benevides, maria victoria.violencia e imprensa as machete do medo in violência, povo e polícia...

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7/16/2019 BENEVIDES, Maria Victoria.Violencia e imprensa as machete do medo in Violência, povo e polícia violência urbana no noticiário de imprensa. São Paulo Brasiliense, 1983..pdf http://slidepdf.com/reader/full/benevides-maria-victoriaviolencia-e-imprensa-as-machete-do-medo-in-violencia 1/6 18 MAHIA VICfORIA BENEVIDES limites de um a investigação preliminar, contribuir para o conhecimento desta realidade tão cruel quanto "tranqüila mente" aceita neste sistema que perpetua as desigualdades e valoriza os privilégios. Se este objetivo fizer avançar o debate sobre as causas e soluções, terá valido a pena o contato - mt:smo que simplesmente através da notícia ou da entrevista - com esse mundo bárbaro da tortura, do "Esquadrão da Morte", dos linchamentos .. bem como da corrupção, do arbítrio, da covardia. Insista-se ainda um a vez: a questão da defesa dos Direitos Humanos não é ape na s de ordem moral. Insere-se, definitivamente, em toda e qualquer proposta de ampliação da cidadania. Insere-se, portanto, na proposta maior da abertura política no país. Da democracia, enfim. Maria Victoria Benevides Abril 1983 I L Violência e imprensa: as manchetes do medo ',} "Você vai morrer, você ia i morrer .. " "O s homens da chacina. " "Atentados sexuais viram hábito na rotina dos assal tos." "Acompanhe: os assassinos do jovem Satow vão mos- trar como foi o crime. " "Rio, um a cidade gritando po r socorro!" "São Paulo, capital da violência, vive no medo." ••A mobilização do pânico. " "Pega, mata, enforca!" "Para vingar tenente, PMs ameaçam matar inocen tes. " As manchetes acima foram retiradas de jornais da "grande imprensa" entre 1979 e 1982: O leitor desavisado, surpreendido em sua cena familiar de classe média, imagi nará um mal-entendido: estaria, por acaso, lendo os "popu lares" sensacionalistas, aqueles "que pingam sangue"? A perplexidade é transitória; transforma-se, em pouco tempo, em sentimentos cada vez menos difusos de insegu rança e medo. Trata-se da síndrome causada pela divulga ção maciça, em todos os meios de comunicação, do qu e se convencionou chamar de "onda da violência". O supostº aumento da criminalidade violenta transformou-se em pro- (1) Jornal da Tarde (27.11.79 e 20.12.791; Jornal do Brasil (4.11.791; Jornal da Tarde (9.12.801; O Estado de S. Paulo (11.1, 7. 4 e 24.5 de 1981 I; Folha de S. Paulo (18.1. e 24.9 de 1981 I.

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7/16/2019 BENEVIDES, Maria Victoria.Violencia e imprensa as machete do medo in Violência, povo e polícia violência urbana no noticiário de imprensa. São Paulo Brasiliense, 1983..pdf

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18 MAHIA VICfORIA BENEVIDES

limites de um a investigação preliminar, contribuir para oconhecimento desta realidade tão cruel quanto "tranqüila

mente" aceita neste sistema que perpetua as desigualdades

e valoriza os privilégios. Se este objetivo fizer avançar odebate sobre as causas e soluções, terá valido a pena ocontato - mt:smo que simplesmente através da notícia ou

da entrevista - com esse mundo bárbaro da tortura, do

"Esquadrão da Morte", dos linchamentos .. bem como dacorrupção, do arbítrio, da covardia. Insista-se ainda um a

vez: a questão da defesa dos Direitos Humanos não é ape

nas de ordem moral. Insere-se, definitivamente, em toda equalquer proposta de ampliação da cidadania. Insere-se,portanto, na proposta maior da abertura política no país.

Da democracia, enfim.

Maria Victoria BenevidesAbril 1983

IL

Violência e imprensa:as manchetes do medo

',}

"Você vai morrer, você ia i morrer .. ""O s homens da chacina.""Atentados sexuais viram hábito na rotina dos assal

tos."

"Acompanhe: os assassinos do jovem Satow vão mos-

trar como foi o crime. ""Rio, um a cidade gritando po r socorro!"

"São Paulo, capital da violência, vive no medo."

••A mobilização do pânico."

"Pega, mata, enforca!""Para vingar tenente, PMs ameaçam matar inocen

tes. "

As manchetes acima foram retiradas de jornais da

"grande imprensa" entre 1979 e 1982: O leitor desavisado,

surpreendido em sua cena familiar de classe média, imagi

nará um mal-entendido: estaria, por acaso, lendo os "popu

lares" sensacionalistas, aqueles "que pingam sangue"?

A perplexidade é transitória; transforma-se, em pouco

tempo, em sentimentos cada vez menos difusos de insegu

rança e medo. Trata-se da síndrome causada pela divulga

ção maciça, em todos os meios de comunicação, do qu e seconvencionou chamar de "onda da violência". O supostº

aumento da criminalidade violenta transformou-se em pro-

(1) Jornalda Tarde (27.11.79 e 20.12.791; Jornal do Brasil (4.11.791;Jornal da Tarde (9.12.801; O Estado de S. Paulo (11.1, 7. 4 e 24.5 de 1981 I;

Folha de S. Paulo (18.1. e 24.9 de 1981 I.

7/16/2019 BENEVIDES, Maria Victoria.Violencia e imprensa as machete do medo in Violência, povo e polícia violência urbana no noticiário de imprensa. São Paulo Brasiliense, 1983..pdf

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20 MARIA VICTORIA BENEVIDES

blema nacional e, como tal, tratado em Congressos e Seminários de várias origens, e "reproduzido" na imprensa,

sobretudo no período compreendido entre o segundo semestre de 1979 e inícios de 1982. (A partir de então predo

minariam debates sobre as reformas partidárias e eleitoral,enfocadas pelo óbvio interesse das eleições previstas para

novembro de 1982. No plano institucional predominariam

as questões relativas ao alcance e aos limites da abertura,sobretudo em função dos riscos da "desestabilização doregime" com os atentados terroristas no Rio de Janeiro.)

A 14 de agosto de 1979 o então ministro da Justiça,

Petrônio Portella, assinava uma portaria para a constituição de um grupo de trabalho, composto por juristas e cientistas sociais, que deveriam apresentar "u m minucioso estudo interdisciplinar sobre o crime e a violência no país,

acompanhado de sugestões que sirvam de base para asprovidências executivas do governo nesta matéria". O pri

meiro "considerando" destacava o dever do governo "n a

salvaguarda e proteção dos cidadãos atingidos pela crescente onda de criminalidade e violência que lavra nos centros populosos do país, vitimando pessoas de todas as clas

ses sociais e destruindo patrimônios". Do ponto de vistadesta pesquisa, interessa destacar as considerações, feitasno "Relatório dos Juristas", referentes à influência dosmeios de comunicação sobre os problemas sócio-criminais:"Esse grande elemento de informaç'ão que é a imprensa

honesta, sóbria e dignificante, está sujeito, em alguns

casos, a um a orientação errônea que altera e perverte ofato, fazendo flutuar a opinião pública, opinião desprepa

rada culturalmente, para rumos incertos, desconhecidos eaté perigosos, na apreciação dos julgamentos penais. AJustiça Criminal, para ser distribuída, fica, não raro, aosabor do posicionamento da imprensa, que orienta a opi-nião pública ao sabor de seu desejo, nem sempre coinci-dente com os mais altos propósitos das decisões penais.

Assim como se fala da violência institucionalizada da Polícia, seria possível falar-se da violência que os meios decomunicação resolveram institucionalizar. Páginas inteiras

falando com linguagem desabrida, adjetivação escanda-

V I O L ~ N C I A . POVO E POLIcIA 21

losa, das liberdades sexuais, das luxúrias, dos costumes, da

libertinagem das criaturas humanas; falando dos crimes de

sedução, de estupro, de assalto, de roubo, de seqüestro, de

extorsão, como se isto tudo fosse o grande e principal elemento de cultura para inteligência do povo brasileiro". O"Relatório dos Cientistas Sociais", por outro lado, afirma

que "não há provas concludentes do relacionamento dos

meios de comunicação com a criminalidade". 2

Entregues os relatórios, a súbita morte do ministrocriou evidentes problemas de administração interna e de

política nacional no tocante às prioridades da Pasta da Jus

tiça. O tema da violência e ':tia criminalidade permaneceu

envolto em discussões e projetos, e a "onda" atingiu níveisconsiderados "paroxísticos" pelo novo ministro da Justiça.3

Meses depois de baixada a portaria ministerial, a violênciatomou de assalto as páginas mais nobres dos principais

jornais do país. Fala-se da escalada da violência e da crimi

nalidade em termos que vão desde "neurose coletiva de

insegurança" a "guerrilha urbana", passando por "clima

alucinatório" e "barbárie avassaladora". A imprensa tor

nou-se o veículo natural para a divulgação cotidiana de

noticiário de violência e de criminalidade, assim como oespaço para a discussão de suas causas e de propostas para

seu combate e repressão.

O primeiro dado a ser considerado, portanto, se refere

a essa mudança de atitude da imprensa tradicional em

relação à violência. Jornais "contidos" - a imprensa "ho- .nesta, sóbria e dignificante" , que fala o "Relatório dos

Juristas" - passaram a destacar manchetes em primeira

página e a dedicar amplo espaço aos temas da delinqüência

violenta. O exemplo do Jornal do Brasil é o mais explícito: ,em janeiro de 1981, o jornal passou a publicar um a rubrica

especial, intitulada Violência, no alto da folha, com omesmo destaque das tradicionais rubricas Política e Go

verno, Internacional, Esportes, etc. Além dessa inovação,

(2) Criminalidade e Violência - Relatório dos Grupos de Trabalho 'de Juristas e Cientistas Sociais, Ministério da Justiça, 1980, pp. 92 e 352.

(3) Entrevi sta coletiva à imprensa do ministro Abi-Ackel, 13.1.81.

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22 MARIA VICfORIA BENEVIDES

inédita no jornalismo nacional, o JB inaugurou um a seçãode primeira página, com a cronologia dos eventos violentosna cidade do Rio de Janeiro ("A Violência de Ontem").

O Estado de S. Paulo, embora de forma mais discreta,passou a reservar maior espaço ao tema, destacando-se editoriais sobre as causas da violência e o papel da repressão

policial.4 A Folha de S. Paulo editou cadernos especiais

sobre violência, e, além do amplo noticiário, abriu espaçopara o tratamento do tema por analistas. O Jomal da Tarde

- ves pe rt ino da empresa O Estado de S. Paulo - publicou

reportagens em série (como "Cuidado São Paulo: registroinstantâneo de um a violência interminável", em janeiro de

1980); especializo u-se no acompanhamento diário dos "ca

sos especiais" ("Acompanhe: começa a grande caçada ao

estuprador", em agosto de 1982) e abriu maior espaço para

cartas dos leitores sobre o tema. Revistas semanais dedicaram capas à violência urbana (Veja chegou a qualificá-lacomo "guerra civil").

O que explicaria essa mudança de atitude?

É preciso te r claro que essa violência noticiada pela

"grande imprensa" com destaque refere-se aos delitos dos

já chamados "marginais" - como roubos, assaltos, furtos,"trombadas" - e que passaram a atingir, de forma espetacular, os bairros de classe média e da burguesia. O interesse em divulgá-la, portanto, contribuiu para reforçar aestigmatização das "classes perigosas" 5 - o pobre será

(4) Uma rápida leitura das edições de domingo do JB e do ES P

exemplificam essa mudança de ênfase. No JB de 18.1.81 encontramos,

explicitamente sobre violêl1cia urbana: editorial de meia página; cartum do

Ziraldo; artigo de Fernando Pedreira; página inteira com entrevistas de auto-

ridades policiais; página inteira com estatísticas de "casos"; duas notas nacoluna social de Zózimo; artigo de página inteira no Caderno B, sobre com-

pra de armas; crônica do humorista Carlos Eduardo Novaes. No ESP do

mesmo domingo encontramos: editorial sobre polícia e escalada da violên-

cia; coluna inteira de Carlos Chagas, na seção "Notas e Informações"; duaspáginas inteiras de noticiário policial;entrevistas com autoridades policiais;noticiário sobre violência nas páginas dedicadas ao interior do Estado.

(5) Para uma abordagem histórica, ver, de Alberto P a ~ s o s Guima-

rães, As Classes Perigosas, Rio de Janeiro, Graal, 1982. Para um estudor. -__ _ _-= ..•.. :"..:.:-.c-.__ _

VIOLENCIA, POVO E POLIcIA 23

sempre o suspeito, o bandido em potencial, quando nã o"d e nascença" - e para dramatizar o quadro da violênciaurbana (os grandes crimes contra a economia popular são

naturalmente minimizados - não costumam empregar violência física explícita - quer no noticiário, quer nos edi

toriais). A declaração do delegado Edgar Façanha, da Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro, é insuspeita: "Oque ocorreu é que os bandidos que assaltavam na Baixada

Fluminense, onde no máximo podiam levar da casa do

pobre um aparelho de tevê em preto e branco, passaram aatacar mansões .. De repente a sucessão de assaltos come

çou a tomar conta dos espaços dos jornais. Como mexeu

com os ricos, criou-se logo um a crise no apareUio de -segu

iança: Baixada, quem vai dizer que a casa de um pobre

lavrador foi assaltada?" (JT, 13.1.81).Em outros termos, a socióloga Maria Lúcia de Oliveira

aponta um a razão para a "novidade" do fenômeno: "o que

há de novo na área urbana do Grande Rio, da Grande São

Paulo ou da Grande Belo Horizonte, nã o é a presença dos

'marginais', a precariedade da vida nas favelas ou o crime

nã o desvendado e não punido. O novo e assustador é o \avizinhamento, que se faz cada vez mais próximo entre)essas coisas e nós, habitantes das zonas privilegiadas em .que violência, insegurança e medo sempre tiveram muito

mais a ver com o que se passava dentro das paredes de cada

casa, ou dentro da alma de cada um , do que com o desmo

ronar das frágeis barreiras que nos protegiam contra os

ataques das 'classes perigosas' " (JT, 28.12.79).

Um a advertência parece, portanto, razoável: a propa

ganda e o medo teriam crescido muito mais que a própria

criminalidade violenta. '[ra . ! l - = - s _ ~ - , - ' p Q i s . ..... € L n ~ º ~ o n b . I ! l J ! . ! L _ a _visibilidade de um f e n ô ~ e n o com sua existência real. Ahipótése a o J u · r i s t a - H é i i ~ B i ~ U : d o é ~ · n e S - s ~ s · e n t i d õ ~ -digna de

nota: "Não acho que haja um grande surto de criminali

da de nas cidades como Rio e São Paulo. Qqueexiste .é VIlla

P . E ~ l ) _ ~ g a I 1 ( : : l a intensa do c r e s ç i l 1 } . ~ n t o da c r i ~ i n a l i d ~ d e , com

especifico ver, de Percival de Souza, A Maior Violência do Mundo (Baixada

Fluminense do Rio de Janeiro), Rio de Janeiro, Traço Editora, 1980.

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24 MARIA VICfORIA BENEVIDES

vistasa-se. 1 c a n ç a . r - - ' ~ h l ~ ~ - - - . S - º - m o - ª - - - - C l i m i n u i ç ã o da idade

de Am1?J.ltabilidade criIl!J!l!ll, 1§ , a . I ! ~ s l ' a ~ ! l _ 1 6 ou, 14; aimposição de penas mais graves para os delitos contra opatrimônio; a instituição da prisão cautelar, e até mesmo apeQ.a pe morte" (JB, 25.4.80). E o criminalista Tércio Lins

e 'Silvaconfirma: "O s meios de comunicação têm sido

responsáveis pela criação de um a ideologia capaz de desen

volver um sentimento que pode ser identificado po r um acerta sede de vingança, que pode ser materializada ou expressa através do linchamento em via pública ou aceitação

de penas mais elevadas" (JB, 28.12.80).

Por outro lado, a imprensa costuma ser responsabili

zada pelo "descrédito" da s instituições policiais, na medida

em que veicula notícias sobre a violência e o arbítrio da

polícia be m como sobre o envolvimento de policiais em

quadrilhas do crime organizado ou nos sinistros "Esqua

drões da Morte". A queixa é antiga, explícita nas entre

vistas de várias autoridades, desde o diretor-geral da Polícia

Federal em 1980, coronel Moacir Coelho - que apontava aresponsabilidade da imprensa "n a divulgação de violênciascontra presos" (FSP, 6.3.80) - até o recém-nomeado

secretário de Segurança de São Paulo, Manoel Pedro Pi

mentel, para quem a imprensa é culpada ao dizer que "apolícia mata e que a ROTA é composta de assassinos"

(FSP, 29.3.83).O objetivo desta pesquisa não é investigar o papel da

imprensa na "dramatização" da violência. 6 Os dados de

imprensa são especiaLmente relevantes para uma apreensão

dos fatos e, principalmente, da "imagem" da violência qu e

é "passada", seja através das entrevistas das autoridades,

seja através dos artigos e reportagens. Um a pesquisa espe

cífica sobre a responsabilidade da imprensa deveria levar

em conta outras questões, tais como:

(6) Ver, de João Manuel de Aguiar Barros, liA utilização político-

.'f. ideológica da delinqüência", in Educação e Sociedade, n? 6, São Paulo,Cortez, junho 1980; de Ramão Gomes Portão, Criminologia da Comunica-ção, Rio de Janeiro, Traço Editora, 1981; de Ruben George Oliven, Violên-cia e Cultura no Brasil, Petrópolis, Vozes, 1982. Aguarda-se, sobre omesmo tema, o trabalho de Volanda Catão.

I

1

VIOLENCIA. POVO E POLICIA 2S

o aumento do espaço concedido pela imprensa àviolência corresponde, e em que medida, ao e f ~ t i v o au

mento do índice de criminalidade na população como um

todo?_ a opinião de cada jornal (editoriais e artigos assi-

nados) apresenta um nível de coerência que permita apon

tar uma determinada "linha"?

_ existe relação entre o noticiário e as respostas governamentais de repressão e controle da violência e da

criminalidade?

Tais questões e x t r a p o l ~ m , evidentemente, os limites

desta pesquisa. :

• • •

--Na primeira fase da pesquisa foi realizado um intenso

e cotidiano trabalho de levantamento de dados, classificação e formação de dossiês de imprensa 7 que abrangem,

apenas, modalidades de criminalidade violenta urbana,

individual ou coletiva e de violência institucional (a repres

são policial quando extrapola os limites impostos pela lei).São excluídos os chamados crimes passionais ou "patoló

gicos", na medida em que não são considerados, direta

mente, "sociais". São excluídos, ig ualmente, dados de violência rural (geralmente associada a conflitos de terra) e de

violência política (tanto a de contestação quanto a institu

cional, da repressão política).A pesquisa tem como objeto próprio de análise dados

de e sobre violência urbana noticiados pela imprensa. Isso

significa um a reconhecida limitação quanto à apreensão do

fenômeno global, pois se é sabido que apenas uma parte

reduzida dos casos é registrada pela polícia, menor ainda

será a proporção relatada na imprensa. É importante te r

igualmente claro que a influência da imagem difundida

peloschamados prestige

papersdeve ser

relativizada, tendo

(7) Os dossiês encontram-se à disposição do público no Setor de

Documentação do CEDEC.

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1

VIOLENCIA. povo E POLIcIA27

em vista seu público leitor, sua vinculação quase que exclusiva com certas camadas da população.

A Tabela 1 apresenta o número de matérias analisa-

das, nos três maiores jornais pesquisados, discriminando-se

o tipo de matéria (notícias, editoriais e artigos) e o conteúdo

principal. Os dados não abrangem outros periódicOS pesquisados _ como o Jornal da Tarde, o Jornal da República

ou os semanários - porque nestes órgãos a pesquisa não foisistemática. O Jornal da Tarde destaca-se pelo espaço reser

vado à seção de "Cartas dos Leitores" e pelos artigos de

especialistas, como os jornalistas Percival de Souza e FaustoMacedo. O Jornal da República, de curta duração (agosto

de 1979 a janeiro de 1980) foi especialmente consultado em

virtude de sua proposta de tratar o noticiário policial não

apenas como um fait-divers, ma s em termos de um a ques

tão mais global, abrangendo os aspectos sociais e culturais

de cada fato. 8Observa-se que das 621 matérias analisadas pouco

mais de um terço refere-se a denúncias e/ou queixas sobre apolícia _ quanto a atos de violência e arbítrio, quanto aomissão ou ao despreparo dos policiais. Neste item destaca

se o elevado número de editoriais do Jornal do Brasil (cincovezes mais do que os outros); cumpre lembrar que o JB,

neste período, movia intensa campanha contra a atuação

da polícia no Rio de Janeiro, quer do ponto de vista da

//violência e do arbítrio, quer do ponto de vista da corrupçãoe da cumplicidade com o crime organizado e a contraven

ção do "jogo do bicho". Datam deste período alguns casos

famosos, que permaneceram várias semanas no noticiário

da imprensa: o desenvolvimento do "caso Marli" (a empre

gada doméstica que ousou enfrentar a polícia Militar para

identificar os assassinos de seu irmão); o "caso Misaque

Jatobá" (seqüestro e assassinato, po r policiais, de pessoas

supostamente envolvidas com tráfico de drogas) e o "caso

(8) Uma coleção completa do Jornal da República encontra-se no

Setor de Documentação do CEDEC. Neste tema específico destacam-se

matérias sobre a pena de morte e sobre linchamentos. Agradeço a espe-

cial atenção do jornalista Mino Carta.

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28 MARIA VICTORIA BENEVIDES

Rosário", o jovem comerciário que morreu após ser tortu

rado na delegacia apenas porque se recusara a mostrar

documentos numa "batida" policial nos ônibus da cidade. 9

O "caso Marli", só no Jornal do Brasil, foi tratado, de abril

ajunho de 1980, em S9 notícias e 6 editoriais.

De--agosto -de 1979étagos1o.-de-1-980-foram levantadas,

nos três maiores jornais,.diado.s. .29 8 notícias r e f e r e n t e s - - ã ~126 casos de violência policial; destes, 22 são d e n ú n c i a S - ~ '

.comprovàdas de torturas a presos ou suspeitos e 1S são nq-

tícias de seqüestros seguidos de morte envolvendo direta

mente policiais (não se trata d ~ _ " E s q u a < i r ã ü " , ma s de p o l ~ciais identificados). Dê3:gostode --1980 a julho de 1981

foram levantadas 347 notícias, referentes a 14S casos de

yiolência policial; contam-se 16 casos de tortuca c o m p r o ~ ~vada a presos ou suspeitos e 24 casos de proçessüsen

volvendopoliCiaisdenunciados por"'tortuia ou morte de

presos.

No item "discussão de questões do Código Penal"

destacam-se, pela freqüência com que foram noticiadas,

a discussão sobre as modificações a serem introduzidas, tais

como a "prisão cautelar" e a "prisão-albergue". H ~ u v e ,com menor freqüência, noticiário sobre a diminuição da

idade de responsabilidade penal para 16 anos, bem como

sobre a pena de morte.

Este levantamento nã o inclui, especialmente, dados

sobre a atuac;ão violenta da Polícia Militar na s ruas -como a ROTA, em São Paulo - pois tal pesquisa foi econtinua sendo feita po r Paulo Sérgio Pinheiro, em seus

inúmeros trabalhos sobre o tema. Não inclui, igualmente,

dados sobre linchamentos, já levantados e publicados pela

autora, ou sobre violência policial contra menores. O

(9) Ver, sobre o caso, o l ivro de José Barbosa Rosário, Quando B

Polícia Mata, Rio de Janeiro, Ed, Achiamé, 1983,(10) Ver, de Paulo Sérgio Pinheiro, "Polícia e Crise Política: o Caso

das Polícias Militares", e de Maria Victoria Benevides, "Linchamentos:

Violência e 'justiça popular' ", ambos in Violência Brasileira, São Paulo,Brasiliense, 1982; de Rosa Fischer Ferreira, Meninos da Rua, Comissão

Justiça e Paz/CEDEC, 1980.

VIOLeNCIA. POVO E POLICIA29

O texto a seguir aborda o debate sobre causas (e solu

ções) da violência e da criminalidade, de acordo com adivulgação pela imprensa. Inclui a posição oficial - quan

do se destacam as declarações do ministro da Justiça eoutras autoridades do governo federal - e o chamado dis-

curso "alternativo".

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