bases de fisiologia da cultura da soja gil miguel de souza câmara

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BASES DE FISIOLOGIA DA CULTURA DA SOJA Gil Miguel de Sousa Câmara 1 1. INTRODUÇÃO Toda e qualquer vida existente no planeta é direta ou indiretamente dependente de uma “relativamente simples reação bioquímica”, denominada fotossíntese, que ocorre no interior de cloroplastos de células de seres fotossintetizantes, por meio da qual o CO 2 presente na atmosfera é fixado organicamente, desde que haja disponibilidade de água e luz no ambiente. De maneira simples, a reação da fotossíntese líquida é expressa por: CO 2 + H 2 O CH 2 O + O 2 De maneira mais completa, a reação da fotossíntese líquida é expressa por: 6CO 2 + 18ATP + 12NADPH + 12H + + 12H 2 0 6CH 2 O + 18Pi + 18ADP + 12NADP + Nota-se que são necessárias três moléculas de ATP para a fixação ou redução de cada molécula de CO 2 (LEHNINGER, 1976). Desde tempos imemoriáveis, a humanidade vive e sobrevive graças a esta “relativamente simples reação bioquímica”, a partir da qual, por meio da respiração celular, novos compostos orgânicos (aminoácidos, proteínas, carboidratos, ácidos graxos e outros) são sintetizados e utilizados pelas plantas e animais para crescimento estrutural, desenvolvimento reprodutivo e armazenamento de reservas, que no fim, serão utilizadas dentro de diversas cadeias tróficas como fontes de alimentos, energia e fibras. Atualmente, tem-se observado nítida redução no número de pessoas diretamente envolvidas com as atividades de produção animal e de produção vegetal. No Brasil, os sistemas agrícolas ou agroecossistemas, onde a cultura da soja possui efetiva e significativa participação, vêm apresentando relativos ganhos de rendimento. Entretanto, novas situações, desafios e problemas surgem, à medida em que maiores volumes de produção se 1 Eng o Agr o ., Prof. Associado, ESALQ/USP - Departamento de Produção Vegetal. Caixa Postal 9. CEP 13.418- 970. Piracicaba, SP. e-mail: [email protected] Luz e Clorofila Luz e Clorofila

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Page 1: BASES DE FISIOLOGIA DA CULTURA DA SOJA Gil Miguel de Souza Câmara

BASES DE FISIOLOGIA DA CULTURA DA SOJA

Gil Miguel de Sousa Câmara1 1. INTRODUÇÃO Toda e qualquer vida existente no planeta é direta ou indiretamente dependente de uma “relativamente simples reação bioquímica”, denominada fotossíntese, que ocorre no interior de cloroplastos de células de seres fotossintetizantes, por meio da qual o CO2 presente na atmosfera é fixado organicamente, desde que haja disponibilidade de água e luz no ambiente. De maneira simples, a reação da fotossíntese líquida é expressa por:

CO2 + H2O CH2O + O2 De maneira mais completa, a reação da fotossíntese líquida é expressa por: 6CO2 + 18ATP + 12NADPH + 12H+ + 12H20 6CH2O + 18Pi + 18ADP + 12NADP+

Nota-se que são necessárias três moléculas de ATP para a fixação ou redução de cada molécula de CO2 (LEHNINGER, 1976). Desde tempos imemoriáveis, a humanidade vive e sobrevive graças a esta “relativamente simples reação bioquímica”, a partir da qual, por meio da respiração celular, novos compostos orgânicos (aminoácidos, proteínas, carboidratos, ácidos graxos e outros) são sintetizados e utilizados pelas plantas e animais para crescimento estrutural, desenvolvimento reprodutivo e armazenamento de reservas, que no fim, serão utilizadas dentro de diversas cadeias tróficas como fontes de alimentos, energia e fibras. Atualmente, tem-se observado nítida redução no número de pessoas diretamente envolvidas com as atividades de produção animal e de produção vegetal. No Brasil, os sistemas agrícolas ou agroecossistemas, onde a cultura da soja possui efetiva e significativa participação, vêm apresentando relativos ganhos de rendimento. Entretanto, novas situações, desafios e problemas surgem, à medida em que maiores volumes de produção se

1Eng

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o., Prof. Associado, ESALQ/USP - Departamento de Produção Vegetal. Caixa Postal 9. CEP 13.418-

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originam, seja pelo uso de tecnologias mais eficientes, que resultam em aumentos de produtividade, seja pela expansão da fronteira agrícola. Independente de ser área tradicional ou área nova, a produção de uma determinada planta cultivada, sempre resultará das interações existentes entre a espécie escolhida, o ambiente de produção e o manejo adotado. Se o objetivo é atingir elevadas produtividades, torna-se essencial para quem exerce o gerenciamento da tecnologia e do ambiente de produção, conhecimentos detalhados do agroecossistema sob sua responsabilidade. Com respeito ao fator planta cultivada, o conhecimento sobre as sucessivas etapas de seu desenvolvimento (Fenologia), funcionalidade da espécie (Fisiologia) e interações com o ambiente em que se encontra (Ecofisiologia), é condição básica e necessária para se atingir elevados níveis de produtividade. 2. FISIOLOGIA E DESENVOLVIMENTO DA SOJA A soja é classificada como espécie de ciclo C3, isto é, pertence ao grupo das espécies de plantas cultivadas que fixam CO2 pelo ciclo de Calvin, uma vez que os primeiros produtos estáveis da sua fotossíntese são as trioses denominadas de ácido 3-fosfoglicérico (3-PGA) e glicerato, constituídas por três átomos de carbono. Tem-se observado grande quantidade de glicerato, que parece ser derivada de uma hidrólise enzimo-catalizada do PGA, confirmada pela rápida conversão, na ausência de luz, do PGA para glicerato (SEDIYAMA et al., 1985). Além do 3-PGA, os outros produtos primários da fotossíntese são: alanina, serina, glicina e glicolato. Em seguida, como produtos secundários da fotossíntese da soja, observa-se: glucose, frutose, sacarose, rafinose, manose, ácido aspártico e ácido málico. As folhas mais novas sintetizam mais aminoácidos essenciais do que as folhas mais velhas (MÜLLER, 1981). No processo fotossintético da fixação do CO2, ocorre a reação da carboxilação e posterior quebra da pentose denominada ribulose 1,5-difosfato (RuDP). Esta reação é catalisada pela enzima ribulose-difosfato-carboxilase, que apresenta menor afinidade pelo CO2 e maior pelo O2, que são utilizados como substrato pela enzima. Em presença de maior concentração de O2, este substitui o CO2 resultando na oxigenação da ribulose-difosfato, em vez de sua carboxilação. Consequentemente, não se forma o 3-PGA; em seu lugar, ocorre a síntese de fosfoglicolato que ao sofrer hidrólise enzimática origina o glicolato, substrato da fotorrespiração. Assim, a fotorrespiração nada mais é do que as evoluções do CO2 em ar livre de CO2, ou seja, com baixa concentração deste gás, determinando considerável perda de energia que deveria ser utilizada para a formação de matéria orgânica viva. Trata-se de um mecanismo regulador da fixação de CO2, quando a pressão parcial de oxigênio é alta e a de dióxido de carbono é baixa. Para as espécies de ciclo C3 existe uma concentração mínima ou crítica de CO2, abaixo da qual a planta não consegue fotossintetizar o 3-PGA, cessando a fotossíntese líquida e aumentando a respiração de suas reservas, que também serão consumidas pela fotorrespiração, até que a planta morra por inanição. Essa concentração mínima ou crítica de dióxido de carbono é denominada de ponto de compensação de CO2. Para a soja, considera-se que 40 ppm de CO2 em ambiente a 25ºC, seja o seu ponto de compensação. Estima-se que 10% a 50% do total do carbono fixado na fotossíntese são perdidos por intermédio da fotorrespiração (LEHNINGER, 1976; MÜLLER, 1981; SHIBLES et al., 1987).

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Como na maioria das espécies cultivadas, o produto fotossintético primário exportado da folha da soja é a sacarose. Estudos com carbono marcado revelaram que a sacarose participa de mais de 90% do fotoassimilado translocado marcado. Quando a soja foi submetida à deficiência de nitrogênio, a sacarose participou de, aproximadamente, 100% do material exportado (NELSON et al., 1961). Embora a sacarose predominasse entre os fotoassimilados exportados, serina e glicina foram os primeiros compostos a deixar a folha. Após 20 minutos de fotossíntese, foi observada exportação de ampla gama de compostos diferentes da sacarose, incluindo-se em ordem decrescente de radioatividade: alanina, glutamato, ácido glicério, glicose, rafinose, frutose, ácido málico, triose, ácido isocítrico, ácido succínico, aspartato e ácido cítrico. Malato, em grande quantidade, glutamina, asparagina, maltose e fosfatos de açúcar têm sido encontrados no translocado, além de outros compostos não identificados (SEDIYAMA et al., 1985). Observando-se atentamente a face abaxial de um folíolo de uma folha madura de soja, nota-se uma intensa ramificação do sistema vascular, caracterizando as nervuras e os respectivos espaços internervurais, onde ocorre a maior concentração de estômatos e de células clorofiladas. A nervação foliar da soja assemelha-se a uma bacia hidrográfica constituída pelo rio principal (nervura central), seus afluentes (ramificações primárias da nervura central) e subafluentes (demais ramificações). Os produtos da fotossíntese não são circulados entre as partes da folha ou entre células, mas saem das células através das nervuras do tecido de condução. Cada nervura atua somente numa certa parte da folha, pela qual os fotoassimilados são coletados, de maneira semelhante ao sistema fluvial onde a água é coletada em uma bacia pelos rios e riachos. Estudos de translocação e utilização de fotoassimilados em soja, revelaram que estes saem das folhas, predominantemente, através do floema. Aproximadamente, 25% de CO2 fixados em 10 minutos de fotossíntese movimentaram-se para fora da folha em 6 horas, com um adicional de 10%, saindo nas 18 horas seguintes. A taxa de translocação foi estimada em 300 cm h-1 nas plantas jovens e em 100 cm h-1 nas plantas adultas, quando glicose, frutose ou sacarose isotopicamente marcados foram adicionados em extremidades de pecíolos, após a remoção das folhas (NELSON et al., 1961). O fotoassimilado é translocado para as regiões de utilização de energia ou drenos, nas quais se incluem as raízes, ápice, gemas florais, sementes e folhas em expansão. Pouco fotoassimilado é translocado para folhas maduras. Como “fonte fisiológica”, compreende-se a folha madura de soja, isto é, que tenha atingido 50% de sua expansão final e que atua mais como produtora de fotoassimilados do que como consumidora. Como “dreno fisiológico”, compreende-se a região da planta que, predominantemente, demanda energia ou alimento para seu crescimento ou para sua manutenção. Na soja, a translocação dos produtos da fotossíntese para os diversos órgãos e tecidos demandantes é governado, parcialmente, pela distância física entre fonte e dreno fisiológicos, uma vez que a quantidade de fotoassimilados exportados da folha expandida para o ápice da planta e para as raízes, foi inversamente proporcional à distância desses drenos fisiológicos. Desfolhando a soja entre a folha-fonte e as raízes, NELSON et al. (1961) observaram que maior quantidade de material elaborado foi translocado para a raiz e menor para o ápice, do que em uma planta intacta. Inferiram que, a planta responde à remoção das folhas baixeiras pelo aumento de fluxo das folhas superiores para as raízes. Desprovendo as raízes de minerais, também observaram um aumento do fluxo de assimilados para as raízes.

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Os nódulos presentes nas raízes também atuam como drenos fisiológicos, consumindo os produtos da fotossíntese como fonte de energia para a fixação biológica do N2. As bactérias no interior dos nódulos convertem os ácidos orgânicos obtidos das raízes em aminoácidos e estes aminoácidos, então, retornam às raízes movendo-se por elas. Quando uma planta de soja encontra-se em plena maturação, a maioria dos fotoassimilados da folha se move para dentro das vagens inseridas na axila da mesma folha. Se as vagens forem removidas, os assimilados movem-se predominantemente para baixo, em direção à próxima vagem e muito pouco movem-se para cima. Entretanto, foi verificado que algumas vagens do terço superior da planta de soja desenvolveram-se, mesmo quando as folhas desses nós foram removidas (NELSON et al., 1961). Isto sugere que as vagens apicais constituem-se em fortes drenos fisiológicos, capazes de drenar fotoassimilados da haste principal, que contém clorofila, e das folhas localizadas na região mediana da planta. 2.1. Germinação e Emergência No caso da soja, é raro o problema de dormência, porém, o fenômeno da quiescência pode ocorrer, principalmente quando não existe no solo, adequado suprimento de água para garantir o processo de embebição da semente. O fim da quiescência marca o início do processo de germinação, cuja primeira etapa é a absorção de água ou embebição, onde as sementes atingem grau de umidade de 35% a 50% (MARCOS FILHO, 1986). Progredindo a embebição, ocorre a retomada imediata do metabolismo, por meio da ativação de sistemas enzimáticos que catalizam a digestão das reservas e estimulam o aumento da atividade respiratória nas células da semente. Em seguida, as reservas são transformadas em substâncias mais simples, solúveis e difusíveis, translocando-se, por difusão, até os pontos de crescimento do eixo embrionário (radícula e plúmula), onde são assimiladas para a formação de novos tecidos. Dessa forma, o embrião volta a crescer, originando uma plântula (MARCOS FILHO, 1986). A emergência das plantas de soja (estádio VE), normalmente tem início 5 a 7 dias após a semeadura. Os cotilédones assumem coloração verde e são os principais responsáveis pela nutrição da plântula durante, aproximadamente, duas a três semanas após a emergência (CÂMARA, 1992; MARCOS FILHO et al., s/d). 2.2. Desenvolvimento Vegetativo Simultaneamente à formação das primeiras raízes e folhas unifolioladas e trifolioladas, ocorre o esgotamento gradativo das reservas contidas nos cotilédones, que em conseqüência, amarelecem e caem. Nesta fase, a planta apresenta uma a duas folhas definitivas (estádios V2 a V3) e encontra-se apta para seguir seu desenvolvimento autotrófico. As folhas unifolioladas são básicas para os processos iniciais de fotossíntese da jovem planta, podendo durar 4 a 6 semanas a partir da sua formação, conforme o cultivar e época de semeadura. Normalmente, antes ou durante o florescimento, amarelecem e caem (CÂMARA, 1992). A fotossíntese líquida inicia-se na planta de soja a partir do 2º ao 5º dia após a emergência, com a capacidade fotossintética surgindo primeiro nos cotilédones (estádio VC). O

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desenvolvimento inicial da soja, desde a semeadura até a iniciação da fotossíntese, ocorre igualmente bem no ar natural ou no ar livre de CO2. A taxa de fotossíntese varia de 3,4 mg CO2 dm-2 de área foliar por hora até 65 mg CO2 dm-2 por hora. A taxa fotossintética da primeira folha trifoliolada de 26 cultivares de soja, cultivadas em câmara de crescimento, variou de 12 a 24 mg CO2 dm-2 h-1 (CURTIS et al., 1969). Taxas semelhantes foram verificadas por diversos pesquisadores, em folhas mais velhas de plantas cultivadas em casa-de-vegetação e nas folhas mais altas de plantas cultivadas em condições de campo. As folhas mais baixas fotossintetizam em taxas menores do que as folhas superiores, indicando que a folha atinge o máximo à medida que apresenta a máxima expansão, daí, decresce à medida que são formadas novas folhas na parte superior. Esta redução na taxa fotossintética é aparentemente uma resposta da planta à reduzida intensidade luminosa (MÜLLER, 1981; SHIBLES et al., 1987). Os cultivares atualmente em uso no Brasil, principalmente aqueles com ciclo de maturação mais longo ou os com maior duração de período juvenil, produzem muito mais superfície foliar do que é necessário para a taxa de fotossíntese máxima. O auge do índice de área foliar da soja (IAF entre 5 e 8) ocorre nas fases de plena frutificação e início da granação. A maioria da luz incidente é capturada pela periferia externa do dossel vegetativo, de maneira que as folhas mais baixas, embora não parasíticas, contribuem com pouca produção de fotoassimilados. Também deve ser considerado que, à medida que a luz penetra no dossel vegetativo, ocorrem modificações na composição espectral da luz, com a irradiação infravermelha e verde penetrando mais do que o azul ou o vermelho. Também, à medida que a soja se desenvolve através da estação de crescimento, o albedo (radiação refletida/radiação incidente total) aumenta até os estádios de florescimento e frutificação, decrescendo posteriormente. Em tais situações, as taxas de fotossíntese verificadas no dossel vegetativo foram de 10 a 60 mg CO2 dm-2 de área de solo, por hora, com uma temperatura ótima a 30°C (MÜLLER, 1981; SEDIYAMA et al., 1985; SHIBLES et al., 1987). 2.3. Desenvolvimento Reprodutivo A partir do momento em que a planta de soja inicia sua atividade fotossintética líquida, começa a adquirir e a acumular matéria seca em seus distintos órgãos, principalmente na haste principal, ramificações, pecíolos e folhas. A taxa de acúmulo de matéria seca acentua-se a partir da expansão do 4º ou 5º trifólio, intensifica-se durante o período de crescimento vegetativo, mantendo-se elevada até o início da granação, quando acentua-se a translocação da massa seca dos órgãos vegetativos para os reprodutivos. O mesmo desempenho é observado em relação à absorção e acúmulo de nutrientes, evapotranspiração da cultura, intensidade de nodulação radicular e fixação biológica do N2. Com o desenvolvimento dos sucessivos estádios fenológicos da soja, ocorre o aumento da área foliar da planta, aumentando portanto, a capacidade de interceptação da luz incidente sobre o dossel da cultura. Como existe correlação direta e positiva entre interceptação e absorção da luz e acúmulo de matéria seca da planta, tem-se que, a produção de matéria seca aumenta à medida que a área foliar aumenta. Entretanto existe um limite, determinado pelo índice de área foliar denominado crítico, definido como o índice de área foliar que absorve 95% da radiação solar incidente (BUTTERY, 1970; SHIBLES & WEBER, 1965; SHIBLES et al., 1975).

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Nem sempre a matéria seca acumulada nos órgãos vegetativos da parte aérea das plantas é revertida em elevado rendimento de grãos pela cultura. Naturalmente, a relação entre matéria seca acumulada e rendimento de grãos é função do genótipo utilizado e da sua interação com o ambiente. Por isso, deve-se dar atenção e preferência aos cultivares mais eficientes na conversão dos fotoassimilados para a produção de grãos, ao invés do crescimento vegetativo (SEDIYAMA et al., 1985). Não menos importante é ajustar o ambiente e o manejo cultural para elevados rendimentos, quando se tem cultivares de elevado potencial de produtividade e adaptados à região de cultivo. Análises correlacionando a taxa de assimilação líquida e a taxa de crescimento da cultura indicaram que ocorrem dois picos de atividade fotossintética durante o desenvolvimento fenológico da soja, sendo um na época do florescimento (estádio R2) e outro durante o enchimento da vagem (estádio R5). Embora o fenômeno observado não tenha o seu motivo totalmente conhecido, infere-se que o aumento do tamanho do dreno fisiológico, determinado pelo acúmulo de matéria seca na forma de sementes no interior das vagens, tenha estimulado a fotossíntese. As sementes são formadas através do processo de fertilização da oosfera, seguido por divisões e diferenciações, podendo inicialmente ser vistas depois do desenvolvimento da vagem, caracterizando o início da granação da soja (estádio R5). O acúmulo de matéria seca nas sementes evolui para o máximo volume das mesmas, quando se observam as cavidades das vagens totalmente preenchidas por sementes de coloração verde (estádio R6). As taxas de crescimento das vagens e de acúmulo de matéria seca pelas sementes são relativamente lentas até cerca de 25 a 35 dias após o início do florescimento. A partir desse momento tornam-se rápidas, ao mesmo tempo em que as vagens e sementes vão perdendo a coloração verde e assumindo a coloração característica do cultivar (pubescência cinza ou marrom). À medida em que há transferência de matéria seca para as sementes, ocorre senescência (amarelecimento) e abscisão (queda) gradativa das folhas (estádio R7). A maturação das sementes consiste de uma série de alterações físicas, morfológicas, bioquímicas e fisiológicas verificadas a partir da fecundação do óvulo, encerrando-se quando a semente, ao atingir o máximo peso de matéria seca, se desliga fisiologicamente da planta e alcança a maturidade. Nesse momento, as sementes assumem coloração amarela e apresentam teor de umidade de, aproximadamente, 28% a 30% (MARCOS FILHO, 1980; MARCOS FILHO, 1986). 2.4. Desenvolvimento Radicular No caso da soja, o crescimento das raízes progride simultaneamente com o crescimento da parte aérea, variando em duração de acordo com o grupo de maturação e o hábito de crescimento do cultivar. Raízes de cultivares com hábito de crescimento determinado crescem até, aproximadamente, o início da frutificação (estádio R3), enquanto nos de hábito de crescimento indeterminado, as raízes crescem até os estádios intermediários da granação (entre os estádios R5 e R6). A atividade radicular, compreendida como a capacidade de absorver água e nutrientes, ocorre até a máxima granação (estádio R6), diminui à medida que a planta evolui para a maturidade fisiológica e cessa completamente na maturação final ou de campo (estádio R8).

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Há que se considerar que a atividade radicular quanto à absorção de nutrientes é intensa até o início-meio do período de enchimento das vagens, enquanto que a absorção de água pelas raízes ocorre enquanto houver demanda evapotranspiratória pelo dossel da cultura. Quanto à nodulação, esta apresenta desenvolvimento e atividade intensa até o auge da fase reprodutiva, entre o florescimento e a plena granação (estádios R2 a R6), período em que é elevada a demanda de nitrogênio pela cultura, para a síntese e acúmulo de proteína nas sementes. Mitchell & Russel citados por MÜLLER (1981), destinguem três fases no desenvolvimento do sistema radicular da soja, após a germinação das sementes: a) durante a primeira fase, a raiz axial (principal) se desenvolve atingindo 45 a 60 cm de profundidade, sendo que no final existem numerosas raízes secundárias horizontais, formadas nos primeiros 10 a 15 cm da raiz axial. b) na segunda fase, continua o desenvolvimento da raiz axial, atingindo até 75 cm de profundidade. Além disso, destacam-se das demais, 4 a 6 raízes secundárias que se estendem horizontalmente ou com pouca inclinação, podendo chegar a até 75 cm de distância da raiz axial. Após essa distância, aprofundam-se verticalmente no solo, desenvolvendo-se vigorosamente. A primeira e segunda fases caracterizam o crescimento vegetativo da planta até momentos após o início do florescimento, resultando na formação de hastes, ramificações e folhas que darão suporte à nutrição das futuras flores, vagens e sementes. c) a terceira e última fase corresponde ao período de formação das vagens, enchimento dos grãos e maturação fisiológica, quando a raiz axial diminui seu crescimento e as secundárias se aprofundam, atingindo até 180 cm de profundidade. A maior parte das raízes absorventes e do volume do sistema radicular encontram-se nos primeiros 15 cm do solo. 3. FISIOLOGIA DA NODULAÇÃO E FIXAÇÃO DO N2 NA SOJA 3.1. O Processo da Nodulação Radicular A soja é uma planta nodulífera, isto é, capaz de desenvolver e estabelecer nódulos em seu sistema radicular. O nódulo pode ser considerado como sendo a “casa das bactérias”, onde ocorre a fixação de N2. As bactérias fixadoras do nitrogênio gasoso presente na atmosfera do solo, pertencem ao grupo dos rizóbios de crescimento populacional lento, recebendo em função disso, o nome de bradirrizóbios. Atualmente, duas são as espécies de bactérias capazes de nodular as raízes de soja e fixar o N2: Bradyrhizobium japonicum e Bradyrhizobium elkanii. No Brasil, a Fundação de Pesquisas Agronômicas do Rio Grande do Sul (FEPAGRO) é o órgão oficial distribuidor de estirpes de rizóbio dessas duas espécies para uso nas indústrias produtoras de inoculantes.

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Como estirpes bacterianas, compreende-se divisões de “raças” em uma mesma espécie de bactéria, que caracterizam a sua especificidade em relação à espécie de planta leguminosa hospedeira, que receberá a bactéria por meio da inoculação. Em outras palavras, “estirpe de bactéria” equivale a “cultivar de soja”. No solo, estimuladas por substâncias orgânicas exsudadas pela raiz da soja, as bactérias multiplicam-se na rizosfera da planta, entrando em contato com diversos pêlos radiculares. Simultaneamente, ocorre a adesão das bactérias à epiderme dos pêlos absorventes, quando então, sinais moleculares são estabelecidos entre planta e bactéria hospedeira. Esses sinais moleculares estão relacionados à substâncias químicas exsudadas pela raiz de soja que ativam o gene da nodulação da bactéria, determinando a infecção das raízes e a consequente formação dos nódulos. Tais substâncias pertencem à classe dos compostos fenólicos e dos flavonóides, sendo que em soja, Kape et al. (1992) citados por VARGAS & HUNGRIA (1997) identificaram a substância isoliquiritigenina. Em seguida, ocorre a invaginação da parede celular dos pelos absorventes colonizados pelas bactérias, caracterizando uma estrutura denominada “cordão de infecção”, que adentra as células epidérmicas da raiz. As bactérias continuam sua multiplicação no interior dos cordões de infecção, que vão, gradativamente, infeccionando células radiculares, atravessando as primeiras camadas do parênquima cortical, podendo atingir até o endoderma ou camadas mais profundas, como o periciclo da raiz. No parênquima cortical da raiz, devido à presença de cordões de infecção, células tetraplóides multiplicam-se constituindo-se, assim, em primórdios do nódulo. A ação de reguladores de crescimento do grupo das auxinas e citocininas transformam as células tetraplóides em meristemáticas aumentando a capacidade de multiplicação celular. Em conseqüência, formam-se os nódulos radiculares cujo interior é totalmente ocupado por células bacterianas, com forma diferente da original, motivo pelo qual são chamadas de bacteróides (MÜLLER, 1981b; HUNGRIA et al., 1997a). Cada célula tetraplóide, ou conjuntos de células tetraplóides infeccionados pelas bactérias, podem se constituir em um nódulo radicular. Dessa forma, de acordo com a agressividade do processo infeccioso da raiz, pode ocorrer uma profusão de nódulos radiculares tanto na raiz principal como nas raízes primárias da soja. Fenologicamente, os primeiros nódulos radiculares na soja são visíveis a partir de dez a quinze dias após a emergência das plantas (estádios V1 a V2), dependendo da boa especificidade entre o cultivar de soja e a estirpe de bactéria, além de condições favoráveis de ambiente e manejo (CÂMARA, 1992; CÂMARA, 1998c). 3.2. Fisiologia da Fixação do N2 A funcionalidade da fixação do N2 é garantida pelo estabelecimento de um eficiente sistema vascular no interior do nódulo, que supre as bactérias fixadoras com nutrientes. A nutrição básica desses microrganismos constitui-se na fosforilação oxidativa dos produtos elaborados nas folhas pelo processo da fotossíntese (sacarose, glicose e ácidos orgânicos), liberando energia para as bactérias. Estas, por sua vez, fixam o N2, o qual, por meio da ação da enzima nitrogenase, é reduzido a NH3. Em seguida, a amônia fixada é assimilada na forma de ureídos, cuja origem é proveniente da ação da glutamina sintetase e da glutamato sintase. Cerca de 90% do nitrogênio total presente na seiva do xilema da soja é translocado na forma

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de ureídos em direção à parte aérea da planta, entretanto no metabolismo nitrogenado global da espécie (MÜLLER, 1981 b; VARGAS & HUNGRIA,1997) Para sua atividade, os bacteróides precisam de N gasoso (N2) como matéria prima; produtos da fotossíntese, que são desdobrados na presença de oxigênio (O2) para formar adenosina-trifosfato (ATP), gerando a energia necessária à redução do N2; nitrogenase, como sistema enzimático que reduz N2 a NH3 ; um sistema doador de elétrons e, por fim, um substrato receptor da amônia produzida para sua posterior incorporação ao metabolismo nitrogenado da planta na forma de ureído (MÜLLER, 1981b, VARGAS & HUNGRIA,1997). A produção de ATP através da fosforilação oxidativa fundamenta-se na respiração aeróbia dos bacteróides. Portanto, há necessidade de entrada de O2, presente na atmosfera do solo, no interior dos nódulos radiculares. A substância leghemoglobina constatável somente no sistema simbionte, tem a função de introduzir o O2 no sistema. Os elétrons são utilizados junto com o ATP para reduzir o N2 a NH3. Estes elétrons também são provenientes do desdobramento de vários compostos produzidos pela fotossíntese (MÜLLER, 1981b). Os elétrons primeiramente passam por um sistema de ferridoxina antes de chegar à nitrogenase, enzima chave de todo o processo de fixação constituída por dois componentes diferentes: a) componente I = molibdo-ferro-proteína; b) componente II = ferroproteína. Juntos, os dois componentes catalizam a redução do N2 a NH3. Logo em seguida, a amônia produzida é incorporada em compostos orgânicos derivados de produtos da fotossíntese, iniciando-se com a formação de amidas que através da transaminação, serve de base para a síntese de aminoácidos e outros compostos nitrogenados que são incorporados no metabolismo nitrogenado da soja (MÜLLER, 1981b). 3.3. Morfologia dos Nódulos Os nódulos bacterianos concentram-se “corôa da raiz”, região situada cerca de 1 a 3 cm abaixo do colo da planta, de onde saem as principais ramificações radiculares. A nodulação primária ocorre nessa região e predomina sobre a nodulação secundária, isto é, a nodulação das raízes secundárias. Nódulos sadios e funcionais quanto à fixação do N2, apresentam-se externamente com superfície rugosa e internamente com coloração rósea a avermelhada, indicando a atividadade da leghemoglobina. A vida média de um nódulo dura de seis a oito semanas, havendo relatos de até treze semanas. Ao longo do ciclo da soja ocorre uma constante formação e renovação de nódulos no sistema radicular, observando-se o máximo de nodulação na fase reprodutiva da cultura (estádios R2 a R5) época em que a soja apresenta maior demanda pelos nutrientes e outros fatores da produção. Na tabela 1 são apresentados alguns valores de nodulação, observados em áreas experimentais do Departamento de Produção Vegetal da ESALQ/USP, em solo classificado como Terra Roxa Estruturada localizado em Piracicaba-SP (CÂMARA, 1998c). Nessa tabela, observa-se que o auge de nodulação, expresso pelo número de nódulos formados por planta de soja, ocorreu no estádio fenológico da plena granação, quando as vagens verdes se apresentam com suas cavidades totalmente ocupadas por sementes verdes.

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A quantidade e o número de nódulos por sistema radicular é variável conforme o cultivar e o ambiente, diferindo de planta para planta. À grandes quantidades correspondem menores tamanhos de nódulos. Em média, nódulos sadios apresentam de 4 a 8 mm, verificando-se amplitude de 3 a 10 mm. Tabela 1. Número de nódulos por raiz de soja, cultivar IAC-8, em três estádios fenológicos,

cultivada em Terra Roxa Estruturada. Piracicaba-SP, 1998.

Estádio1 DAE2 Experimento 1 DAE Experimento 2

V7 34 7 35 2

V16/R2 70 9 74 4

V16/R6 116 65 126 111

1 V7 = planta com 6 trifólios; V16/R2 = planta com 15 trifólios e em pleno florescimento;

V16/R6 = planta com 15 trifólios e vagens cheias com sementes verdes. 2 DAE = dias após a emergência das plantas.

Fonte: CÂMARA (1998c).

4. INOCULAÇÃO DAS SEMENTES DE SOJA Da mesma forma que a planta de soja, as bactérias fixadoras do N2 também são exóticas às condições brasileiras de solo e clima. Portanto, em solos nacionais nunca cultivados com soja, não é esperado a presença dessas bactérias na área agrícola, havendo a necessidade de se introduzir no solo, estirpes das bactérias fixadoras de N2. Atualmente, nas áreas brasileiras de produção de soja, tem-se duas realidades distintas quanto à necessidade de inoculação dos solos: a) solos já cultivados com soja, ou seja, com histórico da cultura onde, pelo menos em uma safra, houve a inoculação das sementes. Portanto, o solo possui população residual de estirpes das bactérias fixadoras de N2. Nestes casos, recomenda-se a “reinoculação” ou “inoculação de manutenção”. b) solos de fronteira agrícola que estão sendo cultivados pela primeira vez com a cultura da soja e, portanto, não possuem populações de B. japonicum e B. elkanii. Nestes casos, recomenda-se a “inoculação de base” ou a “inoculação corretiva”. 4.1. Definições e Objetivos Inoculação: refere-se à operação agrícola, manual ou mecanizada, por meio da qual possibilita-se o contato físico entre a bactéria fixadora do N2 e a planta hospedeira, com o objetivo de se estabelecer o processo simbionte da fixação biológica do nitrogênio atmosférico no sistema radicular da espécie leguminosa.

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Inoculante: corresponde ao substrato de sobrevivência onde se concentram populações das estirpes das espécies bacterianas fixadoras do N2. Equivale ao veículo da bactéria. Considerando-se as sementes das leguminosas como o principal órgão da planta a entrar em contato físico com as bactérias, tem-se que a inoculação é a operação agrícola de pré-semeadura, em que o inoculante é misturado nas sementes de soja. Dessa forma, na semeadura da cultura, distribui-se a semente contendo considerável população de bactérias na superfície do seu tegumento. Após a semeadura, ocorre a germinação das sementes, caracterizada pela protusão da raiz primária, seguida pelo elongamento da alça do hipocótilo em direção à superfície do solo. Em seguida, tem-se a emergência epígea das plântulas, que apresentam um sistema radicular incipiente e com as primeiras ramificações já visíveis. Estas, contêm os primeiros pelos absorventes que serão infectados pelas bactérias presentes na rizosfera, originado os primeiros nódulos radiculares. Reinoculação ou Inoculação de Manutenção: refere-se à prática anual da inoculação, com o objetivo de manter um nível satisfatório de população bacteriana. Além disso, com o lançamento de novas estirpes, cada vez mais eficientes, a reinoculação possibilita a renovação qualitativa da população de rizóbios no solo. Justifica-se a recomendação desta prática com base nos seguintes aspectos: a) durante as entressafras de soja, ocorre competição entre as espécies de bactérias fixadoras do N2 e outros microrganismos nativos da área agrícola (bactérias e fungos), pelos fatores de crescimento (energia + nutrientes) presentes no solo da área de produção. b) entre os períodos de cultivo da soja (maio a outubro de cada ano) o solo agrícola passa por diferentes regimes térmicos e hídricos, aos quais os microrganismos nativos estão muito mais adaptados do que as bactérias fixadoras de N2, fazendo com que a população destas diminua face à competição descrita no item anterior. Inoculação de Base ou Corretiva: recomendável para áreas de fronteira agrícola, refere-se ao uso de maiores quantidades de inoculante durante a operação da inoculação, de maneira que um excesso de população de bactérias é adicionado ao solo agrícola, que ainda não possui histórico de inoculação de soja. Outra maneira, muito eficaz, consiste na inoculação das sementes de outras espécies, não necessariamente leguminosas, atingindo-se a mesma meta, ou seja, a inoculação do solo sem histórico de soja. Neste caso, o principal objetivo é estabelecer uma população inicial básica na área agrícola, que permitirá a nodulação das raízes da primeira cultura de soja e ou estabelecerá uma população mínima de rizóbios no solo, que se constituirá em uma população residual para a primeira cultura de soja. Este último caso, refere-se à inoculação das sementes de milho, arroz ou milheto que antecedem a primeira cultura de soja, dentro de um programa de sistema de produção fundamentado em rotação de culturas. 4.2. Tipos de Inoculantes No Brasil, predomina o uso de inoculantes turfosos, cuja origem está na coleta de solos aluviais orgânicos e ácidos, que são peneirados e corrigidos com cal, visando-se a elevação de pH para valores neutros ou próximos à neutralidade (6,8 a 7,0). Em uma linha paralela,

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envolvendo laboratório de microbiologia como agente controlador da qualidade, ocorre a multiplicação em escala comercial das estirpes da bactéria fixadora de N2. A produção da bactéria ocorre em meio líquido (caldo bacteriano) que é injetado na dose de 50 ml para cada 150g ou 200g de turfa peneirada, resultando em embalagens comerciais de 200g ou 250g, respectivamente, contendo inoculante turfoso. Hoje, o produtor de soja já encontra a sua disposição, inoculantes turfosos à base de turfa esterilizada, proporcionando melhor qualidade ao produto. Neste caso, após a correção do pH, a turfa é acondicionada pelas indústrias nas respectivas embalagens comerciais, que em seguida, são encaminhadas a terceiros para a esterilização por irradiação. Uma vez esterilizadas, as embalagens retornam às indústrias, que promovem a injeção do caldo bacteriano (CÂMARA, 1998c). No interior das embalagens, a turfa deve apresentar umidade entre 40% a 60%, para viabilizar a sobrevivência da população de bactérias. Sendo esterilizada, não deve permitir a existência de microrganismos contaminantes, sejam os nativos do próprio solo turfoso, sejam outros que estejam presentes na empresa que promove a irradiação e ou na indústria que injeta o caldo bacteriano. Uma vez prontos, os inoculantes devem ser armazenados no parque industrial, em ambiente ventilado e protegido da radiação solar direta, para que a massa contida em cada embalagem não se aqueça, estimulando o crescimento da população bacteriana, que ao consumir as reservas energéticas e nutritivas da turfa, acaba por determinar a perda da qualidade do produto, antes mesmo do vencimento do prazo de validade. Atualmente, vem crescendo a oferta de outros tipos de inoculantes, principalmente líquidos. Também existem formulações comerciais à base de pó molhável. Os inoculantes líquidos são constituídos de um substrato líquido, no qual se encontram as bactérias. O inoculante pó molhável consiste em um produto contendo bactérias de rizóbios liofilizados em um substrato sólido. É misturado à água, formando um gel. A liofilização consiste em um processo de remoção de água, por sublimação, a partir de uma suspensão celular previamente congelada. É utilizado para a preservação de grande número de culturas de microrganismos por longos períodos. Pela atual legislação brasileira, o número mínimo de células bacterianas que um inoculante deve conter é de 1,0 x 108 (cem milhões) de células por g ou ml de inoculante, até o prazo final de validade do produto. Esta concentração equivale à quantidade mínima de inoculante que deve ser misturada a um saco de 50 kg de sementes de soja para proporcionar, pelo menos, 80.000 células bacterianas por semente de soja. Entretanto, é da responsabilidade de cada indústria, a definição da dose de inoculante a ser empregada, em função da qualidade do seu produto (HUNGRIA et al., 1997b; EMBRAPA, 1999). A pesquisa nacional, com base em inúmeros dados gerados por diferentes instituições que estudam a nodulação e a fixação biológica do N2, considera que concentrações maiores que 80.000 células por semente de soja proporcionam aumentos consideráveis no rendimento de grãos, recomendando assim, dosagens da ordem de 400g a 500 g de inoculante turfoso por saco de sementes. Essa variação na dosagem fundamenta-se no tipo de embalagem de inoculante turfoso presente no Brasil (pacotes de 200 g ou de 250g) e no tipo de embalagem das sementes certificadas ou fiscalizadas comercializadas nas diferentes regiões brasileiras (sacos de 40 kg ou de 50 kg). Visa-se com isso, populações nas sementes de 160.000 células bacterianas (EMBRAPA, 1999).

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4.3. Procedimentos e Dosagens Antes de se pensar na dosagem a ser utilizada, deve-se atentar para os procedimentos básicos relativos ao ambiente de inoculação e à operação em si, que se forem negligenciados, levarão à perda da eficiência e das vantagens de tal prática agrícola. A operação de inoculação deve ser devidamente dimensionada e programada, de maneira que os pacotes de inoculantes sejam abertos, preferencial e exclusivamente no dia da semeadura, à medida que os sacos de sementes de soja, também previamente dimensionados e programados, sejam abertos. Dessa forma, evitam-se desperdícios. O ambiente de inoculação deve ser ventilado e sombreado, para que as bactérias não sofram rápida desidratação e ou sejam mortas pela radiação solar direta. O uso de sacos usados de fertilizantes como meio de preparo da turfa deve ser evitado, pois a concentração salina residual presente nesse tipo de saco é suficiente para matar as bactérias. O inoculante não deve ser jogado diretamente sobre as sementes nas caixas da semeadora. Além de não proporcionar nenhum tipo de aderência do inoculante sobre o tegumento das sementes, toda a massa turfosa cairá por gravidade no fundo das caixas, aumentando consideravelmente a abrasividade sobre os mecanismos distribuidores das sementes, determinando menor vida útil dos componentes mecânicos, maior frequência na reposição de peças e maior custo de manutenção da semeadora. Para minimizar os efeitos abrasivos da turfa do inoculante, aplica-se pó de grafite nas caixas da semeadora. Para que ocorra o devido contato e aderência do inoculante sobre a superfície da semente, a operação deve ser feita na dosagem certa, promovendo-se a mistura do inoculante com a s sementes por meio manual em lonas plásticas ou encerados. Também é muito comum nas fazendas brasileiras, o uso do tambor de óleo diesel, com eixo excêntrico (eixo fora de centro), onde cerca de dois sacos de soja são inoculados por vez. Mecanicamente, a inoculação pode ser feita em betoneiras estacionárias ou em máquinas próprias para tratamento e inoculação das sementes. No mercado, tais máquinas têm diferentes dimensões, em função da estrutura de armazenamento e do volume de sementes a ser tratada e inoculada. Máquinas menores podem ser de acionamento estacionário (energia elétrica) ou móvel, onde por meio da tomada de força do trator, a máquina é conduzida para operar na frente de plantio. Como tratamento das sementes, compreende-se a aplicação de fungicidas sobre a superfície das sementes, com o objetivo de protegê-las contra a colonização e ação de fungos patogênicos. Justifica-se o tratamento, pois a maioria das doenças da soja é disseminada pela semente. Além disso, o próprio solo contém diversos fungos fitopatogênicos causadores de bolores nas raízes e tombamento de plântulas após a emergência da cultura. Quando o fungicida é formulado em pó molhável, há necessidade de umedecer as sementes por meio da aplicação de 200 a 300 ml de água por saco de sementes. O volume de água não deve ultrapassar as quantidades recomendadas, para que não haja embebição parcial da massa de sementes, levando-as à destruição física no momento da semeadura. Pode-se aproveitar a água para elaboração de uma solução açucarada à base de 10% a 25%, visando-se aumentar a aderência do inoculante à superfície do solo.

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Entretanto, dois pontos devem ser considerados: decidindo-se pelo uso da solução açucarada para aumentar a aderência do inoculante, deve-se efetivar o tratamento das sementes; independente do uso ou não da solução açucarada, o tratamento com fungicidas sempre deve preceder à inoculação, para que haja uma boa cobertura do tegumento da semente pelo filme de fungicida. Após a inoculação deve-se aguardar 10 a 15 min para secagem das sementes tratadas e inoculadas antes de colocá-las na semeadora. Em seguida, a semeadura deve ser providenciada, evitando-se a chamada semeadura “no pó”. Solo seco e quente é letal para as bactérias fixadoras do N2. Para solos sem histórico de soja, isto é, que irão receber a cultura pela primeira vez, recomenda-se a dose de 600g a 1000g de inoculante por saco de sementes de soja. Para solos anualmente cultivados com soja recomenda-se a inoculação de manutenção, isto é, aplicação de 400 a 500g de inoculante por saco de sementes. 4.4. Fatores que Interferem na Nodulação e na Fixação do N2 4.4.1. Qualidade do inoculante O inoculante deve ser adquirido de indústrias idôneas e apresentar, obrigatoriamente, de maneira visível na embalagem, a identificação das estirpes, a concentração de células bacterianas (número de células por g ou ml de inoculante) o prazo de validade e o número do seu registro no Ministério da Agricultura e do Abastecimento. 4.4.2. Transporte e armazenamento do inoculante Normalmente, para o transporte até a fazenda, os pacotes de inoculante são acondicionados em caixas de isopor, com capacidade de até 60 kg (300 pacotes). Na fazenda, enquanto não é utilizado, o inoculante deve ser armazenado em ambiente sombreado e ventilado onde a temperatura, de preferência, não ultrapasse a 20°C. Os pacotes só devem ser abertos no dia da inoculação, para que não haja desperdício do insumo. 4.4.3. Ambiente e operação da inoculação Todos os procedimentos e cuidados relativos ao manuseio das sementes e inoculantes, durante a operação da inoculação, explicitados no item anterior, devem ser seguidos para que não haja perda de eficiência dessa importante e relativamente simples tecnologia. 4.4.4. Outras substâncias aplicadas às sementes Pelo fato de muitas doenças da soja serem disseminadas via semente, recomenda-se o tratamento com fungicidas. Porém, a aplicação deste deve ser feita antes da inoculação, para que haja uma cobertura uniforme de fungicida sobre o tegumento da semente.

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Atualmente, é comum o uso da semente como via de fornecimento de dois importantes micronutrientes: Co e Mo. Neste caso, a aplicação desses micronutrientes, por meio de soluções salinas deve ser feita por ocasião do tratamento com fungicidas. Somente e sempre depois deve ser feita a inoculação. 4.4.5. Elementos climáticos do ambiente de produção Desde a semeadura até a máxima nodulação das raízes de soja, o sistema solo-planta deve ter a sua disposição, boa distribuição de chuvas e regime térmico favorável. Solos úmidos amenizam as temperaturas possibilitando maior sobrevivência das bactérias no solo, enquanto a nodulação não se estabelece nas raízes da planta. Durante o desenvolvimento da cultura, temperaturas adequadas junto com a presença de umidade, promovem o metabolismo normal da planta, a turgescência celular e foliar, a abertura dos estômatos, a fixação do CO2 e, consequentemente, o fornecimento de energia para as bacteróides no interior dos nódulos. 4.4.6. Elementos edáficos do ambiente de produção Solos bem preparados ou o uso do sistema plantio direto, permitem a rápida germinação e emergência da cultura, favorecendo mais cedo a nodulação das raízes. Quimicamente, o solo deve estar livre de todo o tipo de acidez, pois tem sido observado que o melhor desempenho da fixação ocorre na faixa de pH (água) de 6,5 a 6,8. Isto é possível por meio da calagem bem dimensionada e incorporada que, além de corrigir a acidez do solo, fornece cálcio para o crescimento radicular, magnésio para molécula de clorofila e a produção de fotoassimilados, melhorando ainda, a absorção de fósforo (ATP) e potássio (translocação interna da planta). Solos muito ácidos, mal corrigidos em fertilidade ou com problemas de excesso de calagem apresentam problemas de deficiência nutricional, principalmente de micronutrientes como Zn, B, Mn, Mo e Co. Molibdênio (Mo) e cobalto (Co) estão diretamente envolvidos na fixação simbiótica de N2. O Mo é constituinte do componente I da nitrogenase (Mo-Fe-proteína), faz parte da enzima redutase de nitrato que catalisa a redução de NO3

- a NO2- e também atua na síntese de

leghemoglobina no interior do nódulo (PEDROSA et al., 1970; OLIVEIRA et al., 1995; SFREDO et al., 1997). O cobalto, componente da leghemoglobina, atua no transporte de O2 e no desenvolvimento de células da bactéria fixadora do N2. 4.4.7. Nitrogênio mineral O teor de N no solo também pode interferir com a nodulação das raízes e a fixação simbiótica do N2. O uso de fertilizantes nitrogenados minerais na adubação da soja libera amônia que acaba sendo reduzida a nitrato. Tanto a forma amoniacal como a nítrica são prontamente absorvidas e assimiláveis pela planta de soja, de maneira que o sistema simbiótico de fixação, mais exigente em energia, pode ser inibido parcial ou totalmente.

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Devido à elevada eficiência do sistema biológico de fixação simbiótica do N2, e também, ao seu reduzido custo, é que se justifica a não recomendação de adubação nitrogenada mineral na cultura da soja. Considerando-se o uso de 70 kg de sementes/ha para instalação de uma lavoura de soja em área tradicional, seriam necessários 800 g de inoculante turfoso esterilizado (400 g de inoc./40 kg de sementes). Atualmente (junho/2000), um pacote de turfa esterilizada custa em torno de R$ 2,00 ao produtor. Portanto, para inocular os 70 kg de sementes seriam gastos R$ 8,00/ha. Produtividades da ordem de 3.000 kg por hectare exportam cerca de 180 kg de nitrogênio. Para repor esta exportação, seria necessário aplicar 360 kg de N por hectare, considerando-se as perdas de 50% em média dos adubos nitrogenados. Considerando-se também que, em o preço médio do kg de N é de R$ 0,33, a economia com o uso de inoculante comparado ao uso do fertilizante mineral nitrogenado, seria de R$ 110,80/ha (360 kg x R$ 0,33/kg = R$ 118,80/ha - R$ 8,00/ha = R$ 110,80/ha). 4.5. Avaliação da Nodulação e Fixação do N2 na Cultura da Soja Como a nodulação das raízes de soja tem origem em um processo infeccioso do pelo absorvente, espera-se que algumas plantas, ou melhor, alguns cultivares reajam de maneira diferenciada a essa infecção. A reação mais comum é o efêmero amarelecimento das folhas jovens da planta (primeiros trifólios) nos primeiros 10 a 20 dias após a emergência (estádios V1 a V3). Esse amarelecimento dura cerca de dois a três dias e, assim, que os primeiros nódulos se estabelecem e iniciam a fixação, a coloração das folhas volta ao normal, desde que, os demais fatores de produção estejam adequada e proporcionalmente disponíveis no ambiente. Nessa fase inicial é possível avaliar o estado da nodulação, por meio do cuidadoso arranquio de algumas plantas amostrais. O arranquio deve ser efetuado com o auxílio de uma ferramenta agrícola (enxadão ou vanga), preferencialmente em solos úmidos (não encharcados e nem secos). Com as mãos, retira-se o excesso de solo aderido às raízes, observando-se atentamente se há ou não a presença de nódulos soltos. Os nódulos radiculares são facilmente destacáveis. Uma vez arrancadas, as jovens raízes devem ser observadas pelo avaliador, olhando-se atentamente a região da corôa radicular, onde os primeiros nódulos se formam. Segundo VARGAS & HUNGRIA (1997), dos 10 aos 15 dias após a emergência, a avaliação inicial da nodulação pode ser um bom indicativo da eficiência da fixação biológica do nitrogênio. Nessa fase, a soja deve apresentar de 4 a 8 nódulos por planta. Segundo os mesmos autores, nos estádios do florescimento (R1 e R2), plantas bem noduladas devem apresentar de 15 a 30 nódulos por sistema radicular, equivalentes de 100 a 200 mg de nódulos secos por planta. Sempre que possível, a massa seca de nódulos deve ser determinada, pois proporciona melhor correlação com eficiência de nodulação e produtividade de grãos. Porém, no campo, isto nem sempre é possível, cabendo ao técnico ou ao produtor, bom senso na observação dos aspectos morfológicos externos e internos dos nódulos. Boa nodulação e eficiência de fixação biológica de nitrogênio tem sido associada à presença de nódulos com 3 a 8 mm de

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tamanho e com superfície rugosa. Internamente, coloração rósea a avermelhada, indicando atividade da leghemoglobina. 5. ADUBAÇÃO DA SOJA COM NITROGÊNIO MINERAL O uso de nitrogênio mineral não é recomendado na cultura da soja, devido a interferência negativa sobre o sistema biológico de fixação. Entretanto, seja por questões culturais ou econômicas, alguns produtores utilizam parcial ou totalmente o nitrogênio mineral na adubação da cultura da soja. Como exemplo cita-se a adubação de arranque. Em outras situações, que podem ser consideradas especiais ou particulares, a aplicação de nitrogênio mineral se faz necessária, porém, a dosagem e época de aplicação merecem, no momento, maior atenção pelos pesquisadores da área, no sentido de elucidar algumas dúvidas existentes nos sistemas de produção de soja. 5.1. Adubação de Arranque Refere-se à aplicação de pequenas doses de nitrogênio (8 a 12 kg de N/ha) junto com a adubação de base da cultura (P + K). Recentemente, a recomendação vem aumentando, em função do crescimento do plantio direto da soja sobre maior volume de palha com elevada relação C/N. Atualmente, as recomendações oscilam de 20 a 40 kg de N/ha, dosagens estas que podem ser consideradas prejudiciais ao estabelecimento dos primeiros nódulos e à fixação inicial do N2. Um dos motivos de existir a adubação de arranque é o custo menor ao produtor, de fórmulas comerciais de fertilizantes com baixa concentração de nitrogênio, tais como: 02-20-20; 04-20-20 e 03-15-15. 5.2. Soja de Inverno Em algumas regiões norte e noroeste do estado de São Paulo, onde há temperatura favorável ao ciclo da soja nos meses de inverno (junho a agosto), é feito o avanço de gerações de sementes de alguns cultivares, cujo sucesso tem sido obtido por meio da irrigação, uma vez que essa época do ano é a mais seca nessas regiões. Entretanto, a temperatura do solo apresenta-se aquém do ótimo favorável à atividade das bactérias fixadoras de N2. Em tais situações, TANAKA & MASCARENHAS (1992) relatam o benefício da aplicação de 50 kg de N/ha para compensar a baixa eficiência do sistema simbionte da fixação nitrogenada. 5.3. Plantio Direto na Palha e Pastagens Degradadas O crescimento do sistema de plantio direto no país, tem proporcionado algumas situações recentes, em que, aparentemente, a adubação mineral nitrogenada da soja se faz necessária. Principalmente, nos casos em que o volume de palha é mais acentuado (após cultura do milho safrinha ou do milheto) ou em áreas de pastagens degradadas. Na primeira situação, conforme as condições de clima favoreçam a lenta decomposição da matéria orgânica bruta, a elevada relação C/N na palha (em torno de 60:1 a 80:1 ou mais) logo no início da cultura da soja, tem proporcionado forte imobilização do nitrogênio do solo por parte dos microrganismos decompositores da matéria orgânica. Como o processo

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simbiótico responde por cerca de 30% a 70% da acumulação total de nitrogênio pela cultura, surge um temporário quadro de deficiência nitrogenada, que tende a ser eliminado por aplicações de fertilizantes nitrogenados. Entretanto, a adição de N mineral favorecerá muito mais a palha em processo de decomposição proveniente da safra anterior do que a palha adicionada mais recentemente ao sistema. Trata-se de um ponto ainda polêmico, que deverá ser tratado com acurácia pelos profissionais da pesquisa junto com os produtores e técnicos da extensão. Na segunda situação, tem-se o agravante das pastagens degradadas. Como o próprio nome diz, trata-se de ambiente com baixa fertilidade, baixa capacidade de armazenamento de água, acidez pronunciada (para a soja), valores de saturação por bases inferiores a 20% e suporte de lotação animal de 0,5 UA/ha. Neste caso, a soja, como atividade agrícola “recuperadora” do solo, tem sido implantada por meio de arrendamento das áreas de pastagem. Devido às péssimas condições de fertilidade de solo, principalmente para o estabelecimento de um sistema biológico fixador de N2, a adubação nitrogenada mineral tem proporcionado alguma resposta sobre o rendimento de grãos pela cultura da soja. Maiores detalhes podem ser analisados em capítulo específico nesta obra. 5.4. Adubação Nitrogenada Tardia (conceito) Refere-se à aplicação de nitrogênio mineral na cultura da soja, durante os estádios reprodutivos da frutificação e ou granação da cultura, quando o aparato biológico fixador do N2 começa a diminuir a sua atividade, em função da aproximação da maturação final das plantas. O objetivo dessa prática é o de proporcionar acréscimo na síntese de proteína, uma vez que altas produtividades de grãos de soja não têm proporcionado níveis de proteína no farelo compatíveis com o padrão exigido pelo mercado internacional (46 a 47%). Entretanto, dosagens, fontes e época fenológica de aplicação do nitrogênio mineral , constituem-se em campo de investigação totalmente descoberto e carente de estudos básicos e aplicados. 5.5. Adubação Nitrogenada Total Finalmente, existem aqueles produtores que, por uma razão ou por outra, não se beneficiam do sistema biológico de fixação do N2, aplicando dosagens elevadas de nitrogênio mineral na cultura da soja (cerca de 400 a 500 kg de N/ha). Entretanto, sabe-se que aplicações de até 400 kg de N/ha na cultura da soja, não tem mostrado vantagem técnica, biológica e muito menos econômica para a cultura e, portanto, para o produtor. 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS O conhecimento sobre os componentes do sistema de produção (planta, clima, solo e organismos) associado à capacidade de diagnose dos problemas que ocorrem na área agrícola, constituem-se nas principais ferramentas para o adequado manejo do ambiente e das culturas para, cada vez mais, implantar-se agroecossistemas mais produtivos, mais competitivos e mais conservadores da água e do solo. Entretanto, o imediatismo em busca

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de soluções rápidas e baratas, tem sido o caminho mais rápido para a frustração de safra e a perda da competitividade da propriedade e do produtor de grãos, em especial, de soja. 7. LITERATURA CITADA BARNI, N. A.; COSTA, J. A. Efeito do excesso de água no solo sobre os percentuais de óleo

e proteína do grão e o poder germinativo de sementes de soja. Agronomia Sul-Riograndense, v. 12, n. 2, p. 163-172, 1976.

BOYER, J. S. Leaf enlargement and metabolic rates in corn, soybean and sunflower of

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