem sem censura, numa edição

especial, fora do comércio, para bibliófilos, pelas Edições Piraquê. A tiragem é de

500 exemplares. O formato é 22x30cm. O papel utilizado na edição é de madeira.

A capa é em papel cartão, com marcas de impressão de folhas e grãos de café,

ilustrada com o desenho de um índio nu, impressão em metal. O título que

aparece é Elixir do pajé, acompanhado do nome do autor, editora e a

característica da coleção, “Raridades”. A impressão é em duas cores. A folha de

rosto é ilustrada com o desenho central de um falo imenso, ereto, apontado em

direção a uma imagem feminina, acima e abaixo o nome do autor, a editora e

uma informação sobre o caráter luxuoso da edição. O miolo é formado por

cadernos de três folhas soltas, com seis páginas cada um; impressão em letras

azuis. Em cada uma das páginas o texto é apresentado com uma cercadura,

formada por motivos florais e serpentes que seguram maçãs em suas bocas. 8 “Epigrammaton libri XII”, liber I, epigramma IV, que vem a ser o último verso da epigrama, do primeiro dos doze “livros” atribuídos a Marcial e produzidos aproximadamente entre 85 e 102 d.C, Indicação e tradução devida a Fábio Frohwein.

Estes frutos são tocados por mulheres nuas. Completam as cercaduras cupidos

armados com flechas e instrumentos musicais. O texto é sempre aberto por

capitais ornamentadas com motivos humanos, em cenas variadas de cópula ou

exibicionismo. Em separado, cinco pranchas, ilustradas com imagens de índio,

mulheres, falos, vaginas e cenas referentes ao poema do elixir, desenhadas a

carvão. Na última capa, o preço: um mil cruzeiros. Não há nome de organizador,

ilustrador ou editor.9

Sabará, 1988: local e ano de uma outra edição de luxo dos poemas

bernardinos. Apresentada por Romério Rômulo, da Universidade Federal de Ouro

Preto, e ilustrada por Fausto Pratts, tem como editor e programador visual

Sebastião Nunes, para Edições Dubolso. O corte do papel é fora do padrão. As

ilustrações do livro são a nanquim. Na capa está o título do poema do elixir, o

nome do autor e da editora. Em papel cartão plastificado e impresso em duas

cores, ela é ilustrada com um falo, que tem rosto de índio e penacho. O papel é

cartão brilhante, em três cores. Na contra-capa a mesma figura aparece duas

vezes, em tamanho menor. O miolo, em papel madeira, é guilhotinado e colado

na lombada. As folhas são impressas em frente e verso. Cada página recebe

ilustração própria acompanhando as estrofes. Algumas ilustrações ocupam

página inteira. O texto A origem do mênstruo recebe ilustrações referentes a sua

temática, ao contrário do que acontece na edição da Piraquê, onde os motivos

das capitais são gerais. Nesta edição, inclui-se o poema “A orgia dos duendes”.10

A Poesia erótica e satírica, de Bernardo Guimarães, é organizada,

prefaciada e anotada por Duda Machado, poeta e professor da Universidade

Federal de Ouro Preto, para Imago Editores, em 1992. O formato é o padrão para

9 GUIMARÃES, 1958. 10 GUIMARÃES, 1988.

livros. A capa está impressa em três cores, em papel cartão plastificado, 250g. O

miolo é montado em cadernos de quatro costurados, com oito folhas costuradas,

utilizando papel 75/80g. Na capa, o título da obra e o nome do poeta ocupam o

espaço central; uma lista com o nome das principais poesias contidas ali e uma

referência ao organizador do trabalho ocupam espaços laterais. No rodapé, o

nome da editora. Algumas letras do título recebem destaque. Além dos poemas

proibidos, o livro traz “A orgia dos duendes”, em destaque, um capítulo para o

humor e bestialógico e outros com uma pequena lírica, um roteiro biográfico e um

apêndice com fatos biográficos e excertos de crítica.11

Antologia pornográfica: de Gregório de Mattos a Glauco Mattoso,

organizada por Alexei Bueno, edição da Nova Fronteira, em 2004, é espaço

privilegiado para os dois antigos poemas clandestinos de Bernardo Guimarães,

sendo ambos devidamente indicados no índice. A antologia é ilustrada com uma

foto na capa e desenhos abstratos, à nanquim na apresentação de cada autor.12

Os poemas aparecem na edição Produções satíricas e bocageanas de

Bernardo Guimarães, nos Livros Eletrônicos/Digitalizados, da Fundação

Biblioteca Nacional, sítio www.bn.br. Os textos são organizados por Irineu E.

Jones Corrêa, que assina uma nota introdutória.13 Ainda no meio eletrônico,

outras páginas estão reproduzindo os poemas proibidos, inclusive o endereço

www.me.br/domíniopublico, do Ministério da Educação,.

Uma versão filmada do poema do elixir bandalho foi dirigida por Helvécio

Ratton. Nela, três colegiais, interpretadas por Ana Romano, Mônica e Simone

Magalhães, encontram o túmulo de Bernardo e lêem o livrinho que, uma delas

informa, fora encontrado na biblioteca do avô. A leitura é assumida por Paulo 11 GUIMARÃES, 1992. 12 BUENO, 2004. 13 GUIMARÃES, 2001.

César Pereio, que, sem identificar o personagem que interpreta, tal qual faz o

narrador do poema escrito, banha-se e se paramenta para sair. Em sua fala,

conta o drama da falta de tesão, toma o que seria um elixir e, terminando de se

vestir, sai. Lá fora, o cenário é Ouro Preto, dos tempos atuais — o casario

tradicional, postes de iluminação e fios de eletricidade. O intérprete entra num

automóvel, um automóvel antigo. Passando pelo cemitério, dá carona às

colegiais. A cena se fecha com todos acenando para a câmera. A produtora é

VT-3, de Ouro Preto. O ano da produção é o de 1989.14

Quanto às divergências entre os textos de cada uma das edições, parece

haver uma consolidação das opções nos últimos anos. Os textos organizados por

Sebastião Nunes e Duda Machado não apresentam variações. A antologia de

Alexei Bueno parece seguir o padrão estabelecido pelos dois outros editores

citados. O texto sobre o elixir de Edições Piraquê apresenta poucas variações em

relação aos demais. O poema do mênstruo, ao contrário, diverge bastante, com

variações de termos e acréscimos de versos inteiros, em relação às edições de

Nunes e de Machado. A edição de Pinto Coelho, apesar das mutilações

indicadas, mostra variações em palavras e em versos inteiros. Para efeitos desta

tese, serão sempre consideradas as variações, preferindo-se sempre indicar sua

presença que normalizar as dúvidas e imprecisões com as quais o tempo e o

trabalho do texto desafia o crítico.

14 ELIXIR, 1989.

2 O PROBLEMA E O MÉTODO

O que se produz de literário naquelas três composições em versos de

Bernardo — “Orgia dos duendes”, “Elixir do pajé” e “A origem do mênstruo”?

Como se falar e comentar sobre o literário, a partir de um lugar externo da

condição de poeta? Eis o problema que está implícito nesta tese escrita numa

linguagem teórica, inscrita sobre a poesia de um autor.

Uma ou duas palavras sobre isto não será de pouca valia.

Num diálogo entre as sombras de Sócrates e Fedro, o assunto é a obra de

Eupalinos, o arquiteto, e o tema é a capacidade daquele artista em construir —

imaginar um objeto no espaço e, ao mesmo tempo, construí-lo, impregnando a

obra com sua experiência pessoal e suas emoções. Em princípio dirigido à

arquitetura, o texto de Paul Valéry é um hino de louvor à forma como expressão

máxima da arte e do conhecimento.15 A qualidade da linguagem do verso, que

impregna a prosa do diálogo daquele imponderável de relações inventivas e

surpreendentes das quais somente a palavra em estado de poesia é capaz, é

destacada por João Alexandre Barbosa, no posfácio da tradução brasileira. O

texto se constitui numa intertextualidade primorosa com o pensamento e dialética

socrática. Sem voz no diálogo que leva o seu nome e sua arte serve de mote,

Eupalinos é chamado a expor suas idéias na Poética menor, de Luiz Santa

Cruz.16 O debate, agora entre o arquiteto e Fedro, gira em torno da tendência

poética da inteligibilidade ou do primado da inteligência na poesia versus a

posição favorável à intuição poética, com o poeta quase passivo às forças

15 Escrito no final dos anos 90, do século XIX, Eupalinos ou o arquiteto foi lançado num luxuoso volume, de baixa tiragem, sobre criação arquitetônica, em 1921. 16 Poética menor, 1953. Luiz Santa Cruz foi um literato de relativo sucesso em meados do século XX. Fez poesia datilografada e mimeografada.

inconscientes e da sensibilidade. A pretensão do aluno é escrever uma Poética

que abandonasse os grandes temas de Aristóteles e Hegel, preocupando-se com

ensinamentos esparsos, aqueles marginais ou subsidiários das Poéticas Maiores.

A obra estaria destinada não apenas aos poetas, mas aos leitores de poesia.

Para demonstrar a oportunidade de um texto como o seu, Fedro defende a

universalidade do estado poético. Induzindo as respostas de seu oponente, ele

propõe que todos os homens seriam poetas, divididos em duas classes. A

diferença entre eles estaria em que alguns deles vivem as graças de poesia,

“convidados que são para os banquetes das Musas, a ocupar sempre os

primeiros lugares, os primeiros a falar e de certo nunca os últimos a ouvir” Os

demais, identificam nos poemas dos primeiros os “estados poéticos que são

como espelhos de nossos próprios estados de poesia” que, adormecidos, são

despertos imediatamente diante da leitura daquilo que outros poetas escreveram.

A atividade do teórico em literatura teria alguma identidade com aquela

diferença. Trabalhando com o objetivo de conhecimento sistemático, pretendendo

produzir ou descrever regras e modos de funcionamento, mesmo que

sabidamente provisórios e relativos, uma tese teórica estaria distante do poema

ou do acontecer poético, que, todavia, são o seu assunto.

O estatuto teórico de uma determinada área de conhecimento seria

estabelecido através da constituição de um objeto diferenciado de análise e um

conjunto terminológico particular, por sua vez, habitualmente, submetido a uma

forma específica de lógica unívoca e precisa. À primeira vista, poemas escritos

em versos, como qualquer texto escrito, apontariam para uma certa materialidade

— meios de suporte (papel, livro, letras, composição gráfica) e técnicas de os

apresentar (ritmo, metro, normas gramaticais, mesmo que algo específicas) —

que faria deles objetos mensuráveis ou assimiláveis de modo relativamente fácil

enquanto objeto teórico. Entretanto, tal materialidade dos poemas seria habitada

pela poesia: ato simbólico, ação de criar convocatória de ambivalências e

polissemias, com marcante tendência à imprecisão: objeto de assimilação difícil

pelos desígnios das normatizações e sistematizações.

Ao analisar as mais importantes teorias literárias do século XX, Terry

Eagleton constata que literatura não seria uma categoria objetiva, embora

também não estivesse subordinada aos caprichos de qualquer um.17 Os “juízos

de valor” que definem o literário são historicamente variáveis, ao mesmo tempo

em que, relacionados com ideologias sociais, guardam referências no gosto

particular e nos ditames dos grupos sociais. O crítico marxista utiliza as palavras

de Roland Barthes, “literatura é aquilo que é ensinado”, para observar que aquilo

que for proposto no provisório é, por conseguinte, um objeto sem estabilidade.

Nestes termos, as tensões e dificuldades entre o objeto e a teorização sobre ele

seriam de solução impossível, não por circunstâncias passageiras, mas pelas

características constitutivas de um e de outro. Tal objeto exige métodos de

análise diferenciados, capazes de responder à instabilidade e falta de

descritibilidade da literatura, articulados sob uma concepção de teoria e de

ciência não tradicional.

A mudança dos conceitos da crítica e dos estudos literários, de modo que

permitisse uma aproximação àquele estranho objeto, seria demarcada pelos

trabalhos de Barthes, nos anos 50, do século passado, com as denúncias à

mitologia e a busca do grau zero da escritura, primeiros enfrentamentos contra a

17 EAGLETON, [1983], p. 1 a 17 e 213.

doxa.18 A posição é marcada por duas idéias conexas: o texto literário seria

engendrado na confluência de inúmeros e diferentes textos e a atividade crítica

se comporia enquanto apreensão da pluralidade que o constitui.19 A formulação

teórica de uma impossibilidade de originalidade absoluta questiona, de uma só

vez, privilégios e valores arraigados no campo literário. Entre eles, estaria a

perda de parte da significância dos textos greco-latinos: antigos então originais,

então modelares, então continentes das verdades literárias definitivas — Italo

Calvino, reconstrói a importância dos clássicos, porém não a fundamenta

simplesmente em valores inseridos na tradição e sim na razão da demanda que

seu leitor atual fará neles.

O ‘seu’ clássico é aquele que não pode ser-lhe indiferente e que serve para definir a você próprio em relação e talvez em contraste com ele. (...) É clássico aquilo que persiste como rumor mesmo onde predomina a atualidade mais incompatível.20

Negativa da tradição como valor absoluto e, ao mesmo tempo, dúvida

sobre a possibilidade do completamente novo. O primado da originalidade para

qualificação de uma obra de arte, da qual deriva a idéia de ruptura, tão cara aos

modernos de todas as épocas, cai por terra.

Se literatura não é claramente definível, seu estudo não se faz por método

próprio ou exclusivo. Teoria literária se constitui num exercício de apropriação de

métodos e conceitos de outros domínios: lingüística, psicanálise, história,

antropologia e tantos outros. Alguns deles, tal como os estudos literários,

18 Nossa opção por Barthes faz dele significante das ações de autores que, em momentos diversos, não se conformaram com a submissão das letras a modelos pré-estabelecidos. Entretanto, marcas se movimentam, Barthes propõe Saussure, Hjelmslev, Jackobson e Benveniste como os responsáveis para as mudanças referidas e Eagleton confere ao trabalho de Sklovski, em Arte e artifício, 1917, a responsabilidade sobre as transformações da teoria literária no século. 19 BARTHES, 1970, As duas críticas, p. 149-155 e O que é a crítica, p. 157-163. 20 CALVINO, 1993, p. 13 e p. 15.

praticantes da apropriação de insumos teóricos de áreas próximas. A semiologia,

por exemplo tem franca intertextualidade com a lingüística e a psicanálise.21

. Os conceitos a serem experimentados nesta tese têm sua origem

naquelas circunstâncias. Parte deles é originária ou decorrente dos estudos

levantados pelas propostas estruturalistas, semiológicas e pós-modernas.

Retomadas e acrescidas de novas influências, as hipóteses teóricas deverão ser

aplicadas sobre o objeto literário, no seu limite, até que seja necessário

reformular a ambos. O trabalho está evidentemente sob os riscos inerentes a “um

objeto [ainda] não circunscrito em um campo de estudos definido por instituições

de produção e gerenciamento de saber”, como observa Celina Moreira de

Mello.22 A tentativa não se faz pautada por simples tecnicismo, mas pela

exigência de a crítica reconhecer o provisório e relativo de seu caráter de criação

ideológica — postura condicionante para eficácia de sua ação, segundo Linda

Hutcheon.23 Crítico sistemático e impiedoso da pós-modernidade, Eagleton chega

à mesma conclusão: “a teoria cultural tem que começar a pensar de maneira

mais ambiciosa [...] para que possa buscar compreender as grandes narrativas

nas quais está agora enredada”.24

Entre todos os constructos postos em cheque, pela crítica desde Barthes,

a lógica historicista tradicional é o mais evidentemente questionado pela

denúncia às grandes narrativas. Uma postura especialmente importante no caso

do imaginário brasileiro, mormente por derivar dela o modo de analisar, entender

21 EAGLETON, [1983], ao analisar o objeto literário, faz um estudo panorâmico sobre as diversas teorias exógenas utilizadas pela teoria literária. 22 MELLO, 2004, p. 129-156. 23 HUTCHEON, 1991. 24 EAGLETON, 2005, p. 107-108.

e vivenciar o campo literário nacional, inclusive na organização do seu cânone.25

Embora a história da literatura brasileira seja escrita de pontos de vista

ideológicos e teóricos profundamente diferentes, a lógica histórica é característica

comum entre elas. Silvio Romero utiliza uma concepção antropológica, José

Veríssimo uma perspectiva político-social e Afrânio Coutinho um enfoque

esteticista, Antonio Candido parte de uma analítica estético-social e Alfredo Bosi

se apóia na sociologia e na psicologia dialética. O modo de narrar praticado por

cada um não se repete no outro, os acontecimentos do campo literário não são

valorizados e descritos da mesma maneira, as qualidades encontradas em cada

um dos nomes escolhidos não são valores constantes, nomes aqueles que não

são os mesmos. As relações entre tempo e acontecimentos e pessoas não são

estabelecidas da mesma forma, porém o sentido de evolução e progressivo

aperfeiçoamento é uma concepção que lhes é comum.

Candido, posteriormente, revê a sua concepção quanto à formação da

literatura brasileira, em favor de uma literatura de dois gumes, respectivamente

título de sua obra dos anos 50 e de um ensaio escrito no final da década

seguinte.26

O valor atribuído a Bernardo e a sua obra é exemplar daquela equação

evolucionista. Na medida em que a poesia indianista é recepcionada como

central para o projeto romântico, a história elaborada por Bosi atribui a Gonçalves

Dias o lugar do “primeiro poeta autêntico a emergir em nosso Romantismo”,

enquanto Bernardo, lembrado pelo acento “humorista” e “satânico boêmio”, seria

25 O desgaste que levaria o gênero a uma posição definitivamente secundária no quadro de estudos literários é contextualizado e analisado por FRANCHETTI, Paulo. História literária, um gênero em crise. In: SEMEAR, 2002. Por outro lado, uma análise da importância dos historiadores da literatura para o estabelecimento da tradição é ensaiada por PEREIRA, M. R. A invenção da tradição. In: Terra Roxa e outras terras, 2002, p. 32-49. 26 Formação da literatura brasileira, primeira edição 1959, e “Literatura de dois gumes”, primeira edição em 1969, apresentado antes em 1966.

um epígono esquecido, merecedor de nada mais que uma nota-de-rodapé.27

Adotando uma postura ideológica diversa, A literatura no Brasil organizada por

Coutinho, determina ao poeta Bernardo posição similar. Secundário, não apenas

em relação ao autor maranhense, mas também ao gênio de Álvares de Azevedo,

aparecendo tão-somente como um adendo no verbete dedicado àquele.28

O ponto comum entre eles: os fundamentos evolutivos e

desenvolvimentistas da teoria de história adotada por ambos os estudiosos que,

embora de raízes ideológicas diferentes, recepcionam da mesma maneira um

poeta que escreve por linhas tortas. No sentido inverso está o destaque de

Candido ao autor desvalorizado pelos outros dois, a quem dedica o capítulo

“Bernardo Guimarães, poeta da natureza”.29 Um ensaio que se dá no enquadre

privilegiado que faz aos poetas da “segunda geração”, de certa forma autores

fora do centro: uma situação que permite considerar Bernardo significante da

natureza romântica, pois da geração fundadora, a primeira, a natureza é

indianista, com nome e sobrenome já estabelecidos em Antônio Gonçalves Dias!

Ou seja, o exercício crítico que comprometeria a hipótese que traçamos, não o

faz, pois ocorre sem romper com a lógica que separa autores principais de

autores secundários, lógica pertinente ao projeto evolucionista da história.

A detecção de valores comuns em análises teóricas tão diferenciadas

evidencia a presença e a força de um conjunto de mitos criados e mantidos ativos

pela economia interna da mesma sociedade ou grupo nos quais têm vigência.

Segundo Barthes, na sociedade burguesa circulariam diferentes mitologias

equilibradoras, incorporadas nas grandes narrativas e na cultura de massa como

se fossem verdades factuais, portanto despolitizadas e naturalizadas. Com o 27 BOSI, 1993, p. 114-119 e 128-9. 28 COUTINHO, 1997, p. 195-6. 29 CANDIDO, 1975, p. 81-96 e p. 169-177.

avanço de sua pesquisa, ele observa a permanência do mito, não apenas no

enunciado das grandes narrativas e na cultura massificada, mas nos discursos

pretensamente críticos, supostamente protegidos dos vícios que denuncia.

Demoraria pelo menos uma década e meia até que esta observação fosse

integrada ao debate da poética da pós-modernidade, como vimos nas referências

a Hutcheon, acima.

A atividade do crítico e historiador como consignador de mitos do campo

literário já fora assumida por Sérgio Buarque de Hollanda, nos anos 70, quando

intitulou Tentativas de mitologias a uma coleção de artigos e ensaios seus, sobre

história e literatura.30 Uma mitologia impura, assumidamente divergente da

tradição e das opiniões consagradas é verdade: o modelo de abordagem é dado,

segundo ele, pela Crítica Impura, de Astrojildo de Oliveira, cuja primeira

qualidade estaria no exercício sistemático de contraposição aos modismos.31 Mas

sem dúvida nenhuma, descrita com todas as letras como mitologias, pelo autor

que, naquele momento já era significante para raízes do Brasil.

Uma história literária que respondesse à crise da história tradicional é

desafio encarado por Leila Perrone-Moisés, vinte anos depois.32 As Altas

literaturas que escreve são concebidas a partir de ensaios nietzschianos e

benjaminianos sobre a filosofia da história, os quais reconhecem a importância do

tradicional horizonte diacrônico, mas privilegiam o recorte transversal dado pela

visão sincrônica: “ler é dar sentido, sincronizar, vivificar, escolher e apontar

valores”, exercício capaz de “orientar os rumos do futuro” e “ultrapassa[r] e

invalida[r] as regras de medida vigentes” sintetiza a crítica. O olhar sincrônico

30 HOLLANDA, 1979. Curioso notar que o autor apresenta, no mesmo texto, Raízes do Brasil como um trabalho igualmente divergente da tradição historiográfica nacional. 31 PEREIRA, [1963]. 32 PERRONE-MOISÉS, 1998 et seq.

seria condição própria dos artistas, no caso escritores que exerceram a crítica. T.

S. Eliot, Erza Pound, Jorge Luís Borges, Octavio Paz, Italo Calvino, Phillipe

Sollers e Haroldo de Campos colheram no passado aquilo que lhes permitiu

“situar, orientar e valorizar sua própria ação presente”. As escolhas feitas por eles

não estiveram ligadas a “nenhuma visão demiúrgica ou científica”, mas às suas

necessidades. A história escrita por cada um deles não é uma história objetiva,

nem ordenada, apenas uma articulação de informações, uma montagem

contrastando com a história da literatura tradicional. Nesta perspectiva, Perrone-

Moisés estabelece uma nova plêiade.

Todavia, as conseqüências do trabalho da pesquisadora vão além da

proposição de um novo cânone. Ao fundamentar a história das altas literaturas

em concepções filosóficas e não em pressupostos científicos e, além disso, tomar

como fiadoras de seu texto escolhas e indicações de poetas, sujeitos centrados

em seus desejos e necessidades idiossincráticas, ela assume que a história da

literatura que escreve é um saber subjetivo, provisório e parcial. A denúncia

barthesiana, sobre o mito cientificista da história, não está para ser contornada

por um discurso composto sob a regência de uma ideologia censurada por seu

emissor, mas para ser enfrentada como um possível a ser percorrido,

experimentado e escrito como texto. O que esteve protegido, nas obras dos

grandes historiadores, pelo estatuto da cientificidade, é deslocado para o campo

do literário e, no mesmo movimento, integrado a um debate no qual intervêm

valores como o sublime e o grotesco, o gosto, a preferência.

Os métodos utilizados nas Altas literaturas não se repetirão nesta tese,

pelo menos em parte. Haverá um traço comum entre um texto e outro, aquele

que explicita a intencionalidade nas escolhas, mesmo que a nossa intenção seja

atribuir valor a poemas ultrajantes e baixos, próprios de literaturas baixas.

Faremos a leitura dos textos impositivos dos operadores do cânone e

experimentaremos a aproximação de categorias originárias de diferentes campos

teóricos — Semiologia, Lingüística, Psicanálise, Sociologia, História. Categorias

tratadas desde a perspectiva e em benefício do objeto literário, pretendendo,

também, não contornar a crítica barthesiana. Dito de outro modo, sabendo que os

conceitos usados são elaborações circunstanciais, válidas diante de

determinadas circunstâncias, criações ideológicas e não há como negar isto.

A importância do ideário semiológico em nossa pesquisa, se dá, em boa

parte, motivada pelo que ela antecipa — a confluência de constructos de diversas

ciências para informar um novo conhecimento teórico e a opção pelo literário. A

Semiologia, conforme Barthes e Julia Kristeva a formulam,33 tem relações

originais com a Lingüística, a qual exerce nela um papel extensivo, funcionando

como se fora um discurso de ligação entre os vários domínios teóricos que

circulam naqueles domínios. Uma situação determinada em muito por sua

condição de produzir descrições formais de enunciados experimentais. Discurso

constituinte,34 na medida em que imprescindível para o discurso que se compõe,

como no retorno a Freud, realizado por Lacan, ou modelo implícito de

experimentos como a micro-história, de Carlo Ginzburg.35

A análise micro-histórica é, portanto, bifronte. Por um lado, movendo-se numa escala reduzida, permite em muitos casos uma reconstituição do vivido impensável noutros tipos de historiografia. Por outro lado, propõe-se indagar as estruturas invisíveis dentro das quais aquele vivido se articula. O modelo implícito é o da relação ente langue e parole formulado por Saussure. As estruturas que regulam as relações sociais

33 A proximidade entre as duas matérias é objeto das preocupações de BARTHES, (1964), 1977, p. 13: “a Semiologia é que é uma parte da Lingüística; mais precisamente, a parte que se encarregaria das grandes unidades significantes”. Kristeva inicia sua participação nos círculos intelectuais franceses com um amplo e detalhado estudo dedicado à Lingüística. KRISTEVA, (1969) 1981. 34 MAINGUENEAU, 2000, p. 31-2. 35 LACAN, 1999, Fonction et champ de la parole et du langage en psychanalyse (1953), v. I, p. 235-321. GINZBURG, 1991, O nome e o como (1979), p. 169-178.

são, como as da langue, inconscientes. Entre a forma e a substância há um hiato, quem compete à ciência preencher.

Apesar da origem lingüística ou da expansão de seus métodos sobre os

outros campos de práticas significantes, os modelos tirados dela não são

univalentes e os diversos modos de significação foram e devem ser estudados

independentemente do ponto limite que seria aquele do modelo, como fizeram

alguns dos próprios autores da Semiologia.

Crítico da teoria pura da língua proposta por Saussure, que pretenderia

isolar qualquer referência às condições sociais, geográficas e históricas do

funcionamento da língua e de suas transformações, Pierre Bourdieu, entretanto,

não se recusa ao debate. Sua teorização em torno das estruturas simbólicas da

sociedade discute a economia das trocas lingüísticas, título de um de seus livros,

e contribui para complexificar o debate suscitado pela semiologia.

A contribuição oferecida por ele, para os estudos literários, é visualizada e

diferenciada em dois blocos, conforme está proposto em Les règles d’art.36 Um

deles referente às bases de sua metodologia: os conceitos de campo, habitus,

illusio, violência simbólica e autonomia. Estão incluídos neste conjunto os

estudos sobre a linguagem, especialmente aqueles que permitiriam discutir a

noção de lector.37 Num outro bloco estão suas experiências com textos literários,

uma “confrontação das teorias com novos objetos”, forma de colocar em jogo os

limites estabelecidos para os conceitos.

Um dos aspectos mais interessantes da teorização de Bourdieu reside no

fato dele imprimir nela um viés eminentemente empírico, tratando-a como um

programa de percepção e de ação que trabalhe segundo as exigências internas

36 BOURDIEU, (1992) 1996. 37 BOURDIEU, (1992) 1996. ———, (1982) 1996. Ver o capítulo sobre o lugar de um Bernardo.

de uma constante revisão de suas formulação, tendo em vista a acumulação de

informações. Ao mesmo tempo, implica na possibilidade de que o objeto com o

qual se confronta seja reformulado, com mais facilidade que teorias atuantes no

simples confronto com outras teorias.38 Construção provisória elaborada para o

trabalho empírico e que, por meio dele, ganha menos com a polêmica teórica do

que com a defrontação com novos objetos. Neste sentido, para o pesquisador

mais vale acionar os recursos teóricos adquiridos em novas pesquisas,

confrontando-os com novas situações, novos objetos, do que acondicioná-los em

metadiscursos que apenas repetem e mantêm uma posição já estabelecida.

Implícita neste argumento está uma noção de atividade de investigação

científica que implica simultaneamente em “continuidade e ruptura, conservação

e superação” em relação a todo o pensamento disponível, sem temer a acusação

de ecletismo, superficialidade ou continuísmo. O objetivo a ser atingido é a

ultrapassagem de seus antecessores, não por estarem fora de moda, mas por

uma utilização nova dos instrumentos para os quais contribuíram, em algum

momento. Esta atividade de colocar para funcionar um conceito sobre um objeto

diferente do que o criou é um “novo ato de produção tão inventivo e original como

o ato inicial”, um verdadeiro ato científico, tão importante para o desenvolvimento

do conhecimento a que se refere. Um ato que se opõe enfaticamente ao

“comentário des-realizante do lector, metadiscurso ineficaz e esterilizante”.

O primeiro dos conceitos em questão aqui informa sobre campo literário.

Indivíduos, grupos e suas ações circulam em espaços sociais delimitados,

definidos por Bourdieu através da noção de campo. Considerado enquanto

espaço social estruturado e conflitual, relativamente autônomo, ou seja,

38 BOURDIEU, 1989, A gênese dos conceitos de habitus e campo (1985), p. 59-73, para este e os comentários que se seguem, até novas referências.

diferenciado de outros, o campo é o espaço em que agentes sociais ocupam uma

posição definida pela relação entre seu trabalho e a reação dos demais agentes a

ele.

Bourdieu chama a atenção para a possibilidade aberta pela noção de

campo, no sentido de ela permitir que se ultrapasse e supere a oposição entre

leitura interna e análise externa sem que se percam as contribuições que ambas

oferecem ao trabalho analítico. Ao nosso ver, sem que se renuncie às aquisições

e exigências das duas aproximações.

Conservando aquilo que se inscreve dentro da noção de intertextualidade, ou seja, o fato que o espaço das obras se apresentam a cada momento como um campo de tomada de posição que não pode ser compreendido de outra forma que relacionalmente, na medida em que o sistema de separações diferenciais, se pode colocar a hipótese (confirmada pela análise empírica) de uma homologia entre o espaço das obras definidas dentro de seu conteúdo propriamente simbólico, em particular na sua forma, e o espaço das posições no campo de produção: por exemplo, o verso livre se define contra o alexandrino e tudo aquilo que ele implica esteticamente, mas também socialmente e mesmo politicamente; com efeito, do fato do jogo das homologias entre o campo literário e o campo do poder ou o campo social em seu conjunto, a maior parte das estratégias literárias são sobredeterminadas e muitas das “escolhas” são golpes duplos, ao mesmo tempo estéticos e políticos, internos e externos. 39

No que se refere ao campo literário, há de se compreender sua relativa

autonomia em relação aos demais campos da arte. Evidentemente que o foco

específico não implica em desconsiderar eventuais espaços limítrofes ou comuns

a outros campos, lembrando que a autonomia de um campo se dá sempre em

relação aos demais e de um modo constantemente relativo.

Como todo e qualquer campo, o literário é constituído historicamente, de

modo lento e gradual, em que os agentes e regras se compõem e ajustam ao

longo do próprio movimento que os inventa e lhes provê de valor. A obra de arte

literária é uma dessas produções. Enquanto “objeto simbólico”, sua existência

39 BOURDIEU, 1992, p. 288-289.

não é dada naturalmente: sentido e valor que forem atribuídos a ela são “duas

faces de uma mesma instituição histórica, o habitus culto e o campo artístico”. As

categorias utilizadas para dizer a obra estão inseridas no espaço temporal,

geográfico e social, constituindo-se em atitudes do habitus de determinados

grupos ou facções de grupos, sendo armas e instrumentos de lutas pela

hegemonia de determinados grupos e de suas idéias. Neste caso, noções

reconhecidas como evidentes ou naturais no campo, como artista, escritor e

poeta, suas qualificações e todas as palavras e termos que designam e

constituem o campo e seus agentes são resultantes de um longo e lento trabalho

histórico que se mantém acontecendo.40

Arrolam-se aí, não apenas os índices de autonomia do artista —

reconhecimento seu e de sua obra, os mecanismos de arbitragem —, mas

também os índices de autonomia do campo tais como a emergência do conjunto

das instituições específicas que condicionam o funcionamento da economia dos

bens culturais — locais de exposição, instâncias de consagração, instâncias de

reprodução de produtores e consumidores, estes últimos formando um mesmo

conjunto de agentes especializados, dotados de atitudes objetivamente exigidas

pelo campo e de categorias de percepção e de apreciação específicas,

irredutíveis às que têm curso normal na existência corrente e que são capazes de

impor uma medida específica do valor do artista e dos seus produtos.41

Dentre todas as invenções determinantes para a emergência de um campo

de produção se destaca a de elaboração de sua linguagem, neste caso da

linguagem literária, capaz de falar do artista, da natureza de seu trabalho e do

modo de remuneração do valor desse trabalho. Justamente sob esta ótica, serão 40 BOURDIEU, 1992, p. 286 e passim. 41 Para uma explanação sobre proposta de Bourdieu e seu desdobramento em outros teóricos ver CATHARINA, 2005, p. 40-77.

retomadas e re-analisadas categorias como romantismo e romantismo brasileiro,

criando as bases para se rever a posição ocupada pela poesia de Bernardo e,

especialmente, por seu texto obsceno.

As categorias utilizadas para dizer a obra estão inseridas no espaço

temporal, geográfico e social, constituindo-se em atitudes do habitus de

determinados grupos ou facções de grupos, sendo armas e instrumentos de lutas

pela hegemonia de determinados grupos e de suas idéias.

Neste sentido, a produção teórica do grupo em torno de Barthes,

incorporando sempre informações de diferentes áreas, seria um movimento de

luta pela hegemonia no campo literário, contributiva para a ampliação da

autonomia do campo. Um movimento especialmente claro na conjugação entre

lingüística e conceitos psicanalíticos em benefício da crítica literária, como faz

Kristeva.

O trabalho em torno de uma semanálise, realizadas por ela, conjuga dois

aspectos que retornam em nosso estudo. Um deles é a investigação sobre a

diversidade das práticas significantes e produção do sentido e o outro é o

reconhecimento da literatura como o domínio privilegiado, no qual a linguagem se

exerce, precisa-se e se modifica.42

O primeiro exercício sobre o trabalho constitutivo da significação, anterior

ao sentido produzido ou ao discurso representativo, seria obra de Freud, ao

formular o mecanismo do sonho, enquanto um processo no qual acontece um

jogo de permutações não linear, capaz de modelar a própria produção de

imagens e de sentidos. A teoria do sujeito que emana dos estudos freudianos

sobre o inconsciente é desdobrada por Lacan. Desde Freud, o conceito é tomado

42 KRISTEVA, (1969) 1978 e (1969) 1981.

para explicar a ocorrência de uma instância da psique humana fortemente

determinante para as escolhas e os comportamentos do indivíduo, embora não

fosse controlada ou observada pelo pensamento vigil. O inconsciente seria a

história humana que cada indivíduo tem gravada em si, sem o saber e sem

controlar este processo de gravação ou sua emergência, via desejos e

realizações — sintomas, conforme referência pouco acima. A instância informaria

sobre a existência de uma parte do sujeito que seria estranha a ele mesmo, uma

espécie de outro. Esta postulação seria responsável, inclusive, por uma grande

decepção da auto-estima do homem, por supor que ele, dominador das grandes

forças da natureza, não controlaria seus mais íntimos pensamentos e suas

atitudes mais pessoais — sua posição de sujeito de sua própria história, estaria

questionada.43 Com o psicanalista francês, a noção se radicaliza e os

acontecimentos comportamentais se colocam enquanto acontecimentos de um

percurso não linear e não pré-estabelecido, uma errância em que o que vale e

conta como experiência psíquica é apenas aquilo que se produz desde o

inconsciente. A própria noção de sujeito, como proposta por Freud — na qual o

eu e o sujeito se confundem no desejo — deixa de fazer sentido, pois, do ponto

de vista lacaniano, o sujeito se apresenta enquanto expressão falhada e

incompleta do Outro, constituídos ambos no inconsciente, ambos sempre se

atualizando. A alma humana seria, então, um constante trabalho, que, por sua

43 Mesmo a psicologia não psicanalítica tem nas questões simbólicas um problema não resolvido. A psicogenética piagetiana, por exemplo, que foi capaz de traçar uma gramática detalhada sobre a lógica e a matemática dos comportamentos cognitivos, é lacunar no que se refere aos estudos da função simbólica, nas quais se inscrevem as questões da afetividade, justamente aquele aspecto que trata da energia que impulsiona as ações humanas.

vez, se daria na linguagem. A partir de tais circunstâncias, Lacan afirma que a

linguagem é a condição do inconsciente.44

Ao contrário dele, Émile Benveniste leria a frase ao inverso, afirmando que

o inconsciente é a condição da linguagem.45 Diz ele: “O que há de intencional na

motivação governa obscuramente a maneira pela qual o inventor de um estilo

configura a matéria comum e, à sua maneira, se liberta dela”. A razão da

divergência estaria na forte marca da história no conceito de inconsciente

freudiano, observada pelo lingüista.

A semanálise é o estudo das práticas significantes, o questionamento das

leis dos discursos estabelecidos, em favor da emergência de novos e

inesperados significados, a significância. A intenção de “tocar nos tabus da

língua, redistribuindo suas categorias gramaticais e remanejando suas leis

semânticas” implica em “tocar nos tabus sociais e históricos”.46 O Barthes de

Mitologias sabe disso. Os estudos das práticas significantes contemplaram

diferentes classes de discursos, Lingüística, Teoria Literária, História, Moda,

Cinema, entre outros, até privilegiar o texto literário. Nele, a linguagem coloca em

cheque a doxa e as indicações canônicas.

O texto não é um conjunto de enunciados gramaticais ou agramaticais; é aquilo que se deixa ler através da particularidade dessa conjunção de diferentes estratos da significância presente na língua, cuja memória ele desperta: a história. Equivale a dizer que é uma prática complexa, cujos grafos devem ser apreendidos por uma teoria do ato significante específico que se representa através da língua, e é unicamente nessa medida que a ciência do texto tem qualquer coisa a ver com a descrição lingüística.

A escritura, assim concebida, recusa uma lógica da comunicação direta,

não se pauta em um único sentido, mas trabalha em todas as direções, tanto

44 LACAN, 1999. Subvertion du sujet et dialectique du désir dnas l’inconscient freudien (1960), v. II, p. 273-308 ; Instance de la lettre dans l’inconscient ou la raison depuis Freud (1957), v. I, p. 490-526 45 BENVENISTE, (1966) 1995, p. 81-94. 46 KRISTEVA, (1969) 1974, p. 11.

no horizonte da tradição quanto na verticalidade do subjetivismo, produzindo

sentidos infinitamente. O texto como produtividade considera o constante

trabalho de invenção e descoberta de sentidos, tanto no processo de sua

escritura quanto no de leitura. Na raiz desses processos está a interminável e

constante presença de outros textos no trabalho de escrever pela primeira vez

um texto.

A operação textual é dinâmica, descrita funcionando sob dois processos: o

fenotexto e o genotexto. O primeiro considera o fenômeno verbal que se

apresenta na própria estrutura do enunciado concreto, sobre o qual acontece o

trabalho de produção de sentido, enquanto que geno-texto se apresenta como

lugar da significância, o espaço em que o sujeito da enunciação se constitui e as

formas adquirem sentido.

Estas formulações estão vinculadas à noção de inconsciente lacaniano,

superando-a, quando remetem à idéia de um sujeito que se constitui na

linguagem e se identifica com o discurso que profere, em constante alteração,

sempre em transformação. Uma constância de trabalho não suposta por Lacan.

Nas relações com uma obra literária, tais vínculos produziriam uma leitura que se

conjuga na relação entre aquilo que o texto traz e o que nele se atualiza pelo

próprio exercício de o ler. Justamente com este instrumental será ensaiada uma

aproximação do texto de Bernardo, em busca dos exercícios e soluções

oferecidos pela função poética.

O conceito de habitus participa deste debate, enfocando a possibilidade de

o indivíduo adquirir um sistema de disposições duráveis, no curso do processo de

socialização, gerando e organizando práticas e representações suas e dos

grupos. Imaginário e ações que atuariam naturalizados, como se fossem próprios

e inalienáveis da humanidade, esquecidos de que são construções dos grupos

hegemônicos ou em luta pela hegemonia dos espaços políticos e sociais. 47 O

habitus diz respeito à maneira como cada indivíduo age e reage nos meios

sociais.

O conceito recusaria alternativas tais como consciência e do inconsciente,

finalismo, mecanicismo etc, segundo seu autor, Bourdieu. O objetivo inicial da

formulação foi sair da filosofia da consciência sem anular o agente na sua

verdade de operador prático de construções do objeto. Conceitualmente estaria

ligado, de um lado, à idéia de sentimento coletivo ou de ethos, conforme a

análise empírica da vida cotidiana realizada por Max Weber — a influência da

religião na disposição de agir e pensar de um grupo. De outro lado, ela teria

como precursora a idéia de mentalidade coletiva na arte, de Erwin Panofsky.

Deste modo, ao nosso ver, o inconsciente que o habitus contém funcionaria no

mesmo sentido que o inconsciente da psicanálise, especialmente, conforme as

formulações que tiram daquela instância psíquica seu aspecto místico ou

insondável. Uma formulação perfeitamente compatível com a de um inconsciente

histórico, que lemos em Kristeva e no próprio Freud — neste caso,

acompanhando a proposta de Benveniste. Bourdieu provavelmente não

concordaria com está aproximação, por não levar em conta aquilo que de

histórico o conceito freudiano recepciona, conceito que nada tem de místico ou

insondável.

Parte da importância do conceito estaria nas contribuições que faz para o

estabelecimento das relações entre diferentes discursos, seus sistemas de

valores e seus processos de legitimação ou exclusão, aponta Celina Moreira de

47 BOURDIEU, 1992, p. 59-73.

Mello, ao discutir a operação de interpretar um texto a partir de um olhar

semiológico.48 Questão que é a nossa, como se verá na próxima etapa, quando

trataremos justamente do lugar de Bernardo Guimarães no campo literário

brasileiro. Um lugar construído numa conjunção de circunstâncias postas por ele

e por seus leitores, mormente vozes autorizadas para qualificar seu texto.

Conhecer algumas daquelas vozes e suas circunstâncias significa expor aquele

processo, pretendendo participar dele.

48 MELLO, 2004, p. 4 et seg.

3 O LUGAR DE UM BERNARDO

3. 1 O FIO DO LABIRINTO

O lugar dos escritores no campo literário não é fortuito ou natural. Está

vinculado ao texto que um autor escreveu e às impressões e efeitos produzidos

em seus leitores por ele e à transmissão disto aos demais integrantes do campo.

Nesta relação, uma categoria de leitores é especialmente importante, com suas

opiniões e julgamentos sendo determinantes na qualificação dos textos literários:

os lectores. Resenhando e criticando obras, escrevendo histórias da literatura ou

antologias eles são os operadores do cânone, construindo e mantendo a

tradição, afiançando as mudanças. Suas vozes e suas penas integram a

produção e os autores ao campo literário, determinando o espaço e lugar de cada

autor e cada obra ali.

O sentido dado por Bourdieu ao termo lector projeta naqueles agentes

sociais um papel exclusivamente, ou quase, desabonador, enquanto

transmissores que seriam de um “metadiscurso ineficaz e esterilizante”, pautado

inteiramente pelos padrões do ideário hegemônico.49 Entretanto, o mesmo autor,

ao analisar as condições sociais da eficácia do discurso, mostra que a autoridade

do orador vem de fora, integrada aos ritos de instituição de posições e valores,

fundamentais para a organização social.50 Neste sentido, a ação do lector,

basicamente discursos, seria parte dos ritos de consagração, como tal

funcionando tanto no sentido do poeta como do comentarista, fundamentais para

49 BOURDIEU, (1992) 1996, p. 254. 50 BOURDIEU, (1982) 1996.

a organização do campo literário e sua integração com os demais campos

sociais.

Como entendemos, à figura dos lectores reservar-se-á a contradição entre

manter e renovar, naturalizando o que é arbitrário e denunciando o que é

naturalizado. Assim funcionam historiadores, antologistas, jornalistas e

professores no campo literário e autoridades do campo político geral — no

Império, o apreço de Pedro II avalizava definitivamente qualquer autor que dele

se beneficiasse, a indicação de John Kennedy, presidente dos EUA, deu fama e

fortuna ao, até então, obscuro escritor Ian Fleming, criador do agente 007.

Os documentos que produzem os agentes do campo literário — histórias,

antologias e críticas — são, ao mesmo tempo, a declaração dos lectores sobre o

objeto em questão e documento da história de como este objeto foi recepcionado

nos diferentes momentos. Sendo assim, a recuperação das nuances daqueles

discursos, não se apresenta como um simples exercício de erudição acadêmica,

mas se trata de um componente imprescindível para o estabelecimento do

quadro constituinte do lugar do referido autor e obra.

Documentos da história, eles têm um claro sentido diacrônico. Textos

autorais, eles se superpõem um aos outros, no sentido sincrônico, compondo a

identidade singular que a leitura atual proporá.

A situação de Bernardo Guimarães no campo literário brasileiro se compõe

neste diapasão. Como se fosse um fio que orientasse nossa própria leitura, através do

labirinto formado por tantas outras, percorreremos uma linha imaginária que ligaria os

modos e as formas como a obra de Bernardo Guimarães, especialmente seus versos,

foi recepcionada e assimilada por diferentes lectores, em diferentes momentos.

Estabeleceremos relações entre opiniões e análises emitidas e o contexto em que se

deram. O objetivo é o de estabelecer um sentido novo e singular para a situação do

poeta na plêiade nacional, sem perder o foco na participação de seus poemas

pornográficos nesse engendramento, afinal, o tema desta tese.

Bernardo é dos autores mais publicados da literatura brasileira. A escrava

Isaura, romance de 1875, foi lançado por três diferentes editores em 2001 e, no ano

seguinte, uma outra lançou a sua 28ª edição do livro.51 A história, vertida para a

dramaturgia televisiva, fez sucesso nacional e internacional, nas décadas de 70 e 80,

do século XX e, em 2005, voltou a ser apresentada, na televisão brasileira, em nova

versão. O seminarista, de 1872, é leitura obrigatória nas escolas, integrando as

coleções de livros “paradidáticos” das principais editoras do país. A poesia que

escreveu é menos conhecida, entretanto, além das edições em vida — Cantos da

solidão, 1852 e 1858, Poesias, 1865, Novas poesias, 1876, Folhas de outono, 1883,

poemas insertos em romances e publicados em jornais — sua produção em versos

receberia uma edição de Poesias completas de Bernardo Guimarães, pelo Instituto

Nacional do Livro, INL, em 1959.52

O incontestável sucesso de público e a indicação de possível pertencimento ao

cânone, sugerida pela publicação das poesias por instituição prestigiosa como o INL,

não faz de sua obra uma unanimidade de crítica.

Seu reconhecimento enquanto autor canônico é reforçado por outros sinais

importantes. Bernardo Guimarães está presente na maioria das histórias e das

antologias literárias. É patrono da cadeira número 5, da Academia Brasileira de Letras

(ABL), uma escolha significante de um certo reconhecimento por parte de Machado

de Assis, principal articulador da criação daquela casa. Em Instinto de Nacionalidade,

Bernardo é destacado como um romancista que “brilhante e ingenuamente nos pinta 51 Respectivamente editoras Abril, Ediouro, LP&M, Ática e http://catalogos.bn.br/ - acesso em 9 mar 2006. 52 Sobre as edições, ver Apresentação e Bibliografia.

os costumes da região em que nasceu”, um daqueles que deram forma e conteúdo ao

romance nacional, apoderando-se de elementos como a vida indiana, a magnificência

e esplendor da natureza, os costumes dos tempos coloniais e os dos dias de hoje.53

Um poeta de estro bem qualificado, modelar das exigências do gênero no equilíbrio da

majestosa cena americana. Um nome que precede aos de Varela e Álvares de

Azevedo, nos comentários machadianos. Acima da tríade, apenas Gonçalves Dias.

Os termos utilizados por Machado parecem mais do que uma simples homenagem a

um ex-companheiro da imprensa do Senado, eles indicam um efetivo reconhecimento

da importância e densidade da obra comentada.

Apesar desta opinião favorável tão importante, a obra de Bernardo se mostra

de recepção contraditória por outros operadores do cânone, sendo aclamada por uns

poucos, considerada com certas qualidades por outros, tratada como produção de

segunda linha pela maioria e esquecida por outros tantos, como acompanharemos em

detalhes.

3. 2 A CONSTRUÇÃO DA TRADIÇÃO

3. 2. 1 Os historiadores e seus contextos

A tradição literária é uma mitologia conscientemente estabelecida. A

relação entre a fundação de um Estado, a criação de uma língua comum e, em

seqüência, de uma literatura nacional não é um fenômeno desconhecido.54

Constitui-se num processo simbólico que exige a projeção sobre determinadas

obras de um sentido fundador, daquela nacionalidade específica à qual se

referem. A ele se integraria, inclusive, a necessidade da posse material de 53 ASSIS, (24/mar./1873), 1994, p. 801-809. 54 A este propósito CASANOVA, 2002, discute uma república mundial das letras e EAGLETON, [1983], analisa a ascensão do inglês na Grã-Bretanha.

acervos clássicos, nas bibliotecas reais e nacionais, e a tradução de textos do

grego e do latim antigos para os idiomas vernáculos, por intelectuais laicos, quer

dizer, comprometidos com uma determinada nacionalidade — atos

complementares de um mesmo ritual de dominação simbólica do passado.

Engendramento assumido claramente pelos românticos, ao buscar as lendas e

narrativas primevas de seu país e, na falta delas, compor eles mesmos os textos

a serem reconhecidos como fundadores. Todo um esforço convergindo para a

construção de um passado imaginário. Um passado constantemente revisado e

ampliado, como nas tentativas de constituir novas mitologias por Sérgio Buarque

e na proposta de uma revisão profunda da história literária brasileira, uma

espécie de Antologia da Poesia de Invenção, de Haroldo de Campos.55

Elaboração da qual esse nosso texto pretende se aproximar.

O desgaste sofrido pela lógica historicista, aplicada ao campo literário,

analisado no capítulo sobre o método e o problema, não deve ser confundido

com a suposição de perda de sua capacidade de organizar e dizer o passado.56

Ela se mantém com instrumento eficaz para a constituição da tradição literária e

do habitus assumidos pela maioria dos leitores, inclusive os melhor

instrumentalizados por reflexão e teoria. Fenômeno que se mostra através da

constatação da permanência de opiniões e análises antigas em autores atuais.

Uma força que transcende a posturas teóricas e ideológicas divergentes, como

acontece na penalização sofrida por Bernardo nas análises de Coutinho e Bosi.

Silvio Romero, significante principal da fundação da historiografia literária

nacional autônoma, sanciona a presença de Bernardo entre os autores

55 HOLLANDA, 1979 & CAMPOS, 1977. Este último não apenas indicou autores a serem re-lidos, mas realizou o que propôs, lendo, entre outros Odorico Mendes e Pedro Kilkerry Influenciou, ainda, trabalhos como TEIXEIRA, Ivan. Obras poéticas de Basílio da Gama: ensaio e edição crítica. São Paulo: Edusp, 1996. 56 Cf. O problema e o método.

referenciais do romantismo, posicionando-o no grupo formado por cinco ou seis

nomes que, sistematicamente, são lembrados ao longo da História da literatura

brasileira, logo após aos maiores, tanto no romance como na poesia.57 Os

critérios de classificação adotados pelo crítico são eminentemente nacionalistas,

calcados na capacidade de exprimir a mestiçagem de sangue e de idéias e

estabelecer diferenças entre obras e autores brasileiros dos estrangeiros. Neste

sentido, as novelas produzidas por Bernardo teriam, para além de simplicidade,

leveza, despretensão, lirismo e humor, a qualidade de exprimir, através dos

personagens e de seus dramas, verdades humanas. E, tal como Machado

observara anteriormente, “utilizando uma linguagem brasileira, brasileiríssima”,

enfatiza o historiador. Já os versos seriam daqueles que, relidos, ofereceriam

sempre “novas belezas” e trariam “sincera emoção”. Impressionaria ao leitor a

amplitude de seu lirismo que possuiria aspectos naturalistas, filosóficos,

amorosos e humorísticos. As qualidades do poeta: uma certa delicadeza,

facilidade e presteza de vôo. Seu grande defeito: ausência de força. O uso do

vernáculo seria um aspecto diferencial entre ele e seus pares: sob sua pena, a

língua nacional se apresentava capaz de estabelecer um equilíbrio entre a

natureza e a cultura, atualizando as relações Natur und Kultur, que Romero

colhera no ideário alemão dos séculos XVIII e XIX. Devanear do céptico, poema

de inspiração hugoana, de 1852, estaria entre as obras mais objetivas e

entusiastas da literatura americana, alentado por idealismo exuberante, um

dinamismo que transpira: o “universo inteiro” que palpitaria animado. Uma

qualidade que não passaria despercebida a Manuel Bandeira, anos depois. Do

poema, transcrito completo na História, destacamos o verso que se repete após o

57 ROMERO, (1888) 1953, p. 40 e 1063-1080 passim.

preâmbulo e ao final, uma quadra que expõe todo o sentido místico-fundador

pretendido pelos românticos de Jena:58

Salve, ó gênio dos desertos, Grande voz da solidão, Salve, ó tudo, que aos céus exalças O hino da criação!

José Veríssimo escreve uma história da literatura brasileira, que pretende

ser a história da atividade literária que sobreviveria na memória coletiva da nação

— produzida pela “opinião esclarecida” dos contemporâneos, somada ao “juízo

da posteridade”.59 Nela, Bernardo transitaria de modo errático. No papel de

crítico, ele não teria produzido nada consistente, certamente o historiador se

referia ao fato de Bernardo haver atacado duramente os principais nomes

românticos. Como romancista, ele seria um “contador de histórias”, um

espontâneo sem “propósito estético” ou “filiação consciente a nenhuma escola”,

sem, contudo, a excelência de uma verdadeira ingenuidade popular. Enquanto

poeta, receberia julgamento um pouco mais favorável: seria o único de seu tempo

a versejar com inspiração e intenção jovial, com uma arte “diferente da dos seus

companheiros”. Seu temperamento seria mais clássico, mais arcádico que

romântico; não haveria nele os excessos românticos, porém, em seqüência, não

haveria o melhor da sensibilidade daquela expressão. Talvez, por isso, o crítico o

grave entre os poetas menores.

Próximas às observações de Veríssimo estão aquelas firmadas em A

literatura no Brasil, obra organizada e dirigida por Afrânio Coutinho, sob a égide

de uma crítica estilística e nacionalista, com primeira edição datada de 1956.60

Bernardo aparece entre as figuras de segundo plano do romantismo. Na prosa,

58 Conforme analisam LACOUE-LABARTH & NANCY, 1978. 59 VERÍSSIMO, 1929, p. 17-23, 283 e 308-311. A primeira edição da História da literatura brasileira é de 1916, ano de sua morte, porém, entre 1901 e 1907, é publicada a série de Estudos de literatura brasileira, direcionada aos estudantes secundários. 60 COUTINHO, (1956) 1997. O individualismo romântico. p. 139-198.

seria completamente romântico, tanto nas qualidades quanto nos defeitos. Entre

suas qualidades estaria a de ser o introdutor do regionalismo na literatura

brasileira. Melhor poeta que romancista, na poesia, ele fora lírico, elegíaco,

humorístico e pornográfico. No gênero, mostraria um acento “classicizante,

apesar das inseguranças de métrica, e a despreocupação com a forma”. A maior

aproximação que faria com o romantismo aconteceria no humorismo,

especialmente com o bestialógico, especialmente na sátira aos modismos no

vestuário e na literatura. É importante ressaltar que a poesia de Bernardo não

recebeu verbete próprio nesta história da literatura, as considerações sobre ele

estão no sub-título referente a Fagundes Varela. Do mesmo modo, Cassiano

Ricardo não fazer qualquer referência ao mineiro em seu artigo sobre indianismo,

na obra organizada por Coutinho.61

A participação de Bernardo na história da literatura se mantém secundária

e breve, para José Guilherme Merquior, considerando o período entre o

aparecimento das obras de Anchieta e as de Euclides. Todavia, haveria no poeta

qualidades líricas importantes, especialmente no tratamento do tema da maldição

primitiva, desenvolvido por Gonçalves Dias, em “I-juca-pirama”.62 No poema

indianista, o pai amaldiçoa o filho que foi covarde, ameaçando-o com desgraças

violentas e passionais, enquanto que em “Se eu de ti me esquecer”, do poeta

menor, o amado ameaça a si mesmo com castigos duros e profundos, mas

sublimes.

Muitíssimo econômico nos elogios é Wilson Martins, em sua História da

inteligência brasileira.63 Para ele, Bernardo romancista produziria obras

folhetinescas, moralizantes e anacrônicas. O argumento de A escrava Isaura 61 RICARDO. Gonçalves Dias e o indianismo. In: COUTINHO, op. cit. p. 70-138. 62 MERQUIOR, 1979, p. 77. 63 MARTINS, 1977, v. II, p. 462-3; v.III, p. 87-8, 334-6, 356-482 e 482.

estaria construído sobre “inverossimilhanças”, os contos de Lendas e romances

seriam “fora de época”, mesma situação de O seminarista. A única qualidade

dessa produção estaria em oferecer a si mesma como elo entre o romance de

Alencar, romântico, e o de Porto-Alegre, regionalista. A produção poética não

estaria em nível muito diferente. Os trabalhos iniciais teriam poucas qualidades:

“O ermo” exemplificaria a “falsa poesia da natureza”, “O devanear do cético” a

“falsa poesia da dúvida” e “À sepultura de um escravo” não passaria de um

poema medíocre, embora generoso. O final de carreira do poeta não traria

novidades, com apenas uma única peça digna de uma notação positiva, “Hino à

preguiça”. Antes daquela, salvar-se-iam da desqualificação geral “Cenas do

sertão”, “Evocações” e “Lembrar-me-ei de ti”, as duas últimas, aliás, também

elogiadas por Machado de Assis. O crítico-historiador arremata comentando ser a

poesia humorística e satírica de Bernardo “a sua linguagem poética natural”.

Muito reticente ao trabalho de Bernardo é a posição da História concisa da

literatura brasileira, de Alfredo Bosi, construída na articulação das tensões entre obra

e meio.64 Naquela perspectiva, o romance do nosso autor seria uma mistura de

“elementos tomados à narrativa oral” dos sertões de Minas e Goiás. De feição

idealizante, ele utilizaria uma “linguagem adjetivosa e convencional”, cheia de

lugares-comuns na descrição da paisagem e na montagem dos personagens.

Melhor qualificados seriam O seminarista e A escrava Isaura. As qualidades da

primeira história residiriam naquilo que repete dos dramas de consciência

desenvolvidos em Eurico, o presbítero, de Herculano, e na antecipação que faz do

“romance de tese de Inglês de Souza”. Entre as qualidades do romance sobre a

escrava, estaria a ausência de preconceito racial, o quê, para o historiador, seria

64 BOSI, (1975) 1993, p. 129 e 155-160.

menos uma qualidade literária propriamente dita e mais uma postura social e política

liberal. A clara vinculação entre a beleza da escrava e sua cútis branca, não seria

nada mais que uma convergência para os padrões europeus de beleza. A posição

do romancista contra as pretensões de pureza de sangue estaria bem firmada em

Rosaura, a enjeitada, “obra da maturidade” — “ninguém pode gabar-se de que entre

seus avós não haja quem não tenha puxado flecha ou tocado marimba”, é a fala de

um personagem, destacada pelo crítico para afiançar suas considerações.

Autor de uma obra poética epigonal, Bernardo não mereceria na História

concisa, mais do que uma nota de rodapé e uma observação sobre o fato de

haver “preferido a temática da natureza e da pátria” e se destacado “como

humorista”, acento que “trouxe do satanismo juvenil da fase boêmia”.

Os versos do poeta têm melhor sorte nos estudos de Péricles Eugênio da

Silva Ramos.65 Neles é revelada a feição byroniana da produção do poeta,

especialmente na defesa da causa da liberdade e nas características ultra-

românticas. Exemplo da primeira característica seria “À sepultura de um escravo”,

um libelo antiescravista, aparecido em 1852. No segundo caso estaria a “Orgia dos

duendes”, poema de “tenebrosa perversão e esfuziante ‘humour’ grand-

guignolesco”, cujos animais da floresta guardariam relações diretas e indiretas com

os vampiros do poeta inglês. Ao lado de “Devanear de um cético”, ele estaria entre

os “documentos mais notáveis da fase”, a segunda geração romântica.

Ponto de vista similar adota Massaud Moisés.66 Bernardo seria o primeiro

nome entre os prosadores do segundo período romântico, antecedendo Manuel

Antônio de Almeida. Seu romance, nivelado à produção romântica menor pela

maioria da crítica, teria um caráter experimental — com A escrava Isaura, o autor

65 RAMOS, 1968, p. 66-90. 66 MOISÉS, 1984, p. 3-5, 137-185 e 193-207.

exercitaria “a economia de meios e o brilho plástico de um único romance”. Seu

texto regionalista funcionaria como precursor da obra de Franklin Távora,

completa o crítico. A poesia de Bernardo estaria próxima à de Herculano. Ele

seria um virtuose, menos inflamado que os companheiros de geração, cultor de

um meio-termo, uma contenção de linguagem que o aproximaria do

neoclassicismo arcádico e o tornaria “precursor da nova poesia parnasiana”.

Moisés acompanha as observações de Jamil Almansur Hadad quanto à

importância da participação do poeta na Sociedade Epicuréia, junto com Álvares

de Azevedo e Aureliano Lessa. 67 Relatada habitualmente como produto das

farras estudantis, Hadad redimensiona seu papel de modo mais amplo,

estabelecendo suas ligações com toda uma tradição maçônica e estudantil de

raízes européias.

Este pequeno grupo dos historiadores relativamente receptivos a Bernardo

é completado por Antonio Candido, que realiza uma análise mais complexa e

anuançada.68 Em Formação da literatura brasileira – momentos decisivos,

primeira edição de 1959, vincula cultura e desenvolvimento social dos povos,

com o que o romance de Bernardo estaria perfeitamente integrado ao que foi o

romantismo, no que se refere aos temas principais e no caráter marcadamente

moralizante como o movimento desenvolve aqueles temas.69

O crítico-historiador analisa a psicologia dos personagens nas narrativas

do autor. Os tipos ali seriam bem determinados, “tipos elementares” da tradição

romanesca — herói, vilão, pai. Modelo condizente com a idéia de que a alma

humana seria boa, embora a placidez e a calma superficial possam esconder

desejos tormentosos, caso dos assassinos passionais e bandidos circunstanciais 67 HADAD, 1960, p. 86 e segs apud MOISÉS, 1984. 68 CANDIDO, (1959) 1975. 69 CANDIDO, 1959, v. II, p. 236-244.

que, fugidos da cena e ambiente de seus crimes, têm suas personalidades e

comportamentos alterados, transformando-se em ermitões ou defensores dos

fracos. Haveria um vínculo entre as transformações operadas nos tipos e os

novos ambientes em que transitarão, via de regra, ambos próximos da natureza.

Nesta busca pela natureza e valorização do natural, as paixões e os desejos

carnais iriam adquirindo um componente de normalidade. Reprimidos, tais

impulsos desencadeariam tragédias e desgraças, fatos e tramas contados pelo

romancista, como nos casos de O seminarista e de A escrava Isaura. Esta

concepção naturalista dos desejos humanos, as mulheres do romance de

Bernardo, ativas na busca de seus objetivos, estariam em rota de “colisão com os

padrões românticos” para as personagens femininas.

Candido relaciona, ainda, a passagem do tempo, idade, com algumas

importantes alterações na produção do autor, no escopo da qual o poeta cederia

paulatinamente lugar ao ficcionista, “com o devaneio e o satanismo burlesco da

mocidade” sendo substituído por um “naturalismo cada vez mais saudável e

equilibrado”. O “autor convulso” do poema sobre a orgia dos duendes

desapareceria em favor do “romancista de olhos abertos para o pitoresco da

natureza”.

A poesia de Bernardo seria mais densa, “lembra uma polpa saborosa

envolvendo pequena semente amarga” — uma metáfora da natureza, para “Um

poeta da natureza”, título do capítulo dedicado a ele.70 A imagem assinala uma

contradição entre aquela que seria uma produção saudável e equilibrada feita

de “encanto pela vida, a natureza, o prazer” e uma outra, de pequena monta,

que, no extremo, atingiria o satanismo e a perversidade. Artista irregular, o

70 CANDIDO, 1975, v. II, p. 169-177.

poeta teria “sensibilidade plástica excepcional e musicalidade espontânea”,

preocupado com a experimentação métrica e dotado de um profundo

sentimento da natureza. Em suas experimentações na métrica, ele revelaria

senso extremo na “adequação do ritmo à psicologia”, ao modo de Victor Hugo,

Almeida Garret e Gonçalves Dias, numa produção ampla e diversificada, onde

se encontram desde versos medíocres e pastiches até uma poesia que nada

ficaria a dever às melhores entre seus contemporâneos: “Galope infernal”, “A

uma estrela”, “O devanear de um céptico”, “Idílio”, “Terceira evocação”, “A

cismadora”, “Barcelona” são algumas das obras que estariam neste nível mais

elevado. O interesse pela natureza desenvolveria uma apurada capacidade

descritiva, através da qual “o verso esposa os contornos, move-se com o vento,

ondeia com as matas, flui com os regatos, brilha à luz do sol”. Mesmo em

poemas “discursivos, não descritivos, como ‘O devanear do céptico’, são ainda

os largos movimentos que dão nervo e beleza” ao verso. Candido assinala que

a última fase do poeta, de Novas poesias e Folhas de outono, seria marcada

por um retorno à “harmonia neoclássica, ao tom de ode e epístola que,

associada à decadência da inspiração, roça a prosa”. Um movimento que

estaria ligado ao retiro em Minas, distanciado dos acontecimentos literários

mais recentes, espaço físico e psicológico no qual o arcadismo estava

“enraizado” — observação convergente à de Veríssimo.

Às margens da “polpa saborosa” estariam os poemas “leves e excelentes

em que a graça e o devaneio equilibram o humor”. Sabor menos adocicado

teriam as sátiras, como “O nariz perante o poeta”, “Delírio de papel” e “A saia

balão”. Já a semente propriamente amarga seria formada pelos versos

bestialógicos, a poesia obscena e a satânica. Destas últimas, o crítico considera

irreproduzível o título de uma “composição esmeradamente clássica” na qual “o

sangue rutila”: trata-se evidentemente de “A origem do mênstruo”. Os versos do

“Elixir do pajé”, ao contrário, são ressaltados, especialmente enquanto

“expressão dionisíaca e saudável do priapismo de anedotário”. Comentários

mais detalhados são elaborados a propósito de “Orgia dos duendes” que, num

paralelo com a pintura de Bosch, tiraria do macabro, do grotesco e do sadismo

a sua força poética. Um poema que expressaria, em parte, “as tendências de

toda uma geração desenquadrada pela embriaguez do individualismo estético”.

Uma composição cujo tom de galhofa e estilo grotesco “acobertam [...] uma

nítida manifestação de satanismo: luxúria desenfreada e pecaminosa, gosto

pelos contrastes profanadores, volúpia do mal e do pecado”. Mais tarde,

Candido aprofundaria estas observações, ensaiaria novos comentários sobre a

poesia pantagruélica de Bernardo.

Antes de Cândido, observações favoráveis à obra de Bernardo,

coincidentemente com alusões a metáforas vegetais, apenas aquelas feitas por

Agrippino Grieco.71 Na Evolução da poesia brasileira, de 1932, Grieco ressalta

que “vivendo longe do mar e da metrópole, foi ele o nosso primeiro sertanista

em verso, foi um rústico, um paisagista da pena. Compreendeu a alma vegetal

da gente da roça”. Ao poema do “Elixir do pajé” estão reservadas palavras

especiais, eventualmente, as primeiras sem qualquer tipo de restrição

moralizante: “os próprios versos sobre o velho pajé, uma paródia a Gonçalves

Dias, divertem a valer, sendo talvez, no gênero, os melhores da língua,

excetuados naturalmente os de Bocage”.

71 GRIECO, 1932, p. 41.

3. 2. 2 Os antologistas e seus textos

Sem que escrevam histórias da literatura, porém marcando diferentes

momentos da história literária, pautados por cronologia de autores ou

movimentos estéticos, os antologistas são um outro grande grupo de lectores.

Está sob sua decisão escolher os que serão lembrados e, por conseguinte,

aqueles aos quais restará apenas o esquecimento. Sua atividade teria um papel

importante no processo de consagração e naturalização dos valores

hegemônicos, pois suas escolhas podem ser suficientemente justificadas no

âmbito estrito da estética e do gosto, como se ambos não estivessem

compromissados com as esferas ideológicas.

A presença do texto de Bernardo, especialmente sua poesia, nas

antologias é constante, embora sejam irregulares as considerações quanto às

suas qualidades e variável a quantidade de obras presentes em cada uma das

antologias.

Na seleção de poesias dos melhores poetas brasileiros desde o

descobrimento, Mello Morais Filho inclui os poemas “Idílio” e “Primeira

evocação”.72 O ano da edição é 1885, o seguinte à morte do poeta. Vinte e seis

anos depois, o florilégio destinado a informar professores e alunos sobre o

“valor” dos poetas brasileiros, de Alberto de Oliveira, inclui apenas um poema

de Bernardo, “Hino à tarde”.73 A falta de prestígio de Bernardo é evidente, em

comparação com Álvares de Azevedo, agraciado com espaço para quatro

poesias, e com Aureliano Lessa, que tem reproduzido seus “A tarde” e

“Amargura”, isto considerando apenas o trio de companheiros da Faculdade do

Largo de São Francisco. Na segunda edição de Poetas brasileiros, de 1921, 72 MORAES FILHO, 1885, t. II, p. 208-218. 73 OLIVEIRA, 1911, p. 131-134 e outros.

Oliveira acrescenta à cota do poeta um outro poema, “Lembrança”.74 Nos

comentários sobre a poesia satírica o nome citado é o de Gregório de Matos,

silenciando sobre a produção bernardina no gênero.

Maior destaque a poesia de Bernardo recebe de Manuel Bandeira, na

Antologia dos poetas brasileiros, de 1936. Além de reclamar maior atenção

para o poeta, ele apresenta “O devanear do céptico” como uma das

composições mais importantes do romantismo, apresentando além dela outras

seis obras do poeta: “Prelúdio”, “Foge de mim”, “Cantiga”, “Se eu de ti me

esquecer”, “Hino à aurora” e “Hino à tarde”.75 Um benefício cuja

excepcionalidade seria registrada vinte anos depois, por Waltensir Dutra e

Fausto Cunha, em publicação sobre o poeta.76

Apesar do que reclama Bandeira, os versos bernardinos estão ausentes

de algumas antologias importantes. Uma delas, o Roteiro literário de Portugal e

do Brasil, organizada para a importantíssima Editora Civilização Brasileira, em

1966, por Álvaro Lins e Aurélio Buarque de Holanda, este último revisor da

antologia do poeta de Libertinagem.77 De uma certa forma, é como se a

indicação que fizera o mestre não ecoasse nem entre os que lhe eram

próximos. Mais recentemente, em 2002, nenhuma das poesias bernardinas foi

escolhida para fazer parte da Anthologie de la poésie romantique brésilienne,

editada na França, sob os auspícios da UNESCO, com o apoio do Governo

brasileiro.78 Ele vai citado apenas no prefácio e como um dos poetas menores.

74 OLIVEIRA; JOBIM, 1921, v. I, p. v e vi, e p. 245-253. 75 BANDEIRA, [1936] 1996, p. 13 e p. 109-129. 76 CUNHA; DUTRA, 1959. 77 LINS; HOLLANDA, 1966. 78 ANTHOLOGIE DE LA POÉSIE ROMANTIQUE BRÉSILIENNE, 2002.

Retornando à companhia dos que lembram de Bernardo, chega-se à

antologia organizada por Edgar Cavalheiro, em 1959.79 O texto de apresentação

retoma, quase ipsis litteris o elogio feito ao poeta, por Grieco, na década de 30,

sobre “os versos do velho pajé”, embora o poema escolhido para exemplificar a

poesia do autor seja o lírico O devanear do céptico e não aqueles outros versos.

A presença da poesia debochada e satânica de Bernardo nas antologias

não se dá no mesmo tempo que o poeta é reconhecido como de estro

humorístico qualificado pelos historiadores, o que havia ocorrido desde Romero,

ou pelos companheiros de tempos de estudante, com relata Almeida

Nogueira.80 Mesmo Bandeira, que não hesita em transcrever na Antologia da

fase romântica, a sátira debochada de “A bodarrada”, de Luís Gama e a

sexualidade explícita de “Marabá” e “Leito de folhas verdes”, de Gonçalves

Dias, é absolutamente discreto com o bestialógico afamado. A bem da precisão,

ele também não apresenta a produção similar de Álvares de Azevedo. O acesso

daqueles versos às páginas eruditas e consagradoras das antologias exigiria

novas articulações no campo literário.

No descompasso entre a relativa autonomia do campo literário em

relação ao político, o primeiro ano de um regime de um governo ditatorial no

país seria o momento de aparição de “Orgia dos duendes”, exatamente numa

antologia escolar. Será ela a poesia bernardina incluída entre as mais

representativas da Poesia romântica, por Péricles Eugênio da Silva Ramos.81

Apresentada como poesia sabática, segundo o antologista, ela comporia, com

Noite na taverna, de Álvares de Azevedo, e com o “Soneto Pantagruélico”, de

Cardoso de Menezes, uma produção de estreitas ligações com os anjos caídos 79 CAVALHEIRO, 1959, p. 77-83. 80 NOGUEIRA, 1907, v.2, p. 168. 81 RAMOS, 1965, p. 123-155.

e os caldeirões das bruxas cantados por Shakespeare e Goethe. No contexto

da obra do próprio Bernardo, faria contraponto com “Devanear do céptico",

inscrita na lírica da dúvida romântica. Vinte anos depois, na mesma linha das

antologias escolares, nas quais se enfatiza quase sempre o caráter

nacionalista-idealista do romantismo brasileiro, o poema escolhido por Valentin

Faccioli e Antonio Carlos de Oliveira é, mais uma vez, “Orgia dos duendes”.82

A paulatina opção em favor do poema enquanto protótipo da poesia de

Bernardo ou, pelo menos, como sua contribuição mais significativa para o

campo literário, confirmaria as observações de Romero, feitas há mais de um

século, retomadas por Waltensir e Fausto, há cinqüenta anos e enfatizadas por

Martins há três décadas, quanto a ser a musa travessa o melhor da produção

do poeta. Uma relação desqualificante, como fica evidente quando o último dos

citados, vincula a observação com uma avaliação desprestigiosa. Do mesmo

modo, a presença da poesia satânica e pornográfica de Bernardo nas

antologias do gênero confirmaria que ele, realmente, não passaria de um autor

de poesias marginais.

Mesmo seus biógrafos, alguns deles, parecem ficar a meio caminho entre

o destaque e valorização das qualidades de seu biografado e a concordância

com a tradição de o considerar escritor de segunda linha, senão, pior,

esquecidos da lição de Machado, Bandeira e tantos outros. Porém, o próprio

fato de haver interessados em o biografar e o interesse de alguns críticos em

analisar mais apuradamente os versos bestialógicos, satânicos e pornográficos

de Bernardo, nos últimos anos, vai contribuindo para renovar, ampliar e

diversificar o campo literário. Um processo que acompanharemos em seguida.

82 FACCIOLI & OLIVIERI, 1985, p. 5 e 77-81.

3. 2. 3 Antologias do mal falado e do proibido

Publicando o que as antologias canônicas censuram, as antologias de

versos proibidos de humor, sátira e pornografia funcionariam de modo diferente.

A Antologia do humor e da sátira, organizada por Raimundo Magalhães Júnior,

da Academia Brasileira de Letras, em 1957, define claramente seu projeto:

oferecer um panorama das realizações dos poetas brasileiros nos domínios da

zombaria do “mundo” e de “pessoas” e apresentar as diferenças entre objetos

que distinguem os dois gêneros complementares. Todavia, de Bernardo, ela

apresenta “O nariz perante os poetas” e “Disparates rimados”, com este último

sendo considerado um exemplo de “sonetos de um gênero disparatado, cujos

versos sonoros nada exprimem”. Sobre o restante da obra bernardina obscena

e pornográfica, a antologia mantém silêncio total, indicando que, para certos

estratos canônicos, composições com estas características não freqüentariam

os mesmos espaços do humor e da sátira.83

“Elixir do pajé” e “A origem do mênstruo” encontraram espaço pleno na

Antologia pornográfica: de Gregório de Mattos a Glauco Mattoso, organizada

por Alexei Bueno e lançada em 2004. O organizador ressalta que o livro tratará

exclusivamente de poesia pornográfica e de suas derivações diretas:

prostituição, obscenidade e sexualidade, escritas em linguagem chula, baixa e

propositadamente grosseira. Uma “poesia clandestina”, “quase sempre

anônima”, afirma ele, embora tudo o que apareça ali seja de autoria conhecida

e devidamente indicada.84

83 MAGALHÃES JÚNIOR, 1957, p. 1-3 e p. 47-52. 84 BUENO, 2004, p. 9-15 e p. 159-171.

3. 3 A TRADIÇÃO E A DIVERGÊNCIA

3. 3. 1 Biografias e bibliografias

Os estudos biográficos, bibliográficos e teóricos específicos sobre um

determinado autor formam um grupo relativamente distinto daqueles textos

constituintes da tradição canônica, embora algumas vezes se confundam com

aqueles, por serem, em grande parte, da mesma lavra, ou pelo menos situada no

mesmo ponto das operações de consagração. A diferença se coloca a partir de

sua composição, apresentada sob a perspectiva de análises e considerações

focadas numa única obra e autor, no caso, Bernardo Guimarães. Integrantes

desse ritual são as edições de obras completas, edições de dispersos ou

póstumos, edições críticas, artigos, ensaios, dissertações e teses.

A primeira biografia do autor surge em 1885, ano seguinte ao do seu

falecimento. A obra Poesias e romances do Dr. Bernardo Guimarães, organizada

por J. M. V. Pinto Coelho, funciona como uma espécie de antologia, sendo o

espaço em que “Elixir do pajé” e “O despertar do mênstruo” são tornados

públicos fora das edições ditas clandestinas, pela primeira vez.85

Outro perfil bio-biblio-literário de Bernardo foi escrito por Dilermano Cruz.86

Uma homenagem ao maior poeta de Minas Gerais e o maior romancista do país,

escolhido pelo biógrafo como seu patrono na Academia Mineira de Letras. Do

homenageado, Cruz analisa algumas das opções métricas e temáticas da lírica e

discute as influências sentimentais determinantes do romance. Apresenta excerto

de Escrava Isaura e alguns poemas na íntegra — entre eles “A orgia dos

duendes”. Comenta cartas e uns pouquíssimos aspectos da crítica literária

85 Cf. Introdução. 86 CRUZ, 1911.

daquele, sempre frisando o caráter satírico e humorístico de Bernardo, que, por

exemplo, inicia uma carta ao irmão, recém ordenado padre, como se o

destinatário fosse um futuro arcebispo de Constantinopla. Sobre os poemas do

elixir e do mênstruo, nenhum comentário.

Basílio de Magalhães apresenta, em 1936, Bernardo Guimarães (esboço

biográfico e crítico). Numa nota preliminar, denuncia a pouca atenção dada ao

autor mineiro pelos intelectuais, fato que pretende corrigir com o esboço que

apresenta. Fartamente documentada, a publicação se transformaria em fonte para

boa parte dos estudos posteriores sobre o escritor — como os de Alphonsus de

Guimaraens Filho, Antonio Candido.87 A base de sua argumentação, evidente

desde o título, é uma articulação entre obra e vida — estratégia também de

Dilermano. Logo as primeiras linhas do primeiro capítulo, “Traços biográficos

gerais”, relacionam o “formoso talento” do autor com o que seria uma herança

familiar, repetindo a afirmação de Francisco Coelho Duarte Badaró, em Parnaso

Mineiro: “o estro poético nessa família de Silva Guimarães é um dom da

natureza”.88 Na mesma linha de argumentos, os elevados sentimentos de

Bernardo estariam evidenciados pelo modo “fraternal” como tratou o escravo que o

acompanhou durante a vida de estudante em São Paulo. A vida desregrada e

desafiadora dos “bons costumes”, mas, ao mesmo tempo, dotada de toda uma

complexa ética idealista, a favor do menos favorecido e das causas impossíveis,

defendidas enquanto estudante em São Paulo, postura que teria continuidade na

vida profissional, como jornalista, no Rio de Janeiro, como juiz e delegado de

polícia, em Minas Gerais e em Goiás. Um jornalista que tem a coragem de criticar

violentamente Os timbiras, do grande Gonçalves Dias; um juiz excêntrico que

87 MAGALHÃES, 1926. 88 MAGALHÃES, 1926, p. 11. No exemplar consultado está “astro”.

liberta presos famintos e quer pronunciar judicialmente os poderosos. Índole e

idéias confirmadas no repúdio ao escravismo, com A escrava Isaura, Rosaura, a

enjeitada e À sepultura de um escravo.

Os títulos dos capítulos seguintes corroboram a articulação que faz

prevalecer os aspectos biográficos na constituição da obra: “O poeta”, “O

prosador”, “Obras de Bernardo Guimarães traduzidas, ou adaptadas ao teatro, ao

cinematógrafo e à música” e outros. Até mesmo um “Apêndice” serve a

reproduzir parte de uma informação biográfica — na qual a administração

provincial de Goiás relata ações e atitudes da autoridade judiciária e policial que

favoreceriam o crime e a desordem, autoridade esta que é ninguém menos que

nosso poeta. O capítulo de “Conclusão” segue a mesma lógica, relacionando um

possível comportamento ciclotímico com as características de sua produção, “ora

sua musa lhe inspirava nênias, ora o arrastava a desgarres irreais, lascivos e

burlescos”. Um quadro mental que, destaca o biógrafo, não seria incompatível

com os traços generosos e amorosos da personalidade do escritor.

Neste compasso são apresentadas as “Poesias bocageanas, humorísticas

e satíricas”, em capítulo próprio. As primeiras anotações sobre elas informam

sobre o impacto que o “Elixir do pajé” causou no meio literário, como demonstra a

reprodução de um comentário de Arthur Azevedo, de 1885, censurando o poeta:

“Tentou igualmente o gênero erótico, e em má hora o fez, porque o poeta, que se não pertence, que se dá inteiro à Pátria, que o estremece e respeita, não tem o direito de prostituir a sua musa, ainda que seja a branca; mas nós, os brasileiros, atravessamos uma época tão primitiva como a do Café do Nicola, de Lisboa, no princípio do século, ou tão decadente como os boulevards de Paris, na atualidade. Tanto assim é, que, para desespero do sr. B. L. Garnier, de todos, ou de quase todos os livros de Bernardo Guimarães, o escrito mais popular do autor dos Cantos da solidão é um poemeto obsceno, intitulado “Elixir do pajé”, que nunca foi impresso! É raro o mineiro que o não saiba de cor. Há na província espalhadas um sem número de cópias desse “Elixir” inútil e brejeiro.” 89

89 AZEVEDO, Álvares. Bernardo Guimarães. In: ALMANAQUE, de Heitor Guimarães, 1885. p. 223. Apud MAGALHÃES, 1926, p. 113 et sequentia.

Magalhães é sutil. Inicia afirmando que naquelas “asserções fulge a luz da

verdade”, para, logo em seguida, informar que os versos do elixir estavam

publicados em várias edições, embora todas elas clandestinas, precisando,

inclusive a data da edição princeps — 7 de maio de 1875. Prossegue

esclarecendo que seriam “dois [os] poemetos imorais” publicados sob aquele

título e comentando a perfeição, naturalidade e sonoridade daqueles versos, não

deixando dúvidas quanto às qualidades dos mesmos. E para arrematar,

desconstruindo completamente a censura de Azevedo, lembra que não apenas o

próprio “patriarca da Independência” seguira o exemplo bocageano, mas também

outros literatos brasileiros, mais ou menos famosos, escreveram versos

obscenos.90 Embora sutil, o texto não deixa dúvidas: a poesia “galhofeira” de

Bernardo não seria casual ou inconseqüente, ela realizaria um intenso diálogo

com os seus pares — zombando das hipérboles condoreiras ou parodiando

versos de romantismo adocicado — e uma cuidadosa observação dos

acontecimentos curiosos da política e da burocracia provinciana.91

3. 3. 2 Ensaios da tradição

Trabalhando com a mesma forte inflexão biografista, Alcântara Machado

avaliaria duramente a contribuição de Bernardo.92 Ele seria um “desses cujo

nome, os versos e novelas que escreveram só conservam nas antologias mais ou

menos tolerantes”. Entre os poucos comentários mais benevolentes estaria

aquele relacionando as imagens disparatadas do bestialógico com as “tiradas 90 Cita José Candido de Lacerda Sobrinho, João Pedro Maynard, João Nepomuceno da Silva, Laurindo Rabello, Pedro Rabello, Guimarães Passos e Olavo Bilac. 91 “Disparates rimados”, “Lembranças do nosso amor” e “Parecer da comissão estatística a respeito da Freguesia de Madre-de-Deus-do Angu” são os respectivos exemplos que oferece. 92 MACHADO, 1940, p. 215-224, passim. Os artigos que compõem a coletânea foram escritos entre 1926 e 1935.

patético-pernósticas da poesia oratória de Castro Alves”. No mais, foram

apresentados diversos casos do estudante boêmio e do adulto excêntrico,

inclusive usuário de éter, compondo uma aura para autor e obra, bem de acordo

com o adjetivo escolhido para o título daquelas páginas “O fabuloso Bernardo

Guimarães”, adjetivo referente a fábulas e daí às fantasias, ao imaginativo, ao

lendário, porém, segundo o Houaiss, também a incertas obscuridades, sendo

assim, um epíteto muito suspeito para ser aposto a um cidadão a merecer

respeito nas artes literárias.93

Poesias completas de Bernardo Guimarães é o grande marco do

reconhecimento do poeta no parnaso nacional, publicado em 1956, pelo INL,

repartição governamental, dentro do projeto de “edição das obras completas dos

grandes autores brasileiros”.94 Na introdução, Alphonsus de Guimaraens Filho

analisa a posição do poeta no parnaso nacional, arrolando e confrontando opiniões e

concluindo pela complexidade de sua poesia, na qual “coexistiram habitualmente o

lírico e o humorista, mas que tem como a sua principal nota a visão pessimista, e

dolorida, da existência”. Estão reunidos na edição todos os livros e seus prólogos,

além de livros e poemas dispersos, anotados detalhadamente como conviria a uma

“edição das poesias tanto quanto possível completas”. Excluídos apenas, “como é

óbvio, os poemas eróticos de Bernardo Guimarães”, registra o crítico. E nenhum

outro comentário sobre o assunto se faria.

Em 1970, o suplemento literário do jornal Minas Gerais homenageia

Bernardo. Num dos artigos, Mário Casassanta identifica A escrava Isaura como um

panfleto político que serviria de arma para o romancista travar o bom combate, da

93 HOUAISS, 2001, p. 1297. 94 GUIMARAENS FILHO, 1959, XI-XVIII. In: GUIMARÃES, 1959, passim. Para outros detalhes, ver Introdução dessa tese.

luta contra a escravidão no país, reafirmando o que escreveu Magalhães, em

termos diferentes, sobre os compromissos do poeta com o fim da escravidão.95

De Candido, o suplemento publica “O contador de casos Bernardo

Guimarães”, texto anteriormente apresentado na Formação da literatura brasileira

e já comentado nesse mesmo capítulo.96

“A posição moderna de Bernardo Guimarães” é o tema do artigo de João

Alphonsus, no suplemento.97 O romance do mineiro é analisado em seus

aspectos modernistas, o que faria dele, em mais um ponto, precursor de uma

literatura que aconteceria adiante no tempo, porém seu modernismo seria

negativo, no qual o repúdio violento realizado por Alcântara Machado, integrante

do movimento, funcionaria como uma espécie de recepção da obra pelo grupo,

acabando por chamar a atenção sobre a estética bernardina, fora do romantismo

tradicional, quando se trata da poesia bestialógica, e quase caricata do

sentimentalismo romântico açucarado, quando se trata do romance. Um romance

que, “apesar dos defeitos”, seria o elo de ligação entre o romantismo e a literatura

realista de Afonso Arinos. O ensaio destaca, ainda, que Monteiro Lobato,

igualmente ácido nas críticas, acabaria por considerar Bernardo o terceiro

componente da tríade da prosa romântica formada por Alencar e Macedo. “Uma

escrava que não é Isaura” é o título do ensaio-manifesto modernista, de Mário de

Andrade, podemos acrescentar, indicando que as ligações dos modernistas com

o texto do autor mineiro existe, mesmo que seja através de uma negação.

A percepção das possibilidades do texto de Bernardo, como precursor de

acontecimentos e soluções que se dariam no futuro, repete-se em “Um elo que

faltou”, de Fausto Cunha e Waltensir Dutra. O texto, publicado anteriormente com 95 CASASSANTA, 1970, p. 2. 96 CANDIDO, 1970 e acima, em 3. 2. 1, Os historiadores e seus contextos. 97 ALPHONSUS, 1970, p. 4.

o título “Bernardo Guimarães”, na Biografia crítica das letras mineiras, 1959, edição

do INL.98 Por qualquer versão que seja lido, ampliam-se os comentários sobre o

escritor, preparados pela mesma dupla de autores, para a história organizada por

Coutinho. Uma ampliação de caráter qualitativo, por trazer à baila um autor com

“credenciais” de professor de retórica e de filosofia, portanto muito distanciado do

que seria um espontâneo, como teria proposto João Alphonsus, citam os autores

do artigo. Um crítico que não hesitaria em tomar “posição anti-romântica”, se

romantismo for “a água da flor de laranja de Macedo” ou “o quinhentismo dos

Timbiras”, produzindo uma “crítica literária no sentido mais rigoroso da expressão”,

fundamental para o entendimento do romantismo brasileiro. Os articulistas

aprofundam as observações de Veríssimo, identificando a fonte do neoclassicismo

do poeta: a lição de Antônio Feliciano de Castilho. Antagonista da estética de

Quental e Junqueiro, arautos das transformações pós-românticas, parnasianas e

positivistas, Castilho teria em Bernardo um combativo seguidor que, no prefácio de

Folhas de outono, expõe sua oposição às novas idéias. A crítica a Macedo e

Gonçalves Dias seria, então, a reação de um “filo-árcade” ao que pareceria uma

aproximação dos criticados ao gongorismo e marinismo, ou seja, ao barroco, o

primeiro combate a ser empreendido pelos árcades.

Apesar das muitas observações favoráveis a Bernardo, Fausto e Waltensir

concluem que, na poesia, o autor teve sua sorte selada no confronto com os

grandes românticos, situando-se, então, numa segunda linha. Na verdade, “não

deixou nenhuma composição que lhe recordasse o nome”. “O devanear do

céptico” não serviria para tais lembranças, por ser “pouco acessível ao leitor

comum”. A permanência de Bernardo nos compêndios seria devida aos seus

98 CUNHA; DUTRA, 1956, p. 50-58 e 1970, p. 10.

romances, pois “não se editam mais seus livros de poemas, ninguém por assim

dizer os procura nas bibliotecas, seu nome de poeta não aparece em antologias e

seletas”. A inclusão de sua obra na antologia organizada por Bandeira teria o

“som de redescoberta”, afirmam os articulistas.

3. 3. 3 A tradição enviesada

O percurso delineado acima mostra que biografar e ensaiar homenagens

a um autor e sua obra, encontrando alguma qualidade singular ou positiva

neles, não significa necessariamente romper com os valores e sentidos

projetados sobre eles pela tradição, o habitus, dos grupos dominantes no

campo literário. Em tal contexto, os textos pornográficos de Bernardo são quase

que completamente recalcados.

Fora das histórias, antologias e ensaios, encontramos apenas um registro

público e favorável a eles. Um artigo de Newton Assunção, para o Correio da

Manhã, anuncia a publicação dos dois poemas do Elixir do pajé, numa produção

de luxo, aquela das Edições Piraquê.99 O acontecimento, uma subversão de

valores morais e estéticos, valores pertencentes simultaneamente aos campos

literário e político, viabiliza-se pela característica altamente erudita da edição.

Luxuosa, tornando-a acessível a poucos iniciados, e justificada pelo progresso

cultural, assinala o articulista. Assunção lembraria que as “peraltices líricas”

eram comuns entre poetas, por vezes severamente censuradas, por vezes lidas

e aceitas. Invocando a poderosa pena de Romero, escreve que os versos de

Bernardo seriam o resultado de uma mistura do “gênio de boêmio”, com um

99 ASSUNÇÃO, 1958, p. 10.

“instinto do pitoresco” e a “convivência íntima com o povo” — a mais “nítida

encarnação do espírito nacional”.

Todavia, a marca do olhar estrábico que dobraria a tradição seria

oferecida de modo firme e consistente pelo ensaio “Poesia sincrônica”, de

Haroldo de Campos, publicado pela primeira vez em 1969.100 O texto diferencia

dois modelos para abordagem do fenômeno literário, um de base histórica,

diacrônico, e outro estético-criativo ou sincrônico.101 O primeiro deles seria o

responsável pelo “levantamento e a demarcação do terreno” mais tradicionais,

que se baseariam numa lógica constituída como se fora definitiva, desde os

primeiros organizadores da história relatada, no caso brasileiro Silvio Romero.

O segundo critério indicaria preocupações com a divergência, com aquilo que

retorna ou permanece vivo na história. Na perspectiva da tensão entre os dois

critérios autores e obras do passado, Campos propõe rever, ampliar e

diversificar o “nosso repertório de informação estética”. Entre os nomes, títulos

ou movimentos apresentados para iniciar tal revisão estariam Gregório de

Mattos, Cartas Chilenas, Sousa Caldas, Odorico Mendes, Simbolismo e

Bernardo Guimarães. Deste último, interessaria “a parte burlesca, satírica, de

‘bestialógico’ e ‘nonsense’, de seu estro poético”.

Numa perspectiva similar, Flora Süssekind escreve “Bernardo

Guimarães: romantismo com pé-de-cabra”.102 A ensaísta propõe uma hipótese

sobre o esquecimento da obra do poeta, que tem o centenário de sua morte

“passando em branco”. Existiria, contra ele, uma equação perversa, o autor de

100 CAMPOS, (1969) 1977, p. 205-212. 101 Este debate é analisado por Perrone-Moisés (1998), como vimos no capítulo O problema e o método. 102 SUSSEKIND, 1984, p. 3-5. SUSSEKIND, 1993, p. 139-150. O texto aparece em dois espaços diferentes: no suplemento literário da Folha de São Paulo, em 1984, e no livro de ensaios Papéis colados, lançado nove anos depois, com algumas poucas diferenças entre uma versão e outra.

“uma das melhores e mais características obras poéticas do romantismo

brasileiro” seria esquecido, recalcado, como já escrevemos, em razão das suas

qualidades ímpares, de crítico e exímio explorador das contradições do

manifesto romântico: “não havia lugar para uma obra poética dotada de

dimensão crítico-humorística incomum em meio aos indianismos, arroubos de

eloqüência e subjetividades lacrimejantes do romantismo brasileiro”. Esta

característica da obra de Bernardo seria um traço habitualmente relacionado

com a própria vida do poeta, conforme articulam Alcântara Machado, Basílio de

Magalhães e outros biógrafos seus. A pesquisadora observa que a sugestão da

referida aproximação partiria do próprio Bernardo, seja na letra de sua poesia,

ao estabelecer “estreita correspondência entre a lira e o trovador”, seja quando

“brinca” com as fórmulas mais caras à lírica romântica, inclusive a sua própria,

como a da entonação irônica que a musa faz ao poeta-jornalista, em “Dilúvio de

papel”:

Que vejo? Junto ao meu lado Um desertor do Parnaso, Que da lira que doei-lhe Faz hoje tão pouco caso, Que a deixa pendurada numa brenha Como se fora rude pau de lenha!?

A divergência do autor aos modelos e soluções românticas mais comuns,

que se multiplicaria na escolha de temas inusitados como o nariz, a moda

feminina e o mênstruo, é destacada pela ensaísta com o exemplo da

contraposição entre “Orgia dos duendes”, obra saturnal e mefistofélica, uma

“Walpurgisnacht sertaneja”, e o elevado e idealista “Canto do piaga”, de

Gonçalves Dias.

Süssekind lança a proposta bernardina para além das dimensões da sua

poesia “pantagruélica”. Citando Veríssimo, ela mostra que, de modo geral, o

ritmo da lira do poeta privilegia o verso branco, em detrimento aos decassílabos

e os hendeassílabos, rimados no 2º e 4º, mais usual entre os românticos.

“Períodos longos, versos brancos, texto cheio de interrogações, exclamações e

reticências, permeado de dúvida e inconclusão”, peças para serem lidas

silenciosamente e não declamadas, tão a gosto dos românticos, acrescenta. Um

estilo de poetizar embebido no modelo árcade que, como observara Antonio

Candido, não seria pouco usual, na medida em que a chegada de um não

destruíra o outro de modo absoluto, ao contrário, manteria entre as duas

estéticas uma relação de compromisso.103 Peculiaridade pouco considerada por

ensaístas que, nas ocasiões que a observam, reduzem-na a defeito, não

explorando as possibilidades que uma desarrumação deste tipo poderia trazer

para o exercício da crítica literária.

Esta nuance não passou despercebida a Luiz Costa Lima.104 Na mesma

linha de revisão crítica dos parâmetros estabelecidos pela tradição diacrônica

do campo literário e dialogando explicitamente com o ensaio de Süssekind, ele

traça a hipótese de que a relação entre o poeta e o cânone seria ambivalente.

Reconhece um perfil neoclássico em Bernardo, especialmente na constante

presença das alegorias e no trato com a natureza. Tais ocorrências não seriam

simples reação ao modelo romântico. “O devanear do cético” exporia ao mesmo

tempo tanto uma dúvida na razão e na ordem do universo, pertinente à lógica

romântica, quanto a questão da “harmonia das esferas”, problemática de

inflexão neoclássica. Por esta via, de uma certa dissonância, o poeta se

integraria ao cânone romântico: “sem os extremos melódicos de Gonçalves

Dias, os arroubos retóricos de Castro Alves e as endechas sentimentais de

103 CANDIDO, (1959) 1975, vol. 1, p. 191-192. 104 LIMA, 1991, p. 242-252.

Casimiro”. O outro caminho seguido pelo poeta seria o da paródia, do humor ou

da agressão aos modelos vigentes. Um projeto que se coloca para além da

reconhecida paródia a Gonçalves Dias, cantor dos timbiras, pretendendo

alcançar ao próprio modelo camoniano de epopéia.

Campos, Süssekind, Costa Lima, e, junto com eles, Candido, Moisés,

Silva Ramos, e mais Garnier, Laemmert, INL, Piraquê, Dubolso, Imago. A

aceitação da poesia de Bernardo pelo cânone, pressuposta com a publicação

de seus versos, por editoras estabelecidas no mercado, e o interesse da crítica,

inclusive pelos versos satânicos e pornográficos, não significaria, entretanto,

que as elaborações sobre a obra de Bernardo Guimarães sejam unânimes e

convergentes, ao contrário, diante de obras complexas e instigantes, como as

deles, não se esperam unanimidades. A crítica mais recente evita o perigo

denunciado por Nélson Rodrigues, a polêmica permanece.

“O riso romântico: notas sobre o cômico na poesia de Bernardo

Guimarães e seus contemporâneos”, de Paulo Franchetti, e Risos entre pares,

de Camilo Vagner, são dois textos unidos nos objetivos e separados no tempo e

na forma.105 O segundo é um longo estudo sobre “algumas formas de humor em

poesia, cultivadas por nomes representativos de nosso Romantismo”,

apresentado como dissertação de mestrado e, depois, publicado como livro em

1997. O primeiro ensaio pretendeu traçar um “rápido panorama que estimule

trabalhos necessários de investigação, localização de textos e reflexão

pormenorizada” dos poemas humorísticos da segunda geração romântica.

O texto de Franchetti anuncia a existência de “uma região” inexplorada,

na qual “florescem lado a lado e exuberantemente a paródia, a sátira, a chalaça

105 FRANCHETTI, 1987, p. 7-17. CAMILO, 1997, p. 140-148.

e a pornografia”, produções geradoras desde um riso discreto até sonoras

gargalhadas. Neste espaço circularia Bernardo, apenas um poeta mediano se

“não fossem seus ‘bestialógicos’, a sua ‘Orgia dos duendes’ e os dois poemetos

fesceninos”. A musa depravada da poesia burlesca romântica seria

“absolutamente bocageana” no poeta mineiro, experimentando os limites do

obsceno e chulo. O poema sobre o mênstruo seria inspirado na tradição

mitológica e camoniana, enquanto que o outro, sobre o elixir, corresponderia à

celebração da virilidade, explorada antes por Bocage. A atenção dispensada

aos dois poemas se conclui com a observação de que os “dois poemetos são o

que hoje menos nos impressiona na obra humorística do autor”. Avaliação mais

positiva o ensaísta faz da produção bestialógica e da “Orgia dos duendes”,

tétricos e divertidos, definitivos para marcar “uma espécie de genialidade

poética” de Bernardo.

Tais qualidades estariam, de certo modo, condicionadas pela

participação do poeta na vida boêmia dos estudantes de direito em São Paulo.

Franchetti toma a boêmia como um sistema relativamente autônomo dentro do

mercado de textos literários destinados ao público em geral.

Nas pequenas sociedades acadêmicas, a boêmia simultaneamente propiciava uma suspensão do juízo moral sobre os textos destinados à circulação interna e estimulava um certo inconformismo político, nem sempre compatível com as funções que o bacharel deveria poder assumir em breve na sociedade imperial. Disso resultam duas conseqüências interessantes. Uma é que devemos a esse meio boêmio a única produção literária do período romântico que, além de não prever explícita ou implicitamente um público majoritariamente feminino, ainda o exclui. Outra mais importante, é que a poesia tendesse a ser encarada entre nós como simples distração descompromissada do mancebo estudante.106

O ensaísta vê a segunda conseqüência confirmada no prólogo do editor

de Cantos da solidão, apresentados como “última lembrança do viver de

106 FRANCHETTI, 1987, p. 15.

outrora”, “testamento do coração ao terminar-lhe a vida descuidosa”, “baliza que

servirá de assinalar-lhe uma quadra risonha da existência”. Chamar a atenção

para as circunstâncias que envolvem a produção da poesia romântica permitiria

que se compreendesse a relação entre ela e a verdade, com a poesia sendo

qualificada de acordo com as circunstâncias da vida de quem a escreve. O

exemplo são as mortes prematuras de Álvares de Azevedo e de Gonçalves

Dias, contribuindo para a glória definitiva de ambos. No mesmo raciocínio, a

pouca valorização de Bernardo estaria ligada a sua permanência em vida.

Nesta elaboração, um tanto quanto mórbida, a qualidade descendente da

poética “oficial” de Bernardo estaria vinculada ao “eloqüente processo de

mediocrização a que tão poucos escaparam”. Porém a “sua grandeza provém

do outro lado”, daquilo que é habitualmente oculto — uma “energia,

agressividade, criatividade e não-conformismo juvenis que, embora subterrânea

e marginalmente, nele puderam encontrar a melhor e mais completa realização”

— arremata Franchetti.

Tendo como ponto de partida o texto anterior, Vagner Camilo se

aproxima da obra em versos, especialmente a poesia pantagruélica, de

Bernardo na perspectiva de discutir o riso entre pares, objetivando, ao final,

“tecer considerações extensíveis a todo o grupo que a praticava

burlescamente”. Quanto aos comentários sobre poesia obscena, é um dos

poucos trabalhos acadêmicos que chegariam aos tempos atuais — outro seria

sobre os versos de Laurindo Rabelo.107 As perspectivas da análise seriam

sempre amplas, desde o enfoque proposto para a compreensão dos temas e

motivos explorados pelos poemas, passando pela análise dos conceitos e

107 Sobre Rabelo, especificamente, foi apresentada dissertação articulando aspectos originais de sua obra e reunindo ampla documentação inédita, por Fábio Frohwein de Salles Muniz, 2004.

gêneros concernentes ao riso — ironia, humor, sátira, grotesco — até chegar ao

entendimento da especificidade do fenômeno em termos do romantismo

brasileiro. Um percurso para elucidação do problema que, o próprio ensaísta

observa, já estaria posto no texto de Franchetti, qual seja, o humor romântico

poderia “ser melhor compreendido se o considerarmos à luz do contexto e da

emulação da boêmia dos poetas que conviviam no cotidiano das pequenas

cidades [...] dos estudantes de São Paulo”.

Apresentando o “Elixir do pajé" como uma composição que “versa sobre

os poderes milagrosos de um misterioso elixir feito, segundo conselho do

demônio, com uma ‘triaga de plantas cabalísticas’, por um certo pajé bandalho”,

Camilo recupera a exploração da temática do elixir miraculoso no romantismo e

suas inflexões apresentadas por Hoffmann, Lovecraft e Balzac. O elixir do

brasileiro, no entanto, seria definido como uma paródia obscena à poesia

indianista de Gonçalves Dias, portanto de escopo limitado. No sentido proposto

pelo conceito, o alcance do poema de Bernardo se restringiria a compromissos

com a obra que parodia e as suas próprias características de obra obscena,

totalmente ambivalente em relação ao discurso a que se refere, na medida em

que o degrada, mas depende dele.108

O ensaísta discorda do sentido amplo conferido por Costa Lima ao

poema — quanto a ser ele uma crítica ao modelo camoniano. O cotejo que

estabelece entre versos de Bernardo e de Gonçalves Dias, especialmente no

que diz respeito a citações e métricas, não deixa dúvidas quanto às intenções

do mineiro: parodiar o texto indianista.

“— Mas neste trabalho, Dizei, minha gente, Quem é mais valente,

108 CAMILO, 1997, p. 140-148, et sequentia.

Mais forte quem é? Quem vibra o marzapo Sem mais valentia? Quem conas enfia Com tanta destreza? Quem fura cabaços Com mais gentileza?”

“Se as matas estrujo Co os sons do Boré, Mil arcos se encurvam, Mil setas lá voam, Mil gritos reboam, Mil homens de pé Eis que surgem, respondem Aos sons do Boré! — Quem é mais valente, — Mais forte quem é?” 109

Naqueles termos, os ataques de Bernardo colocariam a “sublime imagem

do índio” em risco, não fosse o poema um simples adendo à poesia maior do

indianismo brasileiro. Uma espécie de “discurso solitário, autocompensador e

onanista [...] de libertação, sim, mas apenas no sentido que a repressão lhe

permite”.110 Os versos do pajé nada mais seriam do que o produto de um

“priapismo de anedotário” repete o crítico, flexionando uma afirmação de

Candido, tomada pelo prisma de uma certa desqualificação que ela projetaria

sobre os versos de Bernardo. Mais “demolidora” à produção gonçalvina seria a

crítica feita a Os timbiras — uma análise sem concessões ao laudatório habitual

quando se tratava de Gonçalves Dias.

“A origem do mênstruo” mereceu crítica mais benevolente por parte de

Camilo. Enquanto fábula, como define o próprio Bernardo, pertence ao gênero

metamorfose, como indica am pseudo-autoria de Ovídio, autor da famosa

Metamorfose. Concebido assim, ele estaria articulado a um amplo conjunto de

109 DIAS, 1998 (1847), p.106. Acrescentamos um extrato do poema que seria parodiado, para melhor evidenciar a afirmação do crítico. 110 Paródia obscena de tipo monológica, conforme VIEIRA; HEAD, 1979, p. 91 e segs. in CAMILO, 1997, p. 144-6.

referências poéticas, que vão do poeta latino até Bandeira, passando por Boris

Vian, Camões, Bocage, Gregório de Mattos, Zola e Aluísio Azevedo. Fazendo

um “rebaixamento grotesco” da imagem da mulher, Bernardo estaria

aproximando sua poesia do obsceno, no sentido daquilo que se manteria “fora

de cena” ou, mais profundamente, dentro de um “outro sentido etimológico

esquecido”, “um signo do mal”, um “mau augúrio, um infeliz presságio”, que são

a cena da menstruação e a de castração. A partir dessa interpretação, está em

debate a questão do humor e do chiste, conforme Freud o compreende.

O poema estaria trabalhando com profundas questões do “retorno

inopinado do reprimido”, uma hipótese do crítico pautada pela psicanálise e

convergente para uma observação precursora de Candido, quanto à presença

de perversidade e sadismo na “obra irregular” do mineiro. Fenômeno, por sua

vez, integrado à tendência romântica para a “sondagem das camadas obscuras

do ser”, com o que haveria mesmo uma “certa ‘vertente de desvios da norma’,

bastante visível na tradição da poesia brasileira e até então ignorada” —

Casimiro de Abreu, Álvares de Azevedo, Olavo Bilac, Alberto Oliveira, Augusto

dos Anjos, Mario de Andrade, Carlos Drummond de Andrade, Xavier Fontoura

seriam seus pares. Segundo Camilo, o “horror da castração”, atuante no texto

sobre o mênstruo, estaria agindo também sobre “algumas visões fantasmáticas

e sobrenaturais presentes na ‘Orgia dos duendes’” e sobre o bestialógico,

“gênero que se alimentaria de uma espécie de ‘amputação’ imposta a palavra,

em que o sentido se ausenta de todo: o ‘significante’ sem o ‘significado’; a ‘letra’

sem o ‘espírito’”.

O estudo feito por Camilo sobre o poema dos duendes mostra o trabalho

com o motivo da ‘noite’ — “domínio do mistério, do sobrenatural, da

anormalidade e do inconsciente liberto em sonho ou [...] em pesadelo”,

preocupação do romantismo alemão. O poema seria da estirpe das obras

satânicas de Goethe, Hugo, Gautier, Espronceda e Shakespeare, sem que

ficasse a dever aos mestres. Bernardo alcançaria uma perfeita composição não

apenas no tema, mas também na forma e ritmo. E, para além daquela tradição

européia, o poema incorpora a mula-sem-cabeça, o crocodilo, a getirana, a

mamangaba, e os demais seres da noite brasileira. Articulado por textos de

Candido, Campos, Costa Lima, Laura de Mello e Souza e outros, inclusive

autores da psicanálise, o ensaio reafirma e desenvolve a hipótese do “retorno

inopinado do reprimido”, não apenas pelas imagens referentes ao “universo

simbólico da castração” encontrados no poema, mas também nas imagens do

“sabá” que faria circular, trazendo e ampliando para o contexto local brasileiro a

matriz européia.

3. 4 UM ESPAÇO BERNARDINO

Bernardo. Adj. (1826 cf. GarDBr) [...] ? adj. s.m. (1826) 2 relativo a ou monge da Ordem de Cister ? s.m. 3 p.ext. pej. Indivíduo gordo ou estúpido 4 P tab. Joc. Pênis [...].111.

Bernardice. [bernardo + ice.] S. f. 1. Estupidez, asneira, tolice, dislate. 2. Discurso tolo e disparatado.112

Ensaios e estudos específicos sobre o texto de Bernardo Guimarães,

mormente sua poesia, e as grandes antologias e histórias da literatura

convergem no movimento de integrar a sua obra ao parnaso, porém não há

unanimidade quanto ao local exato que ocuparia. Segundo a maioria dos 111 HOUAISS, 2001, p. 437. 112 FERREIRA, 1986, p. 251.

lectores, a obra e seu autor estariam cuidadosamente assentados atrás das

pilastras que sustentam a cena canônica ou, se houvesse, em alguma espécie de

porão. Para alguns poucos seu lugar seria mais destacado, mas, mesmo nestes

casos, demarcado por reticências. Tal segregação se mostra vinculada a um

certo descompasso entre o texto que o poeta escreve e os valores estéticos

hegemônicos. Ele pratica uma estética de inspiração neoclássica, no momento

de vigência plena do romantismo, e realiza uma obra pautada por boas doses de

humorismo debochado e uma pitada marcante de poesia de baixo estrato, num

momento histórico no qual uma literatura elevada era um bem cultural

fundamental para o imaginário nacionalista. Explicitadas ou recalcadas esta é a

base das acusações que pesam sobre ele e sua obra.

Haveria, então, uma sobredeterminação ideológica no processo de relativa

marginalização sofrido pelo texto de Bernardo. A maneira como a crítica que ele

escreve é recepcionada no meio literário é exemplar disto.113 Além das

esperadas réplicas publicadas nas páginas do jornal A Actualidade, a resposta do

grupo hegemônico se dá em contexto mais amplo e em longo prazo. Quarenta

anos depois das críticas, José Veríssimo, compromissado com a memória

coletiva da nação, reduz aqueles textos de Bernardo a meros ataques rudes e

despropositados a nomes estabelecidos como pilares da referida memória.

A palavra do historiador é tão legitimada pelo status quo que ninguém mais

discutirá o assunto ou emitirá opinião diferente, até que, passados outros

quarenta anos, Fausto Cunha e Waltensir Dutra defendam a coerência dos

113 Entre 1859 e 1860, Bernardo Guimarães foi o responsável pela coluna de crítica literária do A Actualidade, dirigindo sua pena para as obras do Padre Correia de Almeida, Junqueira Freire, Joaquim Manuel de Almeida e Gonçalves Dias.

comentários do mineiro e encontrem neles uma firme posição anti-romântica,

inspirada em Antonio Feliciano de Castilho.114

A elaboração proposta pela dupla elucida as origens da feição neoclássica

dos versos de Bernardo, retomada por vários outros críticos, depois que o

mesmo Veríssimo a notou pela primeira vez. Porém a hipótese não é posta a

serviço da qualificação da obra do poeta, nem por Waltensir e Fausto, nem por

outros críticos. Candido, que tão bem explicara a transição arcadismo-

romantismo, ressaltando a permanência de um no outro, vê na “harmonia

neoclássica” dos últimos versos do poeta um indício de esgotamento da sua

inspiração, ou seja, no que se refere a Bernardo a complexidade da relação entre

os dois modelos estéticos não é levada em conta, reduzida que é a um problema

biográfico seu. Camilo anota a indicação, mas não a utiliza, quando seu trabalho

prima por estabelecer relações complexas para o riso entre pares e para a poesia

de Bernardo, que é objeto de longas e cuidadosas análises. Posições no mínimo

curiosas!

Seria o caso de perguntarmos, se elas estariam influenciadas por um

habitus que identifica a estética romântica como a melhor qualificada entre as

que a precederam, adequada ao ideário evolucionista, ao qual se filia a maioria

das histórias da literatura consultadas neste estudo? Um valor que, no momento

em que Bernardo escrevia, relacionava romantismo com literatura elevada e

ambos com nacionalismo político, conforme os próprios românticos articularam

em seus manifestos.115 No âmbito desta idealização esteve definido a priori que

114 (1800-1875). Autor de poesia de inspiração árcade, tradutor de Anacreonte, Virgílio, Ovídio, Shakespeare, Goethe e Molière, ele esteve no centro do debate estético do mundo lusófilo, em seu tempo. 115 Magalhães no Discurso sobre a história da literatura brasileira, Gonçalves Dias no “Prólogo” dos Primeiros cantos e Álvares de Azevedo em Literatura e civilização em Portugal, entre outros.

aos românticos caberia obedecer às normas românticas e a nenhum autor estaria

franqueada a desobediência a este preceito.

A coerência entre a retórica dos manifestos românticos e produção poética

dos autores engajados no movimento nem sempre é evidente, mesmo quando

manifestantes e poetas são o mesmo sujeito civil, como no caso de Magalhães

que é o autor do Discurso sobre a história da literatura no Brasil, texto

questionador do acento europeu da poesia que até então se fazia no país, por

isso considerado com o manifesto inaugural do romantismo nacional, por sua

vez, usualmente reconhecido como sinônimo de manifestação literária brasileira

primeva. A crítica que o mesmo Magalhães recebe de Alencar, contra a

Confederação dos tamoios, é precisamente a de não cumprir os preceitos

românticos, que ajudara a difundir. 116

Sob esta acusação, Magalhães perde seu posto de poeta da nacionalidade

para Dias. Este, por sua vez, terá seu momento inglório: as Sextilhas de frei

Antão, exercício de escritura sob a ambientação medievalista, muito coerente

com a proposta romântica, são tratadas como obra menor sua. Quanto a

Bernardo, com sua poesia neoclássica, sofre as penalidades do ostracismo,

como bem demonstrou Süssekind.

Mas é o verso transgressor de Bernardo que nos interessa, pois é sobre

ele que os lectores atribuíram a maledicência de ser um discurso tolo e

disparatado, uma estupidez e um dislate, como que aproximando-os do que

propõe o dicionário para bernardo e bernardice ou bernardino, como

empregaremos.

116 Sobre a crítica de Alencar, CASTELLO, 1953.

Wilson Martins julga que o humorismo e sátira são a linguagem mais

natural do poeta, contribuindo para cristalizar uma posição da crítica, inaugurada

por Veríssimo. Qualificação que está longe de ser positiva, se valerem as

palavras de Alberto de Oliveira, a propósito de a lírica ser “a expressão mais bela

da poesia brasileira”, em contraste com o menor valor da sátira e da épica.117

Mas, a atitude definitivamente sintomática do horror que são os versos

bernardinos de Bernardo para o cânone é a negativa explícita, por parte do

organizador da edição oficial de suas poesias completas, de as incluir no volume.

No entanto, apesar da força organizadora do lector, o processo de

posicionamento do autor no cânone não se esgota na articulação que se

estabelece entre eles. No descompasso de inúmeras divergências entre as suas

leituras e interpretações, algumas vozes canônicas abrem espaço para novos

olhares que aprofundam o contraditório, propondo um espaço bernardino ímpar e

privilegiado.

Candido se recusa a sequer comentar o poema do mênstruo, mas

compara o poema sobre a orgia dos duendes com a pintura do holandês

renascentista Bosch. Um evidente elogio, que abre articulações extensas para a

inspiração do poeta mineiro, enviando o texto bernardino entre as grandes obras

de uma tradição que expõe violência, escatologia e satanismo. Retomando o viés

que apenas Agrippino Grieco havia ousado antes, eleva o quase nunca

comentado “Elixir do pajé” à categoria de uma “expressão dionisíaca e saudável

do priapismo de anedotário”. Péricles Eugênio da Silva Ramos chama a atenção

para “Orgia dos duendes”, segundo ele tão importante quanto “Devanear do

117 OLIVEIRA; JOBIM, 1921, v. I, p. v-vi, p. 245-253.

céptico”, uma composição com traços ultra-românticos, de estreitas ligações com

Byron.

Francamente partidário de maiores atenções para a obra de Bernardo,

Haroldo de Campos aponta a obra burlesca e bestialógica do poeta como

fundamental para uma investigação profunda da produção literária brasileira fora

do cânone. Flora Süssekind analisa as razões de sua marginalização,

denunciando o cerco canônico à visão crítica ímpar de Bernardo sobre o

romantismo nacional lacrimejante. Costa Lima proporá horizontes mais amplos

para a análise da inflexão neoclássica da poesia do mineiro, corrigindo uma

limitação da percepção tradicional.

É amparado no fio, que estendemos entre textos tão contraditórios, que

nosso próprio discurso se escreve e circula, participando do espaço bernardino

que adquire sentido nas lutas simbólicas, que ocorrem no campo da literatura.

4 OS PARAÍSOS INFERNAIS DE BERNARDO

4. 1 O ESPAÇO DO POEMA

No capítulo anterior, experimentamos a hipótese de que o lugar do texto

de Bernardo Guimarães, nos espaços simbólicos do campo literário, seria

sobredeterminado por grandes leitores canônicos — os lectores. Naqueles

termos impõe-se uma formulação decorrente: não haverá leitura de textos que

seja inocente ou estéril.

Inocente no sentido de independente de outras que a precederam.

Formulação convergente para o construto semiológico de impossibilidade de

originalidade na escritura.118 Posta inicialmente por Barthes, a questão da

intertextualidade é desenvolvida por Kristeva, quando recupera no texto de

Lautréamont a palavra de outros autores, Pascal e La Rochefoucauld,

estabelecendo dois princípios para a poesia moderna: “eles [os textos] se

constroem absorvendo e destruindo, concomitantemente, os outros textos do

espaço intertextual”. Absorção e destruição implicam no conceito de negatividade

hegeliano de diferença absoluta, do estabelecimento da “identidade que

exclui”.119 Considerando o estatuto do significado poético, ou seja, a “mensagem

118 Respectivamente BARTHES, (1968) 2004, A morte do autor, p. 57-64; KRISTEVA, (1969) 1974, Poesia e negatividade, p. 165-196; DERRIDA, 1972. 119 Lalande define o termo negatividade relacionando-o como característica do que é negativo: em Hegel estaria ligado à antítese, “momento dialético” do pensamento; em Sartre, seria “ato ou aptidão de negar, ou antes, quando negação é tomada num sentido ontológico, de “nadificar”, um nada que isola; em Descartes, a expressão equivale a ”liberdade”. Em Comte, negativo, posto como oposição ao positivo, implica em destruição. Abbagnano relaciona negativo com uma exclusão de possibilidade. “Resultado negativo” de um experimento significa exclusão de certa possibilidade de interpretação ou de explicação. “Efeito negativo” de certa operação significa exclusão daquilo que se esperava ser possível à partir da operação. “Atitude negativa” em relação a uma doutrina ou a uma coisa qualquer é uma atitude que exclui a possibilidade de que a doutrina seja verdadeira ou de que a coisa tenha um valor qualquer. Respectivamente LALANDE, 1998, p. 730 e 1281; ABBAGNANO, 1999, p. 709.

global de um texto poético”, a operação lógica da negação estaria na origem de

toda atividade simbólica, composta em dois aspectos, a diferenciação entre as

unidades constituintes de uma prática semiótica e o da relação que articula essas

diferenças.

O assunto intertextualidade também é discutido por Jacques Derrida, em

La dissemination, em termos do que seria o entrecruzamento de discursos com

diferentes origens em um mesmo texto, avançando em suas reflexões sobre as

formulações saussurianas, trabalhadas desde suas obras anteriores.120 Ou seja,

o antigo problema da influência, cópia e transcrição de um autor por outro é

trazido à baila pelo grupo, do Tel Quel, no sentido radical da impossibilidade de

originalidade, resolvendo para a crítica um problema que poetas, e artistas de

modo geral, a muito haviam superado. Num texto de 1979, Gilberto Mendonça

Telles ressalta que a “teoria da intertextualidade” é produto do esforço da crítica

para se aproximar da criação.121 Nada mais, nada menos, que a principal

pretensão de Barthes.

Kristeva elabora um longo debate sobre a lógica específica do texto

poético. Este, ao contrário do não-poético, tende a imprecisão, à ambigüidade.

Ao mesmo tempo, “assume os significados mais concretos, concretizando-os o

mais possível” e “os eleva, por assim dizer, a um nível de generalização que

ultrapassa a do discurso conceitual”. Não exclui as categorias opostas do

concreto versus geral, “o significado poético os engloba numa ambivalência,

numa reunião não-sintética”. Uma situação que a lógica platônica do discurso

recusa. A mesma reunião não-sintética funciona na relação do significado

120 DERRIDA, 1972. 121 TELLES, 1979, p. 34.

poético com o referente. Ele “simultaneamente remete e não remete a um

referente; ele existe e não existe”, é simultaneamente, “um ser e um não-ser”.

“A metáfora, a metonímia e todos os tropos se inscrevem no espaço delimitado por esta estrutura semântica dupla”, que se mantém no próprio reconhecimento do espaço poético enquanto território de lógica divergente: “sabemos que o que a linguagem poética anuncia não é (para a lógica do discurso), porém aceitamos o ser deste não-ser. Em outros termos, pensamos este ser (esta afirmação) contra o fundo de um não-ser (de uma negação, de uma exclusão). É pela relação com a lógica do discurso, baseada na incompatibilidade dos dois termos da negação, que a reunião não-sintética operante no significado poético adquire seu valor significante”.122

Um significante que longe de ser anomalia, conforme a lógica do

discurso coloca, se constitui uma prática singular de linguagem, a qual, num

movimento de constante negatividade, nega o discurso e o que resulta desta

negação, transformando-se numa afirmação única que inscreve o infinito da

linguagem e do sentido.

No caso da investigação que produzimos, a possível falta de

independência e originalidade na escritura, essa sempre produzida com

esforço de um ato de criação, não faz prescindir ou isenta dos compromissos

de a experimentar interminavelmente, na espera de um provável leitor, que

ocupe o lugar que já foi nosso. Pois, se não há texto inocente, não haverá

aquele que seja estéril, produtor de efeitos de autoridade sobre quem o

realize. O trabalho do texto que se renova em cada leitura não é menos que

isso. O capítulo atual trata de escrever nossa própria leitura, exercitada sobre

os versos bernardinos — o espaço do poema.

O primeiro texto, “A orgia dos duendes”, de 1865, é tratado com se

fosse a porta de entrada que o poeta nos oferece para conhecer a “Poesia

grande e santa”, resultante da interação entre o pensamento com o

122 KRISTEVA, (1969) 1974, p. 172-173.

sentimento, coloridos com a imaginação, fundidos com a vida e com a

natureza e purificados com o sentimento da religião e da divindade, tal como

entende o principal poeta canônico do movimento romântico, Gonçalves

Dias.123 Um paraíso no qual natureza e personagens literários concorrem

todos para a instituição de um grande e sublime imaginário literário,

correspondente à grande nação brasileira que se formava desde a superação

de seu estatuto colonial.124 O que o texto bernardino nos reserva, entretanto,

haverá de ser um paraíso mais complexo. Paraíso, palavra polifônica — plena

de pureza d’alma e integração com a natureza, carregada de pecado e

monstruosidades. Os portugueses e seus descendentes, que dominaram

muito bem o sentido dessa expressão, a empregaram para falar da terra que

algum temor e muita cobiça despertou. Um espaço de terra e de gentes que

eles ocuparam mediante violência material e simbólica, como se fosse

destinado a eles por seu Deus e seu direito civil. No horror que um festim

depravado faz significar, nosso exercício é um olhar arriscado para além da

floresta ideal que a literatura elevada constituiu.

A leitura seguinte, sobre o “Elixir do pajé”, 1875, encontra o principal

habitante daquele espaço: o índio, criatura ausente do poema anterior,

registre-se. Desumanizado, escravizado, assassinado ao longo do processo

de constituição da colônia e do país, este personagem foi, a partir do

romantismo, transformado no protótipo da nacionalidade brasílica, num

exercício coletivo de recalque das vergonhas e vilanias impingidas a ele no

123 DIAS, 1998. Primeiros cantos – Prólogo, p. 103. 124 Figura 1: Missa no Brasil – 1861. Natureza exuberante, devidamente dominada pela cristandade e os seres que a habitam em apagamento: alegoria canônica do romantismo.

Figura 1

Nota 124: Primeira Missa no Brasil – 1861 (Detalhe principal). MEIRELLES, Victor (1832-1903). Óleo - 2,68 X 3,56m.

Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro.

passado, substituídas por uma memória idealizada de grandezas e glórias.125

O indianismo que o indianismo romântico esconde é o personagem do poema

bernardino. Um estranho entre os guerreiros e piagas semideuses sublimes,

um narrador da humanidade e sexualidade que circula nas tabas e nas

florestas. Um estranho no paraíso.

O terceiro poema, “A origem do mênstruo”, 1875, logo em seu início,

invoca o clássico Ovídio. No contexto literário romântico da poesia, a mulher

ocupa espaço elevado. Quando virgens, irmãs ou mães são castas e puras,

sofrendo de amor ou diante de qualquer outra vicissitude. Maculadas pelos

imperativos dos desejos seus ou de outrem são recepcionadas pelo verso

sublime, fator de equilíbrio e grandeza para todos os atos, do mais banal ao

mais sórdido.126 A mulher que o poema revela é uma européia, a bela Vênus,

modelo da beleza sublime, pelas artes da pintura renascentista. Porém, a

deusa bernardina tem corpo e não o esconde, tem sexualidade e não a

reprime e, principalmente, sangra, como não se pode conceber que as

mulheres idealizadas o façam — tudo isso constituído no sentido de uma

linguagem baixa e calão. Com a leitura de mais esta ousadia do poeta,

examinamos a hipótese de considerar o conjunto de poemas que escolhemos,

como uma intervenção crítica de Bernardo em três dos mais importantes

tropos da poesia romântica, a mulher, a natureza e o herói. Um exercício que,

mostrando-se plausível, trará conseqüências para o sentido que sua obra terá

em novas leituras e no valor que ocuparia no campo literário.

125 Figura 2. Batalha de Guararapes – 1875-1879. As três raças em defesa do território que seria o da pátria. 126 Figura 3. Morte de Moema – 1866. A mulher romântica: adequadamente submetida, nem que seja pela morte.

Figura 2

Nota 125: Batalha de Guararapes – 1875-1879. MEIRELLES, Victor (1832-1903). Óleo - 5,00 X 9,25 m.

Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro.

Figura 3

Nota 126: Morte de Moema – 1866. MEIRELLES, Victor (1832-1903). Óleo - 1,29 X 1,90m. Museu de Arte de São Paulo, São Paulo.

4. 2 A FLORESTA ENFEITIÇADA

4. 2. 1 O poema europeu

Início do poema. Na floresta, a meia-noite é marcada pelo som tirado de

um sino de pau. Uma velha toma o lugar principal do ambiente, um leito

grosseiro de pau, armado entre os ramos das árvores. Daquela posição

exercerá o comando da folia — tem o posto de rainha. Folia é palavra

polissêmica, festa de pátio de igreja, procissão, dança barroca, dança

portuguesa, na qual homens se vestem de mulher, ou carnaval, informa o

Houaiss: nestes versos bernardinos ela é uma orgia dos duendes.127 Os

personagens já estão trabalhando. Lobisome, homem transformado em lobo

como castigo por seus malefícios, na eterna espera de alguém que o fira para

quebrar o encanto, está recolhendo gravetos e acendendo a fogueira para a

ceia. Um diabo vermelho, ícone do Mal, criatura saída do antro das impuras

focas, torrava banais pipocas; fazia isto pendurado pelo rabo.128 Uma bruxa

amarela, Taturana, animal rastejante, uma lagarta felpuda capaz de causar

irritação cáustica na pele humana, fritava uma criança numa panela, enquanto

resmungava, com o semblante fechado. Getirana, inseto voador venenoso, uma

grande mosca, capaz de fulminar o ente que toca com a tromba que sai de sua

cabeça em forma de serpente, completava os ingredientes de uma sopa com o

sangue fresco de um morcego, sangrado ali mesmo, com suas próprias garras.

Mamangava, abelha solitária das terras brasileiras, fritava o lombo recém

descarnado de um abade, trabalho feito na gordura retirada do cangote de um

127 Folia é palavra polissêmica, festa de pátio de igreja, procissão, dança barroca, dança portuguesa, na qual homens se vestem de mulher, ou carnaval, informa o Houaiss: nestes versos bernardinos ela é uma orgia dos duendes. HOUAISS, 2001, p. 1366. 128 Os apostos que identificam as qualidades dos personagens, quando não informados no glossário organizado por Bernardo, no próprio texto, são recolhidos em HOUAISS, 2001.

outro membro das igrejas. Galo-preto, ave de mau-agouro, chafurda nas cinzas,

enquanto o vento assobia ao passar pelas cabaças. Uma mosca chupa-sangue

zumbe e um macuco pia no meio da noite. Com suas mãos de bruxa, a velha

rainha faz os sinais cabalísticos, chamando as almas perdidas para a festa

barulhenta e primitiva. Convoca as criaturas rastejantes, lagartixas de rabo

vermelho e cobras, lança um desafio aos principais, cujos nomes já foram

escritos em maiúsculas. Aquelas trarão as Liras do festim debochado, o

marimbau e a bandura — percussão e corda. Estes serão os seus pares na

cena de sedução horripilante — de um a Rainha pretende um beijo, de outro um

arrastar de asas, de todos pelo menos uma dança.

A segunda parte do poema começa com a afluência das criaturas ao

local da festa. Os duendes saem dos esconderijos, batucando e batendo

matracas, as bruxas chegam em suas vassouras, três diabos sentam-se aos

pés da velha, um deles toca estranha e barulhenta campainha — uma caveira

servindo de campa e um casco de burro funcionando como badalo. Capetinhas

tocavam chocalhos e marimbau, os rabos enrolados nos galhos. O ronco

barulhento do Crocodilo fazia uma espécie de contraponto para aquela sinfonia.

Outros músicos completavam a orquestra. Esqueleto usava a barriga inchada

de um sapo como tambor, uma bruxa tocava rabecão feito da carcaça de um

defunto e das tripas de um barão, Getirana arranha um violão fanhoso,

Taturana faz gemer a cuíca. O Lobisome rege o grupo, com uma batuta feita da

canela de um frade, ainda não descarnada inteiramente. A dança é a do

cateretê, popular do interior do país, de origem imprecisa, podendo ser

portuguesa, indígena ou africana. Os dançarinos são grotescos, os passos são

da ordem da sensualidade sádica e macabra: Taturana dança e canta, Getirana

se esfrega no Caturra, no meio da roda aparece a mula-sem-cabeça, zurrando

berrando e aplaudindo a velha rainha. Todos dançam ao redor da fogueira,

girando e girando sem fim.

Na terceira parte são expostas as qualidades dos principais — todas

baixas. A Taturana confessa a relação incestuosa com o pai, relação que gerou

um filho, e recorda o fim da vida como freira santificada num convento, registrado

com ironia. A Getirana canta a vida de assassinatos conjugais, os amores com

religiosos e os filicídios. O Galo-preto, frade de um convento, desfia os vícios de

glutonaria e luxúria, responsáveis por sua morte, vitimado por um ataque de

apoplexia. O Esqueleto se declara inimigo dos mortais, assassino de tantos que

perdera a conta; dissimulado em seus instintos cruéis, jacta-se da idolatria da

qual é objeto em altares e templos. A Mula-sem-cabeça canta a trama de sua

vida: canibalismo do cadáver do marido, assassinado por ela própria, não antes

dele dar cabo do bispo, amante da gentil senhora, por fim uma condessa que

morre decapitada, pelas mãos de um carrasco. O Crocodilo, que foi papa, fala da

vida de assassino contumaz e das carnalidades com a mulher do próximo, até

morrer e se ver no inferno. O Lobisome foi um rei pérfido, sádico e

concupiscente, viveu rodeado de prostitutas, carrascos e frades, inimigo

declarado das virtudes, divertiu-se e se alimentou do sangue e do suor de seus

súditos, até que, morto, transmudou-se em objeto de diversão para o demônio. A

Rainha, não ocupa o seu posto por pouco merecimento, superando aos demais

personagens em perfídia, lubricidade e pecados: mata a mãe ao nascer, o pai

para lhe tomar a coroa e um irmão mais velho para não ter concorrente ao trono;

os maridos morrem todos, apenas consumado o casamento e satisfeitos os

desejos reais: um sufocado com as cobertas do leito conjugal, o segundo

empurrado da torre do castelo, o terceiro apunhalado nas costas; os amantes não

sobreviviam à noite de amor.

A quarta parte do poema começa e a folia não dá sinais de arrefecimento.

O grande rodopio que une todas as criaturas ferve, cada vez mais veloz e

intenso. No auge da confusão, o som de um chicote se sobrepõe ao frenesi e,

galopando uma égua amarela, adentra ao ambiente um espectro, um esqueleto,

é a Morte que vem impor obediência e ordem. O chicote vibra em todas as

direções, tangendo a súcia de volta a seus lugares: para as covas com os ossos

e para o inferno com as almas. Um estrondo e um cheiro de enxofre dominam as

selvas e todos somem, num único movimento.

Parte final. Nasce um dia sem resquícios do festival tenebroso da noite.

Naqueles lugares, uma linda virgem passeia, envolvida no perfume de flores

gentis, ao som do suave canto dos pássaros. Acolhendo a cena, a floresta que,

iluminada pela aurora, transmutara-se em jardim florido e arvoredo provedor de

sombra e refrigério.129 Acontecimentos contados por um narrador indeterminado,

que observa a cena, sem interferir, exceto pela adjetivação que imprime a um ou

outro personagem, a uma ou outra ação. Em boa parte do poema, são os

personagens que tomam a palavra.

Das poesias de linhas tortas de Bernardo Guimarães, “A orgia dos

duendes” é talvez a mais conhecida. Publicada pela primeira vez no livro

Poesias, 1865, editado pela Garnier, é lembrada pelas historias mais tradicionais

da literatura como modelo de poesia engraçada, desde quando Veríssimo

distinguiu o poeta de seus contemporâneos, pela “jovialidade” de seus versos.

Um ensaio de Candido modula a observação mais antiga: “É um dos mais

129 Figura 4. A Primavera - c.1477/78. Na floresta iluminada e povoada por seres diurnos, uma figura na noite não deixa esquecer que ali é um espaço provisório e limítrofe.

Figura 4

Nota 129: A Primavera, c.1477/78. BOTTICELLI, Sandro (1445-1510). Têmpera sobre tábua - 2,03 X 3,14m. Galeria dos Ofícios, Florença.

notáveis poemas grotescos da nossa literatura, tendo um sentido fácil de

comicidade extravagante e um sentido profundo de violência sádica e tenebrosa

liberação do inconsciente”, oferecendo um patamar mais complexo para a leitura

que se faça do poema.130

Os acontecimentos daquela noite e daquela aurora são cantados em

244 versos, organizados em 61 quadras. O poema é dividido em 5 partes,

como se viu.131 As rimas simples, em abab, servem a elaborados recursos

métricos.132 A métrica é a mesma em todo ele — eneassílabos, com acentos

na 3ª, 6ª e 9ª, marcando cada verso em 3 segmentos, de 3 sílabas cada um, o

anapesto da tradição greco-latina. A solução estabelece um efeito “martelado

e sonoro” perfeitamente adequado aos fatos que têm lugar no poema. Uma

espécie de “batuque infernal”, que dá unidade aos versos desde as badaladas

do relógio do sino de pau, que abrem as funções, até o galope da morte, que

anuncia o final do poema, e o passeio da virgem. Para incrementar o efeito

rítmico, há o uso intencionalmente obsessivo de oclusivas como no exemplo:

“Jun[t]o [d]ele um vermelho [d]ia[b]o// [Q]ue saíra [d]o na[t]ro das fo[c]as [...].O

crítico observa que o poema se identifica com o gênero balada, na

simplicidade das soluções discursivas, sempre diretas, sem figuras de

linguagem rebuscadas, epítetos e adjetivos. Nela, a presença do “narrador”

pouco interfere nos acontecimentos, não há opiniões, os fatos são

apresentados no seu “suceder”, com um ou outro diálogo reforçando a

dramaticidade dos acontecimentos.

130 CANDIDO, 1993, A poesia pantagruélica, p. 240. 131 CANDIDO, op. cit., conta quatro partes. 132 Depois, com mais detalhes, CAMILO, op.cit., p. 164-167, passim: para as observações até o fim do parágrafo.

Os seres da floresta brasílica — getirana, mamangava e outros — são os

personagens do poema.133 Seus pecados são descritos consoante com as

crenças populares, de origens indígenas, africanas ou européias, portuguesas,

especialmente — mula-sem-cabeça foi amante de um bispo, crocodilo foi papa,

taturana foi freira e bruxa foi mulher devassa. O vocabulário é eminentemente

miscigenado — exemplo da convergência para um único discurso das falas

portuguesa, africana e tupi-guarani concorrendo para estabelecer uma identidade

singular, a brasileira —, designando seres e coisas. O somatório destas

ocorrências, observadas por Bernardo de Magalhães, fizeram-no considerar o

poema o mais brasileiro da lavra bernardina.134 Um aditamento importante ao

habitus concernente a Bernardo.

Entretanto, estudos recentes, de modo consciente ou não, demonstram a

presença de uma importante inflexão européia no poema da orgia, o que

refutaria, de certo modo, a afirmação incisiva do biógrafo famoso. De um lado, a

análise de Camilo é dedicada, em boa parte, a mostrar a filiação dos versos às

correntes alemã e francesa do satanismo, tomando como modelo principal a

“Noite dos Walpurgis”, do Fausto goethiano, por sua vez fonte de inspiração

secundária os poemas de Victor Hugo, Théophile Gautier e José de Espronceda,

por sua vez, autores de significativa influência entre os românticos brasileiros. A

identificação proposta é reforçada pela inserção do poema no gênero balada, de

larga vigência no país, via influências das Odes e Ballades hugoanas e “Lenora”

de Buerger. O cuidado do crítico em bem demonstrar as identificações do poema

com o satanismo literário brasileiro é muito bem elaborado, porém, o caráter

central das influências apontadas é marcante e determinante para o caráter do 133 Figura 5. Fauna do Brasil segundo Nieuhof (1618-1672). In: TAUNAY, (1934) 1998. Insetos monstruosos, habitantes de uma floresta perigosa e fantasmagórica. 134 MAGALHÃES, Basílio de, 1926, p. 82-83.

Figura 5

Nota 133: Fauna do Brasil segundo Nieuhof (1618-1672). In: TAUNAY, Afonso d’Escragnole. Monstros e Monstrengos do Brasil:

ensaio sobre a zoologia fantástica do Brasil (1934). Edição org. por Maria Del Priore. São Paulo: Cia das Letras, 1998.

poema.135 Perspectiva similar, embora tomada de outra perspectiva, é apontada

pela historiadora Laura de Mello e Souza, quando integra as ações e imagens

presentes na orgia dos duendes aos rituais do sabá europeu, traçando um

paralelo entre o literário e o pictórico, através da análise comparativa daquele

com o quadro Dos viejos comendo sopas, de Goya.136 O trabalho demonstra que

o poema harmoniza tradições européias e brasileiras, sendo este um dos seus

valores encontrados nele. Ao mesmo tempo, ou melhor, para demonstrar sua

tese, a historiadora é clara na indicação de uma identidade entre as imagens

bernardinas e as temáticas diabólica e sexual em circulação no romantismo da

Europa, conforme as analisa Mario Praz.

Ou seja, a partir dos termos propostos pelo literato e pela historiadora se

firma a assertiva quanto ao poema estar entre os mais europeus de quantos a

musa travessa inspirou Bernardo. Uma hipótese nossa, um tanto quanto

audaciosa, na medida em que diverge da leitura tradicional do poema,

incorporada ao imaginário do campo literário, desde que Machado e Romero

consagraram sua verve como brasileiríssima.

A inflexão européia naquelas rimas bernardinas não é, todavia,

empreendimento poético menor, pois não seria possível conceber literatura

brasileira sem as respectivas assimilações do que se escrevia na Europa. Um

fato problemático, caso se pretenda uma literatura autóctone absolutamente pura,

como sugere a idealização de Cassiano Ricardo ao indianismo de Gonçalves

135 CAMILO, op cit., tem um capítulo dedicado ao tema — Walpurgisnacht e o pandemonismo sertanejo: na trilha do humour noir, p. 159-179. Sobre a popularidade e importância da obra de Gottfried August Buerger (1747-1794) no mundo lusófilo e particularmente no imaginário romântico daquela estirpe, ver LOPES, 1997, p. 265-278. 136 SOUZA, 1993, Persistências ínferas, Bernardo Guimarães e o imaginário demonológico, p. 181-195.

Dias, que quase nega a influência de Saint-Pierre e Chateaubriand, todavia

assumida pelo próprio poeta.137

Ao enfrentar a contradição, Antonio Candido observa que a literatura foi a

“expressão” da cultura e valores do colonizador e do colono europeizado,

predominando sobre as culturas dos povos dominados, uma ”peça eficiente do

processo colonizador”. 138 Entre as imagens recorrentes no processo de

conquista a da beleza, riqueza e provisão hiperbólicas do continente americano

são exemplos de transfiguração da realidade perfeitamente útil à concretização

da empresa colonizadora. Sempre segundo o crítico, nesta composição estaria a

raiz da História de Rocha Pita, a Música do Parnaso de Botelho de Oliveira, a

proliferação do gênero prosopopéia e, já no século XVIII, do gênero

metamorfose, esta última característica presente nas obras de Cláudio Manuel da

Costa, Cruz e Silva, Januário da Cunha Barbosa e, chegando aos românticos, de

Gonçalves Dias. A importância política da literatura fica evidente na perseguição

sofrida pelos poetas da Inconfidência Mineira, de 1789, e no que ele chama de

Inconfidência Carioca, de 1794 — vozes e penas que, pela primeira vez,

“exprimem a maturidade da inteligência brasileira aplicada ao conhecimento e à

expressão do país”. Exemplares das funções contraditórias da literatura na terra,

primeiro como componente da imposição de padrões culturais e depois fermento

crítico a expor os problemas da colonização. Estariam marcadas aí as bases das

projeções que relacionam literatura e nacionalismo. A partir daí se constituem a

imagens privilegiadas pela literatura nacionalista: índio, floresta, beleza e tantas

outras, das quais traçaremos alguns percursos, mais adiante.

Neste quadro, Candido chama a atenção para o

137 RICARDO. Gonçalves Dias e o indianismo. In: COUTINHO, op. cit. p. 70-138. 138 CANDIDO, 1989, Literatura de dois gumes, p. 163-180.

duplo processo de integração e diferenciação do geral (no caso, a mentalidade e as normas da Europa) para obtenção do particular, isto é, os aspectos novos que iam surgindo no processo de emadurecimento do País,

do qual o Romantismo foi o ápice, sem que faltassem nele problemas de

anacronismos e confusão de valores.

Ainda na lição de Candido, o grande exercício de violência simbólica que

foi a literatura, enquanto instrumento de imposição de valores, jamais foi

questionado em um dos aspectos fundamentais, o das formas. O nativismo

jamais rejeitou o soneto, o conto realista ou o verso livre associativo.139

Naturalizada a inevitabilidade da dependência da literatura do novo mundo à

européia, ela se tornaria uma “forma de participação e contribuição a um universo

cultural [...] que transborda as nações e continentes, permitindo a reversibilidade

das experiências e a circulação dos valores”. Neste sentido, mesmo quando se

registra a influência dos sul-americanos aos europeus, como na manifestação de

Herculano em relação aos Primeiros cantos gonçalvinos, o que se produzira seria

um “afinamento dos instrumentos recebidos” e não uma invenção.

A questão da introjeção destes valores é igualmente evidente nos

comentários de Octavio Paz sobre a literatura hispano-americana de fundação e

a possibilidade de que se determinar um momento, fins do século XIX, no qual

ela deixaria de ser um reflexo da espanhola.140 Permeada por uma forte utopia, a

formulação de uma identidade via independência ou inversão do fluxo de influência,

ex-colônias influenciando ex-metrópoles, não se sustenta. Este momento idealizado

não se sustenta, como um momento superado no passado ou projetado como

expectativa futura, o que se vê é uma forte e atual disputa de posição no campo

literário internacional. Caso evidente disto é a elaboração de Casanova sobre a

139 CANDIDO, 1989, Literatura e subdesenvolvimento, p. 140-162. 140 PAZ, 1976, Literatura de fundação, p. 125-131 e Poesia latino-americana?, p. 143-153.

construção do paradigma de uma república mundial das letras, empreendimento,

a seu ver, capitaneado por Paris, sítio de onde profere seu discurso.141

Nota-se com Casanova e Octavio Paz, que o processo de violência

simbólica, característicos das disputas no campo cultural ocorre mesmo nas

reflexões avançadas da crítica. O mesmo se escreverá sobre as obras de arte, “A

orgia dos duendes”, pelo que vamos expondo, é discurso exemplar neste sentido,

pelo trabalho que seu texto não cessa de realizar, incorpora a mitologia sobre a

terra brasilis.

Considerar o poema sobre a orgia como literatura do satanismo, abre uma

reflexão sobre um dos temas mais comuns da literatura, a morte e muito do que

ela significa: experiência limite, fim, sonho, degradação, medo, tristeza e luto. Na

poesia romântica, a invocação à morte está sempre presente em Álvares de

Azevedo ou Gonçalves Dias: “Lá bem na extrema da floresta virgem, [...]Ó minha

amante, minha doce virgem, eu não te profanei,e dormes pura: [...] deixai que eu

durma ali e que descanse, na morte ao menos, junto ao seio dela!”, “Não permita

Deus que eu morra, sem que eu volte para lá”. Temática sempre tratada com

reverência e respeito, nas alturas do discurso belo e sublime.

No âmbito do satanismo, o tema da morte se mantém, mas a inflexão é

outra. No mundo literário de circunscrição européia, cabe ao gênero avançar

sobre aspectos das grandes os questionamentos referentes à finitude humana e

à morte, que não são percebidos ou recepcionados pela estética canônica. Um

imaginário que divide com os prolegômenos da ciência moderna, nascida da

141 Especialmente CASANOVA, 2002, Princípios de uma história mundial da literatura, p. 23-64; O espaço literário mundial, p. 109-160 e Os revoltados, p. 269-307.

alquimia e da luta contra a morte. Ao satanismo, como estamos propondo, liga-se

firmemente o grotesco, conforme o trabalho de Wolfgang Kaiser coloca.142

Bernardo estaria contribuindo para assimilar o tema à literatura nacional,

assunto recusado para fazer parte de uma literatura idealizada como valor

nacional.

A Ilíada inicia com uma reflexão do aedo diante da pira funerária de

Aquiles. A história que é contada ali é uma história de morte. A Odisséia leva o

nome do herói que supera a morte, não apenas voltando para o seu reino e

rompendo com o esquecimento que a morte significa, mas também descendo ao

Hades, no confronto com os medos atávicos, outro significado da morte. A

experiência transforma Ulisses, fazendo do soldado esperto, um homem sábio. A

ligação entre experiência limite, ida de um ser vivente aos infernos, reino dos

mortos, e sabedoria é retomada magistralmente por Dante.

Nem sempre, todavia, o resultado do confronto com os limites da vida e da

morte resultará em bem-aventurança para o desafiante: Prometeu paga com o

suplício eterno a ousadia de roubar o fogo da sabedoria, antes dele, Adão foi

expulso do paraíso, e antes ainda, Lúcifer perdeu seu lugar ao lado do Criador,

por querer saber sobre os mistérios da vida e da morte, próprios apenas do

Senhor. Fausto seria uma representação desta tentativa sempre renovada.

Quando aparece no texto de Goethe, o pacto entre o sábio e o diabo já é

tradição na literatura. O primeiro livro sobre o médico de que se tem

conhecimento data de 1587, publicado sem referência a autor, dirigido aos

cristãos, com claras intenções pedagógicas. Preveniria os bem-aventurados

sobre os perigos de pecarem contra os dogmas da igreja romana, questionados

142 KAISER, 2003. Especialmente o capítulo que tratam da ampliação do conceito de grotesco e suas relações com a pintura, e aquele que trata do grotesco no romantismo.

profundamente pelas artes diabólicas de Lutero. Neste tempo, Fausto já era uma

lenda, constituída sobre elementos de verdades históricas, como convém às

mitologias mais sofisticadas. Um homem com aquele nome fora objeto de uma

carta escrita por um beneditino da Universidade de Heidelberg, em 1507.143 O

documento descreve as qualidades daquele: médico, necromante, astrônomo e

astrólogo, mágico de segundo grau, quiromante, aeromante, piromante,

hidromante em segundo grau, filósofo e semideus. Loucura, gracejo? Segundo os

historiadores, excetuada a blasfêmia evidente, não necessariamente. A pessoa

nomeada na carta seria um estudioso, um alquimista, em algum momento ligado

à Universidade e integrado ao movimento dos humanistas. Banido dos círculos

universitários, em razão de suas experiências, teria circulado pela Europa, em

constante fuga das lutas religiosas do século XVI. Após sua morte, a fama que

granjeara em vida, transforma-se em lenda de gosto popular, com o argumento

básico da narrativa constituído pelo pacto entre um homem e Satã, não

exclusivamente pela vida eterna, mas pela juventude por um período pré-

acordado. Ao final daquele período, o médico morre, tornando-se escravo do

diabo pela eternidade.

A obra de 1587 divulgou amplamente a história, recebendo vinte e duas

edições em alemão e traduções em diferentes línguas antes do fim desse século.

Em 1594, foi encenada com grande sucesso, e publicada uma década depois,

The tragical history of Dr. Faustus, escrita por Christopher Marlowe .144 Duzentos

anos depois, a partir de Goethe, o drama fáustico toma lugar nos espaços da

grande literatura, um texto no qual as imagens do médico e do anjo das trevas se

143 LECOURT, 1996. passim. 144 A polêmica em torno da obra de Marlowe se mantém viva: obra em defesa da cristandade ou blasfêmia, desde ali, a invocação das forças diabólicas para vencer a natureza mortal ocupa espaço privilegiado nas letras.

confundem na exibição de força e vitalidade vencendo a morte e nas nefandas e

asquerosas conseqüências desta heresia desnaturada. Posteriormente, Fausto

se multiplica em penas diversas, com o mesmo nome ou disfarçado em outras

personæ. Os mistérios das metamorfoses do belo e sedutor Satanás, desde

Tasso até Baudelaire e Oscar Wilde, são desvendadas pelo olhar praziano.145 Na

esfera do idioma português, está Primeiro Fausto, de Fernando Pessoa.

No poema de Bernardo, a identidade com a grande obra alemã é evidente

desde os primeiros versos:

Meia-noite soou na floresta No relógio de sino de pau; E a velhinha, rainha da festa, Se assentou sobre o grande jirau (4) E a rainha co’as mãos ressequidas O sinal por três vezes foi dando, A coorte das almas perdidas Desta sorte ao batuque chamando: (32) Mil duendes dos antros saíram Batucando e batendo matracas, E mil bruxas uivando surgiram, Cavalgando em compridas estacas. (68)146

A imagem da rainha da festa, uma velha, é a convencional para as bruxas.

O horário da orgia, a meia noite, os partícipes da reunião, as almas perdidas, os

duendes e as bruxas, não deixam dúvidas quanto ao sentido dos

acontecimentos, trata-se de um encontro das criaturas da mesma estirpe

degradada que se reúnem no monte Brocken, no episódio da “Noite dos

Valpúrgis”, do Fausto:

Das bruxas corre ao monte Brocken a horda, O restolhal de pó transborda. Junta-se ali todo o montão, No topo monta Dom Urião. Por paus e pedras tudo acode,

145 PRAZ, 1996, p. 69-379. 146 GUIMARÃES, (1865) 1959, p. 144-151. Edição organizada por Alphonsus de Guimarães. Consultas complementares terão por base a edição organizada por Duda Machado, 1992. Ao lado do último verso de cada estrofe, o número daquele, entre parênteses — e assim, daqui para adiante.

Peida a bruxa, fede o bode. (3961) Honra, pois, a quem honra cabe. A velha à frente, já se sabe! Porca robusta e anciã peralta, Das bruxas segue toda a malta. (3967) Isso arfa, apita, uiva, estrebucha! (4016) 147

No período de quinze ou vinte anos que antecede a produção poética de

Bernardo Guimarães, a literatura européia do satanismo é objeto de interesse

para autores das mais diferentes estaturas e influências, surgindo tanto em

narrativas como em versos. Praz demonstra a presença basal da carne, do

sangue e da morte no romantismo. Sem que se recuse a presença fundadora do

texto goethiano no poema bernardino, ao contrário, aceitando como válida a

possibilidade de ele ser uma espécie de caixa de pandora dos vícios humanos

postos em páginas literárias, há na literatura satânica outro texto com o qual a “A

orgia dos duendes” guardaria importante intertextualidade. Trata-se do poema La

ronde du sabbat, de Victor Hugo, escrito em 1826.148

É evidente o diálogo com o poema francês, apesar das diferenças formais

que o poeta brasileiro cuida de elaborar. Hugo monta o seu poema em duas

partes contínuas, a primeira com uma única estrofe, com quarenta e dois versos

alexandrinos, e a segunda com dez estrofes, de nove versos em redondilha

menor, intercalados por estrofes de refrão, formadas por dois versos cada uma

delas e, ao final, uma quadra de versos alexandrinos. Bernardo havia dividido o

seu poema em cinco partes, com a estrofação em quadras. O ritmo do poema do

sabá é ditado pelo refrão, na orgia, pelo magnífico arranjo métrico, anotado

acima.

147 GOETHE, (1829?) 2004, p. 433-469. Tradução de Jenny Klabin Segall. Consultas adicionais, quando necessárias, referem-se à tradução francesa de Gerárd de Nerval, segundo consta, elogiada pelo autor. Idem quanto à numeração dos versos. 148 HUGO, s/d, Odes et ballades (1828).

Destaquemos outras semelhanças e diferenças.

O espaço dos acontecimentos no poema francês é o grande salão, de

negras paredes do monastério; na orgia bernardina é a floresta ampla e

efervescente. No poema brasileiro a hora é a décima segunda, anunciada pelo

grotesco relógio do sino de pau que toca na noite tropical, um eco pálido das

badaladas que ressoam no campanário, fazendo tremer o ar das salas

abandonadas e dos campos adormecidos da noite européia.149 Em La ronde

quem preside os trabalhos é Satã, na orgia uma velhinha é a Rainha da festa. Os

personagens em ambos são os mesmos, comuns à literatura satânica: bruxas,

duendes, seres rastejantes e da ordem do grotesco de modo geral. No poema

francês, os comparsas convocados pelo diabo são: filhas e irmãs, anões de pés

caprinos, vampiros femininos, judeus, boêmios, loucos, espectros, bodes,

clérigos imundos. Na orgia dos duendes a coorte é tropical: lagartixas de rabo

vermelho e cobras. Nela, aos pecadores e anatematizados são dados nomes

próprios, como Magalhães já observou. E são eles que tomam a palavra para

desfiarem suas proezas viciadas, enquanto nos versos hugoanos o diabo lista os

pecados das vis criaturas.

No fechamento do poema Bernardo propõe uma solução que, sem perder

a semelhança com o texto francês, se mostra relativamente original. Em Hugo,

Satã antecipa a chegada da aurora, impondo a todos a palavra mágica,

Abracadabra!, com a qual os malditos e desgraçados se precipitam aos infernos,

ao encontro dele. Quase imediatamente amanhece, a luz clareia as arcadas

tenebrosas da sala dos túmulos, os mortos repousam em seus lugares. É o

mesmo desfecho do conto Fête nocturne ou Assemblée des sorciers, de Charles

149 L'esprit de minuit passe, et, répandant l'effroi, Douze fois se balance au battant du beffroi. Le bruit ébranle l'air [...]. HUGO, op. cit., p. 194.

Nodier, que termina com um jovem se livrando das garras do diabo e seus

asseclas, graças à chegada da aurora, que expulsa a turma maldita para as

profundezas infernais e recupera o espaço da floresta para a vida.150

Em “A orgia dos duendes”, quem chega para tanger a súcia é a Morte — o

diabo esteve representado, mas não participou da festa. E toma suas

providências de modo dramático, no momento em que as danças orgiásticas

atingem o paroxismo:

Mais veloz, mais veloz, mais ainda Ferve a dança como um corrupio. (212) Hediondo esqueleto aos arrancos Chocalhava nas abas da sela; Era a Morte, que vinha de tranco Amontada numa égua amarela. (216) [...] “Fora, fora! esqueletos poentos, Lobisomes, e bruxas mirradas! Para a cova esses ossos nojentos! Para o inferno essas almas danadas!” (228) Um estouro rebenta nas selvas, Que recendem com cheiro de enxofre; E na terra por baixo das relvas Toda a súcia sumiu-se de chofre. (232)

O resultado da metamorfose é apresentado por uma imagem sublime,

contraponto radical às imagens baixas trazidas até então pelo texto:

E aos primeiros albores do dia Nem ao menos se viam vestígios Da nefanda, asquerosa folia, Dessa noite de horrendos prodígios. E nos ramos saltavam as aves Gorjeando canoros queixumes, E brincavam as auras suaves Entre as flores colhendo perfumes. E na sombra daquele arvoredo, Que inda há pouco viu tantos horrores, Passeando sozinha e sem medo Linda virgem cismava de amores. (244)

150 NODIER, 1822, Fête nocturne, ou Assemblée de Sorciers, p. 133-141.

Uma aparição referendada pela imagem feminina do romantismo

canônico brasileiro, das virgens etéreas, desumanamente sublimadas,

compostas sobre desejos carnais reprimidos, porém denunciados pela

insistência na imagem, como fica evidente logo que um ainda romântico

Castro Alves dá às mulheres uma carnalidade humanizada, sem que por isso

elas percam o status de musas inspiradoras de sua poesia sublime. No

contraste que estabelece, Bernardo faz a denúncia que a arte grotesca

exercita, como observa Wolfgang Kaiser, ao encontrar o ponto comum entre

pinturas tão como as de Bosch, Bruegel e Rafael:

O mundo do grotesco é o nosso mundo — e não o é. O horror, mesclado ao sorriso tem seu fundamento justamente na experiência de que nosso mundo confiável e aparentemente arrimado numa ordem firme, se alheia sob a irrupção de poderes abissais, se desarticula nas juntas e se dissolve em suas ordenações.151

A observação é fundamental para uma adequada valorização da

originalidade com que o poema de Bernardo trata da experiência da

metamorfose, constituinte fundamental da estética do satanismo. A

transformação ocorrida na natureza das coisas ali é notável, mas não é

incomum: florestas tenebrosas ou monastérios lúgubres se transmudam

freqüentemente em jardins floridos, como se viu nos textos indicados.

Aparentemente original é a substituição dos seres infernais por uma linda

virgem. Uma inversão da tradicional transformação da imagem feminina ideal

em terrível bruxa, comum aos textos do grotesco e das lendas populares

européias, que mimetizam assim a ordem natural das coisas biológicas: da

juventude para a velhice, da vitalidade para a degradação. Processo notável

em Albertus, l’âme et le peché, légende théologique, de Théophile de Gautier,

poema no qual o protagonista seduz uma bela e jovem mulher, que

151 KAISER, 2003, p. 40.

desaparece como por encanto.152 Disposto a enfrentar todos os perigos, o

herói percorre os territórios do sobrenatural, lá descobre que sua amada é

uma bruxa tenebrosa. O mesmo ocorre no conto de Nodier, citado acima, os

elegantes convivas da festa são, confessadamente, feiticeiras e feiticeiros e o

personagem que conversa com o protagonista é o diabo em pessoa.153 Para

espanto do moço, todos têm a aparência de mulheres lindas e homens belos.

Porém, diante da recusa do convite para se associar ao diabo e a persignação

de esconjuro que faz, todos se transformam em morcegos e corujas, em seres

infernais, realizando a metamorfose.

A história de Nodier terá chegado ao poeta brasileiro, senão

diretamente, pelo menos indiretamente, por intermédio de Hugo, pois entre o

que escrevem os dois franceses a intertextualidade é assumida. O poema de

um é dedicado ao outro. Smarra, de 1821, aparece na fala convocatória de

Satã, como equivalente ao sonho, que deve ser suspenso, eliminado.154 O

texto da Fête tem título, tema e desenlace similar ao poema de Hugo e

daquele de Bernardo: festa noturna, assembléia de feiticeiros, aurora e

metamorfose.

Estaria nestes termos a identidade européia do poema bernardino.

Identidade que se constitui em meio a parcerias da alta literatura e arte —

Goethe, Hugo, Nodier, Goya, Bruegel e Bosch — produzindo originalidade

autoral a partir de arriscados exercícios de releitura. Qualidades e parentescos

a exigirem, desde já, uma revisão do lugar de Bernardo no cânone.

Porém, considerado apenas um poema europeu, ele não funcionaria no

romantismo nacionalista, uma vez que estaria na posição de uma negatividade 152 GAUTHIER, 2004, Albertus, ou l’âme et le péché, légende théologique (1832), p. 9-58. 153 NODIER, op. cit. 154 NODIER, 1821, Smarra, ou Les démons de la nuit, songes romantiques, p. 133-141.

absoluta do sentido que o objeto literário faz acontecer no contexto em que foi

concebido, caso no qual ele, objeto, não existiria. Bourdieu, ao estudar o lugar

de Baudelaire, demonstra que o lugar do escritor é construído, mesmo

daqueles mais excêntricos, como procuramos demonstrar ao discutir o lugar

de Bernardo, no capítulo anterior: a obra mais absurda e inexeqüível não se

livra do contexto.155 Ao contrário, mesmo considerando “A orgia dos duendes”

como um exercício do contraditório à moda ou seu lugar à margem, o poema

foi considerado presente no campo literário, estando, inclusive, nos discursos

de enunciação do cânone: as histórias da literatura e as antologias. É

necessário, então, elaborar de que modo tal presença existe no romantismo

brasileiro. Ao nosso ver, como se fora um portal do paraíso.

4. 2. 2 O paraíso terreal, o inferno tropical e a floresta romântica

Em que pesem as qualidades do texto do poema levantadas até agora,

que não ficam a dever aos mestres europeus da estética satânica, a grandeza

de “A orgia dos duendes” se consagrará naquilo que interfere e altera no

imaginário do romantismo e, desde ali, nos valores vigentes no campo literário

brasileiro, ainda nos dias de hoje. Um habitus que reconhece floresta e

natureza como espaços paradisíacos e, ao mesmo tempo, genuinamente

próprios da nacionalidade brasileira.

A identificação do Novo Mundo com o paraíso é tão antiga quanto os

primeiros movimentos da conquista dessas vastas terras pelos europeus.

Colombo, extasiado diante do que via, apontara os indícios de estar ali o “Paraíso

155 BOURDIEU, 1992. La conquête de l’autonomie, p. 75-164. Ver, também, MAINGUENEAU, 2001, A paratropia do escritor, p. 27-43 e A vida e a obra, p. 45-62.

Terrenal”, imaginado por teólogos e santos.156 Numa temporalidade que se

confunde com a dele, Américo Vespúcio anuncia a grandeza que se colocava

diante de seus olhos:

A terra daquelas regiões é muito fértil e amena [...] e abundante em grandíssimos rios, banhada de saudáveis fontes, com selvas amplíssimas e densas, pouco penetráveis, copiosa e cheia de todo gênero de feras. Ali principalmente as árvores crescem sem cultivador, muitas das quais dão frutos deleitáveis e úteis aos corpos humanos; outras não dão nada. [...] Se quisesse lembrar cada coisa que ali existe e escrever sobre os numerosos gêneros de animais e a multidão deles, a coisa se tornaria totalmente prolixa e imensa. [...] Ali todas as árvores são odoríficas e cada uma emite de si gomas, óleo ou algum outro líquido cujas propriedades, se fossem por nós conhecidas, não duvido que seriam saudáveis aos corpos humanos. Certamente, se o paraíso terrestre existe em alguma parte da terra, creio que não deve ser longe destas regiões [...] nunca há invernos gelados nem verões férvidos.157

A idéia de paraíso, antes de ser de indivíduos pertence à cristandade —

Criação, bem-aventurança e vida eterna após a morte, desejo, pecado e

degradação eterna são a perpetuação de antigas e diversas crenças e

concepções de mundo pela doutrina cristã. Uma articulação condizente com o

papel desempenhado pelo discurso da Igreja nas grandes navegações e na

conquista das terras além mar: fornecedor do substrato imaginário para o

empreendimento.

A descoberta de um caminho para o Oriente contornando a África e a

possessão das vastas terras a Oeste, nos séculos XV e XVI, foi uma realização

tremenda. Uma ação eminentemente pragmática, de cunho político e mercantil,

evidente nos tratados, cartas e comunicações, envolvendo governos e

156 COLOMBO, 1492. In: RIBEIRO; MOREIRA NETO, 1992, p. 19. 157 VESPÚCIO, (1503/15004) 2003, p. 45-47 e p. 184. Grifo nosso. Em carta enviada de Lisboa, em 1502, o navegador enviara uma carta a Lorenzo de Médici, na qual a alusão ao paraíso terreal é quase do mesmo teor: “Algumas vezes me maravilhei tanto com os suaves odores das ervas e das flores e com os sabores dessas frutas e raízes, tanto pensava comigo estar perto do paraíso terrestre; no meio desses alimentos podia acreditar estar próximo dele”. As dúvidas sobre a veracidade dos documentos são muitas, porém, no que interessa a esta tese, o ponto central está na evidência da circulação dos textos, na época em que se propala, indiciando o contexto simbólico-imagético que se quer estabelecer.

associações mercantis. Contudo, em todos os documentos que se possa ler,

emana uma razão pontifícia e religiosa. Em nome da difusão dos ensinamentos

de Cristo e da salvação das almas, sem, todavia, esconder os propósitos

políticos, os decretos papais abençoam as viagens, incentivam a conquista da

terra e submissão de seus povos, sem prescindir da violência extrema para a

realização dos objetivos.158 A convergência entre os interesses da Igreja e dos

Estados teria uma de suas bases na idéia da prevalência natural da religião

católica sobre as outras: as religiões, mitos e costumes que se lhe opõem são

espaços sobre os quais se projetam o terror, o medo e o pecado e, portanto,

deverão ser suprimidos ou, no mínimo, adaptados e transformados. Assim, as

imagens políticas e religiosas se aproximariam, com a antevisão do paraíso

cristão trazendo a possibilidade de uma vida de bonança na terra, um paraíso

terreal, convenientemente projetada nas terras além mar.

A todo paraíso corresponde um inferno, como o Gênesis deixa claro. Uma

concepção herdada do imaginário greco-romano, que identificava os demais

povos enquanto bárbaros e povoava os espaços desconhecidos com

monstros.159 Um imaginário mais ou menos controlado pela razão renascentista e

pelo relativo realismo pragmático dos navegadores portugueses, porém, jamais

erradicado completamente dos corações e das mentes européias. Ao contrário,

ela se manteria atuante e de um modo eficaz.

É de Camões, poeta e soldado, a palavra literária que dá conta dessa

complexidade. Em Os lusíadas, no momento da viagem em que se vêem diante do 158 RIBEIRO & MOREIRA NETO, op. cit. p., 16-18 e p. 65-74. Os decretos autorizam dominar, escravizar, matar terras e gentes. Em menos de 100 anos, milhões de índios são mortos e escravizados, ou se internam fundo nas florestas centrais. Nos duzentos anos seguintes a empresa continua, quando povos africanos inteiros sofrerão a mesma sorte, sendo deslocados de suas terras para trabalhar como escravos nas colônias européias na América. Holocaustos mantidos esquecidos na história humana escrita pelo engenho e arte dos vencedores. 159 Uma síntese da vária mitologia infernal e de seu processo de adaptação pela igreja romana está em GOFF, (1981) 1995, p. 35-64.

rochedo dominante da passagem de águas revoltas e perigosas, os marinheiros

portugueses alucinam uma visão aterrorizante. A pedra se transmuda numa

enorme criatura, pronta para se contrapor aos elevados destinos previstos para os

aventureiros.

Tão Grande era de membros, que bem posso Certificar-te que este era o segundo De Rodes estranhíssimo Colosso, Que um dos sete milagres foi do mundo: C’um tom de voz nos fala horrendo e grosso Que pareceu sair do mar profundo, Arrepiam-se as carnes e o cabelo A mi, e a todos, só de ouvi-lo e vê-lo.160

Entretanto, como que para afiançar o pragmatismo daquela mão que

escreve e, também, combate, a mesma visão aterrorizante servirá para incentivar

a empresa.

Pois vens ver os segredos escondidos, Da natureza, e do úmido elemento, A nenhum grande humano concebidos; De nobre, ou de imortal conhecimento [...].

Esta adaptação do mitológico aos interesses pragmáticos teve seus

fundamentos reforçados na própria experiência dos navegadores. Para Sérgio

Buarque, a visão do paraíso, do tempo da expansão ibérico-cristão, não seria

“uma sugestão metafísica ou uma passageira fantasia, mas uma idéia fixa, que

ramificada em numerosos derivados ou variantes acompanha ou precede a

atividade dos conquistadores nas Índias de Castella”. No que tange aos

portugueses, o que se condicionara desde uma tradição mítica, encontra

evidências materiais importantes, quando as caravelas transpõem a foz do

Senegal. A costa africana, até ali inóspita, revela-se “o espetáculo de um país

verdejante, florido e fértil, como a lhes lembrar um sítio encantado”, visão que

160 CAMÕES, (1572) 1931, p. 159-192.

teria seu espelho nas costas das terras transatlânticas.161 Uma nova imagem que

deixaria de ser reflexo para rapidamente se concretizar na materialidade de

índios, madeiras, animais e espaço territorial à disposição do cristão que se

aventurasse.

A carta de Pero Vaz de Caminha é exemplar das profundas relações entre o

discurso que antevê o paraíso, mas não esquece os medos do outro e do

desconhecido.162 Água, animais, pássaros, peixes, frutos, palmitos e lenha não

faltam, a pureza dos índios e índias, sempre nus, é enfatizada e as possibilidades

de uma relação pacífica entre eles e os portugueses é repetidamente anotada.

Mas há sempre o cuidado em manter os exploradores na segurança dos espaços

praianos e ribeirinhos, dominados pelos navios e batéis. Afastar-se e se misturar

com os índios para além daquelas linhas seguras, apenas os degredados. A

relação entre espaços litorâneos e segurança é uma idéia que permanece ainda no

século XVII, quando o frei Vicente de Salvador acusa os portugueses de não

promoverem a interiorização da colônia: “mas se contentam de as andar

arranhando ao longo do mar como caranguejos”.163

Idealização dos vastos espaços da terra brasilis, cobiça pelas riquezas

que ela guardaria e terror das feras que nela habitariam são sentimentos que

integram o imaginário dos europeus que delas se aproximam. José de Anchieta,

significante de texto fundador da nacionalidade louva as primícias da terra:164

Todo o Brasil é um jardim em frescura e bosque e não se vê em todo o ano árvore nem erva seca. Os arvoredos vão às nuvens de admirável altura e grossura e variedade de espécies. Muitos dão bons frutos e o que lhes dá graça é que há neles muitos passarinhos de grande

161 BUARQUE DE HOLLANDA, 1959, respectivamente p. 17 e p. 10. 162 CAMINHA (1500), In CASTRO, 1985, p. 39-98 passim. 163 SALVADOR, frei Vivente. História do Brasil 1500-1627. São Paulo: Melhoramentos, 1965, p. 61. Apud. GIUCCI, 1993, p. 190. 164 Texto fundador tomado no sentido que utilizou Darcy Ribeiro para escolher os textos de A fundação do Brasil: testemunhos, 1500-1700, ver bibliografia RIBEIRO & MOREIRA NETO, 1992. Um conceito também experimentado por ORLANDI, 1993.

formosura e variedade e em seu canto não dão vantagem aos rouxinóis, pintassilgos, colorinos, e canários de Portugal, e fazem uma harmonia quando um homem vai por esse caminho, que é para louvar o Senhor, e os bosques são tão frescos que os lindos e artificiais de Portugal ficam muito abaixo. Há muitas árvores de cedro, áquila, sândalos e outros paus de bom odor e várias cores e tantas diferenças de folhas e flores que para a vista é grande recreação e pela muita variedade não se cansa de ver.165

Entretanto, os contornos utópicos do discurso não significam um

desarmamento do espírito do padre integrado ao exército conquistador,

disputando território contra os índios e calvinistas. Numa carta aos superiores,

Anchieta mostra saber que o espaço paradisíaco é, ao mesmo tempo, ambiente

da ferocidade, do pecado e da iniqüidade: “[...] levando continuamente os

escravos, mulheres e filhos dos Cristãos, matando-os e comendo-os [...]”.166

O canibalismo concentra todos os medos, tanto que, no mesmo

diapasão, o náufrago Hans Staden observa: “Fazem isso não para matar a

fome, mas por hostilidade, por grande ódio [...]”.167 A descrição do ritual

antropófago é detalhada nas preliminares — a guerra, o aprisionamento, o

recolhimento, e a preparação — e na execução — a morte, o esquartejamento,

a divisão dos despojos e o ato canibal propriamente dito. A importância do texto

de Staden, na constituição do imaginário sobre o índio, é muito central. Lançado

como livro, em várias edições e línguas, ele continha um relato verossímel,

multiplicado em inúmeras edições, parte delas ilustradas, unindo a capacidade

metafórica do texto e a força da imagem pictórica.168 O impacto do canibalismo

sobre os europeus é violentíssimo do ponto de vista moral e ético. Laura de

Mello e Souza anota a relação que o europeu culto estabeleceu, no início do

165 ANCHIETA, 1933, p. 430-431. O trecho é o preferido das antologias. 166 ANCHIETA, 1933, p. 196-240. A carta ao Geral da Ordem, datada de 8 de janeiro de 1565, é longa, detalhando a vida e revelando a mentalidade do índio. 167 STADEN, Hans. Duas viagens ao Brasil. In RIBEIRO & MOREIRA NETO,1992, p. 170-172. 168 Figura 6. [A cena do canibalismo]. STADEN, 1557. Uma das muitas imagens sobre o canibalismo. A presença de crianças nas imagens ressalta a banalidade do ato bárbaro entre os selvagens.

Figura 6

Nota 168: [A cena do canibalismo]. In: STADEN, Hans. Warhaftige be schreibung eyner landschafft der wilden

nacketen grimmigen menschenfresserleuthen in der newen welt America gelegen […] Getrucftzu Marpurg: bei Andres Colben uff Mariae Geburtstage, 1557. p. 167.

Fundação Biblioteca Nacional: www.bn.br/XXXX. Acesso em 18 mar 2006.

século XVI, entre o canibalismo ritual dos tupinambás e as referências medievais

do canibalismo das bruxas. 169

O destino de náufragos caídos nas mãos dos selvagens é relatado por frei

Vicente de Salvador:

[...] que por todos que eram mais de cem pessoas, os quais, posto que escaparam do naufrágio com vida, não escaparam do gentio caité que naquele tempo senhoreava aquela costa, o qual, depois de roubados e despidos, os prenderam e ataram com cordas, e poucos a poucos os foram matando e comendo [...].170

Sob o ato selvagem se reúne toda a ritualística cosmográfica, religiosa e

social dos habitantes autóctones, servindo de perfeita justificativa para as ações

civilizatórias no mínimo tão cruéis quanto o ritual a ser combatido. A superação

desta relação de causa e conseqüência somente aconteceria e, de um modo

relativo, duzentos anos depois, quando o suíço Jean-Jacques Rousseau relê o

que o francês Montaigne escreveu sobre o canibal e eleva o selvagem da terra

brasilis o modelo para a igualdade entre os homens.

Mentalidade similar ao do padre jesuíta impregna o discurso de Jean

Léry, religioso calvinista que esteve na França Antártica.171 O texto fala das

gentes, descrevendo detidamente os corpos e as relações sociais dos índios

com seus pares e com os estrangeiros. Os mamíferos, as cobras e serpentes,

os lagartos, os tatus e “outros animais monstruosos”, os pássaros e papagaios,

os grandes morcegos, abelhas, moscas, mosquitos, escorpiões, caranguejos e

vermes estranhos são descritos nas minúcias de sua morfologia e

169 SOUZA, op. cit. p. 42-43 e 206-207. 170 SALVADOR, frei Vicente. História do Brasil 1500-1627. São Paulo: Ed. Itatiaia, 1982. p. 147-148. In: RIBEIRO & MOREIRA NETO, 1992. p. 175. 171 LÉRY, (1578) 1994. Depois da edição de 1578, surgiram outras quatro em língua francesa, durante a vida do autor. Antes do final século XVIII, apareceram traduções em latim, italiano, alemão, holandês e inglês, indicando ampla circulação do discurso francês no imaginário europeu. A presença de vários exemplares destas edições no acervo da Biblioteca Nacional brasileira, algumas com o carimbo da Real Biblioteca de Lisboa, indicam a recepção do texto também no mundo português. Segundo Levi Strauss o texto de Léry é uma “obra capital da literatura etnográfica”, expressão utilizada em Tristes Trópicos (1955) e relembrada na entrevista que abre a edição consultada. LÉRY, (1578) 1994, p. 5.

comportamentos. Quando descreve a vegetação, da qual o índio tira a

mandioca e o milho e o europeu cobiça o pau-brasil, o texto é escritural: cada

árvore, cada palma, cada raiz recebe observações detalhadas. Ao final, diante

da grandeza do que vê, o calvinista é bíblico, na afirmação do aspecto divino do

espetáculo que presencia: “O Senhor Deus o quanto tuas obras diversas são

maravilhas para o mundo inteiro: o que tu fizeste por grande sabedoria! Em

suma, a terra estará plena de tua generosidade”.172 A mensagem do salmo 104,

versículo 24, da tradução huguenote, de 1562, é precisa, invocando os poderes

divinos na criação da terra prometida a Abraão, ou seja, um paraíso terrestre.

O religioso francês sugere uma casualidade na escolha do trecho bíblico,

mas tal característica se mostra relativa, pois a frase é um elo preciso entre o

utópico e o pecaminoso que, naquele paraíso, se revelam claramente aos olhos

de Deus e dos homens de boa vontade, como no Éden os pecados de Adão,

Eva e Caim. Aquelas palavras enfeixam e concluem os capítulos sobre as

primícias da terra e servem de preâmbulo para os capítulos seguintes, que

descreverão as provações do europeu nos trópicos, a guerra, a ardileza e as

armas dos selvagens, seus costumes pagãos, o canibalismo e o casamento

consangüíneo: o inferno na terra.173

Para o europeu, os espaços da floresta, de qualquer floresta, nunca

foram de fácil assimilação. Nela, realidade e imaginário se misturaram. Lugar

de sombras e caminhos estreitos sem fim, seria o ambiente das feras, dos

seres rastejantes e voadores, dos proscritos, ladrões e bandidos, desde

172 Cf. LÉRY, p. 334. O salmo 104, versículo 24, da tradução huguenote, de 1562 — O Seigneur Dieu que tes oeuvres divers sont merveilleux para le monde univers: O que tu as tout fait par grand sagesse ! Bref, la terre est pleine de ta largesse — corresponderia ao salmo 103, versículo 24, na versão romana. 173 Figura 7. [A tentação na terra]. Grav. Théodore de Bry. In: LÉRY (1578), 1994.

Figura 7

Nota 173: [A tentação na terra]. Gravura de Théodore de Bry. In.: LÉRY, Jean de. Histoire d’um Voyage faict en la terre du Brésil (1578).

Texte établi, présenté et annoté par Frank Lestringant d’aprés 2e édition 1580. Paris: Le Livre de Poche, 1994.

tempos imemoriais. Ambiente das plantas e das ervas, ela seria o lugar dos

druidas e os feiticeiros, nomes ligados aos ritos secretos e expurgados do

cotidiano cristão. Sendo isso tudo, a floresta possuiria uma “virtualidade”, nela

trafegariam as forças de Lúcifer. O encontro com a floresta guarda o

significado da morte, como Macbeth sabia.174

Nos trópicos, a situação é mais complicada, pois os espaços não estão

demarcados em suas diferenças e não há distâncias que protejam os

personagens, a terra toda e a floresta se confundem, o único espaço diferenciado

está nas estreitas linhas das praias. Os medos se potencializam. Luxuriante e

densa, a selva tropical seria impenetrável para o europeu, nela vivem as feras e

os animais, o único que ali habita é o índio, sem demora considerado um animal:

“Como conviver com a natureza de dimensões tão poderosas e obscuras senão

sendo meio animal”.175 Idéia para a qual os ritos canibais tão bem contribuíram.

O teatro de Anchieta é exemplar da vigência destas dicotomias:

civilização-floresta, índio-natureza. Uma carta do padre Fernão Cardim, de 1585,

relata uma visita a uma aldeia, recebida com um teatro dos índios. Na entrada,

sob um arvoredo, as encenações dos curumins nus, cantando e tocando cantigas

pastoris: “Nem faltou um Anhangá, scilicet diabo, que saiu do mato. [...]. A esta

figura fazem os índios muita festa por causa de sua formosura, gatinhas e

trejeitos que faz [...]”.176

No teatro jesuítico, o índio se transveste em romano, cristão e santo, em

César, Pompeu, Nero e Júpiter, em anjo, demônio e pajé, índio bom e índio mal.

174 O destino de Macbeth dependeu da distância que conseguiu manter da floresta de Birnam. 175 NEVES, 1980, p. 54. Esta questão seria discutida por Manuel da Nóbrega, em pelo menos duas vezes, no discurso sobre a conversão do gentio e nas cartas do Brasil, como observa o autor. Vinculada diretamente ao debate sobre a presença de uma alma divina no índio, apresenta-se central para a política escravista, do índio e do negro. 176 Citado por PRADO, O teatro colonial In: PIZZARRO, 1993, p. 415-463.

Como observa Décio de Almeida Prado, um caos histórico que se comporia com

um único objetivo: tornar compreensível a luta entre o bem e o mal e esclarecer o

lugar de cada um, principalmente o do índio, no concerto do reino de Deus na

terra.177 O corpo do índio é o objeto da metamorfose que é o grande projeto de

adaptação direta e local do imaginário europeu nos espaços brasílicos — em

outras palavras, a tentativa de ocupação do grande cenário formado pelo conjunto

aldeia-floresta. Uma expressão literária do sentido da missão da companhia de

Jesus, os soldados de Cristo.

A ação jesuítica na cena da colonização teria o compromisso em fazer

acontecer o cristianismo.178 O achamento do novo mundo criara a oportunidade

de uma espécie de “re-encontro com regiões de si que se teriam afastado física e

mentalmente” e não o habitual encontro com o Outro, enquanto uma alteridade

diferenciada. O novo mundo seria um espaço de luta no qual o missionário é

posto a prova em sua coragem e ardileza, no combate contra aquele único

ousado o suficiente para enfrentar os desígnios divinos, o demônio. O trabalho da

catequese seria não deixar espaço para o mal ocupar, nem no coração e na alma

dos homens, nem na terra, onde eles vivem afinal, aquele bem poderia ser o

espaço do paraíso. Neste sentido, o índio a ser catequizado e, no romantismo,

alçado à categoria de ícone da nacionalidade, pouca importância teria, sendo

inclusive eliminado como povo capaz de opor uma resistência efetiva ao

cristianismo. O quê esteve em jogo sempre foi a redução do mundo estranho a

esquemas mentais europeus — Novo Mundo, paraíso ou inferno, habitado por

anjos ou por feras-humanas, imagens do imaginário do homem europeu, nada

menos que isso.

177 PRADO, op. cit. 178 NEVES, 1978.

Nos séculos seguintes, o mito edênico se atualiza, sempre servindo de

substrato para o avanço da civilização, unindo um ideal mítico e o pragmatismo

cobiçoso.

Os argumentos de Simão de Vasconcelos sobre esta possibilidade são

relativamente simples, mas grandemente ousados — por eles foi ameaçado de

processo por heresia.179 A tradição clássica e os doutores da Igreja previram o

paraíso terreal nas regiões orientais, posto que nada fora encontrado por lá, sua

localização bem poderia estar nas latitudes brasílicas.

A permanência dos mitos edênicos sobre a floresta e a natureza brasílica é

um contraponto importante à dura realidade que foi a interiorização do projeto

colonizador, uma história de miséria, fome e doenças e de violências e

barbaridades. Transpor as serras, penetrar nos sertões terá exigido que se

projetasse sobre esse interior mitologia similar àquela que impulsionou os

navegadores portugueses. Uma terra prometida, não apenas das primícias

sublimes, mas de uma concretude mineral de tesouros fantásticos em ouro, prata e

pedras preciosas.

O donatário Duarte Coelho é claro quanto às intenções e consciente

quanto às dificuldades da empreitada:

Quanto Senhor, às cousas do ouro, nunca deixo de inquirir e procurar sobre o negócio e cada dia se esquentam mais as novas mas como sejam longe daqui [...] e se há de passar por três gerações de mui perversa e bestial gente [...] há de se passar esta jornada com muito perigo e trabalho [...] não se pode fazer senão indo como se deve ir [...] e não fazer como os do Rio da Prata que se perderam passante de mil homens castelhanos e como os do Maranhão que se perderam setecentos [...].180

179 VASCONCELOS (1663), “Notícias antecedentes, curiosas e necessárias das cousas do Brasil”, In RIBEIRO; MOREIRA NETO, op. cit. p. 117-119. S. de Vasconcelos, provincial e reitor dos colégios jesuítas da Bahia e do Rio de Janeiro, usaria argumentos tão ousados que beirariam a heresia, com o trecho de sua Crônica da Companhia de Jesus (1663) sofrendo censura da própria Ordem, informa Sérgio Buarque, quando divulga o texto, na terceira edição de Visão do Paraíso, em 1977. 180 COELHO (1542), Carta de Duarte Coelho a El Rei, 1542. In: RIBEIRO; MOREIRA NETO, op.cit., p. 361.

Entre realizações e frustrações dos desbravadores, o mesmo padre Simão

de Vasconcelos expõe uma visão da riqueza hiperbólica desse paraíso material:

[...] descobriu Sebastião Fernandes uma grande, e formosa pedreira de esmeraldas, e outra de safiras, que estão junto a uma lagoa; e 60 ou 70 léguas da barra do Rio Doce para o sertão ao redor do mesmo rio, vieram dar com umas serras cheias de arvoredo, onde também se acharam pedras verdes. Correram mais acima 4, ou 5 léguas para a parte Sul, deram em outra serra, onde lhes afirmou o gentio, havia pedras verdes, e vermelhas de comprimento de um dedo, e outras azuis, todas resplandecentes. Dessa serra corrente ao Leste pouco mais de légua, deram em outra de fino cristal, que cria em si esmeraldas, e juntamente pedras azuis.181

Em qualquer das formas, a terra vasta é o palco dos acontecimentos e, ao

mesmo tempo, o grande adversário a ser dominado. Floresta ou sertão, nela a

proximidade entre a realização utópica e o fracasso trágico com que personagens

históricos e literários ultrapassem facilmente as fronteiras entre o céu e o inferno,

regiões que se completam no imaginário.

Quase trezentos anos depois de Anchieta escrever que a floresta brasílica

era “um jardim” e cento e oitenta anos após Simão de Vasconcelos argumentar

sobre o paraíso em terras brasileiras, a identificação entre floresta-natureza e

mitos edênicos seria atualizada pelo romantismo, que as eleva à categoria de

imagens constituintes da brasilidade. O exercício resulta na bela e sublime

floresta dos textos de Gonçalves Dias e José de Alencar, uma floresta que a arte

de Bernardo Guimarães mostra quão grotesca ela pode ser.

4. 2. 3 O portal do paraíso: variações em torno da natureza e da floresta

O ideário romântico se instalaria propondo valores nacionalistas para a

literatura, aspecto genotípico do romantismo radical alemão, transposto em

diferentes ritmos pelos países em que o movimento chegou, de acordo com o

181 VASCONCELOS (1663), apud LOPES, 1997, p. 22-23.

respectivo substrato político-cultural.182 No Brasil, em pleno processo de

independência política, acontece um entrelaçamento de influências estabelecido

através da leitura de obras originais de autores das diversas regiões européias.

Porém, a importância da influência francesa na modelagem do romantismo

brasileiro se destaca, através de vários fatores. De um lado, obras alemãs e

inglesas estiveram disponíveis, quase sempre, em traduções francesas, caso do

Fausto por Gérard de Nerval (1828) e Blaise de Bury (1840), proporcionando uma

inflexão relativamente inconsciente, mas importante na recepção dos textos. Por

outro lado, aconteceu uma relação direta entre intelectuais de Paris e estudantes

brasileiros.

Em torno da década de 30, do século XIX, Chateaubriand e Lamartine

dominavam os debates na Societé des Études Historiques, freqüentada no

mesmo período por intelectuais franceses da estirpe de Michelet, Saint-Hilaire e

Debret e pelos jovens Gonçalves de Magalhães, Torres Homem e Araújo Porto-

Alegre, estes fundadores de Nictheroy — Revista Brasiliense, desde aí

consagrados como personagens centrais do campo literário de seu país.183 Uma

influência praticamente naturalizada pela doxa, ainda nos dias atuais, mas que

182 Em cada país em que surge, o romantismo toma uma feição. A partir dos estudos enciclopédicos de Georges Gusdorf (1993), é possível levantar algumas diferenças entre eles. Na Alemanha ele teria um sentido nacionalista, e se articularia, mesmo que pelas diferenças, com um Sturm und Drang denso e consistente. Na Inglaterra, o romantismo seria mais uma invenção de historiadores, pois nenhum movimento clássico unificado e de larga vigência, a ser contraditado, teria ocorrido lá. Byron, o grande nome inglês do movimento, cultivaria uma lira anti-romântica, por exemplo. O que as ilhas britânicas teriam oferecido ao romantismo foram algumas fontes significativas, como as lendas arturianas, Shakespeare e Milton, além de uma farsa, Ossian. O romantismo na França, teria espaço somente na Restauração, sendo defasado em relação ao alemão, um dado esquecido, muitas vezes. A arte da Revolução Francesa, movimento que tanto inspirou o romantismo no restante do mundo, é neoclássica, tal qual a do Império. Sua inspiração inicial mais significativa estaria nas referências de Mme. Staël, que ao apresentar o romantismo alemão, em 1813, enfatiza a dicção romântica da poesia de Goethe, enquanto poesia “musicada” e “cantada” pelo povo. Considerada a importância dos românticos franceses para o movimento brasileiro, este seria um detalhe a ser lembrado para o entendimento das sutilezas da recepção do romantismo e de seus autores pelos intelectuais do país. 183 Beatriz Barel aprofunda a questão. Entre outros pontos, trabalha com a idéia do significado didático e pedagógico da Revista Nichteroy. BAREL, 2002.

tem o significado de ampliar os quadros mentais sobre os quais se escreve o

texto literário brasileiro, como analisam Candido e, mas recentemente, Ana

Beatriz Barel.184

A requerida apropriação transformadora, importante marca do

romantismo, acontece de modo contraditório pois, ao mesmo tempo em que

a crítica exige um modo poético abrasileirado, os valores simbólicos que

estabelecem condições para esta identidade continuam sendo europeus,

como evidencia o valor atribuído aos comentários de Ferdinand Denis,

Almeida Garret entre outros — incluindo-se entre elas a importância da

opinião canônica de Alexandre Herculano, sobre a poesia de Gonçalves

Dias. Contradições constituintes do romantismo brasileiro, fator de sua

identidade e complexidade, como destacamos anteriormente, neste mesmo

capítulo.

No espaço aberto por esta complexidade, está o manifesto de

Gonçalves de Magalhães, de 1836, que denuncia os vícios do modelo

tradicional da poesia brasileira.185 Denuncia e aponta os temas privilegiados

pelo romantismo tropical: a Natureza, naqueles aspectos físicos e naqueles

espécimes animais e botânicas inexistentes em outras regiões e, portanto,

próprios para os artistas nacionais, palmeiras, aves, galhos, laranjeiras, rios.

Sugestões que acompanham aquelas articuladas por Ferdinand Denis,

quando relacionara as influências da natureza tropical sobre a imaginação

184 CANDIDO, 1989, Literatura de dois gumes, p. 163-180. CANDIDO, 1989, Literatura e subdesenvolvimento, p. 140-162. BAREL, 2002. 185 MAGALHÃES, 1994, p. 36-37. “A poesia brasileira não é uma indígena civilizada; é uma grega vestida à francesa e à portuguesa, e climatizada no Brasil; é uma virgem de Melicon que, peregrinando pelo mundo, estragou o seu manto, talhado pelas mãos de Homero, e, sentada à sombra das palmeiras da América, se apraz ainda com as reminiscências da pátria, cuida de ouvir o doce murmúrio da Cartália, o trepido sussurro do Lodo e do Isauro, e toma por rouxinol o sabiá que gorjeia entre os galhos da laranjeira”. Apesar de historicamente o Discurso ser posterior aos poemas reconhecidos como introdutores do movimento, ele é tomado como o seu manifesto e Nictheroy o veículo de comunicação do movimento.

dos homens.186 Citando referências francesas para as origens do

romantismo, especialmente Études sur la nature (1784) e Paul et Virginie

(1787), de Bernardin de Saint-Pierre, ele indica aos europeus o uso que

poderiam fazer dos grandes cenários daquelas regiões. Uma argumentação

que seria devidamente desenvolvida e enriquecida com exemplos retirados

da própria produção dos poetas brasileiros.187 A grandeza dos espaços e da

natureza americana, que tanto marcou a literatura colonial, seria atualizada

para a modernidade romântica, através do francês, aliás, naquele momento

em que lança o texto que o tornaria famoso, menos um literato que um jovem

curioso e observador atento não apenas da situação cultural como da

comercial e política. A posição que adota o levaria a criticar duramente a

poesia de Cláudio Manuel da Costa, por haver o poeta utilizado

preferencialmente metáforas européias e não as que a natureza do novo

mundo lhe proporcionava.

Entretanto, o que se lê apresentado habitualmente como elaboração

francesa, guarda origens alemãs significativas. Investigando o interesse alemão pela

Natureza, Karin Volobuef frisa a essência subjetiva da categoria, advinda da

importante influência da filosofia do Eu, de Fichte sobre as formulações do

movimento romântico.188 Justamente o subjetivismo fichteano daria as bases para o

186 DENIS, 1824. A indicação de determinados temas para serem adotados pelos autores nacionais é uma longa história, na qual se misturam nacionalismo e ocupação de espaço no campo literário com preconceito racial e geográfico pautado por teorias naturalistas dos séculos XVIII e XIX. Faremos algumas indicações sobre o assunto no próximo capítulo. 187 DENIS, 1826. In: CÉSAR, 1978, p. 35-82. 188 VOLOBUEF, 1999, p. 118-129. A autora analisa a prosa de ficção, da qual retira seus variados exemplos, contudo, o que se afirma até aqui não se coloca em desacordo com o entendimento que propomos para o discurso analítico de Goethe, validado por Fausto. Benedito Nunes, estudando a visão romântica de mundo, acompanha as relações entre a filosofia e as realizações literárias românticas. Segundo ele, a filosofia do romantismo derivaria do criticismo kantiano. De um lado a metafísica do Espírito, de Fichte, e a metafísica da Natureza, de Schelling; de outro, estabelecendo as raízes da visão de mundo romântica, um conjunto de sistemas e doutrinas, incluindo a teologia sentimental de Schleiermacher e o realismo mágico de Novalis. Ver também NUNES, 1978. In: GUINSBURG, 2002, p. 51- 74, passim.

rompimento com a estética neoclássica — sob a nova estética, pouco interessaria

ao poeta copiar ou imitar, na medida em que o Belo derivaria do olhar do sujeito.

Forma-se uma nova concepção de beleza para a arte, na qual “poesia” e

“imaginação” substituem o bom gosto.

A Natureza romântica, entretanto, não seria a mesma Natureza do Sturm und

Drang. Com o Goethe de 1774, a Natureza já se apresenta como depositária de

todo o drama humano.

O intenso sentimento do meu coração pela natureza em seu esplendor, sentimento que tanto me deliciava, transformando em paraíso o mundo que me cerca, tornou-se para mim um tormento intolerável, um fantasma que me tortura por toda parte. [...] Eu via todas as forças insondáveis da natureza agir umas sobre as outras, e juntas se fecundarem na profundeza da terra e sob os céus.189

Aquele que fala, escrevendo, é um homem desiludido e distanciado das

grandezas da Natureza: “Outrora [...] eu via em torno de mim tudo germinar e

frondescer”. Reinando sobre o mundo inteiro, ele se reconhece um ser limitado —

“Pobre homem insensato, que julgas todas a coisas pequenas, por que és,

também, tão pequeno?”.

É devida aos Stürmer a idéia do gênio, “não o indivíduo com dotes

excepcionais, mas aquele que se abandona aos impulsos de sua imaginação”,

realizando uma “obra livre e independente de toda injunção externa”, produto do seu

Eu, observa Volobuef. Idéia transformada em metáfora coletiva pelo romantismo, no

qual a feição hiperbólica de versos como “Eu sinto em mim o borbulhar do gênio”, de

Castro Alves, não supera os limites propostos por Musset: “Écouter dans son cœur

lécho de son génie”.190 Subjetivismo e sentimentalismo, melancolia e isolamento,

valorização da originalidade e oposição à normativa clássica, interesse pelo caráter

189 GOETHE, (1774), 1971, p. 65. 190 CUNHA, 1971. O “borbulhar do gênio”: metáfora coletiva, p. 88-94. Os exemplos são de Cunha.

nacional e anseio pelo retorno à Natureza.191 Um retorno que seria uma espécie de

re-encontro do homem consigo mesmo — mística que, na essência, convergiria para

aquela que movera o empreendimento jesuítico nas colônias, idéia que moveu os

alquimistas, entre eles um certo Doutor Fausto.

Daquela visão da Natureza derivariam duas diferentes posturas. Uma

delas, assumida pelo próprio Goethe, retornaria às concepções iluministas das

relações entre homem e Natureza, em que o projeto humano é dominá-la,

mesmo que com a possibilidade de conseqüências trágicas. O resultado literário

seria uma obra como Fausto, personagem demoníaco, significante de toda uma

tradição do embate do homem contra as forças naturais. A outra derivação

estaria marcada por uma postura místico-religiosa, na qual a arte seria religião, o

artista seu sacerdote, conforme se estrutura desde os Fragmentos.192 A Natureza

que interessa ao romântico não é aquela visível e concreta, “mas a sua face

oculta, ou seja, o lado em que se pressente algo superior e infinito”. Não mais

“algo inerte e insensível, mas um” organismo “mutável e criador”, tal qual o

indivíduo de quem é um prolongamento.

Na vertente canônica do romantismo francês, moldada por O gênio do

cristianismo (1802), de Chateaubriand, e confirmada por Harmonias poéticas e

religiosas (1830), de Lamartine, todo o aspecto radical elaborado por Goethe é

recalcado, em favor daquela idéia de natureza que se apresenta como o templo,

no qual se realizaria a comunhão entre o mundo sensível e o sentimental. “A

natureza se transforma numa teofania. Os bosques, as florestas, o vento, os rios,

o amanhecer e o anoitecer, os murmúrios, as sombras, as luzes — de tudo que

191 VOLOBUEF, 1999, p. 29 e 30. 192 LACOUE-LABARTE. NANCY, 1978, p. 195. Luiz Montez, estabelecendo um contraditório em relação às análises que recepcionam o romantismo como um movimento revolucionário no absoluto, lembra o caráter declaradamente reacionário, do ponto de vista político e religioso, das formulações de Novalis e do grupo de Jena. MONTEZ, 2002, p. 88-102 passim.

não é humano e se constitui espetáculo para o homem”, na síntese de Benedito

Nunes.193 A natureza seria o modelo transcendente ao homem, modelo que o

determina e subordina.

Uma articulação que atravessaria todo o romantismo brasileiro, desde

Magalhães até quando, trinta anos depois, Castro Alves confirmaria, com todas

as letras, que “Todo universo é um templo”.194 Uma pequena variação da frase La

Nature est um temple où de vivants pilliers, que inicia um poema de Baudelaire,

da ousada e censurada coletânea Les fleurs du mal, de 1857.195 Na composição

baudelairiana, a Natureza é um templo no qual pilares vivos deixam escapar

palavras confusas, percorrido pelo homem que passa entre as florestas de

símbolos, ecos, perfumes que trazem lembranças insondáveis ao espírito e aos

sentidos. Um texto sintomático da concepção mística do universo, tido como um

sistema vivo e pulsante, de símbolos, correspondências e emblemas, a ser lido e

sentido pelo poeta, proposta por Lamartine, em 1830.196

Floresta, selva, bosque, arvoredo que servem de abrigo e cenário para

personagens ou são eles mesmos tema de toda uma variedade de composições

que o romantismo produziu, marcando-os como espaço privilegiado da lírica

nacionalista. Já na plenitude do romantismo, A confederação dos tamoios (1856),

de Gonçalves de Magalhães, confirmaria o enquadre:

Das Américas plagas venturosas, Que às mais plagas do mundo nada invejam, Ufana-se o Brasil como a primeira. Formosa é sempre aqui a Natureza, Eterna a primavera, o outono eterno. Em leitos diamantinos pura linfa Em correntes caudais seus campos rega.

193 NUNES, 1978, op. cit., p. 65 e 68, respectivamente. 194 CASTRO ALVES, 1966, Poeta (1868), p. 357-358. Inspirado assumidamente em versos de Lamartine. 195 BAUDELAIRE, Charles, 1981, Correspondances, p. 33. Esta similitude me foi apontada por Celina Moreira de Mello. 196 WELLEK, s/d, p. 154. O autor, a quem esta referência é devida, chama a atenção para as fontes ocultas do romantismo francês, ou seja, aquelas místicas, presentes tanto na poesia e narrativa canônica, quanto nos textos de ruptura, como acabamos de destacar.

Inúmeras, pujantes catadupas, Voz dando à solidão, em cristais curvos De rochedos alpestres se despenham; E de horrendo estridor pejando os ermos, De vale em vale, entre ásperas fraguras, Onde atroam também gritos de feras, Das serpes os sibilos, e os trinados Dos pássaros, e a voz dos roucos ventos, Viva orquestra parece a Natureza, Que a grandeza de deus sublime exalta! [...] Nesta vasta extensão do Éden terrestre.197

Um modelo ao qual prestaria obediência Gonçalves Dias, reconhecido

como o maior poeta do romantismo, responsável pelos cantos inaugurais do

indianismo romântico.198 Para ele, a floresta é o lugar no qual o índio vive a sua

plenitude, seus dramas e seus amores.

Aqui na Floresta Dos ventos batida, Façanhas de Bravos Não geram escravos, Que estimem a vida Sem guerra e lidar.199 Da noite a viração, movendo as folhas, Já nos cimos do bosque rumoreja. Eu sob a copa da mangueira altiva Nosso leito gentil cobri zelosa Com mimoso tapiz de folhas brandas, Onde o frouxo luar brinca entre flores. [...]No silêncio da noite o bosque exala.200

Eis que, neste cenário, ambiente de tantas epopéias e dramas, tantas

belezas e elevação, na qual a Natureza se mostra sinônimo de um paraíso de

feição indianista, uma velhinha convoca para uma folia grotesca e baixa, abrindo

a porta para as profundezas da floresta, um inferno povoado por bruxas,

esqueletos, lobisomens, mulas-sem-cabeça, galos-pretos, morcegos, sapos, 197 MAGALHÃES, (1856) 1994, p. 34 e 36. 198 Alencar buscaria seu espaço no campo literário a partir da crítica dura e violenta que faz à Confederação dos tamoios. Com o debate que se estabelece entre Alencar e os partidários do então chefe do movimento romântico, Gonçalves de Magalhães, entre eles Pedro II, o futuro romancista se vê interlocutor dos principais literatos do Império. Para o debate, ver CASTELLO, 1953. 199 DIAS, 1998. O canto do guerreiro (1847). p. 106. 200 DIAS, op. cit. Leito de folhas verdes. p. 378-379.

cobras, lagartixas, crocodilos, diabos e diabinhos, taturanas, getiranas e

mamangavas, padres, papas, freiras, condessas e reis reunidos numa dança de

luxúria, desejo e pecado. Uma festa na qual ecoariam os rituais antropofágicos

indígenas, próprios de feras ou de homens sem alma, uma orgia na qual a

presença do índio não aconteceu.

É este o trabalho que o poema não cessa de realizar: um exercício de

revelação do oculto, tolerado, mas desqualificado pelo olhar canônico. Entretanto,

nós vimos acima que a folia bernardina é de alta estirpe, por ela o olhar do leitor

se reforma, rompendo com a tradição do sublime baseado no recalque,

aproximando-se de uma outra tradição de um outro sublime, pautada justamente

pela circulação da pena e do olhar em meio ao que foi recalcado.

4. 3 UM ESTRANHO NO PARAÍSO

4. 3. 1 Corpus braziliensis: genocídio, canibalismo e nudez

O índio não aparece na orgia dos duendes, apesar de ela acontecer no seu

ambiente natural, a floresta, e o caráter infernal da festa fazê-la equivaler, neste

aspecto, a seus ritos antropofágicos, conforme os europeus os valoravam. A

ausência não deve ser casual, embora a priori não tenhamos condições de inferir

uma intencionalidade do autor nessa naquela configuração. Entretanto, é possível,

considerando aquela ausência como sintoma, suspeitar que entre o índio e o texto

literário existam razões que escapem ao senso comum e buscá-las.

A identificação da figura do índio como protótipo da nacionalidade,

conforme assumido no âmbito do processo de independência política e no

romantismo literário, certamente terá sido um processo simbólico nem um

pouco natural. Os autóctones do chamado novo mundo nunca foram de

assimilação fácil para o europeu. Como visto no capítulo anterior, no geral do

empreendimento da conquista, eles eram os inimigos óbvios, a serem

combatidos de comum acordo pelas armas da fé cristã e do poder militar dos

reis europeus.

Desde a chegada oficial dos primeiros navegadores, os habitantes do

Novo Mundo, causam uma impressão ímpar nos europeus, significando um

Outro, no sentido mais radical que o termo adquire no discurso psicanalítico.201 O

espetáculo de seus corpos nus, seus costumes e modo de vida seduzem e

horrorizam os conquistadores.

Os textos do século XVI indicam uma relação do europeu com o índio tão,

ou mais, ambivalente quanto aquela com a floresta. O olhar jesuítico via naqueles

seres uma alma a ser salva e, num piscar de olhos, um selvagem feroz e

indomável, o inimigo a ser combatido e exterminado. Os comentários de

Anchieta, sobre a guerra contra os índios em São Vicente, são exemplares desta

ambivalência: “[...] Entre os bens que a Divina Bondade soube tirar desta guerra,

foi um que batizaram e ajudaram a morrer alguns escravos dos

Portugueses[...]”.202 Naquele tempo, escravo equivalia a índio. A lógica do

pensamento europeu, referida nos versos do jesuíta, em louvor da vitória de Mem

de Sá sobre os calvinistas, mostra que a sorte e a morte daqueles seres não era

exatamente obra da providência divina, fossem eles conversos ou não.

[...] Junto ao mar o estrondo ecoa medonho,

201 O Outro, neste caso, é o Estranho, lugar ou a imagem sobre a qual o eu do sujeito se constitui, numa distinção possível pela identificação que circula entre o dono do discurso e o objeto deste discurso. FREUD, O estranho [1919], 1972. v. XVII. p.273-313. LACAN, La chose freudienne, 1999, vol. 1, p. 398-433. 202 ANCHIETA, José de. Carta ao “Geral Diogo Lainez, de São Vicente, a 16 de abril de 1563”.: In: RIBEIRO & MOREIRA NETO, 1992. p. 174.

enfurece horrendo na praia o soldado matando e enterrando vitoriosos na areia corpos aos montes e almas no inferno, desses que cevavam as carnes em carnes humanas e impingavam os ventres [com o sangue dos homens. Já não se alonga o combate, já não pensa o inimigo Em entesar o arco e defender a vida com brio. [...] Fossem mais crentes os colegas, mais viris os seus braços, Fervessem-lhes no peito um sangue mais quente, Acompanhassem sempre, lado a lado, o seu chefe, E esse dia marcaria a ruína desses feros selvagens, Atirando-os para as sombras eternas do inferno [...] 203

Os mesmos sentimentos, ou melhor, a mesma falta de sentimentos ficam

evidentes na palavra laica. Mem de Sá, autoridade civil, escreve: “[...] e ante

manhã, duas horas, dei na aldeia e a destruí e matei todos os que quiseram

resistir, e a vinda vim queimando e destruindo todas as aldeias que ficaram para

trás [...]”. Luta cujo sucesso é medido em indígenas abatidos, estimados em

uma fila de meia légua, acima de dois quilômetros, a fila de corpos de índios

mortos, na beira da praia.204 Setenta anos depois, já no século seguinte, é a

própria Rainha de Portugal que recomenda “fazer-lhes guerra, com que se

extingam de uma vez”.205

Num contexto em que os discursos do branco identificam o selvagem com

a Natureza, a facilidade de seus movimentos na floresta inóspita, para os

humanos europeus, sugeriu que fossem feras. Para recuperarem a condição de

humanidade, foi necessário um decreto papal, de 1534. Apesar disto, nos séculos

seguintes, a situação não mudou na prática. No movimento no qual a empresa

bandeirante surge e consolida o seu papel na expansão das fronteiras interiores,

203 ANCHIETA, José de. De Gestis Mendi de Saa. Tradução de padre Armando Cardoso. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1958, p. 81-83. In: RIBEIRO & MOREIRA NETO, 1992. p. 178. 204 SÁ, Mem de. “Instrumentos dos serviços de Mem de Sá”, 1570. Annaes da Biblioteca Nacional, vol. XXVII (1905). Rio de Janeiro, 1906. p. 131-135. In: RIBEIRO & MOREIRA NETO, 1992. p. 179. 205 DOCUMENTOS históricos da Biblioteca Nacional. “Carta Régia da Rainha de Portugal D. Luiza de Gusmão”. Vol. 66. Rio de Janeiro: Typ. Batista de Souza, 1944. p. 176-177. In: RIBEIRO & MOREIRA NETO, 1992. p. 194.

no século XVII, o índio a ser escravizado é uma das mercadorias objeto dos

negócios, junto como a conquista de espaço para o gado e a cana. A

concretização de um paraíso mineral nas Gerais, com as descobertas de ouro,

prata e diamantes, é o paradigma desse caldeirão de cobiça, desejo, lendas,

medos, coragem e realizações, que foi a interiorização do projeto colonizador.

Tempo de guerra renovada contra os autóctones: “Não tenho que dizer de novo

senão que continua a mesma cobiça e perseguição e, a qual cresceu muito agora

[...]”, testemunha o padre Antônio Vieira, em torno de 1654.206

Na perspectiva do texto do europeu, aquele ser meio-homem meio-fera é,

antes de tudo, um guerreiro bárbaro, disposto a defender seu território

violentamente. A tragédia da redução do índio pelos invasores e os feitos de

Cunhanbebe, constituído significante da luta dos selvagens, são relatados por

Antônio Torres, num texto assumidamente de ficção, porém estruturado nos

cronistas da época e no trabalho de pesquisadores renomados, como Tasso

Fragoso e Viriato Corrêa. 207

Nas raras oportunidades em que a voz do índio obtém registro, a

identidade que transparece nos relatos é a de alguém que pretende ser sujeito de

seu destino. As correspondências assinadas por Pedro Poti, aliado dos

holandeses, e Felipe Camarão, do partido dos portugueses, nas guerras coloniais

em Pernambuco, deixam claro que ambos são guerreiros, prontos para defender

as suas crenças, e dotados de capacidade de argumentação.

Tendes tido algum contentamento na sociedade desta gente perversa? O que tendes no fim das contas é uma grande carga entre as mãos, e

206 VIEIRA, Antônio. Carta do Pe. Antônio Vieira ao Pe. Provincial do Brasil sobre a bandeira de Raposo Tavares (circa 1654). In: RIBEIRO & MOREIRA NETO, 1992. p. 300. Vieira teve um antagônico em Antonil. As divergências ideológicas constituídas nos textos de um e outro, que expõem as contradições do projeto colonial, são analisadas por BOSI, 1992, p. 119-175. 207 TORRES, 2000.

se continuardes com a sua amizade ficareis perdido no corpo e na alma (...)208 “Não Phillippe, vós vos deixais iludir; é evidente que o plano destes celerados Portugueses não é outro senão o de se apossarem deste país, e então assassinarem ou escravizarem tanto a vós quanto a nós todos”. 209

Ainda no século XVIII, Basílio da Gama e Santa Rita Durão trasbordaram

os acontecimentos para o campo literário. O índio de Uraguai (1769) é heróico e

lírico, um guerreiro bravo e destemido, tão cruel quanto os ibéricos que

combatia.210 O selvagem de Caramuru (1781) é um antropófago, subordinado às

artes de um pajé-demônio, sendo necessária uma ilusão pirotécnica e a força

imanente ao discurso cristão para que seus hábitos se alterem.211

Este modo de ver e compreender o habitante do Novo Mundo se mantém

ainda no século XIX, inclusive no texto de Ferdinand Denis, referência central

para o estabelecimento do discurso romântico, no qual a imagem idealizada do

índio se constitui e fortalece. Falando sobre o caraïbe, o francês lembra da

terrível imagem do guerreiro tupinambá pintado e paramentado para a guerra e

para as festas.212 Canibalismo, a deglutição do corpo do inimigo, é o ritual mais

apavorante que a mentalidade indígena ofereceu ao invasor, sobre aquele ato as

potências demoníacas se projetam.

Entretanto, aquele não seria o único costume dos povos americanos que

perturbaria a alma e os sentidos do branco europeu: a nudez tem efeito igual ou

maior que o canibalismo, rivaliza com ele em estranheza. Se pensarmos nos

Ensaios, de Montaigne, será ela, enquanto atitude anterior ao pecado original, o

único ato capaz de condicionar, relativizando, a barbárie do ritual antropófago.

208 CARTA do capitão Antonio Felipe Camarão a Antônio Paraúpaba (4 de outubro de 1645): In: RIBEIRO & MOREIRA NETO, 1992. p. 229. 209 CARTA de Pedro Poti (31 de outubro de 1645). In: RIBEIRO & MOREIRA NETO, 1992. p. 229 et seq. 210 TEIXEIRA, 1996, p. 19. 211 DURÃO, 2004. 212 DENIS, 1836, I-XV. In: DEFOE, 1836.

Todavia, num mundo em que nudez significava ignonímia e banho indicava

concupiscência, a exposição livre e sem qualquer resquício de pudor de corpos

nus é um impacto profundo para as mentes e corações cristãos. Nos autos-de-fé

inquisitoriais, o desfile dos acusados com os pés e torsos nus era uma forma

adicional de os humilhar e fazer pagar pelos pecados, assim como não tomar

banho sequer uma vez na vida, foi evidencia de pureza de Agnés, mãe de

Henrique IV, de França, que, por isso, foi santificada. Na doutrina de São

Jerônimo, qualquer pessoa contrariava as leis de Deus, ao tomar banho.213 O

corpo exposto do índio coloca em xeque os parâmetros morais daquela tradição,

mesmo que não tenha força para alterá-los ou termine por reforçá-los. O

calvinista Léry, descompromissado com as doutrinas romanas, escreve:

[...] o que mais nos maravilhava nessas brasileiras era o fato de que, não obstante não pintarem o corpo, braços, coxas e pernas como os homens, nem cobrirem de penas, nunca pudemos conseguir que se vestissem [...] alegavam, para justificar a sua nudez, que não podiam dispensar os banhos e lhes era difícil se despir tão freqüentemente, pois em cada fonte ou rio que encontravam, metiam-se na água, molhando a cabeça e mergulhando o corpo todo como caniços, não raramente mais de doze vezes por dia. 214

Na seqüência do texto, o religioso cuida de explicar que, apesar do

olhar maravilhado, a rudeza das mulheres e a selvageria dos ornamentos

evitaram a concupiscência dos brancos.

A preocupação em distinguir o autóctone do europeu, nos hábitos ou na

cor, também seria demonstrada por Pero Vaz de Caminha. Estabelecimento

de diferenças, no sentido comparativo, entre o europeu e índio, de um modo

mais sofisticado no francês, mais óbvio no português, ao fim sempre favorável

aos conquistadores. Desde os primeiros parágrafos, a carta do português

registra a condição natural dos habitantes da terra “pardos, todos nus, sem

213 BARROS, 1995. p. 193-195. 214 LÉRY, op. cit.

coisa alguma que lhes cobrisse as suas vergonhas”, uma nudez tão inocente

quanto “mostrar o rosto”. Ao longo do texto, o olhar do leitor é dirigido para a

nudez de todo o povo — a reunião de “duzentos homens, todos nus” e

armados impressiona o escriba — e para a das mulheres — “vergonhas tão

altas e tão cerradinhas e tão limpas das cabeleiras que, as muito bem

olharmos (sic), não tínhamos nenhuma vergonha”. A exibição dos corpos da

índias nas gravuras do livro de Léry, mesmo nas cenas bárbaras, e nas

pinturas românticas de Meirelles e Américo estão bem de acordo com o

espanto e o interesse que as palavras de Caminha denotam. A observação

atenta e detalhada avança sobre os corpos tingidos de preto das “mulheres

moças”, pintura que não impedia de se verem as “suas vergonhas tão nuas e

com tanta inocência descobertas, que não havia nisso vergonha alguma”. No

discurso do português, a vergonha circula denegada entre os corpos,

projetada ora nas índias, ora no próprio europeu. Olhares indiscretos,

prenúncio de desejos, controlados pelos cuidados de oferecer “camisas” e

cobrir os corpos dos índios adormecidos. Quando os índios assistem à missa,

o escrivão registra o fato como uma alvissareira pré-disposição daqueles seres

para os ritos da doutrina romana, condição importante para o controle

daqueles corpos, qualidade fundamental num tempo que anunciava grandes

disputas no campo da fé.215

A forte sublimação presente nos discursos dos grupos hegemônicos, traz

consigo a imagem da sexualidade do índio, associada diretamente à evidência de

sua nudez, como se o processo de contensão das mentes e dos desejos e a

constante exposição de imagens corpóreas que se mantêm receptivas a desejos,

215 CAMINHA, (1500) 1985, p. 75-98.

apesar de tantos cuidados, estivessem integrados num único movimento.

Exposição, aliás, incessante, como memória, mesmo quando a nudez daqueles

seres é coberta por vestimentas e outros aparatos repressivos.

As nuances na adjetivação recebida pelo índio pelo discurso civilizatório

é indicativa de algo mais que simples surpresa. Ele passa rapidamente a ser

mostrado como um pecador incestuoso. Muitas vezes, a contradição acontece

no mesmo discurso. Vespúcio observa o “costume extravagante, e que parece

incrível: que as mulheres, sendo libidinosas, fazem inchar o membro de seus

maridos tanto, que parecem brutos [...]”.216 A descrição detalhada do viajante e

desbravador Gabriel Soares de Sousa mostra que os olhares colonizadores

estão dirigidos para o mesmo ponto: “É este gentio tão luxurioso que poucas

vezes tem respeito às irmãs e tias, e porque é este pecado é contra seus

costumes, dormem com elas pelos matos, e alguns com suas próprias filhas

[...]”. Mais adiante, ele continua, confirmando Vespúcio: “mas há muitos que lhe

costumam por o pelo de um bicho tão peçonhento que lho faz logo inchar [...]

com o que lhe faz o seu cano tão disforme de grosso que os não podem a

mulher esperar, sem sofrer [...]”.217

O índio como degenerado moral é uma idéia que se firmou como habitus,

mesmo no discurso erudito atual. Um tratado médico relativamente recente, posto

que editado pela primeira vez em 1977, atualiza conceitos do passado, de

maneira peremptória:

Feroz, desconfiado e dissimulado, avesso ao trabalho sedentário, o habitante das selvas impressionou pelo aspecto físico, visível na mais cândida nudez. Pele acobreada, estatura mediana, rijo esqueleto e boa musculatura. Cabeça grande, cabelos escuros, grossos, duros e escorridos, rosto largo sem barba ou bigode, maçãs salientes, afastadas, olhos asiáticos, pequeno nariz achatado, lábios finos e dentes fortes, amarelados. Membros bem proporcionados, órgãos

216 VESPÚCIO, (1503/15004) 2003, p. 45-47. Grifos nossos. 217 SOUSA, 1587. In: RIBEIRO; MOREIRA NETO, 1992, p. 223.

sexuais pequenos e não afanados. Somente uma ou outra tribo praticava a circuncisão.218

Machos de pênis pequeno e pouco ardor sexual, características opostas

àquelas observadas por Vespucio, note-se, são qualidades utilizadas anos antes

pela sociologia de Gilberto Freire, para explicar o ardor das mulheres e o

evidente interesse delas em se entregar aos brancos. Explicação que desvaloriza

as análises mais problematizadas da questão da dominação, que vêem naquela

ocorrência um processo de incorporação do vencido à cultura do vencedor,

conforme a lição de Capistrano de Abreu.219

Apesar desta relação tão problemática da mentalidade européia com o

autóctone, seria a imagem do índio, aquela que seria escolhida como modelo

para a nação que se constituía.

4. 3. 2 Um corpo nacional: o índio idealizado do contexto romântico

O indianismo romântico surgiria no contexto da Independência, ligando-

se ao projeto de constituição do país como nação, uma articulação de ações

políticas e simbólicas que pressuporiam, entre outras tantas, um rompimento

com imagens poéticas européias tradicionais. O Discurso sobre a História da

Literatura do Brasil, reconhecido como o manifesto do romantismo, conclama

seus leitores à busca de uma poesia de características próprias, condizentes

com a natureza e a história do povo brasileiro. Denuncia a falácia da literatura

dos tempos coloniais que, mesmo “naturalizada na América”, a musa de feição

homérica, européia que fora, não houvera esquecido dos “bosques do

218 SANTOS FILHO, (1977) 1991, p. 93. 219 Cf. BARROS, 1995.

Parnaso”.220 Porém, o caráter fortemente nacionalista do Discurso não esconde

as suas fontes: os textos de Ferdinand Denis e Madame de Stäel. Desta última

recolhe importantes argumentos libertários: influência do clima sobre os povos e

as conseqüências disso sobre a produção intelectual, o reconhecimento do valor

da produção local e da mitologia dos povos bárbaros como importantes.

Estas propostas são influenciadas assumidamente por pensamentos

naturalistas da época, que pretenderam explicar o atraso e o progresso, a riqueza

e a pobreza dos povos segundo o clima e o lugar em que viviam. Pensamentos

como o de Buffon que, revistos hoje, mostram toda a sua inflexão reacionária e

desfavorável aos povos que vivem nos espaços entre a linhas do Equador e dos

trópicos. Seria o caso de refletir sobre até que ponto tais fundamentos do

romantismo brasileiro ofereceram fundamentos filosóficos e condições teóricas

para que uma literatura escrita por e projetada sobre por um povo formado por

índios, negros e europeus, nascidos nas antigas colônias, produzisse uma

literatura de padrão nivelado às européias, ou melhor, que fosse reconhecida

como tal. Reconhecimento a ser assumido tanto por aqueles que a escreveram,

jamais isentos da influência das metrópoles européias, quanto por aqueles outros

que formularam os fundamentos, vozes que integram, em posição radical, os

rituais de consagração?221

De qualquer modo, são os espaços abertos por idéias como estas que

discurso romântico brasileiro ocupam, é sobre aquele texto estrangeiro que a

nacionalidade pretende se constituir. As afirmações feitas por Denis são

repetidas quase diretamente por Magalhães — quando afirma ser a poesia

220 MAGALHÃES, [1836] 1994. 221 MELLO, 1997, supõe um processo no qual os literatos vão circulando entre as mais diferentes teorias e idéias e, pouco a pouco, organizando-as segundo uma ótica e interesses muito próprios, não necessariamente coerentes com o autor original, até que a síntese de Machado de Assis ocupe o espaço.

brasileira uma “grega vestida à francesa e à portuguesa”, que “se apraz ainda

com as reminiscências da pátria”, e “toma por um rouxinol o sabiá que gorjeia

entre os galhos da laranjeira” o brasileiro está ecoando as palavras francesas: 222

“[...] deve rejeitar as idéias mitológicas devidas às fábulas da Grécia [...] deve ter

pensamentos novos e enérgicos como ela mesma”.223

A escolha da imagem do índio para compor a nova cena não é, todavia,

uma decisão peremptória. O acontecimento foi um processo de longo prazo,

correspondente a múltiplas exigências anteriores ao romantismo e, certamente,

outras posteriores a ele, como a breve observação feita acima sobre a doxa

erudita contemporânea pretendeu não deixar esquecer.

No campo pictórico, por exemplo, a América aparece como índia numa

alegoria de uma terra opulenta e provedora, já numa gravura de 1671.224 Uma

imagem que serviria não apenas e exclusivamente ao imaginário mercantil e

exótico, segundo Afonso Arinos de Mello Franco. Em sua elaboração poderosa, o

pesquisador revela que os selvagens do Novo Mundo foram também um Outro

idealizado e utópico para os habitantes do Velho Continente.225 Aqueles povos

sem lei e sem rei, circulando entre a barbárie do canibalismo e a pureza da nudez

sem pejo, teriam inspirado a própria idéia de liberdade, no sentido que o século

XVIII concebe. Na trilha imaginária que percorreria entre os Ensaios, de

Montaigne, e o Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade dos

homens, de Rousseau, o selvagem e sua vida influenciaram obras como O elogio

da loucura, de Erasmo, A utopia, de Morus, A tempestade, de Shakespeare e a

fantasia geográfica rabelaisiana. E influenciaram filósofos e literatos como

222 MAGALHÃES, [1836] 1994, p. 256-7. 223 DENIS, (1826), 1978, p. 35-82. 224 Figura 8. América. Anônimo. 225 MELLO FRANCO, 2000.

Figura 8

Nota 224: América. Anônimo. Coleção José Mindlim. Sem especificação.

Baudier, Malherbe, Boileau, Grotius, Pudfendorf, Locke, Lafitau, Raynal,

Montesquieu, Voltaire e Diderot. Se fosse possível formular teoricamente uma

contradição exemplar, ela estaria no fato que o índio perseguido, escravizado e

morto pelos conquistadores de todos os credos e nações européias, influenciaria

a Revolução Francesa e, através dela, retornaria às Américas para integrar os

movimentos de autonomia política de seus povos.

No contexto da Independência nacional, a busca de uma imagem que

significasse este projeto foi uma articulação sofisticada, no sentido extremo do

termo, conforme Candido. Descartou o branco, visto como o opressor, e o negro,

sujeito à escravidão, ambos não funcionariam como modelo de um povo que

acabara de se libertar. Prevaleceu a imagem do indígena, sobre a qual se

projetou uma aura de pureza, coragem e capacidade de luta, qualidades ideais

do ser brasileiro. O novo corpo identitário nacional mostrou-se eficiente, inclusive,

no confronto simbólico, a ser travado com o principal adversário da

independência, o português, que, coincidentemente, foram os algozes dos índios

nos tempos da conquista. Naquele compasso, a aura dos vencidos se combinaria

com os imperativos do projeto maior, determinando um afrouxamento das

contradições do processo. Uma tremenda ironia, pois os restos sombrios das

violências que sofreu não se apagariam do imaginário da sociedade para a qual a

imagem deveria funcionar como verdade, como habitus.226

A atitude positiva em relação ao índio seria notada na Academia dos

Renascidos, no século XVIII, quando por ocasião da catalogação de biografias

dos ilustres da terra, chefes indígenas aparecem ao lado de magistrados,

226 A questão dos restos de memória, mormente a presença dos traumas relativos aos restos sombrios de violência sofrida pelo objeto, os índios, no modelo idealizado de sociedade nacional é algo da ordem do mal estar da cultura. Sem esquecer que, ao sujeito praticante da violência, o colonizador e seus descendentes, seus próprios restos de memória invocarão assassinatos do Outro e respectivos gozos ou culpas.

governadores, senhores de terras e guerreiros. A figura das “princesas de sangue

brasílico” resolveria problemas delicados de mestiçagem e de purificação das

estirpes familiares que, sem esta adaptação psicológica e social jamais poderiam

almejar uma “pureza de sangue dos quatros costados”, essencial para o exercício

da cidadania plena, posto que tais predicados seriam condições sine qua non

para a ocupação de cargos e funções na administração pública, funcionando

também como itens primordiais nos processos da Inquisição.227 Some-se às

enumeradas vantagens, mais uma, da ordem do mal estar civilizatório: aplacar

algum eventual resquício de memória de estrupos e violências contra as

mulheres índias.

No ápice do projeto imperial, constitucional e civilizado, a imagem do índio

se consagraria como seu modelo, modelo que as artes desenvolvem muito bem.

Um exemplo pictórico disso é uma litografia representando a imagem da índia

liberta das garras do despotismo colonial por D. Pedro, seu defensor perpétuo,

seu imperador constitucional.228 Um príncipe da Casa de Orleans e Bragança, um

português de antigas estirpes nobiliárias européias, uma imagem do autóctone

distanciada daquelas da nudez, do canibalismo e da belicosidade bárbaras.

A complexidade do processo de formação do imaginário nacional se

articula com a complexidade dos acontecimentos em torno do romantismo

literário. Se o indianismo, especificamente, não foi uma construção

exclusivamente romântica, além de não ter sido produto de uma partogênese,

determinada pela simples presença de seres humanos nos vastos territórios

das Índias Ocidentais, o romantismo brasileiro não surgiu de um simplório

hábito de imitação de um modismo europeu. Romantismo e indianismo

227 CANDIDO, 1989, p. 174-175. 228 Figura 8. Salve! Querido Brasileiro. De Lasteyrie”. s.d.

F i g u r a 1 0

Nota 267: [O cauim]. In: THEVET, Andre. La Cosmographie Universelle d’André Thevet. Ilustrée de diverses figures. Paris: Chez Pierre l’Huillier, 1575. p. 917.

por assegurar aos chefes e guerreiros os grandes feitos, na medida em que são

os intérpretes dos sinais da Natureza e dos sonhos, fundamentais na guerra e

nas decisões tribais, segundo Florestan Fernandes.270 Para os conquistadores e

os jesuítas, ele não é um simples pagão, a ser convertido, trata-se de um herege,

contra quem se dirige o combate pela alma do selvagem.271 No teatro jesuítico,

ele é o índio mau, a fera mais degradada, o próprio Lúcifer.

Ao estudar as relações de ódio e amor aos estrangeiros, Sigmund Freud

chega à conclusão de que a principal fonte de terror de coisas aparentemente

desconhecidas seria o que elas possuem de mais absolutamente familiar, aquilo

que se identifica como igual e não o distante e o diferente, como se pensa

correntemente.272 Ter-se-ia medo de si mesmo, ou daquilo que estando em si,

mantém-se escondido, não sendo facilmente visto. O exemplo que o psicanalista

utiliza para desenvolver a questão é um fato acontecido com ele próprio. Viajando

em um trem, uma curva e um balanço mais acentuados fazem com que Freud

veja sua cabine invadida por um velho de roupão e chapéu de viagem. Levanta-

se de imediato para impedir a desagradável invasão de privacidade.

Imediatamente, ele toma consciência de que estava diante de si mesmo, iludido

por um reflexo no espelho. Surpreende-se! — não com a ilusão óptica, mas com

o sentimento de estranhamento com a presença de sua própria imagem, que

deveria ser sua conhecida íntima. A aparição da figura do duplo coloca o sujeito

diante de si e dos seus limites. Naquele caso específico, a aparição de um

homem idoso, no lugar que a memória afetiva idealizava estar um jovem,

270 FERNANDES, Florestan, 1963. 271 BAETA-NEVES, op. cit. 272 FREUD, 1972. O estranho [1919], p.273-313. O termo comporta o sentido de o não familiar, o não doméstico, tal como Das Unheimliche, título original. Na tradução francesa resultou em L’inquiétante étrangeté. O próprio Freud buscou em outras línguas a raiz etimológica para o conceito desenvolvido no texto.

despertou angústia no sujeito, na medida em que a realidade colocou em risco o

imaginário da relação entre sujeito e objeto, equilíbrio fundamental para a sua

existência como sujeito, ordenador de sua vida e de suas relações.

Os dois elementos convocados pelos versos bernardinos causam efeitos

desta ordem. Pelo que são, índio e bebida de índio pertenceriam quase

obviamente ao indianismo — o modelo idealizado da identidade nacional. O

cauim não está ausente da obra de Gonçalves Dias, que dá voz e espaço aos

costumes mais bárbaros dos selvagens, chegamos a ressaltar acima. Nesta

semelhança dissonante, os versos de Bernardo funcionam como estranhos ao

romantismo, perturbando o sentido do indianismo canônico e, portanto, teriam de

sofrer censura. E o são.

Por outro lado, os personagens do Elixir do pajé possuem outras

qualidades pouco convencionais e as apresentam de maneira pouquíssimo

usuais. Choram a impotência — o maior dos medos masculinos — e sonham

com orgias desregradas e indecentes: copular mil mulheres, morrer copulando,

ser eleito o rei dos “caralhos” — algumas das maiores pretensões dos machos.

Usam de uma linguagem baixa, escatológica e pornográfica — que nada teria de

lírica.

Curiosamente, ao fazê-lo se aproximam de algumas das maiores obras

poéticas de que se tem notícia — os clássicos greco-latinos e o grande Bocage,

nome principal da Arcádia portuguesa, o único em Portugal, capaz de fazer

frente a Camões. Camões que também seria invocado pelo cantor do elixir

bandalho, “Que tudo vencer pode: engenho e arte”, na distorção de servir a

seus interesses fornicantes. Acrescente-se a isso que a convocação de uma

intertextualidade entre o texto bernardino e a poesia portuguesa de Souto-Maior

e dos cantores do maldizer medieval sugere a existência de uma tradição lírica

marcada por erotismo, sátira e pornografia, na qual o poema brasileiro tomaria

parte. Entretanto, a lista do inferno da Biblioteca Nacional da França, preparada

por Apollinaire, as referências à literatura clássica, mostradas aqui, lembra que

a literatura fescenina transcende às fronteiras de Portugal, tratando-se de uma

tradição européia ativa e tão antiga quanto o cânone sublime. Um problema que

será elaborado após os comentários que se fizerem ao terceiro poema do

corpus dessa tese.

Por ora, o poema do elixir se apresenta como um jogo bernardino, no qual

uma grande farsa convocaria a alta cultura, marcada nos clássicos e nos grandes

poetas, para se apresentar no texto popular, transformando e sendo

transformada num poema de dimensões plurais e rara densidade. A utilização de

um palavreado escatológico e de situações poucos usuais e, em decorrência

destas presenças, a convocação ao riso e ao nojo, mantém tais características

discretas ao observador desprevenido. Uma articulação curiosamente próxima à

que Bakhtin viu em Rabelais.273

Tal movimento de aproximação entre o alto e o baixo, aparentemente

causaria um mal estar no status quo do campo literário, o que faz dele objeto de

violento combate e segregação pelos interesses canônicos. Teria um destino

desta ordem, ou desta desordem, o poema obsceno de Bernardo de Guimarães:

convocar o indianismo para um encontro com os seus personagens. Convocação

comandada por um narrador sutilmente oculto e por um índio desabusadamente

exposto, ambos, em princípio, partícipes de um diálogo no qual o índio, o grande

derrotado pelo europeu civilizador, é transformado em alegoria do que o projeto

273 BAKHTIN, (1965) 2002.

do vencedor tem de mais elevado e idealizado. O movimento bernardino é

realizado na direção oposta às sublimações românticas, o personagem expõe

aquilo que tem de mais próximo de sua natureza humana: a sexualidade sempre

tão exposta e tão denegada nesta terra brasilis, desde quando Pero Vaz de

Caminha escreve sua missiva fundadora. Neste sentido, o índio bandalho seria

como um novo ator que alteraria a idealizada cena indianista: um estranho no

paraíso da literatura, conforme organizado pela perspectiva canônica.

4. 4 A ORIGEM DO MÊNSTRUO

4. 4. 1 Corpos em sacrifício: o feminino ideal

As representações mais primitivas para o feminino são pequenas

esculturas do paleolítico. Cabeças com a cabeleira cuidadosamente

trabalhada, sem os detalhes do que seria o rosto, e um especial destaque para

vaginas, peitos e bundas avantajados. Uma enciclopédia de história da arte

chama a atenção para o fato de as deformações e exageros da imagem serem

intencionais, com objetivos mágicos que invocariam diferentes aspectos da

fecundidade, entre os quais a iniciação feminina, o parto e a caça — o vital e o

mágico. 274 Nos dias de hoje as estatuetas são conhecidas como Vênus: de

Willendorf, de Lespugue, entre outras.275 Note-se que a hipótese é um

deslocamento específico para o feminino de características que Hauser

propõe para imagens pré-históricas de modo geral, em especial as pinturas de

Lascaux.276

274 ENCICLOPÉDIA, 1995. 275 Figura 11. Virgem de Willendorf, circa 20.000 aC. 276 Ver HAUSER, 1995, p. 4 e seg.

F i g u r a 1 2

Nota 338: [Vênus e Júpiter]. Raphael (1483-1520). Sem especificação. In: Ovídio Metamorphoses, XIV, 585-591. www.latein-

pagina.de/ovid/ovid_m14.htm. Acesso 6 jan 2006.

cumprirá o seu destino fundador de Roma, dos mil anos No texto camoniano, o

herói, Gama, fará suas conquistas, para honra e glória da cristandade e dos

portugueses. Em “a origem do mênstruo”, Galatéia e todas as mulheres

cumprirão o destino de menstruarem. Todas vicissitudes já inscritas no livro do

destino, precipitado por Vênus, por motivos torpes, apresentados por um ângulo

seu mais afastado das idealizações que sempre circundaram as referências

mitológicas, até o romantismo pelo menos, até Freud certamente.

A heresia cometida por “A origem do mênstruo” tem se mostrado

inaceitável para o status quo do cânone, que a rejeita fortemente, influenciando,

inclusive os ousados editores dos versos obscenos de Bernardo. Neste sentido

chama a atenção que as advertências de Machado e de Bandeira, quanto às

qualidades elevadas da lira bernardina, não tenham produzido efeito de alterar a

recepção do poeta pelos demais operadores do cânone. Mesmo agora, que

existe um maior interesse pelo texto de Bernardo, o interesse é relativo e restrito,

não se estendendo ao conjunto da obra. Uma postura que se vê em Haroldo de

Campos, um dos patronos dos estudos atuais. Mesmo Antonio Candido, que

privilegia a obra bernardina extensivamente, quando realiza estudos específicos,

que aprofundam análise da poesia obscena e pantagruélica, recusa-se a

trabalhar com o poema do mênstruo.

A qualidade da crítica de Bernardo aos modelos hegemônicos no

romantismo brasileiro seria sua desgraça, motivo que, segundo Süssekind, o

colocaria à margem.340 Ao nosso ver, esta exclusão também tem entre seus

fundamentos a aproximação que faz dos clássicos, de características heréticas e

340 SÜSSEKIND, op. cit.

de modo rebaixado, embora inegavelmente precisa nas escolhas, aspecto que

faz de sua obra pornográfica uma arte de grandes qualidades. Neste aspecto a

censura que sofre não é diferente daquela sofrida por outros autores de posição

destacada e segura nas esferas canônicas. Censura que aparece de mais de

uma forma. Um caso é a da famosa Priapeia, apresentada como da pena de

Virgílio, numa edição de suas obras completas de 1469, seria censurada em

outras edições posteriores ou seria atribuída a outros poetas mais

reconhecidamente lascivos.341 Ação exemplar é aquela censura sofrida por

Horácio, quando seus versos expõem libidinagem e sexualidade numa linguagem

mais direta, comentada em capítulo anterior.342 Como seria possível censurar um

dos nomes que não cessam de significar o próprio cânone? Certamente que não

será uma atitude fortuita e, muito menos, inocente, tomada por um editor

isoladamente. Ao contrário, trata-se de uma postura que se mantém por um

período longo, em mais de uma das grandes traduções da obra do autor,

conforme demonstra Bélkior. Todo o processo parece ligado à manutenção do

equilíbrio das forças do campo literário, pois não parece aceitável para o conceito

adotado pelo grupo hegemônico, que sentimentos e ideais degradantes ou

animalescas possam estar no texto de um autor canônico, daí não se poupar o

grande Horácio ou um Bernardo qualquer.

O poema sobre o mênstruo, assunto tabu, lembram os psicanalistas e os

antropólogos, realiza um complexo exercício poético, trata do feminino, assunto

privilegiado para o romantismo, e faz uma apropriação dos clássicos da estirpe

de Ovídio, Camões e Gonçalves Dias, sem que fique a dever aos parodiados, a

não ser uma atitude menos herética — não fosse a paródia um recurso dos mais

341 Ver O estranho do paraíso. 342 BÉLKIOR, op. cit.

sofisticados. Faz isso de uma forma absolutamente visceral, mostrando uma

mulher bem distante da virgem dos lábios de mel, da índia pura e bela, dominada

pelo abraço do jovem e mulherengo imperador brasileiro, pagando por tanta

audácia o preço de ser excluído da própria exclusão. Visceral, para não haver

dúvidas, no sentido que toca na imagem feminina no que ela tem de mais íntimo

e de interesse vital para a manutenção da espécie, seu sexo e sua capacidade

de reprodução, que a menstruação indica.

5 CONCLUSÃO

Entre todos os comentários e análises que se fizeram sobre os poemas

obscenos de Bernardo Guimarães, destaca-se aquele acusatório de o poeta

trair os elevados deveres de construir uma literatura de alto nível, feito por

Arthur Azevedo, em 1885. Uma acusação que explicita a vigência de uma

ideologia vinculando literatura e atividade do escritor com pátria e

nacionalidade, que se contrapõe a toda produção que não funcione convergindo

para ela. Evidentemente que aí estão inclusas noções específicas do campo

político, como pátria, nação etc., noções que interessam ao campo literário.

A afirmação, proferida por uma voz canônica, firma de modo indelével

uma vinculação entre o poeta e as suas produções obscenas, apenas dois

poemas desta qualidade são conhecidos, como sabemos. Ao deixar de lado sua

vasta produção bestialógica, na qual não falta escatologia e obscenidades, que

fez dele um poeta famoso entre os estudantes paulistas de Direito, Azevedo

evidencia que o bestialógico nunca representou um problema para o cânone e

para o idealismo projetado sobre a literatura, desde ali.

“Elixir do pajé” e “A origem do mênstruo” fazem parte do imaginário da

literatura brasileira, como paradigmas do poema obsceno e pornográfico, como

se observa com a sua presença numa antologia pornográfica, editada em 2004.

No lugar de estranhamento que é o das obras deste teor, as contradições não

param de se revelar. As duas edições de luxo aparecidas entre as décadas de

50 e 80, do século passado, são indicativas de uma presença importante no

meio editorial brasileiro, especialmente cauteloso nos seus investimentos.

Antologistas, historiadores e críticos mesmo quando não tratam dos poemas,

excluindo-os de seus trabalhos, não deixam de sinalizar a sua existência, que

não seja registrando que não opinam sobre versos daquele baixo estrato. O

exemplo definitivo disso não é a ausência dos poemas da edição das poesias

completas do autor, produzido pelo Ministério da Educação, mas a preocupação

do organizador em avisar que elas foram expurgadas.

Quando iniciamos nossa pesquisa indagamos sobre o que haveria de

literário naqueles versos? Acrescentemos uma pergunta, o que atrai e repulsa

naqueles versos, capazes de desencadear tantos sentimentos contraditórios?

Estas perguntas se fundem como o objeto principal desta conclusão!

Todos os assuntos e sentimentos humanos são temas da atividade

poética de tradição sublime, mesmo episódios de erotismo intenso e

sexualidade explícita. Naqueles casos, o ajuste que se faz está na elevação de

qualquer personagem ou acontecimento para níveis elevados, míticos ou

divinos. O herói é sempre o melhor dos heróis, o canalha é sempre o pior dos

canalhas. O sofrimento ou a bem-aventurança é sempre o mais absoluto.

Entretanto, há poemas que não se configuram dentro daquelas normas,

muito pelo contrário: mesmo quando as cenas se mostram similares àquelas

primeiras, os sentimentos e as ações dos personagens parecem pouco

civilizados ou até animalescos. E textos assim não são assimilados pela cena

canônica, permanecendo à margem, mesmo quando suas qualidades poéticas

são reconhecidas.

A situação é curiosa, pois escritores e estudiosos vêm insistindo para a

dificuldade de estabelecer de modo concreto, preciso e incontestável, quais

sejam as características que fazem das obras objetos estranhos aos espaços

canônicos, devendo ser objeto de censura, em alguma de suas muitas formas.

Eliane Robert Moraes, em defesa desta impossibilidade, anota a observação de

Henry Miller quanto à inexistência de um dado intrínseco à obra que permita

afirmar a sua pornografia ou obscenidade concreta.343 A palavra de Miller é

radical, afirmando que o que se lê na obra está no leitor. A partir do que

constata o escritor, a pesquisadora sugere que a obscenidade seria um efeito,

ou seja, um excesso, um fetiche. Sem negar a constatação, no texto obsceno a

linguagem adquire concretude exatamente na palavra obscena, no palavrão, no

termo que refere o corpo e as funções fisiológicas. Concretude inaceitável na

perspectiva que concebe uma relação intransitiva ente o texto e o seu leitor, na

qual os sentidos são passageiros e originais, com duração estrita e efêmera,

mas que nas injunções do cânone, adquirem durabilidade e transitividade,

portanto concretude.

A presença de lexemas desta ordem ou providos destas qualidades por

vozes autorizadas no “Elixir do pajé” e em “A origem do mênstruo” é decisiva

para o modo como os poemas são qualificados. A importância excessiva dada

ao termo de baixo calão no poema do elixir faria dele um texto banal,

condicionado aos poemas elevados, do indianismo de Gonçalves Dias, que ele

decalcaria de forma debochada, ou paródica. Limitado assim, o poema seria

apenas um subproduto, mais ou menos engraçado, do romantismo brasileiro.344

Nos versos sobre o mênstruo, a linguagem tornaria a obra impronunciável até

no nome, objeto de tabu tão radical que é tornado invisível entre os invisíveis —

não aparece no título das edições em que é reproduzido, como vimos

anteriormente.345 Abjeção constituída sobre conteúdos latentes de sadismo e

perversidade, coerentes com sua obra narrativa — na qual não faltam tortura e 343 MORAES, 2003, p. 121-130. 344 Cf. O Estranho no paraíso. 345 Cf. A origem do mênstruo.

violência explícitas referidas a escravas brancas, seminaristas emasculados,

crimes de honra — ou simples continuidade aos poemas do bestialógico,

elaborados na forma do riso e do humor romântico estudantil. Considerada

assim, a poesia de Bernardo seria consumida na perspectiva dos restos

históricos de um movimento literário que já passou, algo a ser preservado como

tradição. Seria considerada como resultante de uma patologia, mais pertinente

aos domínios dos distúrbios mentais, algo da ordem dos distúrbios mentais,

sendo o produto, a poesia, um produto da tensão entre a saúde e a doença. Ou,

ainda, produto de jovens burgueses no exercício de suas liberalidades

estudantis temporárias. Todas perspectivas de não pouco valor, mas

eventualmente tendentes a uma certa estagnação.

Contudo, a inclusão no conjunto de “A orgia dos duendes” ao conjunto

altera este quadro. O poema sobre a festa maldita se enquadra explicitamente

numa outra tradição, da literatura satânica que prolifera de modo consistente no

romantismo, escrita por alguns dos grandes nomes do movimento — Victor

Hugo, Théophile de Gautier, Charles Nodier —, remonta à grande obra de

Goethe até ultrapassar os limites do campo literário, quando remete à tradição

alquimista e feiticeira. A grande mágica realizada pelos duendes bernardinos é

um exercício de revelação do sublime que não tem por base o recalque e sim o

prazer do excesso e da circulação relativamente livre entre as normas e os

tabus. O poema da orgia avisa que sob a floresta idílica, em que a virgem

passeia vaporosa, existe a morte, o pecado, o som lúgubre e a música torpe

querendo todos o seu espaço na terra, nem que seja numa folia noturna.

Nesse novo enquadre, o poema do elixir deixa de ser uma paródia

subordinada ao corte indianista do romantismo e vai ocupar o seu espaço na

tradição pornográfica de Bocage e Apuleio — poetas clássicos, naquilo que

clássico significa modelo a ser copiado finamente. Faz isto mais bem resolvido

que eles, pois enquanto o argumento do poema bocageano é da ordem do

desamparo e o poema clássico é premido pela pedagogia moralizante, o poema

bernardino funciona nos vastos horizontes do excesso e do prazer.

O bárbaro pajé, centro da autonomia cultural dos povos autóctones,

depois de assassinado pela metáfora apaziguadora do indianismo de feições

européias, recupera a virulência de funcionar como uma metonímia dos vastos

perigos das florestas imensas e luxuriantes, onde está o cauim inebriante, o

canibalismo do inimigo e as muitas “conas” e “cus” indianos.

A protagonista do poema sobre o mênstruo surge na cena romântica

como uma deusa de navalha na mão, sangue nas pernas, “cona” ardendo, ódio

nos olhos, praga na boca. Ela rapta as mulheres sublimes da poesia do

romantismo canônico, que desprevenidas passearam pela floresta da luxúria,

como se por ali não circulassem feras, espectros, pajés e narradores priápricos

de poemas do elixir. Rasga as vestes imaculadas daquelas, expõe os seus

corpos e desejos, condenando-as ao sangue, ao odor e as dores do mênstruo.

A dureza das penalidades sofridas pela obra de Bernardo é fruto de sua

extrema competência em utilizar a própria poesia para satirizar e ironizar o

romantismo tradicional. Porém, ao escrever seus poemas, ele está propondo

um lugar novo para a poesia de seu tempo.

Paródia, como definida tradicionalmente estaria ligada à idéia de

subordinação ao modelo parodiado.346 Visto pela ótica de Haroldo de Campos,

ela não seria necessariamente uma imitação burlesca, mas uma espécie de

346 VIEIRA HEAD, p. 98-99.

canto paralelo. Um discurso que nasce agregado e condicionado ao texto que

parodia, porém, com a assimilação de sua estrutura própria, ele está

imediatamente pronto para receber novos sentidos: seria um texto autônomo,

até para ser parodiado.347 As alusões e associações de idéias em torno da

palavra chula são formas de convocar o riso, esse elemento que prescinde de

explicações racionais e deforma o mundo, mas o reconstrói em outra bases e

valores. Este é o sentido da palavra obscena, em Bernardo. Com ela o poema

do elixir abre espaço para um índio diverso daquele idealizado no poema de

Gonçalves Dias. No poema de Vênus, ela avisa que existe outra mulher na cena

romântica. Em ambos chama a atenção para o oculto.

Nunca é demais lembrar o registro e a artesania cuidadosos do verso de

Bernardo Guimarães — entre todos que leram os poemas da floresta

enfeitiçada e dos corpos da luxúria é difícil encontrar quem discorde disto. O

que parece acontecer ao final é a surpresa da crítica diante da violência do

texto de Bernardo que rompe com os parâmetros da tradição lírica, embora se

mantenha evidentemente pautada por ela, numa sofisticada inflexão

neoclássica, e coloca em cheque os interesses dos grupos hegemônicos,

interesses projetados sobre obras e autores que integram as lutas simbólicas no

campo literário brasileiro no tempo de vida do poeta e agora.

Para este nosso tempo, fica a reivindicação desta tese: é hora dos

poemas bernardinos serem colocados ao lado dos Macunaíma, dos Poema

Sujo e de tantos sujeitos poéticos que nasceram para ser gauche na vida,

ampliando os espaços constitutivos do campo literário, posto que tanto quanto

aqueles o pajé priáptico e a deusa desejante integram o imaginário da literatura,

347 Cf. SCHENAIDERMAN, 1980, p. 89- 113.

mesmo que recalcados e censurados. Este é o trabalho do texto bernardino!

Isto é algo de literário que há nele.

6 REFERÊNCIAS

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GUIMARÃES, Bernardo. O elixir do pagé. Ilustrado. Rio de Janeiro: Edições Piraquê, 1958.

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GUIMARÃES, Bernardo. Poesias completas de Bernardo Guimarães. Introdução, organização e notas Alphonsus de Guimaraens F°. Rio de Janeiro: INL/MEC, 1959.

GUIMARÃES, Bernardo. Poesia erótica e satírica. Prefácio, organização e notas Duda Machado. Rio de Janeiro: Imago, 1992.

GUIMARÃES, Bernardo. Produções satíricas e bocageanas de Bernardo Guimarães [Livro eletrônico] www.bn.br. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, 2002. Consultada em 14 de março de 2005.

6. 2 ARTIGOS, CAPÍTULOS E LIVROS COM REFERÊNCIAS AO AUTOR ALPHONSUS, João. A posição moderna de Bernardo Guimarães. MINAS GERAIS, Belo Horizonte, 18 jul. 1970. Suplemento Literário, p. 4.

ANTHOLOGIE DE LA POÉSIE ROMANTIQUE BRÉSILIENNE. Poèmes choisis par Izabel Patriota P. Carneiro. Présentés et harmonisés par Didier Lamaison. Préface d’Alexei Bueno. Paris : Editions Eulina Carvalho-UNESCO, 2002.

AZEVEDO, Arthur. Bernardo Guimarães. Almanaque, de Heitor Guimarães, 1885. p. 223.

ASSIS, Machado de. Instinto de nacionalidade (24/mar./1873). In: ______. Obra completa: poesia, crítica, crônica, epistolário. Vol. III. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. p. 801-809.

ASSUNÇÃO, Newton. As poesias de Bernardo Guimarães. CORREIO DA MANHÃ. Rio de Janeiro, p. 10, 5 jul. 1958.

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6. 3 OBRAS DE OUTROS POETAS E REFERÊNCIAS ÀS SUAS OBRAS

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ANTOLOGIA de poesia portuguesa erótica e satírica (dos cancioneiros medievais à actualidade). Seleção, prefácio e notas Natália Correia. 3ª ed. Lisboa : Antígona: Frenesi, 1999. AZEVEDO, Manoel Antônio Álvares de. Obras de Manoel Antônio Álvares de Azevedo. 7ª edição. 3 v. Rio de Janeiro: Garnier, 1900.

BAUDELAIRE, Charles. Correspondances. ———. Les fleurs du mal (1857). Présentation et notes de Claude Lémie et Robert Sctrick.Paris : Presses Pocket, 1981. BILAC, Olavo. Bocage. Conferencia realizada no Theatro Municipal de S. Paulo em 19-3-17. Porto: Edição da Renascença Portuguesa, 1917. BOCAGE, Manuel M. de B. du. Poesias eróticas, burlescas e satyricas. 2ª edição. Bruxellas: MC, 1860. CAMINHA, Pero Vaz de. Carta de 1° de maio de 1500. In CASTRO, Sílvio de (introdução, atualização e notas). A carta de Pero Vaz de Caminha - o descobrimento do Brasil. Porto Alegre: LP&M, 1985. CAMÕES, Luís de. Os Lusíadas (1572). Edição fac-símile. Lisboa: Imprensa Nacional, 1931. CANTIGAS d’escarnho e de mal dizer dos cancioneiros medievais galegos portugueses. Organização e apresentação Manuel Rodrigues Lapa. 2ª edição. Revista e acrescentada. Coimbra: Editorial Galáxia, 1970. DIAS, Gonçalves. Poesia e prosa completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1998. DURÃO, J. Santa Rita. Caramuru: São Paulo: Martin Claret, 2004. ESPRONCEDA, José de. Obras completas de D. José de Espronceda. Edición, prologo y notas de D. Jorge Campos. Madrid: Ediciones Atlas, 1954. MONIZ, Fábio Frohwein de Salles. Na (contra)mão da ordem e do cânone: vida e poesia de Laurindo Rabelo. Orientador Wellington de Almeida Santos. Rio de Janeiro, 2004. Dissertação (Mestrado em Literatura Brasileira) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2004. GAUTHIER, Théophile de. Œuvres poétiques complètes. Édition établie par Michel Brix. Paris : Bartillat, 2004. p. 9-58. GOETHE, Johann Wolfgang von. Fausto: uma tragédia. Primeira parte. Tradução Jenny Klabin Segall. Apresentação, comentários e notas de Marcus Vinicius Mazzoni. São Paulo: Editora 34, 2004. ————. Werther. São Paulo: Abril Cultural, 1971.

HERCULANO, Alexandre. Futuro literário de Portugal e do Brasil (1847). In: DIAS, Gonçalves. Poesia e prosa completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1998. p. 97-100. HUGO, Victor. Poésie. Préface de Jean Gaulmier. Présentation et notes de Bernard Leuilliot. Paris : Seuil, s/d. MAGALHÃES, D. J. Gonçalves de. A confederação dos tamoios. Apresentação “A rebelião dos indígenas,” por Edmundo Moniz; Introdução literária “Aimbire e Iguaçu”, por Ivan Cavalcanti Proença; Introdução histórica “O genocídio”, por Dalmo Barreto. 3ª edição. Rio de Janeiro: Secretaria de Estado de Cultura, 1994. ———. Gonçalves de. Discurso sobre a história da literatura do Brasil. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1994. NODIER, Charles. Infernaliana. Paris : Sanson, 1822. ———. Smarra, ou Les démons de la nuit, songes romantiques, traduits de l'esclavon du Cte Maxime Odin, par Ch. Nodier. Paris : Ponthieu, 1821. p. 133-141. OVÍDIO. Metamorfoses. Tradução M. M. B. du Bocage. Introdução João Oliva Neto, São Paulo: Hedra, 2000. SANTOS, Wellington de Almeida. “Álvares de Azevedo e a ironia romântica” in POESIA SEMPRE. Dossiê Álvares de Azevedo. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional/Departamento. Nacional do Livro, ano 6 — nº 9 (março), 1998. p. 336-346. STADEN, Hans. Duas viagens ao Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia, 1974. TEIXEIRA, Ivan. Obras poéticas de Basílio da Gama: ensaio e edição crítica. São Paulo: Edusp, 1996.

VIRGÍLIO, s/d.. Eneida. Tradução David Jardim Júnior. Introdução Paulo Rónai. Rio de Janeiro: Ediouro, s/d.

6. 4 DICIONÁRIOS, GRAMÁTICAS E OUTRAS OBRAS DE REFERÊNCIA ABBAGNANO, NICOLA. Dicionário de filosofia. Tradução Alfredo Bosi. 2ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 1998. ARAÚJO, Wanderley Pinho de. Salões e damas do Segundo Império. 7a ed. São Paulo: Livraria Martins Editora, 1970. AZEREDO, José Carlos. Fundamentos da gramática do português. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000. BULFINCH, Thomas. O livro de ouro da mitologia (A idade da fábula). Tradução David Jardim Júnior. Rio de Janeiro: Tecnoprint, 1965. CAMPOS, Geir. Pequeno dicionário de arte poética. 4ª edição revista e aumentada. Rio de Janeiro: Ediouro, 1995. CÉSAR, Guilhermino (organização e notas) Historiadores e críticos do romantismo. Rio de Janeiro: Edusp, 1978. CHEMAMA, Roland (organizador). Dicionário de psicanálise. Tradução Francisco Franke Settineri. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. CUNHA, Celso, CINTRA, Luís F. Lindley. Nova gramática do português contemporâneo. 2ª edição. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. DENIS, Ferdinand. Resumo da História Literária do Brasil: considerações gerais sobre o caráter que a poesia deve assumir no Novo Mundo (1826). In: CÉSAR, Guilhermino (organização e notas). Historiadores e críticos do romantismo. Rio de Janeiro: Edusp, 1978. p. 35-82. ———. Scènes de la Nature sous les Tropiques, et leur Influences sur la Poésie, suivies de Camoens et Jozé Índio. Paris : L. Janet, 1824. ———. Notice sur le matelot Selkirk, sur Saint-Hyacinthe, sur l’ile de Juan-Fernandez, sur les Caraïbes et les Puelches. In DEFOE, Daniel. Robinson Crusoé . Trad. Pedrus Borel, enrichi pde l avie de Daniel de Foé [...]. Paris : Borel, 1836. I-XV

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6. 5 CENSURA, MARGINALIDADE, OBSCENIDADE E PORNOGRAFIA ALESSANDRIAN. História da literatura erótica. Tradução Ana Maria Scherer e José Laurênio de Mello. Rio de Janeiro: Rocco, 1993. BARROS, Huston Lemos de. Carne, moral e pecado no século XVI – o Ocidente e a repressão aos “deleites” da volúpia e aos “delitos” por cópula “ilícita”. João Pessoa: Almeida Gráfica e Editora Ltda., 1995. BATAILLE, Georges. L’Erotisme. Paris: Les Éditions de Minuit, 1995. BATAILLE, Georges. A história do olho. Tradução e prefácio Eliane Robert Moraes. São Paulo: Cosac & Naify, 2003. GAUTIER, Théophile. Les grotesques. Bassac (France) : Plein Chant, (1844) 1993. HUNT, Lynn (organização). A invenção da pornografia: obscenidade e as origens da modernidade 1500-1800. Tradução Carlos Szlak. São Paulo: Hedra, 1999. KAISER, Wolfgang. O grotesco. 1ª edição, 1ª reimpressão. São Paulo: Perspectiva, 2003.

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6.6 OUTROS LIVROS, ARTIGOS E ENSAIOS ARRIVÉ, Michel. Lingüística e psicanálise: Freud, Saussure, Hejlmslev, Lacan e os outros. Prefácio Jean-Claude Coquet. Tradução Mário Laranjeira e Alain Mouzat. 2ª edição. São Paulo: Edusp, 2001. BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. 7ª edição. Tradução Michael Lahud e Yara F. Vieira. São Paulo: Hucitec, (1929) 1995.

BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na idade média e no renascimento: o contexto de Rabelais. Tradução Yara Frateschi Vieira. 5ª edição. São Paulo: Hucitec/Annablume, (1965) 2002. BALTOR, Sabrina Ribeiro. As descrições picturais em Jettatura de Théophile de Gautier. Rio de Janeiro: Faculdade de Letras/ Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2002. Dissertação de Mestrado em Língua Francesa e literatura, BAREL, Ana Beatriz Demarchi. Um romantismo a oeste: modelo francês identidade nacional. São Paulo: Annablume-FAPESP, 2002. BARTHES, Roland. A aventura semiológica. Tradução Maria de Santa Cruz. Lisboa: Edições 70, (1985) 1987. ———. Aula. Tradução e notas Leyla Perrone-Moisés 10ª edição. São Paulo: Cultrix, (1978) 1992. ———. Crítica e verdade. Tradução Leyla Perrone-Moisés. São Paulo: Perspectiva, 1970. ———. Dix ans de sémiologie — La théorie du texte (1961-1971). In ———. Œuvres complètes. Tome II - 1966-1973. Édition établie et présentée par Éric Marty. Paris : Seuil, 1994. ———. Elementos de semiologia. Tradução por Isidoro Bikstein. São Paulo: Cultrix, 1977. ———. O efeito do real. In : ——— et alli. Literatura e semiologia. Tradução Célia Neves Dourado. Petrópolis: Vozes, 1972. ———. Essais critiques. Paris: Seuil, 1964. Tradução de parte in ———. Crítica e verdade. Tradução Leyla Perrone-Moisés. São Paulo: Perspectiva, 1970. ———. O grão da voz. Tradução Anamaria Skinner. Rio de Janeiro: Francisco Alves, [1991] 1995. ———. Mitologias [1957]. Tradução Rita Buongermino e Pedro de Souza. 7 ed. São Paulo: Bertrand, 1987.

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