base unificada de nascimentos e Óbitos · nas declarações de nascimento e óbito. tais dados...

161

Upload: others

Post on 17-Jul-2020

0 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população
Page 2: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 5-18, jan./jun. 2008

Existem, no Brasil, duas fontes produtoras de dados sobre nascimentos e óbitos. A primeira, coordenada pelo IBGE, foi desenvolvida com base nas informações do Registro Civil de Pessoas Naturais, coletadas nos cartórios de registro civil de todos os municípios brasi-leiros. A segunda, sob a coordenação do Ministério da Saúde e implantada em todas as Secretarias Municipais de Saúde do país, baseia-se nas informações contidas nas declarações de óbito – DO e declarações de nascido vivo – DN.

O IBGE iniciou a produção das estatísticas do registro civil após a promulgação da Lei n. 6.015, de 31 de dezembro de 1973, que dispôs sobre o registro civil de pessoas naturais e regulamentou a coleta dos dados para fins estatísticos, garantindo a fidedignidade dos dados e padronizando a transmissão dos mesmos. O registro civil assegura o acesso aos documentos fundamentais ao exercício da cidadania.

As informações captadas pelos cartórios de registro civil correspondem aos nascimentos e óbitos que foram registrados, ficando uma parcela desses eventos fora de seus registros e, portanto, das estatísticas do IBGE.

Resumo: Descreve-se metodologia inovadora na realidade brasileira, implantada na parceria entre Fundação Seade e Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo, para elaboração de base unificada de nascimentos e óbitos, a partir do relacionamento

das bases originárias do registro civil com as do SIM/Sinasc, de fonte hospitalar.

Palavras-chave: Fontes de dados. Metodologia de vinculação. Estatísticas vitais.

Abstract: This paper presents the innovative methodology enterprise in Brazil to create a unified database of birth and death statistics put into practice by Fundation Seade and the Health Department of Sao Paulo State. Such methodology combines the information

of the vital statistics (Civil Register) with the information produced at hospitals (SIM/Sinasc).

Key words: Source of data. Linkage methodology. Vital statistics.

BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS NO ESTADO DE SÃO PAULO

instrumento para aprimorar os indicadores de saúde

Bernadette Cunha Waldvogel

Carlos eugenio de Carvalho Ferreira

antonio Benedito Marangone CaMargo

Margarete silva Jordani

luis PatriCio ortiz

Page 3: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

6 BERnaDETTE CunHa WaLDVogEL ET aL.

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 5-18, jan./jun. 2008

Isso se deve ao atraso na realização deste registro, que pode ocorrer quando os familiares residem distante dos cartórios ou desconhecem a necessidade e impor-tância de tal registro. Outro fator relacionado a essa problemática é a existência de cemitérios clandestinos em alguns municípios brasileiros. Os índices de sub-registro variam conforme a Unidade da Federação e podem resultar em um dimensionamento parcial dos nascimentos e dos óbitos ocorridos no país.

Para atender à Norma Operacional Básica do Siste-ma Único de Saúde – NOB-SUS 01/96, estabelecida pelo Ministério da Saúde, que prevê o fornecimento periódico das estatísticas de mortalidade e natalidade, a partir da atualização dos sistemas de informações sobre mortalidade e sobre nascidos vivos – SIM e Sinasc, os gestores municipais de saúde foram envol-vidos diretamente no processo de produção desses dados. Assim, todas as Secretarias Municipais de Saú-de passaram a coletar, codificar e processar as infor-mações contidas nas declarações de nascimentos e óbitos, fundamentais para subsidiar a vigilância dos grupos de risco da população municipal.

Nas bases de dados produzidas pelos sistemas mu-nicipais de saúde, também são evidenciadas algumas dificuldades. Uma delas refere-se, por exemplo, ao número inadequado ou parcial de nascidos vivos e de óbitos segundo o lugar de residência. Este problema resulta, principalmente, de dois tipos de erro: coleta insuficiente das ocorrências municipais e lugar de re-sidência incorreto.

No primeiro caso, a coleta insuficiente repercute tanto no total dos eventos do município em ques-tão como nos totais dos demais municípios. Assim, quando uma cidade não envia os dados ou o faz par-cialmente, suas estatísticas e as de outras localidades são afetadas, em especial daquelas que não dispõem de maternidades e hospitais. A segunda questão re-lacionada ao município de residência depende do endereço da mãe ou do paciente informado no mo-mento do atendimento nas maternidades e hospitais, que consta na DN e na DO. Tal endereço pode não corresponder à sua residência habitual, mas sim à do acompanhante, ou mesmo decorrer de uma declara-ção intencionalmente falsa, para justificar o acesso às unidades de saúde em cidades diferentes daquela de

residência. Esse fenômeno, que pode ser chamado de “invasão disfarçada”, altera o número de nascimentos e de óbitos segundo o lugar de residência de vários municípios.

Os antecedentes, aqui apresentados, levantam al-gumas limitações existentes nas duas fontes de dados mencionadas, que interferem na elaboração de diver-sos indicadores demográficos e epidemiológicos mu-nicipais, em especial nos referidos à mortalidade infan-til, e ainda acarretam indesejável situação de se dispor de indicadores distintos sobre um mesmo fenômeno.

O Estado de São Paulo é singular nesse campo por ser a única Unidade da Federação que desenvolveu, ao longo de décadas, um sistema próprio de produ-ção de estatísticas vitais independente e, ao mesmo tempo, integrado aos sistemas nacionais do IBGE e do Ministério da Saúde. Por essa razão, a Fundação Seade consegue relacionar, de forma contínua, os dados epidemiológicos originários das DOs e DNs com aqueles do registro civil e produzir bases mais abrangentes e consistentes.

A Fundação Seade levanta, mensalmente, os even-tos vitais nos cartórios de registro civil do Estado de São Paulo, por meio de dois instrumentos de coleta: planilhas eletrônicas contendo dados específicos dos registros legais; e cópia das DOs e DNs.

Assim, tradicionalmente, o Estado de São Paulo processa, de forma integrada, as DOs e DNs com os registros civis de óbitos e nascimentos. A vinculação dos indivíduos presentes em ambas as fontes permite unificar todas as variáveis demográficas e epidemio-lógicas em uma única base de dados, aprimorada por uma rotina de verificação de consistência, por meio da comparação das informações comuns às duas fontes.

Tal modelo de produção foi aperfeiçoado e utiliza os recursos da informática para automatizar e agilizar o processamento e a vinculação das duas fontes de informações sobre óbitos e nascimentos. Do mesmo modo complementam-se as bases de dados com to-das as informações disponíveis em cada uma delas, que são comparadas para análise das divergências e melhoria da qualidade. A experiência acumulada na adoção desse modelo resultou no conhecimento de-talhado das limitações e potencialidades das informa-ções básicas contidas nas fontes originais, tendo sido

Page 4: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

BaSE unIFICaDa DE naSCIMEnToS E ÓBIToS no ESTaDo DE SÃo PauLo: InSTRuMEnTo ... 7

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 5-18, jan./jun. 2008

decisiva para o aperfeiçoamento das estatísticas vitais do Estado de São Paulo.

Ao longo do tempo, a Fundação Seade consolidou duas grandes parcerias: com o IBGE e com a Secre-taria de Estado da Saúde. A primeira é voltada para a produção e o aperfeiçoamento das estatísticas do registro civil. Em seu âmbito, a coleta dos dados nos cartórios, que era realizada duplamente pelo IBGE e pela Fundação Seade, passou a ser feita apenas por esta última. Tal racionalização nas atividades de co-leta nos cartórios proporcionou o aprimoramento da qualidade das informações e maior agilidade na trans-missão informatizada dos arquivos de dados.

A parceria com a Secretaria de Estado da Saúde possibilitou o desenvolvimento de diversos projetos de elaboração, monitoramento e análise de indica-dores epidemiológicos e demográficos para o plane-jamento de ações do governo do Estado. Desde o início da implantação do SIM/Sinasc em São Paulo, a Fundação Seade apoiou o desenvolvimento dos siste-mas municipais de saúde e colaborou com a melhoria da cobertura e da qualidade dos dados produzidos.

Em 2005, novo projeto entre as duas instituições permitiu a elaboração da base unificada de nascimen-tos e de óbitos, pela integração dos bancos de dados dos sistemas municipais de saúde com os tradicio-nalmente produzidos pelo Seade. Este novo processo deu origem a bases de dados mais completas e pre-cisas, incorporando os eventos não captados por um dos sistemas e introduzindo controles mais acurados de consistência para os atributos de cada registro contido nesses bancos.

O objetivo do presente estudo é recuperar a traje-tória da parceria entre as duas instituições estaduais e apresentar os principais resultados alcançados com a aplicação do novo processo de trabalho para gera-ção de base unificada de nascimentos e óbitos para o Estado de São Paulo, que representa uma experiência inédita na realidade brasileira.

Um poUco da história da parceira entre fUndação seade e secretaria da saúde

Dando continuidade a uma rotina desenvolvida há várias décadas, o Seade, desde sua criação em 1978,

gera e envia à Secretaria de Estado da Saúde os ban-cos de dados anuais de nascimentos e óbitos e os in-dicadores de mortalidade e de natalidade, para todos os municípios paulistas.

O Ministério da Saúde, na segunda metade da década de 1990, envolveu os gestores municipais de saúde diretamente no processo de produção das es-tatísticas de mortalidade e natalidade: o Sistema de Informações sobre Mortalidade – SIM e o Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos – Sinasc. Assim, todas as Secretarias Municipais de Saúde passaram a coletar, codificar e processar as informações contidas nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população municipal.

A partir do ano 2000, nova parceria foi estabele-cida com o objetivo de monitorar as bases de dados dos recém-implantados sistemas municipais de saúde. O Seade, então, recepcionava os arquivos municipais enviados pelas Direções Regionais de Saúde – DIRs; emitia relatórios das regionais faltantes ou com proble-ma no envio; avaliava a regularidade desse envio; con-trolava o recebimento de notificação negativa emitida pelos municípios sem ocorrência de eventos; agregava as bases municipais; identificava os lotes com declara-ções duplicadas; emitia relatórios de captação de dados por DIR e por município; classificava os dados segun-do o município de residência e identificava as evasões dos eventos. Mensalmente essas informações eram encaminhadas à Secretaria de Estado da Saúde, como subsídio em seu processo de supervisão técnica.

A comparação entre os arquivos de ocorrências elaborados nos municípios, por um lado, e a base de dados da Fundação Seade, por outro, permitiu a identificação e a análise da regularidade, cobertura e qualidade dos dados produzidos pelos municípios. Assim, em 2002 e 2003 foi realizada uma pesquisa para avaliar a qualidade dos dados de nascimentos e óbitos produzidos pelos sistemas municipais de saú-de, que consistiu na análise de cada variável presente no banco de dados e sua fidedignidade em relação às declarações de nascido vivo e de óbito. Isso foi possível devido à disponibilidade das declarações de nascidos vivos e de óbitos enviadas mensalmente pe-los cartórios de registro civil do Estado.

Page 5: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

8 BERnaDETTE CunHa WaLDVogEL ET aL.

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 5-18, jan./jun. 2008

A pesquisa mostrou que a qualidade da digitação é muito boa para as variáveis cujos campos já são pré-codificados, como, por exemplo, a maioria dos exis-tentes na declaração de nascido vivo. As divergências encontradas para os campos município de ocorrên-cia, idade da mãe, tipo de gravidez, tipo de parto, data de nascimento e sexo foram inferiores a 2%.

Entretanto, quando há necessidade de utilização de manuais de codificação ou de treinamentos mais especializados, a qualidade da codificação dos dados é muito prejudicada por ser bastante heterogênea en-tre os municípios. Assim, por exemplo, o porcentual médio de erros de codificação das causas de morte foi de 15% para o Estado, mas para muitos municí-pios tal erro ultrapassou 50%. A elevada proporção de erros enviesa a análise da mortalidade por causas, tanto para o total do Estado de São Paulo quanto para os diferentes municípios, e pode revelar um pa-norama distorcido ou incompleto da situação de saú-de municipal e estadual.

Destaca-se ainda que, no caso dos nascimentos, a codificação das anomalias congênitas, realizada no âmbito municipal, apresentou erro médio de 35% para o Estado, sendo que em muitos municípios tal codificação foi ainda mais precária e os erros chega-ram a 100%. Considerando-se que atualmente a mor-talidade infantil concentra-se no período neonatal, a análise das anomalias congênitas torna-se um instru-mento fundamental quando tais casos são relaciona-dos com as informações de mortalidade infantil cor-respondentes, mas seu entendimento fica dificultado com essa magnitude de erro.

As avaliações contínuas das bases de dados pro-duzidas pelos sistemas municipais de saúde resulta-ram em vários diagnósticos sobre a regularidade do envio dos arquivos de dados, o grau de captação da ocorrência dos eventos e a qualidade das informa-ções geradas, para o total do Estado de São Paulo e para cada um de seus municípios. Foram observadas melhorias nesta produção, mas ainda persistem limi-tações, como a irregularidade no envio dos dados por certos municípios, número de nascimentos e óbitos incompatível com os totais captados, além de proble-mas na codificação de determinadas variáveis.

elaboração da base Unificada de nascimentos e de óbitos

No início do século XXI, passaram a existir, então, duas fontes produtoras de dados sobre nascimentos e óbitos no Estado de São Paulo. A primeira, tradi-cional e consagrada, foi desenvolvida com fins esta-tísticos, está sediada na Fundação Seade e integra o sistema nacional de estatísticas do registro civil do IBGE. A segunda, criada com o objetivo principal de subsidiar a vigilância local, foi implantada no final da década de 1990, em todas as Secretarias Municipais de Saúde.

Tanto as informações captadas pelos cartórios de registro civil como aquelas correspondentes ao SIM/Sinasc apresentam limitações, e uma parcela desses eventos, por várias razões, permanece fora das ba-ses estatísticas. Para que o governo do Estado de São Paulo dispusesse de informações mais completas e consistentes, e também de um número único de nasci-mentos e óbitos para subsidiar o planejamento de seus programas de infra-estrutura e de saúde da população, definiu-se um novo método de trabalho para a elabo-ração de uma base unificada de nascimentos e óbitos para o Estado. Esta base adota um modelo de integra-ção da base de dados dos sistemas municipais de saú-de, de levantamento hospitalar, com a base do Seade, de levantamento nos cartórios de registro civil.

Esta alternativa foi implantada, em 2005, como novo processo de produção das bases de nascimen-tos e de óbitos para o Estado, representando a oti-mização dos registros administrativos existentes e levando os gestores dos dois sistemas a somar esfor-ços no sentido de relacionar todas as informações. O tratamento conjunto dos respectivos microdados permite elaborar uma base de dados mais completa, reduzindo a subenumeração de casos e abrindo novas perspectivas de análise.

A metodologia de vinculação de bases de dados, adotada nesta experiência, procura maximizar a uti-lização dos sistemas, compatibilizando suas infor-mações, enriquecendo o detalhamento dos dados e ampliando o universo dos eventos vitais. Uma impor-tante vantagem desse procedimento é a possibilidade de conhecer os eventos presentes em apenas uma das

Page 6: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

BaSE unIFICaDa DE naSCIMEnToS E ÓBIToS no ESTaDo DE SÃo PauLo: InSTRuMEnTo ... 9

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 5-18, jan./jun. 2008

fontes e de, posteriormente, incorporá-los à base uni-ficada final. Essa técnica pressupõe a existência de bases de dados com informações individualizadas, que possibilitem a busca de todos os casos existentes em cada fonte, com o objetivo de formar pares com os casos coincidentes.

O processo de vinculação é realizado registro a registro, por meio de identificação, de forma auto-matizada, de cada indivíduo nas duas bases, conside-rando-se variável-chave o número da declaração de óbito e de nascido vivo, e o nome do indivíduo e o de sua mãe. Estas duas variáveis são fundamentais para a vinculação, pois permitem aceitar com maior pre-cisão os pares verdadeiros e recusar os pares falsos. Destaque-se que, no caso do Estado de São Paulo, tais variáveis já se encontram disponíveis na base de registro civil processada pelo Seade. Além disso, são confrontadas outras variáveis básicas, tais como a data do evento, a idade, o sexo, o município de resi-dência e de ocorrência, etc. Os registros localizados em apenas uma das fontes são examinados e podem ser incorporados à base final unificada.

Como rotina, uma primeira versão da base uni-ficada de nascimentos e de óbitos, composta dos casos vinculados e daqueles presentes em apenas uma das bases, – Seade ou sistemas municipais de saúde –, é disponibilizada aos municípios em uma área restrita no site do Seade, para que os gestores municipais tenham acesso às correções e comple-mentações propostas, comparem os totais de even-tos de suas bases, façam suas investigações, apresen-tem suas divergências ainda necessárias à melhoria da qualidade, para então se concluir e fechar a base unificada de dados.

Esse novo processo de produção constitui uma metodologia inovadora na realidade brasileira, dando origem a uma base de dados mais consistente, pois rea-liza um controle de qualidade individualizado e con-tínuo; mais completa, com a incorporação dos eventos captados somente por uma das fontes, e unificada, evitando a dificuldade de se lidar com dois ou mais indicadores para o mesmo evento.

A base de nascimentos e de óbitos para o Estado de São Paulo de 2005, enviada pela SES ao Ministé-rio da Saúde para compor o sistema nacional SIM/

Sinasc, foi a base unificada elaborada conforme me-todologia descrita anteriormente.

Para 2006, a base unificada foi concluída em de-zembro de 2007. A SES iniciou, então, um novo pro-cesso para complementar e corrigir os eventos pre-sentes no SIM e no Sinasc, produzidos pelos sistemas municipais de saúde, para posterior envio ao Minis-tério da Saúde, a fim de integrar o sistema nacional. Tendo como referência os eventos presentes na base unificada, a secretaria estadual enviou às regionais de saúde e aos municípios as informações sobre os nas-cimentos e os óbitos que não foram captados por eles e aqueles que sofreram algum tipo de correção, para que os gestores municipais tivessem a oportunidade de incorporá-los a seus sistemas, de modo a torná-los o mais semelhante possível à base unificada resul-tante da parceria entre as duas instituições estaduais envolvidas em sua produção, Seade e SES, e garantir a sua qualidade.

principais resUltados da base Unificada de nascimentos e óbitos

A experiência com a construção da base unificada re-velou que, embora haja grande convergência entre os totais de eventos captados nas duas fontes, um núme-ro importante de casos está presente em apenas uma delas. Em 2005, o Sinasc registrou 611.923 nascimen-tos paulistas, enquanto nas estatísticas do Registro Civil o valor correspondeu a 614.169. Por trás dessa convergência de totais, existem deficiências que vêm à tona ao se examinarem os resultados da vinculação dos casos contidos nessas fontes e da elaboração da base unificada. Este processo resultou na identifica-ção de número de eventos ainda maior, totalizando 620.805 nascimentos. No caso dos óbitos, os totais foram de 234.565 pelo SIM, de 243.041 pelas estatís-ticas do Registro Civil, e de 243.685 pela integração das duas fontes (Figura 1).

Para o movimento das estatísticas vitais de 2006, os resultados apresentaram maiores divergências quando comparados os totais de eventos captados pelas duas fontes. Considerando-se a base unificada concluída em dezembro de 2007, foi possível veri-ficar que o Sinasc registrou 523.797 nascimentos,

Page 7: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

10 BERnaDETTE CunHa WaLDVogEL ET aL.

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 5-18, jan./jun. 2008

Figura 1Vinculação das bases de dados das estatísticas do registro civil e do sim/sinasc

estado de são paulo – 2005-2006

Fonte: Fundação Seade; Sistemas Municipais de Saúde (SIM/Sinasc).

enquanto nas estatísticas do registro civil este valor alcançou 600.206 nascimentos. A base unificada foi composta de 604.163 nascimentos, revelando que na-quele ano os sistemas municipais de saúde captaram um volume 12,7% menor que o registrado nos car-tórios e processados pelo Seade. Em relação aos óbi-tos, também se observa comportamento semelhante, sendo que os totais foram de 226.324 ocorrências no SIM, de 250.154 nas estatísticas do Registro Civil, e de 250.803 na base unificada (Figura 1).

A informação sobre o número de nascidos vivos e de óbitos segundo o município de residência é mui-to utilizada no planejamento de ações de saúde e no cálculo de diversos indicadores. Ela resulta da conso-lidação dos bancos individualizados de cada sistema municipal e de cada cartório do registro civil e, nos dois casos, torna-se necessária a existência de um ór-gão central que receba as informações individualiza-das e realize o processamento segundo o critério do município de residência.

A avaliação do grau de cobertura de tais eventos, apresentada a seguir, considerou o movimento de 2006, por tratar-se do último ano concluído no mo-mento de realização deste estudo. O diagnóstico do grau de cobertura foi realizado por comparação entre os totais de eventos presentes nas bases dos sistemas municipais de saúde e naquelas do Registro Civil.

Os volumes de nascidos vivos classificados se-gundo a residência da mãe, relativos às duas fontes, foram distintos. Para, as estatísticas do Registro Ci-vil, o total de nascimentos em 2006 foi de 599.604, e para os sistemas municipais de saúde esse número foi menor, 522.561 eventos. Quando se considera a base unificada, após a identificação dos eventos comuns e da incorporação daqueles presentes em apenas uma das fontes, o total atingido é de 602.820 nascidos de mães residentes no Estado de São Paulo. Verifica-se, assim, um grau de cobertura do Seade (Registro Ci-vil) superior ao observado no Sinasc: 99,5% e 86,7%, respectivamente.

Estatísticas do Registro Civil

Nascidos Vivos

Sinasc

605.2878.882 6.636

Nascidos Vivos

Estatísticas do Registro Civil

Sinasc

519.84080.366 3.957

Estatísticas do Registro Civil

Óbitos

2005 2006

SIM

233.9219.120 644

Estatísticas do Registro Civil

ÓbitosSIM

255.67524.479 649

605.2878.882 6.636 519.84080.366 3.957

233.9219.120 644

Page 8: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

BaSE unIFICaDa DE naSCIMEnToS E ÓBIToS no ESTaDo DE SÃo PauLo: InSTRuMEnTo ... 11

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 5-18, jan./jun. 2008

As diferenças nos totais de nascimentos dos sis-temas municipais de saúde resultam, em grande par-te, da coleta insuficiente das ocorrências municipais. Para se ter uma idéia desta questão, haveria uma per-da de 80.259 nascimentos em 2006, caso a base de nascimentos segundo o lugar de residência da mãe fosse obtida apenas com as informações dos sistemas municipais de saúde.

Em contrapartida, nos sistemas municipais exis-tem 3.216 nascimentos que o Seade (Registro Civil) não captou. Uma parcela deles é registrada em ou-tra Unidade da Federação e o restante, mesmo com a gratuidade dos registros e os enormes progressos decorrentes dos registros efetuados diretamente na maternidade, ainda é realizado com certo atraso.

resUltados segUndo o mUnicípio de residência da mãe

A distribuição dos nascimentos segundo o município de residência da mãe revela diferenças importantes. Os resultados da comparação encontram-se no Mapa 1, em que os municípios são classificados segundo as diferenças porcentuais existentes entre os sistemas municipais de saúde e o Seade. A primeira constata-ção é a de que 592 municípios apresentam cobertura desses eventos inferior à do Seade e entre as cidades tal cobertura varia de forma significativa.

Em 2006, entre os 592 municípios que registra-ram as maiores diferenças absolutas entre a base do Seade e a dos sistemas municipais, no que se refere ao total de nascimentos segundo o lugar de residên-cia da mãe, 132 apresentam diferença superior a 100 eventos. Entre os mais populosos, destacam-se: Gua-rulhos, com menos 4.436 nascidos (-21,5% de dife-rença); Osasco, com menos 3.936 nascidos (-35,2%); Bauru, com menos 2.906 nascidos (-65,3%); Suzano, com menos 2.728 nascidos (-62,9%); Taubaté, com menos 2.205 nascidos (57,1%) e São José do Rio Preto, com menos 2.022 nascidos (-42,2%). Consi-derando-se a diferença relativa, alguns municípios exibem grande distanciamento entre os totais, como Amparo, com -91,0%, e uma variação de menos 714 nascimentos; Lins (-76,5% e -672 NV) e Jabo-ticabal (-75,8% e -674 NV). No sistema do Seade,

registram-se menos ocorrências do que nas bases de 22 municípios. Apenas Ribeirão Preto apresentou diferença de 103 nascimentos de residentes (1,4%), enquanto nos demais municípios nesta situação, a diferença absoluta não alcançou dois dígitos. A Ta-bela 1 ilustra estes exemplos.

As diferenças encontradas nos totais de nascidos vivos por localidade podem ser também atribuídas ao fenômeno da “invasão disfarçada”. Quando a mãe procura um cartório para registrar seu filho, em geral declara o endereço correto e, caso ele seja distinto da-quele mencionado na DN, a mãe assina uma declaração formalizando a correção do mesmo. Tais alterações no endereço de residência são captadas pelo Seade em seu processo de produção das estatísticas vitais. Se as cor-reções não são feitas, a natureza dos erros implica a superestimação do número de nascimentos em muitos municípios e a conseqüente subestimação em outros.

Em relação aos óbitos, observa-se comporta-mento semelhante ao verificado nos nascimentos. No Mapa 1 é apresentada a distribuição dos óbitos segundo o município de residência e apontam-se di-ferenças importantes entre as duas fontes de dados. Em 581 municípios a cobertura dos sistemas muni-cipais de saúde foi inferior à do Seade e tal cobertura não é uniforme entre os municípios paulistas.

As localidades que tiveram, em 2006, as maiores diferenças absolutas nos totais de óbitos constam da Tabela 2, destacando-se alguns dos mais populosos. São eles: São José do Rio Preto, com menos 1.061 óbitos (-39,6% de diferença); Campinas, com menos 966 óbitos (-15,9%); Mogi das Cruzes, com menos 617 óbitos (-29,3%); e Taboão da Serra, com menos 539 óbitos (-42,4%). Considerando-se a diferença relativa, sobressaem Araras, com -64,8% e uma variação de me-nos 469 óbitos; Lençóis Paulista (-57,7% e -187 óbi-tos); Itapetininga (-55,7% e -531 óbitos); Moji Mirim (-55,3% e -325 óbitos), para citar apenas alguns.

Observa-se que o total de óbitos da base do Seade foi inferior ao correspondente dos sistemas munici-pais de saúde em apenas 35 casos. As maiores diferen-ças relativas foram registradas para Araçatuba (3,4% e menos 46 óbitos) e São Sebastião (3,2% e menos 11 óbitos). A maior diferença absoluta ocorreu no Mu-nicípio de São Paulo, com menos 485 óbitos de re-

Page 9: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

12 BERnaDETTE CunHa WaLDVogEL ET aL.

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 5-18, jan./jun. 2008

Mapa 1diferenças entre fundação seade e sistemas municipais de saúde (1)

estado de são paulo – 2006

Fonte: Fundação Seade; Sistemas Municipais de Saúde.(1) Dados por residência.

-3% a 0% (22)

0% (31)

0% a 15% (278)

15% a 40% (178)

40% a 91% (136)

Diferença

Nascidos Vivos

Seade Menor

Seade Maior}

-15% a 0% (35)

0% (29)

0% a 10% (237)

10% a 25% (160)

25% a 80% (184)

Diferença

Seade Menor

Seade Maior}

Óbitos

Page 10: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

BaSE unIFICaDa DE naSCIMEnToS E ÓBIToS no ESTaDo DE SÃo PauLo: InSTRuMEnTo ... 13

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 5-18, jan./jun. 2008

Tabela 1total de nascidos Vivos e maiores diferenças observadas entre fundação seade e sistemas municipais de saúde,

segundo município de residência da mãeestado de são paulo – 2006

Município de ResidênciaNascidos Vivos Diferenças

Fundação Seade Sinasc Absoluta Relativa (%)Fundação Seade MaiorGuarulhos 20.621 16.185 -4.436 -21,5Osasco 11.193 7.257 -3.936 -35,2Bauru 4.448 1.542 -2.906 -65,3Suzano 4.334 1.606 -2.728 -62,9Taubaté 3.863 1.658 -2.205 -57,1São José do Rio Preto 4.794 2.772 -2.022 -42,2Diadema 6.842 4.854 -1.988 -29,1Franca 4.866 3.139 -1.727 -35,5Pindamonhangaba 2.038 635 -1.403 -68,8São José dos Campos 8.788 7.434 -1.354 -15,4Jaú 1.883 580 -1.303 -69,2Limeira 3.784 2.697 -1.087 -28,7Jundiaí 4.775 3.769 -1.006 -21,1São Paulo 172.772 171.805 -967 -0,6São Vicente 5.097 4.231 -866 -17,0Guaratinguetá 1.537 672 -865 -56,3Arujá 1.253 410 -843 -67,3Itaquaquecetuba 5.292 4.450 -842 -15,9Guarujá 4.968 4.139 -829 -16,7Lorena 1.229 470 -759 -61,8Moji Mirim 1.084 345 -739 -68,2Ubatuba 1.326 601 -725 -54,7São Sebastião 1.234 512 -722 -58,5Amparo 785 71 -714 -91,0Catanduva 1.377 669 -708 -51,4Jaboticabal 889 215 -674 -75,8Lins 879 207 -672 -76,5Mococa 910 263 -647 -71,1Santos 5.237 4.615 -622 -11,9Lençóis Paulista 836 231 -605 -72,4Itapira 812 217 -595 -73,3Itapetininga 2.208 1.622 -586 -26,5Campos do Jordão 891 342 -549 -61,6Votuporanga 834 288 -546 -65,5Carapicuíba 6.767 6.274 -493 -7,3

Fundação Seade MenorDescalvado 377 380 3 0,8Ibaté 536 539 3 0,6Serrana 630 635 5 0,8Águas de Lindóia 260 266 6 2,3Taboão da Serra 4.311 4.317 6 0,1Avaré 1.179 1.187 8 0,7Ribeirão Preto 7.321 7.424 103 1,4

Fonte: Fundação Seade; Sistemas Municipais de Saúde – Sinasc.

Page 11: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

14 BERnaDETTE CunHa WaLDVogEL ET aL.

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 5-18, jan./jun. 2008

Tabela 2total de óbitos e maiores diferenças observadas entre fundação seade e sistemas municipais de saúde,

segundo município de residência do óbitoestado de são paulo – 2006

Município de ResidênciaÓbitos Diferenças

Fundação Seade SIM Absoluta Relativa (%)

Fundação Seade MaiorSão José do Rio Preto 2.682 1.621 -1.061 -39,6Campinas 6.057 5.091 -966 -15,9Mogi das Cruzes 2.103 1.486 -617 -29,3Taboão da Serra 1.272 733 -539 -42,4Itapetininga 953 422 -531 -55,7Bragança Paulista 988 469 -519 -52,5Santos 3.980 3.507 -473 -11,9Araras 724 255 -469 -64,8Osasco 3.994 3.538 -456 -11,4Itapevi 833 407 -426 -51,1Jundiaí 2.293 1.876 -417 -18,2Atibaia 810 414 -396 -48,9Ourinhos 710 321 -389 -54,8Rio Claro 1.242 904 -338 -27,2Moji Mirim 588 263 -325 -55,3Mauá 1.895 1.581 -314 -16,6Catanduva 931 626 -305 -32,8Diadema 1.983 1.692 -291 -14,7Sorocaba 3.508 3.224 -284 -8,1Votuporanga 582 312 -270 -46,4Mococa 500 231 -269 -53,8Sumaré 1.057 789 -268 -25,4Americana 1.286 1.024 -262 -20,4Santa Bárbara d'Oeste 988 746 -242 -24,5Limeira 1.596 1.363 -233 -14,6Matão 418 204 -214 -51,2Barretos 829 627 -202 -24,4Fernandópolis 439 238 -201 -45,8Ibiúna 458 258 -200 -43,7Lençóis Paulista 324 137 -187 -57,7Ibitinga 353 169 -184 -52,1Embu 1.088 911 -177 -16,3Hortolândia 822 646 -176 -21,4Jales 311 139 -172 -55,3Arujá 381 220 -161 -42,3

Fundação Seade MenorSão Sebastião 342 353 11 3,2São Carlos 1.345 1.363 18 1,3Araçatuba 1.341 1.387 46 3,4Ribeirão Preto 3.378 3.466 88 2,6São Paulo 66.814 67.299 485 0,7

Fonte: Fundação Seade; Sistemas Municipais de Saúde – SIM.

Page 12: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

BaSE unIFICaDa DE naSCIMEnToS E ÓBIToS no ESTaDo DE SÃo PauLo: InSTRuMEnTo ... 15

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 5-18, jan./jun. 2008

Tabela 3taxas de mortalidade infantil – tmi e Variação entre as bases Unificadas fundação seade e

sistemas municipais de saúde, segundo municípios de residênciaestado de são paulo – 2006

Estado e Municípios de Residência

Taxas de Mortalidade Infantil (1) Variação em Relação à TMI da Base Unificada (%)

Unificado Fundação Seade SIM/Sinasc Fundação Seade SIM/Sinasc ESTADO DE SÃO PAULO 13,3 13,3 14,3 -0,2 7,5

Maiores Diferenças PositivasJaú 10,6 9,6 36,2 -9,9 241,3Pindamonhangaba 18,1 18,2 58,3 0,1 221,3Lorena 16,2 16,3 51,1 0,2 214,6Bauru 11,9 11,9 34,4 0,3 189,3Suzano 15,4 15,5 40,5 0,1 162São Sebastião 11,2 11,3 27,3 1,3 144,1Taubaté 16,8 16,8 39,8 0,1 136,7Guaratinguetá 14,3 14,3 32,7 0,1 128,9Ubatuba 16,6 16,6 34,9 0,2 111,1Arujá 12,8 12,8 26,8 0,1 110,3Moji Mirim 24,9 24,9 46,4 0,2 86,5Cruzeiro 15,9 15,1 26,3 -5 65,8Osasco 12,6 12,6 18,5 -0,3 46,1Catanduva 11,6 11,6 16,4 0 41,5Franca 11,5 11,5 16,2 0,1 41,3

Maiores Diferenças NegativasItapetininga 16,7 16,8 14,8 0,3 -11,4Sertãozinho 12,9 13 11,4 0,8 -12,2Campinas 10,7 10,8 9 0,7 -16,2Itatiba 10,8 10,9 9,1 0,1 -16,2Mogi das Cruzes 15,3 15,4 12,1 0,5 -21,2Embu 11,2 10,9 8,6 -2,9 -23,7Matão 11,7 11,7 8,8 0,2 -24,9Ourinhos 10,5 10,5 7,8 0,3 -25,3Araras 12,7 12,8 7,2 0,5 -43,5Ibiúna 20,9 21,4 11,5 2,5 -45,1Atibaia 14,3 14,4 7,8 0,4 -45,8Bragança Paulista 15,8 15,9 8,1 0,9 -48,4Itapevi 12,6 12,6 6,5 0,5 -48,4Taboão da Serra 13,3 13,5 6,5 1,2 -51,2

Fonte: Fundação Seade; Sistemas Municipais de Saúde (SIM/Sinasc).(1) Por mil nascidos vivos.

sidentes na capital, mas que representa tão-somente -0,7% destes eventos.

Uma importante conseqüência dos problemas constatados nos totais de nascimentos e óbitos é o impacto no cálculo de indicadores demográficos e de saúde, em especial para os coeficientes de mor-talidade infantil. Considerando-se como parâmetro

de comparação a taxa de mortalidade infantil – TMI calculada com a base unificada para o Estado de São Paulo, em 2006, verifica-se que, quando esta taxa é calculada com os dados dos sistemas municipais de saúde, ela se mostra 7,5% maior, enquanto o uso da base da Fundação Seade leva a uma diferença de apenas -0,2%.

Page 13: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

16 BERnaDETTE CunHa WaLDVogEL ET aL.

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 5-18, jan./jun. 2008

Alguns exemplos dessa situação são apresentados na Tabela 3. Entre os municípios com maior núme-ro de eventos, a TMI calculada com informações da Fundação Seade aproximou-se muito daquela corres-pondente à base unificada, destacando-se apenas Jaú e Cruzeiro, com as maiores diferenças, respectiva-mente -9,9% e -5,0%.

Em compensação, quando foram utilizadas as in-formações dos sistemas municipais de saúde, mesmo para as cidades com mais eventos, diferenças impor-tantes foram observadas na comparação com as taxas de mortalidade infantil estimadas a partir das bases unificadas. Em Jaú, Pindamonhangaba e Lorena, por exemplo, as diferenças foram superiores a 200%, sen-do que tal discrepância decorre principalmente da bai-xa cobertura dos nascimentos. Já em Taboão da Serra, Itapevi, Bragança Paulista, Atibaia, Ibiúna e Araras, verificaram-se diferenças negativas superiores a 40%, e nestes casos, apesar da boa cobertura dos nascimen-tos, houve deficiência na cobertura dos óbitos.

considerações finais

A aplicação desse novo processo de trabalho repre-senta importante salto de qualidade na produção das estatísticas vitais no Estado de São Paulo e uma inicia-tiva que soma esforços das duas instituições estaduais envolvidas – Seade e Secretaria de Estado da Saúde. Permite a complementação e o enriquecimento do conteúdo das bases de dados, que são produzidas de forma isolada, e beneficia, igualmente, as esferas do planejamento municipal e estadual.

Cada sistema tem suas limitações, mesmo dentro de seus objetivos específicos, mas o tratamento con-junto procura reduzi-las, sendo fundamental para a organização de uma base unificada de nascimentos e óbitos com informações mais completas e preci-sas, com controles mais acurados de consistência dos atributos de cada registro e com a incorporação de eventos não captados por um dos sistemas.

Para as atividades de planejamento, destaca-se a grande vantagem de se trabalhar com um único nú-mero para os eventos vitais, em especial no processo de monitoramento das condições socioeconômica, demográfica e de saúde da população.

As sensíveis diferenças no volume de eventos vi-tais, segundo as duas fontes de dados, nos dois anos de adoção do novo processo de trabalho, sugerem que a base de dados do Registro Civil é mais estável e registra grau de cobertura superior à outra fonte de dados. Essa questão está associada ao fato de que muitas secretarias municipais do Estado trabalham com equipes com pouca experiência no tratamento dessas estatísticas ou apresentam alta rotatividade en-tre seus componentes.

É importante, também, um esforço permanente para melhorar a cobertura e a qualidade dos dados pro-duzidos de forma isolada pelos sistemas municipais de saúde, bem como aprimorar, cada vez mais, a base de dados unificada para o conhecimento mais apurado da realidade das condições de saúde da população.

A elaboração da base unificada para o Estado de São Paulo demonstrou sua eficiência e viabilidade, e suscitou a perspectiva de aplicação em outras Uni-dades da Federação. Tal experiência já foi objeto de discussão em diversas oportunidades no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE e na Rede Interagencial de Informações para a Saúde – RIPSA/MS.

O IBGE, diretamente empenhado na melho-ria da qualidade das estatísticas vitais do Brasil, deu um passo fundamental para avançar na proposta de integração das bases do Registro Civil com aquelas produzidas pelo Ministério da Saúde. Em 2006, ini-ciou contato com todas as Corregedorias Estaduais de Justiça, no sentido de introduzir o número das declarações de nascimento e de óbito no conjunto das informações declaradas no momento do registro civil desses eventos, em todos os cartórios do Brasil, e passou, também, a coletar e processar esta variável.

Mais recentemente, a experiência vivida no Estado de São Paulo com a elaboração da base unificada des-pertou o interesse do Instituto de Apoio à Pesquisa e ao Desenvolvimento “Jones dos Santos Neves”, do governo do Estado do Espírito Santo, que procurou subsídios na Fundação Seade para aprimorar a quali-dade e a cobertura dos dados e indicadores demográ-ficos e de saúde produzidos naquele Estado.

Em 2007, com financiamento do CNPq a partir de seleção de projeto de pesquisa de edital do Ministério

Page 14: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

BaSE unIFICaDa DE naSCIMEnToS E ÓBIToS no ESTaDo DE SÃo PauLo: InSTRuMEnTo ... 17

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 5-18, jan./jun. 2008

da Saúde, foi firmada uma parceira entre Seade, IBGE e Instituto Jones, para desenvolver projeto com o obje-tivo principal de elaborar base unificada de nascimen-tos e óbitos por meio da metodologia de vinculação das bases de dados do IBGE com aquelas do SIM/Sinasc,

Nota

Trabalho apresentado no XVI Encontro Nacional de Estu-dos Populacionais, Abep, realizado em Caxambu - MG – Bra-sil, de 29 de setembro a 3 de outubro de 2008.

Referências Bibliográficas

AGUIAR, S.V.M.V. Estimativa da cobertura do registro de óbitos através do SIM/MS para os estados do Nordeste, 1991. In: ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS DA ABEP, 11., Anais... Caxambu, MG, Abep, 1998, p. 2.095-2.106.

ALMEIDA, M.F.; MELLO JORGE, M.H.P. O uso da técnica de “linkage” de sistemas de informação em estudos de coorte sobre mortalidade neonatal. Rev. Saúde Pública, São Paulo, v. 30, n. 2, abr. 1996.

______. O uso da concatenação de sistemas de informação em estudos de mortalidade. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE EPIDEMIOLOGIA, 3., 1995, Salvador, Anais... 1995.

BERQUÓ, E.; GONÇALVES, M.A.I. A invasão de óbitos no município de São Paulo. Cadernos Cebrap, São Paulo, n. 19, 1974.

CAMARGO, A.B.M. Os fenômenos da invasão e evasão de óbitos em São Paulo (1977-80): fatores determinantes e diferenciais regionais. Informe Demográfico, São Paulo, Fundação Seade, n. 12, 1984. 162p.

FERNANDES, D.M. Concatenação de Informações sobre Mortalidade e Natalidade no Distrito Federal 1989-1991. In: ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS DA ABEP, 11., Anais... Caxambu, MG, Abep, 1998.

FERREIRA, C.E.C. A declaração de nascido vivo, uma fonte promissora. Nascer aqui: análise de uma nova fonte de dados sobre os nascimentos no Estado de São Paulo. Informe Demográfico, São Paulo, Fundação Seade, n. 29, p. 1-4, 1995.

______. Mortalidade infantil e desigualdade social em São Paulo. Tese (Doutorado) – Faculdade de Saúde Pública da USP, São Paulo, 1990.

visando aprimorar as estatísticas do Estado do Espírito Santo e consolidar a referida metodologia de integração de base de dados. Com tal experiência, espera-se poder replicar esse processo de unificação das bases de nasci-mentos e óbitos, nas demais Unidades da Federação.

FERREIRA, C.E. de C.; ORTIZ, L.P. As dimensões da mortalidade infantil em São Paulo. Revista Brasileira de Estudos de População, Campinas, v. 1, n. 4, p. 107-135, jan./jul. 1987.

FERREIRA, C.E. de C.; ORTIZ, L.P.; MELO, A.V. A experiência de Mogi das Cruzes revisitada. Informe Demográfico, São Paulo, Fundação Seade, n. 29, 1995.

FUNDAÇÃO SEADE. Movimento do Registro Civil – Tabulação dos Microdados. Metodologia de produção das estatísticas vitais do Estado de São Paulo. Disponível em: <www.seade.gov.br>. Acesso em: maio 2008.

______. Ontem Vila de São Vicente. Hoje Estado de São Paulo: 500 anos de divisão territorial e 100 anos de estatísticas demográficas municipais. São Paulo: Fundação Seade/Arpen, 2001. (CD-ROM).

GODINHO, R.E. A trajetória das estatísticas vitais nos anos 80 e seus reflexos no fim do milênio no Estado de São Paulo. Tese (Doutorado) – Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, São Paulo, 1999.

IBGE. Coordenação de População e Indicadores Sociais. Estatísticas do Registro Civil de 2006. Rio de Janeiro, v. 33, 2006.

JORDANI, M.S.; CAMARGO, A.B.M. Nova forma de processamento das estatísticas vitais: informações mais rápidas e precisas. Conjuntura Demográfica, São Paulo, Fundação Seade, n. 29, p. 1-5, out./dez. 1994.

MELLO JORGE, M.H.P.; LAURENTI, R.; GOTLIEB, S.L.D. Análise da qualidade das estatísticas vitais brasileiras: a experiência de implantação do SIM e do Sinasc. Ciência & Saúde Coletiva, v. 12, p. 643-654, 2007.

MELLO JORGE, M.H.P.et al. Avaliação do Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos. Nascer aqui: análise de uma nova fonte de dados sobre os nascimentos no Estado de São Paulo. Informe Demográfico, São Paulo, Fundação Seade, n. 29, p. 5-13, 1995.

Page 15: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

18 BERnaDETTE CunHa WaLDVogEL ET aL.

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 5-18, jan./jun. 2008

MORAIS, L.C.C. Fundação Seade. Vinculando bancos para recuperação histórica dos casos de Aids no Estado de São Paulo. In: CONFERêNCIA NACIONAL DE ESTATíSTICA – Confest, 2., Anais... Rio de Janeiro, IBGE, 2006.

ORTIZ, L.P. Utilização da técnica de concatenação de base de dados para o estudo da mortalidade neonatal. In: CONFERêNCIA NACIONAL DE ESTATíSTICA – Confest, 2., Anais... Rio de Janeiro, IBGE, 2006.

____. Características da mortalidade neonatal no Estado de São Paulo. Tese (Doutorado) – Faculdade de Saúde Pública da USP, São Paulo, 1999.

ORTIZ, L.P.; CAMARGO, A.B.M. A construção de indicadores regionais de mortalidade e a questão da evasão dos óbitos. Conjuntura Demográfica, São Paulo, Fundação Seade, n. 24/25, p. 5-11, jul./dez. 1993.

SILVA, Z.P. et al. Associação entre mortalidade neonatal e assistência obstétrica: o uso de técnica de linkage em sistemas de informação. In: CONFERêNCIA NACIONAL DE ESTATíSTICA – Confest, 2., Anais... Rio de Janeiro, IBGE, 2006.

TEIXEIRA, M.L.P.; WALDVOGEL, B.C. Vinculação de bases – fonte para análise de casos fatais de acidentes do trabalho. In: CONFERêNCIA NACIONAL DE ESTATíSTICA – Confest, 2., Anais... Rio de Janeiro, IBGE, 2006.

WALDVOGEL, B.C. Acidentes do trabalho: os casos fatais. A questão da identificação e da mensuração. Tese (Doutorado) – Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da USP, São Paulo, 1999.

WALDVOGEL, B.C. et al. Pesquisa pioneira recupera casos de Aids no Estado de São Paulo: integração das bases do Sinan-Aids e do Seade. Boletim Epidemiológico, CRT-DST/AIDS-CVE. n.1, out. 2004.

WALDVOGEL, B.C.; FERREIRA, C.E.C. Estatísticas da vida. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v. 17, n. 3-4, p. 55-66, jul./dez. 2003.

WALDVOGEL, B.C.; RODRIGUEZ WONG, L. O comportamento do registro atrasado de nascimento (RAN) no Estado de São Paulo: uma tentativa de correção do sub-registro. Informe Demográfico, São Paulo, Fundação Seade, n. 13, p. 53-135, 1984.

Bernadette Cunha Waldvogel

Estatística e demógrafa, Gerente de Indicadores e Estudos Populacionais da Fundação Seade.([email protected])

Carlos eugenio de Carvalho Ferreira

Demógrafo, Assessor Técnico da Gerência de Indicadores e Estudos Populacionais da Fundação Seade.([email protected])

antonio Benedito Marangone CaMargo

Demógrafo, Doutor pela Faculdade de Saúde Pública – USP, Analista da Fundação Seade.([email protected])

Margarete silva Jordani

Analista da Gerência de Indicadores e Estudos Populacionais da Fundação Seade.

luis PatriCio ortiz

Doutor em Saúde Pública, Chefe da Divisão de Produção de Indicadores Demográficos da Fundação Seade. Professor Titular da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da PUC-SP.

Artigo recebido em 10 de junho de 2008. Aprovado em 12 de setembro de 2008.

Como citar o artigo:WALDVOGEL, B.C. et al. Base unificada de nascimentos e óbitos no Estado de São Paulo: instrumento para aprimorar os indicadores de saúde. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v. 22, n. 1, p. 5-18, jan./jun. 2008. Disponível em: <http://www.seade.gov.br>; <http://www.scielo.br>.

Page 16: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 19-29, jan./jun. 2008

A diminuição da mortalidade infantil no Estado de São Paulo a partir dos anos 1980 deveu-se, principalmente, à redução do número de mortes de crianças com mais de 27 dias de vida – componente pós-neonatal –, enquanto a queda da mortalidade dos menores de 28 dias – componente neonatal – tem sido proporcionalmente menor, provocando concentração de óbitos infantis nas primeiras semanas de vida. Em 1980, metade dos óbitos infantis ocorreu no período neonatal; em 2006, mais de dois terços se concentrou nessa idade e 49% na primeira semana.

A taxa de mortalidade neonatal do Estado de São Paulo, que atinge 9 óbitos por mil nascidos vivos em 2006, pode ser considerada baixa se comparada com a média do Brasil, que chega a 15 por mil em 2004, mas é muito elevada em relação aos países desenvolvidos, onde esse indicador não ultrapassa 4 mortes por mil (HALLSWORTH et al., 2008).

Muitos desses óbitos ocorrem no período pós-parto, quando uma parcela considerável dos recém-nascidos ainda se encontra sob a responsabilidade dos serviços de saúde, como resultado de uma série complexa de fatores biológicos, socioeconômicos e de atenção à saúde de difícil redução.

No Brasil, as informações geradas pelos Sistemas de Informação sobre Mortalidade – SIM e dos Nascidos Vivos – Sinasc, administrados pelo Ministério da Saúde, são muito utilizadas para conhecer os níveis e carac-terísticas da mortalidade. Em São Paulo, a utilização de bases vinculadas de dados de nascidos vivos e óbitos infantis, realizada pela Fundação Seade, possibilita aprofundar esses estudos, em particular aquele relativo ao perfil da mortalidade neonatal.

Resumo: O artigo apresenta e discute as probabilidades de morte e riscos relativos da mortalidade neonatal no Estado de São Paulo em 2006. Os resultados apontam para a necessidade de estimular políticas e ações de saúde direcionadas para atenção pré-natal, ao parto e ao recém-nascido.

Palavras-chaves: Mortalidade neonatal. Fatores de risco. Recém-nascido.

Abstract: The article present and discuss the probabilities of death and risks related to neonatal mortality in the State of Sao Paulo in 2006. The results point to the necessity of stimulating the politics and actions within the Health Sector of the Government addressed directly to the prenatal,

childbirth and to the newborn baby.

Key words: Mortality neonatal. Risk factors. Newborn.

Perfil da Mortalidade NeoNatal No estado de são Paulo

Luis Patricio ortiz

Deise akiko oushiro

Page 17: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

20 LuiS PaTRiciO ORTiz/DEiSE akikO OuSHiRO

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 19-29, jan./jun. 2008

Nesse contexto, o presente estudo tem como ob-jetivo analisar as mortes neonatais de uma coorte de nascidos vivos do Estado de São Paulo, no primeiro semestre de 2006, apresentando as probabilidades de morte segundo as principais características do recém-nascido, da gestação, do parto e da mãe, com a fina-lidade de apontar linhas de ação para sua redução ou eliminação.

MATERIAL E MÉTODOS

Trata-se de um estudo ecológico que utiliza dados de nascidos vivos e óbitos neonatais para o Estado de São Paulo. A população em estudo corresponde a 315.328 nascidos vivos, ocorridos no período de 1º de janeiro a 30 de junho de 2006 e captados entre janeiro de 2006 e abril de 2007. Nessa coorte foram registrados 2.947 óbitos neonatais, entre 1º de janeiro e 30 de junho de 2006.

Estas informações correspondem à base unificada gerada a partir dos dados coletados pela Fundação Seade junto aos Cartórios de Registro Civil e dos da-dos das Secretarias Municipais de Saúde, recebidos pela Secretaria de Estado da Saúde.

Tendo em vista que no caso do Estado de São Paulo é possível ter acesso direto aos documentos originais para buscas complementares de informa-ções, foi desenvolvida rotina de trabalho baseada na técnica determinística de vinculação de base de dados. Esta técnica traz ganhos operacionais, aumentando a obtenção de “pares verdadeiros” (identificação do mesmo indivíduo nas bases de dados), e conseqüen-temente reduz possíveis vieses, além de permitir bus-cas adicionais nos documentos originais, ao propiciar o emprego de variáveis secundárias (como endereço de residência, hospital de nascimento, etc.) para con-firmação dos pares (ALMEIDA et al., 2002, 2007; ORTIZ, 1999, 2006a).

A rotina desenvolvida contemplou quatro etapas: a primeira consiste na seleção e padronização de va-riáveis e geração de variáveis derivadas; a segunda define critérios de vinculação; a terceira procede à formação de pares por igualdade ou semelhança; e a quarta refere-se à busca nominal nas bases de dados e nos documentos originais.

A vinculação desses registros foi muito elevada devido à utilização dos campos nome da criança, obtido pelas informações dos cartórios de Registro Civil, e nome da mãe e a padronização de variáveis. O resultado final do processo de vinculação mostra que apenas dois óbitos neonatais não foram pareados, índice comparável ao registrado em países como os Estados Unidos (MATHEWS; MENACKER; MACDORMAN, 2004).

RESULTADOS

Na coorte estudada verificou-se que, dos 315.328 nas-cidos vivos: 51,3% eram do sexo masculino; 9,1% apre-sentaram baixo peso ao nascer (menos de 2.500 g), pro-porção que diminui para 7,8% quando se consideram somente as gestações únicas; 8,1% eram pré-termos; 97,8% das gestações eram únicas; 54,8% dos partos foram cesáreos; 74,9% das mães realizaram sete con-sultas ou mais de pré-natal; 71,7% das mães possuí-am entre 20 e 34 anos, faixa etária considerada mais apropriada para ter filhos; 16,6% eram adolescentes (menores de 20 anos); 17,5% tinham 12 anos e mais de escolaridade; e somente 4,8% possuíam menos de quatro anos de estudo (Tabela 1).

Durante o primeiro semestre de 2006, nessa coorte de nascidos vivos, ocorreram 2.947 óbitos de crianças menores de 28 dias – denominado período neonatal –, dos quais 72% foram nos primeiros sete dias de vida (neonatal precoce) e 28% entre 7 e 27 dias de vida (neo-natal tardio). Assim, a probabilidade de morte neonatal alcançou 9,3 óbitos em cada mil nascidos vivos; durante a primeira semana de vida, o risco foi de 6,7 óbitos por mil nascidos vivos e de 2,6 óbitos por mil nascidos vi-vos, durante o período neonatal tardio (Tabela 2).

CaraCterístiCas do reCém-nasCido

SexoA probabilidade de morte para o sexo masculino (10,1 por mil) é relativamente maior do que para o sexo femi-nino (8,5 por mil), diferença que ultrapassa 20% no pe-ríodo neonatal precoce e diminui para 10% no tardio.

Peso ao NascerPara estudar a mortalidade neonatal segundo peso ao nascer, excluíram-se os nascidos vivos provenientes

Page 18: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

PERFiL Da MORTaLiDaDE NEONaTaL NO ESTaDO DE SãO PauLO 21

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 19-29, jan./jun. 2008

Tabela 1Distribuição dos Nascidos Vivos,

segundo Características SelecionadasEstado de São Paulo – Jan.-Jun. 2006

Características Selecionadas NúmerosAbsolutos

Distribuição(%)

RECÉM-NASCIDOSexo 315.328 100,0Masculino 161.697 51,3Feminino 153.622 48,7Peso ao nascer 315.328 100,0Menos de 1.000 gramas 1.576 0,5De 1.000 a 1.499 gramas 2.427 0,8De 1.500 a 2.499 gramas 23.473 7,82.500 gramas e mais 274.856 90,9Peso ao nascer (1) 291.511 100,0Menos de 1.000 gramas 1.176 0,4De 1.000 a 1.499 gramas 1.896 0,7De 1.500 a 2.499 gramas 19.138 6,72.500 gramas e mais 262.487 92,2

GESTAÇÃO E DO PARTODuração da gestação 315.328 100,0Pré-termo (22 a 36 semanas) 24.305 8,1 22 a 27 semanas 1.488 0,5 28 a 36 semanas 22.817 7,6Termo (37 a 41 semanas) 272.191 91,3Pós-termo (42 semanas e mais) 1.788 0,6Tipo de gravidez 315.328 100,0Única 308.150 97,8Múltipla 7.012 2,2Tipo de parto 315.328 100,0Vaginal 142.332 45,2Cesáreo 172.468 54,8

MÃENúmero de consultas de pré-natal 315.328 100,0Menos de 4 consultas 15.989 5,1De 4 a 6 consultas 62.134 20,07 consultas e mais 232.703 74,9Idade 315.328 100,0Menos de 20 anos 52.218 16,6De 20 a 34 anos 226.033 71,735 anos e mais 36.908 11,7Escolaridade 315.328 100,0Nenhuma 1.936 0,71 a 7 anos 86296 29,18 a 11 anos 156.236 52,712 anos e mais 51.871 17,5

Fonte: Fundação Seade.(1) Considerando gravidez única e com 22 semanas e mais de gestação.

de gestações múltiplas, uma vez que estas constituem fator de confusão quando se analisa o peso ao nascer (MINAMISAWA et al., 2004; CARNIEL et al., 2008). Essa nova coorte é formada por 291.511 nascidos vi-vos, nos quais ocorreram 2.402 óbitos neonatais. As-sim, nesse grupo específico, a probabilidade de morte se reduz para 8,2 por mil no período neonatal, para 5,8 por mil, no neonatal precoce, e para 2,4 por mil, no tardio.

Para o cálculo dos riscos relativos neonatais, fo-ram considerados como categoria de referência os nascidos vivos com 2.500 gramas e mais, porque as categorias de crianças com peso mais elevado apre-sentaram probabilidades de morte muito próximas.

Um primeiro aspecto a ser considerado refere-se ao fato de que a probabilidade de morte diminui rapidamente à medida que aumenta o peso da crian-ça ao nascer: o recém-nascido (RN) de muito baixo peso (menos de 1.500 g) apresenta chance de falecer no período neonatal 155 vezes maior que as crianças com 2.500 gramas e mais. Já os nascidos vivos com baixo peso (1.500 a 2.499 g) tiveram riscos relativos menor, mas, ainda assim, sua probabilidade de mor-te foi dez vezes maior que a registrada na categoria de referência.

A probabilidade de morte diminui significativa-mente com o aumento da idade – no período neo-natal tardio, ela representa um terço da probabilida-de de morte correspondente à primeira semana de vida. Ao se considerarem especificamente os nasci-dos vivos com muito baixo peso (menos de 1.500 g), chama a atenção o fato de que, o risco relativo durante a primeira semana de vida chega a ser 165 vezes maior que o correspondente aos nascidos com peso adequado, relação que diminui para 132 vezes nas semanas seguintes.

Verificou-se que os nascidos com menos de 1.000 gramas provenientes de gestação única apresenta-ram elevadíssima probabilidade de morte neonatal: 642 óbitos por mil; em relação à categoria de refe-rência, essas crianças estavam sujeitas a um risco de morte 262 vezes maior. Essa diferença se acentua no perío do neonatal precoce, chegando a um risco relativo superior a 300, diminuindo para 179 no pe-ríodo neonatal tardio. Para os nascidos vivos com

Page 19: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

22 LuiS PaTRiciO ORTiz/DEiSE akikO OuSHiRO

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 19-29, jan./jun. 2008

Tabela 2Probabilidade de Morte e Risco Relativo de Óbito Neonatal, segundo Características Selecionadas

Estado de São Paulo – Jan.-Jun. 2006

Características SelecionadasProbabilidade de Morte (1) Risco Relativo

Precoce Tardio Total Precoce Tardio TotalPERÍODO NEONATAL 6,7 2,6 9,3

RECÉM-NASCIDOSexoMasculino 7,4 2,7 10,1 1,2 1,1 1,2Feminino (2) 6,0 2,5 8,5 1,0 1,0 1,0Peso ao nascer (3)Menos de 1.000 gramas 497,4 144,6 642,0 301,6 179,8 261,7De 1.000 a 1.499 gramas 133,4 82,8 216,2 80,9 103,0 88,1Menos de 1.500 gramas 272,8 106,4 379,2 165,4 132,4 154,6De 1.500 a 2.499 gramas 17,9 7,4 25,3 10,9 9,2 10,3Menos de 2.500 gramas 53,2 21,1 74,3 32,2 26,3 30,32.500 gramas e mais (2) 1,6 0,8 2,5 1,0 1,0 1,0

GESTAÇÃO E DO PARTODuração da gestaçãoPré-termo (22 a 36 semanas) 60,3 21,3 81,5 31,3 22,1 28,2 22 a 27 semanas 487,7 112,7 600,4 253,3 117,1 207,9 28 a 36 semanas 31,0 15,7 46,7 16,1 16,3 16,2Termo (37 a 41 semanas) 1,9 1,0 2,9 1,0 1,0 1,0Pós-termo (42 semanas e mais) 3,4 1,7 5,0 1,7 1,7 1,7Gestação/Peso ao nascer (4)Pré-termo Menos de 2.500 gramas 92,1 35,7 127,8 47,9 37,1 44,3 2.500 gramas e mais 7,8 2,4 10,2 4,1 2,5 3,5Termo Menos de 2.500 gramas 11,3 5,5 16,9 5,9 5,7 5,8 2.500 gramas e mais 1,4 0,7 2,2 0,7 0,8 0,8Pós-termo Menos de 2.500 gramas 36,4 0,0 36,4 18,9 0,0 12,6 2.500 gramas e mais 2,4 1,8 4,2 1,2 1,9 1,4Tipo de gravidezÚnica (2) 6,1 2,4 8,6 1,0 1,0 1,0Múltipla 33,8 10,6 44,4 5,5 4,4 5,2Tipo de partoVaginal (2) 8,4 2,6 11,0 1,0 1,0 1,0Cesáreo 5,4 2,6 8,0 0,6 1,0 0,7

MÃENúmero de consultas de pré-natalMenos de 4 consultas 40,2 11,1 51,3 13,4 7,8 11,6De 4 a 6 consultas 11,5 4,7 16,2 3,9 3,3 3,77 consultas e mais (2) 3,0 1,4 4,4 1,0 1,0 1,0IdadeMenos de 20 anos 9,0 3,6 12,6 1,5 1,6 1,5De 20 a 34 anos (2) 6,2 2,3 8,5 1,0 1,0 1,035 anos e mais 7,0 2,9 10,0 1,1 1,3 1,2ParturiçãoPrimíparas (2) 9,4 3,6 13,1 1,0 1,0 1,0Multíparas 6,1 2,5 8,6 0,7 0,7 0,7EscolaridadeNenhuma 8,8 3,1 11,9 1,7 1,6 1,71 a 7 anos 7,7 3,1 10,8 1,5 1,6 1,58 a 11 anos 6,7 2,6 9,3 1,3 1,3 1,312 anos e mais (2) 5,1 2,0 7,1 1,0 1,0 1,0

Fonte: Fundação Seade. (1) Por mil nascidos vivos. (2) Categoria de referência. (3) Considerando gravidez única e com 22 semanas e mais de gestação. (4) Considerando como categoria de referência 37 a 41 semanas de gestação.

Page 20: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

PERFiL Da MORTaLiDaDE NEONaTaL NO ESTaDO DE SãO PauLO 23

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 19-29, jan./jun. 2008

peso entre 1.000 e 1.499 gramas, considerados de muito baixo peso, a probabilidade de morte chegou a 216 óbitos por mil, um terço da verificada para os recém-nascidos com peso inferior a 1.000 gramas.

CaraCterístiCas da Gestação e do Parto

Duração da GestaçãoNeste trabalho, utilizou-se a categoria de gestações a termo (37 a 41 semanas) como referência para estimar riscos relativos. A probabilidade de morte neonatal diminui significativamente à medida que aumenta a duração da gestação: entre os nascidos vivos pré-ter-mo, a mortalidade neonatal mostra-se 28 vezes mais elevada que entre os nascidos vivos de gestações a termo. A criança pós-termo (42 semanas e mais), por sua vez, tem probabilidade de morte 1,7 vez maior que a nascida a termo.

Segundo a idade ao morrer, mais uma vez a maior probabilidade de óbito foi registrada durante a pri-meira semana de vida, diminuindo significativamente com o avanço da idade: no período neonatal preco-ce, entre os nascidos vivos de gestação pré-termo, a probabilidade de morte é 31 vezes mais elevada que entre os nascidos termo; no período neonatal tardio essa relação diminui para 22 vezes. Entre os nascidos pós-termo, o risco de morte em todas as idades é 1,7 vez maior que o dos recém-nascidos a termo.

Tendo em vista a elevada probabilidade de morte das crianças nascidas vivas de gestações pré-termo, para estudar mais detalhadamente esse segmento, as informações foram desagregadas em gestações de 22 a 27 e de 28 a 36 semanas de duração.

O primeiro aspecto a se considerar relaciona-se com a alta mortalidade dos recém-nascidos de gesta-ções com duração entre 22 e 27 semanas: a probabi-lidade de morte (600,4 por mil) foi 208 vezes maior que a correspondente às crianças de gestação a ter-mo. Segundo a idade da criança ao morrer, observa-se que o risco relativo durante a primeira semana de vida supera 250, diminuindo para 117 no período neonatal tardio, ainda assim um nível muito elevado. Isto é, embora o risco de morte diminua significati-vamente com a idade, no período neonatal tardio as chances de sobrevivência da criança ainda são muito reduzidas.

Ao se examinar a categoria de recém-nascidos de gestações de 28 a 36 semanas de duração, nota-se que a probabilidade de morte neonatal, embora bem me-nor do que a observada entre os muito prematuros, ainda é 16 vezes mais elevada que entre os nascidos a termo, relação que se mantém inalterada no período neonatal tardio.

Tipo de GravidezPara o cálculo dos riscos relativos, utilizou-se como categoria de referência o grupo de nascidos vivos de gravidez única. Observa-se que os nascidos vivos de gestações múltiplas apresentaram um risco relativo 5,2 vezes mais elevado do que os de gestações únicas. A probabilidade de morte é mais elevada no período neonatal precoce que no tardio; o risco relativo, por sua vez, manteve-se elevado e com pouca variação durante todo o período neonatal.

Tipo de PartoTendo como categoria de referência os nascidos vi-vos de parto vaginal,1 verifica-se que, na coorte es-tudada, a probabilidade de morte entre os nascidos de parto cesáreo foi 0,7 vez menor do que entre os de parto vaginal. Embora a probabilidade de mor-te diminua com a idade, essa diferença se reduz para 0,6 durante o período neonatal precoce; no período neonatal tardio o risco de morte é igual para ambas as categorias.

Número de Consultas de Pré-NatalUtilizando como categoria de referência sete ou mais consultas de pré-natal, verifica-se significativa dimi-nuição da probabilidade de morte à medida que au-menta o número de consultas. Quando são realizadas menos de quatro consultas, o risco de morte neonatal chega a ser 11,6 vezes maior que o da categoria de re-ferência. No período neonatal precoce essa diferença é mais acentuada (13,4) que no neonatal tardio (7,8).

CaraCterístiCas da mãe

IdadeTomando como categoria de referência os nascidos vivos de mães com idade entre 20 e 34 anos, observa-se que na coorte em estudo a mortalidade de crianças

Page 21: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

24 LuiS PaTRiciO ORTiz/DEiSE akikO OuSHiRO

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 19-29, jan./jun. 2008

nascidas de mães mais jovens resulta 1,5 vez maior, relação que chega a 1,2 no caso das mães de 35 anos e mais. Por idade da criança ao morrer, os riscos re-lativos de nascidos vivos tanto de mães muito jovens como de mães de mais idade não apresentaram mu-danças significativas.

Filhos Tidos (Parturição)Na coorte em estudo, a probabilidade de morte entre os filhos de primíparas foi maior que a correspon-dente aos nascidos de multíparas. O risco relativo, calculado utilizando como categoria de referência os nascidos vivos de mães primíparas, ficou abaixo de 1 (0,7) durante todo o período neonatal.

Grau de InstruçãoUtilizando como referência a categoria de 12 anos e mais de escolaridade, verifica-se que os nascidos vivos cujas mães não tinham instrução exibiram risco relati-vo 1,7 vez maior que a categoria de referência; relação que diminui para os nascidos vivos de mães com maior escolaridade, atingindo 1,3 quando a escolaridade das mães é de 8 a 11 anos. Segundo a idade da morte da criança, os riscos relativos permanecem constantes.

DISCUSSÃO

A elevada concentração de óbitos nos primeiros dias de vida da criança mostra que a influência de fato-res endógenos, tais como condições da gestação e do parto, e as características maternas têm participação muito significativa na mortalidade neonatal em São Paulo; por sua vez, os fatores exógenos, mais ligados às condições de vida, tais como habitação e sanea-mento básico, embora importantes, apresentaram in-fluência relativamente menor.

Praticamente três em cada quatro óbitos neona-tais ocorreram antes que os recém-nascidos comple-tassem uma semana de vida, sendo que uma parcela considerável dessas crianças (32,6%) faleceu com menos de um dia de vida. Esses fatos indicam que, provavelmente, muitas mortes aconteceram no hos-pital onde foi realizado o parto, local no qual, teori-camente, seria mais fácil tomar as medidas adequadas para evitar o óbito.

Em relação ao risco de morte segundo sexo, a literatura sobre o tema indica realmente existir uma maior probabilidade de morte para o sexo masculino em todas as idades (MARTINS; VELÁSQUES-MELÉNDEZ, 2004; LAURENTI et al., 2005; FERRARI et al., 2006). Além disso, a diferença entre os sexos é maior quanto mais próxima do nascimento for a morte, o que é confirmado pelos dados analisados neste trabalho: o risco relativo diminui à medida que avança a idade ao morrer das crianças.

O baixo peso ao nascer é considerado um predi-tor de sobrevivência de recém-nascidos (UNICEF; WHO, 2004) e um indicador de saúde muito sensí-vel à eficiência do sistema de saúde local (KABIR, 2002). No âmbito da pesquisa encontrou-se que, en-tre os óbitos de recém-nascidos de gestação única – excluídos os nascidos com menos de 22 semanas de gestação e os com peso ao nascer ignorado –, 50,8% pertenciam à categoria de muito baixo peso ao nascer (menos de 1.500 g), 21,1% ao grupo de 1.500 a 2.499 gramas e 28,1% à categoria de 2.500 gramas e mais.

Tendo em conta que muitas crianças que faleceram na primeira semana de vida provavelmente estavam em berçário, o elevado risco relativo dos recém-nascidos de muito baixo peso pode significar deficiências no atendimento pré-natal, aumentando o risco de morte de prematuros. Nesse sentido, alguns trabalhos mostram que cuidados adequados na atenção pré-natal, no parto e pós-parto têm efeito significativo na redução da mortalidade neonatal (MACHADO; HILL, 2003; MARTINS; VELÁSQUES-MELÉNDEZ, 2004; GIGLIO et al., 2005).

A elevada taxa de mortalidade neonatal registrada em São Paulo para recém-nascidos de muito baixo peso (379 por mil), com risco relativo acima de 150, sugere problemas na assistência a essas crianças. Essa taxa é pelo menos três vezes superior à verificada em países desenvolvidos e, embora durante o período neonatal tardio se reduza significativamente, conti-nua sendo muito elevada: 132 vezes maior do que a observada para os nascidos vivos com 2.500 gramas e mais.

Estes resultados mostram-se coerentes com os encontrados em hospitais de Fortaleza (CASTRO; LEITE, 2007) e do município do Rio de Janeiro

Page 22: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

PERFiL Da MORTaLiDaDE NEONaTaL NO ESTaDO DE SãO PauLO 25

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 19-29, jan./jun. 2008

vivos a proporção pré-termo atinge somente 8%. Provavelmente, os recém-nascidos dessa categoria exibem graus diferentes de desenvolvimento, o que influi nas suas chances de sobrevivência. Nesse sentido, a informação da declaração de nascido vivo referente à duração de gestação inclui, numa mesma categoria – 28 a 36 semanas –, recém-nascidos que apresentam diferentes probabilidades de morte, dificultando a comparação dos resultados com os provenientes de outros estudos.

Ao examinar a relação entre duração da gestação e peso ao nascer, o primeiro aspecto a se conside-rar relaciona-se com o fato de que os nascidos vivos com peso inferior a 2.500 gramas e idade gestacional a termo (37 semanas e mais), denominado PIG, exibi-ram probabilidade de morte neonatal 5,8 vezes mais elevada que a categoria utilizada como referência no peso ao nascer.

Por sua vez, a categoria pré-termo e baixo peso ao nascer registrou uma probabilidade de morte neona-tal 44 vezes mais elevada que a da categoria de refe-rência, diferença que aumenta para 48 vezes quando se considera a chance de morrer na primeira semana de vida. O risco de morte no período neonatal tardio, embora diminua para menos de 40% do observado durante a primeira semana de vida da criança, conti-nua sendo 37 vezes maior do que o registrado entre as crianças nascidas a termo.

Os recém-nascidos pré-termo com peso igual ou superior a 2.500 gramas apresentaram probabilidade de morte neonatal (10,2) que representa apenas 8% daquela obtida para os nascidos vivos pré-termo com baixo peso (127,8). Para os nascidos vivos pós-termo e com baixo peso não foram registradas mortes no período neonatal tardio. Já as crianças nascidas com peso igual ou superior a 2.500 gramas registraram probabilidade de morte neonatal 1,4 vez mais elevada do que a categoria de referência, risco que permanece reduzido segundo a idade.

Possivelmente, no grupo pré-termo e peso acima de 2.500 gramas, encontram-se recém-nascidos de gestações mais próximas de 37 semanas, o que expli-caria a menor probabilidade de morte em relação aos pré-termos nascidos com baixo peso. Essa hipótese baseia-se no fato de que o peso ao nascer de gesta-

(DUARTE; MENDONÇA, 2005), os quais sugerem que essas elevadas probabilidades de morte podem ser resultado de qualidade deficiente na atenção perinatal.

Deve-se ter presente que, entre os recém-nascidos de baixo peso, incluem-se crianças muito imaturas, de pequena idade gestacional. Na coorte em estudo, quase 90% desses recém-nascidos eram pré-termos. Alguns estudos acrescentam que os nascidos vivos com peso inferior a 1.500 gramas corresponderiam a gestações com duração inferior a 37 semanas (KILSZTAJN et al., 2003). Assim, a categoria de nascidos vivos de muito baixo peso pode ser considerada a que melhor expressa, na mortalidade neonatal, o efeito conjunto do baixo peso ao nascer e da prematuridade.

No Estado de São Paulo, a probabilidade de morte dos nascidos vivos de baixo peso (menos de 2.500 g) correspondeu a 74,3 óbitos por mil, aproximadamen-te 20% da registrada para as crianças nascidas com muito baixo peso (379 óbitos por mil). Tais resulta-dos sugerem que essas crianças apresentam uma ma-turidade maior que aquelas de muito baixo peso ao nascer, possuindo, assim, maiores chances de sobre-vivência. Possivelmente, fazem parte dessa categoria tanto os recém-nascidos que podem ser considera-dos pequenos para sua idade gestacional (PIG) como aqueles provenientes de gestações pré-termo.

Segundo Monteiro et al. (2000), uma criança pode nascer com peso abaixo do normal devido ao encur-tamento da duração da gestação (prematuridade) e à restrição de crescimento intra-uterino, processos que podem atuar isoladamente ou em associação. Assim, a duração da gestação representa o componente mais importante do desenvolvimento intra-uterino, iden-tificando a prematuridade (gestações com duração inferior a 37 semanas) como um dos principais riscos da mortalidade neonatal. Nos estudos de sobrevivên-cia infantil, a duração da gestação é considerada um indicador da viabilidade do recém-nascido (ALMEI-DA et al., 2002; KILSZTAJN et al., 2003; MACHA-DO; HILL, 2003; FERRARI et al., 2006; ORTIZ, 2006b).

Na coorte estudada, mais de 70% dos óbitos neonatais corresponderam a crianças com menos de 37 semanas de gestação, enquanto entre os nascidos

Page 23: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

26 LuiS PaTRiciO ORTiz/DEiSE akikO OuSHiRO

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 19-29, jan./jun. 2008

Ao mesmo tempo, verificou-se que, entre as mães com 12 ou mais anos de estudo, 73,5% dos partos foram operatórios e apenas 27,1% espontâneos; já entre as mães com menos de oito anos de estudo, essa proporção foi de 59,3% e 40,7%, respectivamen-te. Paralelamente, 51,7% dos nascidos vivos de baixo peso foram de gestações pré-termo. Assim, é possível que muitas dessas parturientes tenham dado entrada nos hospitais já na fase final de trabalho de parto, não havendo a possibilidade de emprego de cesárea.

Nota-se então que, entre os recém-nascidos que apresentaram elevada probabilidade de morte e para os quais o parto operatório teria contribuído para re-duzir o risco de morte, a incidência de cesáreas foi baixa. Este fato pode ter colaborado para a maior probabilidade de morte apurada entre os nascimen-tos por parto espontâneo.

Em relação ao pré-natal, além da quantidade de consultas, devem ser considerados aspectos como a hierarquização, a garantia de acesso e a qualidade do atendimento. Nesse sentido, se bem existe consenso de que o início precoce é essencial para a adequada assistência, o número ideal de consultas ainda é con-troverso. Para a Organização Mundial de Saúde, o nú-mero adequado seria igual ou superior a seis. No Bra-sil, foi adotado como parâmetro a realização de sete ou mais consultas. De qualquer forma, o número de consultas de pré-natal é um indicador muito utilizado para avaliar as condições de atendimento às gestantes, pois as consultas em número adequado possibilita-riam detectar riscos que incidem na morbimortalida-de materna e infantil, além de reduzir a ocorrência de prematuridade e de mortalidade perinatal.

Na coorte em estudo, foi observada uma redução da mortalidade neonatal à medida que aumenta o nú-mero de consultas de pré-natal. Quando são realiza-das entre quatro e seis consultas, o risco de morte é de um terço do verificado para a categoria de menos de quatro consultas, mas, ainda assim, mostra-se 3,7 vezes mais elevado do que o da categoria de referên-cia, relação que permanece quase inalterada durante todo o período neonatal.

Foi também observado que o número de consul-tas de pré-natal está diretamente relacionado com a situação educacional da mãe, pois a proporção de

ções de 36 semanas, conforme as curvas de padrão de crescimento intra-uterino, situa-se em torno de 2.800 gramas (ARBUCKLE et al., 1993).

O maior risco relativo de morte correspondeu aos nascidos vivos pré-termo e baixo peso, sugerindo a existência de uma interação entre estas duas cate-gorias, isto é, a presença conjunta destes fatores no recém-nascido leva a um risco de morte neonatal sig-nificativamente maior do que aquele obtido na pre-sença de apenas uma das variáveis. Estes resultados confirmam a importância da variável duração da ges-tação no que se refere à mortalidade neonatal.

Na coorte estudada a elevada probabilidade de morte nos casos de gestações múltiplas relaciona-se à maior freqüência de baixo peso ao nascer entre estas crianças. Alguns estudos indicam que existiria uma associação entre os nascidos vivos de gestações múl-tiplas e o risco de morte neonatal, no sentido de que esse tipo de gravidez representa significativo fator de risco para o crescimento intra-uterino, podendo re-sultar, dessa forma, em nascidos vivos de gestações a termo, mas de baixo peso (CARVALHO; GOMES, 2005; FERRARI et al., 2006).

A mortalidade neonatal mais elevada entre as crianças nascidas de parto vaginal, em comparação com o parto cesáreo, está relacionada ao fato de que essas últimas apresentarem baixo peso e/ou serem prematuras (CÉSAR et al., 2000; FERRARI et al., 2006). Ao mesmo tempo, outros estudos têm mos-trado que nessa relação também têm forte influência a má qualidade da assistência ao parto normal, a ele-vada incidência de cesarianas, especialmente em ges-tações de baixo risco, e a realização de parto normal nas gestantes de alto risco (GIGLIO et al., 2005).

Na coorte em estudo, 51,8% dos recém-nascidos de muito baixo peso (menos de 1.500 gramas) corres-ponderam a partos operatórios. Assim, na categoria para a qual existe a recomendação médica de empre-gar o procedimento cirúrgico, sua ocorrência não foi muito freqüente. As mortes de crianças nascidas com muito baixo peso representaram mais de 50% do to-tal de óbitos neonatais; dos óbitos de crianças com peso ao nascer inferior a 1.500 gramas, somente 34% foram de partos operatórios e os demais correspon-deram a partos espontâneos.

Page 24: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

PERFiL Da MORTaLiDaDE NEONaTaL NO ESTaDO DE SãO PauLO 27

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 19-29, jan./jun. 2008

mães que nunca passaram por atendimento pré-natal é superior entre aquelas com menor escolaridades: 15,1% tinham três anos ou menos de estudo, enquan-to somente 4,1% possuíam 12 ou mais anos de estu-do. Entre aquelas que fizeram sete ou mais consultas, 5,3% tinham três anos ou menos de estudo e 19,4%, 12 anos ou mais.

A idade materna é uma variável muito utilizada nos estudos demográficos e epidemiológicos. Entretanto, a relação entre a idade da mãe e a mortalidade neonatal não é totalmente clara. Para alguns estudiosos, o fato de a mãe ser jovem ou ter mais de 35 anos não constitui elemento de maior mortalidade neonatal (CÉSAR et al., 2000), enquanto para outros existe associação positiva entre essas variáveis (ALMEIDA et al., 2002; GIGLIO et al. 2005). O fato é que, embora seja esperada uma associação positiva entre idade da mãe e mortalidade neonatal, uma vez que as mães adolescentes apresentam maior ocorrência de crianças com baixo peso ao nascer, ela ainda não está definitivamente comprovada. Uma situação similar ocorre entre mortalidade neonatal e mães com idades de 35 anos ou mais.

O número de filhos nascidos vivos é uma variá-vel indicativa da distribuição dos filhos segundo sua ordem de nascimento e a idade da mãe no momento do nascimento, associando-se ao nível socioeconômi-co da mãe e à mortalidade infantil. Alguns estudos mostram estreita relação entre múltiplas gestações e a mortalidade neonatal (CARVALHO; GOMES, 2005; FERRARI et al., 2006).

Embora exista uma associação entre peso ao nas-cer e nascidos vivos provenientes de mulheres primí-paras e multíparas, não foram observadas diferenças marcantes nessas probabilidades de morte, que po-deriam estar relacionadas, no caso dos nascidos vi-vos provenientes de gestações de grandes multíparas, com o fato de não se ter obtido risco relativo de mor-te significativo para os PIG. Tal situação está ligada à constatação de que a elevada parturição é considera-da um risco para as crianças com crescimento intra-uterino retardado.

No caso dos nascidos vivos de primíparas, uma hipótese refere-se à existência de associação entre esta variável e os pré-termos de baixo peso, grupo

no qual foi observado maior risco de morte neonatal (CARNIEL et al., 2008). É possível que estes fatos estejam também relacionados com uma atenção mais adequada a estas mães no período pré-natal, prolon-gando a duração da gestação e reduzindo a probabi-lidade de morte neonatal. Também influenciaria tais resultados a melhoria da assistência pré-natal a essas gestantes. Altas ordens de nascimento aumentam sig-nificativamente o risco de retardo de crescimento das crianças.

Ao analisar o risco de morte segundo grau de ins-trução, verifica-se a tendência esperada de diminuição do risco de morte neonatal à medida que aumenta a escolaridade da mãe. Esta variável pode constituir uma boa aproximação do estrato social materno, sendo muito significativa para estudar a mortalidade infantil.

Em uma pesquisa que examinou a influência da educação feminina no crescimento das crianças bra-sileiras, encontrou-se nítida relação entre a baixa es-colaridade materna e o retardo de desenvolvimento na infância. A não-conclusão do ensino fundamental aumenta em 1,7 vez o risco de retardo de crescimento, enquanto a escolaridade materna inferior a quatro anos está associada a chances de retardo 4,3 vezes maiores. O fato de a escolaridade da mãe persistir fortemente associada ao crescimento infantil, mesmo quando são semelhantes as condições socioeconômicas, é consis-tente com a importância dos cuidados apropriados (alimentação, higiene, manejo de enfermidades) para a saúde e a nutrição da criança (MONTEIRO, 1997).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A vinculação das bases de dados de nascidos vivos e óbitos neonatais possibilitaram aprofundar o estu-do da mortalidade neonatal no Estado de São Paulo, analisando em uma coorte específica de nascidos vi-vos as características do recém-nascido, da gestação, do parto e da mãe.

Os riscos de morte mais elevados correspondem às crianças que nascem com muito baixo peso e pré-termo, indicando a existência de uma interação entre estas duas categorias e do significativo papel da dura-ção da gestação na mortalidade neonatal.

Page 25: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

28 LuiS PaTRiciO ORTiz/DEiSE akikO OuSHiRO

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 19-29, jan./jun. 2008

Estes resultados apontam para a necessidade de: ampliar e intensificar a implementação de políticas e ações de saúde direcionadas para atenção pré-natal,

ao parto e ao recém-nascido; capacitar o profissional de saúde; e aumentar e facilitar o acesso à terapia in-tensiva neonatal.

Nota

1. Na categoria de partos vaginais incluem-se as informações sobre partos por fórceps e outros.

referências Bibliográficas

ALMEIDA, M.F. et al. Avaliação da qualidade da informação sobre mortalidade perinatal no Município de São Paulo – Projeto. São Paulo: Convênio Fapesp – CNPq – SUS, 2007. (Processo n. 2006/61304-3).

______. Partos domiciliares acidentais na região sul do Município de São Paulo. Rev. Saúde Pública, v. 39, n. 3, p. 366-375, 2005.

______. Mortalidade neonatal no Município de São Paulo: influên cia do peso ao nascer e fatores sócio-demográficos e assis-tências. Rev. Brasileira de Epidemiologia, n. 5, p. 93-107, 2002.

ARBUCKLE, T.E.; WILKINS, R.; SHERMAM, G. Birth weight percentiles by gestational age in Canada. Obstet Gynecol., v. 81, n. 1, p. 39-48, 1993.

CARVALHO, M.; GOMES, M.A. A mortalidade do prematuro extremo em nosso meio: realidade e desafios. Jornal de Pediatria, n. 81, p. s111-s118, 2005.

CARNIEL, E. de F. et al. Determinantes do baixo peso ao nascer a partir das declarações de nascidos vivos. Revista Brasileira de Epidemiologia, São Paulo, v. 11, n. 1, mar. 2008.

CASTRO, E.C.M.; LEITE, A.J.M. Mortalidade hospitalar dos recém-nascidos com peso de nascimento menor ou igual a 1.500g no município de Fortaleza. Jornal de Pediatria, n. 83, p. 27-32, 2007.

CÉSAR, C.C.; RIBEIRO, P.M.; ABREU, D.M.X. Efeito-idade ou efeito-pobreza? Mães adolescentes e mortalidade neonatal em Belo Horizonte. Revista Brasileira de Estudos de População, n. 17, p. 177-196, 2000.

DUARTE, J.L.M.; MENDONÇA, G.A.S. Fatores associados à morte neonatal em recém-nascidos de muito baixo peso em quatro maternidades no município do Rio de Janeiro, Brasil. Cad. Saúde Pública, n. 21, 2005.

FERRARI, L.S.L. et al. Mortalidade neonatal no Município de Londrina, Paraná, Brasil, nos anos 1994, 1999 e 2002. Cad. Saúde Pública, n. 22, p. 1.063-1.071, 2006.

GIGLIO, M.R.P. et al. Baixo peso ao nascer em coorte de recém-nascidos em Goiânia-Brasil no ano de 2000. Rev. Bras. Ginecol. Obstet., v. 27, n. 3, p. 130-135, 2005.

HALLSWORTH, M. et al. The provision of neonatal services – Data for international comparisons. UK: RAND Corporation, 2008.

KABIR, Z. Low birth weight: revisited. Int. J. Epidemiol., v. 31, n. 5, p. 1.075, Oct. 2002.

KILSZTAJN, S. et al. Assistência pré-natal, baixo peso e pre-maturidade no Estado de São Paulo, 2000. Rev. Saúde Pública, v. 37, n. 3, p. 303-310, 2003.

LAURENTI, R.; MELLO JORGE, M.H.; GOTLIEB, S. Perfil epidemiológico da morbimortalidade masculina. Ciência &Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 10, n. 1, jan./mar. 2005.

MACHADO, C.J.; HILL, K. Determinantes da mortalidade neonatal e pós-neonatal no Município de São Paulo. Rev. Bras. Epidemiologia, n. 6, p. 345-358, 2003.

MATHEWS, T.J.; MENACKER, F.; MACDORMAN, F. Infant mortality statistics from the 2002 period linked birth/infant death data set. National Vital Statistics Reports, v. 53, n. 10, p. 1-30, 2004.

Page 26: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

PERFiL Da MORTaLiDaDE NEONaTaL NO ESTaDO DE SãO PauLO 29

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 19-29, jan./jun. 2008

MARTINS, E.F.; VELÁSQUES-MELÉNDEZ, G. Determinan-tes da mortalidade neonatal a partir de uma coorte de nascidos vivos, Montes Claros, Minas Gerais, 1997-1999. Rev. Bras. Saúde Matern. Infant., n. 4, p. 405-412, 2004.

MINAMISAWA, R. et al. Fatores associados ao baixo peso ao nascer no Estado de Goiás. Revista Eletrônica de Enfermagem, v. 6, n. 3, 2004. Disponível em: <http://www.fen.ufg.br>.

MONTEIRO, C.A. Melhoria em indicadores de saúde associados à pobreza no Brasil dos anos 90: descrição, causas e impacto sobre desigualdades regionais. São Paulo: Nupens/USP, 1997.

MONTEIRO, C.A. et al. Tendência secular do peso ao nascer na cidade de São Paulo (1976-1998). Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 34, n. 6, 2000.

Luis Patricio ortiz

Doutor em Saúde Pública, Chefe da Divisão de Produção de Indicadores Demográficos da Fundação Seade. Professor Titular da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da PUC-SP.

Deise akiko oushiro

Matemática, Analista da Fundação Seade.

Artigo recebido em 10 de junho de 2008. Aprovado em 8 de setembro de 2008.

Como citar o artigo:ORTIZ, L.P.; OUSHIRO, D.A. Perfil da mortalidade neonatal no Estado de São Paulo. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v. 22, n. 1, p. 19-29, jan./jun. 2008. Disponível em: <http://www.seade.gov.br>; <http://www.scielo.br>.

ORTIZ, L.P. A mortalidade neonatal no Estado de São Paulo: níveis e tendências segundo à duração da gestação. In: Encontro Nacional da Associação Brasileira de Estudos Populacionais, 15., Ca-xambu. Anais... Caxambu, Abep, 2006a.

______. Utilização da técnica de concatenação de base de dados para o estudo da mortalidade neonatal. In: Encontro Nacional de Produtores e Usuários de Informações Sociais, Econômicas e Territoriais, 2., Rio de Janeiro, 2006b.

______. Características da mortalidade neonatal no Estado de São Paulo. Tese (Doutorado) – Faculdade de Saúde Pública da USP, São Paulo, 1999.

UNICEF – United Nations Children’s Fund; WHO – World Health Organization. Low Birthweight: Country, regional and global estimates. New York: Unicef, 2004.

Page 27: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 30-47, jan./jun. 2008

A mortalidade perinatal é considerada, atualmente, um dos indicadores mais importantes para avaliação das condições de saúde de uma população, “visto que seu estudo revela informações valiosas acerca da qualidade da assistência prestada à mulher durante o ciclo gravídico-puerperal” (VARDANEGA et al., 2002, p. 2).

Nos países desenvolvidos, esse indicador é utilizado desde os anos 40, quando Peller propôs o termo peri-natal, por considerar “necessário analisar como ‘unidade estatística’ a soma dos nascidos mortos (perdas fetais tardias) com a morte durante os sete primeiros dias de vida” (LAURENTI; BUCHALLA, 1997, p. 2). Almeida et al. (2006) destacam que, “Na Inglaterra e País de Gales, os natimortos passaram a ser registrados em 1928 e, apenas em 1949 foram somados aos óbitos neonatais precoces, criando-se assim o indicador mortalidade perinatal”.

Já nos países em desenvolvimento, somente recentemente este indicador passou a merecer maior atenção, sendo incluído na avaliação das condições de saúde.

Este tema certamente ficou em plano secundário devido às características que predominaram por muito tempo na mortalidade infantil: grande presença de óbitos com mais de um mês de vida e alta incidência das doenças infecciosas e parasitárias, o que, provavelmente, direcionou a maior parte das análises para tais aspec-tos, com a finalidade de adquirir mais conhecimento e também proporcionar melhoria nas condições de saúde das respectivas populações. Algumas dessas melhorias são consideradas relativamente simples de serem alcan-çadas, uma vez que determinadas causas podem ser eliminadas ou reduzidas acentuadamente com condições adequadas de saneamento, vacinação, instalação de postos de saúde, atenção ao parto e à gestante e realização de pré-natal.

Resumo: Apresentam-se considerações sobre a situação recente da natimortalidade e da mortalidade perinatal para o Estado de São Paulo e suas regiões. Destacam-se algumas de suas principais características e os níveis observados para os indicadores.

Palavras-chave: Óbito fetal. Natimorto. Óbito perinatal.

Abstract: There are considerations on the recent situation of perinatal mortality and the stillborn rates for the state of Sao Paulo and its regions. Among them some of their main characteristics and the levels observed for the indicators were emphasized.

Key words: Fetal death. Mortality registries. Perinatal mortality.

A nAtimortAlidAde e A mortAlidAde perinAtAl em São pAulo

Antonio Benedito MArAngone CAMArgo

Page 28: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

A NATiMorTAliDADE E A MorTAliDADE PEriNATAl EM São PAulo 31

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 30-47, jan./jun. 2008

Laurenti, Buchalla e Costa (1984) destacam que a

mortalidade infantil tem sido estudada exaustivamente em to-dos os países e, pode-se dizer, muito se sabe a seu respeito [...] Poucos estudos têm sido feitos entre nós, referentes às mortes no período perinatal; o seu conhecimento seria importante em termos de sua redução e representaria, por outro lado, uma contribuição importante para a redução da mortalidade infan-til como um todo.

Aquino e Ceccatti (1998) acrescentam, ainda em relação à mortalidade fetal, que “pouco se tem es-tudado a seu respeito separadamente das mortali-dades perinatal e infantil”. Nurdan (2003, p. 5), em estudo sobre a natimortalidade em microrregião do interior mineiro, afirma que “os poucos trabalhos existentes na literatura estão relacionados a grandes cidades”.

Além desses aspectos, deve-se ressaltar que a dis-ponibilidade de informações da natimortalidade tem sido tradicionalmente menor do que a da mortalida-de infantil, o que torna seu conhecimento mais com-plexo para determinadas regiões. Sobre isto, Lansky, França e Leal (2002, p. 3) destacam que:

Pouca atenção tem sido dada às mortes que ocorrem antes do nascimento, apesar da mortalidade fetal ser influenciada pelas mesmas circunstâncias e a mesma etiologia que a mortalidade neonatal precoce.

À medida que a mortalidade infantil diminui acen-tuadamente em muitas áreas, os óbitos concentram-se nas primeiras idades, especialmente na primeira se-mana de vida (CAMARGO, 1992, 1996; FERREIRA, 1989, 1992; ORTIZ, 2002; FUNDAÇÃO SEADE, 2005, 2007).

A redução da mortalidade peri e neonatal tem sido mais difícil e lenta do que a da mortalidade pós-neonatal, já que esta últi-ma é mais vulnerável às melhorias globais da condição de vida e às intervenções do setor de saúde (LANSKY; FRANÇA; LEAL, 2002, p. 3).

Ainda neste sentido, Vardanega et al. (2002) des-tacam que,

em particular na América Latina, as causas ligadas à gestação e ao parto contribuíram com somente 6% para a redução total dos óbitos infantis, passando a ocupar o primeiro lugar entre as causas de óbito de crianças no seu primeiro ano de vida.

Com as mudanças no perfil da mortalidade, o en-foque dos estudos passou a demandar maior conhe-cimento sobre sua ocorrência, englobando também a mortalidade perinatal, pois, como ressaltado anterior-mente, seus componentes – óbitos infantis neonatais precoces (0 a 6 dias) e natimortos (óbitos fetais de 22 ou mais semanas de gestação) – apresentam ca-racterísticas e fatores associados muito semelhantes (LANSKY; FRANÇA; LEAL 2002; LAURENTI; BUCHALLA, 1997).

Esse diagnóstico é muito importante não apenas para avaliar a qualidade do atendimento às crianças e às gestantes, mas também para implementar políti-cas que proporcionem a continuidade da redução da mortalidade infantil, observada nos últimos anos.

Tendo em vista que o conhecimento da morta-lidade infantil é mais amplo, mesmo quando se tra-ta do período neonatal precoce, é priorizada aqui a apresentação de alguns aspectos relacionados à natimortalidade. Posteriormente, apresenta-se sua participação na mortalidade perinatal, para o Estado de São Paulo e suas regiões, especialmente para os últimos anos.

AS INFORMAÇÕES PARA SÃO PAULO

Como se destacou inicialmente, a análise das infor-mações da natimortalidade depende da sua disponi-bilidade em termos tanto quantitativos como quali-tativos. Em relação ao primeiro aspecto, ressalta-se que o Estado de São Paulo conta com séries de in-formações demográficas muito importantes que re-montam ao final do século XIX. Para a mortalidade infantil e a natimortalidade, é possível observar as importantes alterações que vêm ocorrendo de forma contínua pelo menos desde os anos 20 do século pas-sado, possibilitando acompanhar as principais altera-ções ocorridas entre as principais causas de morte, a distribuição por sexo e idade e também para as áreas geográficas (GOLDANI, 1982).

Page 29: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

32 ANToNio BENEDiTo MArANgoNE CAMArgo

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 30-47, jan./jun. 2008

Nas primeiras décadas do século XX, as taxas de mortalidade infantil, no Estado, mantinham-se em torno de 200 óbitos por mil nascidos vivos, enquan-to a natimortalidade ficava próxima de 60 por mil nascidos vivos. Estes índices diminuíram de forma consistente e quase continuamente a partir da década de 1940, até alcançar os níveis relativamente baixos observados dos últimos anos, chegando a 13 óbitos por mil para a mortalidade infantil e a 8 por mil para a natimortalidade, em 2006.

Quanto aos aspectos da classificação dos eventos, especialmente a natimortalidade, ou seja, nascidos mortos considerados nascidos vivos ou vice-versa, estudos apontam que não se têm detectado maiores problemas.

Estudos realizados em determinadas áreas mos-traram que são insignificantes os problemas na clas-sificação dos eventos, referindo-se basicamente a algumas crianças que sobreviveram por um tempo muito reduzido após o nascimento, geralmente ape-nas alguns minutos. A Investigação Interamericana de Mortalidade na Infância, realizada na década de 1960 no Município de São Paulo, constatou que “1,4% dos registrados como nascidos mortos eram nascidos vi-vos e que faleceram com minutos ou mesmo horas de vida” (LAURENTI, 1975). Resultados semelhantes foram encontrados também para Teresina, com da-dos de 1970 a 1982 (MELLO JORGE, 1990, p. 21).

Quanto à informação-chave para a definição dos natimortos – a duração da gestação –, ressalta-se que os critérios não têm sido os mesmos no decorrer do tempo, pois as classificações de causas de morte podem modificar seu conceito em função de vários fatores.

Em decorrência dos contínuos avanços tecno-lógicos atualmente observados, principalmente no campo da Neonatologia, que através das unidades de terapia intensiva neonatal tornaram viável uma sobre-vivência fetal cada vez mais precoce fora do útero materno, tornou-se necessário uma reformulação dos conceitos anteriormente utilizados (DE LORENZI et al., 2001, p. 141).

Assim, se na 9ª Classificação Internacional de Doen ças, por exemplo, consideravam-se natimortos os óbitos fetais com 28 semanas ou mais de gesta-

ção, na CID-10 este limite diminuiu para 22 semanas. Com isso, até 1995, cerca de 65% a 70% dos óbitos fetais eram contabilizados como natimortos, mas, com a mudança do critério, estes passaram a corres-ponder a cerca de 94% do total, entre os que tinham a duração da gestação definida.

Porém, independentemente da classificação, ne-cessita-se no mínimo que as variáveis tipo de óbito e duração da gestação sejam preenchidas de forma correta para que os indicadores sejam confiáveis e apontem seus reais níveis em cada área estudada, bem como sua evolução no decorrer do tempo.

Assim, apresentam-se a seguir algumas considera-ções sobre a qualidade de preenchimento de algumas variáveis, incluindo a duração da gestação, para o Es-tado de São Paulo, bem como suas principais caracte-rísticas.

CARACTERÍSTICAS DOS ÓBITOS FETAISDuração Da Gestação

A primeira informação analisada refere-se à duração da gestação, uma vez que, como se destacou, seu pre-enchimento é vital para a definição dos natimortos, pois altos porcentuais de desconhecimento nesta variável afetam sensivelmente os indicadores da na-timortalidade e da mortalidade perinatal.

Observa-se que, nos últimos anos, houve redução dos porcentuais de não preenchimento ou de desco-nhecimento desta variável para o Estado de São Pau-lo, passando de cerca de 14%, em 2000, para quase 6%, em (Gráfico 1).

Quando se trata de áreas geográficas menores, estes porcentuais apresentam variações significativas, como é o caso das Direções Regionais de Saúde – DIRs. Em 2006, a DIR da capital registrou a maior proporção de duração da gestação ignorada, aproximando-se de 10% do total, seguida por Araçatuba e Presidente Pru-dente, com pouco mais de 9%. Os menores índices correspondiam às DIRs de Marília (1,5%), seguida pe-las DIRs de Franca, Santo André, Franco da Rocha e São José dos Campos, com menos de 2,5%.

Estes valores para o Estado e as Direções Regio-nais de Saúde podem ser considerados relativamente baixos, pois o conhecimento desta variável não é dos

Page 30: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

A NATiMorTAliDADE E A MorTAliDADE PEriNATAl EM São PAulo 33

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 30-47, jan./jun. 2008

mais simples. Baldijão e Mello Jorge (1989) destacam que esse dado inclui-se entre aqueles de mais difícil ob-tenção, uma vez que depende da informação da mãe. Entretanto, é de vital importância do ponto de vista epidemiológico, pelas razões já apresentadas, mere-cendo grande esforço para seu bom preenchimento.

Um outro fator importante relacionado à duração da gestação é o registro facultativo dos óbitos fetais com menos de 20 semanas. Laurenti e Mello Jorge (2004, p. 69) destaca que, até 1995, a legislação deter-minava que perdas fetais com menos de 28 semanas eram de comunicação optativa. Porém, com a im-plantação da CID-10, criou-se um impasse, pois os nascidos mortos passaram a ser considerados a partir da 22ª semana. Tal situação foi resolvida por meio da Resolução n. 1.601, do Conselho Federal de Medici-na, a qual estabelece que:

Em caso de morte fetal, os médicos que prestavam assistên-cia à mãe ficam obrigados a fornecer a declaração de óbito do feto, quando a gestação tiver duração igual ou superior a 20 semanas ou o feto tiver peso corporal igual ou superior a 500 gramas e/ou estatura igual ou superior a 25 centímetros.

Em gestações de menos de 20 semanas,

não é obrigatório para estes casos o fornecimento do atestado, podendo os produtos ser incinerados no hospital ou outro estabelecimento ou ainda entregues à coleta hospitalar adequada, de acordo com as normas estabelecidas para a matéria (LAURENTI; MELLO JORGE, 2004, p. 70).

Isto faz com que o total de óbitos fetais seja inferior ao real, mas no caso dos natimortos tal fato não ocorre, uma vez que seu limite está acima daquele período. Tam-bém por isso os totais de óbitos fetais e de natimortos geralmente são muito próximos e apresentaram poucas alterações nos últimos anos quanto à distribuição segun-do sua duração, no Estado de São Paulo.

Entre os óbitos fetais com duração da gestação definida, ou seja, com a informação preenchida, ressaltou-se anteriormente que cerca de 94% foram contabilizados como natimortos, em 2006, ou seja, tinham pelo menos 22 semanas de gestação. E ainda, a maior parcela dos óbitos fetais corresponde ao pe-ríodo de gestação de 32 a 36 semanas, com cerca de 28% do total (Gráfico 2).

Gráfico 1Porcentual de Óbitos Fetais com Duração

da Gestação IgnoradaEstado de São Paulo – 2000-2006

Fonte: Fundação Seade.

Gráfico 2Óbitos Fetais, por Duração da Gestação em Semanas (1)

Estado de São Paulo – 2000-2006

Fonte: Fundação Seade.(1) Excluindo os óbitos fetais com duração da gestação ignorada.

0

2

4

6

8

10

12

14

16

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006

%

Duração da gestação

0

5

10

15

20

25

30

35

< 22 22 a 27 28 a 31 32 a 36 37 a 41 42 e +

% 2000 2006

Page 31: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

34 ANToNio BENEDiTo MArANgoNE CAMArgo

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 30-47, jan./jun. 2008

muitas vezes imperativa mesmo antes do termo, a fim de pre-servar a saúde materna, como por exemplo, nos casos de pré-eclampsia ou eclampsia.

Por outro lado, uma proporção elevada de óbitos de crianças com duração da gestação e peso apro-priados poderia ser indicativo de que “deficiências devem ter ocorrido na assistência à saúde prestada” (BARROS et al., 1987, p. 310). A melhoria das condi-ções de saúde pode ter sido responsável pela redução do número de óbitos fetais de maior idade gestacio-nal nos últimos anos, resultando, assim, em crianças nascidas vivas.

Assim, tendo o preenchimento relativamente elevado na variável “duração de gestação” e pratica-mente não havendo sub-registro, os indicadores que envolvem a natimortalidade estão muito próximos da realidade quanto à sua magnitude, especialmente para áreas geográficas maiores, como são os casos do Estado e das DIRs. Isso permite que a análise dos in-dicadores que englobam esse evento, bem como sua evolução, possa ser realizada com muita segurança, não havendo maiores restrições.

Gráfico 3Proporção de Óbitos Fetais com Menos de 37 Semanas de Gestação, por Direções Regionais de Saúde – DIRs

Estado de São Paulo – 2006

Fonte: Fundação Seade.

Como seria de se esperar, essa distribuição é mui-to diferente da observada para os nascidos vivos, em que 91% das crianças tinham de 37 a 41 semanas de gestação e 7% de 32 a 36 semanas, em 2006.

Entre as DIRs, observa-se que as proporções de óbitos fetais considerados de “pré-termo”, ou seja, com menos de 37 semanas de gestação, apresentaram diferenças importantes. Os maiores valores corres-ponderam à DIR da Capital, com cerca de 94% do total, seguida pelas de Osasco, São José do Rio Preto, Mogi das Cruzes, Ribeirão Preto e Santo André, com 86% a 88%. Os menores índices foram observados nas DIRs de Assis, Sorocaba e Franca, com 72% a 75% (Gráfico 3).

No que se refere à grande concentração de óbitos fetais em idades gestacionais mais precoces, Barros et al. (1987) constatou, em sua revisão da literatura sobre o tema, que este era um fato comum nas áreas analisa-das. A respeito deste aspecto, De Lorenzi et al. (2001, p. 143) ressaltou que

em parte pode ser explicada pelas dificuldades observadas no manejo clínico das gestações de alto risco, cuja interrupção é

60

65

70

75

80

85

90

95

100

CapitalOsasco

São José do Rio Preto

Mogi das Cruzes

Ribeirão Preto

Santo AndréBarretos

Presidente Prudente

AraraquaraEstado

Franco da RochaRegistro

Taubaté

CampinasBotucatu

Marília

São João da Boa Vista

AraçatubaSantos

São José dos Campos

PiracicabaBauru

FrancaSorocaba

Assis

DIRs

%

Page 32: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

A NATiMorTAliDADE E A MorTAliDADE PEriNATAl EM São PAulo 35

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 30-47, jan./jun. 2008

Distribuição por sexo

A observação das informações dos óbitos fetais, se-gundo o sexo, mostram que, a exemplo dos nascidos vivos, existe maior predominância do sexo masculi-no. Se, entre os nascidos vivos, a razão é de 105 meni-nos para 100 meninas, entre os fetais alcança 117 para 100 no Estado. Isso significa que ocorrem 17% mais perdas fetais do sexo masculino do que do feminino, resultando em porcentual de 53% para o sexo mascu-lino. A razão em relação aos nascidos vivos por sexo também exprime bem essa diferença, como mostra o Gráfico 4, para o período de 2000 a 2006.

Observa-se que, embora as razões diminuam no decorrer do tempo, as diferenças entre os sexos pou-co se alteram, passando de 14% em 2000 para 11% em 2006. A razão de óbitos fetais masculinos em rela-ção aos nascidos vivos do mesmo sexo passou de 13,0 por mil para 9,5 por mil, nesse período, enquanto a feminina diminuiu, de 11,5 para 8,5 por mil nascidos vivos, apresentando assim redução da ordem de 27% para ambos os sexos.

Em pesquisa realizada em hospital de Caxias do Sul (RS), entre 1998 e 2001, Vardanega et al. (2002), constataram que 54,1% dos óbitos fetais eram do sexo masculino. As estatísticas referentes às Filipinas mostram um porcentual um pouco maior em 2004 (56%), enquanto nos Estados Unidos, em 1996, foi um pouco menor (53%). Este porcentual foi o mes-mo observado para o Brasil em 2005 (razão de 123 crianças do sexo masculino para 100 do feminino), sendo que, entre os Estados, Pernambuco, Sergipe e Mato Grosso, com 56%, tiveram os maiores valores. Os menores corresponderam ao Piauí e Roraima, com respectivamente 49,6% e 47,1%, sendo estes os únicos Estados onde as proporções do sexo masculi-no foram inferiores a 50% nesse ano.

Deve-se ressaltar ainda que, entre os óbitos fe-tais registrados em São Paulo, contabilizaram-se, em 2006, cerca de 2% de crianças com sexo desconheci-do, sendo seu número absoluto quatro vezes maior do que o observado entre os nascidos vivos, embora estes sejam pouco mais de 100 vezes maiores no Es-tado, em 2006.

peso ao Nascer

O peso ao nascer também é uma variável muito im-portante, sendo muitas vezes utilizada para definição dos natimortos, especialmente quando se desconhece a duração da gestação. Geralmente nesses casos, con-sideram-se natimortos os óbitos fetais que tenham pelo menos 500 ou 1.000 gramas.

Existe grande associação entre peso ao nascer e duração da gestação: em 2006 que, entre aqueles com 22 a 27 semanas de gestação, somente 1% possuía peso igual ou maior que 2.500 gramas, enquanto en-tre os de 37 ou mais semanas 74% alcançaram esse peso.

No caso de São Paulo tem-se utilizado tradicional-mente a duração da gestação para o cálculo dos co-eficientes de mortalidade perinatal e natimortalidade uma vez que só recentemente esta variável apresen-tou menores porcentuais de desconhecimento.

Nos últimos anos, o preenchimento dessa infor-mação vem melhorando, ainda que não tenha al-cançado níveis considerados totalmente adequados.

Gráfico 4Razão de Mortalidade Fetal (1), segundo Sexo

Estado de São Paulo – 2000-2006

Fonte: Fundação Seade.(1) Por mil nascidos vivos.

6

7

8

9

10

11

12

13

14

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006

Taxa (por mil nascidos vivos)

Masculino Feminino

Page 33: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

36 ANToNio BENEDiTo MArANgoNE CAMArgo

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 30-47, jan./jun. 2008

Até 2002, os porcentuais de ignorados superavam 30%, diminuindo para 13,7% dos registros, em 2006 (Gráfico 5).

Dos cerca de 86% dos registros com informações definidas em 2006, a maior parte dos óbitos fetais tinha peso entre 500 e 900 gramas, seguidos pelas faixas de 1.000 a 1.499 gramas e de 1.500 a 1.999 gramas. Como se ressaltou, o registro de óbitos fe-tais abaixo de 20 semanas é facultativo e, por isso, o porcentual referente a menos de 500 gramas é muito reduzido, não alcançando 2%, dada a estreita relação existente entre essas duas variáveis. Chama a atenção também o fato de um quarto deles estar na categoria em que já não são considerados de baixo peso, ou seja, tinham pelo menos 2.500 gramas e ainda, de que de todos os fetais com peso conhecido, 13% tinham mais de três quilos.

Como seria de esperar o peso médio dos óbitos fe-tais (1.400 gramas) é bem inferior ao observado para os nascidos vivos (cerca de 3.100 gramas). O peso médio dos óbitos fetais observados na pesquisa de Caxias do Sul foi de 1.705 gramas, ou seja, cerca de 20% superior ao verificado em São Paulo. Ressalte-se ainda que, entre as Unidades da Federação, São Paulo apresentou, em 2005, o menor porcentual de óbitos fetais com 2.500 gramas ou mais (24%), pouco me-nor que o observado em Minas Gerais. Os maiores valores foram registrados no Maranhão (40%) e Pará (38%) (DATASUS, 2008).

Quanto à evolução no decorrer dos últimos anos, não houve grandes modificações no Estado de São Paulo, sendo a mais importante o pequeno aumento na proporção dos óbitos fetais com 500 a 999 gramas: de 28% para 32%, entre 2000 e 2006 (Gráfico 6).

iDaDe Da Mãe

A idade da mãe é uma informação muito importan-te para avaliação dos riscos de ocorrência das perdas fetais, a exemplo do que se observa na mortalidade infantil, em que as relações já são mais conhecidas, sendo que os maiores riscos ocorrem para mães mui-to jovens e aquelas com idades mais avançadas. Po-rém, para os óbitos fetais, esse conhecimento ainda é restrito.

Gráfico 5Proporção de Óbitos Fetais com Peso Ignorado

Estado de São Paulo – 2000-2006

Fonte: Fundação Seade.

Gráfico 6Distribuição dos Óbitos Fetais, com Peso Conhecido

Estado de São Paulo – 2000-2006

Fonte: Fundação Seade.

0

5

10

15

20

25

30

35

40

45

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006

%

Peso (em gramas)

0

5

10

15

20

25

30

35

< 500 500 a999

1.000 a1.499

1.500 a1.999

2.000 a2.499

2.500 a2.999

3.000 e +

% 2000 2006

Page 34: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

A NATiMorTAliDADE E A MorTAliDADE PEriNATAl EM São PAulo 37

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 30-47, jan./jun. 2008

No Estado de São Paulo, para 16% dos óbitos fe-tais registrados em 2006, não havia informação so-bre a idade da mãe, denotando certa deficiência no preenchimento dessa variável, embora tenha havido melhoras em relação aos anos anteriores (Gráfico 7).

O fato deste dado constar em cerca de 84% dos registros, em 2006, já permitiria observar com mui-ta proximidade as razões resultantes do seu relacio-namento com os nascidos vivos das mesmas faixas etárias maternas, mas, ainda assim, fez-se uma distri-buição proporcional daqueles casos em que se des-conhecia a informação, para se chegar a níveis mais próximos dos reais.

Os resultados das estatísticas vitais mostram que, para o Estado de São Paulo, a relação é semelhan-te àquela observada para a mortalidade infantil, com menores índices na faixa de 20 a 34 (cerca de 8 óbitos por mil nascidos vivos). Entre as mães com menos de 15 anos, a razão alcançou 12 por mil, para as de 35 a 39, ficou em 13,5 por mil e, na faixa de 40 a 44 anos, chegou a 19,1. Já entre as mães com 45 anos ou mais, a razão aproxima-se de 50 por mil (Gráfico 8).

Gráfico 7Proporção de Ignorados na Variável Idade

da Mãe entre Óbitos FetaisEstado de São Paulo – 2000-2006

Fonte: Fundação Seade.

27,5

21,0 21,2

40,0

29,7

19,6

16,5

0

5

10

15

20

25

30

35

40

45

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006

%

Gráfico 8Distribuição dos Nascidos Vivos, dos Óbitos Fetais e Razão entre Óbitos Fetais e

Nascidos Vivos (1), por Idade da Mãe Estado de São Paulo – 2000-2006

Fonte: Fundação Seade.(1) Por mil nascidos vivos.

Idade da Mãe

0

5

10

15

20

25

30

Menos de 15 15 - 19 20 - 24 25 - 29 30 - 34 35 - 39 40 - 44 45 e mais

%

0

10

20

30

40

50

60Razão (1)Nascidos Vivos Óbitos Fetais Razão (OF/NV)

Page 35: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

38 ANToNio BENEDiTo MArANgoNE CAMArgo

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 30-47, jan./jun. 2008

Este padrão observado para o Estado de São Pau-lo repete-se em outras áreas, tanto em países desen-volvidos como naqueles em desenvolvimento.

Vários trabalhos têm demonstrado existir uma relação entre a mortalidade neonatal e a idade da mãe, evidenciando que o au-mento da idade faz aumentar essa mortalidade. Relativamente aos nascidos mortos os coeficientes seguiram a tendência mostra-da nos referidos trabalhos: a possibilidade ou ocorrência de per-das fetais tardias foi maior nas mulheres de menos de 20 anos do que naquelas dos grupos etários seguintes (20 a 24 e 25 a 29 anos), aumentando depois com o crescer da idade e atingindo seu valor máximo no grupo de mulheres entre 40 e 44 anos (LAURENTI; SILVEIRA; SIQUEIRA, 1975).

Laurenti destacava, já em 1975, que

as mulheres com idades compreendidas entre 40 e 49 anos constituem grupo de alto risco e estão, portanto, a merecer maior atenção dos serviços de atendimento pré-natal e ao parto.

Na Inglaterra, Gales e Irlanda do Norte, segundo informações referentes a 2004, a razão de natimortos para os nascidos vivos, para mães de 45 anos ou mais, era cerca de três vezes maior do que a registrada entre aquelas de 20 a 29 anos.

causas De Morte

No Estado de São Paulo, em 2006, 93,3% dos óbi-tos fetais ocorreram devido a problemas perinatais e 6,6% por malformações congênitas, havendo ainda três casos de neoplasias.

Considerando-se uma desagregação maior de cau-sas de morte, percebe-se que, desde 2000, a hipóxia intra-uterina vem representando a principal causa de morte fetal, com cerca de 30% do total. A “morte fetal de causa não específica”, que na verdade re-presenta a causa maldefinida para os óbitos fetais, vem a seguir e muito próxima da anterior, com va-lores de 26% a 29% no período. Aparecem depois as seguintes causas: “feto e recém-nascido afetados por complicações da placenta, do cordão umbilical e das membranas” (16%) e as causas denominadas como “feto e recém-nascido afetados por afecções

maternas, não obrigatoriamente relacionadas com a gravidez atual” (10,9%). Já bem abaixo, com cerca de 4% do total, vem a causa denominada “feto e recém- nascido afetados por complicações maternas da gra-videz”, ressaltando-se que as cinco causas destacadas representam cerca de 90% do total. No grupo das malformações congênitas, as denominadas “anence-falia e malformações similares” aparecem como as mais importantes, com 1,2% do total de ocorrências em 2006.

Em relação aos coeficientes das principais cau-sas de mortalidade fetal, observa-se que as reduções mais importantes observadas desde 2000 ocorreram naquelas causas que apareciam na terceira e quarta posições das mais importantes e citadas acima. Já a hipóxia, que aparece como a principal, diminuiu 17% desde 2000, ao passar de um coeficiente de 3,5 por mil para 2,9 por mil em 2006. Já as “não específicas” diminuíram cerca de 36%, com o coeficiente passan-do de 3,6 por mil para 2,3 por mil, no período analisa-do, significando pequena melhoria no preenchimento nas causas de morte dos óbitos fetais.

Quanto ao item denominado “restante das afec-ções perinatais”, os valores foram de 1,4 e 1,1 por mil, respectivamente em 2000 e 2006 (Gráfico 9).

Ainda em relação aos resultados apresentados, chamam atenção os elevados porcentuais dos óbitos incluídos na categoria no item “morte fetal de causa não especificada”, que para o Estado, representavam cerca de 26% do total, em 2006, mas em algumas regiões eram mais elevados, chegando a quase 50% na DIR da Capital, 41,8% na de Presidente Prudente, 34,7% em Araçatuba e 33,3% em Barretos. Já nas DIRs de Ribeirão Preto, Marília, Taubaté, Santo André e São José dos Campos, ficaram abaixo de 12%, sendo que na primeira alcançou 6% (Tabela 1).

Os elevados valores para as causas não especifica-dos, observados em algumas regiões, comprometem de forma significativa um melhor diagnóstico para estas áreas, demandando medidas urgentes para sua melhoria.

Em relação às causas específicas, observa-se que em 13 das 24 DIRs a hipóxia intra-uterina aparece como a principal causa, variando entre 26%, na DIR de Assis, e 66%, na de Osasco. A causa denominada

Page 36: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

A NATiMorTAliDADE E A MorTAliDADE PEriNATAl EM São PAulo 39

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 30-47, jan./jun. 2008

Tabela 1Proporção de Óbitos Fetais, por Principais Causas de Morte, segundo Direções Regionais de Saúde – DIRs

Estado de São Paulo – 2006

Em porcentagem

DIRsHipóxia Intra-

uterina

Morte Fetal de Causa Não Especificada

Feto e Recém-Nascido Afetados

por Complicações da Placenta, do Cordão

Umbilical e das Membranas

Feto e Recém-Nascido Afetados por Afecções Maternas,

Não Obrigatoriamente Relacionadas com a

Gravidez Atual

Demais Causas

Estado de São Paulo 31,9 25,7 16,1 10,9 15,4

Araçatuba 14,7 34,7 26,7 10,7 13,3

Araraquara 16,9 14,6 30,3 19,1 19,1

Assis 25,8 24,2 24,2 8,1 17,7

Barretos 16,7 33,3 19,4 22,2 8,3

Bauru 24,2 13,7 28,2 16,1 17,7

Botucatu 16,0 30,7 21,3 10,7 21,3

Campinas 30,3 11,1 27,6 11,8 19,2

Capital 25,5 48,4 7,4 5,3 13,5

Franca 34,8 14,6 15,7 15,7 19,1

Franco da Rocha 47,9 13,5 16,7 7,3 14,6

Marília 44,3 10,2 17,0 20,5 8,0

Mogi das Cruzes 39,6 19,2 14,4 13,0 13,7

Osasco 65,8 14,2 6,5 3,7 9,8

Piracicaba 19,4 18,3 24,6 12,0 25,7

Presidente Prudente 9,0 41,8 20,9 20,9 7,5

Registro 19,0 27,6 27,6 10,3 15,5

Ribeirão Preto 40,9 6,0 18,8 13,4 20,8

Santo André 47,1 10,6 14,6 11,6 16,1

Santos 29,7 15,5 21,8 16,8 16,2

São João da Boa Vista 13,4 24,6 27,6 14,2 20,1

São José do Rio Preto 31,1 25,8 12,9 10,6 19,7

São José dos Campos 23,0 11,9 28,9 20,0 16,3

Sorocaba 25,4 23,2 18,9 19,2 13,3

Taubaté 35,3 10,3 19,8 15,5 19,0

Fonte: Fundação Seade.

Page 37: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

40 ANToNio BENEDiTo MArANgoNE CAMArgo

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 30-47, jan./jun. 2008

No Brasil, as principais causas de óbito perinatal são as afecções passíveis de prevenção através de uma adequada atenção pré-natal e assistência ao parto, das quais destacam-se: os tocotraumatismos, patologias maternas (síndromes hi-pertensivas, diabetes gestacional, infecções congênitas e etc.) e, por fim, a asfixia perinatal. Esta última é sempre consi-derada como uma das grandes causas de morbidade e mor-talidade, apesar de raramente ter os seus fatores etiológicos bem esclarecidos, favorecendo distorções no preenchimento das declarações de óbito.

outras iNforMações

Informações importantes existentes na Declaração de Óbito, que poderiam contribuir para o melhor conhecimento demográfico e epidemiológico das ocorrências deste evento, tais como número de filhos nascidos vivos e nascidos mortos, anos de estudo da mãe e tipo de parto, apresentam muitas deficiências

“feto e recém-nascido afetados por complicações da placenta” aparece como a principal em oito DIRs, e com o maior porcentual registrado para a DIR de Araraquara (30%) e o menor correspondente a Botucatu (21%).

O padrão observado para o Estado de São Paulo e suas regiões mostra-se semelhante ao de outras áreas do país.

No Brasil, por exemplo, prevalecem como causas de mortalidade perinatal a asfixia intra-uterina e intraparto, o baixo peso ao nascer, as afecções respi-ratórias do recém-nascido, as infecções e a prematuridade, diferentemente dos países desenvolvidos, onde a prema-turidade extrema e as malformações congênitas – mortes que não se pode prevenir – são as principais causas de óbito perinatal. Nos países desenvol-vidos, a principal causa de óbito fetal ocorre no período anteparto, tendo o crescimento intra-uterino retardado e a isoimunização diminuído significativamente e praticamente desaparecido a asfixia intraparto e as mortes anteparto por causas desconhecidas (LANSKY; FRANÇA; LEAL, 2002, p. 2).

Pesquisa realizada em Belo Horizonte, em 1999, mostrou que a asfixia aparecia em grande proporção entre os óbitos fetais, sugerindo, segundo Lansky, França e Leal (2002), “problemas relativos ao sistema de referência para a gestante e ao atendimento obs-tétrico”.

Os resultados apresentados para o Estado de São Paulo e suas regiões mostram um panorama muito parecido mesmo em anos recentes, certamente re-fletindo semelhantes aos detectados em Belo Hori-zonte. A alta mortalidade das demais causas também denotam falhas na atenção pré-natal e/ou condições maternas adversas.

Sobre este aspecto, De Lorenzi et al. (2001, p. 142) destacam que:

Gráfico 9Taxa de Mortalidade Fetal, segundo Principais Causas

Estado de São Paulo – 2000-2006

Fonte: Fundação Seade.(1) Por mil nascidos vivos.

0

0,5

1

1,5

2

2,5

3

3,5

4

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006

Taxa (por mil NV + OF)

Hipóxia intra-uterina

Morte fetal de causa não específica

Feto e recém-nascido afetados por complicações da placenta,do cordão umbilical e das membranas

Feto e recém-nascido afetados por Afecções maternas, não obrigatoriamente relacionadas com a gravidez atual

Demais Causas

Page 38: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

A NATiMorTAliDADE E A MorTAliDADE PEriNATAl EM São PAulo 41

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 30-47, jan./jun. 2008

em seu preenchimento, demandando melhorias para sua utilização.

Enquanto, para o tipo de parto, o porcentual de desconhecimento, em 2006, foi de quase 30% nas ou-tras variáveis ficaram entre 50% e 55%.

Fato semelhante ocorre com a variável “morte em relação ao parto”, que seria extremamente importan-te, mas que praticamente não é preenchida em São Paulo.

teNDêNcia Da NatiMortaliDaDe e Da MortaliDaDe periNatal

Os resultados apresentados mostram que as infor-mações necessárias à obtenção de indicadores que envolvem os óbitos fetais possuem problemas con-siderados mínimos, quanto à sua quantificação para o Estado de São Paulo e regiões (FUNDAÇÃO SEADE, 2006). Antes de apresentar sua evolução no tempo, porém, destacam-se as razões que geram os indicadores aqui utilizados, ou seja, a natimortalida-de e a mortalidade perinatal, que são expressadas da seguinte forma:

Taxa de Natimortalidade = Nascidos Mortos * 1000

Nascidos Vivos + Natimortos

Taxa de Mortalidade Perinatal = Óbitos infantis de 0 a 6 dias + Natimortos * 1000

Nascidos Vivos + Natimortos

Ao contrário da maioria dos indicadores demo-gráficos, não há uniformização para obtenção da-queles que envolvem os natimortos, devido à falta de padronização internacional quanto ao registro dos fetos. “Ainda hoje, em vários países, somente os fetos com 20 semanas ou mais de gestação são rotineiramente registrados, enquanto que em ou-tros apenas os conceptos considerados como per-das fetais tardias (idade gestacional > a 28 semanas ou peso > 1.000g) têm o seu registro obrigatório” (DE LORENZI, 2001, p. 142).

Além disso, como ressaltado anteriormente, estas razões alteram-se no decorrer do tempo em função das mudanças de conceito dos natimortos, que na Classificação Internacional de Doenças mais recente

diminuiu seu limite para 22 semanas de gestação. As-sim, devido a tais alterações, não é possível analisar a tendência desses indicadores considerando apenas um período, pois os resultados não são comparáveis, uma vez que os intervalos utilizados anteriormente para a duração da gestação não podem ser compatibilizados.

Deve-se ressaltar que, recentemente, a Rede Inte-ragencial de Informação para a Saúde – Ripsa sugeriu a inclusão dos óbitos fetais com duração da gestação ignorada no cálculo da mortalidade perinatal,

Considerando a subnotificação de óbitos fetais e a precariedade da informação disponível sobre a duração da gestação, reco-menda-se somar, tanto ao numerador como ao denominador, o número de óbitos fetais com idade gestacional ignorada ou não preenchida (RIPSA, 2008, p. 117).

No caso do Estado de São Paulo, essa alteração não foi realizada até o momento, pois, além de re-estimar toda a série de informações disponíveis para os anos anteriores, isto implica variações de cerca de somente 3% nos coeficientes estaduais de mortalida-de perinatal nos anos mais recentes. Dessa forma, no Gráfico 10, que apresenta a evolução dos indicadores a partir de 1980, englobam-se as informações calcu-ladas segundo as razões apresentadas, porém, para dois períodos distintos para sua observação: de 1980 a 1995 e de 1996 a 2006, que correspondem às CIDs utilizadas.

Assim, tendo em conta tais considerações, obser-va-se a evolução das taxas de natimortalidade, morta-lidade neonatal precoce e mortalidade perinatal, para o Estado de São Paulo a partir de 1980, bem como a proporção que os natimortos representam sobre esta última.

As informações do Gráfico 10 apontam a impor-tante redução dos níveis de natimortalidade e morta-lidade perinatal no Estado de São Paulo, desde 1980, independente da classificação utilizada. Em 1980, a taxa de natimortalidade era de 13,4 por mil no Es-tado, chegando a 8,2 por mil em 1992, a mais baixa registrada no período da CID-9, e, posteriormente, aumentando para 9,2 por mil, ou seja, 12% maior do que o valor observado em 1992. Ao se iniciar o perío-do que corresponde à utilização da CID-10 (1996), o

Page 39: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

42 ANToNio BENEDiTo MArANgoNE CAMArgo

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 30-47, jan./jun. 2008

índice era de 10,7 por mil, 16% superior ao do ano anterior, o que é justificado pelo maior número de eventos, ao se reduzir, no novo conceito de natimor-to, o tempo da duração da gestação. Nos anos seguin-tes, os coeficientes diminuem, chegando a 8,0 por mil em 2006, ou seja, 30% menor que em relação a 1996.

Já a mortalidade perinatal, que correspondia a 31 por mil em 1980, reduziu-se para cerca de 22 por mil nos últimos anos da CID 9, enquanto de 1996 a 2006 passou de 22,5 para 14,4 por mil, com um decréscimo da ordem de 37% nesses dez últimos anos.

Por sua vez, a mortalidade neonatal precoce dimi-nuiu 34,6%, entre 1980 e 1996, e 45,4% no período mais recente, no Estado, enquanto para a natimorta-lidade esses valores são de, respectivamente, 20,3% e 25,1%. Portanto, para a redução da taxa de mortali-dade perinatal, foi maior contribuição da mortalida-de neonatal precoce, uma vez que a natimortalidade

apresentou evolução mais lenta. Devido a esse com-portamento, observa-se, ainda no Gráfico 10, que a cada ano as taxas de natimortos aproximam-se das neonatais precoces, superando-as definitivamente a partir de 1999. Em 2006, a natimortalidade represen-tava 55% da mortalidade perinatal, o que torna muito importante analisar não apenas sua ocorrência, mas também suas principais características e fatores asso-ciados à sua ocorrência.

Segundo Vardanega et al. (2002, p. 2), a maior re-dução dos coeficientes de mortalidade neonatal pre-coce em relação à natimortalidade

é atribuída aos contínuos progressos observados nos campos da Obstetrícia, pela melhoria da assistência pré-natal e da Neo-natologia. Esta última corresponde principalmente à criação dos centros de terapia intensiva neonatal, o que tornou possível uma maior sobrevida de fetos nascidos pré-termo.

Gráfico 10Coeficientes de Mortalidade Neonatal Precoce, Perinatal e Natimortalidade

e Proporção de Natimortos no Total da Mortalidade PerinatalEstado de São Paulo – 1980-2006

Fonte: Fundação Seade.

0

5

10

15

20

25

30

35

1980 1982 1984 1986 1988 1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002 2004 2006

Coeficiente (por mil)

0

10

20

30

40

50

60Proporção

NeonatalPrecoce

Perinatal

Natimor-talidade

Proporção

Natimortos

CID-9 CID-10

Page 40: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

A NATiMorTAliDADE E A MorTAliDADE PEriNATAl EM São PAulo 43

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 30-47, jan./jun. 2008

Em termos internacionais, constata-se que os ní-veis de natimortalidade alcançados no Estado de São Paulo, em 2006, são cerca de duas a três vezes maio-res que os registrados em anos recentes nos Estados Unidos, Chile, Japão, França, Alemanha, Polônia, Sué cia e Reino Unido, mas equivalem aos da Argen-tina e Rússia e são menores que os da Guatemala, Cuba e Equador, para os anos em que estas informa-ções estavam disponíveis (Tabela 2).

paNoraMa reGioNal

Os resultados até aqui apresentados mostram que houve evolução positiva no que se refere à redução dos níveis da natimortalidade, contribuindo também para a diminuição da mortalidade perinatal. Quando se observam as 24 Direções Regionais de Saúde, cons-tata-se que não só sua evolução tem sido diferenciada, como os níveis encontram-se em patamares diferen-tes, como mostram os indicadores de 2000 e 2006.

Entre 2000 e 2006, seis Direções Regionais de Saúde apresentaram aumento nas taxas de natimor-talidade, principalmente Sorocaba (30%) e Campinas (25,4%). Em Ribeirão Preto, o aumento foi de cerca de 10% e, em Marília, Franco da Rocha e Assis, entre 2% e 6%. Por outro lado, quatro regiões registraram reduções importantes, superando 25%: Barretos, Ca-pital, São José dos Campos e Taubaté, sendo que nes-ta última alcançou 44%.

Com esse comportamento, algumas regiões alte-raram suas posições no que se refere aos índices de natimortalidade, entre 2000 e 2006, embora algumas permaneçam com taxas mais elevadas ou mais baixas nos dois momentos analisados. No primeiro caso, destacam-se Registro, Santos, São João da Boa Vista e Mogi das Cruzes, que ficam entre as seis maiores nos dois anos, e no segundo, estão, Barretos, Presiden-te Prudente, São José do Rio Preto e Ribeirão Preto, entre as menores. Mudanças significativas ocorreram em São José dos Campos, que passou da 8ª maior taxa para a 19ª, e principalmente em Taubaté, que da 2ª posição passou para a 20ª. O oposto ocorreu prin-cipalmente com Marília, que da 6ª passou para a pri-meira posição, Franco da Rocha, de 12ª para 5ª, Assis de 18ª para a 8ª, Campinas, da menor taxa para a 14ª, e Sorocaba, da 23ª para a 7ª (Gráfico 11).

Observando-se a distribuição dos componentes da mortalidade perinatal para a média do período 2005-06, constata-se que em somente três DIRs os nati-mortos contribuíram com menos de 50% dos totais dos óbitos perinatais: Taubaté, Presidente Prudente e Araçatuba. As maiores proporções correspondem às DIRs de Registro, Piracicaba, Mogi das Cruzes, Santo André, Campinas e Marília, com mais de 58%, sendo que na primeira alcançou 67%.

Tabela 2Taxas de Natimortalidade (1), segundo Países Selecionados

1998-2006

Países Último Ano Disponível Taxas (1)

Japão 2001 2,5

Canadá 2000 3,2

EUA 2001 3,2

Suécia 1999 3,4

Alemanha 2001 4,1

Chile 1999 4,3

Polônia 2001 4,3

França 1999 4,6

Reino Unido 2000 5,3

Romênia 2001 5,8

Rússia 1999 7,3

Argentina 2001 7,8

Cuba 1999 10,9

Equador 1998 14,0

Guatemala 1999 17,3

Estado de São Paulo 2001 9,8

Estado de São Paulo 2006 8,0

Fonte: Nações Unidas; Fundação Seade.(1) Por mil nascidos vivos mais nascidos mortos.

Page 41: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

44 ANToNio BENEDiTo MArANgoNE CAMArgo

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 30-47, jan./jun. 2008

Quando se observa o panorama internacional, veri-fica-se, a exemplo da natimortalidade, que as taxas de mortalidade neonatal precoces do Estado são cerca de três vezes superiores às dos países mais desenvolvidos. Assim, os dois componentes sendo relativamente ele-vados, quando comparados com essas áreas, resultam também em maiores taxas de mortalidade perinatal. Na Tabela 3 obeserva-se, ainda, que as diferenças re-gionais também são importantes quando se trata dos indicadores. Assim, enquanto a taxa de mortalidade perinatal da DIR de São José do Rio Preto e da Capital ficaram em torno de 12 por mil, nas DIRs de Santos e São João da Boa Vista aproximaram-se de 19 por mil, ou seja, cerca de 60% maiores que as das outras áreas.

Para a natimortalidade, isso também aparece de forma clara, pois, enquanto as taxas das DIRs da Ca-pital, Araraquara e Presidente Prudente, ficaram abai-xo de 7 por mil, nas DIRs de Santos, São João da Boa Vista e Registro, aproximaram-se de 11 por mil, ou seja, quase duas vezes mais.

Gráfico 11Taxas de Natimortalidade (1), por Direções Regionais de Saúde – DIRs

Estado de São Paulo – 2000-2006

Fonte: Fundação Seade.(1) Por mil nascidos vivos mais nascidos mortos.

0

2

4

6

8

10

12

14

16

Regist

ro

Taub

até

Santos

São Jo

ão da B

oa Vist

a

Mogi d

as C

ruzes

Marília

Franc

a

São Jo

sé dos

Cam

pos

Santo

André

Piracic

aba

Botuca

tu

Estado d

e São

Paulo

Franc

o da R

ocha

Capita

l

Bauru

Araçatu

ba

Osasc

o

Araraq

uara

Assis

Barreto

s

São Jo

sé do R

io Pret

o

Presiden

te Prud

ente

Ribeirão

Preto

Soroca

ba

Campina

s

Taxa (por mil NV + NM)

2000 2006

As diferenças existentes nos indicadores apresentados refletem certamente o atendimento diferenciado que as populações, especialmente a feminina, recebem nas suas áreas. Estudos para diferentes áreas do país mostram que grande parte dos óbitos fetais não ocorreria com medidas denominadas como “redutíveis por adequado controle na gravidez”, seguidas pelas “redutíveis por adequada atenção ao parto”. Estudo realizado em Belo Horizonte apontou que esses grupos respondiam, respectivamente, por 60% e 25% dos óbitos fetais (MELLO JORGE et al., 2005).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados aqui apresentados mostram que, a exemplo de outros indicadores, os relativos à nati-mortalidade e à mortalidade perinatal evoluíram de forma muito positiva nas últimas décadas, para o Estado de São Paulo, atingindo níveis relativamen-

Page 42: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

A NATiMorTAliDADE E A MorTAliDADE PEriNATAl EM São PAulo 45

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 30-47, jan./jun. 2008

Tabela 3Taxas de Mortalidade Neonatal Precoce, Natimortalidade e Mortalidade Perinatal e Participação da Natimortalidade na

Mortalidade Perinatal, segundo Direções Regionais de Saúde – DIRs

Estado de São Paulo – Média de 2005/2006

DIRsTaxas de Mortalidade Natimortalidade /

Perinatal (%)

Neonatal Precoce (1)

Natimortalidade (2)

Perinatal (2)

Estado de São Paulo 6,5 8,0 14,5 55,3

Capital 5,8 6,6 12,3 53,7

Santo André 5,9 8,1 14,0 58,3

Mogi das Cruzes 6,5 9,3 15,7 58,8

Franco da Rocha 7,6 9,1 16,6 54,9

Osasco 6,3 8,0 14,3 56,1

Araçatuba 9,4 6,9 16,2 42,7

Araraquara 6,8 6,9 13,6 50,7

Assis 6,8 8,4 15,1 55,5

Barretos 6,4 7,9 14,2 55,4

Bauru 7,8 8,3 16,0 51,5

Botucatu 7,1 8,5 15,5 54,8

Campinas 5,6 7,8 13,4 58,2

Franca 6,9 8,4 15,2 55,0

Marília 7,1 9,8 16,8 58,1

Piracicaba 5,8 8,9 14,6 61,0

Presidente Prudente 8,2 6,5 14,6 44,4

Registro 5,5 11,0 16,4 66,9

Ribeirão Preto 6,4 7,5 13,9 54,2

Santos 8,5 11,0 19,4 56,6

São João da Boa Vista 8,4 10,8 19,2 56,5

São José dos Campos 7,5 8,6 16,0 53,8

São José do Rio Preto 5,4 6,4 11,8 54,4

Sorocaba 7,9 8,5 16,4 52,2

Taubaté 9,1 7,9 16,9 46,5

Fonte: Fundação Seade.(1) Por mil nascidos vivos.(2) Por mil nascidos vivos mais nascidos mortos.

Page 43: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

46 ANToNio BENEDiTo MArANgoNE CAMArgo

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 30-47, jan./jun. 2008

te baixos quando comparados aos de áreas menos desenvolvidas.

Quando confrontados com os de países mais avançados, no entanto, percebe-se que ainda há um importante caminho a ser percorrido, além de se per-ceber a persistência de importantes diferenças entre as regiões.

A simples redução dos níveis de natimortalidade e da mortalidade neonatal precoce nas regiões com maiores índices, especialmente Santos, Registro, São João da Boa Vista, Sorocaba e Taubaté, diminuiria a distância entre o resultado do Estado e aqueles ob-servados nos países mais desenvolvidos.

Deve-se ainda acrescentar a necessidade de me-lhorias no preenchimento de algumas variáveis da Declaração de Óbito, inclusive a causa de morte, ampliando, assim, o conhecimento epidemiológico e demográfico de tais óbitos.

Esse conhecimento das características demográ-ficas é vital para elaboração de políticas que visam

a melhoria das condições de saúde da população e certamente será ampliado com a constituição dos Co-mitês que investigam a mortalidade perinatal, identifi-cando novos elementos, tais como as doenças relata-das, aspectos sociais, hábitos, número de consultas e acesso aos serviços médicos.

Algumas análises já apontam esses fatores, ressal-tando-se aqueles mais importantes, especialmente os relacionados a melhorias no acesso e na qualidade do pré-natal e do parto. Isto teria impacto também na mortalidade infantil, especialmente do período neo-natal precoce, em que ocorre, atualmente, cerca de metade dos óbitos infantis do Estado e cujas caracte-rísticas são muito semelhantes aos dos natimortos.

Com isso, a mortalidade infantil manteria a ten-dência de queda observada de forma quase contínua nas três últimas décadas e aproximar-se-ia dos níveis observados nos países desenvolvidos.

referências Bibliográficas

ALMEIDA, M.F. et al. Sistemas de informação e mortalidade perinatal: conceitos e condições de uso em estudos epidemiológicos. Revista Brasileira de Epidemiologia, São Paulo, v. 9, n. 1, mar. 2006.

AQUINO, M.M.A; CECCATTI, J.G. Epidemiologia do óbito fetal em população de baixa renda, 1997. Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia, Rio de Janeiro, v. 20, 1998.

BALDIJÃO, M.F.A.; MELLO JORGE, M.H. Óbitos fetais no Brasil no período de 1980 a 1985: análise de informação disponível no Ministério da Saúde. Série Divulgação, São Paulo, n. 4, 1989.

BARROS, F.C.; VICTORA, C.G., VAUGHAN, J.P. Causas de mortalidade perinatal em Pelotas, RS (Brasil). Utilização de uma classificação simplificada. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 21, n. 4, 1987.

CAMARGO, A.B.M. Transição epidemiológica no Brasil: evolu-ção e novos fatos. In: SEMINáRIO SOBRE PREVIDêNCIA SOCIAL. Brasília, 1996.

______. A mortalidade infantil em São Paulo e a ocorrência das causas perinatais. In: ENCONTRO DE ESTUDOS POPULA-CIONAIS, 8., Anais... Brasília, 1992. v. 2, p. 309-332.

DATASUS – Departamento de Informática do SUS. Infor-mações de saúde. Brasília, Ministério da Saúde. Disponível em: <http://w3.datasus.gov.br/datasus/datasus.php>. Acesso em: 28 abr. 2008

DE LORENZI, D.R. et al. A natimortalidade como indicador da saúde perinatal. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 17, n. 1, jan./fev. 2001.

FERREIRA, C.E.C. Saneamento e mortalidade infantil. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v. 6, n. 4, p. 62-69, out./dez. 1992.

______. Mortalidade infantil: a manifestação mais cruel das desigualdades sociais. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Funda-ção Seade, v. 3, n. 3, jul./set. 1989,

FUNDAÇÃO SEADE. Mortalidade infantil no Estado em 2006. Níveis e tendências. SP Demográfico, São Paulo, ano 6, n. 2, ago. 2007.

______. Análise da natimortalidade no Estado de São Paulo – Relatório I. Painel de indicadores de monitoramento e avaliação em Saúde. São Paulo, 2006a. Mimeografado.

______. Análise da natimortalidade no Estado de São Paulo – Relatório II. Painel de indicadores de monitoramento e avaliação em Saúde. São Paulo, 2006b. Mimeografado.

Page 44: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

A NATiMorTAliDADE E A MorTAliDADE PEriNATAl EM São PAulo 47

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 30-47, jan./jun. 2008

______. Mortalidade infantil no Estado em 2006. Índice é 22% menor que o registrado em 2000. SP Demográfico, São Paulo, ano 8, n. 2, jul. 2005.

GOLDANI, A.M. O potencial e o uso das estatísticas vitais de São Paulo: a experiência do GEADE. Informe Demográfico, São Paulo, Fundação Seade, n. 7, p. 57-81, 1982.

LANSKY, S; FRANÇA, E.; LEAL, M.C. Mortalidade perinatal e evitabilidade: revisão da literatura. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 36, n. 6, dez. 2002.

LAURENTI, R. Fatores de erros, na mensuração da mortalidade infantil. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 9, n. 4, dez. 1975.

LAURENTI, R.; BUCHALLA, C.M. Indicadores da saúde materna e infantil: implicações da décima revisão da classificação internacional de doenças. Revista Panamericana Salud Public, Washington, v. 1, n. 1, 1997.

LAURENTI, R.; BUCHALLA, C.M; COSTA JR., M.L. Estudo da morbidade e da mortalidade perinatal em maternidades. I. Descrição do projeto e resultados gerais, Brasil. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 18, n. 6, dez. 1984. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rsp/v18n6/03.pdf>. Acesso em: 28 abr. 2008.

LAURENTI, R.; MELLO JORGE, M.H. O atestado de óbito. Centro da OMS para a Classificação de Doenças em Português. Série Divulgação, São Paulo, n. 1, 2004.

LAURENTI, R.; SILVEIRA, M.H.; SIQUEIRA, A. Mortalidade perinatal em São Paulo, Brasil. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 9, n. 2, jun. 1975. Disponível em: <http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-89101975000200004&nrm=iso&tlng=pt>. Acesso em: 28 abr. 2008.

MELLO JORGE, M.H. Registro dos eventos vitais: sua impor-tância em saúde pública. Série Divulgação, São Paulo, n. 5, 1990.

_______. Perdas fetais do Distrito de São Paulo. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública) – Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, 1974.

MELLO, V.F.L. et al. Mortes perinatais em Belo Horizonte: Mo-nitorar para prevenir. In: ENCONtRO DE EXtENSãO DA UFMG, 8., Belo Horizonte. Anais... out. 2005. Disponível em: <http://www.ufmg.br/proex/arquivos/8Encontro/Saude_33.pdf>. Acesso em: 28 abr. 2008.

NURDAN, N. Óbito fetal em microrregião de Minas Gerais: causas e fatores associados. Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia, Rio de Janeiro, v. 25, n. 25, mar. 2003.

OMS. Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde. Décima Revisão. Centro da OMS para a Classificação de Doenças em Português. São Paulo: 1999.

ORTIZ, L.P. Evolução da mortalidade infantil no Estado de São Paulo 1980-2000. In: ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ESTUDOS POPULACIONAIS, 13., Anais... Ouro Preto, Minas Gerais, nov. 2002. Disponível em: <http://www.abep.nepo.unicamp.br/docs/anais/pdf/2002/GT_SAU_PO67_Ortiz_texto.pdf>. Acesso em: 28 abr. 2008.

______. Características da mortalidade neonatal no Estado de São Paulo, 1999. Tese (Doutorado em Saúde Pública) – Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1999.

RIPSA – Rede Interagencial de Informação para a Saúde. Indicadores básicos para a saúde no Brasil: conceitos e aplicações. Brasília, Organização Panamericana da Saúde, 2008.

VARDANEGA, K. et al. Fatores de risco para natimortalidade em um hospital universitário da Região Sul do Brasil. Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia, Rio de Janeiro, v. 24, p. 617-22, 2002. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbgo/v24n9/v24n9a08.pdf>. Acesso em: 28 abr 2008.

Antonio Benedito MArAngone CAMArgo

Demógrafo, Doutor pela Faculdade de Saúde Pública – USP, Analista da Fundação Seade.([email protected])

Artigo recebido em 10 de junho de 2008. Aprovado em 12 de setembro de 2008.

Como citar o artigo:CAMARGO, A.B.M. A natimortalidade e a mortalidade perinatal em São Paulo. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v. 22, n. 1, p. 30-47, jan./jun. 2008. Disponível em: <http://www.seade.gov.br>; <http://www.scielo.br>.

Page 45: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 48-65, jan./jun. 2008

A fecundidade é uma das variáveis demográficas, juntamente com a mortalidade e a migração, determinantes do crescimento populacional e da estrutura por idade da população. Assim, a redução no ritmo de crescimento populacional observada no país e no Estado de São Paulo, nas últimas décadas, bem como a mudança na estrutura etária, é o resultado da importante queda da fecundidade em todo o país, além da diminuição da mortalidade e da migração. Diversas causas estão associadas ao declínio da fecundidade. Estudos realizados por Merrick e Berquó (1983), Carvalho, Paiva e Sawyer (1981), Paiva (1985), Faria (1989), Alves (1994), Faria e Potter (1994) mostram que o declínio “é o resultado da intera-ção de um conjunto complexo de transformações de natureza econômica, social e institucional” (PERPÉTUO; AGUIRRE, 1998, p. 3.002). Além disso, esta mudança ocorreu dada a disponibilidade e difusão de métodos contraceptivos de alta eficácia, determinante próximo mais importante nesse processo de queda da fecundidade (PERPÉTUO; AGUIRRE, 1998).

É também bastante conhecida a associação entre a fecundidade e o nível socioeconômico ou condição de vida da população. O nível de instrução das mães é geralmente utilizado como proxy destas variáveis, pois está muito associado a outros indicadores, como renda, pobreza, etc., que determinam o subgrupo populacional ao qual

Resumo: A fecundidade é um dos componentes demográficos, juntamente com a mortalidade e a migração, determinantes do crescimento e da estrutura etária da população. O estudo descreve a redução da fecundidade e as transformações no comportamento reprodutivo

das mulheres residentes em São Paulo e em suas regiões de saúde, ao longo da última década.

Palavras-chave: Fecundidade. Idade média da fecundidade. Regiões de saúde.

Abstract: The fertility is one of the demographic components, together with the mortality and the migration, determinant of the growth and the age structure of the population. The study describes the reduction of the fertility and the transformations in the reproductive

behavior of the resident women in Sao Paulo and its regions of health, throughout the last decade.

Key words: Fertility. Mean age of fertility. Regions of health.

Análise dA FecundidAde no estAdo de são PAulo

Lúcia MayuMi yazaki

Page 46: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

AnálISe dA FecundIdAde nO eSTAdO de SãO PAulO 49

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 48-65, jan./jun. 2008

pertence o indivíduo. Diversos estudos têm mostra-do o diferencial de fecundidade por escolaridade da mãe (BERQUÓ; CAVENAGHI, 2006; MARTINS; ALMEIDA, 2000, entre outros), sugerindo a im-portância de se melhorar o nível de instrução destas mulheres, assim como da população em geral, para redução não só dos diferenciais de fecundidade, mas também, principalmente, das desigualdades sociais. A fecundidade também é diferenciada segundo o local de residência da mulher, uma vez que o país, o Estado e mesmo os municípios não são homogêneos em seu interior, pois refletem a desigualdade socioeconômica de sua população, assim como as características espa-ciais. Dessa forma, uma boa avaliação do comporta-mento reprodutivo dos diferentes subgrupos popu-lacionais destas regiões são úteis para elaboração de programas e políticas nas áreas de saúde reprodutiva, saúde materno-infantil, entre outras.

A fecundidade é estimada por meio das informa-ções de nascidos vivos e da população feminina; no caso de nascimentos, existem duas fontes de dados tradicionais: as estatísticas de nascimento provenien-tes do registro civil e os censos ou pesquisas demo-gráficas. As primeiras, quando são de boa qualidade, permitem um acompanhamento da evolução da fe-cundidade ano a ano, assim como das características associadas aos nascidos vivos, para as diferentes áreas geográficas. Desta forma, além de o cálculo da fe-cundidade ser realizado diretamente, tem-se a van-tagem de detectar alterações ocorridas em períodos intercensitários. No caso de dados provenientes de pesquisas ou censos demográficos, a estimativa da fecundidade é obtida através de métodos indiretos e permitem análises mais detalhadas das características socioeconômicas da população estudada.

O objetivo deste estudo é apresentar a situação de fecundidade no Estado de São Paulo e em suas re-giões de saúde (Direções Regionais de Saúde – DIRs) na última década, bem como a evolução dos níveis e das estruturas de fecundidade por idade, utilizando as estatísticas de nascimentos do registro civil dis-poníveis na Fundação Seade. Busca-se, através desta análise, destacar os diferenciais nos comportamentos reprodutivos associados a cada uma das regiões, que, por sua vez, apresentam situações socioeconômicas

diferentes. Detalha-se também a análise de fecundi-dade para o Município de São Paulo e seus distritos, que caracterizam melhor as diferentes situações so-cioeconômicas de suas populações. De posse destes resultados, espera-se ter um conhecimento da situa-ção reprodutiva das populações residentes nas regiões paulistas, a fim de subsidiar programas e políticas lo-cais nas áreas de planejamento e saúde reprodutiva.

EVOLUÇÃO DA FECUNDIDADE NO ESTADO E NAS DIRS

A fecundidade no Estado de São Paulo apresenta tendência de queda desde a década de 1960, com períodos de maior e menor variação, assim como de estabilidade. A taxa calculada para 2006 indica que a fecundidade da mulher paulista é de 1,7 filho por mulher, valor que está abaixo do nível de reposição.1 A fecundidade em São Paulo alcançou o nível de re-posição nos primeiros anos desta década, o que já era esperado, uma vez que a queda da fecundidade acelerou-se entre os primeiros anos da década de 1980 e o início da de 1990, passando de uma taxa de 3,4 para 2,3 filhos por mulher. Ao longo dos anos 1990, esta taxa permaneceu estável, quando diminuiu para 2 filhos por mulher, no início dos anos 2000, alcançando o valor de 1,7 em 2006. Desta forma, o processo de redução da fecundidade em São Paulo, que vem ocorrendo desde os anos 1960, apresenta momentos de grandes variações, como entre 1965 e 1975, início dos anos 1980 e novamente no começo dos anos 2000 (Gráfico 1). Este processo é conheci-do como transição da fecundidade, em que a popula-ção passa de um regime de elevada fecundidade para outro de fecundidade reduzida, inferior ao nível de reposição. Em conseqüência, estas reduções alteram o ritmo de crescimento populacional, assim como a estrutura etária da população, pois o aumento da po-pulação ocorre de forma cada vez menos acelerada, diminuindo a parcela da população jovem, enquanto aumenta o segmento de idosos.

Os resultados da Tabela 1 indicam que, entre 1980 e 1990, foi significativo o decréscimo da fecundidade (aproximadamente 31%), equivalente a uma redução de praticamente um filho por mulher em apenas dez

Page 47: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

50 lúcIA MAyuMI yAzAkI

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 48-65, jan./jun. 2008

Gráfico 1Taxa de Fecundidade Total (1)

Estado de São Paulo – 1960-2006

Fonte: Fundação Seade; Wong (1985).(1) Número médio de filhos por mulher.

Tabela 1Taxa de Fecundidade Total – TFT e Variação

Estado de São Paulo – 1980-2006

Anos TFT (1)

Variação

Nos Absolutos %

1980 3,43

1,06 -30,8

1990 2,37

0,21 -8,8

2000 2,16

0,42 -19,4

2006 1,74

Fonte: Fundação Seade; Wong (1985).(1) Número médio de filhos por mulher.

anos. A variação na década seguinte (1990-2000) foi bem menor, o que era esperado, uma vez que a queda havia sido importante no período anterior. No qüin-qüênio seguinte, o declínio foi retomado, com uma redução, somente nesse período, de 19,4% na taxa de fecundidade total, ou 0,4 filho por mulher. Espera-se que, nos próximos anos, a tendência de queda se mantenha, mas em ritmo menor, pois as taxas de fe-cundidade já alcançaram valores bastante reduzidos.

O nível de fecundidade varia conforme o local de residência da mulher ou de seu nível socioeconômico. O Estado de São Paulo está dividido em 24 Direções Regionais de Saúde (DIRs),2 nas quais as taxas variam entre um mínimo de 1,39 filho por mulher, na DIR de São José do Rio Preto, região tradicionalmente conhecida por apresentar uma das menores taxas, e um máximo de 1,96 filho, na DIR de Registro, de forma que todas as regiões passaram a registrar taxas inferiores a dois filhos por mulher, em 2006.

A fecundidade no Estado de São Paulo segundo as regiões pode ser observada no Gráfico 2. Das 24 DIRs, 18 registram taxas inferiores à média do Esta-

1,0

2,0

3,0

4,0

5,0

1960 1965 1970 1975 1980 1985 1990 1995 2000 2005

TFT

Page 48: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

AnálISe dA FecundIdAde nO eSTAdO de SãO PAulO 51

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 48-65, jan./jun. 2008

do, sendo que em várias o número médio de filhos é inferior a 1,6, semelhante às taxas observadas em muitos países europeus. Mesmo aquelas que apresen-tam taxas superiores à média estadual, chama atenção o fato de estarem todas abaixo do nível de reposição. Uma das conseqüências deste panorama de reduzidas taxas de fecundidade em todas as regiões do Estado é a diminuição no ritmo de crescimento populacional e envelhecimento acelerado da população, sob a hi-pótese de ausência de movimentos migratórios, pois estes últimos poderiam alterar tanto o crescimento como a estrutura etária da população.

Para atingir estes níveis reduzidos, a fecundidade nas regiões vem diminuindo ao longo das últimas décadas. Em 1995, com exceção de cinco DIRs, as demais registravam taxas acima do nível de reposição, sendo as mais altas observadas em Registro e Franco da Rocha, com TFT próxima a 3 filhos por mulher, e Mogi das Cruzes, Osasco e Sorocaba, com cerca de 2,5 filhos por mulher (Tabela 2). As regiões com taxas intermediárias apresentavam fecundidade entre o nível de reposição e 2,5 filhos por mulher. Já as que

Gráfico 2Taxas de Fecundidade Total – TFT (1), segundo Direções Regionais de Saúde – DIRs

Estado de São Paulo – 2006

Fonte: Fundação Seade.(1) Número médio de filhos por mulher.

possuíam taxas abaixo do nível de reposição localiza-vam-se na região noroeste do Estado, com número médio de filhos que variava de 1,8 a 2,1. Estes resulta-dos mostram que o Estado é heterogêneo em relação à fecundidade, pois a região noroeste caracteriza-se por baixa fecundidade, a área intermediária apresen-ta taxas também intermediárias, enquanto as regiões situadas ao sul, incluindo a Região Metropolitana de São Paulo, registram os maiores níveis de fecundida-de (Mapa 1).

Entre 1995 e 2000, a diminuição da fecundidade varia conforme a região, sendo que a maioria apre-sentou ligeira queda, com pequeno aumento em 1998. As reduções oscilaram de 0% a 17%, enquanto a média estadual foi de 4,4%. Assim, em 2000, a taxa de fecundidade total do Estado de São Paulo estava muito próxima a 2,1 filhos por mulher – ou do nível de reposição – e a metade das regiões já registrava taxas inferiores a este valor (Tabela 2). No Mapa 1, que ilustra a situação da fecundidade nas regiões em 2000, verifica-se redução em todas as áreas, com taxas mais elevadas no sul do Estado (Registro com TFT

1,0

1,2

1,4

1,6

1,8

2,0

São José do Rio Preto

AraçatubaMarília

Barretos

Araraquara

São João da Boa Vista

Presidente PrudenteBauru

Campinas

PiracicabaAssis

Ribeirão Preto

Taubaté

São José dos Campos

Santo André

Sorocaba

Botucatu

Franco da Rocha

Estado de São PauloSantos

Mogi das CruzesFranca

OsascoCapital

Registro

DIRs

TFT

Page 49: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

52 lúcIA MAyuMI yAzAkI

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 48-65, jan./jun. 2008

Tabela 2Taxas de Fecundidade Total – TFT (1) e Variações, segundo Direções Regionais de Saúde – DIRs

Estado de São Paulo – 1995-2006

Direções Regionais de SaúdeTFT (1) Variação das TFT (%)

1995 2000 2006 1995/2000 2000/2006 1995/2006

Estado de São Paulo 2,26 2,16 1,74 -4,4 -19,6 -23,1

DIR 01 - Capital 2,25 2,17 1,92 -3,4 -11,7 -14,7

DIR 02 - Santo André 2,22 2,07 1,70 -6,5 -17,8 -23,1

DIR 03 - Mogi das Cruzes 2,55 2,43 1,76 -4,7 -27,9 -31,3

DIR 04 - Franco da Rocha 2,85 2,37 1,73 -16,8 -27,2 -39,4

DIR 05 - Osasco 2,45 2,45 1,87 0,0 -23,9 -23,9

DIR 06 - Araçatuba 1,97 1,77 1,48 -10,2 -16,2 -24,7

DIR 07 - Araraquara 2,07 1,80 1,55 -12,8 -14,3 -25,3

DIR 08 - Assis 2,28 2,02 1,61 -11,7 -20,3 -29,6

DIR 09 - Barretos 2,15 1,88 1,53 -12,5 -18,9 -29,0

DIR 10 - Bauru 2,22 2,02 1,60 -8,9 -21,1 -28,1

DIR 11 - Botucatu 2,42 2,06 1,72 -14,6 -16,9 -29,0

DIR 12 - Campinas 2,10 1,96 1,60 -6,9 -18,4 -24,0

DIR 13 - Franca 2,35 2,10 1,77 -10,8 -15,4 -24,6

DIR 14 - Marília 2,08 1,87 1,48 -10,2 -20,6 -28,7

DIR 15 - Piracicaba 2,19 1,84 1,60 -16,1 -13,0 -27,0

DIR 16 - Presidente Prudente 2,09 1,91 1,59 -8,7 -16,4 -23,7

DIR 17 - Registro 2,91 2,76 1,96 -5,1 -28,8 -32,5

DIR 18 - Ribeirão Preto 2,26 2,00 1,66 -11,2 -17,3 -26,6

DIR 19 - Santos 2,13 2,20 1,74 2,9 -20,6 -18,2

DIR 20 - São João da Boa Vista 2,23 2,01 1,57 -9,7 -22,0 -29,5

DIR 21 - São José dos Campos 2,29 2,16 1,69 -5,9 -21,9 -26,5

DIR 22 - São José do Rio Preto 1,87 1,66 1,39 -11,4 -16,2 -25,7

DIR 23 - Sorocaba 2,49 2,40 1,71 -3,3 -28,8 -31,1

DIR 24 - Taubaté 2,33 2,10 1,68 -9,8 -20,1 -28,0

Fonte: Fundação Seade.(1) Número médio de filhos por mulher.

de 2,8, a Capital, com 2,2, e algumas áreas da RMSP, com taxas próximas a 2,5 filhos), as intermediárias na região central (já com fecundidade abaixo do nível de reposição) e as menores na região noroeste, com taxas inferiores a 1,8 filho por mulher.

Entre 2000 e 2006, a queda da fecundidade ocor-reu de forma mais sistemática em todas as regiões e a intensidade também foi maior. A diminuição no Estado foi de 19,6%, com a TFT passando do nível de reposição para 1,74 filho por mulher. Nas regiões,

Page 50: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

AnálISe dA FecundIdAde nO eSTAdO de SãO PAulO 53

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 48-65, jan./jun. 2008

Mapa 1Taxas de Fecundidade Total – TFT (1), segundo Direções Regionais de Saúde – DIRs

1995-2006

Fonte: Fundação Seade.(1) Número médio de filhos por mulher.

Santo André

Presidente Prudente

Marília

Araçatuba

São José do Rio Preto

BarretosFranca

Ribeirão Preto

Araraquara

Bauru

Assis

Botucatu

Piracicaba

São Joãoda Boa Vista

Campinas

Sorocaba Osasco

Registro

Santos

TaubatéSão Josédos Campos

Mogi dasCruzes

Francoda Rocha

Capital

0 50 100 150

Quilômetros

2006TFT = 1,74

2000TFT = 2,13

1995TFT = 2,26

TFT Até 1,5 filho Mais de 1,50 a 1,80 filho Mais de 1,80 a 2,10 filhos Mais de 2,10 a 2,50 filhos Acima de 2,50 filhos

Page 51: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

54 lúcIA MAyuMI yAzAkI

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 48-65, jan./jun. 2008

as reduções oscilaram entre 12% e 29%, sendo que as maiores ocorreram naquelas de maior fecundida-de, com exceção do Município de São Paulo, onde passou de 2,17 filhos por mulher para 1,92. Assim, a região de Registro, que detém a maior fecundidade, teve uma redução de quase um filho, em apenas seis anos, uma variação de 29%. Da mesma forma, as re-giões que apresentavam as maiores taxas, superiores ao nível de reposição, como Osasco, Mogi das Cru-zes e Sorocaba, também registraram quedas acima de 20% nos níveis de fecundidade, chegando, em 2006, a taxas inferiores a 2 filhos por mulher (Tabela 2).

No Mapa 1, observa-se a redução da fecundida-de ao longo do período analisado, alcançando, em 2006, níveis relativamente baixos em todas as re- giões do Estado de São Paulo. Assim, em um interva-lo de aproximadamente dez anos – de 1995 a 2006 –, a diminuição da fecundidade foi superior a 20% em praticamente todas as regiões, embora em várias as taxas já fossem baixas no início do período, indican-do que a estabilização da fecundidade deve ocorrer bem abaixo do nível de reposição, a menos que haja alguma recuperação nos próximos anos. As taxas ob-servadas nas regiões já são bastante semelhantes às de vários países mais desenvolvidos e que registram as menores fecundidades, como Espanha e Japão, com fecundidade inferior a 1,4 filho por mulher em 2000, bem como Holanda, com taxa próxima a 1,6 filho por mulher (UNITED NATIONS, 2003). Entretan-to, a transição nestes países ocorreu em um espaço de tempo muito maior, enquanto a redução da fecun-didade em São Paulo, assim como em outras regiões do país, deu-se de forma acelerada, através da adoção de métodos anticonceptivos, especificamente a pílula e a esterilização, além do aborto, cuja magnitude é desconhecida.

Destes resultados, apreende-se que, apesar da de-sigualdade socioeconômica existente no Estado, a fecundidade média das regiões diminuiu, alcançando níveis bastante baixos, distante dos patamares ini-ciais. Assim, espera-se que a tendência nos próximos anos seja de estabilização ou de pequena recuperação das taxas de fecundidade nas regiões que registram médias bastante reduzidas e tendência à homogenei-zação naquelas com maiores níveis de fecundidade,

sendo bastante improvável o retorno aos valores ve-rificados no passado.

Fecundidade por Grupos de idade

A análise por grupos de idade mostra que o compor-tamento da fecundidade não é homogêneo nem ao longo dos períodos, nem nos grupos sociais. As taxas de fecundidade por idade são representadas por uma curva, com valores baixos nas idades extremas, isto é, jovens com menos de 20 anos ou mulheres com mais de 40, enquanto valores mais altos ocorrem entre 20 e 30 anos, formando a cúspide, que varia conforme o período (Gráfico 3). A redução nos níveis de fecundi-dade ocorre em função da diminuição da fecundida-de nos diferentes grupos etários, sendo mais intensa em alguns do que em outros e variável ao longo dos períodos. Em São Paulo, assim como para o total do país, a redução da fecundidade, no início do processo de transição, foi mais intensa entre as mulheres mais velhas; após os anos 1980, a diminuição passou a ser observada nos grupos mais jovens, uma vez que a fe-cundidade tornara-se bem reduzida entre as mulheres com mais de 35 anos.

O Gráfico 3 mostra a evolução da fecundidade por idade, para o Estado de São Paulo, no período 1980-2006, e a Tabela 3 apresenta alguns indica-dores por idades em cada um dos períodos. En-tre 1980 e 2000, a fecundidade do grupo de 15 a 19 anos teve uma evolução contrária à dos demais grupos, pois oscilou nos anos 1980 e registrou au-mento na década de 1990, atingindo um pico em 1998; somente a partir de 2000, observa-se redu-ção nas taxas de fecundidade deste grupo etário; o Gráfico 4 permite uma melhor visualização da evolução.

Na década de 1980, a fecundidade era mais ele-vada nos grupos de 20 a 24 e de 25 a 29 anos, sendo por esta razão caracterizada como curva com cús-pide dilatada (Gráfico 3). Nos anos 1990, a curva torna-se mais rejuvenescida, apresentando uma cús-pide precoce, já que a taxa mais alta passou a ser observada no grupo de 20 a 24 anos, além da eleva-da taxa de fecundidade no grupo de 15 a 19 anos. Esta configuração permanece até 2000, quando, no-

Page 52: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

AnálISe dA FecundIdAde nO eSTAdO de SãO PAulO 55

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 48-65, jan./jun. 2008

Gráfico 4Taxas de Fecundidade, segundo Faixa Etária (1)

Estado de São Paulo – 1980-2006

Fonte: Fundação Seade; Wong (1985).(1) Por mil mulheres de cada grupo etário.

Gráfico 3Taxas de Fecundidade, por Faixa Etária (1)

Estado de São Paulo – 1980-2006

Fonte: Fundação Seade; Wong (1985).(1) Por mil mulheres de cada grupo etário.

0,0

20,0

40,0

60,0

80,0

100,0

120,0

140,0

160,0

180,0

200,0

15 a 19anos

20 a 24anos

25 a 29anos

30 a 34anos

35 a 39anos

40 a 44anos

45 a 49anos

1980

1985

1991

1995

2000

2006

Taxas (por mil)

0

40

80

120

160

200

1980 1985 1990 1995 2000 2005

Taxas (por mil)15 a 19 anos

20 a 24 anos

25 a 29 anos

30 a 34 anos

35 a 39 anos

40 a 44 anos

Page 53: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

56 lúcIA MAyuMI yAzAkI

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 48-65, jan./jun. 2008

Tabela 3Indicadores de Fecundidade

Estado de São Paulo – 1980-2006

Indicadores de Fecundidade 1980 1990 2000 2006

Variações (%)

1980-1990

1990-2000

2000-2006

Taxas de Fecundidade (por 1.000 mulheres)

15 a 19 anos 74,4 72,3 77,6 58,6 -2,8 7,3 -24,5

20 a 24 anos 187,8 143,3 123,2 89,5 -23,7 -14,1 -27,3

25 a 29 anos 188,7 128,3 109,6 85,7 -32,0 -14,6 -21,8

30 a 34 anos 131,2 79,2 76,2 67,3 -39,6 -3,9 -11,7

35 a 39 anos 73,2 38,0 36,5 36,0 -48,1 -4,1 -1,1

40 a 44 anos 26,2 12,0 9,2 9,5 -54,3 -23,0 3,6

45 a 49 anos 4,3 1,7 0,7 0,6 -59,1 -61,8 -15,7

Participação na Fecundidade Total (%)

15 a 19 anos 10,8 15,2 17,9 16,9

20 a 29 anos 54,9 57,2 53,8 50,5

Idade Média da Fecundidade (em anos) 27,7 26,4 26,4 27,0

Desvio-Padrão 6,6 6,4 6,5 6,7

Fonte: Fundação Seade; Wong (1985).

vamente, a cúspide desloca-se entre 20 e 30 anos. No primeiro qüinqüênio dos anos 2000, a redução da fecundidade das mulheres mais jovens (de 15 a 29 anos) foi de aproximadamente 20%, enquanto a das mais velhas permaneceu praticamente estável. Assim, a fecundidade das mulheres paulistas e brasi-leiras caracteriza-se por ser do tipo precoce, em que a maternidade concentra-se em idades mais jovens. Como conseqüência, a idade média da fecundidade – uma medida resumo da estrutura da fecundidade por idade – reduziu de 27,7 para 26,4 anos, entre 1980 e a década de 1990, e aumentou para 27 anos, em 2006, refletindo o retorno da cúspide para ida-des maiores (Tabela 3).

Outro indicador que ilustra a precocidade da fecun-didade paulista é a elevada fecundidade das jovens de 15 a 19 anos e a contribuição dos grupos mais jovens

para a fecundidade final. Assim, em 2006, a metade da fecundidade total foi realizada pelas mulheres de 20 a 29 anos; adicionando-se a contribuição do grupo das adolescentes de 15 a 19 anos (17%), os três grupos juntos, de 15 a 29 anos, contribuíram com quase 70% da fecundidade final (Tabela 3). Nesta tabela observa-se que a parte da fecundidade adolescente aumentou de 11% para 18%, no período de 20 anos, chamando a atenção de diversos setores da população. A evolu-ção das taxas, no Gráfico 4, indica que este aumento ocorreu devido à redução da fecundidade em todas as idades, com exceção do grupo de 15 a 19 anos, no qual manteve-se estável e até aumentou no período. Observa-se, também nos Gráficos 3 e 4, a partir do final dos anos 1990, uma certa mudança neste pano-rama, em que a fecundidade das mulheres jovens, de menos de 30 anos, mantém-se em queda, o que pra-

Page 54: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

AnálISe dA FecundIdAde nO eSTAdO de SãO PAulO 57

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 48-65, jan./jun. 2008

ticamente não ocorre para aquelas com mais idade. Desta forma, no cômputo geral, há ligeiro declínio da participação dos grupos mais jovens e aumento da contribuição da fecundidade das mulheres de 30 a 39 anos, resultado, por um lado, do fenômeno que se torna mais freqüente, o das “gestantes idosas”, e, por outro, da redução da “fecundidade adolescente”. O fato que contribui para a hipótese da maternidade tardia (em mulheres com mais de 30 anos) é o aumen-to gradativo na proporção do primeiro filho entre as mães de 30 a 39 anos, nos aproximadamente últimos dez anos (a proporção de nascimentos de primeira ordem passou de 21% e 16%, para mães de 30 a 34 e 35 a 39 anos, em 1997, para 25% e 18%, em 2005, respectivamente).

As taxas de fecundidade para o Estado de São Paulo, em 2006, indicam que nascem menos de 100 crianças por mil mulheres em cada um dos grupos

etários: cerca de 90 nascimentos para aquelas de 20 a 30 anos, em que a fecundidade é mais alta; aproxima-damente 70, no grupo de 30 a 34 anos; e 60, para as mulheres de 15 a 19 anos. Este número diminui quase pela metade no grupo de 35 a 39 anos e a menos de dez nascimentos no de 40 a 44 anos. No último gru-po do período reprodutivo, menos de um nascimento é registrado por mil mulheres desta idade (Gráfico 3 e Tabela 3). Estes valores, em 1995, eram bem maiores nos três primeiros grupos de idade, o que mostra seu papel na redução da fecundidade final.

Um fato que chama a atenção nestas análises re-fere-se à semelhança observada entre o nível de fe-cundidade total (TFT) de São Paulo e os de alguns países europeus, mas provenientes de estruturas de fecundidade por idades diferentes. No caso brasileiro, a curva é do tipo precoce, com elevada fecundidade no grupo adolescente e no de 20 a 30 anos, enquan-

Gráfico 5Taxa de Fecundidade, por Faixa Etária (1)

Estado de São Paulo, Países Europeus Selecionados e Japão

Fonte: Fundação Seade; Nações Unidas.(1) Por mil mulheres de cada grupo etário.Nota: Entre parênteses apresenta-se a Taxa de Fecundidade Total.

0

20

40

60

80

100

120

140

15 a 19 anos 20 a 24 anos 25 a 29 anos 30 a 34 anos 35 a 39 anos 40 a 44 anos 45 a 49 anos

Estado de São Paulo 2000 (2,2) Estado de São Paulo 2006 (1,7)

Espanha 1984 (1,7) Espanha 2000 (1,2)

França 1975 (1,9) França 1995 (1,7)

Japão 1994 (1,5)Taxas (por mil)

Page 55: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

58 lúcIA MAyuMI yAzAkI

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 48-65, jan./jun. 2008

to, nos demais países a cúspide é tardia, situando-se entre 25 e 34 anos e a fecundidade das mulheres com menos de 25 anos é bastante reduzida, sobretudo no grupo de 15 a 19 anos (Gráfico 5). A fecundidade das jovens paulistas de 15 a 19 anos, em 2006, che-ga a ser quase dez vezes superior àquela das jovens espanholas ou japonesas; no caso das mulheres de 20 a 24 anos, as paulistas registram quase uma vez e meia a fecundidade das jovens daqueles países. A partir dos 25 ou 30 anos, as taxas tornam-se mais parecidas. Estas diferenças nas estruturas de fecun-didade por idade mostram que os comportamentos reprodutivos variam conforme o contexto socioe-conômico e cultural, mesmo que a fecundidade final apresente resultados semelhantes. No caso das jovens dos países selecionados, a maternidade ocorre após a consolidação da formação escolar e da inserção em uma carreira profissional, enquanto entre as paulistas, a maternidade ocorre até como fator de interrupção da formação, debilitando sua inserção no mercado de trabalho. Análises realizadas para o Município de São Paulo mostram que, em subgrupos populacionais so-cioeconomicamente mais privilegiados, observam-se comportamentos reprodutivos semelhantes aos das européias ou japonesas, indicando que, mesmo em São Paulo, os comportamentos variam conforme a situação socioeconômica da população.

Fecundidade nas direções reGionais de saúde

As taxas de fecundidade por idade, nas Direções Re-gionais de Saúde (DIRs), são mais elevadas naquelas onde a fecundidade total é mais alta e menores nas de baixa fecundidade, passando por valores intermediá-rios em regiões com níveis de fecundidade em torno de 1,8 filho por mulher.

Em 1995, praticamente todas as regiões apresen-tavam curvas com cúspide no grupo de 20 a 24 anos, isto é, do tipo precoce; a exceção era observada nas DIRs da Capital e de Santo André, onde a curva apre-sentava uma forma mais dilatada, com cúspide nos grupos de 20 a 29 anos. Assim, as taxas mais eleva-das, de 160 a 180 nascimentos por mil mulheres de 20 a 24 anos, foram registradas nas DIRs de Registro e Franco da Rocha, em 1995. No outro extremo, no

mesmo período, a menor taxa neste grupo de maior fecundidade foi verificada na DIR de São José do Rio Preto, com aproximadamente 120 nascimentos. Nas demais regiões, a fecundidade variou em torno de 140 nascimentos. Em um período de 11 anos, a queda da fecundidade ocorreu em praticamente todas as idades, chegando, em 2006, a taxas que variavam de 70 a 100 nascimentos por mil mulheres de 20 a 24 anos. A aná-lise das taxas de fecundidade das regiões indica que a queda foi importante no grupo de 20 a 24 anos, pois, em 2006, as curvas de várias re giões passaram a apre-sentar uma forma mais dilatada, com cúspide entre 20 e 29 anos, enquanto em outras, ainda que precoce, não é tão acentuada. Observa-se, ainda, que no perío-do 1995-2000, em algumas regiões, quase não ocorreu variação nas taxas ou foi muito pequena, como nos casos da Capital, Mogi das Cruzes, Osasco, Campinas, Registro, Santos, São José dos Campos e Sorocaba. São regiões pertencentes às áreas metropolitanas ou de elevada fecundidade. Nestas mesmas áreas, chama atenção a fecundidade do grupo de 15 a 19 anos, que também se manteve inalterada no período.

São inúmeros os estudos que discutem a gravidez/fecundidade das adolescentes, pela sua magnitude, causas, conseqüências, entre outros aspectos asso-ciados a este fenômeno. Embora elevada, a taxa de fecundidade de 15 a 19 anos das jovens paulistas é inferior à das brasileiras residentes em outras regiões do país, mas bastante superior à das adolescentes re-sidentes em países mais desenvolvidos. Em 1995, na DIR de Registro, foram constatados 120 nascimen-tos, para mil jovens, reduzindo-se para aproximada-mente 72 em 2006. Atualmente, as taxas mais baixas oscilam em torno de 50 nascimentos para cada mil jovens, valores extremamente elevados quando com-parados, por exemplo, aos da Espanha, Japão ou Ho-landa, onde as taxas não chegam a 10 por mil, como já foi verificado no Gráfico 5. O Mapa 2 ilustra a evo-lução das taxas de fecundidade deste grupo etário no período. À primeira vista, a associação entre o nível de fecundidade da região e a fecundidade adolescente não é imediata. A redução entre 1995 e 2006 alcançou os 30% na maior parte das regiões, com exceção das DIRs da Capital e de Santos, onde as variações foram inferiores a 15%. Aliás, as reduções nos grupos etários

Page 56: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

AnálISe dA FecundIdAde nO eSTAdO de SãO PAulO 59

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 48-65, jan./jun. 2008

Mapa 2Taxa de Fecundidade da População Feminina de 15 a 19 Anos (1), segundo Direções Regionais de Saúde – DIRs

1995-2006

Fonte: Fundação Seade.(1) Por mil mulheres de 15 a 19 anos.

Santo André

Presidente Prudente

Marília

Araçatuba

São José do Rio Preto

BarretosFranca

Ribeirão Preto

Araraquara

Bauru

Assis

Botucatu

Piracicaba

São Joãoda Boa Vista

Campinas

Sorocaba Osasco

Registro

Santos

TaubatéSão Josédos Campos

Mogi dasCruzes

Francoda Rocha

Capital

0 50 100 150

Quilômetros

Taxa de Fecundidade (1) Até 60,0 De 60,0 a 70,0 De 70,0 a 80,0 De 80,0 a 90,0 Mais de 90,0

2000Taxa = 74,3‰

1995Taxa = 78,7‰

2006Taxa = 58,6‰

Page 57: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

60 lúcIA MAyuMI yAzAkI

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 48-65, jan./jun. 2008

seguintes, de 20 a 30 anos, também ocorreram neste último período e tiveram magnitudes semelhantes.

Ainda na análise da evolução da fecundidade por idade nas DIRs, observa-se que a variação das taxas das mulheres com mais de 30 anos é pequena, sobre-tudo a partir dos 35 anos. Os dados parecem inclusi-

ve indicar que, em algumas áreas, especificamente no Município de São Paulo ou na DIR de Santo André, pode estar havendo inversão na tendência da fecun-didade destas mulheres pertencentes ao grupo de 35 a 39 anos, registrando pequeno aumento. Como já mencionado anteriormente, isto deve estar associa-

Tabela 4Distribuição das Taxas de Fecundidade, por Faixa Etária, segundo Direções Regionais de Saúde – DIRs

Estado de São Paulo – 1995-2006Em porcentagem

Direções Regionais de Saúde1995 2006

15 a 19 anos 20 a 29 anos 30 a 39 anos 15 a 19 anos 20 a 29 anos 30 a 39 anos

Estado de São Paulo 17,4 55,2 25,0 16,9 50,5 29,8

DIR 01 - Capital 15,5 54,2 27,8 15,7 49,5 31,7

DIR 02 - Santo André 16,1 55,6 26,0 15,2 50,4 31,5

DIR 03 - Mogi das Cruzes 16,8 55,7 24,8 17,1 50,3 29,2

DIR 04 - Franco da Rocha 18,1 55,0 24,0 17,8 49,9 29,1

DIR 05 - Osasco 16,8 55,9 24,7 16,4 50,4 30,1

DIR 06 - Araçatuba 20,2 58,0 20,4 18,9 52,5 26,4

DIR 07 - Araraquara 20,4 56,1 21,8 18,8 51,4 27,6

DIR 08 - Assis 20,4 56,9 20,5 18,9 53,2 25,8

DIR 09 - Barretos 20,9 57,1 20,2 19,5 54,3 24,3

DIR 10 - Bauru 20,7 55,6 21,3 19,1 51,9 26,5

DIR 11 - Botucatu 21,0 54,3 22,1 21,2 51,2 25,0

DIR 12 - Campinas 17,7 55,6 24,5 16,0 50,4 30,8

DIR 13 - Franca 18,8 56,5 22,8 18,0 52,0 27,3

DIR 14 - Marília 18,4 57,9 21,6 17,2 50,8 29,2

DIR 15 - Piracicaba 18,9 56,4 22,6 17,8 51,8 28,1

DIR 16 - Presidente Prudente 18,8 58,8 20,9 17,8 52,7 27,2

DIR 17 - Registro 20,6 52,5 23,4 18,3 48,7 29,0

DIR 18 - Ribeirão Preto 18,1 55,2 24,5 17,4 51,5 28,7

DIR 19 - Santos 17,5 54,4 26,0 18,8 49,5 28,7

DIR 20 - São João da Boa Vista 18,7 54,4 24,3 17,9 50,8 28,6

DIR 21 - São José dos Campos 17,3 55,0 25,0 16,8 52,1 28,4

DIR 22 - São José do Rio Preto 21,2 58,6 18,7 18,4 52,8 26,8

DIR 23 - Sorocaba 18,6 53,7 24,8 18,7 50,4 27,9

DIR 24 - Taubaté 17,6 55,3 24,5 17,3 51,6 28,4

Fonte: Fundação Seade.

Page 58: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

AnálISe dA FecundIdAde nO eSTAdO de SãO PAulO 61

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 48-65, jan./jun. 2008

Gráfico 6Idade Média da Fecundidade, por Direções Regionais de Saúde – DIRs

Estado de São Paulo – 1995-2006

Fonte: Fundação Seade.

do ao fenômeno da gravidez de um grupo de mu-lheres que adiam a maternidade em função de outras prioridades, como uma melhor formação e profissão, sendo mais comum em grandes cidades das áreas me-tropolitanas, como é o caso de São Paulo.

Como a redução da fecundidade foi mais inten-sa entre as mulheres mais jovens, em comparação à das mais velhas, houve alteração na participação dos grupos etários na fecundidade total (Tabela 4), ou seja, a participação da fecundidade do grupo de 20 a 24 anos, principalmente, e daquele de 25 a 29, na fecundidade total, diminui no período, enquanto a do grupo de mulheres de 30 a 39 anos registrou peque-no aumento. A participação das adolescentes para a fecundidade final manteve-se estável em grande parte das regiões e reduziu-se em algumas (Tabela 4). Atra-vés das alterações na idade média da fecundidade, verificam-se as mudanças ocorridas na estrutura da fecundidade por idade, nas regiões. O Gráfico 6 apre-senta a evolução deste indicador no período.

A idade média da fecundidade aumentou pouco mais de meio ano, em média, em todas as regiões, no período 1995-2006, mas chegou a um ano em al-gumas delas. Isto se deve à redução da participação da fecundidade das mulheres mais jovens na fecun-

didade total e aumento daquela das mulheres “mais velhas”. O Gráfico 6 mostra que as idades médias são semelhantes nas regiões, variando entre 26 e 28 anos. Em comparação à idade média do Estado (27 anos), em 2006, seis DIRs possuem valores ligeiramente mais altos, enquanto as demais apresentam idades se-melhantes ou menores.

As análises da fecundidade por idade, nas regiões de saúde do Estado, para o último decênio, mostram que os comportamentos são muito semelhantes nas diferentes regiões, variando quanto às magnitudes das taxas, conforme o nível de fecundidade final. As curvas de fecundidade mais recentes indicam que a estrutura da fecundidade, ainda que precoce, tende a apresentar uma cúspide dilatada, entre 20 e 30 anos. A fecundidade do grupo de jovens de 15 a 19 anos, que vem sendo bastante discutida nos últimos anos, também mostra tendência de redução a partir dos anos 2000. A esta tendência de queda das taxas de fe-cundidade, em praticamente todos os grupos etários, agrega-se um novo fenômeno, que aos poucos vai se tornando mais visível nas regiões – o da fecundida-de tardia. Comportamento já observado em grupos socioeconomicamente mais privilegiados da popula-ção, o fenômeno passa a ser mais visível, à medida

24,0

24,5

25,0

25,5

26,0

26,5

27,0

27,5

Barre

tos

Botu

catu

Assi

sAr

açat

uba

São

José

do

Rio

Pret

o

Baur

uAr

araq

uara

Pres

iden

te P

rude

nte

Fran

caPi

raci

caba

Soro

caba

Ribe

irão

Pret

o

São

João

da

Boa

Vist

a

Sant

osTa

ubat

éSã

o Jo

sé d

os C

ampo

s

Mar

ília

Fran

co d

a R

ocha

Esta

do de

São

Pau

lo

Regi

stro

Mog

i das

Cru

zes

Osa

sco

Cam

pina

sSa

nto

Andr

é

Capi

tal

1995 2000 2006Idade (em anos)

DIRs

Page 59: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

62 lúcIA MAyuMI yAzAkI

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 48-65, jan./jun. 2008

Mapa 3Taxa de Fecundidade Total (1)

Distritos do Município de São Paulo – 2004/2006

Fonte: Fundação Seade.(1) Número médio de filhos por mulher.

0 6 12 18Quilômetros

Nº filho / mulher Até 1,5

De 1,5 a 1,8

De 1,8 a 2,1

De 2,1 a 2,5

Acima de 2,5

Tatuapé

AricanduvaPinheiros

Ermelino Matarazzo

Parelheiros

que existe uma alteração na estrutura da população segundo nível de instrução (as mulheres apresen-tam maior nível de instrução que no passado), assim como própria redução da fecundidade em todos os subgrupos populacionais.

Para melhor visualizar estas afirmações, apresen-tam-se, a seguir, alguns indicadores do comportamen-to reprodutivo, segundo os distritos do Município de São Paulo, que refletem as desigualdades espaciais e socioeconômicas na capital.

O Mapa 3 apresenta as taxas de fecundidade total para os distritos da capital, em 2006. As menores taxas (até 1,5 filho por mulher) são observadas nas áreas próximas à região central da capital, enquanto as maiores (acima de 2,1 filhos por mulher) ocor-rem, principalmente, nas áreas periféricas e centrais; os valores intermediários (entre 1,5 e 2,1 filhos) são verificados nas áreas intermediárias. Estes resul-tados coincidem com a distribuição da população segundo sua condição socioeconômica no espaço territorial, mostrando a associação entre a fecun-didade e a situação socioeconômica da população.3 Vale observar que, os níveis de fecundidade, apesar de não serem homogêneos, são bastante reduzidos em toda a capital, indicando que a população busca controlar o tamanho de suas famílias. A visualiza-ção espacial da TFT no Município de São Paulo, por distritos, indica que o estudo da fecundidade ou de qualquer outra variável deve considerar a desigual-dade de suas populações, para a melhor compreen-são do fenômeno.

Além de os níveis de fecundidade variarem segun-do o distrito de residência, o comportamento repro-dutivo é diferente também por idade, como pode ser observado através das curvas de distritos seleciona-dos no Gráfico 7. Naqueles, onde a Taxa de Fecun-didade Total é mais elevada, a curva é mais precoce, com altas taxas no grupo de 15 a 19 anos e pico no de 20 a 24 anos, como é o caso de Parelheiros. À medida que a TFT se reduz, as taxas por idade diminuem, mas ocorre também um deslocamento nas cúspides das curvas, que, por sua vez, vão se tornando mais envelhecidas. No distrito de Aricanduva, por exem-plo, a fecundidade mais elevada ocorre entre 20 e 30 anos e a das adolescentes é bem menor. A curva de

fecundidade observada em Tatuapé e, principalmen-te, Pinheiros já é bem parecida àquelas anteriormente constatadas para alguns países europeus, ou seja, a fecundidade é baixa antes dos 30 anos e a cúspide situa-se após os 30 anos. Nota-se que, a partir dos 30 anos, a diferença das taxas de fecundidade nas di-versas áreas é pequena. A idade média da fecundida-de reflete estas diferenças nas estruturas etárias: 26,7 anos em Parelheiros; 27,5 anos em Aricanduva; 29,3 e 30,8 anos em Tatuapé e Pinheiros, respectivamente, enquanto a média na capital é de 27,3 anos.

Certamente, estas diferenças também devem ser observadas nas DIRs, sendo necessária, portanto, uma desagregação espacial ou socioeconômica para melhor conhecer o comportamento reprodutivo de suas populações.

Page 60: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

AnálISe dA FecundIdAde nO eSTAdO de SãO PAulO 63

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 48-65, jan./jun. 2008

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo apresentou o processo de queda da fe-cundidade em curso no Estado de São Paulo e em suas regiões de saúde, as DIRs, nesta última década. Praticamente todas as regiões registraram taxas de fe-cundidade total abaixo do nível de reposição e, em algumas delas, a fecundidade é bastante baixa, mui-to próxima à observada em vários países europeus. Análises da fecundidade por idade e diversos estudos indicam que esta queda é resultado de uso intenso da anticoncepção e não necessariamente do adiamento da entrada na união ou da maternidade, como é a ex-periência nos países de baixa fecundidade. Os dados mais recentes sobre a prática contraceptiva conti-nuam a indicar que uma grande parte das mulheres paulistas entra na maternidade bastante jovens e, uma vez completado o tamanho de família desejado, bus-ca controlar ou limitar a fecundidade, principalmente

Gráfico 7Taxa de Fecundidade, por Faixa Etária, segundo Distritos Selecionados

Município de São Paulo – 2004/2006

Fonte: Fundação Seade.(1) Por mil mulheres de cada grupo etário.

por meio da esterilização (BRASIL, 2006). Por outro lado, análises para o Município de São Paulo mostram que existe um grupo de mulheres, as socioeconomica-mente mais privilegiadas, que planejam a maternidade, realizando-a tardiamente. Desta forma, embora a fe-cundidade tenha alcançado níveis relativamente baixos em São Paulo, é importante considerar que o compor-tamento por idades varia conforme o grupo socioe-conômico ao qual pertencem as mulheres, aspecto importante a ser considerado na compreensão do comportamento reprodutivo das mulheres paulistas.

Por fim, é importante considerar as conseqüências associadas às recentes reduções de fecundidade, tais como alteração no ritmo de crescimento populacio-nal das regiões e do Estado, assim como mudanças nas composições das populações segundo grupos de idade, pois a queda da fecundidade reduz o grupo de crianças e jovens e aumenta consideravelmente a parcela mais idosa da população.

0

20

40

60

80

100

120

140

15 a 19anos

20 a 24anos

25 a 29anos

30 a 34anos

35 a 39 anos

40 a 44 anos

45 a 49 anos

Taxas (por mil)

Parelheiros

Ermelino Matarazzo

Aricanduva

Tatuapé

Pinheiros

Município de São Paulo

Page 61: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

64 lúcIA MAyuMI yAzAkI

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 48-65, jan./jun. 2008

notas

1. O nível de reposição é o valor da taxa de fecundidade que garante a reposição da geração das mulheres, que é de apro-ximadamente 2,1 filhos por mulher. É um ponto crucial em projeções populacionais, pois, mantendo-se constante duran-te muito tempo, o crescimento da população será nulo. Em caso da permanência por um longo período de taxas inferio-res a este valor, a população tenderá a diminuir.

2. Em 2007 houve alteração na divisão regional de saúde, passando das 24 DIRs para 17 Departamentos Regionais de Saúde – DRS.

3. O Índice Paulista de Vulnerabilidade Social – IPVS ela-borado pela Fundação Seade, caracteriza o Estado de São Paulo segundo situação de vulnerabilidade, com base nas diversas características demográficas e socioeconômicas da população. O mapa do Município de São Paulo segun-do IPVS identifica cada um dos seus setores censitários segundo este índice, onde, de forma geral, a área central caracteriza-se por ausência ou muito pouca vulnerabilida-de contrastando com regiões periféricas, onde os níveis de vulnerabilidade são maiores (www.al.sp.gov.br/web/ipvs/index_ipvs.htm).

Referências Bibliográficas

ALVES, J.E. Transição da fecundidade e relações de gênero no Brasil. Tese (Doutorado) – Cedeplar, UFMG, Belo Horizonte, 1994.

BERQUÓ, E.; CAVENAGHI, S. Mapeamento sócio-econômico e demográfico dos regimes de fecundidade no Brasil e sua variação entre 1991 e 2000. In: ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS, 14., Caxambu, Anais... Abep, 2006.

______. Increasing adolescent and youth fertility in Brazil: a new trend or a one-time event? In: ANNAUL MEETING OF THE POPULATION ASSOCIATION OF AMERICA. Philadelphia, 2005.

BRASIL. Ministério da Saúde. Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher, PNDS – 2006. Brasília. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/pnds/index.php>.

CARVALHO, J.A.M.; PAIVA, P.; SAWYER, D. A recente queda de fecundidade no Brasil: evidências e interpretação. Belo Horizonte, Cedeplar, 1981. (Monografia, n. 12).

FARIA, V. Políticas de governo e regulação da fecundidade: conseqüências não antecipadas e efeitos perversos. Ciências Sociais Hoje, São Paulo, 1989.

FARIA, V.; POTTER, J. Television, telenovelas, and fertility change in Northeast Brazil. In: SEMINAR ON VALUES AND FERTILITY CHANGE. Sion, IUSSP, 1994.

MARTINS, C.; ALMEIDA, M.F.A. Fecundidade paulistana; diferenciais de escolaridade e desenvolvimento humano (IDH). In: ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS, 11., Caxambu, Anais... Abep, 2000.

MERRICK, T.W.; BERQUÓ, E. The determinants of Brazil’s recent rapid decline in fertility. Washington, DC: National Academy Press, 1983. (Committee on Population and Demography, report, n. 23).

PAIVA, P. O processo de proletarização e transição da fecundidade no Brasil. Revista Brasileira de Economia, v. 41, n. 1, 1985.

PERPÉTUO, I.H.O.; AGUIRRE, M.A.C. O papel da esterilização feminina nos diferencias sócio-econômicos do declínio da fecun-didade no Brasil. In: ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS, 11., Caxambu, Anais... Abep, 1998.

UNITED NATIONS. Partnership and Reproductive Behavior in Low-Fertility Countries. United Nations Publication, Sales n. E.03.XIII.5, 2003.

______. Below replacement fertility. Population Bulletin of the United Nations, Special Issue, New York, n. 40-41, 2000.

WONG, L.R. Tendência recente da fecundidade no Estado de São Paulo. Revista Brasileira de Estudos da População, Abep, v. 2, n. 1, 1985.

YAZAKI, L.M. A fecundidade no município de São Paulo e em suas subprefeituras: algumas características do padrão reprodutivo. In: ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS, 14., Caxambu, Anais... Abep, 2004a.

______. Natalidade e fecundidade em São Paulo: o risco da interpretação equivocada dos dados. SP Demográfico, Fundação Seade, n. 12, 2004b.

______. Em 20 anos, fecundidade tem redução de até 50%. SP Demográfico, São Paulo, Fundação Seade, n. 3, 2003a.

______. Fecundidade da mulher paulista abaixo do nível de repo-sição. Estudos Avançados, São Paulo, USP, v. 17, n. 49, 2003b.

Page 62: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

AnálISe dA FecundIdAde nO eSTAdO de SãO PAulO 65

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 48-65, jan./jun. 2008

Lúcia MayuMi yazaki

Doutora em Demografia pela Université Catholique de Louvain (Bélgica) e Analista da Fundação Seade.

Artigo recebido em 10 de junho de 2008. Aprovado em 29 de setembro de 2008.

Como citar o artigo:YAZAKI, L.M. Análise da fecundidade no Estado de São Paulo. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v. 22, n. 1, p. 48-65, jan./jun. 2008. Disponível em: <http://www.seade.gov.br>; <http://www.scielo.br>.

Page 63: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 66-78, jan./jun. 2008

O motorista profissional ligado ao setor transporte está sujeito a elevado número de riscos no trabalho, que o tornam mais exposto à ocorrência de acidentes do trabalho. Os trabalhadores dessa categoria exercem sua atividade profissional no espaço da rua, sujeitos à vio-lência, aos problemas urbanos e aos riscos intrínsecos de seu processo de trabalho (WALDVOGEL, 2001). No Brasil, em 2006, ocorreram 320.333 casos de acidentes de trânsito com vítimas, dos quais 120.564 foram no Estado de São Paulo e 24.924 no Município de São Paulo. Esses trabalhadores, motoristas profissionais, cons-tituem a categoria mais exposta aos acidentes de trânsito, representando, no Brasil, 1,35% das vítimas fatais e 30,9% das não-fatais. Para o Estado de São Paulo e Município de São Paulo, esses dados são, respectivamente, 1,08% e 1,05% para os acidentes com vítimas fatais e 30,9% e 26,3% para não-fatais (DENATRAN, 2008).

Estudos citados na literatura demonstram os agravos e as conseqüências à saúde dos motoristas, comprometendo seu desempenho laboral. Constata-se que esforços físicos e mentais causam problemas de postura, hérnias, fraturas, torções, contusões, lombalgias (CAMERINO, 1997), varizes, bursites, artroses, irritabilidade emocional, sensação de esgotamento mental, problemas gástricos e intestinais, hipertensão, problemas cardíacos (FISCHER, 2001), abuso de bebidas alcoólicas e uso de estimulantes (MORENO; PASQUA; CRISTOFOLETTI,

Resumo: São descritos os acidentes do trabalho para motoristas profissionais residentes no Estado de São Paulo. Os dados tiveram origem em base específica elaborada nas CATs e processos notificados na Previdência Social do Estado de São Paulo, entre 1997 e 1999.

Apresentam-se as características dos motoristas acidentados e dos acidentes do trabalho. São analisadas taxas de incidência, mortalidade e letalidade dos motoristas para o Estado, Região Metropolitana de São Paulo e Município de São Paulo.

Palavras-chave: Acidente do trabalho. Motorista profissional. Acidentes de motoristas profissionais.

Abstract: This manuscript describes occurrence of work injuries and work-related diseases, from 1997 to 1999, of professional drivers, residents of the State of Sao Paulo. Data basis was obtained from the official communication of work injuries and the

Social Security registry of the State of Sao Paulo. Incidence and mortality rates were analyzed for the State, for the metropolitan area of Sao Paulo and the city of Sao Paulo, Brazil.

Key words: Work injuries. Professional drivers. Work injuries of professional drivers.

Acidentes e doençAs do trAbAlho notificAdAs, de motoristAs profissionAis

do estAdo de são pAulo

Monica La Porte teixeira Frida Marina Fischer

Page 64: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

ACIDEnTES E DOEnçAS DO TRABAlhO nOTIfICADAS, DE MOTORISTAS PROfISSIOnAIS... 67

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 66-78, jan./jun. 2008

2001; FISCHER; MORENO; ROTENBERG, 2004). Condições variadas, tais como as exigências do trabalho, tensões familiares, preocupações financeiras, dificuldade de julgamento e de lidar com estes desafios, também têm conseqüências nefastas, interferindo na capacidade de trabalho dos motoristas (MORENO; FISCHER; ROTENBERG, 2003).

Os motoristas profissionais têm que estar aten-tos para cumprir metas e não cometer erros, além de sofrerem pressão por fazerem parte de um proces-so de trabalho que nem sempre oferece condições adequadas de trabalho (CÂMARA, 1999; DUFFY; MC GOLDRICK, 1990; SANTOS et al., 2004). Os horários irregulares e/ou em turnos de trabalho de motoristas profissionais podem levá-los a ter distúr-bios de sono e sonolência excessiva durante o traba-lho (MORENO; FISCHER; ROTENBERG, 2003). Trabalhar no setor viário implica também ter nas mãos grande responsabilidade, e acidentes de trânsito podem ocorrer ou causar transtornos para a popula-ção em geral (IPEA, 2003).

O objetivo deste estudo é descrever os acidentes do trabalho, segundo agrupamentos criados especifica-mente para os motoristas residentes no Estado de São Paulo, no período 1997-1999. Apresentam-se as ca-racterísticas dos motoristas acidentados e dos tipos de acidente. São analisadas, ainda, as taxas de incidência, mortalidade e letalidade distribuídas geograficamente.

BUSCA ATIVA DAS INFORMAÇÕES DE ACIDENTES DO TRABALHO

Este é um estudo descritivo dos acidentes do trabalho ocorridos com os motoristas residentes no Estado de São Paulo e registrados na Previdência Social, entre 1/1/1997 e 31/12/1999.

A análise de observação foi o evento acidente do trabalho, sendo utilizado para os cálculos das taxas de letalidade, mortalidade e incidência.

Consideraram-se os 645 municípios do Estado de São Paulo, o que permitiu verificar os diferenciais re-gionais dos acidentes do trabalho, segundo o local de residência dos motoristas.

Os dados de acidentes do trabalho foram obtidos por meio de busca ativa das informações dos aciden-

tes registrados, junto à Comunicação de Acidentes do Trabalho – CAT e demais documentos que acom-panhavam os respectivos processos, como boletim de ocorrência e atestado de óbito, para a população cadastrada na Previdência Social do Estado de São Paulo.

Para a análise, foram consideradas as pessoas nas faixas etárias de 18 a 69 anos, subtotalizando 17.420 registros. Esses casos foram confirmados um a um, duas vezes, analisando-se as variáveis ramo de ativi-dade, ocupação, tipo do acidente, meio de locomoção e descrição dos acidentes. Diante da necessidade de que todos os acidentados tivessem residência no Es-tado de São Paulo, fez-se uma nova seleção em que a variável Unidade da Federação do acidentado cor-respondesse a esse Estado, totalizando a base com 14.631 registros. Continuando o refinamento da base e tendo como meta os motoristas de transportes ter-restres, excluíram-se 12 acidentados dos transportes aquaviário e aeroviário. O número total de registros foi de 14.619.

Foram elaboradas freqüências de todas as variáveis para analisar e consolidar a base de dados, em que se destacou a variável sexo, pois, dos 14.619 registros, apenas 52 eram de mulheres e representavam 0,4% do total. Decidiu-se então pela exclusão destes casos, resultando a amostra em 14.567 registros de aciden-tados do trabalho, do sexo masculino, do setor trans-porte terrestre, residentes no Estado de São Paulo, com idade entre 18 e 69 anos.

Para a elaboração dos agrupamentos de motoris-tas foi avaliada a freqüência de todas as descrições dos tipos de motoristas do banco de dados, garan-tindo-se a consistência quanto a volume e tipos de agrupamentos. Levantadas e definidas todas as ocu-pações de motoristas de acordo com a Classificação Brasileira de Ocupações, estas foram reagrupadas conforme análise das freqüências e o interesse do es-tudo (Quadro 1).

Analisou-se a freqüência das variáveis de aciden-tes e foram realizados cruzamentos entre as variáveis sexo (masculino) e idades agrupadas em faixas etárias (18 a 19 anos, 20 a 24 anos, 25 a 29 anos, 30 a 34 anos, 35 a 39 anos, 40 a 44 anos, 45 a 49 anos, 50 a 54 anos, 55 a 59 anos, 60 a 69 anos).

Page 65: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

68 MOnICA lA PORTE TEIxEIRA/fRIDA MARInA fISChER

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 66-78, jan./jun. 2008

Quadro 1

Agrupamento de Motoristas Criado com Base nas Tabelas do Grupo de Base da Classificação Brasileira de Ocupações – CBO

Agrupamentos Criados Agrupamentos Existentes na CBO

Código Nome Grupo de Base Descrição das Ocupações

Grupo I Motoristas em geral

9-85(9-85.10)(9-85.50)(9-85.90)

Motorista de caminhonete, furgão utilitário, manobrista, cobrador motorizado, vigia, de provas, de teste, entregador.

Grupo II Motoristas de ônibus 9-85(9-85.40)

Motorista de ônibus, excursão, coletivo interurbano e urbano, interestadual e internacional, de viagem, transporte escolar, coletivo de empresa.

Grupo III Motoristas de caminhão 9-85(9-85.60)

Motorista de caminhão, caminhão leve, rotas nacionais e internacionais.

Grupo IV Motoristas de caminhão pesado9-85(9-85.80)(9-85.82)

Motorista de caminhão pesado, truck, carreta, comboio, betoneira, basculante.

Grupo V Motociclistas 9-85(9-85.70)

Motociclista, entregador de mercadoria (comida, jornais, documentos), courrier.

Grupo VI Outros motoristas

9-83(9-83.20)(9-83.50)(9-86.20)(9-89.50)(9-85.30)(9-85.85)

Maquinista de trem, condutor de metrô, trem de carga, trem metropolitano, veículo sobre trilhos, veículo de tração animal, e de pedais, taxista, ambulância, carro forte, tratorista.

Fonte: Teixeira (2005). Elaboração das autoras.

Os tipos de acidente foram agrupados em: aciden-tes-tipo, quando ocorre a serviço da empresa; aci-dente do trajeto, quando ocorre da residência para o trabalho, ou do trabalho para residência, ou de ida da empresa para o local de refeição, ou de volta do local de refeição para a empresa; e doenças relacionadas ao trabalho, que são ocasionadas por qualquer tipo de doença profissional peculiar a determinado ramo de atividade, constante na tabela da Previdência Social.

As conseqüências dos acidentes foram classifica-das em: incapacidade temporária – menos de 15 dias ou mais de 15 dias de afastamento do trabalho; inva-lidez – aposentado por invalidez e óbito.

As partes do corpo atingidas – variável descrita no formulário – correspondem às grandes divisões anatômicas do corpo humano: membros inferiores (quadril, coxa, joelho, perna, tornozelo, pé, dedos); membros superiores (ombro, braço, cotovelo, ante-braço, mão, dedos); tronco; cabeça (olhos, ouvidos); politraumatismo; e ignorada. O município de residên-cia corresponde àquele onde residia o acidentado.

Para a variável doenças do trabalho, foi elaborada uma codificação especial, a partir da situação gera-dora do acidente ou da doença que foi transcrita da CAT para o formulário. Esse campo não é codificado pela Previdência Social, porém existe na CAT e serve de subsídio para a codificação de outros campos. Esta classificação teve como objetivo identificar de forma detalhada os vários tipos de ocorrência do acidente e de doença, sendo elaborada uma tabela de classifi-cação com 70 descrições de ocorrência de acidentes correspondentes à ocupação “motorista”.

As taxas de incidência, mortalidade e letalidade fo-ram calculadas para o Estado de São Paulo, Interior do Estado, Região Metropolitana de São Paulo e Mu-nicípio de São Paulo.

DEFINIÇãO DOS DENOMINADORES E CáLCULO DOS INDICADORES

Na elaboração dos denominadores, que devem ex-pressar o número de trabalhadores correspondentes

Page 66: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

ACIDEnTES E DOEnçAS DO TRABAlhO nOTIfICADAS, DE MOTORISTAS PROfISSIOnAIS... 69

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 66-78, jan./jun. 2008

aos agrupamentos em estudo, efetivamente expostos ao risco de adoecer e/ou sofrer um acidente, foram utilizadas as estimativas populacionais para 1997, 1998, 1999 e 2000, produzidas pela Fundação Seade por meio do “método dos componentes demográ-ficos”, que projeta a população próxima da realida-de do volume populacional, para cada um dos 645 municípios do Estado de São Paulo, e os microda-dos do Censo Demográfico de 2000 do IBGE. Dos microdados, para compor o denominador, foram se-lecionadas as variáveis relativas às seguintes caracte-rísticas individuais: sexo e idade em anos (grupo de características pessoais); contribuição previdenciária (opção = SIM, pessoa contribuinte da Previdência Social – grupo trabalho e rendimento); carteira assi-nada (opção = SIM – grupo trabalho e rendimento); setor transporte (opção = terrestre, aéreo e aqua-viário – grupo trabalho principal, ocupação e setor transporte). Com esses dados, organizados para cada um dos municípios do Estado de São Paulo, calculou-se o denominador:

1ª etapa - foi calculada a média da população mas-• culina na faixa etária de 18 a 69 anos, para 1o de julho de 1997, 1998 e 1999;2ª etapa - foi efetuada a divisão da população tra-• balhadora em 2000, selecionada do setor trans-porte, pela população em 1º de julho de 2000, encontrando-se um índice de população trabalha-dora do setor transporte terrestre para cada um dos municípios;3ª etapa - o índice encontrado na 2ª etapa foi apli-• cado na população calculada na 1ª etapa.A medida de gravidade foi calculada pela taxa de

letalidade que, segundo Laurenti et al. (2005), é a mais usada na epidemiologia.

A incidência foi utilizada para mensurar a freqüência dos acidentes do trabalho, na qual se relaciona o acúmulo de casos novos registrados ou iniciados ao final de um período de tempo determinado – ou seja, os casos de acidentes do trabalho registrados no período de interesse – com a correspondente população neste mesmo período (CORRÊA FILHO, 1994; IBGE, 2005).

Para a taxa de mortalidade, o numerador correspon-deu aos óbitos em decorrência de acidente do trabalho.

ACIDENTADOS, ACIDENTES E CAUSAS DE ACIDENTES DO TRABALHO

Conforme descrito anteriormente, os trabalhadores foram agrupados em seis categorias, em que os mo-toristas em geral representam 33,9% (4.932) do total e os condutores de caminhão correspondem a 32,4%, (4.732). Em seguida vêm os motoristas de ônibus, com 12,1% (1.760), os motociclistas, com 11,0% (1.610) e os motoristas de caminhões pesados, com 7,3% (1.059) e o grupo “outros”, com 3,3% (483) (Tabela 1).

O Gráfico 1 apresenta os acidentados, segundo faixas etárias. Verifica-se que os motociclistas sofre-ram acidentes em idades mais jovens em relação aos outros motoristas: 34% entre 20 e 24 anos; 30% de 25 a 29 anos; e 15% de 30 a 34 anos. Os demais pro-fissionais sofreram, em sua maior parte, acidentes a partir dos 35 anos ou mais.

Segundo o estado civil, os casados são a maioria dos acidentados (70,3% dos acidentes-tipo, 61,4% dos acidentes de trajeto e 78,0% das doenças relacionadas com o trabalho). Entre os solteiros, as proporções fo-ram de, respectivamente, 21,2%, 28,7% e 14%.

Tabela 1

Distribuição dos Acidentes do Trabalho de Motoristas, segundo Agrupamentos Criados

Estado de São Paulo – 1997/1999

Agrupamentos Criados Nos Absolutos %

Total 14.567 100,0

Motoristas em geral 4.932 33,9

Motorista de caminhão 4.723 32,4

Motorista de ônibus 1.760 12,1

Motociclista 1.610 11,0

Motorista de caminhão pesado 1.059 7,3

Outros motoristas 483 3,3

Fonte: Teixeira (2005). Elaboração das autoras.

Page 67: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

70 MOnICA lA PORTE TEIxEIRA/fRIDA MARInA fISChER

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 66-78, jan./jun. 2008

Do total de acidentes registrados e analisados (14.567), os acidentes-tipo representaram 80,9% dos casos (11.782), os acidentes de trajeto 8,7% (1.273), as doenças do trabalho 6,3% (909) e os ignorados 4,1%.

Entre os acidentes-tipo, o maior número de aci-dentados correspondeu aos motoristas de caminhão (28,9% dos casos), seguidos pelos motoristas em ge-ral (26,3%), condutores de ônibus (8,9%), motociclis-tas (8,0%), motoristas de caminhão pesado (6,4%) e outros (2,4%).

Nos acidentes de trajeto, destacaram-se os motoris-tas em geral (3,6%), os motociclistas (2,0%) e os mo-toristas de ônibus (1,8%). Já nas doenças do trabalho sobressaem os motoristas em geral (2,6%), os de cami-nhão (1,9%) e os de ônibus, com 1,0% (Tabela 2).

A partir da variável “descrição dos acidentes”, são destacadas as três primeiras causas dos acidentes, em cada grupo de motoristas avaliados (Tabela 3).

Motoristas eM Geral

Entre os acidentes-tipo, 17,8% ocorreram por cho-que/colisão; 16,2% foram causados por objetos

inanimados e 14,5% por objetos cortantes/con-tundentes.

Entre os acidentes de trajeto, 18,1% foram provo-cados por queda de motocicleta, 17,3% por choque/colisão com motocicleta e 16,0% por choque/colisão de veículos a motor.

Nas doenças do trabalho ou relacionadas com o trabalho, o mal súbito/estresse correspondeu a 33,3%, os traumatismos ou lesões a 32,8% e, com importante participação, a perda auditiva causada por ruído respondeu por 25,7% dos registros.

Motociclista

Os acidentes-tipo desta categoria foram princi-palmente os choques/colisões de/com motocicle-ta (55,9% dos casos). Em seguida vêm queda da motocicleta (25%) e atingido por objeto ao dirigir (4,9%).

Nos acidentes de trajeto, destacaram-se choque/colisão de/com motocicletas (51,7% dos casos), que-da do motorista (28%) e atingido por objeto ao dirigir (5,9%).

Gráfico 1Acidentes do Trabalho de Motoristas, por Faixa Etária, segundo Agrupamentos Criados

Estado de São Paulo – 1997-1999

Fonte: Teixeira (2005). Elaboração das autoras.

0,0

5,0

10,0

15,0

20,0

25,0

30,0

35,0

18 a 19 20 a 24 25 a 29 30 a 34 35 a 39 40 a 44 45 a 49 50 a 54 55 a 59 60 a 64 65 e +

Motoristas em geral MotociclistaMotorista de Caminhão Motorista de Caminhão PesadoMotorista de Ônibus Outros Motoristas

Faixa Etária

%

Page 68: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

ACIDEnTES E DOEnçAS DO TRABAlhO nOTIfICADAS, DE MOTORISTAS PROfISSIOnAIS... 71

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 66-78, jan./jun. 2008

Tabela 2Distribuição dos Acidentes do Trabalho de Motoristas, por Tipo de Acidente, segundo Agrupamentos Criados

Estado de São Paulo – 1997/1999

Agrupamentos CriadosAcidente-tipo Acidente de

TrajetoDoenças do

Trabalho Ignorado Total

Nos Abs. % Nos Abs. % Nos Abs. % Nos Abs. % Nos Abs. %

Total 11.782 80,9 1.273 8,7 909 6,3 603 4,1 14.567 100,0

Motorista de caminhão 4.217 28,9 86 0,6 278 1,9 142 1,0 4.723 32,4

Motoristas em geral 3.824 26,3 519 3,6 381 2,6 208 1,4 4.932 33,9

Motorista de ônibus 1.291 8,9 268 1,8 146 1,0 55 0,4 1.760 12,1

Motociclista 1.161 8,0 288 2,0 10 0,1 151 1,0 1.610 11,0

Motorista de caminhão pesado 926 6,4 45 0,3 59 0,4 29 0,2 1.059 7,3

Outros motoristas 363 2,4 67 0,4 35 0,3 18 0,1 483 3,3

Fonte: Teixeira (2005). Elaboração das autoras.

Tabela 3Principais Descrições dos Acidentes, por Tipo, segundo Agrupamentos Criados

Estado de São Paulo – 1997/1999

Agrupamentos Criados

Acidente-tipo Acidente de Trajeto Doenças do Trabalho

Descrição do Acidente % Descrição do Acidente % Descrição do Acidente %

Motorista geral Choques/colisõesObjetos inanimadosObjetos cortantes/contundentes

17,816,214,5

Queda de motocicletaChoque/colisão com motocicletaChoque/colisão de veículos a motor

18,117,3

16,0

Doenças do trabalho/Mal súbito/EstresseTraumatismos ou lesõesSurdez

33,332,825,7

Motociclistas Choques/colisões de/com motocicletasQueda de motocicletaAtingido por objeto ao dirigir

55,925,04,9

Choques/colisões de/com motocicletasQuedaAtingido por objeto ao dirigir

51,728,05,9

Doenças do trabalho/Mal súbito/EstresseSurdezTraumatismos ou lesões

40,020,010,0

Motorista de caminhão

Quedas do caminhãoAcidentes causados por acessórios de caminhõesObjetos inanimados

19,2

14,213,5

Choques/colisões de motocicletaQueda de motocicletaChoques/colisões

19,811,610,5

Doenças do trabalho/Mal súbito/EstresseTraumatismos ou lesõesSurdez

46,840,39,7

Motorista de caminhão pesado

Acessórios de caminhão QuedasChoques/colisões

17,816,814,4

Choques/colisões com motocicletaChoques/colisões de veículos a motorQueda de motocicleta

23,9

17,415,2

SurdezMal súbito/EstresseTraumatismos ou lesões

52,523,720,3

Motorista de ônibus

Quedas do ônibusEsmagamentosChoques/colisões

22,114,914,2

Quedas em vias públicasQuedas do ônibusChoques/colisões

19,913,511,6

SurdezDoenças do trabalho/Mal súbito/EstresseTraumatismos ou lesões

56,2

28,88,9

Outros motoristas Choques/colisõesQuedas em via públicaDoenças do trabalho/Mal súbito/Estresse

16,09,7

8,8

Colisões/choquesChoque/colisões com motocicletasQuedas com motocicletas

20,6

17,613,2

Doenças do trabalho/Mal súbito/EstresseTraumatismos ou lesõesSurdez

45,734,38,6

Fonte: Teixeira (2005). Elaboração das autoras.

Page 69: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

72 MOnICA lA PORTE TEIxEIRA/fRIDA MARInA fISChER

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 66-78, jan./jun. 2008

Nas doenças do trabalho, 40% corresponderam a mal súbito/estresse, 20% a surdez, e 10% a trauma-tismos ou lesões.

Motorista de caMinhão

Entre os acidentes-tipo, 19,2% foram causados por quedas do caminhão, 14,2% foram provoca-dos por acessórios de caminhões e 13,5% por ob-jetos inanimados.

As descrições dos acidentes de trajeto mostraram que 19,8% dos casos ocorreram por choques/colisão com motocicleta, 11,6% por quedas de motocicleta e 10,5% por choques/colisões.

Nas doenças do trabalho, o mal súbito/estresse representou 46,8% dos casos, os traumatismos ou le-sões corresponderam a 40,3% e a surdez ficou com 9,7%. Estes três grupos de doenças representaram 96,8% das doenças do trabalho para os motoristas de caminhão.

Motorista de caMinhão Pesado

Entre os acidentes-tipo, as três principais causas re-gistradas: acidentes causados por acessórios de cami-nhões ou veículos pesados (17,8%); quedas do cami-nhão (16,8%); e choques e colisões (14,4%).

Para os acidentes de trajeto, em primeiro lugar vêm os choques e as colisões com motocicletas (23,9%), seguidos por choques/colisão de veículos a motor (17,4%) e quedas de motocicleta (15,2%).

Nas doenças do trabalho, esse grupo de motoristas teve apenas quatro tipos de descrições de acidentes. A surdez concentrou, na primeira colocação, a me-tade dos registros (52,5%), seguida por mal súbito/estresse (23,7%), traumatismos ou lesões (20,3%) e exposição ao ruído (3,5%).

Motorista de Ônibus

As quedas do ônibus chegaram a 22,1% das descrições dos acidentes-tipo, vindo, a seguir, es-magamentos causados por acessórios de ônibus (14,9%) e choques e colisões (14,2%). Embora es-teja na quinta posição, vale ressaltar as causas dos

acidentes que registraram agressões por armas de fogo (5%).

Quanto aos acidentes de trajeto, as quedas em via pública corresponderam a 19,9% dos casos, as quedas do ônibus a 13,5% e os choques e colisões a 11,6%.

A surdez também foi registrada para os motoristas de ônibus, com mais da metade dos casos (56,2%) das doenças do trabalho; o mal súbito/estresse con-centrou 28,8% e os traumatismos ou lesões represen-taram 8,9%.

outros Motoristas

Nos acidentes-tipo, os choques e colisões representa-ram 16%, as quedas em via pública ficaram com 9,7% dos casos e o mal súbito/estresse provocou 8,8% dos acidentes.

Entre os acidentes de trajeto, os choques e colisões registraram 20,6% dos casos, seguidos pelos choques e colisões com motocicletas (17,6%) e quedas com motocicletas (13,2%). Embora não esteja entre as três primeiras colocações, destacou-se, neste grupo, a queda de trem, com 3,6% dos casos.

Quanto às doenças do trabalho, em 45,7% estavam registrados mal súbito/estresse, 34,3% corresponde-ram a traumatismos ou lesões e 8,6% a surdez.

Partes do corPo atinGidas

Segundo os registros, o acidente do trabalho atingiu diversas partes do corpo do trabalhador.

Para a categoria motorista geral, os membros in-feriores e superiores foram os mais atingidos nos acidentes-tipo e de trajeto, com 41,3% e 46,0% dos casos, respectivamente. O tronco foi a parte mais afe-tada nas doenças do trabalho (49,9%). Em cada um dos tipos de acidentes, as partes mais atingidas fo-ram: membros inferiores/pés (16,1%), membros su-periores/mãos (12,8%) e membros superiores/dedos (12,4%), para os acidentes-tipo; membros inferiores/pernas (18,8%), membros inferiores/pés (17,0%) e membros superiores/braços (10,2%), para os aci-dentes de trajeto; tronco (49,9%) e cabeça/ouvidos (24,9%), para as doenças do trabalho.

Page 70: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

ACIDEnTES E DOEnçAS DO TRABAlhO nOTIfICADAS, DE MOTORISTAS PROfISSIOnAIS... 73

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 66-78, jan./jun. 2008

Para os motociclistas, as partes do corpo mais atingidas, nos acidentes-tipo, foram os membros in-feriores (42,2%), sendo que as pernas representaram 30,5% e os pés, 11,7%. Com 10,2% dos casos fica-ram os membros superiores/braços. Nos acidentes de trajeto, também destacaram-se os membros infe-riores, com 43,8% dos casos (sendo 31,3% referentes às pernas e 12,5% aos pés), vindo a seguir o tron-co (8,0%). Nas doenças do trabalho, registraram-se 40,0% para o tronco, 30,0% para os membros su-periores/mãos, 20,0% para cabeça/ouvidos e 10,0% para o pescoço.

Nos acidentes-tipo ocorridos com motoristas de ca-minhão, os membros inferiores/pés e os membros in-feriores/pernas representaram 20,4% e 11,9%, respec-tivamente, das partes do corpo mais atingidas, vindo a seguir o tronco com 11,5%. Para os acidentes de trajeto, destacaram-se os membros inferiores/pernas (22,5%), ficando empatados, em segundo lugar, os membros inferiores/pés e os membros superiores/braços com 11,2% dos acidentes. Nas doenças do trabalho, o tronco foi a parte do corpo mais atingida, com 65,8% dos ca-sos, seguido pela cabeça/ouvidos, com 8,6%.

Para os motoristas de caminhão pesado, nos aci-dentes-tipo, as três primeiras posições ficaram com membros inferiores/pés, (17,3%), membros superio-res/dedo (11,3%) e tronco (10,3%). Nos acidentes de trajeto, as partes mais atingidas foram os membros inferiores/pernas (15,6%), a cabeça (13,3%) e os membros superiores/mãos (11,1%).

Nas doenças do trabalho, cabeça/ouvidos (47,5%) e tronco (28,8%) foram as partes do corpo mais atin-gidas, seguidas pelos membros superiores/braços, com 10,2% dos casos.

Para os motoristas de ônibus, as partes mais atingi-das nos acidentes-tipo foram os membros inferiores/pés (21,1%), os membros inferiores/pernas (14,6%) e o tronco (12,0%). Nos acidentes de trajeto, os mem-bros inferiores/pés representaram 23,7% dos casos, os membros inferiores/pernas 11,3% e os membros superiores/braços 10,9%. Com destaque, na casa dos 55,0%, os motoristas de ônibus tiveram a cabeça/ou-vidos como as partes do corpo mais atingidas para as doenças do trabalho, seguidas pelo tronco (21,9%) e membros inferiores/pernas (6,2%).

TAXAS DE INCIDÊNCIA, MORTALIDADE E LETALIDADE

Entre a população trabalhadora no setor transporte, 46,2% residiam no interior do Estado e 53,8% na Re-gião Metropolitana e Município de São Paulo (24,5% e 29,3%, respectivamente).

A taxa de incidência encontrada para o Estado de São Paulo, neste estudo, foi de 42,5 acidentes por mil trabalhadores, no período 1997-1999. O interior do Es-tado apresentou um indicador de 52,8 acidentes por mil trabalhadores, enquanto a Região Metropolitana de São Paulo e o Município de São Paulo registraram, respecti-vamente, 31,1 e 32,4 acidentes por mil trabalhadores.

A taxa de mortalidade no Estado de São Paulo, no período estudado, era de 11 óbitos por 10 mil traba-lhadores, sendo 17 óbitos por dez mil para o interior, 6,6 para a Região Metropolitana de São Paulo e 5,0 para o Município de São Paulo.

O Estado de São Paulo apresentava uma taxa de letalidade de 26,0 óbitos por mil casos de acidentes do trabalho. Esse índice correspondia a 32,1 para o interior do Estado, 21,0 para a Região Metropolitana e 15,4 para a capital (Tabela 4).

A gravidade do acidente pode ser analisada pelas ta-xas de letalidade para os agrupamentos criados, sendo que a categoria dos motoristas em geral destacou-se, com 33,9 óbitos por mil trabalhadores. O grupo dos motociclistas apresentou taxas próximas para a Região Metropolitana (11,9 óbitos por mil trabalhadores) e o Município de São Paulo (12,2 óbitos por mil trabalha-dores). Com quase 31,7 e 49 óbitos por mil trabalha-dores, respectivamente, os motoristas de caminhão e os condutores de caminhão pesado destacaram-se no interior. Os motoristas de ônibus registraram 30,6 óbi-tos por mil trabalhadores na Região Metropolitana e a categoria outros motoristas sobressaiu no interior, com 32,0 óbitos por mil trabalhadores (Tabela 5).

INCAPACIDADE E ÓBITO

Avaliadas as conseqüências dos acidentes do trabalho, verificou-se que a incapacidade temporária represen-tou 94,3% dos casos analisados, a invalidez perma-nente correspondeu a 1,3% e o óbito a 2,6%.

Page 71: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

74 MOnICA lA PORTE TEIxEIRA/fRIDA MARInA fISChER

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 66-78, jan./jun. 2008

Tabela 5

Taxa de Letalidade, por Agrupamentos CriadosEstado de São Paulo, Região Metropolitana de São Paulo, Município de São Paulo e Interior – 1997/1999

Em porcentagem

Região Metropolitana, Município de São Paulo e Interior do Estado

Motoristas em Geral Motociclista Motorista de

Caminhão

Motorista de Caminhão

Pesado

Motorista de Ônibus

OutrosMotoristas Total

Estado de São Paulo 27,8 12,4 26,7 44,4 22,2 20,7 26,0

Região Metropolitana de São Paulo 18,3 11,9 19,3 41,0 30,6 21,3 21,0

Município de São Paulo 15,4 12,2 13,2 31,7 19,4 6,5 15,4

Interior do Estado 33,9 9,5 31,7 49,0 21,6 32,0 32,1

Fonte: Teixeira (2005). Elaboração das autoras.

Tabela 4

Proporção da População do Setor Transporte de 18 a 69 anos, Taxas de Incidência, Mortalidade e LetalidadeEstado de São Paulo, Região Metropolitana de São Paulo, Município de São Paulo e Interior – 1997/1999

Em porcentagem

Região Metropolitana, Município de São Paulo e Interior do Estado

Proporção da População do Setor Transporte de

18 a 69 anos

Taxas

Incidência (1) Mortalidade (2) Letalidade (1)

Estado de São Paulo 100,0 42,5 11,0 26,0

Região Metropolitana de São Paulo 24,5 31,1 6,6 21,0

Município de São Paulo 29,3 32,4 5,0 15,4

Interior do Estado 46,2 52,8 17,0 32,1

Fonte: Teixeira (2005). Elaboração das autoras.(1) Por mil motoristas/trabalhadores.(2) Por 10.000 motoristas/trabalhadores.

Ao analisar cada tipo de conseqüência do trabalho segundo os volumes de afastamento de cada grupo de motoristas, observou-se que foram afastados por incapa-cidade temporária 33,8% dos motoristas em geral, 32,5% dos condutores de caminhão, 12,2% dos motoristas de ônibus, 11,2% dos motociclistas, 7,1% dos motoristas de caminhão pesado e 3,3% de outros motoristas.

No critério da invalidez, os motoristas em geral representaram 32,2%, os motoristas de caminhão 27,9%, os motoristas de ônibus 15,3%, os motociclis-

tas 10,9%, os motoristas de caminhão pesado 6,6% e os outros motoristas 7,1%.

Observou-se que os óbitos resultantes de aciden-tes do trabalho para os motoristas em geral foram de 36,1% dos casos, sendo que 33,2% destes eram de motoristas de caminhão. Em menor proporção, mas não menos relevante, os motoristas de caminhão pesado representaram 12,4%, os de ônibus 10,3%, os motociclistas 5,3% e os outros motoristas 2,6% dos casos fatais (Tabela 6).

Page 72: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

ACIDEnTES E DOEnçAS DO TRABAlhO nOTIfICADAS, DE MOTORISTAS PROfISSIOnAIS... 75

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 66-78, jan./jun. 2008

IMPLICAÇÕES E AGRESSÕES À SAÚDE DOS MOTORISTAS PROFISSIONAIS

O estudo da população de trabalhadores do setor transporte terrestre permitiu avaliar as possíveis im-plicações entre o ambiente de trabalho e a ocorrência de agressões à saúde. Os 14.567 acidentes do traba-lho analisados mostraram um panorama da situação existente, destacando-se os casos mais freqüentes e aqueles que apresentam maior risco ao trabalhador no exercício de sua profissão.

Uma das questões fundamentais para o estu-do dos acidentes do trabalho é a fonte de dados (WALDVOGEL; TEIXEIRA, 2004). Existem tra-balhos que se baseiam em pesquisas de campo, nas quais os entrevistados descrevem seus acidentes e condições de trabalho (BRANDÃO et al., 1995; FARIA, 2001); outros utilizam registros administrati-vos, nos quais as principais fontes de informação são as CATs e as Declarações de Óbitos (MACHADO; GÓMEZ, 1995; WALDVOGEL, 1999; TEIXEIRA; FREITAS, 2003). A maioria das análises existentes sobre o tema de acidentes do trabalho refere-se a es-tudos de caso ou estudos com áreas limitadas. No presente trabalho, em particular, pode-se destacar a

Tabela 6

Distribuição dos Acidentes do Trabalho, por Tipo de Conseqüência, segundo Agrupamentos CriadosEstado de São Paulo – 1997/1999

Em porcentagem

Agrupamentos CriadosConseqüência do Acidente do Trabalho

Incapacidade Temporária Invalidez Óbito Ignorado Total

Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

Motoristas em geral 33,8 32,2 36,1 34,3 33,9

Motorista de caminhão 32,5 27,9 33,2 32,8 32,4

Motorista de ônibus 12,2 15,3 10,3 8,7 12,1

Motociclista 11,2 10,9 5,3 13,2 11,0

Motorista de caminhão pesado 7,1 6,6 12,4 7,2 7,3

Outros motoristas 3,3 7,1 2,6 3,8 3,3

Fonte: Teixeira (2005). Elaboração das autoras.

abrangência geográfica, que compreendeu todos os municípios do Estado de São Paulo.

Os acidentes do trabalho, embora provavelmente estejam subnotificados, são numerosos. Os aciden-tes-tipo representam, para o mundo e para o Brasil (BRASIL, 2003, 2004), a maioria dos casos. Neste estudo, estes foram, também, os que predominaram em 81,0% do total. Destacam-se, entre o agrupamen-to de motoristas, os motociclistas muito jovens (20 a 24 anos) e com grande número de casos registrados de acidentes. Mello Jorge e outros (2001), em estudo realizado com acidentes de motocicleta, também ob-servaram que a maioria de acidentados era composta por adultos jovens do sexo masculino, da faixa etária de 15 a 24 anos.

Quando analisadas as descrições dos tipos de acidentes ocorridos com os trabalhadores do setor transporte, exceto acidentes-tipo para os motoristas de caminhão, em todos os grupos foram observados, como principais causas na descrição dos acidentes, os choques/colisões. Dados levantados pelo NIOSH (2004) mostram que os acidentes que tiveram como descrição colisões e choques entre veículos ocupavam a primeira posição. Os fatores associados ao choque incluíram sair do caminhão (46%), dirigir acima do

Page 73: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

76 MOnICA lA PORTE TEIxEIRA/fRIDA MARInA fISChER

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 66-78, jan./jun. 2008

estresse em todos os grupos de motoristas analisados neste estudo.

Estudos do NIOSH mostraram que os motoristas de caminhões pesados apresentaram o maior índice de óbitos, com 28,0% dos casos estudados. Entre 1992 e 2001, esses profissionais representaram a me-tade das mortes dos motoristas em geral (NIOSH, 2004).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo traçou um perfil dos acidentes do traba-lho de motoristas residentes no Estado de São Paulo, com base nos registros administrativos da Previdên-cia Social, em especial a CAT. As limitações deste estudo incluem: os trabalhadores informais que não constam das bases de dados consultadas; e problemas de preenchimento dos registros.

Uma das contribuições deste trabalho refere-se à elaboração dos indicadores de incidência, mortalida-de e letalidade para uma área geográfica abrangente. A criação de agrupamentos específicos da ocupação motorista permitiu realizar análises mais precisas e detalhadas dos acidentes de trânsito e dos motoristas profissionais acidentados.

Os dados aqui apresentados podem auxiliar nos programas de prevenção da ocorrência destes even-tos, seja na formação de programas de treinamento que incluam informações de saúde para esta categoria profissional, seja na capacitação de equipes de emer-gência, tratamento e reabilitação deste importante grupo ocupacional.

limite permitido (23%), falta de atenção (11%), sono-lência ou dormir ao volante (7%). Em 8% dos cho-ques os condutores haviam bebido.

A perda auditiva, surdez, foi descrita como uma das principais causas das doenças do trabalho em todos os grupos de motoristas, sobretudo para os condutores de caminhão e ônibus, para os quais a proporção foi superior a 50%. Corrêa Filho et al. (2002) encontraram associação positiva entre o tempo de atuação em ocu-pações de exposições ao ruído e a perda auditiva indu-zida por ruído (Pair). Dos 104 casos de motoristas de ônibus analisados, 32,7% do total apresentaram perda auditiva. Há uma gama de fatores de risco que podem gerar problemas de saúde para motoristas, entre eles: perigo constante; posições incômodas; esforços físi-cos; repetitividade; monotonia; temperatura inadequa-da nos ambientes de trabalho; pressão dos tempos a cumprir; estado de alerta constante. Todo este conjun-to de fatores leva os trabalhadores a um desgaste físi-co, mental e psicológico (SANTOS, 2004; ALMEIDA, 2001; BROWN, 1992).

O estado de alerta – capacidade de manter o foco de atenção sobre um dado estímulo por tempo pro-longado – é uma das exigências cognitivas do trabalho de motoristas. O grande número de fatores de riscos associados à atividade dos motoristas profissionais e os hábitos de vida não saudáveis freqüentes neste grupo ocupacional podem levá-los a sintomas de mal súbito e estresse, entre outros problemas importantes

de saúde (MORENO; FISCHER; ROTENBERG, 2003), o que pode, pelo menos em parte, explicar por que foram registradas as causas de mal súbito/

referências bibliográficas

ALMEIDA, I.M. Construindo a culpa e evitando a prevenção: caminhos da investigação de acidentes do trabalho em empresas de município de porte médio. Botucatu, São Paulo/1997. Tese (Doutorado) – Faculdade de Saúde Pública da USP, São Paulo, 2001.

BRANDÃO, E.O. et al. Acuidade visual de motoristas de veículos pesados numa rodovia de grande circulação: problemática e sugestões. Arq. Bras. de Oftalmologia, São Paulo, v. 58, n. 2, p. 121-126, 1995.

BRASIL. Ministério da Previdência Social. Acidentes de trabalho: risco e conseqüências. Brasília. Disponível em: <http://www.mps.gov.br>. Acesso em 25 maio 2004.

______. Indicadores de acidentes do trabalho. Disponível em: <http://www.mps.gov.br>. Acesso em: 25 jun. 2003.

BROWN, I.D. Accident reporting and analysis. In: WILSON, J.R.; CORLETT, E.M. (Ed.). Evaluation of human work. A practical ergonomics methodology. London: Taylor & Francis, 1992. p. 775-778.

Page 74: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

ACIDEnTES E DOEnçAS DO TRABAlhO nOTIfICADAS, DE MOTORISTAS PROfISSIOnAIS... 77

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 66-78, jan./jun. 2008

CÂMARA, O. O risco de acidentes entre motoristas profissionais em função de estresse e fadiga. Revista Abramet, São Paulo, n. 30, p. 31-35, 1999.

CAMERINO, D. et al. Public transportation driving and disorders of the vertebral spine: subjective evaluation of the risks. Med Lav, v. 88, n. 5, p. 382-395, 1997.

CORRÊA FILHO, H.R. Percepção de riscos na ocupação precedendo lesões do trabalho: um estudo no município de Campinas, São Paulo, 1992-1993. Tese (Doutorado) – Faculdade de Saúde Pública da USP, São Paulo, 1994.

CORRÊA FILHO, H.R. et al. Perda auditiva induzida por ruído e hipertensão em condutores de ônibus. Rev. Saúde Pública, v. 36, p. 693-701, 2002.

DENATRAN – Departamento Nacional de Trânsito. Anuário Estatístico de Acidentes de Trânsito. Brasília, 2008. Disponível em: <http://www.denatran.gov.br>. Acesso em: 30 ago. 2008.

DUFFY, C.; MC GOLDRICK, A.E. Stress and the bus driver in the UK Transport Industry. Work and Stress, London, v. 4, n. 1, p. 17-27, 1990.

FARIA, G.F. Anti-hipertensivos e anfetamina: alto risco de acidente de trânsito. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ENFERMAGEM. Anais... Curitiba, 2001.

FISCHER, F.M. et al. Impactos do trabalho em turnos e noturno na saúde e bem-estar do motorista profissional. In: Ergonomia e qualidade de vida no setor transporte. Brasília, Sest/Senat, 2001. p. 31-46. (Coletânea dos Textos Técnicos).

FISCHER, F.M.; MORENO, C.R.C.; ROTENBERG, L. Trabalho em turnos na sociedade 24 horas. São Paulo: Atheneu, 2004.

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponí-vel em: <http://www.ibge.com.br>. Acesso em: 22 jun. 2005.

IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Impactos sociais e econômicos dos acidentes de trânsito nas aglomerações urbanas brasileiras. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br >. Acesso em: 22 jun. 2003.

LAURENTI, R. et al. Estatísticas de Saúde. 2. ed. rev. e ampliada. São Paulo: EPU, 2005. v. 1. 214 p.

MACHADO, J.M.H.; GÓMEZ, C.M. Acidentes de trabalho: concepções e dados. In: MINAYO, M.C.S. (Org.). Os muitos Brasis: saúde e população na década de 80. São Paulo: Hucitec/Abrasco, 1995. p. 118-142.

MELLO JORGE, M.H.P. et al. Acidentes de moto no final do segundo milênio: estudo dos pacientes internados no Município de São Paulo. Revista Abramet, São Paulo, v. XIX, n. 36, p. 53-62, 2001.

MORENO, C.R.C.; FISCHER, F.M.; ROTENBERG, L. A saúde do trabalhador na sociedade 24 horas. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v. 17, n. 1, p. 34-46, jan./mar. 2003.

MORENO, C.R.C.; PASQUA, I.; CRISTOFOLETTI, F. Turnos irregulares e sua influência nos hábitos alimentares e de sono. O caso dos motoristas de caminhão. Revista Abramet, São Paulo, n. 36, p. 17-24, 2001.

NIOSH – National Institute for Occupational Safety and Health. La prevención de lesiones y muerte del trabajador como consecuencia de choques automovilísticos relacionados com el tráfico. Washington, D.C. Disponível em: <http://www.cdc.gov/spanish/niosh >. Acesso em: 11 ago. 2004.

SANTOS, E.H.R. et al. Sleep and sleepiness among Brazilian shift working bus drivers. Chronobiol Int., v. 21, n. 6, p. 881-888, 2004.

TEIXEIRA, M.L.P. Acidentes e doenças do trabalho de profissionais do setor transporte: análise dos motoristas no Estado de São Paulo, 1997 a 1999. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Saúde Pública da USP, São Paulo, 2005.

TEIXEIRA, M.L.P.; FREITAS, R.M.V. Acidentes do trabalho rural no interior paulista. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v. 17, n. 2, p. 81-90, 2003.

WALDVOGEL, B.C. Acidentes do trabalho: vida ativa interrompida. Novos desafios em saúde e segurança no trabalho, 2001. Belo Horizonte, PUC-Minas/Fundacentro, 2001. p 36-42.

______. Acidentes do trabalho – os casos fatais: a questão da identificação e da mensuração. Tese (Doutorado) – Faculdade de Saúde Pública da USP, São Paulo, 1999.

WALDVOGEL, B.C.; TEIXEIRA, M.L.P. Do que eles estão morrendo? Revista Proteção, Novo Hamburgo, RS, v. 148, p. 55-62, abr. 2004.

Page 75: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

78 MOnICA lA PORTE TEIxEIRA/fRIDA MARInA fISChER

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 66-78, jan./jun. 2008

Monica La Porte teixeira

Matemática, Mestre em Saúde do Trabalhador, Analista da Fundação Seade. ([email protected])

Frida Marina Fischer

Bióloga, Professora Titular do Departamento de Saúde Ambiental, Faculdade de Saúde Pública USP.([email protected])

Artigo recebido em 2 de julho de 2008. Aprovado em 8 de setembro de 2008.

Como citar o artigo:TEIXEIRA, M.L.P.; FISCHER, F.M. Acidentes e doenças do trabalho notificadas, de motoristas profissionais do Estado de São Paulo. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v. 22, n. 1, p. 66-78, jan./jun. 2008. Disponível em: <http://www.seade.gov.br>; <http://www.scielo.br>.

Page 76: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 79-91, jan./jun. 2008

Estudos que trazem à tona a questão das desigualda-des sociais e o impacto na saúde da população fazem parte da antiga tradição brasileira nas reflexões conceituais e metodológicas, incorporando diferentes referenciais analíticos e abordagens interdisciplinares.

As múltiplas dimensões das iniqüidades em saúde centradas no estudo das determinações estruturais da sociedade brasileira – condições de vida, situações de pobreza, identificação de grupos de risco, entre outras – e sua correspondência com as condições de saúde foram amplamente exploradas, permitindo contar na atualida-de com um acúmulo significativo de produção científica.

Os resultados destas pesquisas adquiriram suma importância, subsidiando o desenho e a implementação de políticas públicas e programas sociais como alternativas capazes de reverter ou mitigar o quadro de pobreza, exclusão e iniqüidades em saúde.

Posteriormente, surgiu no cenário nacional uma linha de pesquisa referida à saúde da população afro-descen-dente centrada numa visão socioeconômica, adjudicando as diferenças encontradas somente à determinação das condições de vida a que essa população estaria exposta.

Mais recentemente, ampliou-se o escopo temático mediante o reconhecimento de doenças que encontram respaldo científico consolidado para serem consideradas mais prevalentes na população negra, em virtude do condicionamento de fatores genéticos com efeitos diretos ou indiretos na saúde desse subgrupo populacional.

Resumo: No artigo se esboça um panorama atual das condições de vida e seu impacto sobre a saúde da população segundo raça/cor, no país e no Estado de São Paulo, utilizando informações procedentes de fontes secundárias.

Palavras-chave: Desigualdades raciais. Saúde. Mortalidade infantil. Mortalidade materna.

Abstract: The article discusses an actual situation of living conditions and their impact on health of the population according race in the country and in the State of Sao Paulo, using information from secondary sources.

Key words: Racial inequalities. Health. Infant Mortality. Maternal Mortality.

O recOrte racial nO estudO das desigualdades em saúde

EstEla M. García dE Pinto da cunha

Page 77: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

80 ESTEla M. GaRcía DE PINTo Da cuNHa

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 79-91, jan./jun. 2008

Em que pese o acúmulo de conhecimentos so-bre a saúde segundo raça/cor, acredita-se que exis-tem ainda grandes desafios a serem encarados na produção de conhecimento sobre esse tema. Nesse sentido, considera-se importante que novos estudos foquem suas atenções no aprofundamento e atuali-zação dos condicionantes do processo saúde–doen-ça–morte, considerando as ocorrências, condições, agravos e dificuldades de acesso aos serviços de saú-de. Ainda com a finalidade de fornecer subsídios na luta pela eqüidade em saúde, também deveriam ser enfatizados aspectos sobre cuidados e tratamentos de doenças fortemente afetados pelas condições so-cioeconômicas desfavoráveis de determinados gru-pos populacionais.

Neste contexto, o presente artigo pretende contri-buir para este debate, esboçando um panorama atual das condições de vida e seu impacto sobre a saúde da população segundo raça/cor, no país e, especifica-mente, no Estado de São Paulo, a partir de informa-ções procedentes de fontes secundárias.

Constatações das desigualdades raCiais no país

O Brasil abriga a segunda maior população negra do mundo, concentrando atualmente quase 50% da sua população autoclassificada como afro-descendente (pardos ou pretos), em virtude do processo históri-co da escravatura iniciado a partir do século XVI. A construção social da desigualdade de oportunidades entre brancos e negros condicionou e condiciona a forma de viver destes grupos, fazendo-se evidente nas disparidades das condições de vida.

A bibliografia existente permite saber que, em geral, os mapas de pobreza se superpõem com os da distribuição por etnia. Isso significa que, no Brasil, os negros ocupam as posições menos qua-lificadas e pior remuneradas no mercado de tra-balho, apresentam níveis mais baixos de instrução, residem em áreas que ofertam menos serviços de infra-estrutura básica e, finalmente, sofrem maio-res restrições no acesso a serviços de saúde, que, quando prestados, são de pior qualidade e menor resolutividade relativa.

Na Tabela 1 apresenta-se uma síntese de indica-dores socioeconômicos que corroboraram o quadro de desigualdade racial existente no país: enquanto 26% da população declarada como branca pode ser considerada pobre, para os negros essa porcentagem se duplica, o mesmo ocorrendo com taxa de analfa-betismo da população maior de 15 anos e os níveis de renda domiciliar per capita. Outro fato que deve ser destacado refere-se à evidência de dois níveis de discriminação atuando de forma conjunta: a educa-cional e a racial. Informações empíricas revelam que mesmo nos casos em que os negros apresentam esco-laridade idêntica à dos brancos, em nenhuma circuns-tância eles obtêm níveis de renda similares, ficando sempre abaixo dos valores percebidos pela população branca.

Outra maneira de demonstrar essa grande dife-renciação entre negros e brancos está na utilização dos valores do Índice de Desenvolvimento Huma-no – calculado a partir de três indicadores: educação, esperança de vida e renda – alcançados por ambos os subgrupos populacionais. Como se percebe, este índice médio situa a população negra, num ranking organizado das melhores às piores condições de vida, numa posição 111 inferior à da população branca.

Por entender que a saúde da população está forte-mente condicionada pelas dimensões socioeconômi-ca, cultural e política, pode-se concluir que este pa-norama desfavorável em que vive a população negra brasileira provocará impactos na forma e intensidade do processo saúde-doença e morte.

Os resultados da Tabela 2 mostram a baixa pro-porção de mães negras que, comparativamente às brancas, tiveram pelo menos uma consulta pré-natal durante a gravidez. Se é fato que a série histórica de 2000 até 2004 mostra uma tendência de melhoria da atenção ao pré-natal das mulheres negras, também é verdade que essas mulheres chegam ao momento do parto com uma desvantagem crucial, elevando os ris-cos de vida delas e de seus filhos.

Já o Gráfico 1 revela que, entre as mulheres que cumpriram o mínimo de consultas médicas reco-mendadas pela OMS, há diferença da ordem de 40% a favor das brancas. Esse resultado, que expressa a dificuldade de acesso a serviços de saúde, poderia

Page 78: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

o REcoRTE RacIal No ESTuDo DaS DESIGualDaDES EM SaúDE 81

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 79-91, jan./jun. 2008

Tabela 1

Características socioeconômicas da população, segundo raça/Cor Brasil – 2000-2005

Indicadores Ano Branca Negra Total

Porcentagem de pobres (1) 2003 26,0 52,2 38,5

Rendimento (em salário mínimo) da população ocupada segundo anos de estudo (1)

até 4 anos de estudo 2003 2,2 1,6

de 5 a 8 anos de estudo 2003 2,5 1,8

de 9 a 11 anos de estudo 2003 3,4 2,8

de 12 ou mais anos de estudo 2003 9,2 8

Renda média domiciliar per capita (R$ de 2002) (1) 2003 425,6 187,8 309,3

Taxa de desemprego aos 25 anos ou mais (%) (2) 2001 5,6 7,5 6,4

População ocupada de 16 anos e mais com carteira de trabalho 2001 34,5 26,4 30,9

Porcentagem de renda dos 10% mais pobres (3) 2003 32,2 67,8

Porcentagem de renda do 1% mais rico com relação ao total de pessoas (3) 2003 86,8 13,2

Índice de Desenvolvimento Humano (4) 2000 0,8 0,7 0,8

Renda 2000 0,8 0,6 0,7

Esperança de vida 2000 0,8 0,7 0,7

Educação 2000 0,9 0,8 0,8

Taxa de analfabetismo da população de 15 anos ou mais (%) (5) 2005 7,0 15,0 11,1

Média de anos de estudo da população de 15 anos ou mais (5) 2005 7,9 6,1 7,0

Fonte: Tabulações Especiais Nepo/Unicamp.(1) Atlas Racial Brasileiro 2005, PNUD/Cedeplar. PNAD 2003.(2) IPEA. Desigualdade racial:Indicadores socieconômicos – Brasil 1991-2001.(3) IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2003.(4) IPEADATA, 2000 – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).(5) IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2005.

Tabela 2

proporção de nascimentos, com pelo Menos uma Consulta pré-natal, segundo raça/Cor

Brasil – 2000-2004

Em porcentagem

Raça/Cor 2000 2001 2002 2003 2004

Branca 59,4 58,1 57,5 56,9 57,6

Negra 28,1 29,0 28,9 30,5 30,7

Fonte: Datasus/MS/Sinasc 2000-2004.Tabulações Especiais Nepo/Unicamp.

explicar, em parte, os diferenciais encontrados nos níveis de mortalidade infantil e materna devido à au-sência de prevenção para riscos absolutamente evitá-veis a partir de um diagnóstico precoce.

Estimativas da esperança de vida ao nascer de-rivadas de informações do Censo 2000, diferencia-das segundo raça/cor, mostram que a população branca alcançou, em média, 72 anos, enquanto os negros atingiram 65 anos. É preciso destacar que a diferença na sobrevivência entre raças manteve-se praticamente constante desde a década de 1940, apesar dos ganhos obtidos pela queda dos níveis da mortalidade geral.

Page 79: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

82 ESTEla M. GaRcía DE PINTo Da cuNHa

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 79-91, jan./jun. 2008

Gráfico 1proporção de nascidos Vivos, por raça/Cor, segundo

número de Consultas de pré-natalBrasil – 2003

Fonte: Datasus/MS/Sinasc 2003. Elaboração Nepo/Unicamp.

Considerados a partir de uma série histórica, os dados dos últimos Censos Demográficos indicam uma melhora substancial nos níveis de esperança de vida ao nascer, muito embora, novamente nes-se caso, o quadro dos diferenciais raciais tenha se mantido através do tempo: em 1950, a diferença da expectativa de vida entre brancos e negros era de 7,4 anos, diminuindo para 5,3 segundo as informa-ções do Censo de 2000. Tal resultado leva a concluir que, embora os dois grupos tenham aumentado sua expectativa de vida, isso não foi suficiente para erra-dicar as diferenças raciais entre os brasileiros.

A análise dos dados segundo o sexo da mostra que, mesmo considerando que as mulheres apre-sentaram um nível maior de esperança de vida – como era de se esperar pelo comportamento mun-dial –, ao incluir a variável raça/cor os diferenciais raciais ainda se mantêm: as mulheres brancas al-cançavam, segundo o Censo 2000, uma esperança de vida ao nascer de 73,8 anos, enquanto as negras esperavam viver, em média, 4,3 anos a menos. Ou-tro fato importante a ressaltar é que as mulheres negras assumem um valor próximo ao dos homens brancos (68,2 anos), o que estaria quase alterando o comportamento histórico de maior esperança de vida feminina.

Informações censitárias atualizadas permitem o cálculo dos níveis de mortalidade infantil e na in-fância (primeiros cinco anos de vida) ao longo do tempo, segundo a declaração de raça/cor da mãe (Gráficos 3 e 4). As análises das tendências com-provam uma melhoria constante nos indicadores da mortalidade de menores de um ano devido à ação de fatores demográficos, econômicos e sociais, res-saltando-se, entre estes, diminuição da fecundidade, e com o conseqüente aumento do período interge-nésico, ampliação da cobertura de imunização, uso de terapia de reidratação oral, políticas de incentivo à amamentação, expansão da cobertura de serviços de infra-estrutura básica, melhoria no acesso da po-pulação aos serviços básicos de saúde, etc.

Contudo, mesmo diminuindo sistematicamente os níveis de mortalidade infantil e na infância, tanto para a população branca como para a negra, verifi-cam-se desigualdades raciais expressivas, entre 1991

Gráfico 2esperança de Vida ao nascer,

segundo sexo e raça/CorBrasil – 1980-2000

Fonte: PNUD/Cedeplar. Atlas Racial Brasileiro 2005.

Negra Branca0,0

10,0

20,0

30,0

40,0

50,0

60,0

70,0

Nenhumaconsulta 5,0 1,6

7 e mais 37,1 62,5

%

73,8071,80

69,52

65,62

58,71

68,24

64,36

56,9858,15

63,27

50

55

60

65

70

75

1980 1991 2000

Em anos

Homens BrancosHomens Negros

Mulheres BrancasMulheres Negras

63,43

60,58

Page 80: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

o REcoRTE RacIal No ESTuDo DaS DESIGualDaDES EM SaúDE 83

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 79-91, jan./jun. 2008

Gráfico 3taxas de Mortalidade infantil, segundo raça/Cor

Brasil – 1991-2000

Fonte: PNUD/Cedeplar. Atlas Racial Brasileiro 2005. Elaboração Nepo/Unicamp.

e 2000. Esses resultados sugerem que os filhos de mães negras continuam a sofrer desvantagem com-parativa no que se refere à exposição de adoecer e de morrer.

Para concluir este breve resumo da saúde da po-pulação brasileira segundo raça/cor, remete-se ao co-nhecimento de que a mortalidade materna reflete um conjunto de fatores, como a qualidade da assistência prestada durante a vida reprodutiva dos cidadãos e a assistência à saúde da mulher especificamente. Logo, os níveis elevados das taxas de mortalidade mater-na poderiam ser atribuídos ao grande número de gravidezes que apresentam quadros de morbidade específicos, às dificuldades de acesso e uso de ser-viços de saúde, e à qualidade da assistência prestada às mulheres durante o período do pré-natal, parto e puerpério.

Mesmo tendo ocorrido uma melhora histórica na coleta dos dados, não se conhece, da mesma forma que na maioria dos países subdesenvolvidos, o real ta-manho do problema e a quem afeta majoritariamente, devido às deficiências quantitativas (baixa cobertura) e qualitativas (erros de preenchimento das variáveis nos atestados de óbitos) das informações sobre as mortes maternas.

Em que pese o fato de reconhecer a possível subestimação no cálculo das taxas de mortalida-de materna, as estimativas diretas para 2000 e 2004 (Gráfico 5) confirmam a estabilidade do nível nesse período, além da sobremortalidade de 35% das mu-lheres negras quando comparadas às brancas. Estas constatações alertam para a necessidade de serem criadas estratégias de redução não somente da taxa de mortalidade materna – 90% das quais consideradas passíveis de serem evitadas –, mas também do dife-rencial já apontado, contemplando especificidades raciais, além das condições socioeconômicas. A rigor deveriam ser analisadas as doenças que afetam com maior prevalência uma ou outra subpopulação, como, por exemplo, hipertensão específica da gravidez, in-fecções, aborto, acidente cerebral vascular, diabetes, enfermidades renais, etc., que se destacam como as principais causas de morte das mulheres em idade reprodutiva pelas complicações da gravidez, parto e puerpério.

Gráfico 4taxas de Mortalidade na infância, segundo raça/Cor

Brasil – 1991-2000

Fonte: PNUD/Cedeplar. Atlas Racial Brasileiro 2005. Elaboração Nepo/Unicamp.

1991 20000

20

40

60

80

100

Brancos

Por 1.000 nascidos vivos

Negros Total

1991 20000

20

40

60

80

100Por 1.000 nascidos vivos

Brancos Negros Total

Page 81: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

84 ESTEla M. GaRcía DE PINTo Da cuNHa

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 79-91, jan./jun. 2008

Os Gráficos 6 e 7 revelam outro aspeto importan-te dos diferenciais raciais em saúde: a proporção de óbitos gerais e a taxa de mortalidade infantil sem as-sistência médica, para 2004 e 2005, são significativa-mente superiores para os negros, com o agravante de ter chegado ao óbito sem ter tido assistência médica, o que poderia estar revelando a desigualdade racial no acesso e uso dos serviços de saúde.

Gráfico 7taxa de Mortalidade infantil

sem assistência MédicaBrasil – 2004-2005

Fonte: Datasus/MS/SIM. Elaboração Nepo/Unicamp.

Gráfico 6Óbitos sem assistência Médica

Brasil – 2004-2005

Fonte: Datasus/MS/SIM. Elaboração Nepo/Unicamp.

Gráfico 5taxas de Mortalidade Materna, segundo raça/Cor

Brasil – 1996-2004

Fonte: Datasus/MS/SIM. Elaboração Nepo/Unicamp.

o Caso do estado de são paulo

Segundo maior PIB per capita, maior mercado consu-midor e um dos maiores pólos econômicos e indus-triais da América do Sul, São Paulo é o Estado mais rico e desenvolvido do Brasil. É responsável por mais de 33,9% do PIB nacional, figura entre os Estados com alto IDH, possui economia altamende diversi-ficada, com acesso praticamente universalizado da população a serviços de infra-estrutura básica e regis-tra uma taxa relativamente baixa de analfabetismo na população de 15 anos ou mais.

Não obstante esta caracterização altamente favo-rável, é paradoxal que existam no Estado grandes di-ferenças regionais, sociais e raciais nas condições de vida da população residente.

Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD 2006, mais de 12 milhões de pessoas no Estado de São Paulo se autodeclararam negras, o que representa 31% da população estadual e o maior volume populacional desta raça/cor com-parativamente aos demais estados.

A síntese de indicadores relativos às condições de vida da população, segundo raça/cor, sistematizados

2004 20050,0

2,0

4,0

6,0

8,0

2,2

1,5

5,7

3,5

%

B ranca Negra

2004 20050,0

0,2

0,4

0,6

0,8

1,0

0,4

0,2

0,9

0,5

B ranca

Por 1.000 nascidos vivos

Negra

1996 2000 20040

20

40

60

80

100

120

140

105,8

41,5 43,9

29,1

60,166,8

Por 100.000 nascidos vivos

Branca Negra

Page 82: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

o REcoRTE RacIal No ESTuDo DaS DESIGualDaDES EM SaúDE 85

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 79-91, jan./jun. 2008

na Tabela 3, permite concluir que a população clas-sificada como negra vivencia uma situação altamente desvantajosa com relação à branca no que se refere às condições socioeconômicas.

Assim, a proporção de população pobre entre os negros é 46% maior do que no caso dos brancos. Além disso, os negros recebem os menores rendi-mentos independente dos anos de estudo alcançados, ganham metade da renda média mensal comparativa-mente com os brancos, e apresentam as maiores ta-xas de desemprego – quase o dobro dos brancos. Por último, a taxa de analfabetismo da população negra com mais de 15 anos é 38% maior e a média de anos

de estudos é cerca de um ano e meio menor do que a média registrada pelos brancos.

Um último comentário sobre as condições de vida da população paulista, segundo raça/cor, refere-se ao valor do IDH, que, mesmo em patamares superiores à média nacional, evidencia que os negros alcançam um valor inferior ao dos brancos. O que cabe indagar, portanto, é se as características salientadas repercu-tem negativamente nas condições de saúde da popu-lação negra residente em São Paulo.

Antes de fazer referência ao comportamento de alguns indicadores de saúde segundo raça/cor, é preciso salientar que a cobertura deste quesito entre

Tabela 3

Características socioeconômicas da população, segundo raça/Cor estado de são paulo – 2000-2006

Indicadores Ano Branca Negra Total

Porcentagem de pobres (1) 2003 19,3 35,9 24,0

Rendimento (em salário mínimo) da população ocupada segundo anos de estudo (1)

até 4 anos de estudo 2003 2,7 2,3

de 5 a 8 anos de estudo 2003 2,9 2,4

de 9 a 11 anos de estudo 2003 3,7 3,5

de 12 ou mais anos de estudo 2003 9,9 10,2

Renda média domiciliar per capita (R$ de 2002) (1) 2003 503,4 244,5 427,7

Taxa de desemprego aos 25 anos ou mais (%) (2) 2001 6,8 11,6 8,0

Índice de Desenvolvimento Humano (3) 2000 0,8 0,8 0,8

Renda 2000 0,8 0,7 0,8

Esperança de vida 2000 0,8 0,7 0,8

Educação 2000 0,9 0,9 0,9

Taxa de analfabetismo da população de 15 anos ou mais (%) (4) 2006 4,3 6,9 5,0

Média de anos de estudo da população de 15 anos ou mais (4) 2006 8,6 7,1 8,2

Fonte: Tabulações Especiais Nepo/Unicamp.(1) Atlas Racial Brasileiro 2005, PNUD/Cedeplar. PNAD 2003.(2) IPEA. Desigualdade racial:Indicadores socieconômicos – Brasil 1991-2001.(3) IPEADATA, 2000 – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). (4) IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2006.

Page 83: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

86 ESTEla M. GaRcía DE PINTo Da cuNHa

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 79-91, jan./jun. 2008

Gráfico 8Óbitos sem declaração de raça/Cor

Brasil e estado de são paulo – 1996-2005

Fonte: Datasus/MS/SIM. Elaboração Nepo/Unicamp.

1996 – ano em que foi incorporado nos documen-tos de coleta das estatísticas vitais – e 2005 apresenta uma tendência constante de aumento, tanto para o país como no Estado. As porcentagens de eventos sem declaração de raça/cor foram superiores para o Estado até 1998, ano em que se reverte a posição com relação ao país, chegando a representar, em 2005, apenas 1% do total de óbitos, enquanto no país ainda esse índice era da ordem de 8,5%.

O mesmo desempenho verifica-se na tendência dos nascimentos registrados, ou seja, um declínio constante das proporções sem declaração de raça/cor. Porém, é interessante destacar a reversão de po-sição entre o Estado e o país, a partir de 1999 situa-ção que perdura até o fim do período considerado. Embora São Paulo tenha apresentado, no início da inclusão do quesito raça/cor, proporções inferiores de nascimentos sem esse registro quando comparado com o país, a partir desse ano a média nacional se mantém com menor subnotificação do que a esta-

dual, apontando uma melhora comparativa na cober-tura deste quesito.

Em outros termos, melhoria nos registros de raça/cor tanto nas declarações de óbito como nas de nasci-mento possibilitou a realização de análises focadas no recorte étnico/racial de forma muito mais consisten-te, propiciando um avanço na procura por evidências dos diferenciais. Tal melhoria permite uma visão mais realista da situação de saúde da população segundo a raça/cor e, no caso de São Paulo, como será visto a seguir, corrobora mais uma vez as assimetrias raciais encontradas nos indicadores de saúde.

Como explicitado no caso do país, porém em pa-tamares mais altos, a porcentagem de mães negras re-sidentes em São Paulo que chegam ao momento do nascimento dos filhos tendo completado pelo menos o número mínimo recomendado de consultas no pré-natal é 15% inferior à das brancas. Este diferencial po-deria explicar em parte – além, é claro, de outros fatores como estado nutricional da mãe, fatores congênitos da

1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

Brasil

%

Estado de São Paulo

Page 84: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

o REcoRTE RacIal No ESTuDo DaS DESIGualDaDES EM SaúDE 87

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 79-91, jan./jun. 2008

Gráfico 10proporção de Mães com assistência pré-natal,

por raça/Corestado de são paulo – 2004

Fonte: Fundação Seade. Elaboração Nepo/Unicamp.

Gráfico 11proporção de nascidos Vivos de Baixo peso

ao nascer, por raça/Corestado de são paulo – 2004

Fonte: Fundação Seade. Elaboração Nepo/Unicamp.

Gráfico 9nascimentos sem declaração de raça/CorBrasil e estado de são paulo – 1996-2005

Fonte: Datasus/MS/SIM. Elaboração Nepo/Unicamp.

1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 20050

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

Brasil

%

Estado de São Paulo

Branca

%

Negra Total

0,0

20,0

40,0

60,0

80,0

100,0

75,5

61,3

72,6

Branca Negra Total

8,0

8,5

9,0

9,5

10,0

10,5%

8,7

10,0

9,1

Page 85: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

88 ESTEla M. GaRcía DE PINTo Da cuNHa

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 79-91, jan./jun. 2008

Gráfico 12esperança de Vida ao nascer,

segundo sexo e raça/Corestado de são paulo – 1980-2000

Fonte: PNUD/Cedeplar. Atlas Racial Brasileiro 2005. Elaboração Nepo/Unicamp.

Gráfico 13taxas de Mortalidade infantil,

segundo raça/Corestado de são paulo – 1991-2000

Fonte: PNUD/Cedeplar. Atlas Racial Brasileiro 2005. Elaboração Nepo/Unicamp.

criança, atendimento ao parto, etc. – a assimetria racial na proporção de nascidos vivos com baixo peso.

Os dados oficiais constatam também que mudan-ças importantes aconteceram no comportamento da esperança de vida ao nascer da população paulista, com uma tendência de aumento constante entre 1980 e 2000. Porém, apesar dos ganhos obtidos neste pe-ríodo, fica evidente a persistência dos diferenciais en-tre a população branca e a negra tanto para homens como para mulheres, sendo sempre menor para a po-pulação negra.

De qualquer maneira, deve-se ressaltar que esses diferenciais reduziram-se ao longo do tempo: se no início do período a média de sobrevida da população branca era cinco anos maior do que a dos negros, essa diferença se reduz para aproximadamente três anos no final do período.

Ao se analisarem as estimativas indiretas da morta-lidade das crianças nos primeiros anos de vida, nota-

se uma redução significativa nos níveis entre os dois últimos censos demográficos, tanto para os menores de um ano como para os menores de cinco anos de idade.

Apesar de se manterem os diferenciais raciais nos dois pontos do tempo, registra-se uma pequena redução (menos de 10%) em ambas estimativas de mortalidade. Se a disparidade no nível da mortalidade infantil entre brancos e negros, em 1991, era de 28%, já em 2000 diminuiu para 20%. No caso da mortali-dade dos menores de cinco anos, essa diferença era de 36% e 29%, respectivamente, nos dois anos. Esse movimento positivo revela uma diminuição dos dife-renciais raciais, muito embora com uma intensidade menor do que a necessária para promover a eqüidade na saúde da população.

Por último um comentário sucinto sobre os dife-renciais raciais na mortalidade das mulheres paulistas por causas relacionadas à gravidez, ao parto ou ao

Homens BrancosHomens Negros

Mulheres BrancasMulheres Negras

61,89

65,76

69,11

55,04

60,76

65,31

68,00

74,95 75,64

73,26

62,09

70,56

50

55

60

65

70

75

80

1980 1991 2000

Em anos

1991 2000

0

10

20

30

40

50

Brancos

Por 1.000 nascidos vivos

Negros Total

Page 86: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

o REcoRTE RacIal No ESTuDo DaS DESIGualDaDES EM SaúDE 89

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 79-91, jan./jun. 2008

Gráfico 14taxa de Mortalidade na infância, segundo raça/Cor

estado de são paulo – 1991-2000

Fonte: PNUD/Cedeplar. Atlas Racial Brasileiro 2005. Elaboração Nepo/Unicamp.

puerpério. Os dados revelam novamente a sobremor-talidade das mulheres negras quando comparadas às brancas, chegando a representar 40% em 2000. Mes-mo tendo que tomar cautela nas análises deste even-to demográfico, devido à possível subestimação das estimativas obtidas a partir das estatísticas oficiais, chama a atenção o aumento do nível de mortalidade materna entre as mulheres negras e a diminuição da taxa para as brancas, no período 2000-2005. Este de-sempenho das taxas de mortalidade materna provo-cou um aumento substancial das assimetrias raciais, passando a diferença entre as taxas observadas para 60% em 2005.

O apanhado de informações apresentados até aqui permite, portanto, evidenciar as diferenças de raça/cor presentes nas distintas formas de adoecer e mor-rer da população brasileira e da paulista, mostrando uma posição altamente desvantajosa ocupada pelo segmento dos negros, em todos os indicadores con-siderados.

ConClusões

No sucinto conjunto de comentários apresentado neste artigo, aponta-se que as assimetrias de raça/cor ficam evidentes na evolução e comportamento dos indicadores de saúde. Dessa forma, pretende-se dar uma pequena contribuição para o debate da polêmica questão sobre diferenciais raciais em saúde, oferecen-do algumas evidências empíricas que possam servir de insumos para a busca da eqüidade.

Com a divulgação desses resultados, espera-se, também, sensibilizar planejadores e gestores de saúde sobre a importância de compreender a singularidade do recorte étnico/racial na saúde, o que permitiria nortear medidas práticas dirigidas especificamente à população negra, assim como ações voltadas para a promoção da igualdade de oportunidades a todos os(as) cidadãos(ãs).

O combate e a erradicação das desigualdades convertem-se num grande desafio para as políticas públicas, especialmente quando a origem destas de-sigualdades está não apenas pelas diferenças sociais, mas também por uma discriminação racial. É neces-sário que elas apontem uma reformulação de práticas

Gráfico 15taxa de Mortalidade Materna, segundo raça/Cor

estado de são paulo – 2000-2005

Fonte: Datasus/MS/SIM. Elaboração Nepo/Unicamp.

2000 20050

20

40

60

80

100

43,3

32,0

71,5

78,5

Branca

Por 100.000 nascidos vivos

Negra

1991 20000

10

20

30

40

50Por 1.000 nascidos vivos

Brancos Negros Total

Page 87: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

90 ESTEla M. GaRcía DE PINTo Da cuNHa

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 79-91, jan./jun. 2008

referências Bibliográficas

BRASIL. Ministério da Saúde. Manual de doenças mais importantes, por razões étnicas, na população brasileira afro-descendente. Brasília, DF: 2000.

CARVALHO, J.A.; WOOD, C.H. A demografia da desigualdade no Brasil. Rio de Janeiro: Ipea, 1994.

CUNHA, E.M.G.P. Panorama actual de las condiciones socioe-conómicas y demográficas de la población negra brasileña y sus consecuencias en la salud. In: JORNADAS AEPA, 9., Córdoba, 2007. Anais... Córdoba, 2007.

______. Evidências de desigualdades raciais na mortalidade infantil. Boletim Epidemiológico Paulista – Bepa, São Paulo, v. 3, p. 58-62, 2006. On-line.

______. Mortalidade infantil por raça e cor. In: BATISTA, L.E.; KALCKMANN, S. Seminário Saúde da População Negra

Estado de São Paulo 2004. São Paulo: Instituto de Saúde, 2005. p. 103-116.

______. Crianças paulistas: diferenças raciais ao nascer e ao morrer. In: ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS, 13., 2002, Ouro Preto. Anais… Belo Horizonte: Abep, 2002. CD-ROM.

______. Infant mortality and race: the differences of inequality. In: HOGAN, D.J. (Org.). Population change in Brazil: contemporary perspectives. Campinas: Population Studies Center (Nepo/Unicamp), 2001. p. 333-336.

______. Condicionantes da mortalidade infantil segundo raça/cor no Estado de São Paulo, 1997-1998. 2001. 180f. Tese (Doutorado em Saúde Coletiva) – Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2001.

______. Raça: aspecto esquecido na iniqüidade em saúde no Brasil? In: BARATA, R.B. et al. (Org.). Eqüidade e saúde: con-tribuições da epidemiologia. Rio de Janeiro: Fiocruz/Abrasco, 1997. p. 219-234. (Série Epidemiológica, n. 1).

nota

Neste artigo utiliza-se a variável raça/cor caracterizando a população em branca e negra (somatória da população preta e parda segundo classificação oficial do IBGE), acompanhan-do a convenção empregada nos estudos referentes à proble-mática racial.

enraizadas na sociedade brasileira, que contemplem as necessidades específicas, promovendo o direito à igualdade de parcelas de população que se inserem de forma excludente no país.

A compilação de informações aqui apresentada aponta para o fato de que a questão racial é um fator altamente condicionante para os estados de saúde, sendo que os negros sistematicamente encontram-se em posição muito desvantajosa. Mesmo reconhecen-do que a raça/cor não é por si só um fator de risco, deve-se considerar que a inserção social adversa do negro sem dúvida constitui um agravante de sua vul-nerabilidade diante das condições de saúde.

Constatou-se que as desvantagens observadas nas condições de vida da população negra extra-polam os indicadores socioeconômicos e se esten-

dem para o acesso aos serviços de saúde e para os indicadores de mortalidade. Pode-se dizer que a população negra brasileira sofre um acúmulo de desigualdades socioeconômicas e raciais, que limi-tam não somente o seu nível de bem-estar, mas também o das futuras gerações. Na verdade, as comprovações empíricas indicam um fato incon-testável: a maior vulnerabilidade dos negros com relação à sobrevivência quando comparados à situa ção dos brancos.

Em resumo, acredita-se que, com respaldo cien-tífico consistente que aporte evidências empíricas, o recorte étnico/racial deveria consolidar-se como uma dimensão central, da mesma forma que a clas-se social e gênero, na produção, disseminação de informações e análises dos diferenciais em saúde.

Page 88: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

o REcoRTE RacIal No ESTuDo DaS DESIGualDaDES EM SaúDE 91

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 79-91, jan./jun. 2008

EstEla M. García dE Pinto da cunha

Socióloga, Mestre em Demografia, Doutora em Saúde Coletiva, Pós-doutora no Population Research Center, Universidade do Texas e Pesquisadora do Núcleo de Estudos de População da Unicamp.

Artigo recebido em 14 de agosto de 2008. Aprovado em 15 de outubro de 2008.

Como citar o artigo:CUNHA, E.M.G.P. O recorte racial no estudo das desigualdades em saúde. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v. 22, n. 1, p. 79-91, jan./jun. 2008. Disponível em: <http://www.seade.gov.br>; <http://www.scielo.br>.

DIEESE. Boletim Dieese, São Paulo, nov. 2000. Edição especial.

IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira, 2007. Estudos e Pesquisas Informação Demográfica e Socioeconômica, Rio de Janeiro, n. 21, 2007.

______. PNAD 2006: microdados. Rio de Janeiro: 2006.

IPEA – INSTITUTO DE PESQUISAS ECONÔMICAS APLICADAS. Desigualdades raciais no Brasil. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/pub>. Acesso em: 28 ago. 2001.

______. O perfil da discriminação no mercado de trabalho: um recorte de raça e gênero. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/pub>. Acesso em: 28 ago. 2001.

PAIXÃO, M. Brasil 2000: novos marcos para as relações sociais. Rio de Janeiro: Fase, 2000. Meio magnético.

______. Desenvolvimento humano e as desigualdades étnicas no Brasil: um retrato de final de século. Proposta, Rio de Janeiro, n. 86, set./nov. 2000.

PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESEN-VOLVIMENTO – PNUD/CEDEPLAR. Atlas racial brasileiro 2005. Disponível em: <http://www.pnud.org.br/publicacoes/atlas_racial/index.php>. Acesso em: 3 ago. 2007.

SANT’ ANNA, W. Desigualdades étnico/raciais e de gênero no Brasil: as revelações possíveis dos índices de desenvolvimento humano e índice de desenvolvimento ajustado ao gênero. Rio de Janeiro, out. 2000. Mimeografado.

Page 89: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 92-106, jan./jun. 2008

D esde que o Sistema Único de Saúde – SUS foi ins-tituído no Brasil, por meio da Constituição Federal de 1988, a estratégia privilegiada para a implantação do sistema foi a da descentralização, notadamente a responsabilização dos municípios pela provisão dos serviços e organização de sistemas municipais de saúde. Somente mais recentemente é que a estratégia da regionalização apareceu com força nos documentos oficiais e teve início um processo mais efetivo de criação de instrumentos propícios à criação de regiões de saúde e de pactos intergovernamentais, visando o estabelecimento de relações mais cooperativas e solidárias para responder às demandas crescentes dos cidadãos por serviços de saúde mais resolutivos e de melhor qualidade.

Um conjunto de leis e portarias foi instituído para determinar as regras e os mecanismos desse processo em todo o território nacional, com destaque para: Constituição Federal de 1988; Leis Orgânicas da Saúde n. 8.080 e n. 8.142 de 1990; Normas Operacionais Básicas de 1993 e de 1996; Norma Operacional de Assistência à Saúde (01/2001 e 01/2002) e Pacto pela Saúde de 2006.

Resumo: A regionalização constitui um dos pressupostos da atual fase de descentralização do Sistema Único de Saúde – SUS e um importante processo para diminuir as grandes desigualdades no território brasileiro. Apesar de avanços relevantes, o artigo identifica como uma nova perspectiva para a regionalização da

saúde se mostra necessária para que um projeto nacional mais efetivo e coerente com as diversidades dos lugares se conforme no Brasil.

Palavras-chave: Regionalização. Política de saúde. Descentralização.

Abstract: The regionalization is one of the premises for the current phase of decentralizing the Unified Health System – SUS and an important process to reduce the significant inequalities in Brazil. Despite advances relevant, this article identifies how a new perspective regarding the regionalization of health care is needed in

order to establish a national project which is more effective and coherent with regional diversity in Brazil.

Key words: Regionalization. Health Policy. Decentralization.

NOVAS PERSPECTIVAS PARA A REGIONALIZAÇÃO DA SAÚDE

AnA LuizA d’ÁviLA viAnA

neLson ibAñez

PAuLo eduArdo MAngeon eLiAs

LuciAnA diAs de LiMA

MAriAnA vercesi de ALbuquerque

FAbíoLA LAnA iozzi

Page 90: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

NOVAS PERSPECTIVAS PARA A REGIONALIZAÇÃO DA SAÚDE 93

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 92-106, jan./jun. 2008

O privilégio da estratégia de descentralização se explica pelo próprio momento de constituição do SUS, quando a descentralização de recursos, com-petências e responsabilidades para as esferas subna-cionais foi identificada, no discurso contra o regime militar e o autoritarismo, com a ampliação da demo-cracia e maior eficiência governamental (ALMEIDA, 2007). Aqui, o ideário da descentralização, longe de representar um recurso para o desmantelamento do Estado, ou ser apenas peça da reforma do Estado na perspectiva liberal, teve o significado de unificar o discurso de diferentes atores políticos interessados em ampliar sua participação nas arenas decisórias, principalmente governamentais, e no bolo tributário.

No entanto, a instituição de um sistema nacional de saúde, ou sistema único, não é decorrente do sim-ples processo de descentralização, pois como afirma Viana (1994, p. 18):

O que é relevante, no caso da saúde, não é apenas o processo de descentralização, mas o da tentativa de formação do sistema nacional de saúde, o que impõe mudanças de peso no papel, nas funções e nas competências dos três níveis de governo e produz, simultaneamente, um tipo específico de relacionamento entre as esferas, de forma a ocorrer integração, articulação e regionalização entre os serviços, instituições e níveis de governo. [...] o sistema possui uma materialidade física, pois compõe-se de diferentes tipos de serviços, pertencentes a diferentes insti-tuições, de diferentes níveis de governo em um tipo específico de integração e articulação. O sistema é composto pelas instâncias de governo e seus serviços, organizados de forma integrada e complementar, obedecendo a uma lógica espacial.

Viana assinala, no mesmo trabalho citado, que as características da instância municipal no federalismo brasileiro – de alta autonomia – tornam crescentes as tensões entre o tipo de descentralização pretendido e a idéia de sistema proposta.

Recentemente, Wagner (2006) ressaltou essa con-tradição, observando que a lógica da descentralização tem sentido contrário à lógica de sistema. Segundo o autor, a descentralização tende a produzir uma auto-nomia para os entes federados,

rompendo no limite o tênue liame que os mantém unidos em uma rede de compromissos, responsabilidades e obediência

hierárquica. O conceito de sistema, ao contrário, pressupõe a lógica de rede, de ligação entre os pólos, de funcionamento har-mônico das distintas partes em função de objetivos sistêmicos, em geral considerados gerais ou coletivos, ou seja, de interesse público (WAGNER, 2006, p. 426).

Em contrapartida, trabalhos recentes alertam que nos quase 20 anos que se seguiram à promulgação da Carta de 1998, as estruturas estatais e as relações intergovernamentais que se conformaram na demo-cracia não seguiram exatamente os ideais descentrali-zadores que inspiraram os constituintes.

O processo crescente de centralização financeira do Estado, ao lado do exercício continuado de re-gulação fiscal sobre os entes federativos, e um papel decisivo na formulação de políticas produziram uma combinação de centralização estatal federal com po-líticas setoriais descentralizadoras, que no caso da saúde estiveram sempre na dependência da indução federal. Cabe lembrar que a capacidade normativa do governo federal se afirmou sobre as esferas subna-cionais no processo de ajuste fiscal e renegociação das dívidas dos Estados e mais fortemente quando da instituição da Lei de Responsabilidade Fiscal, o que produziu um enfraquecimento da esfera estadual, com repercussões sobre a capacidade dos Estados de formular políticas públicas de natureza mais autôno-ma e de recorte supramunicipal.

Por isso mesmo, é no bojo ainda do governo fe-deral que emerge um novo ciclo de políticas visando à regionalização. Essa nova política tem início na dé-cada de 2000, com a edição de novas normas pelo Ministério da Saúde, e se fortalece em 2006, com o lançamento do Pacto da Saúde, que elegeu a regiona-lização um dos seus pilares fundamentais.

Apesar de a regionalização estar prevista na Cons-tituição Federal de 1988 e nas leis e portarias citadas anteriormente, como mecanismo de descentraliza-ção, integralidade e hierarquização da saúde, é apenas com a instituição da Noas que a regionalização passa a ganhar significado e peso dentro do sistema. Nesse primeiro momento, a regionalização, proposta tecni-camente pelo Ministério da Saúde, é uma norma que define, a priori, módulos assistenciais específicos de organização regional do sistema.

Page 91: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

94 ANA LUIZA D’Á. VIANA/NELSON IBAñEZ/PAULO EDUARDO M. ELIAS/LUCIANA D. DE LIMA/MARIANA V. DE ALBUqUERqUE/FABíOLA L. IOZZI

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 92-106, jan./jun. 2008

Por um lado, a regionalização normativa inau-gurou o debate sobre as regiões de saúde e sobre a necessidade de se pensar o sistema a partir do seu funcionamento no território. Por outro lado, tornou evidente que uma visão estritamente normativa sobre o sistema de saúde é facilmente contestada pelo ter-ritório usado, isto é, pelo território vivo (SANTOS, 1999), pois os pactos pela saúde são travados nos lu-gares, onde de fato se constituem os sistemas locais e regionais de saúde. Essa contradição gerada pela regionalização normativa, por não se vincular aos di-versos conteúdos locais e regionais do território usa-do, tornou insustentável o processo de regionalização da saúde, levando o Ministério da Saúde a questionar as propostas instituídas pela Noas (BRASIL, 2004).

A conformação da regionalização da saúde deve levar em conta a extrema heterogeneidade do terri-tório brasileiro e buscar a complementaridade entre as regiões e seus serviços. Com as rápidas transfor-mações das possibilidades de usos do território e a complexidade da realidade mundial por conta dos processos de globalização, nos dias atuais, faz-se ne-cessária uma revisão mais refinada do significado de regionalização e de suas relações com o processo de descentralização.

Um dos principais desafios, hoje, para o desenvol-vimento e fortalecimento do SUS é, portanto, pensar a regionalização a partir de novos critérios e conteú-dos que dêem conta da realidade do Brasil e que não engessem as políticas, os acordos e compromissos intergovernamentais em um único formato.

Discutir as políticas regionais de saúde e sua con-tribuição para um pacto nacional mais efetivo é o objetivo desse artigo. Nesse sentido, primeiramente apresentam-se as características dos ciclos descen-tralizadores na saúde para depois discutir essa nova fase de regionalização. Busca-se na Geografia uma contribuição para a discussão do atual processo de regionalização dentro da dinâmica territorial brasi-leira, a fim de demonstrar que novos pressupostos para esse processo são importantes para avançar na descentralização e na diminuição das desigualdades presentes no Brasil. Por fim, discute-se como esse processo está ocorrendo no SUS, enfatizando o Es-tado de São Paulo, e apresentam-se algumas con-

siderações a fim de prosseguir o debate sobre esse importante tema.

CICLOS De DeSCeNTRALIZAÇÃO DA POLÍTICA De SAÚDe

Quatro ciclos podem ser identificados no processo de descentralização do SUS, levando-se em conside-ração o perfil de financiamento, o fomento ao forta-lecimento das estruturas subnacionais, o ambiente in-tergovernamental e a conformação de pacto nacional e de políticas regionais.

O primeiro ciclo é nacional e extrapola a área da saúde quando a conjuntura de democratização dos anos 1980 favorece a crítica ao modelo centralizador e autoritário de condução das políticas públicas; a descentralização torna-se, então, bandeira do movi-mento liderado pelos governos estaduais e munici-pais em prol de maior autonomia decisória e financei-ra. Os problemas das cidades médias e o crescimento dos problemas metropolitanos fortalecem a idéia de políticas descentralizadoras e a Constituição Federal de 1988 sela esse novo pacto.

A descentralização é proposta como um meca-nismo de aceleração da redemocratização do país no contexto de um ambiente governamental cooperati-vo, isto é, em que Estados e municípios se unem para elaboração da nova Constituição e organização do poder democrático. Na saúde, esse período é carac-terizado pela difusão dos modelos de territorialidade dos sistemas de saúde (distritos locais de saúde), pela ampliação das transferências intergovernamentais de recursos financeiros e pela universalização gradativa dos serviços oferecidos à população. No entanto, apesar do avanço na descentralização, esse primeiro ciclo não se caracteriza pelo fomento ao fortaleci-mento das estruturas subnacionais, o que agrava as dificuldades de atuação política, sobretudo dos entes municipais, por conta da imensa desigualdade socio-espacial brasileira. Ainda nesse sentido, a Lei Orgânica da Saúde n. 8.080, apesar de reafirmar a necessidade de regionalização como um dos mecanismos de orga-nização, direção e gestão do sistema, não aprofundou seu significado e as formas de efetivá-la. Nesse ciclo não há política regional de fôlego dentro das políticas

Page 92: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

NOVAS PERSPECTIVAS PARA A REGIONALIZAÇÃO DA SAÚDE 95

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 92-106, jan./jun. 2008

de saúde, o que compromete o fortalecimento dos entes municipais na condução do projeto nacional de saúde proposto na Constituição Fe-deral de 1988.

O segundo ciclo se inicia na primeira metade da década de 1990 e caracteriza-se pelas tentativas de fortalecimento da gestão municipal, apoiado pelo maior aporte de recursos para os entes municipais, definido pela Carta de 1988. As iniciativas de política são muito dependentes das estruturas e histórias sa-nitárias locais. Nesse ciclo, o processo de descentrali-zação baseia-se fundamentalmente nas transferências fiscais e setoriais (do SUS) não redistributivas, pois são fortemente dependentes da capacidade de produ-ção e faturamento dos serviços de saúde (pagamento por prestação de serviços e transferência segundo sé-rie histórica de produção e faturamento).

Esse ciclo caracteriza-se, ainda, pelo fomento ao fortalecimento das estruturas subnacionais, a partir do aprendizado institucional incentivado pelas mo-dalidades de habilitação (condições diferenciadas de gestão em saúde) previstas pela Norma Operacio-nal Básica de 1993 (NOB-SUS 01/93). Se, por um lado, essas modalidades trouxeram avanços na des-centralização do poder, com maior autonomia para os municípios, e contribuíram para organização dos sistemas locais de saúde, por outro, não trataram de forma adequada o papel das esferas estaduais na in-dução e fortalecimento da cooperação intermunici-pal. A situação de desigualdade dos municípios para assunção de suas responsabilidades se agrava a partir da entrada do Brasil numa economia globalizada e modernizadora.

No entanto, houve avanços para a pactuação na-cional e para a conformação de um ambiente inter-governamental mais cooperativo com a institucio-nalização das Comissões Intergestores. A Comissão Intergestores Tripartite – CIT, em âmbito nacional, e as Comissões Intergestores Bipartite – CIBs, em âmbito estadual, foram criadas na área da saúde, em face da necessidade de conciliar as características do sistema federativo brasileiro e as diretrizes do SUS.

As CIBs foram instituídas gradativamente nos Es-tados brasileiros, entre os anos de 1993/1994, con-forme deliberação da NOB-SUS 01/93 (BRASIL,

1993), que as estabelecem como “instâncias privile-giadas para negociação e decisão quanto aos aspectos operacionais do SUS”. Segundo relatório do próprio Ministério da Saúde, todos os Estados apresenta-vam, em dezembro de 1994, suas CIBs constituídas e em funcionamento. Essa nova estrutura colegiada, acrescentada à estrutura de gestão do SUS no plano estadual, visava mudar a estratégia política de descen-tralização das ações e serviços de saúde, de forma a fortalecer o papel regulador dos Estados e favorecer a criação de sistemas supramunicipais. Assim, às CIBs foi atribuído o papel de adequar as normas nacionais às condições específicas de cada Estado e propor me-didas reguladoras das relações Estado/municípios e município/município na implementação do SUS.

O terceiro ciclo da descentralização da política de saúde é aquele inaugurado pela Norma Operacional Básica de 1996 (NOB 96), em que se inicia um pro-cesso redistributivo por meio das transferências per capita e por programas como o Piso de Atenção Bá-sica – PAB, fixo e variável, e incentivos para a adoção do Programa Saúde da Família – PSF. Essas novas medidas de financiamento favoreceram as regiões Norte e Nordeste, justamente as mais empobrecidas do país e com grandes dificuldades na condução das políticas de saúde (LIMA, 2007).

Além das mudanças no financiamento e da melho-ria da distribuição dos recursos pelo território, que favoreceu as esferas municipais situadas em regiões mais pobres do país, não foram propostas medidas mais específicas de fomento ao fortalecimento das estruturas subnacionais. Esse terceiro ciclo esgotou-se pela sua incapacidade de alterar o quadro de desi-gualdades regionais e intra-regionais na saúde. Ainda nesse sentido, apesar da construção de um ambiente intergovernamental cooperativo, via Comissões In-tergestores, há certa estagnação dos avanços na des-centralização e regionalização do SUS. Isso se deve à maior complexidade das dinâmicas territoriais nesse período, com a inserção mais efetiva do Brasil na eco-nomia globalizada, o que acarretou maiores desigual-dades socioespaciais no país, gerando novos desafios para a saúde.

Além disso, novos agentes, como os consórcios intermunicipais, provedores e planos privados de

Page 93: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

96 ANA LUIZA D’Á. VIANA/NELSON IBAñEZ/PAULO EDUARDO M. ELIAS/LUCIANA D. DE LIMA/MARIANA V. DE ALBUqUERqUE/FABíOLA L. IOZZI

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 92-106, jan./jun. 2008

saúde, ganharam importância na conformação de sistemas loco-regionais de saúde. Esses agentes, no entanto, não ganharam representação dentro dos am-bientes intergovernamentais, como no caso das Co-missões Intergestores, o que ocasionou uma enorme fragmentação de interesses e situações de saúde no recorte regional, sem iniciativas de regulação.

A partir desse terceiro ciclo, pode-se afirmar que houve um enfraquecimento do pacto nacional a favor do SUS, tendo como agravante os fatos de que as políticas neoliberais incentivaram a competição entre os entes federados, na corrida pela modernização do país; e as políticas tornadas extremamente setoriais não favoreceram uma compreensão integrada da di-nâmica territorial brasileira, em constante e rápida transformação, impedindo o governo federal de atua-lizar sua visão regional do país.

No Brasil, a necessidade da negociação e formação de acordos entre as esferas de governo é pressionada ainda pelas baixas condições institucionais de grande número de municípios e Estados, igualmente respon-sabilizados pela atenção à saúde de seus cidadãos. Destaca-se que as estratégias de descentralização im-plantadas até meados dos anos 2000 mostraram-se frágeis em frente dos agudos conflitos federativos, em um contexto de restrição fiscal e herança de de-sigualdades econômicas e sociais (VIANA; LIMA; OLIVEIRA, 2002).

Além disso, a falta de um planejamento regional das estratégias de descentralização da política de saú-de comprometeu sua adequação às múltiplas realida-des que se apresentam no território brasileiro. Não houve uma diversificação de políticas que melhor re-lacionassem as necessidades de saúde segundo as di-nâmicas territoriais específicas (VIANA et al., 2007).

O quarto ciclo de descentralização se inicia na vi-rada dos anos 2000, com a edição da Norma Opera-cional de Assistência à Saúde – Noas-SUS, nas ver-sões 01/2001 e 01/2002, que enfatizou o processo de regionalização do SUS como estratégia fundamental para ampliação do acesso às ações e aos serviços de saúde, baseada, sobretudo, na distribuição e organi-zação dos serviços no território. Embora a Noas não trouxesse avanços significativos para a adequação regional dos processos de descentralização em cur-

so, ante a excessiva normatividade técnica e rigidez embutidas na proposta de conformação das micror-regiões e regiões de saúde, há um estímulo ao plane-jamento regional no âmbito dos Estados, com a ins-tituição do Plano Diretor de Regionalização – PDR. A este Plano vinculam-se ainda o Plano Diretor de Investimentos – PDI e a Programação Pactuada In-tegrada – PPI.

Em 2006, com o lançamento do Pacto pela Saúde (BRASIL, 2006a), novas diretrizes são preconizadas para a regionalização do sistema de saúde, baseadas em um fortalecimento da pactuação política entre os entes federados, sobretudo no âmbito municipal, e na diversidade econômica, cultural e social das regiões do país para a redefinição das “regiões de saúde”.1

Pode-se presumir que o Pacto pela Saúde inicia um novo ciclo de descentralização do SUS ao pro-curar garantir a função da regionalização de trazer os conteúdos do território para dentro das lógicas de sistema e de descentralização, como forma de pensar e buscar maior coerência e aproximação entre essas duas lógicas.

O SUS é único para todo o território brasileiro, assegurando o direito ao acesso ao sistema de saú-de para toda a população do país, entretanto, não se realiza da mesma forma em todos os lugares, devido às diferentes heranças territoriais e heterogeneidades presentes no Brasil. Nesse sentido, a regionalização, como principal estratégia da descentralização, preci-sa ser, sobretudo, um processo político de lida com a diversidade do próprio SUS e a sua relação com as desigualdades do território brasileiro. Isso torna o processo de regionalização mais complexo do ponto de vista analítico, institucional e político.

UMA OUTRA PeRSPeCTIVA PARA A ReGIONALIZAÇÃO

Estas reflexões partem da seguinte questão: de que maneira a ênfase na regionalização proporciona me-lhorias na descentralização e na democratização, além de maior sensibilidade política e analítica diante das desigualdades do território brasileiro?

Para responder a essa questão, parte-se da afirma-ção feita por Ribeiro (2004a) de que a seleção de uma categoria de análise e de seu conceito é uma escolha de

Page 94: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

NOVAS PERSPECTIVAS PARA A REGIONALIZAÇÃO DA SAÚDE 97

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 92-106, jan./jun. 2008

visão de mundo e de uma determinada prática intelec-tual e política. “A função dos conceitos não é sempre a mesma, na medida em que se alteram a totalidade re-fletida e os sentidos da ação social” (RIBEIRO, 2004a, p. 47). De acordo com a autora, a categoria de análise e seu conceito revelam a sensibilidade analítica e política em relação ao mundo, num dado período histórico.

Durante longo tempo, fortes correntes da Geo-grafia estiveram posicionadas como ciência limitada ao enfoque das localizações. Hoje, diante de uma complexificação da realidade social, evoluída dos processos dinamizados pela técnica, pela ciência e pela informação, esse veio epistemológico mostrou ter um poder explicativo insuficiente. A globalização, fenômeno do período atual, coloca lugares distantes em reciprocidade, unificando distâncias pela infor-mação e pelo dinheiro, ou seja, pelos sistemas técni-cos e políticos.

Essa nova geografia do período, nova realidade social, tem atualmente exigido novas concepções e renovações do arcabouço teórico que a concebe. Com o objetivo de perseguir uma interpretação da história do presente e as possibilidades do futuro, Milton Santos, desde a década de 1970, empenhou a proposta de compreender o espaço geográfico como ente dinamizador da sociedade, e não simplesmente receptáculo ou palco onde se dão as relações sociais, tampouco materialidade inerte às relações que nele se dão.

Essa perspectiva conduz à idéia de que o espaço é banal, pois de todos os homens, não importam suas diferenças, de todas as instituições, não importa sua força, de todas as empresas, não importa seu poder (SANTOS, 1996b). Entendendo-o tanto como resul-tado do processo histórico quanto a base material e social das novas ações humanas, o espaço geográfico é definido em seu papel ativo, papel motor.

Nesse sentido, busca-se a compreensão não pu-ramente do território, herança de conceitos da mo-dernidade, utilizada por homens da ciência política, por juristas, antropólogos, mas sim do território usado2 (SANTOS, 1994, 1996, 1999), híbrido de materiali-dade e ações, entre trabalho morto e trabalho vivo, entre forma e conteúdo, entre o meio construído e o movimento da sociedade. O território usado é,

portanto, conteúdo e não simples continente, onde se pode recuperar um enfoque totalizador,3 imbuído do comprometimento com um saber que dê conta da realidade concreta. Desse modo, esse conceito se mostra como importante fundamento para outra perspectiva sobre regionalização.

Diz-se que a regionalização é uma delimitação do território usado, feita a partir de critérios técnicos e políticos que buscam coerência nas diferenciações es-paciais e que têm por objetivo a instrumentalização política da dinâmica territorial.

Porém, no Brasil, as divisões regionais produzidas – em regra geral, solicitadas pelo Estado para servirem à formulação e implementação de políticas públicas – subsidiam cada recorte com uma variedade de critérios que, pontuados para satisfazer a razão estratégica do interesse requerido pela divisão, terminam por prejudi-car a efetividade das políticas propostas e acirrar desi-gualdades socioterritoriais (SOUZA, 1993).

Nesse sentido, Ribeiro (2004b) presta grande con-tribuição com duas concepções principais que per-meiam as práticas de regionalização e de proposição de planos regionais. Trata-se da regionalização como fato e como ferramenta.

A regionalização como fato:

Independe da ação hegemônica do presente. [...] depende da reconstrução histórica dos múltiplos processos que movimenta-ram e limitaram a ação hegemônica. Desta maneira, a regio-nalização como fato encontra-se vinculada aos jogos dinâmicos da disputa de poder, inscritos nas diferentes formas de apro-priação (construção e uso) do território (RIBEIRO, 2004b, p. 194-195).4

Já a regionalização como ferramenta refere-se a sua instrumentalidade vinculada a essa ação hege-mônica da atual conjuntura. Não raro, então, a re-gião assim concebida pressupõe objetividade/fim/instrumentalidade, articulando-se com ideologias e recursos político-administrativos (RIBEIRO, 2004b). A regionalização, nesse sentido, aparece menos como um fato e mais como uma classificação de áreas e lo-cais. A multiplicidade de elementos que caracterizam a existência da regionalização como fato cede lugar a um conjunto de variáveis estabelecidas, segundo a fi-

Page 95: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

98 ANA LUIZA D’Á. VIANA/NELSON IBAñEZ/PAULO EDUARDO M. ELIAS/LUCIANA D. DE LIMA/MARIANA V. DE ALBUqUERqUE/FABíOLA L. IOZZI

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 92-106, jan./jun. 2008

nalidade a se alcançar, e acompanha a transformação da eficácia em meta política e a imposição do agir ins-trumental e estratégico (RIBEIRO, 2004b, p. 197).

A regionalização constituiria, assim, uma ferramenta nos dizeres de Ribeiro (2004b), haja vista que regio-nalizar, segundo a autora, compreende a instituciona-lização de fronteiras e limites na busca de implemen-tar uma ação específica: analítica, política, econômica, social (RIBEIRO, 2004b, p. 200).

A regionalização como ferramenta sempre sustentou a ação hegemônica. [...] Nos movimentos do presente, a região como ferramenta é disputada pelo Estado, pelas corporações e pelos movimentos sociais, sendo também contestada nos conflitos ter-ritoriais, relacionados à afirmação, em diferentes escalas, de novos sujeitos e novas redes sociais [...] (RIBEIRO, 2004b, p. 196-197).

Vainer (1996) também traz importantes reflexões para pensar o processo de regionalização, alertando para a relevância de identificar os agentes que defi-nem os recortes regionais, isto é, quem fala pela re-gião: “quem se propõe a dizer: a região quer, a região luta por, a região reivindica, a região necessita de?”, além da importância de evidenciar que recortes estão em confronto (VAINER, 1996, p. 20).5 O autor afir-ma também que, se nenhum sujeito histórico assume a região como recorte relevante nas suas estratégicas políticas, econômicas e simbólicas, uma regionaliza-ção proposta pode nunca existir, pode ser um projeto de região não instaurado socialmente, concretamente, historicamente (VAINER, 1996, p. 20).

Nesse sentido, Guimarães (2005), ao elaborar dis-cussão sobre a regionalização na saúde, faz uma críti-ca à Noas e conclui que:

A história recente da descentralização da saúde já demonstrou que a Noas não é suficiente para incentivar mecanismos de co-gestão regional do SUS. Como um meio e, ao mesmo tem-po, um resultado da produção social da democracia brasileira, qualquer proposta de regionalização da saúde no Brasil deverá contribuir para o fortalecimento da identidade local e de um determinado território no qual o poder político-institucional é exercido por um amplo conjunto de atores sociais envolvidos (GUIMARÃES, 2005, p. 1.024).

Dessa maneira, é importante compreender quais são os projetos territoriais propostos pelos atuais go-vernos para poder, entre outras coisas, relacioná-los com os anseios e pressupostos das políticas públi-cas de saúde que enfocam a questão regional como principal estratégia para avançar na descentralização do Sistema Único de Saúde e na universalização da saúde.

A descentralização e sua face regionalizadora são de suma importância para o processo de planejamen-to do território nacional. A imensidão do Brasil e suas históricas desigualdades requerem políticas públicas de fôlego para a diminuição das iniqüidades atrelada a um projeto nacional de desenvolvimento. E para que essas políticas sejam efetivas e coerentes com a realidade de cada lugar, a regionalização se mostra um instrumento imprescindível para o planejamento.

As desigualdades não devem ser vistas como um empecilho para a regionalização do SUS, pelo contrá-rio, é por conta delas que se faz cada vez mais urgente uma regionalização de fato do sistema e da política.

A regionalização da saúde permanece muito vincu-lada à organização do sistema (acesso, infra-estrutura, financiamento, programas, etc.), o que leva a uma vi-são setorial da situação de saúde, restrita a parâmetros epidemiológicos e de assistência. Uma regionalização fundamentada em outra concepção teórica contribui-ria para ampliar o debate sobre a relação entre saúde e território, superando a visão estática, estatística e setorial dessa relação. Assim, um planejamento terri-torial não significa um somatório de políticas setoriais e sim uma articulação de políticas em torno de um projeto nacional embasado pelo território usado: suas desigualdades e possibilidades.

Assim, a regionalização deve ser encarada como um processo de pactuação política no âmbito de pla-nejamento territorial e nacional entre entes federados – não necessariamente contíguos territorialmente, porém solidários organizacionalmente pelos usos do território (fixos e fluxos dinamizados por racionalida-des diversas). A regionalização não resulta, obrigato-riamente, na delimitação, nomeação e hierarquização de áreas no território, mas, sim, em acordos políticos embasados por informações coerentes com a dinâmi-ca de uso do território.

Page 96: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

NOVAS PERSPECTIVAS PARA A REGIONALIZAÇÃO DA SAÚDE 99

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 92-106, jan./jun. 2008

SÃO PAULO e OS NOVOS RUMOS DA ReGIONALIZAÇÃO DA SAÚDe

A partir de 2006, no Estado de São Paulo, o governo estadual e os municípios iniciaram um novo momento de pactuação política para avançar na regionalização da saúde, conforme as diretrizes do Pacto pela Saúde (BRASIL, 2006a). Os avanços para a regionalização efetiva do SUS, segundo este documento, dependem: da constituição de desenhos regionais que respeitem as realidades locais; do estabelecimento dos Colegia-dos de Gestão Regional – CGR; e do estímulo a Esta-dos e municípios para potencializarem seus trabalhos. Ainda de acordo com o Pacto (BRASIL, 2006a, p. 9), “qualificar a regionalização da demanda, porém, medidas que evitem sua redução a um conjunto de normas complexas que se sobreponham a um efetivo processo político”. Assim, o processo de regionali-zação do SUS passa a depender muito mais de uma estrutura de caráter político do que técnico.

O atual Plano Estadual de Saúde 2008-2011 (SÃO PAULO, 2008) contempla a descentralização regional da saúde, tendo como estratégia principal o envolvi-mento dos Departamentos Regionais de Saúde – DRS com os Colegiados de Gestão Regional – CGRs,6 re-cém-constituídos. Entre os princípios norteadores do Plano Estadual estão “as situações reais e específicas de cada região do Estado, isto é, o componente regio-nal” (SÃO PAULO, 2008, p. 13).

A elaboração do Plano Estadual contou com a or-ganização de novas regiões de saúde, através da pac-tuação intermunicipal, e a formação de seus CGRs. Inicialmente foi construída uma base de dados para os Departamentos Regionais de Saúde – DRSs e seus municípios, de modo a subsidiar a discussão dos diag-nósticos regionais e suas contribuições para o desen-volvimento do Plano. Em seguida, a Coordenadoria de Regiões de Saúde e os DRSs receberam a versão preliminar do Plano, que trazia um diagnóstico regio-nal, para subsidiar as discussões sobre as mudanças nas regiões de saúde. Essas discussões ocorreram no âmbito dos Seminários Regionais, realizados a partir de maio de 2007, nos 17 DRSs do Estado, e foram baseadas em três documentos principais: a versão preliminar do Plano Estadual, o Pacto pela Saúde e

o Plano Diretor de Regionalização de 2002. A partir daí, a formação dos Colegiados de Gestão Regional no Estado ocorreu pari passu à criação das 64 novas Regiões de Saúde. Após esse processo, os DRSs e os CGRs deveriam “ajustar diretrizes, objetivos, metas e indicadores, de acordo com a sua realidade e especifi-cidade local” (SÃO PAULO, 2008, p. 19).

Heimann et al. (2007) analisaram o processo de formação dos Colegiados e das novas regiões no Es-tado de São Paulo e identificaram maneiras bastante distintas de composição dos CGRs e de definição das microrregiões entre os DRSs estudados. Sobre as re-giões, os autores apontam que, em alguns DRSs, as regiões foram propostas pelos municípios e acatadas pelo diretor do DRS; em outros, as propostas vie-ram do DRS e foram aceitas pelos municípios; houve ainda propostas elaboradas conjuntamente pelos dois níveis de gestão. Os autores chamam a atenção para o fato de que:

Os critérios orientadores do processo de regionalização no in-terior dos departamentos estavam ligados à produção e ofer-ta de serviços de média e alta complexidade e aos poderes loco-regionais. Tais critérios eram utilizados na regionalização proposta anteriormente pela Noas. Ainda que nas oficinas [seminários regionais] tivesse sido debatido o conceito de região de saúde de acordo com as diretrizes do Pacto, a sua ope-racionalização para a definição das regiões não foi observada (HEIMANN et al., 2007, p. 83).

Em relação à formação dos CGRs, Heimann et al. (2007, p. 83) identificaram que houve

pressão por parte de grupos de interesse em participar do CGR, a saber : as universidades e os prestadores. Os DRSs se diferenciaram quanto à inclusão ou não destes grupos na composição dos CGRs, alguns concordando e ou-tros não aceitando.

A versão final do Plano Estadual de Saúde (SÃO PAULO, 2008) especifica o papel e a participação dos Colegiados de Gestão Regional em algumas das metas/resultados esperados e/ou ações estratégicas, conside-radas nos seguintes eixos prioritários: ampliação do acesso da população, com redução de desigualdades

Page 97: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

100 ANA LUIZA D’Á. VIANA/NELSON IBAñEZ/PAULO EDUARDO M. ELIAS/LUCIANA D. DE LIMA/MARIANA V. DE ALBUqUERqUE/FABíOLA L. IOZZI

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 92-106, jan./jun. 2008

regionais e aperfeiçoamento da qualidade das ações de saúde; fortalecimento e aperfeiçoamento da capa-cidade de gestão estadual e gestão da educação e do trabalho no SUS.

As atuais mudanças na estrutura regional do SUS em São Paulo resultam de dois movimentos distin-tos, um por parte dos municípios e outro por parte do Estado, que buscam uma convergência dentro da perspectiva de uma nova regionalização da saúde.

Desse modo, a Secretaria de Estado da Saúde – SES volta a discutir o seu papel na regionalização do sistema, no contexto de busca de uma descentraliza-ção baseada num processo mais dependente da arti-culação política entre os entes federados, como pro-posto pelo Pacto da Saúde.

No entanto, o sistema de saúde no Estado de São Paulo apresenta uma especificidade importante dian-te desse novo processo de regionalização. Dado o seu alto grau de desenvolvimento econômico, sobretudo nos municípios mais populosos, o Estado concentra investimentos na área da saúde, como em ciência e tecnologia, e possui o maior mercado consumidor dos serviços suplementares e equipamentos de saúde do país. Por conseqüência, o Estado abriga o sistema de saúde mais complexo do Brasil, constituindo um sistema característico do mix público-privado.

O poder do setor privado em organizar e regular a saúde em São Paulo é imenso e faz frente ao pró-prio poder da Secretaria de Estado da Saúde e dos municípios. Como, então, incorporar este setor priva-do, representante do complexo econômico da saúde nacional e mundial, aos espaços públicos e gover-namentais de discussão da saúde no Estado de São Paulo e no país? E mais ainda: como incorporar os agentes privados a essa discussão sem perder de vista que a saúde é uma questão de política pública e assim deve ser encarada?

É justamente nesse sentido que a SES de São Paulo enfrenta um grande desafio para firmar seu papel e seu poder na descentralização regional do SUS. Hoje, o grande problema da gestão estadual é lidar com a diversidade de instâncias e instituições, sejam públicas sejam privadas, com ou sem fins lucrativos, além da heterogeneidade de agentes e interesses, que atuam direta ou indiretamente na saúde.

A construção das regiões de saúde pode ter resul-tados muito diferentes quando há um olhar só volta-do para o setor público e quando há uma visão inte-grada do setor público e do privado. Para entender as lógicas de regionalização é preciso, antes, fazer uma abordagem integral do mix público-privado no Esta-do de São Paulo, a partir da identificação do complexo regional da saúde.

As diferentes estruturas, instituições, instâncias e atores públicos e privados que participam do proces-so de constituição, planejamento, organização, gestão e regulação da saúde no âmbito regional, constituem o que se denomina complexo regional da saúde.

Em relação ao Estado de São Paulo, do ponto de vista analítico, duas instituições privadas que mere-cem destaque por sua atuação regional da saúde, são:

as cooperativas médicas, que têm um forte po-• der de inserção no mercado de planos de saúde, sobretudo no interior do Estado, e assim, exer-cem uma grande força política na comunidade médica;as instituições filantrópicas, que também têm • grande inserção no sistema de saúde do interior paulista. De acordo com Ibañez e Castro (2005, p. 234), é

nos municípios com mais de 50 mil habitantes “que os interesses no mercado de planos de saúde são mais relevantes”. Segundo os autores,

ainda vale salientar a presença capilar das Cooperativas Mé-dicas notadamente no interior do Estado, com 71 operadoras que, apesar de estarem sediadas em municípios-chave, desem-penham papel articulador de caráter regional (IBAÑEZ; CASTRO, 2005, p. 235).

As Unimeds,7 nesse sentido, são os maiores exem-plos, porque estão cada vez mais independentes poli-ticamente e têm uma atuação regional forte e conso-lidada nos municípios.

Em relação à importância da atuação das institui-ções filantrópicas,8 as Santas Casas exercem um papel crucial por serem os principais órgãos prestadores de serviços para o SUS, no Estado.

Do ponto de vista regional, destacam-se ainda os consórcios intermunicipais de saúde, que abrigam, em

Page 98: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

NOVAS PERSPECTIVAS PARA A REGIONALIZAÇÃO DA SAÚDE 101

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 92-106, jan./jun. 2008

grande parte, aqueles municípios com menor porte populacional e/ou desenvolvimento econômico.9 São esses municípios que possuem menor poder político e econômico de barganha diante do mercado privado de serviços de saúde e de compra de equipamentos e medicamentos, assim como possuem menor com-plexidade e especialização dos serviços públicos de saúde.10 Nesses casos, os consórcios também surgem como uma alternativa de curto e médio prazos para a resolução de dificuldades que esses municípios têm em comum no processo de organização e funciona-mento dos seus sistemas de saúde e de pactuação re-gional das ações.

De acordo com Ribeiro e Costa (2000):

Os consórcios intermunicipais de saúde têm se consolidado, no caso brasileiro, como importante mecanismo de regionalização da oferta pública [...]. Enquanto uma tendência no âmbito do SUS, os Consórcios Intermunicipais de Saúde substituem responsabilidades tradicionalmente concentradas na esfera do gestor estadual, racionalizando o uso dos recursos disponíveis e realçam a importância dos governos municipais (RIBEIRO; COSTA, 2000, p. 214-216).

Assim, a proliferação dos consórcios11 se mostra, muitas vezes, como uma resposta dos municípios à estrutura regional fragilizada técnica e politicamente, no âmbito do SUS.

O Quadro 1 traz as principais instâncias e institui-ções regionais a serem consideradas dentro do pro-cesso de regionalização do Sistema Único de Saúde no Estado de São Paulo.

A regionalização da saúde recentemente construí-da no Estado de São Paulo não pode deixar de con-siderar a existência das forças e dos interesses envol-vidos no complexo regional da saúde. Nesse sentido, é preciso repensar a própria representatividade do mix público-privado nas instâncias de caráter público, como as CIBs, a CIR, o Conselho Estadual de Saúde e os próprios Colegiados de Gestão Regional.

É importante atentar para o fato de que se pre-sencia, cada vez mais, uma regulação híbrida do território (ANTAS JÚNIOR, 2001), isto é, uma governabilida-de que não é mais exclusividade do Estado, mas exer-cida também por uma variedade de agentes. Desse

modo, as políticas de saúde devem levar em conta a distinta natureza dos agentes do complexo regional da saúde e suas lógicas de atuação e pactuação no território.

Segundo Bernardes et al. (2000), os distintos agen-tes não possuem o mesmo poder de comando, levan-do a uma multiplicidade de ações e usos do território, inclusive pela saúde.

Para os agentes hegemônicos o território usado é um recurso, garantia da realização de seus interesses particulares, [...] já os atores hegemonizados têm o território como um abrigo, buscando constantemente se adaptar ao meio geográfico local recriando estratégias que garantam sua sobrevivência (BERNARDES et al., 2000, p. 12).

Desse modo, as políticas de saúde precisam buscar um enfoque totalizador, isto é, considerar o espaço banal, a fim de autorizar uma intervenção12 regional que interesse à maior parte da população.

Bahia (2005) chama a atenção para o fato de que as interligações entre o público e o privado, assim como a hierarquização dos serviços de saúde, dos médicos e dos tipos de planos de saúde, são bem mais tortuo-sas, complexas e sutis do que “o delineado por uma clivagem dual entre os ‘que têm planos de saúde’ e os ‘que só têm direito ao SUS’”. Para a autora (2005, p. 447),

A demarcação das fronteiras entre esfera pública e esfera priva-da não apenas pela percepção de suas demandas, mas também pelo mapeamento de interesses privados e seus representantes, pode contribuir para aproximar o país real do país formal.

Nesse sentido, uma proposta de regionalização da saúde como fato e não como ferramenta deve incor-porar, entre outras coisas, as forças e os interesses envolvidos no complexo regional da saúde.

Uma investigação13 em desenvolvimento por ins-tituições de pesquisa em parceria com a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo elaborou um estudo-piloto da área de abrangência do Departamento Re-gional de Saúde de Ribeirão Preto – DRS XIII, no intuito de uma primeira aproximação do complexo regional da saúde no Estado.

Page 99: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

102 ANA LUIZA D’Á. VIANA/NELSON IBAñEZ/PAULO EDUARDO M. ELIAS/LUCIANA D. DE LIMA/MARIANA V. DE ALBUqUERqUE/FABíOLA L. IOZZI

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 92-106, jan./jun. 2008

Quadro 1Complexo Regional da Saúdeestado de São Paulo – 2007

Instâncias e instituições Forma de atuação Caracterização

Comissões Intergestoras Bipartite – CIB

Espaço de articulação e pactuação entre os entes, que objeti-va orientar, regulamentar e avaliar os aspectos operacionais da descentralização da saúde.

Integrada por representantes do governo estadual e municipal.

Colegiado de Gestão Regional – CGR

Espaço de decisão através da identificação, definição de prioridades e de pactuação de soluções para a organiza-ção de uma rede regional de ações e serviços de atenção à saúde, integrada e resolutiva.

Constituído por gestores municipais de saúde do conjunto de municípios da região de saúde, que o colegiado representa, e por representantes do(s) gestor(es) estadual(ais).

Departamentos Regionais de Saúde – DRS da SES-SP

Divisão administrativa regional. São responsáveis pelas atividades das SES no âmbito regional e por promover a articulação intersetorial, com os municípios e organismos da sociedade civil.

Constituídos por gestores e técnicos esta duais, re-presentados pelos chefes dos departamentos.

Coordenadoria Regional de Saúde da SES-SP

Responsável pela coordenação, articulação e organização do sistema de saúde loco-regional, pela compatibilização dos planos, programas e projetos dos DRS em razão das políticas e diretrizes estaduais e dos recursos disponíveis.

Constituída por gestores e técnicos estaduais de saúde, representada pelo Coordenador.

Consórcios de Saúde Entes federativos se conformam em consórcios para so-lucionar demandas específicas ou problemas que não po-dem ser resolvidos de forma isolada por cada município. A gestão associada, além do planejamento, regulação e fiscalização, também pode ser ajustada para prestação de serviços públicos. Há três tipos de consórcios: 1- Admi-nistrativo de direito privado; 2- Público de direito privado; e 3- Público de direito público (Lei n. 11.107 de 6/4/05).

Podem ser constituídos por municípios, por Estado e municípios, por Estados e por Estado, municípios e União (no caso de os municípios ou Estados esta-rem localizados na área de fronteira internacional).

Unimed (representando as cooperativas médicas)

É um complexo empresarial, formado por: Cooperativas de Trabalho Médico (Unimeds); Cooperativas de Usuários (Usimeds); Cooperativas de Crédito (Unicreds); Fundação Unimed; e Universidade Unimed Virtual;- Empresas: Central Nacional Unimed; Unimed Segurado-ra; Unimed Tecnologia; Unimed Administração e Serviços; Transporte Aeromédico; Unimed Participações; e Unimed Corretora.

O Sistema Unimed é a maior cooperativa médica do Brasil (1). Atualmente, tem 30% de participação no mercado nacional de planos de saúde, atendendo 14,5 milhões de clientes. São 376 cooperativas com abrangência em 74,9% do território nacional (4.125 municípios). Conta com 103 mil médicos cooperados.Especificamente no Estado de São Paulo, há 17 Uni-meds, com 3.627.447 clientes e 15.085 cooperados.

Santa Casa (representando a assistência filantrópica)

Instituições filantrópicas e particulares, de origem por-tuguesa, que atuam oferecendo serviços médico-hos-pitalares a pacientes carentes e do SUS. A assistência prestada é totalmente gratui ta.

O Estado de São Paulo concentra o maior número de hospitais filantrópicos no Brasil. São 374 hospitais de um total de 1.414. Em São Paulo, é nítida a maior par-ticipação relativa dos leitos filantrópicos nos municí-pios com menos de 100 mil habitantes, equivalendo a mais de 70% dos leitos. Quase 90% dos municípios paulistas com mais de 100 mil habitantes apresen-tam hospitais filantrópicos que possuem contratos com planos privados.

Universidades e Hospitais Universitários

As universidades e seus hospitais de ensino e pesquisa conformam a principal estrutura de formação de profis-sionais da saúde no país. O Estado de São Paulo é privi-legiado pela concentração dessas instituições em relação aos outros estados do Brasil. Os profissionais da saúde, sobretudo os médicos, são atores importantes na confor-mação dos complexos regionais da saúde, por atuarem de maneira ampla no sistema de saúde. Eles participam de todas as instâncias e instituições referidas acima e, muitas vezes, trabalham simultaneamente para o setor público e o privado.

O Estado de São Paulo possui 31 escolas médi-cas, sendo 21 privadas e 10 públicas, que ofe-recem 3.226 vagas no primeiro ano. O estado abriga 18% do total de escolas médicas existen-tes no país. Em relação aos Hospitais Universitá-rios, o estado possui 14 no total, sendo 5 deles privados.

Fonte: Stucchi (2006, p. 133-147); <http://www.escolasmedicas.com.br/estado.php>. Acesso em: 12 mar. 2008.(1) Dados obtidos no site: <www.unimed.com.br/pct/index.jsp?cd_canal=34393&cd_secao=46159>. Acesso em: 21 jun. 2007.

Page 100: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

NOVAS PERSPECTIVAS PARA A REGIONALIZAÇÃO DA SAÚDE 103

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 92-106, jan./jun. 2008

A área do DRS de Ribeirão Preto caracteriza-se por um forte setor público e um forte setor privado. Ambos se expandiram a partir da segunda metade do século XX, em decorrência de três aspectos essen-ciais da cultura regional: a constituição de um pólo de saúde em Ribeirão Preto (com a concentração de serviços e universidades, mas não de pesquisa e tec-nologia de ponta); a reunião de médicos com grande vocação empresarial e, finalmente, o fortalecimento da economia por meio do agronegócio.

Com esse estudo-piloto, foi possível identificar quatro grupos com diferentes lógicas regionais de atuação na saúde:

serviços do SUS articulados com os hospitais fi-• lantrópicos; sistema Unimed; • operadoras de planos de saúde que contam com • hospital próprio; plano privado coletivo colado a uma grande ativi-• dade econômica regional, no caso, a produção de cana-de-açúcar. A identificação de alguns pontos de contato dire-

tos e indiretos entre as lógicas de atuação desses gru-pos serviu para reafirmar a importância de se buscar uma visão mais integrada das lógicas regionais públi-cas e privadas na saúde.

A relação entre as lógicas pode variar bastante, mas três pontos merecem destaque. Em primeiro lu-gar, os serviços de alta complexidade oferecidos pelo grupo 1 servem de referência de atendimento para os outros grupos. Isso significa que a pressão para internações decorre tanto do setor público quanto do setor privado. Em segundo lugar, os serviços hospita-lares filantrópicos participam, ao mesmo tempo, das lógicas dos quatro grupos identificados. Por fim, os serviços de baixa complexidade oferecidos pelo gru-po 1 servem de referência para os grupos 3 e 4.

Essas relações entre os grupos mostraram que o SUS na região de Ribeirão Preto é base de apoio para a atuação de um sistema privado fortemente regionali-zado, isto é, que não tem alcance nacional ou estadual, cujas raízes estão: na constituição de um pólo regional de saúde (cujo representante máximo é o Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto); na difundida cultura do médico empresário e nos planos coletivos diretamente

voltados para as demandas das empresas do agrone-gócio da cana. É importante ressaltar que, apesar de a Unimed ter um alcance nacional, cada uma de suas singulares tem grande autonomia para tomar decisões e se adaptar ao mercado regional em que atua, configu-rando diferentes lógicas regionalizadas.

Apesar da existência de toda essa complexidade de lógicas e relações regionais da saúde no território, não há ainda uma instância de debate que agregue esses atores e instituições. O setor privado discute sua atua-ção regional de maneira fragmentada, por empresa, por tipo de atividade, por tipo de mercado. E o setor público discute apenas ele mesmo, desconsiderando as lógicas regionais do setor privado e suas implica-ções para a regionalização da saúde.

CONSIDeRAÇÕeS FINAIS

De fato, o Pacto pela Saúde representa um novo mo-mento para a regionalização da saúde, pois rompe com as perspectivas normativas anteriores e possibili-ta a incorporação de diferentes conteúdos do territó-rio nesse processo. Por conta do curto período que se segue após o lançamento do Pacto, ainda não se pode avaliar com profundidade os avanços em relação à in-corporação das dinâmicas do território nacional nas novas propostas de regionalização nos Estados.

Particularmente no Estado de São Paulo, é impor-tante notar que o Pacto desencadeou um processo acelerado de retomada da discussão sobre o papel re-gional da Secretaria Estadual da Saúde, assim como de mobilização dos municípios para a criação das no-vas regiões de saúde.

Em contraposição, esse novo momento da regio-nalização não representa ainda o enfrentamento de uma das mais importantes questões que é, justamen-te, a existência de diversas articulações entre o siste-ma público e o privado na conformação dos sistemas loco-regionais de saúde.

A dinâmica territorial do Estado de São Paulo mostra a importância de se considerar o mix público-privado na discussão regional, isto é, de se atentar aos interesses e às forças daquelas instâncias e institui-ções que conformam um verdadeiro complexo regio-nal da saúde.

Page 101: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

104 ANA LUIZA D’Á. VIANA/NELSON IBAñEZ/PAULO EDUARDO M. ELIAS/LUCIANA D. DE LIMA/MARIANA V. DE ALBUqUERqUE/FABíOLA L. IOZZI

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 92-106, jan./jun. 2008

Nesse sentido, apesar de o Pacto pela Saúde repre-sentar um avanço para a regionalização do sistema, ainda não foi capaz, portanto, de incorporar o com-plexo regional, de forma articulada, à sua concepção.

Para mais progressos na regionalização, é neces-sário ir além de uma concepção setorial da saúde e, sobretudo, romper com a visão parcial ou fragmen-tada dos usos do território. O atual processo deve-ria incluir, por exemplo, a concepção da regulação híbrida do território, levando em consideração que

atualmente não é só o Estado mas uma diversidade de agentes que regulam e organizam o território na-cional, incluindo o sistema de saúde.

Assim, outra perspectiva para a regionalização da saúde, uma regionalização de fato, requer a conside-ração da totalidade do território usado, a partir da incorporação de seus conteúdos na lógica sistêmica da saúde, desvendando seus usos, possibilidades e obstáculos, a fim de construir um sistema mais coo-perativo e forte.

Notas

1. “São recortes territoriais inseridos em espaços geográficos contínuos. Identificá-los é responsabilidade dos gestores mu-nicipais e estaduais, tendo como base a existência de identida-des culturais, econômicas e sociais, assim como de redes nas áreas de comunicação, infra-estrutura, transportes e saúde. Nessas regiões, as ações e serviços devem ser organizados com o objetivo de atender às demandas das populações dos municípios a elas vinculados, garantindo o acesso, a eqüidade e a integralidade do cuidado com a saúde local. Para tanto, deve estar garantido o desenvolvimento da atenção básica da assistência e parte da média complexidade, assim como as ações básicas de vigilância em saúde. As Regiões de Saúde podem assumir diferentes desenhos, desde que adequados às diversidades locais, mesmo que não acompanhando as divi-sões administrativas regionais já utilizadas por alguns Estados na organização de seus trabalhos. A delimitação das Regiões de Saúde não pode ser vista, portanto, como um processo meramente administrativo. Para que seja eficaz e efetiva, deve levar em conta todos os fatores envolvidos, viabilizando des-sa forma o desenvolvimento de uma ‘regionalização viva’” (BRASIL, 2006b, p. 23).2. “O que interessa discutir é, então, o território usado, sinô-nimo de espaço geográfico. E essa categoria, território usado, aponta para a necessidade de um esforço destinado a anali-sar sistematicamente a constituição do território” (SANTOS; SILVEIRA, 2001, p. 20).3. Segundo Karel Kosik (2002), “a totalidade não significa todos os fatos. Totalidade significa realidade como um todo estruturado, dialético, no qual ou do qual um fato qualquer (classe de fatos, conjunto de fatos) pode vir a ser racionalmente compreendido” (KOSIK, 2002, p. 43).4. “Convém esclarecer, ainda, que entendemos por ação hege-mônica aquela conduzida pelas forças econômicas e políticas que dominam o território brasileiro, expressivas da aliança en-tre agentes externos e condutora de numerosas e difusas ações subalternas ou subalternizadas.” (RIBEIRO, 2004b, p. 194).5. “É, enfim, romper com o fetichismo que toma a região como inscrita, por si, no território” (VAINER, 1996, p. 20).6. O Pacto pela Saúde prevê, no âmbito da nova regionalização da saúde, a criação do Colegiado de Gestão Regional, que “deve operar como espaço permanente de pactuação e co-gestão

solidária [...] Suas decisões devem se dar sempre por consenso [...] O CGR deve ser composto por todos os gestores munici-pais de saúde dos municípios que integram a Região de Saúde e por representantes do(s) gestor(es) estadual(ais). Nas Regiões de Saúde de Fronteiras, o gestor federal também deverá compor o Colegiado. [...] Os desenhos e formas de organização dos CGRs devem espelhar as diversas possibilidades de conformação das Regiões de Saúde [...] Destacamos a seguir algumas ações rele-vantes que devem compor as agendas dos CGRs: fazer a identi-ficação e o reconhecimento da Regiões de Saúde; adotar proces-sos dinâmicos no planejamento regional; atualizar e acompanhar a Programação Pactuada Integrada – PPI de atenção à saúde; elaborar o desenho do processo regulatório, definindo clara-mente os fluxos e protocolos necessários; priorizar as linhas de investimentos; estimular estratégias que contribuam para a qualificação do controle social; apoiar processos de qualificação da gestão do trabalho e da educação em saúde; construir estra-tégias para que sejam alcançadas as metas priorizadas no Pacto pela Vida, com a definição, se necessário, de outras prioridades loco-regionais; constituir processos dinâmicos para a avaliação e o monitoramento regional; aprimorar os mecanismos de re-gulação da assistência à saúde; fortalecer as iniciativas e ações contidas no Pacto em defesa do SUS; coordenar a agenda e o trabalho da(s) Câmara(s) Técnica(s) Permanente(s); dentre ou-tras.” (BRASIL, 2006b, p. 35-37).7. De acordo com Duarte (2003), a Unimed, que surgiu em 1967, em Santos-SP, como uma cooperativa médica, hoje, é uma organização complexa, caracterizada por um mix de co-operativas e empresas de capital. “Durante o seu crescimento, perdeu as características originais mas ampliou as possibilida-des de atuação no mercado, adquirindo um formato caracterís-tico de um complexo econômico” (DUARTE, 2003, p. 224).8. “O Estado de São Paulo possui 645 municípios e um total de 638 hospitais, dos quais 374 (58,0%) são filantrópicos (Datasus, 2003). [...] Esse dado cotejado com o processo histórico de expan-são da rede filantrópica em direção ao interior e a baixa presença destas instituições na região metropolitana permite afirmar que a cobertura e o papel desta rede no interior são cruciais para o SUS nestes municípios” (IBAÑEZ; CASTRO, 2005, p. 228-229).9. Os consórcios intermunicipais de saúde, em São Paulo, con-centram-se nas regiões sul e oeste do Estado e o número de municípios, em cada consórcio, varia de 4 a 26, perfazendo de 42.817 a 549.299 habitantes (STUCCHI, 2006, p. 133-139).

Page 102: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

NOVAS PERSPECTIVAS PARA A REGIONALIZAÇÃO DA SAÚDE 105

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 92-106, jan./jun. 2008

10. “[...] a maioria deles [dos consórcios em São Paulo] busca ampliar a rede de serviços de apoio diagnóstico e especialidades médicas. [...] Com a implantação dos CIS [consórcios intermu-nicipais de saúde] forma-se, em geral, uma rede de referência e contra-referências intermunicipais, com estabelecimento de fluxos pactuados com os serviços regionais especializados, faci-litando o acesso da população” (STUCCHI, 2006, p. 140-145).11. “Os consórcios, além do mais, são inovações porque criam pa-râmetros inusuais de cooperação e coordenação da política de saú-de em nível local. Em um cenário de forte fragmentação polít ica decorrente de conflitos partidários e eleitorais, eles estabelecem, pela execução da política de saúde, relações de confiança e respei-to entre governos locais” (RIBEIRO; COSTA, 2000, p. 217).

12. “A idéia de intervenção supõe um interesse político, entendido como interpretação histórica mais ampla, que implica um ideal de futuro como espaço de resolução de problemas supostamente arraigados nas sociedades” (BERNARDES et al., 2000, p. 11).13. Relatórios parciais da pesquisa O Pacto pela Saúde e a Gestão Regional em São Paulo: fatores intervenientes e reorientação da política da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. Desenvolvida pelas ins-tituições: Centro de Estudos Augusto Leopoldo Ayrosa Gal-vão – Cealag; Centro de Estudos de Cultura Contemporânea – Cedec; Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – DMP/FMUSP. Essa pesquisa é apoiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.

Referências Bibliográficas

ALBUQUERQUE, M.V. de A. Território Usado e Saúde: respostas do Sistema Único de Saúde à situação de metropolização em Campinas – SP. Dissertação (Mestrado em Geografia Huma-na) – Departamento de Geografia, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006.

ALMEIDA, E.P. Uso do território brasileiro e os serviços de saúde no período técnico-científico-informacional. Tese (Doutorado em Geografia Humana) – Departamento de Geografia, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005.

ALMEIDA, M.H.T. O Estado Brasil contemporâneo - um passeio pela história. In: MELO, C.R.; SÁEZ, M.A. (Org.). A democracia brasileira. 1. ed. Belo Horizonte: UFMG, 2007. v. 1. p. 17-38.

ANTAS JÚNIOR, R.M. Espaço geográfico: fonte material e não formal do direito. Tese (Doutorado em Geografia Humana) – De-partamento de Geografia, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001.

BAHIA, L. O SUS e os desafios da universalização do direito à saúde: tensões e padrões de convivência entre o público e o privado no sistema de saúde brasileiro. In: LIMA, N.T. et al. (Org.). Saúde e democracia: história e perspectivas do SUS. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2005. p. 407-450.

BERNARDES, A. et al. O papel ativo da Geografia: um manifesto. In: ENCONTRO NACIONAL DE GEÓGRAFOS, 12., Flo-rianópolis, SC, jun. 2000.

BRASIL. Ministério da Saúde. Pacto pela Saúde. Brasília: 2006a.

______. Ministério da Saúde. Secretaria-Executiva. Departamen-to de Apoio à Descentralização. Regionalização solidária e cooperativa: orientações para sua implementação no SUS. Brasília: 2006b.

______. Ministério da Saúde. A Regionalização da Saúde. Brasília: jun. 2004. (Versão preliminar para discussão interna).

______. Ministério da Saúde. Descentralização das ações e serviços de saúde: a ousadia de cumprir e fazer cumprir a lei. Brasília: 1993.

CORRÊA, R.L. Trajetórias geográficas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997.

DUARTE, C.M.R. Modelo organizacional da Unimed: estudo de caso sobre a medicina suplementar. Tese (Doutorado) – Escola

Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2003.

GUIMARÃES, R.B. Regiões de saúde e escalas geográficas. Cad. Saúde Pública, v. 21, n. 4, p. 1017-1025, jul./ago. 2005.

HEIMANN, L.S. et. al. Gestão Regional do SUS – São Paulo: rumo ao Pacto de Gestão. São Paulo, Instituto da Saúde, 2007. (Temas em Saúde Coletiva, 5).

IBAÑEZ, N.; CASTRO, P.C. de. Proteção social e instituições filantrópicas. Panorama atual do Estado de São Paulo. In: VIANA, A.L. d’Á. et al. (Org.). Proteção social: dilemas e desafios. São Paulo: Hucitec, 2005. p. 220-243.

KOSIK, K. Dialética do concreto. 7. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002. (1. ed. 1963. p. 43).

LIMA, L.D. Federalismo, relações fiscais e financiamento do Sistema Único de Saúde: a distribuição de receitas vinculadas à saúde nos orçamentos municipais e estaduais. Rio de Janeiro: Museu da República, 2007.

RIBEIRO, A.C.T. Lugares dos saberes: diálogos abertos. In: BRANDÃO, M.A. Milton Santos e o Brasil. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004a. p. 39-50. (Coleção Pensamento Radical).

______. Regionalização: fato e ferramenta. In: LIMONAD, E.; HAESBAERT, R.; MOREIRA, R. (Org.). Brasil, século XXI – por uma nova regionalização?: agentes, processos e escalas. São Paulo: Max Limonad, 2004b. p. 194-212.

RIBEIRO J.M.; COSTA N.R. da. Regionalização da assistência à saúde no Brasil: os consórcios municipais no Sistema Único de Saúde (SUS). Planejamento e Políticas Públicas, n. 22, p. 173-220, dez. 2000.

SANTOS, M. Por uma outra globalização, do pensamento único à consciên-cia universal. 3. ed. Rio de Janeiro e São Paulo: Record, 2000.

______. O território e o saber local: algumas categorias de análise. Cadernos Ippur, Rio de Janeiro, ano XII, n. 2, p. 15-25, 1999.

______. A natureza do espaço: razão e emoção, técnica e tempo. São Paulo: Hucitec, 1996a.

______. Por uma geografia cidadã: por uma epistemologia da exis-tência. Boletim Gaúcho de Geografia, Porto Alegre, n. 21, 1996b.

_______. O retorno do território. In: SANTOS, M.; SOUZA, M.A.A.; SILVEIRA, M.L. (Org.). Território: globalização e frag-mentação. São Paulo: Hucitec-ANPUR, 1994. p. 15-20.

Page 103: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

106 ANA LUIZA D’Á. VIANA/NELSON IBAñEZ/PAULO EDUARDO M. ELIAS/LUCIANA D. DE LIMA/MARIANA V. DE ALBUqUERqUE/FABíOLA L. IOZZI

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 92-106, jan./jun. 2008

AnA LuizA d’ÁviLA viAnADoutora em Economia, Professora e Pesquisadora do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP

neLson ibAñezLivre-Docente em Saúde Pública, Professor da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e médico sanitarista

do Governo do Estado de São Paulo, Pesquisador do Centro de Estudos Augusto Leopoldo Ayrosa Galvão

PAuLo eduArdo MAngeon eLiAsDoutor em Medicina Preventiva, Professor e Pesquisador do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina

da USP, Pesquisador do Centro de Estudos de Cultura Contemporânea

LuciAnA diAs de LiMADoutora em Saúde Coletiva, Professora e Pesquisadora do Departamento de Administração e Planejamento em Saúde da

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz

MAriAnA vercesi de ALbuquerqueMestre em Geografia, Pesquisadora do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP

FAbíoLA LAnA iozziMestre em Geografia, Pesquisadora do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP

Artigo recebido em 13 de dezembro de 2007. Aprovado em 13 de setembro de 2008.

Como citar o artigo:VIANA, A.L.d`Á. et al. Novas perspectivas para a regionalização da saúde. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v. 22, n. 1, p. 92-106, jan./jun. 2008. Disponível em: <http://www.seade.gov.br>; <http://www.scielo.br>.

SANTOS, M.; SILVEIRA, M.L. O Brasil: território e sociedade no início do século XXI. Rio de Janeiro e São Paulo: Record, 2001.

SÃO PAULO (Estado). Secretaria da Saúde. Plano Estadual de Saúde 2008 – 2011. São Paulo: 2008.

SILVEIRA, M.L. A região e a invenção da viabilidade do terri-tório. In: SOUZA, M.A.A. de. (Org.). Território Brasileiro: usos e abusos. Campinas: Territorial, 2003. p. 408-416.

SOUZA, M.A.A. de. A explosão do território: falência da região? Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, ano VII, n. 1, abr. 1993.

STUCCHI, M.L.R. Consórcios intermunicipais de saúde no Esta-do de São Paulo. In: SÃO PAULO (Estado). Secretaria da Saúde. Coordenadoria de Planejamento de Saúde. Planejamento de saúde: conhecimento & ações. São Paulo: SES/CPS, 2006. p. 133-148.

VAINER, C.B. Interdisciplinaridade e estudos regionais. In: MELO, J.G. Região, cidade e poder. Presidente Prudente: Gasperr, 1996. p. 11-32.

VIANA, A.L. d`Á. Sistema e descentralização: a política de saúde no Estado de São Paulo nos anos 80. Tese (Doutorado em Economia) – Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1994.

VIANA, A.L. d`Á. et al. Sistema de saúde universal e territó-rio: desafios de uma política regional para a Amazônia Legal. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 23, supl. 2, p. S117- S131, 2007.

VIANA, A.L. d`Á.; LIMA, L.D.; OLIVEIRA, R.G. Descen-tralização e federalismo: a política de saúde em novo contexto – lições do caso brasileiro. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 7, n. 3, p. 493-507, 2002.

WAGNER, G. Efeitos paradoxais da descentralização do Sistema Único de Saúde do Brasil. In: FLEURY, S. (Org.). Democracia, descentralização e desenvolvimento: Brasil e Espanha. Rio de Janeiro: FGV, 2006. p. 417-442.

Page 104: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 107-122, jan./jun. 2008

O tema do federalismo ganhou grande importância na ciência política brasileira a partir da Constituição de 1988, em função da descentralização promovida por aquela Carta e da elevação dos municípios ao status de ente federado, num desenho institucional inédito entre os países federativos. Entretanto, ainda que tenham ganhado proeminência no cenário nacional, os municípios não têm recebido grande destaque pela literatura acadêmica, e os trabalhos que tratam da descentralização e do federalismo no Brasil tendem a voltar sua atenção apenas para os dois níveis de governo analisados pela literatura internacional sobre federações, isto é, governo central e governos subnacionais – entendidos como os governos estaduais. Por sua vez, a parca literatura existente sobre poder local foca-se mais na dinâmica interna dos municípios do que nas suas relações com as demais esferas de governo. No mesmo sentido, as relações intergovernamentais não têm merecido destaque e, conseqüentemente, as formas de cooperação intergover-namentais, tais como consórcios, agências e câmaras setoriais, não são temas analisados em profundidade no Brasil, principalmente no que se refere aos resultados obtidos pelas experiências existentes. Embora haja alguns trabalhos inovadores e relevantes, como o de Abrucio e Soares (2001) e o de Rocha e Faria (2004), os poucos existentes não se aprofundaram na questão dos resultados obtidos pelas experiências de consorciamento ou outras formas de cooperação intergovernamental, atendo-se à descrição dos consórcios em termos de sua es-trutura administrativa e jurídica, ou das questões políticas que envolveram suas institucionalizações.

Todavia, considerando que um dos aspectos centrais dos sistemas federativos é justamente a cooperação entre os níveis de governo, somada à sua independência, conforme apontou Wheare (1964), a questão da co-

Resumo: O trabalho analisa o Consórcio de Saúde do Alto Vale do Ribeira, descrevendo seu desenho institucional e analisando os resultados e as principais transformações ocorridas na rede de serviços dos municípios consorciados, após sua implementação.

Palavras-chave: Municípios. Consórcios intermunicipais de saúde. Relações intergovernamentais.

Abstract: This work analyses the “Alto Vale do Ribeira” Health Consortium, describing its institutional design and analyzing the outcomes and transformations occurred in the health services’ net of the involved municipalities, after its introduction.

Key words: Municipalities. Inter-municipal health consortia. Intergovernmental relations.

MUNICÍPIOS COOPERANDO COM MUNICÍPIOSrelações federativas e consórcios intermunicipais

de saúde no Estado de São Paulo

Vanessa elias de OliVeira

Page 105: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

108 VAneSSA elIAS de OlIVeIRA

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 107-122, jan./jun. 2008

ordenação intergovernamental torna-se crucial para o entendimento do funcionamento dos sistemas fe-derativos, sendo que os tipos de cooperação existen-tes e os resultados alcançados são peças-chave para a compreensão das federações.

O presente trabalho1 objetiva trazer uma contri-buição à literatura sobre federalismo e relações inter-governamentais no Brasil, através do estudo de caso do Consórcio de Saúde do Alto Vale do Ribeira (Ci-savar),2 chamado de Consórcio de Apiaí, procurando compreender os resultados alcançados no provimen-to dos serviços de saúde da região e demonstrando que o principal ganho gerado pela introdução do consórcio não foi apenas a ampliação da oferta dos ser-viços especializados, através do melhor aproveitamento dos serviços já existentes (diminuição da ociosidade do hospital-sede), mas também a diminuição do compor-tamento free-rider por parte dos municípios vizinhos, menores e com menos serviços disponíveis, que pas-saram a contribuir com recursos financeiros para o hospital ao qual já encaminhavam pacientes, mas não recursos, e o aumento do poder de barganha dos municípios envolvidos junto ao governo estadual, levando recursos à região que dificilmente seriam obtidos caso os solici-tassem isoladamente.

Justifica-se a escolha desse consórcio pelo fato de estar inserido em uma das regiões mais pobres do Estado e, portanto, onde a escassez de serviços, principalmente os especializados, deve ser minorada. Tendo em vista que um dos principais objetivos dos consórcios é justamente superar essa carência, consi-derou-se ser essa uma região propícia para o estudo dos efeitos da utilização desse instrumento.

Com isso, busca-se introduzir ao debate os efeitos reais produzidos pela cooperação intergovernamental entre municípios, os quais podem alterar os alcances das políticas públicas locais e, portanto, gerar diferen-ças significativas nos resultados dessas políticas no con-texto da descentralização brasileira pós-1988.3 Enfim, pretende-se demonstrar como a variável “cooperação intergovernamental” é relevante e deve ser levada em consideração nos trabalhos sobre os efeitos da descen-tralização das políticas públicas/sociais no Brasil.

O intuito deste trabalho não é analisar o desenho federativo brasileiro em todos os seus aspectos (so-

cial, fiscal, político, etc.), mas sim apenas no que se refere à cooperação intergovernamental e aos resul-tados dela decorrentes no caso estudado. Para tal, analisam-se, primeiramente, aspectos gerais das fede-rações e o modelo de federalismo adotado pela Cons-tituição de 1988, em especial a descentralização. Em seguida, são descritos os Consórcios Intermunicipais de Saúde em seus aspectos legais, estruturais e orga-nizacionais, bem como suas formas de financiamento e principais objetivos. Na seqüência, apresenta-se um mapeamento dos consórcios no Estado de São Pau-lo para, por fim, focalizar o caso do Consórcio de Saúde do Alto Vale do Ribeira – Cisavar, analisando os resultados no provimento de serviços públicos de saúde à população da região.

Federações e o Federalismo Brasileiro pós-1988

Existem hoje no mundo 25 países federativos,4 além de outras “quase federações”, ou seja, países ampla-mente descentralizados, mas que não são federações formais, constitucionalizadas. Todas essas nações apresentam como característica comum a ampla he-terogeneidade, seja cultural, religiosa, lingüística ou socioeconômica, sustentada pela capacidade de man-ter a unidade na diversidade, conforme sugere Elazar (1987), o que significa a capacidade de manter a uni-dade territorial com a preservação da autonomia local e, portanto, das diferenças regionais existentes.

De acordo com Elazar (1987, p. 5, grifo nosso), um dos principais teóricos do federalismo:

um arranjo federal é uma parceria, estabelecida e regulada por um pacto, cujas conexões internas refletem um tipo especial de divisão de poder que deve prevalecer entre os par-ceiros, baseada no reconhecimento mútuo da integridade de cada um e no esforço de desenvolver uma unidade especial entre eles.

Sendo assim, apreende-se que as federações são sis-temas que dependem fortemente de mecanismos de coordenação e cooperação entre os níveis de governo, e a grande dificuldade a ser superada encontra-se no compartilhamento de funções e responsabilidades en-

Page 106: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

MUnICÍPIOS COOPeRAndO COM MUnICÍPIOS: RelAçõeS FedeRATIVAS ... 109

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 107-122, jan./jun. 2008

tre entes federativos, que, dada sua natureza autônoma, só cooperam com os demais se assim o desejarem, nas circunstâncias que lhes forem convenientes.

No Brasil, tal dificuldade é agravada pelo fato de que, ao contrário das demais federações existentes, não são apenas dois os entes federados autônomos – Estados e governo federal, mas sim três, soman-do-se a estes os municípios. Esse “federalismo tri-no” brasileiro não apenas descentralizou as políticas públicas, repassando aos municípios recursos finan-ceiros e responsabilidades sobre o provimento de serviços sociais, como também lhes concedeu au-tonomia decisória, cabendo-lhes a escolha sobre as políticas a serem implementadas e os recursos que a elas serão alocados, ainda que dentro de certo li-mite constitucional, nos casos da saúde e educação.5 Nesse contexto, em concordância com Abrucio e Soares (2001, p. 26, grifo nosso), por descentraliza-ção entende-se:

[um] processo político que resulta em transferência e/ou conquista de autonomia em termos de poder decisó-rio, sendo diferente, portanto, da mera delegação de funções administrativas.

Embora a descentralização tenha sido percebida, no momento de sepultamento do longo regime auto-ritário brasileiro que vigorou de 1964 a 1982, como uma fórmula mágica de democratização e geração de acesso a políticas sociais universais, a literatura sobre o tema a discute como um mecanismo que apresenta vantagens e desvantagens. Entre as primeiras, estão: a chamada “democratização do poder local”, ou seja, a proximidade dos governos em relação aos cidadãos, resultando (teoricamente) em crescimento da partici-pação política; o aumento da eficácia e da eficiência da ação governamental, através da diminuição dos custos de transação que envolve a centralização ex-cessiva de recursos e atribuições, como, por exemplo, a compra centralizada de medicamentos, para poste-rior distribuição aos 5.560 municípios;6 e o incentivo a inovações administrativas, com base na idéia de que os governos locais seriam mais responsivos às polí-ticas adotadas localmente, em função de interesses eleitorais, o que os levaria a encontrar novos cami-

nhos e soluções criativas aos problemas locais. Por outro lado, a descentralização pode gerar o aumento do poder das oligarquias locais, ou ainda agravar as desigualdades regionais, principalmente em países que não possuem mecanismos compensatórios, de transferências de recursos das regiões mais ricas para as mais pobres, como a Índia e o Brasil (ABRUCIO; SOARES, 2001). Deve-se ainda acrescentar às des-vantagens da descentralização, embora a literatura não aprofunde essa questão, o mau uso dos recursos públicos em países com pouca ou nenhuma capacida-de de auditoria e fiscalização das ações dos governos subnacionais.

No Brasil, a descentralização tem promovido re-sultados diversos, conforme a política social em ques-tão. Arretche (2000, 2002) demonstrou que, enquanto a saúde e a educação alcançaram um alto grau de des-centralização, políticas como habitação e saneamento básico ainda não conseguiram o mesmo desempe-nho. Esse fato explica, ao menos em parte, a razão pela qual a saúde é a área em que as experiências de cooperação intergovernamental mais se desenvolve-ram, em especial os Consórcios Intermunicipais de Saúde: amplamente descentralizada, alguns gestores municipais do SUS encontraram no consorciamento uma forma de superar as dificuldades enfrentadas na provisão local (e “individualizada”) dos serviços pú-blicos de saúde.

as (escassas) experiências de cooperação intergovernamental no Brasil

A década de 1990 presenciou um aumento no nú-mero de experiências de cooperação intermunicipal, sejam estas autônomas, iniciadas pelos próprios go-vernos municipais, ou induzidas pelos governos es-taduais. Embora sem demonstração empírica, Rocha e Faria (2004) apontam, como efeitos positivos da cooperação, o aumento da capacidade de realização e o alcance das políticas públicas; a maior eficiência no uso dos recursos públicos; e maior poder de ne-gociação dos municípios diante dos demais níveis de governo e a de outras instituições, públicas ou priva-das. Nas palavras dos autores:

Page 107: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

110 VAneSSA elIAS de OlIVeIRA

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 107-122, jan./jun. 2008

a cooperação pode ser, assim, uma maneira de reunir esforços para suprir a carência individual dos municípios em recursos financei-ros, tecnológicos e humanos necessários à execução das atribuições que lhe competem (ROCHA; FARIA, 2004, p. 16).

Os Consórcios Intermunicipais são apenas uma das formas existentes de cooperação intergoverna-mental, podendo citar ainda as Câmaras Setoriais, as Associações, as Agências e as Redes de Cooperação. Entre os consórcios existentes no Brasil, os de saúde são os mais difundidos, conforme apontou o Institu-to Polis (apud BNDES):7

A operação conjunta da rede pública de serviços de saúde tem sido o motivo da criação de vários consórcios municipais nos últimos anos. Isto porque é um tipo de serviço que exige gran-des investimentos e que naturalmente é hierarquizado em rede por demanda: um município de pequena população não terá condições (nem fará sentido que o faça) para oferecer todo o leque de serviços possíveis e necessários.

Neste artigo, os Consórcios Intermunicipais de Saúde – CIS serão tratados como:

a união ou associação de dois ou mais municípios visando a resolução de problemas do setor e a busca de objetivos comuns, mediante a utilização conjunta de recursos humanos e mate-riais disponíveis (ROCHA; FARIA, 2004, p. 17).

Os CIS estavam previstos na Lei Orgânica da Saú-de – LOS, de 1990, segundo a qual os municípios podem estabelecer consórcios com o objetivo de de-senvolver ações e serviços de saúde, competindo à administração municipal do SUS a formação do que a LOS chama de “consórcios administrativos intermu-nicipais”. Em seguida, através da Norma Operacional Básica da Saúde de 1993 (NOB 01/93), a formação de consórcios entrou novamente em questão, ficando estipulado que os municípios deveriam levar em con-sideração, na formação dos consórcios,

[as] características geográficas, fluxo de demanda, perfil epide-miológico, oferta de serviços e, acima de tudo, a vontade política expressa pelos diversos municípios de se consorciar ou estabele-cer qualquer outra relação de caráter cooperativo.

Todavia, nenhuma norma ou lei especificava o tipo de regime jurídico, a natureza ou obrigações dos municípios consorciados, e esses eram os únicos ins-trumentos legais que tratavam do consorciamento. Portanto, cabia aos municípios que firmavam o con-sórcio o estabelecimento das regras que o regeriam.

A primeira experiência de CIS surgiu em 1985, no Estado de São Paulo, com o Consórcio de Saúde de Penápolis, o qual serviu de modelo para outros que surgiram posteriormente. Dada a ausência de regula-mentação específica, os consórcios que foram criados ao longo dos anos 1990, em geral, reproduziam mo-delos já existentes, sem grandes inovações estruturais, contando apenas com pequenas adaptações locais, em especial quanto ao escopo, ou seja, quanto à fi-nalidade última do consorciamento e, paralelamente, com a delimitação dos recursos que seriam abrangi-dos pelo consorciamento. Grosso modo, a maioria dos consórcios tem como principais aspectos legais:

a necessidade de aprovação pelas Câmaras Mu-• nicipais de todos os municípios participantes e o posterior registro em Cartório;a definição, pelos prefeitos, do município-sede e • do valor da contribuição de cada parceiro para sua manutenção;a principal fonte de financiamento é proveniente • do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), visto que a Lei n. 8.080/90 (LOS) possibilita a utilização de recursos do Fundo para esse fim (artigo 3º);em geral, os CIS acordam que o município-sede do • consórcio, quase sempre o maior e com mais re-cursos instalados, contribua com o dobro do por-centual do Fundo de Participação destinado pe-los demais municípios (por exemplo, o município sede contribui com 2% do seu FPM e os demais com 1%), mas esses valores variam de consórcio para consórcio, ficando a critério dos gestores mu-nicipais, no momento em que o CIS é criado.Com relação à estrutura administrativa, os consórcios

possuem:Conselho de Municípios, responsável pela condu-• ção da política do consórcio;Conselho Fiscal, responsável pela gestão financei-• ra do consórcio;

Page 108: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

MUnICÍPIOS COOPeRAndO COM MUnICÍPIOS: RelAçõeS FedeRATIVAS ... 111

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 107-122, jan./jun. 2008

Secretaria Executiva, voltada para implementação • das ações acordadas, cujo coordenador é indicado pelo Conselho dos Municípios;participação da comunidade, através dos Conse-• lhos de Saúde dos municípios.Entretanto, a difusão desse mecanismo ocorreu

somente dez anos depois da experiência pioneira de Penápolis, com o envolvimento dos governos esta-duais do Paraná e de Minas Gerais, a partir de 1995. Os governadores tiveram um papel relevante nesse processo, incentivando técnica e financeiramente o consorciamento entre os municípios de seus respec-tivos Estados. De acordo com pesquisa realizada pela Organização Pan-Americana de Saúde – Opas –, em conjunto com o Ministério da Saúde, para o mapea-mento dos consórcios no Brasil, 53% dos dirigentes de CIS entrevistados afirmavam contar com a coope-ração das Secretarias Estaduais de Saúde.

O caso de Minas Gerais é emblemático, pois tra-tou-se de uma política estadual, durante o governo Azeredo (1995-1998), e a Secretaria de Saúde criou um repasse de recursos específicos para os municí-pios consorciados, gerando um incentivo adicional à formação de CIS no Estado (ROCHA; FARIA, 2004). Já a importância do governo federal foi re-lativamente menor, ainda que este considere os CIS “uma das estratégias essenciais para a melhoria dos serviços” (BRASIL, 1997, p. 5), e que esse quadro ve-nha se alterando no governo Lula, com a aprovação da Lei Federal n. 11.107, de 6 de abril de 2005, que re-gulamenta os consórcios públicos, além da demons-tração da intenção do governo federal em cooperar financeiramente com os municípios para a expansão do consorciamento no país.8

Ainda assim, o mecanismo de consorciamento não se difundiu igualmente entre os Estados e municípios do Brasil. Dados da Opas/MS demonstram que, em 2000, menos de 30% dos municípios brasileiros in-tegravam algum Consórcio Intermunicipal de Saúde, ainda que 71,8% dos 5.560 municípios brasileiros possuam menos de 20.000 habitantes (IBGE, 2005), considerados de pequeno porte e que, portanto, poderiam se beneficiar desse mecanismo. Ademais, percebe-se que existe não apenas uma grande con-centração de consórcios e municípios deles integran-

Tabela 1

consórcios intermunicipais de saúde – cis – existentes e número de municípios consorciados

Brasil – 2000

Estados CIS existentes Municípios consorciados

Total 141 1.618

Pará 1 8

Bahia 2 15

Rio Grande do Norte 1 12

Paraíba 7 60

Goiás 1 12

Mato Grosso 8 57

Espírito Santo 10 69

Minas Gerais 70 748

Rio de Janeiro 4 46

São Paulo 7 74

Paraná 18 289

Rio Grande do Sul 3 89

Santa Catarina 9 139

Fonte: Lima e Pastrana (2000).

Tabela 2principais objetivos dos consórcios intermunicipais de

saúde – cis, apontados pelos seus integrantesBrasil – 2000

Objetivos %

Especialidades 95,7

Assessoria técnica 63,8

Atenção hospitalar 35,7

Atenção básica 24,8

Fonte: Lima e Pastrana (2000).

tes nos Estados cujos governadores transformaram o consorciamento numa política de governo, como também uma maior utilização desse instrumento nos Estados do Sul e Sudeste, regiões que concentram 86% das experiências de CIS existentes no país e 90% dos municípios envolvidos.

Page 109: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

112 VAneSSA elIAS de OlIVeIRA

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 107-122, jan./jun. 2008

Esse dado torna-se ainda mais curioso quando se analisam os prin-cipais objetivos dos consórcios. Se-gundo pesquisa da Opas/MS, 95,7% dos consórcios têm por objetivo o acesso a serviços de especialidades, em geral muito dispendiosos, em função tanto da tecnologia envolvida quanto dos recursos humanos neces-sários para sua implementação, 63,8% buscam assessoria técnica através do consorciamento, beneficiando-se dos recursos humanos especializados dos municípios maiores envolvidos, 35,7% objetivam ter acesso a recur-sos hospitalares, uma vez que municí-pios pequenos não possuem hospitais equipados e com serviços de média e alta complexidade, e apenas um quar-to dos municípios consorciados visa o aprimoramento da atenção bási-ca através do CIS, o que é compreensível, já que a atenção básica está sob responsabilidade municipal, e todos os municípios recebem recursos do SUS di-retamente no Fundo Municipal para esse fim.

Assim, surpreende o fato de que as regiões Nor-te e Nordeste, que são as que têm menores recursos de serviços de especialidades, hospitais e assessoria técnica especializada, não utilizem amplamente esse mecanismo como instrumento para resolução dos problemas de provimento de serviços públicos de saúde à população.

Considerando os bons resultados apontados pe-los municípios consorciados, no que se refere às inovações geradas na rede de saúde local, conforme mostra o Gráfico 1, pode-se depreender que, em-bora ainda não seja um mecanismo disseminado, principalmente devido à dificuldade de se firma-rem acordos entre municípios que são autônomos e com freqüência politicamente rivais, o Consórcio Intermunicipal de Saúde deve ser percebido e in-centivado como uma forma eficaz de solução dos problemas de escassez de serviços e de capacidade técnica especializados enfrentados pelos municípios e re giões mais carentes do país.

Nas regiões Norte e Nordeste, dois fatores podem ser citados como inibidores da cooperação intermu-nicipal. Em primeiro lugar, especialmente no caso da região Norte, os municípios são muito grandes, dis-tantes entre si e de difícil acesso, o que torna ineficaz o consorciamento: se este é um instrumento que visa facilitar o acesso das pessoas aos serviços da região, não há muito sentido criar um consórcio para mu-nicípios muito distantes entre si, pois os munícipes teriam dificuldade em acessar os serviços disponíveis. Em segundo lugar, regiões muito pobres podem não contar com um patamar mínimo de serviços desejá-vel para firmarem consórcios, uma vez que, por não possuírem os mínimos equipamentos e recursos de saúde, o consorciamento não produziria ganhos adi-cionais para os municípios envolvidos em termos de serviços disponibilizados aos cidadãos.9 Ainda assim, o consorciamento poderia servir, nesses casos, como uma forma desses municípios aumentarem seus po-deres de barganha junto aos governos estaduais e fe-deral, já que, ao se unirem, teriam mais chances de obterem recursos para as suas regiões. Foi justamente o que ocorreu no caso do Cisavar, conforme será vis-to adiante.

Gráfico 1principais inovações geradas pelos consórcios intermunicipais de

saúde – cis (1), segundo seus integrantesBrasil – 2000

Fonte: Lima e Pastrana (2000).(1) Questionário de múltipla escolha.

97,8%

97,1%

93,5%

93,4%

90,6%

80,3%

44,5%

Ampliação da oferta

Melhoria do acesso

Articulação política

Organização da referência

Planejamento integrado

Infra-estrutura, equipamentos einsumos

Outras

Page 110: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

MUnICÍPIOS COOPeRAndO COM MUnICÍPIOS: RelAçõeS FedeRATIVAS ... 113

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 107-122, jan./jun. 2008

cooperação intermunicipal para a saúde no estado de são paulo

O Estado de São Paulo conta atualmente com 14 CIS,10 o dobro da quantidade apresentada em 2000, na época do levantamento realizado pela Opas/MS. Assim como no restante do país, a maioria dos consórcios encontra-se em pequenos municípios, abrangendo 139 municipa-

Quadro 1

consórcios intermunicipais de saúdeestado de são paulo – 2005

Consórcios Municípios consorciados Ano de Formação

População Municípios

CIMSA Nova Canaã Paulista, Rubinéia, Santa Clara d’Oeste, Santa Fé do Sul, Santa Rita d’Oeste, Três Fronteiras. 1995 42.817 6

Cisa Alto Alegre, Avanhandava, Barbosa, Braúna, Glicério, Luiziânia, Penápolis. 1985 89.225 7

Cisavar Adrianópolis (Paraná), Apiaí (1), Barra do Chapéu (1), Iporanga (1), Itaóca (1), Itapirapuã Paulista (1), Ribeira (1). 2001 46.750 7

Cisnap Dracena, Flora Rica, Irapuru, Junqueirópolis, Monte Castelo, Nova Guataporanga, Ouro Verde, Panorama, Paulicéia, Santa Mercedes, São João do Pau d’Alho, Tupi Paulista. 1998 117.354 12

Civap Assis, Borá, Campos Novos Paulista, Cândido Mota, Cruzália, Echaporã, Florínia, Ibirarema, Iepê, Lutécia, Maracaí, Nantes, Oscar Bressane, Palmital, Paraguaçu Paulista, Pedrinhas Paulista, Platina, Quatá, Rancharia, Tarumã. 2001 299.323 20

Conderg Aguaí, Águas da Prata, Caconde, Casa Branca, Divinolândia, Espírito Santo do Pinhal, Itobi, Mococa, Santa Cruz das Palmeiras, Santo Antonio do Jardim, São João da Boa Vista, São José do Rio Pardo, São Sebastião da Grama, Tambaú, Tapiratiba, Vargem Grande. 1985 473.142 16

Conisca Águas de Lindóia, Lindóia, Serra Negra, Socorro. 2004 82.963 4CIS Birigui Birigui, Brejo Alegre, Buritama, Clementina, Coroados, Gabriel

Monteiro, Lourdes, Piacatu, Santópolis do Aguapeí, Turiúba. 2000 146.618 10

CIS Capivari Capivari, Elias Fausto, Mombuca, Rafard. 1997 71.844 4

CIS Conchas Anhembi, Bofete, Conchas, Pereiras, Porangaba. 1986 44.048 5CIS Itanhaém, Peruíbe, Itariri, Pedro de Toledo Itanhaém (1), Itariri (1), Pedro de Toledo (1), Peruíbe (1). 2000 170.850 4Consaúde Apiaí, Barra do Chapéu, Barra do Turvo, Cajati, Cananéia, Eldorado,

Iguape, Ilha Comprida, Iporanga, Itanhaém, Itaóca, Itapirapuã Paulista, Itariri, Jacupiranga, Juquiá, Juquitiba, Miracatu, Mongaguá, Pariquera-Açu, Pedro de Toledo, Peruíbe, Registro, Ribeira. 1989 549.299 26

Consirj Aparecida d’Oeste, Aspásia, Dirce Reis, Dolcinópolis, Jales, Marinópolis, Mesópolis, Palmeira d’Oeste, Paranapuã, Pontalinda, Santa Albertina, Santa Salete, Santana da Ponte Pensa, São Francisco, Urânia, Vitória Brasil. 2001 102.578 16

Ummes Bernardino de Campos, Canitar, Chavantes, Espírito Santo do Turvo, Ipauçu, Manduri, Óleo, Ourinhos, Ribeirão do Sul, Salto Grande, Santa Cruz do Rio Pardo, São Pedro do Turvo, Timburi. 1994 225.555 13

Fonte: CPS-SES/SP (2005).(1) Município pertencente a mais de um consórcio.

lidades e uma população de 2.244.766 habitantes, o que corresponde apenas a 6% da população total do Estado (CPS-SES/SP, 2005). Os consórcios e respectivos mu-nicípios envolvidos são apresentados no Quadro 1.

De acordo com o levantamento dos CIS, realizado pela Secretaria Estadual de Saúde, os consórcios podem ser assim distribuídos, de acordo com seus objetivos principais:

Page 111: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

114 VAneSSA elIAS de OlIVeIRA

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 107-122, jan./jun. 2008

oito (57%) envolvem a prestação de atendimen-• to de média complexidade em prontos-socorros, hospitais e maternidades;oito (57%) envolvem atendimento em clínica mé-• dica especializada, como, por exemplo, oftalmo-logia, otorrinolaringologia, ortopedia, cardiologia, neuroclínica, dermatologia e oncologia;sete (50%) prestam serviço de apoio diagnóstico, • envolvendo a realização de exames laboratoriais;quatro consórcios (29%) possuem UTI móvel e • prevêem a remoção de pacientes graves para aten-dimento no pólo regional;três consórcios (21%) prevêem a contratação de • pessoal, já que este se tornou um problema para os gestores, após o limite de gastos imposto pela lei de responsabilidade fiscal.Entretanto, ainda que o consorciamento tenha au-

mentado nos últimos anos no Estado de São Paulo, esse é um instrumento pouco utilizado pelos gestores municipais como forma de ampliação dos serviços disponibilizados aos cidadãos, abrangendo apenas 21% dos municípios do Estado, ou mesmo como mecanismo de aumento do poder de barganha destes junto ao gestor estadual. Mas o governo, embora não tenha adotado o consórcio como uma política públi-ca para o aprimoramento da rede SUS estadual, tem ajudado financeira e tecnicamente alguns consórcios que se firmaram no Estado,11 como é o caso do Con-sórcio de Saúde do Alto Vale do Ribeira.

o consórcio de saúde do alto vale do riBeira – cisavar

O Consórcio de Apiaí, município-sede do Consór-cio do Alto Vale do Ribeira – Cisavar, foi formado em 2001, após uma dissidência dos municípios en-volvidos no grande consórcio existente na região do Vale do Ribeira, o Consaúde.12 O principal escopo do Cisavar é a manutenção do Hospital de Apiaí (CPS-SES/SP, 2005), que é um hospital filantrópico (Santa Casa de Misericórdia) e foi reformado após a coope-ração estabelecida entre os municípios envolvidos e ajuda financeira do governo estadual, que repassou, em 2002, recursos na ordem de R$ 480.000,00 para investimentos em saúde em Apiaí.13

O Cisavar engloba sete municípios da região, sen-do um deles no Estado do Paraná. São eles: Adria-nópolis (Paraná), Apiaí, Barra do Chapéu, Iporanga, Itaóca, Itapirapuã Paulista e Ribeira. Ao todo, o con-sórcio abrange uma população aproximada de 46.700 pessoas. Apenas o município-sede, Apiaí, possui mais de 20.000 habitantes (27.621),14 sendo todos os demais de pequeno porte, com uma população que varia de 3.000 a 6.000 habitantes, aproximadamente, fortemente SUS-dependente. De acordo com dados da Agência Nacional de Saúde (ANS), apenas 2,2% da população desses municípios, em média, possui assistência médica privada de saúde, sendo que em municípios, como Itapirapuã Paulista, esse valor não chega a 0,5%.

A análise do consórcio levará em consideração apenas os municípios do Estado de São Paulo, uma vez que Adrianópolis, pertencente ao Paraná, passou a integrar o consórcio somente em 2003 e sua inclu-são na análise poderia gerar uma distorção nos resul-tados. Além disso, dado o pequeno tempo de partici-pação desse município no consórcio, acredita-se que sua exclusão não afetará os resultados encontrados.

recursos Financeiros

O Cisavar é financiado com recursos provenientes dos municípios envolvidos e do governo esta dual. Apiaí, que é a sede do consórcio, destina 4% do Fun-do Municipal de Saúde à manutenção do CIS, e os demais municípios contribuem com 2% de seus Fun-dos. O município-sede contribui com uma parcela maior visto que os recursos vão para a manutenção do Hospital de Apiaí e são os munícipes dessa cidade os que mais utilizam os serviços por ele prestados. Esses valores são descontados, por Lei Municipal, dos Fundos de Saúde de cada município e creditados na conta bancária do consórcio. O Estado, por sua vez, contribui com uma parcela mensal semelhante àquela dos municípios envolvidos que não são sede, repassando os recursos diretamente ao Hospital de Apiaí (CPS-SES/SP, 2005).

Analisando as despesas totais em saúde no perío-do 2001 a 2003, pode-se perceber que houve uma ampliação dos gastos com saúde por habitante em

Page 112: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

MUnICÍPIOS COOPeRAndO COM MUnICÍPIOS: RelAçõeS FedeRATIVAS ... 115

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 107-122, jan./jun. 2008

Apiaí, independentemente dos repasses de recursos SUS. Segundo dados do Datasus, houve aumento da despesa per capita e da despesa com recursos próprios, ainda que com a manutenção dos mesmos patamares de transferências SUS, como demonstra a Tabela 3.

Assim, embora não se possa afirmar que foi a in-trodução do consórcio que gerou tal ampliação – até porque a Emenda Constitucional n. 29 já estava em vigor15 –, o fato é que ela ocorreu sem que houvesse aumento dos recursos SUS, demonstrando um pe-queno crescimento dos recursos próprios destinados à saúde no município-sede do consórcio.

produção de serviços

A literatura existente sobre o consorciamento no Bra-sil aponta como um dos principais objetivos desse mecanismo o aumento do acesso a serviços, especial-mente em municípios onde este é baixo, em função da escassez tanto de profissionais quanto de equipamen-tos especializados (NICOLETTO; CORDONI JR.; COSTA, 2005; RIBEIRO; COSTA, 1999). Da mes-ma forma, entre as principais inovações dos consór-cios, segundo os gestores entrevistados pela pesquisa Opas/MS, anteriormente apresentada, está justamente a ampliação da oferta de serviços (Gráfico 1).

Tabela 3

despesas por Habitante e transferências do susmunicípio de apiaí –2001-2004

Dados e indicadores 2001 2002 2003 2004

Despesa total com saúde por habitante (R$) 105,07 133,61 141,10 148,83

Despesa com recursos próprios por habitante 70,98 110,93 109,20 109,97

Transferências SUS por habitante 34,10 22,68 31,89 38,86

Despesa total com saúde 2.858.983,89 3.646.724,33 3.859.260,79 4.079.909,57

Despesa com recursos próprios 1.931.197,33 3.027.684,93 2.986.886,94 3.014.615,80

Transferências SUS 927.786,56 619.039,40 872.373,85 1.065.293,76

Despesa com pessoal 1.485.553,52 1.899.805,97 2.153.890,07 2.294.606,10

Fonte: Datasus.

Entretanto, ao se analisarem os dados da produção de serviços ambulatoriais nos municípios do Cisavar, considerados em conjunto, percebe-se que não hou-ve aumento significativo no número de atendimen-tos ambulatoriais totais ao longo dos anos, havendo inclusive decréscimo na produção ambulatorial, até mesmo após a introdução do consórcio, como pode ser verificado no Gráfico 2.

Esses dados mostram que a criação do consór-cio não gerou, na região de Apiaí, um aumento na produção ambulatorial total.16 O pico de produção de serviços em 2001 e 2002 foi resultante de um aumento gradativo, que vinha ocorrendo ano a ano, e não de uma elevação brusca, a partir da criação do Cisavar.

Considerando apenas a produção ambulatorial para o município de Apiaí, para o qual os recursos do consórcio são canalizados, os dados continuam apresentando uma pequena variação ao longo dos anos, oscilando gradualmente, entre 1996 e 2004, sem nenhuma queda ou elevação brusca no número de consultas, tal como no caso do conjunto de mu-nicípios do Cisavar. Similarmente, não houve aumen-to na produção ambulatorial total per capita em Apiaí após a criação do consórcio, conforme demonstra o Gráfico 3.

Page 113: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

116 VAneSSA elIAS de OlIVeIRA

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 107-122, jan./jun. 2008

Gráfico 2variação na produção ambulatorial do cisavar

Brasil – 1995-2004

Fonte: Datasus.

Gráfico 3produção ambulatorial per Capitamunicípio de apiaí – 1996-2005

Fonte: Datasus.

13,44

13,54

0,00

2,00

4,00

6,00

8,00

10,00

12,00

14,00

1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005

0

100.000

200.000

300.000

400.000

500.000

600.000

1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004

Page 114: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

MUnICÍPIOS COOPeRAndO COM MUnICÍPIOS: RelAçõeS FedeRATIVAS ... 117

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 107-122, jan./jun. 2008

Também não houve ampliação no número de leitos hospitalares na região com a implantação do consórcio. Apiaí, que apresentava 74 leitos hospita-lares de gestão municipal e/ou filantrópica17 antes do consórcio, mantém esse número até o presente. Iporanga, o único que também possui leitos hospita-lares entre os municípios do Cisavar, além de Apiaí, registrava, entre 1994 e 2001,18 os mesmos 14 leitos, segundo dados do Datasus.

Todavia, a introdução do consórcio parece ter ge-rado resultados positivos em termos de produção de serviços especializados, justamente aqueles mais escassos em regiões pobres e com muitos municípios de pe-queno porte, como no Vale do Ribeira. Analisando os dados da produção ambulatorial de maneira desagre-gada separando consultas médicas básicas de exames e cirurgias ambulatoriais, percebe-se que, no período anterior ao Cisavar, a média de consultas básicas era próxima à verificada após a sua criação, mas as mé-dias de exames e pequenas cirurgias eram bem infe-riores, apresentando aumento da ordem de 30,5% e 47%, respectivamente (Tabela 4).

Assim, o consórcio parece ter produzido bons resultados no que diz respeito ao acesso a serviços mais especializados, como cirurgias ambulatoriais, e de maior complexidade, como internação hospitalar, o que pode ser comprovado pelo número de consultas prestadas a pacientes de municípios da área de abran-gência do Cisavar, que não de Apiaí – que serão cha-mados aqui de “pacientes externos”.

Tabela 4média de atendimentos, segundo grupo de procedimentos

município de apiaí – out. 1999-2004

Grupo de procedimentos (após out./1999) Média por mês (out./1999-2001)

Média por mês (2002-2004)

Aumento (%)

Ações médicas básicas 3.926,5 4.099,2 4,40

Cirurgias ambulatoriais especializadas 44,8 65,9 47,10

Exames (1) 2.593,4 3.383,9 30,50

Fonte: Datasus.(1) Inclui exames da categoria “procedimentos especializados”, que são: patologia clínica, radiodiagnóstico, exames ultra-sonográficos e diagnose.

O Gráfico 4 demonstra a diferença entre os nú-meros de pacientes internados em Apiaí que residem no município e os que não residem. Até 1998, Apiaí apresentava predomínio de invasão de pacientes de outros municípios e, por isso, recebia o pagamento de Autorização de Internação Hospitalar – AIH por pacientes que eram internados no seu hospital, mas que não residiam na cidade. De 1999 a 2001, entre-tanto, o município passou a apresentar predomínio de evasão de pacientes para hospitais de outras loca-lidades, o que demonstra a alteração na capacidade do hospital em receber e atender pacientes. Somen-te a partir de 2002, coincidindo com o período de formação do consórcio e de investimentos estaduais no hospital, é que o Hospital de Apiaí voltou a ter invasão de pacientes, sendo que a diferença entre o total de AIHs pagas e o número de AIHs pagas aos pacientes do município de Apiaí voltou a ser positi-va, indicando que o hospital retomou o atendimento a pacientes de outros municípios. A partir de então, o número de procedimentos externos prestados au-mentou gradativamente. A reforma do hospital pare-ce ter ajudado sua reestruturação e a retomada do seu papel de hospital “regional”, no sentido de ser um es-tabelecimento de referência para aqueles municípios, ainda que de pequeno porte.

Esse fato pode ser entendido como um dos efei-tos do consorciamento e da conseqüente reforma do Hospital de Apiaí, uma vez que o aumento de aten-dimentos a munícipes externos ocorreu justamente

Page 115: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

118 VAneSSA elIAS de OlIVeIRA

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 107-122, jan./jun. 2008

no período posterior à instituição do consórcio. Ade-mais, os dados corroboram a afirmação do secretário estadual de Saúde sobre o Consórcio de Apiaí:

A gente tem um consórcio aqui em São Paulo, o consórcio de saúde de Apiaí, que tem a cidade de Apiaí como sede do con-sórcio e mais seis outras cidades. A cidade de Apiaí, que é a maior, tem 30 mil habitantes; todas as outras juntas dão mais uns vinte mil habitantes. Dá um total de 50 mil habitantes no consórcio. O Hospital do consórcio é uma Santa Casa que fica na cidade de Apiaí. Quando começou, o Hospital de Apiaí estava precisando de reformas. Nós repassamos um recurso para a reforma do Hospital. Ele é a sede do consórcio. [...] E ele [o consórcio] funciona muito bem. Todos participam igualmente, todos mandam no hospital e a direção do hospital é contratada, é um profissional, e o presidente do consórcio cada ano é um dos sete [prefeitos]; eles vão mudando (Dr. Luiz Roberto Barradas Barata).19

Dessa forma, pode-se afirmar que o Cisavar, em-bora não tenha gerado aumento no número de con-sultas médicas básicas prestadas, ou na quantidade

de leitos hospitalares disponibilizados, criou uma reestruturação e organização dos serviços especiali-zados de saúde prestados pelo hospital-sede do con-sórcio, em Apiaí, proporcionando o crescimento da produção de serviços especializados, como exames e cirurgias ambulatoriais. Ou seja, o consórcio gerou um melhor aproveitamento dos recursos instalados já existentes. Ao ser questionada20 sobre os principais ganhos alcançados pela criação do consórcio, a atual secretária municipal de Saúde de Apiaí, Sra. Márcia de Jesus da Silva, afirma que:

Com a implantação do Cisavar, o principal ganho [para a prefeitura] foi o da minimização de gastos com transportes, sendo que anteriormente os pacientes eram encaminhados para Sorocaba para [os serviços de] especialidades. [Para a po-pulação, houve] diminuição no tempo de espera por uma consulta especializada, agilidade e resolutividade a nível local.

Além disso, Apiaí passou a receber recursos pe-los serviços prestados aos pacientes externos, através dos repasses do Cisavar, e assim passou a ter incen-

Gráfico 4diferença entre o total de autorizações de internação Hospitalar – aiHs pagas

e o número de aiHs pagas a pacientes do municípiomunicípio de apiaí – 1995-2004

Fonte: Datasus.

1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004

-800

-600

-400

-200

0

200

400

600

800

464 489

13577

-30

-552

-10

28

459

623

Page 116: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

MUnICÍPIOS COOPeRAndO COM MUnICÍPIOS: RelAçõeS FedeRATIVAS ... 119

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 107-122, jan./jun. 2008

tivos – ou, ao menos, deixou de ter “desincentivos” – para prestar o atendimento aos munícipes das cida-des parceiras, minorando o comportamento free-rider por parte daqueles municípios, nos termos de Olson (1999). Ao mesmo tempo, os residentes das cidades consorciadas receberão o tratamento necessário no hospital de Apiaí, diminuindo o risco de ter o aten-dimento negado, como ocorre freqüentemente com pacientes de municípios que “pegam carona” nos serviços prestados pelas cidades de maior porte cir-cunvizinhas, ou de ter que realizar um longo desloca-mento, para um hospital de município mais distante. Ademais, o comportamento do tipo carona também foi minorado com a diminuição do envio de muní-cipes de Apiaí para Sorocaba, conforme salientou a secretária municipal.

Enfim, ganhou-se na eficiência dos serviços da re-gião, trazendo economia de escala, questão relevante a ser considerada, conforme afirmaram Teixeira, Mac Dowell e Bugarin (2002, p. 1), analisando os consór-cios de uma perspectiva econômica:

Em municípios de pequeno porte, a oferta de serviços especiali-zados exige, muitas vezes, escala de produção incompatível com a demanda daquela população. A possibilidade de agregação dos municípios pode, portanto, trazer significativas economias de escala. Além disso, em várias regiões, há concentração de leitos hospitalares nos municípios maiores, como no caso de Penápolis [...]. O consórcio teria o potencial de reduzir a capa-cidade ociosa nesses municípios grandes ao disponibilizar leitos aos municípios menores que aderissem à parceria.

Foi exatamente o que ocorreu em Apiaí. Hou-ve uma reestruturação dos recursos já existentes, através da concentração de recursos no hospital do município-sede, de forma a dar maior racionalidade ao sistema, minorando a ociosidade do mesmo e au-mentando a prestação de serviços especializados e, ao mesmo tempo, diminuindo o comportamento free-rider, tanto por parte dos municípios vizinhos, meno-res e com menos serviços disponíveis, que passaram a contribuir financeiramente para a prestação de ser-viços especializados pelo hospital de Apiaí, quanto por parte de Apiaí, que diminuiu o envio de pacientes para serviços especializados em Sorocaba.

conclusão

O tema das formas de relacionamento intergoverna-mental e, mais especificamente, dos Consórcios In-termunicipais, é ainda pouco explorado pela ciência política em suas análises sobre políticas públicas. Ain-da que relevante, os estudos sobre os Consórcios de Saúde encontram grande dificuldade em aprofundar os seus achados em função da falta de dados histó-ricos no Brasil, em especial para os pequenos muni-cípios, que são os que mais se consorciam – o que dificulta a demonstração dos efeitos gerados na rede SUS após a introdução dos consórcios.

Ainda assim, algumas aferições podem ser feitas com base nos dados existentes. Os resultados encon-trados para o caso de Apiaí mostraram que, embo-ra não tenha havido aumento no número de servi-ços prestados na região, o Hospital de Apiaí passou (ou voltou) a atender pacientes externos, recebendo recursos do SUS e do próprio Cisavar para isso. A instituição do consórcio, portanto, tornou-se um facilitador para a recepção de pacientes das cidades consorciadas pelo município-sede, organizando, as-sim, a prestação de serviços na região – dado que esses pacientes seriam encaminhados para um hospi-tal da região de qualquer forma, já que a maioria dos demais municípios integrantes do Consórcio de Apiaí não possui hospital próprio, mas sem que repassas-sem dinheiro por esse encaminhamento, ou seja, pe-gando carona nos serviços prestados por Apiaí.

Um dos principais problemas enfrentados hoje pelo SUS é justamente a dificuldade em promover a regionalização, isto é, a integração dos diferentes tipos de serviço existentes em uma região, de forma a possibilitar o acesso universal aos serviços. Não é raro encontrar menções às ambulâncias de pequenos municípios que chegam diariamente aos grandes cen-tros urbanos de suas regiões, levando pacientes para receberem atendimento e serviços que não são pres-tados nos seus municípios de origem.

Entretanto, deve-se considerar que não é viá-vel economicamente pequenos municípios terem certos tipos de serviço, em especial os de média e alta complexidade, com equipamentos, caros e profissionais especializados para atender apenas

Page 117: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

120 VAneSSA elIAS de OlIVeIRA

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 107-122, jan./jun. 2008

pouquíssimos casos graves por ano. Seria um des-perdício de recursos públicos. Enfim, trata-se de um problema de escala, conforme apontou o secretário estadual de Saúde:21

Um município de 5.000 habitantes querendo ser gestor pleno de saúde. Gestor pleno do quê? Em torno de 50 partos, faz o quê? Por ano, dá um parto por semana... Fazer uma ma-ternidade para atender um parto por semana? Vai ser a ma-ternidade mais cara do mundo! [...] Uma maternidade que só faz um parto por semana não pode ser uma boa maternidade. Então, não compete a um município de 5 ou 10 mil habitantes ter uma maternidade. Isso deve ficar para uma região de 40 a 50 mil pessoas. Aí comporta você ter uma maternidade, porque aí você vai ter pelo menos um parto por dia. Assim você consegue montar uma maternidade (Dr. Luiz Roberto Barradas Barata).

Considerando-se as questões expostas anterior-mente, pode-se afirmar que, embora não tenha ge-rado um aumento na rede de serviços públicos de saúde, o consórcio produziu, na região de Apiaí, uma organização do acesso aos serviços existentes, algo que vem sendo buscado, sem grandes avanços, pelo processo de regionalização do SUS. Por isso, pode-se dizer que a organização do sistema, em termos de encaminhamento de pacientes e de pagamentos pelos municípios pela utilização do Hospital de Apiaí, foi o principal avanço obtido pelo consórcio.

Somado a isso, cita-se, ainda, algo que parece ter sido conseqüência do consorciamento, que é o au-mento do poder de barganha dos municípios junto ao governo estadual, o que pôde ser verificado pelos repasses para investimento e custeio do governo es-tadual ao Hospital de Apiaí, auxiliando a manutenção do consórcio. Assim como afirmou o ex-secretário adjunto da Secretaria Estadual de Saúde:22

Ele [o consórcio] pode ser apenas um meio de racionali-zação administrativa para aumentar o poder de barganha no mercado, seja no mercado público ou no mercado de oferta (Dr. Oswaldo Yoshimi Tanaka).

Ainda que não se possa afirmar que sem o consór-cio os municípios não conseguiriam o apoio estadual

para a reforma e manutenção do Hospital de Apiaí, o fato de terem se comprometido formalmente, através do consorciamento, a investir e manter o hospital pa-rece ter gerado um incentivo ao gestor estadual. Do ponto de vista do Estado, é muito mais racional para a Secretaria Estadual de Saúde investir no desenvolvi-mento dos serviços de uma região do que apenas de um município. O consorciamento é, de certa forma, uma garantia de que os recursos investidos serão uti-lizados e aproveitados por toda a região englobada pelo consórcio, e daí o maior interesse estadual em investir e colaborar.

Por outro lado, os municípios consorciados sen-tem-se fortalecidos, aumentando o seu poder na busca por recursos estaduais para a região. Certa-mente, terão maior poder de negociação unidos do que teriam caso fossem isoladamente em busca dos recursos estaduais. A probabilidade de terem seu pe-dido negado é muito maior quando isolados, princi-palmente nas situações em que o partido político no poder local é opositor do partido (ou da coalizão) no comando do governo estadual.

Aliás, a questão partidária também deve ser con-siderada em análises sobre relações intergoverna-mentais, ainda mais no caso do consorciamento, uma vez que a ajuda estadual aos municípios pode ou não ocorrer, de acordo com a “vontade” (ou interesse) do gestor. No caso do Consórcio de Apiaí, esse dado não deixa de ser relevante: das seis prefeituras que formaram o consórcio, três eram governadas por partidos da base aliada do governador (PFL, PPB e PTB) e outras três pelo próprio partido do governa-dor, o PSDB. Ou seja, todas as prefeituras envolvidas eram da base do governo estadual.

Embora apenas análises comparadas possam mos-trar se a cooperação Estado-municípios, para a manu-tenção de consórcios, se dá única ou majoritariamen-te entre partidos aliados, o fato é que a “concordância partidária” esteve presente no caso do Consórcio de Apiaí e pode ter sido um fator facilitador da coope-ração intergovernamental. Mas, reafirma-se, apenas análises comparadas poderão verificar o peso efetivo dessa variável.

Enfim, ainda que a “ampliação da oferta” apareça como a principal inovação trazida pela instituição dos

Page 118: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

MUnICÍPIOS COOPeRAndO COM MUnICÍPIOS: RelAçõeS FedeRATIVAS ... 121

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 107-122, jan./jun. 2008

consórcios, segundo a pesquisa da Opas/MS com os gestores do SUS nos municípios (LIMA; PASTRA-NA, 2000), ela não parece ter sido a grande inovação no caso de Apiaí. A “articulação política”, que tam-bém surge como uma das principais inovações apon-

Notas

1. A primeira versão deste trabalho foi apresentada no 2006 Meeting of Latin American Studies Association – LASA, em março de 2006, em Porto Rico, com o título Consórcios Intermu-nicipais: mecanismos de cooperação intergovernamental e de integração dos serviços de saúde.2. Agradeço a José Dínio Vaz Mendes, assessor do secretário estadual de Saúde, por todas as informações fornecidas e co-mentários à versão final, bem como a Maria Luiza Stucchi e Olímpio Nogueira Bittar, coordenador da Coordenadoria de Planejamento em Saúde da SES/SP, pela disponibilização do Relatório sobre Consórcios no Estado de São Paulo. Agradeço também aos pareceristas anônimos da Revista São Paulo em Perspectiva pelas relevantes sugestões, que contribuíram enor-memente à versão final do artigo.3. Os resultados alcançados pelo Consórcio de Apiaí serão ana-lisados no tocante à rede de serviços, e não aos resultados de saúde produzidos por ela. Isso porque os indicadores de saúde variam não apenas em função de políticas públicas locais, mas também de políticas mais amplas, como a melhoria da educa-ção, da rede de saneamento e das condições socioeconômicas da população. Assim, não se pode afirmar que o consorcia-mento foi a causa da diminuição, por exemplo, da mortalidade infantil nos municípios analisados, ainda que a melhora na rede de serviços possa ter contribuído para essa diminuição.4. Dados do Forum of Federations. Disponível em: <www.forumfed.org/federalism/cntrylist.asp?lang=en>. Acesso em: 18 nov. 2005.5. Estão definidas constitucionalmente as obrigatoriedades de gastos mínimos de 25% dos recursos municipais próprios em educação e 15% em saúde.6. Dados do IBGE (2005) para 2002.7. Retirado do site do BNDES.8. O que, no entanto, não parece ter se convertido em ação, ao menos até o momento.9. Agradeço a Cláudio Couto por ter chamado atenção para essa questão.10. Excluindo o Consórcio do ABC, que, apesar de abarcar também a área da saúde, está mais voltado para o tratamento do lixo e outras questões atinentes aos serviços públicos.

11. De acordo com matéria publicada no jornal Expresso Popu-lar, de Santos, em 19/12/2006, há possibilidade de ajuda finan-ceira, por parte do Estado, para que seja criado um consórcio entre as cidades de Itanhaém, Mongaguá e Peruíbe voltado para a plena utilização dos leitos de um hospital público já em funcionamento em Itanhaém.12. Os municípios do Cisavar ainda estão legalmente vincu-lados ao Consaúde, embora não estejam mais contribuindo financeiramente para a manutenção deste consórcio.13. De acordo com informação fornecida pela Secretaria Esta-dual de Saúde.14. Dados de 2006, utilizados pelo TCU para determinação das cotas do Fundo de Participação dos Municípios (Fonte: Datasus).15. A Emenda Constitucional n. 29, de 2000, obriga que Esta-dos e municípios gastem no mínimo 12% e 15%, respectiva-mente, dos recursos próprios em saúde.16. Ribeiro e Costa (1999), analisando o Consórcio de Pená-polis (Cisa), no Estado de São Paulo, mostraram que também nesse caso não houve aumento no número de procedimentos ambulatoriais, assim como no número de consultas médicas, inclusive per capita.17. Contabilizaram-se apenas os leitos hospitalares de nature-za municipal ou filantrópica, uma vez que o intuito é captar a transformação ocorrida na rede municipal do SUS. Os filantró-picos entram nessa conta porque, em grande parte dos peque-nos municípios, são os únicos hospitais locais existentes, e as prefeituras repassam recursos a estes para o atendimento dos pacientes do SUS. Historicamente, as Santas Casas prestam serviços gratuitos à população e, por isso, recebem recursos públicos pelos serviços prestados.18. Último ano para o qual o Datasus disponibiliza informação sobre leitos hospitalares em Iporanga.19. Secretário de Saúde do Estado de São Paulo, entrevista em janeiro de 2005.20. Entrevista concedida à autora em janeiro de 2007, via meio eletrônico.21. Dr. Luiz Roberto Barradas Barata, secretário de Saúde do Estado de São Paulo, entrevista em janeiro de 2005.22. Dr. Oswaldo Yoshimi Tanaka, ex-secretário adjunto da Saúde do Estado de São Paulo, entrevista em março de 2005.

tadas pelos gestores, mostrou-se um ganho impor-tante gerado pela criação do Cisavar na região. E este é um benefício substancial, dada a dificuldade que o SUS vem encontrando para a promoção da regionali-zação proposta pela Constituição de 1988.

Page 119: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

122 VAneSSA elIAS de OlIVeIRA

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 107-122, jan./jun. 2008

Referências Bibliográficas

ABRUCIO, F.; SOARES, M. Redes Federativas no Brasil: Coopera-ção intermunicipal no Grande ABC. São Paulo: Fundação Konrad Adenauer, 2001.

ARRETCHE, M. Federalismo e relações intergovernamentais no Brasil: a reforma dos programas sociais. Dados – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 45, n. 3, 2002.

______. Estado Federativo e políticas sociais: determinantes da des-centralização. Rio de Janeiro/São Paulo: Revan/Fapesp, 2000.

BNDES. Disponível em: <http://federativo.bndes.gov.br/dicas>. Acesso em: 18 nov. 2005.

BRASIL. O consórcio e a Gestão Municipal de Saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 1997.

COELHO, J.R.; VELOSO, C. Consórcios Intermunicipais de Saúde em Minas Gerais. Divulgação em saúde para debate, v. 17, p. 36-38, mar. 1997.

CPS-SES/SP. Consórcios Intermunicipais de Saúde no Estado de São Paulo. Relatório. São Paulo, set. 2005. (Produzido por Olímpio Nogueira Bittar e Maria Luiza Stucchi).

ELAZAR, D. Exploring Federalism. Alabama: The University of Alabama Press, 1987.

IBGE. Brasil em síntese – dados geográficos. Rio de Janeiro, 2005. Disponível em: <www.ibge.gov.br/brasil_em_sintese/ >. Acesso em: 29 nov. 2006.

LIMA, A.P.; PASTRANA, R. Diagnóstico da situação atual dos Consórcios Intermunicipais de Saúde no Brasil. Relatório de Pesquisa, Opas/MS, 2000.

NICOLETTO, S.C.; CORDONI Jr., L.; COSTA, N.R. Consórcios Intermunicipais de Saúde: o caso do Paraná, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 29-38, jan./fev. 2005.

OLSON, M. A lógica da ação coletiva. São Paulo: Edusp, 1999.

RIBEIRO, J.M.; COSTA, N.R. Consórcios Intermunicipais no SUS. Brasília: Ipea, 1999. (Texto para discussão, n. 669).

ROCHA, C.A.; FARIA, C.A. Cooperação intermunicipal, reter-ritorialização da gestão pública e provisão de bens e serviços sociais no Brasil contemporâneo: experiência dos consórcios de saúde em Minas Gerais. In: Encontro Nacional da ABCP, 4., Rio de Janeiro, 2004.

TEIXEIRA, L.; MACDOWELL, M.C.; BUGARIN, M. Consór-cios Intermunicipais de Saúde: uma análise à luz da teoria dos jogos. Brasília: Ipea, jul. 2002.

WHEARE, K.C. Federal Government. 4th Ed. New York: Oxford University Press, 1964.

Vanessa elias de OliVeira

Doutora em Ciência Política pela Universidade de São Paulo e Pesquisadora da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo

([email protected])

Artigo recebido em 29 de novembro de 2006. Aprovado em 26 de junho de 2008.

Como citar o artigo:OLIVEIRA, V.E. Municípios cooperando com municípios: relações federativas e consórcios intermunicipais de saúde no Estado de São Paulo. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v. 22, n. 1, p. 107-122, jan./jun. 2008. Disponível em: <http://www.seade.gov.br>; <http://www.scielo.br>.

Page 120: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 123-136, jan./jun. 2008

N os últimos cinco anos, as empresas brasileiras vêm quebrando sucessivos recordes nas exportações. Nesse período, os fabricantes de produtos médico-hospitalares também aumentaram suas vendas externas, embora não tenham demonstrado os mesmos avanços no mercado doméstico. Esse trabalho reúne dados para formar uma visão panorâmica do mercado disponível para empresas de produtos médicos instaladas no Brasil, sobretudo no Estado de São Paulo. O interesse por esse segmento industrial decorre de seu valor social. A indústria que abastece o sistema de saúde, além de gerar oportunidades de negócio, renda e emprego, aumenta a segurança no abastecimento nacional de produtos essenciais para o bem-estar da coletividade.

METODOLOGIA

Para visualizar a inserção externa das empresas instaladas no Brasil, utilizaram-se os dados do Handbook of statistics, da United Nations Conference on Trade and Development (UNCTAD, 2008), e do International

Resumo: O presente artigo trata das empresas paulistas do segmento de produtos médico-hospitalares, focando sua inserção internacional, localização geográfica e possíveis políticas de incentivo ao segmento. Para isso, foram analisados dados sobre o comércio exterior de instrumentos médicos,

produtos farmacêuticos, medicamentos e equipamentos médicos de diagnóstico de 180 países entre 1997 e 2005. Os dados coletados demonstraram que os fabricantes nacionais, no contexto internacional, ainda apresentam fragilidade competitiva externa e interna.

Palavras-chave: Indústria de produtos médicos. Concentração. São Paulo.

Abstract: The present article is about international insertion, policy demands and geographic localization of São Paulo’s health care companies. The work analyzed foreign commerce of medical instruments, pharmaceutical products, medicines and medical equipment of 180 countries

between 1997 and 2005. The analyses of collected data demonstrates, in the international context, that the Brazilian and São Paulo’s health care companies have external and internal weakness.

Key words: Medical industry. Concentration. São Paulo.

CONCENTRAÇÃO REGIONAL DA INDÚSTRIA DE PRODUTOS MÉDICOS

José Henrique souza

Josmar Cappa

LiLiani Correa neves

Page 121: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

124 JOSé HenrIque SOuza/JOSMar CaPPa/LILIanI COrrea neveS

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 123-136, jan./jun. 2008

Trade Centre (ITC) (UNCTAD/WTO/ITC, 2007), que seguem a Standard International Trade Classifi-cation, Revision 3. Nesses bancos de dados os pro-dutos médicos estão inseridos em três seções. Da seção 5, foram analisados os grupos de produtos 541 (farmacêuticos) e 542 (medicamentos inclusive vete-rinários). Da seção 7, foram coletados os dados do grupo 774 (aparelhos médicos de diagnóstico) e, na seção 8, analisaram-se as informações do grupo 872 (instrumentos médicos).

A diferença entre o Handbook of statistics da UNCTAD e os dados apresentados pelo ITC encon-tra-se na seção 5. No primeiro, o grupo 541 inclui os dados dos grupos 541 e 542 do ITC, englobando, portanto, produtos farmacêuticos e medicamentos num mesmo grupo.

Alguns bens voltados para a saúde humana estão incluídos em grupos como, por exemplo, de equipa-mentos elétricos, produtos de plásticos e borracha, veículos e máscaras. Da mesma forma, os grupos pesquisados no ITC incorporam produtos que não são exclusivamente para uso médico em humanos, tais como produtos veterinários, por exemplo. Al-guns produtos podem ser classificados sob diferentes nomenclaturas, o que torna praticamente impossível isolar os dados sobre produtos médicos de forma absolutamente precisa. Deve-se considerar, também, que parte das exportações refere-se a re-exportações de insumos, partes e peças, o que resulta em algum grau de dupla contagem dos dados.

Periodicamente, novos países são incluídos nas lis-tagens do ITC, porém, os que entraram no período estudado respondem por menos de 0,5% do total do comércio mundial de produtos médicos, o que não altera as tendências verificadas. Os dois bancos de dados apresentam vantagens e desvantagens. O ITC oferece informações mais recentes, porém, apenas dos últimos cinco anos, inclusive os dados de 2005. A série histórica do Handbook of statistics é mais com-pleta (1980 a 2003), mas não apresenta dados tão atu-alizados.

Os problemas apontados anteriormente ocorrem com qualquer que seja o segmento analisado, o banco de dados ou o método de classificação de mercado-rias. Desse modo, os dados coletados podem ser úteis para estimar e vislumbrar tendências no comporta-mento das principais economias que participam do comércio internacional de produtos médicos. Com o devido cuidado, os dados disponíveis no ITC servem como ponto de partida para a formação de uma visão cross-country do setor produtor de bens para a saúde. Por meio desses dados é possível destacar em quais países as indústrias de produtos médicos vêm encon-trando condições de desenvolvimento e se as empre-sas brasileiras estão perdendo ou ganhando market share no mercado internacional.

Para verificar se os dados do ITC e do Handbook são consistentes, optou-se por compará-los com in-formações já publicadas sobre o tema. Comparando os dados da presente pesquisa com aqueles apresen-

Tabela 1Comparações entre os Dados do “UnCTAD Handbook of Statistics 2005” e do International Trade Centre – ITC

2002-2003

Média entre os anos de 2002 e 2003 (Em US$ bilhões a preços correntes) B / A(%)Grupos do “UNCTAD Handbook of Statistics 2005” (A) Grupos do International Trade Centre – ITC (B)

Total 234.651 Total 233.755 99,62

541 - Produtos médicos e

farmacêuticos 183.014

541 - Produtos farmacêuticos e

542 - Medicamentos 181.742 99,31

774 - Equipamentos eletromédicos

e de raio X 17.226

774 - Equipamentos elétricos

de diagnóstico médico 17.979 104,37

872 - Instrumentos médicos 34.411 872 - Instrumentos médicos 34.033 98,90

Fonte: UNCTAD/WTO/ITC (2007); UNCTAD (2006).

Page 122: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

COnCenTraÇÃO reGIOnaL Da InDÚSTrIa De PrODuTOS MéDICOS 125

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 123-136, jan./jun. 2008

tados por Furtado e Souza (2001, p. 82 e 84), para 1998, a diferença não ultrapassa 5%. Em relação às informações disponíveis no Ministério do Desenvol-vimento (BRASIL, 2007a), o desvio fica por volta de 10,0%. Confrontando as duas fontes – Handbook of statistics de 2005 e no International Trade Centre –, a diferença não chega a 1,0%. Portanto, apesar de algu-mas limitações, os dados considerados neste trabalho são bastante confiáveis.

Para localizar as empresas de produtos médicos no Brasil, foi consultada a Relação Anual de Informa-ções Sociais – Rais (BRASIL, 2005). Nesse banco de dados, foram pesquisados os estabelecimentos fabri-cantes de: farmoquímicos; medicamentos; materiais, aparelhos e instrumentos para uso médico, hospita-lar, odontológico, laboratorial e ortopédico; e apare-lhos e instrumentos de medida, teste e controle não utilizados em processos industriais.

O MERCADO InTERnACIOnAL DE PRODUTOS MÉDICOS

O comércio entre nações cresceu acentuadamente nas últimas décadas: a preços correntes, passou de

US$ 58,0 bilhões, em 1948, para mais de US$ 10,4 trilhões, em 2005. No bojo dessa expansão, as ven-das internacionais de produtos médicos cresceram intensamente. O volume exportado a preços corren-tes quase triplicou, passando de US$ 115 bilhões para mais de US$ 348 bilhões, entre 1997 e 2005 (Tabela 3), isto é, 3,3% das exportações mundiais. Se a taxa de crescimento anual das exportações repetir o que ocorreu entre 2001 e 2005, é provável que as exporta-ções em 2006 tenham chegado a US$ 400 bilhões.

Somando os dados de remédios e produtos far-macêuticos, tem-se o sexto grupo de produtos com o maior valor exportado entre 2002 e 2003 (2,6% das exportações mundiais), perdendo, segundo a UNCTAD (2006, p. 177), apenas para veículos, pe-tróleo, válvulas e transistores, equipamentos de tele-comunicação e computadores.

Cerca de 60% das exportações mundiais de produ-tos médicos correspondem a medicamentos. Em se-guida estão os segmentos de produtos farmacêuticos (19,2%), instrumentos médicos (14,1%) e aparelhos de diagnóstico (7,3%). As exportações de produtos médicos cresceram em média 15%, entre 1997 e 2005. Uma média impressionante considerando que

Tabela 2Comparações entre Dados Pesquisados e Publicados sobre o Comércio Brasileiro de Produto Médico-Hospitalar (1)

1997-1998

Anos

Em US$ mil Diferença em relação ao livro “Brasil: radiografia da saúde” (%)

Dados do livro “Brasil: radiografia da saúde”

Dados do ITC (soma dos grupos 541,774 e 872) (2)

Dados do Ministério do

Desenvolvimento

Dados do ITC (soma dos grupos 541,774 e 872) (2)

Dados do Ministério do Desenvolvimento

Exportações

1997 160.336 169.006 140.941 5,41 -12,10

1998 165.979 168.823 146.604 1,71 -11,67

Importações

1997 1.096.775 1.250.411 1.052.012 14,01 -4,08

1998 1.197.333 1.291.629 1.157.888 7,88 -3,29

Fonte: UNCTAD/WTO/ITC (2007); UNCTAD (2006); Brasil (2007a); Furtado e Souza (2001).(1) Exceto medicamentos.(2) Produtos farmacêuticos = 541; Equipamentos elétricos de diagnóstico = 774 e Instrumentos médicos = 774.

Page 123: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

126 JOSé HenrIque SOuza/JOSMar CaPPa/LILIanI COrrea neveS

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 123-136, jan./jun. 2008

é uma taxa superior ao crescimento do PIB mundial, das exportações mundiais e das exportações mun-diais de manufaturados. Também foi superior aos 12,1% que o setor apresentou nas décadas de 1980 e 1990 (UNCTAD, 2004). Entre 1997 e 2005, as ven-das internacionais de medicamentos cresceram mais de 374%. Produtos farmacêuticos e de instrumentos médicos aumentaram acima dos 240%, enquanto as exportações de aparelhos de diagnóstico duplicaram.

Nos últimos cinco anos, vários países aproveitaram o dinamismo no mercado de produtos médicos para elevar suas exportações, tais como Espanha, China, México e Canadá. Mesmo países de economias me-nores, como Grécia, Costa Rica, República Tcheca e Malásia, aproveitaram o bom momento do comércio mundial de produtos médicos para ultrapassar os vo-lumes exportados pelas empresas brasileiras.

Na Tabela 4 verifica-se que apenas dez países con-trolam 80,4% das exportações de produtos médicos. Somente Alemanha, Estados Unidos, Bélgica, Reino Unido, Suíça, França, Irlanda, Holanda e Itália detêm 77% do volume exportado. Nesse grupo não se en-contram países desenvolvidos, como Canadá e Japão, o que revela que o nível de concentração nas expor-tações de produtos médicos é superior ao nível de concentração industrial. Segundo a UNCTAD (2004,

p. 89), os países desenvolvidos respondem por 73,6% do valor adicionado do setor manufatureiro, enquan-to os nove países citados acima controlavam 77% das exportações de produtos médicos em 2004.

Os Estados Unidos, o maior comprador em 2005, importaram mais de US$ 56 bilhões, o que representa 16% de todos os produtos médicos importados no mundo. Considerando os dez maiores exportadores e os dez maiores importadores, somente Japão e Esta-dos Unidos não pertencem à União Européia. Esses dados demonstram que grande parte do comércio in-ternacional de produtos médicos ocorre entre países ricos e dentro de blocos econômicos.

Apenas dez países compraram 60% dos produtos médicos comercializados no mercado internacional, em 1997, e 70%, em 2004. De um total de 180 países, trinta importaram, em 1997, 87,2% de todos os produtos médicos negociados no mercado externo e mais de 91% em 2005. Cinco países, com os quais o Brasil mantém relações comerciais rotineiras (Estados Unidos, Bélgica, Alemanha, Reino Unido e França), representaram metade do mercado para produtos médicos exportados em 2005.

Algumas nações registram imensos volumes ex-portados e diminutas importações de produtos mé-dicos, o que sugere que o comércio externo desses

Tabela 3Exportações Mundiais de Produtos para a Saúde

1997-2005

AnosGrupos (Em US$ milhões correntes) Participação

nas exportações mundiais (%)Farmacêuticos Medicamentos Equipamentos Instrumentos Total

1997 27.311 54.535 12.608 21.469 115.924 2,08

1998 28.680 64.569 13.432 22.779 129.460 2,35

1999 30.686 73.054 13.658 24.592 141.990 2,49

2000 31.190 75.150 14.400 25.575 146.315 2,27

2001 35.334 97.420 15.755 29.680 178.188 2,88

2002 40.826 124.252 17.007 31.923 214.008 3,30

2003 50.249 150.466 20.191 39.384 260.291 3,45

2004 60.109 185.445 23.294 46.122 314.971 3,44

2005 66.225 204.432 25.720 52.245 348.622 3,33

Fonte: UNCTAD/WTO/ITC (2007). Elaboração dos autores.

Page 124: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

COnCenTraÇÃO reGIOnaL Da InDÚSTrIa De PrODuTOS MéDICOS 127

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 123-136, jan./jun. 2008

Tabela 4Maiores Exportadores de Produtos para a Saúde

1997-2005

PaísesAnos (Em US$ milhões correntes) % do

Total (2004)

% Acu-mulada1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005

1 Alemanha 16.820 19.886 20.511 18.288 24.409 23.961 32.366 44.463 49.121 14,35

2 Estados Unidos 17.690 19.382 21.615 24.085 27.646 28.002 31.996 37.790 44.278 12,20 26,55

3 Bélgica 5.808 6.482 7.743 8.135 10.779 23.151 27.320 32.966 37.305 10,64 37,19

4 Suíça 9.083 10.805 12.384 11.575 14.427 16.984 20.145 24.650 27.704 7,96 53,32

5 França 9.497 11.035 11.939 12.098 14.964 17.507 21.091 23.976 26.371 7,74 61,06

6 Reino Unido 10.716 11.553 11.833 12.601 14.976 17.279 21.938 25.319 25.499 8,17 45,36

7 Irlanda 4.496 5.975 6.394 6.248 9.481 16.544 18.537 22.948 22.402 7,41 68,47

8 Holanda 5.934 5.720 6.851 7.062 7.515 9.411 12.217 15.811 17.546 5,10 73,57

9 Itália 5.435 5.956 6.657 7.473 8.544 10.309 11.818 13.115 15095 4,18 77,75

10 Suécia 3.937 4.488 4.822 4.754 4.973 5.568 7.608 8.255 8.149 2,66 80,41

32 Brasil 267 305 331 326 340 368 406 512 654 0,18

Fonte: UNCTAD/WTO/ITC (2007).

Tabela 5Empresas Fabricantes de Produtos Médicos, por Grupos, segundo número de Funcionários

Brasil – 2005

Número de funcionários

Produtos farmo-

químicos

Medicamentos para uso humano

Material médico

Aparelho e instrumento

médico

Aparelho e instrumento de medida, teste e

controle

Total

Nos Abs. % Nos

Abs. % Nos Abs. % Nos

Abs. % Nos Abs. % Nos

Abs. %

Total 197 100,0 647 100,0 411 100,0 1.154 100,0 211 100,0 2.620 100,0

Nenhum 12 6,1 39 6,0 18 4,4 93 8,1 9 4,3 171 6,5

Até 4 53 26,9 156 24,1 144 35,0 506 43,8 57 27,0 916 35,0

De 5 a 9 37 18,8 90 13,9 68 16,5 231 20,0 38 18,0 464 17,7

De 10 a 19 33 16,8 83 12,8 48 11,7 135 11,7 38 18,0 337 12,9

De 20 a 49 34 17,3 78 12,1 66 16,1 126 10,9 33 15,6 337 12,9

De 50 a 99 17 8,6 64 9,9 35 8,5 32 2,8 16 7,6 164 6,3

De 100 a 249 7 3,6 59 9,1 23 5,6 19 1,6 15 7,1 123 4,7

De 250 a 499 3 1,5 54 8,3 3 0,7 11 1,0 4 1,9 75 2,9

De 500 a 999 1 0,5 16 2,5 3 0,7 0 0,0 1 0,5 21 0,8

1.000 ou mais 0 0,0 8 1,2 3 0,7 1 0,1 0 0,0 12 0,5

Fonte: Brasil (2005). Elaboração dos autores.

Page 125: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

128 JOSé HenrIque SOuza/JOSMar CaPPa/LILIanI COrrea neveS

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 123-136, jan./jun. 2008

bens é fortemente influenciado por fatores locais. As empresas instaladas na Irlanda, por exemplo, expor-taram US$ 22 bilhões e geraram um saldo comercial, no segmento, de mais de US$ 19 bilhões em 2005. Na outra ponta, as empresas sediadas nos Estados Uni-dos exportaram cerca de US$ 44 bilhões. Porém, com importações acima de US$ 56 bilhões, essa indústria chegou a um déficit de mais de US$ 12 bilhões no último ano pesquisado; o maior saldo negativo entre 180 países.

Apesar de o comércio internacional de bens mé-dicos também apresentar características de processo produtivo globalizado, nem toda a estrutura indus-trial é dominada por grandes conglomerados trans-nacionais. A indústria de medicamentos é mais oligo-polizada, mas cerca de 80% das empresas européias produtoras de insumos e equipamentos médicos, por exemplo, são pequenas e médias. A Tabela 5 demons-tra que no Brasil essa realidade não é diferente: as pequenas e médias empresas representam 85% dos fabricantes de produtos médicos e, destas, cerca de 60% possuem menos de dez funcionários.

SITUAçãO ExTERnA DAS EMPRESAS BRASILEIRAS DE PRODUTOS MÉDICOS

A falta de competitividade da indústria nacional, agra-vada pela valorização da taxa de câmbio após 1994, teve como resultado o fechamento de inúmeras em-presas e o agravamento da balança comercial. A partir de 2001, porém, a situação comercial brasileira come-çou a melhorar. O país passou a ter saldos comerciais positivos, voltando a atingir 1,0% das exportações mundiais. Entretanto, como demonstra a Tabela 6, as empresas brasileiras de produtos médicos não vêm obtendo grande sucesso. Estão ocorrendo, de fato, elevação do déficit comercial e aumento da depen-dência externa em relação aos produtos médicos, o que, por si só, sugere expansão do mercado e perda gradativa de competitividade das empresas brasileiras e, portanto, a necessidade de apoio público à indús-tria nacional.

Aproveitando o crescimento acelerado do comér-cio internacional de produtos médicos, o Brasil conse-guiu elevar em 144% o volume exportado entre 1997

e 2005. Ocorre que, dada a enorme diferença entre o que o país importa e exporta, o comportamento do déficit, por volta de US$ 2,3 bilhões, é determinado quase que exclusivamente pelo movimento das im-portações. A indústria brasileira de produtos para a saúde acumula déficit comercial nos quatro grupos pesquisados. Apesar de as exportações de remédios subirem mais de 200% em oito anos, o déficit dessa indústria chegou a mais de US$ 1,1 bilhão em 2005. Aparelhos de diagnósticos e instrumentos médicos apresentam déficits crescentes por conta do aumento mais acentuado das importações em relação às ex-portações.

As empresas instaladas no Brasil exportam apenas 0,18% de todos os produtos médicos negociados en-tre países. Entretanto, o país importa 0,83% desses bens, o que torna o Brasil um dos mercados mais de-ficitários do mundo, pois, importando seis vezes mais do que exporta, acumula déficits de quase US$ 1,0 bilhão somente em produtos farmacêuticos. O desta-que nessa indústria fica por conta do incrível avanço no mercado internacional das empresas instaladas na Irlanda, Espanha, Áustria e Dinamarca. No sentido oposto, as empresas brasileiras vêm perdendo posi-ções para as companhias instaladas na Grécia, Repú-blica Tcheca, Polônia e Costa Rica.

No comércio internacional de medicamentos, em-presas instaladas em 15 países centralizam mais de 90% das exportações mundiais. Apenas cinco países (Bélgica, Alemanha, Reino Unido, França e Suíça) controlam cerca de 55% das exportações.

Somente cinco mercados, Estados Unidos, Bélgica, Alemanha, Reino Unido e França, compram 50% das importações mundiais, enquanto um grupo de 150 países, incluindo nações com populações imensas, como Indonésia, Brasil, Paquistão, Índia e China – grupo que representa 46,1% da população mundial –, segundo o World Bank (2006), importam somente 10% de todos os remédios vendidos no comércio internacional.

As empresas instaladas na Bélgica passaram a ser as maiores exportadoras de medicamentos, respon-dendo, em 2005, por mais de 15% das exportações mundiais (US$ 32,1 bilhões); dez vezes mais do que exportavam em 1997 (US$ 3,2 bilhões). Tamanho

Page 126: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

COnCenTraÇÃO reGIOnaL Da InDÚSTrIa De PrODuTOS MéDICOS 129

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 123-136, jan./jun. 2008

sucesso se deve a um esforço no campo da inova-ção tecnológica. De fato, a Bélgica vem investindo bastante em P&D (pesquisa e desenvolvimento) e montando uma infra-estrutura de centros de pesqui-sas clínicas, além de receber vultosos volumes de in-vestimento externo direto.

Outro país-sede que se destaca na indústria de re-médios é a Irlanda, que vem atribuindo grande priori-dade aos investimentos em setores de alta tecnologia. Com a entrada na União Européia em 1973, a Irlanda vem investindo intensamente em educação e tecno-logia para dirigir sua pauta de exportações na direção de produtos de alta tecnologia. Ao mesmo tempo, procurou atrair investimento externo direto por meio de renúncia fiscal, reduzida carga tributária, baixa taxa de juros e alocação financeira a fundo perdido.

O comércio internacional de aparelhos de diag-nósticos é liderado por empresas sediadas nos Esta-dos Unidos (26,5% das exportações em 2005). Entre os produtos médicos, o segmento de equipamentos elétricos de diagnósticos é o que apresenta a maior concentração. Somente sete países (Estados Unidos, Alemanha, Japão, Holanda, França, Reino Unido e Israel) embarcam 80% das exportações mundiais. Refletindo a alta concentração do mercado interna-cional, é justamente nesse segmento que as empresas brasileiras possuem a menor participação no merca-do, apenas 0,05%.

Empresas com sede nos Estados Unidos também comandam as exportações de instrumentos médicos. Os destaques desse mercado foram Bélgica, França e México, que ultrapassaram o Reino Unido e o Ja-

Tabela 6Balança Comercial de Produtos Médicos

Brasil – 1997-2005

Em US$ milhões correntes

Grupos 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005

Exportações

Total 267 305 332 327 341 368 406 512 654

Farmacêuticos 119 112 107 113 109 102 111 156 198

Medicamentos 98 136 171 153 168 184 202 238 311

Equipamentos 8 9 7 8 9 11 11 11 13

Instrumentos 42 48 47 53 55 72 82 107 132

Importações

Total 2.039 2.238 2.381 2.220 2.454 2.368 2.218 2.598 2.994

Farmacêuticos 673 660 821 766 851 871 835 963 1.054

Medicamentos 789 947 1.129 1.038 1.059 1.060 1.052 1.235 1.417

Equipamentos 357 421 272 226 338 250 171 209 273

Instrumentos 221 211 159 191 206 187 161 191 251

Saldo

Total -1.772 -1.933 -2.050 -1.894 -2.113 -1.999 -1.812 -2.086 -2.340

Farmacêuticos -554 -548 -714 -653 -742 -769 -723 -807 -856

Medicamentos -690 -810 -958 -885 -891 -876 -850 -997 -1.105

Equipamentos -348 -413 -265 -218 -329 -239 -160 -198 -260

Instrumentos -179 -162 -112 -138 -151 -115 -79 -84 -119

Fonte: UNCTAD/WTO/ITC (2007).

Page 127: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

130 JOSé HenrIque SOuza/JOSMar CaPPa/LILIanI COrrea neveS

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 123-136, jan./jun. 2008

pão em 2002. As empresas brasileiras detêm apenas 0,25% do market share internacional, apesar de ter ele-vado suas exportações em 218%, no período de 1997 a 2005.

Em resumo, o quadro externo das empresas bra-sileiras de produtos médicos não é otimista, mas o comportamento externo de países pequenos e com menos tradição industrial do que o Brasil demonstra que é possível criar políticas de apoio ao segmento de produtos médicos. Para isso, é necessário locali-zar essas empresas no território nacional e verificar se as mesmas dispõem de infra-estrutura de apoio, pelo menos, na região de maior concentração setorial. Partindo dessa visão, é possível pensar em medidas voltadas para promover o desenvolvimento compe-titivo desse importante segmento industrial, que gera mais de 100 mil empregos diretos.

LOCALIZAçãO DAS EMPRESAS DE PRODUTOS MÉDICOS nO BRASIL

Os fabricantes nacionais estão espalhados por 477 cidades brasileiras, entretanto, como demonstra a Ta-

bela 7, as empresas ligadas ao ramo da saúde concen-tram-se no Estado de São Paulo. Das 2.620 empresas encontradas na Rais, 1.187 estão em solo paulista. O segundo estado com mais fabricantes, Minas Gerais, é sede de apenas 267 estabelecimentos. Na capital paulista, estão localizadas 497 empresas (Tabela 8). O segundo município que apresenta a maior concen-tração de empresas é a cidade do Rio de Janeiro com 163 empresas seguida de Belo Horizonte (95) e Porto Alegre (84). A quinta cidade em quantidade de em-presas de produtos para a saúde no Brasil é Ribeirão Preto com 69 empresas. Em seguida vem Curitiba (54), Goiânia (44) e Campinas (38).

Pode-se notar na Tabela 8 que apenas dez cidades paulistas concentram mais de 28% dos fabricantes nacionais de produtos médicos. Incorporando a esses dez municípios a área do Estado compreendida entre os municípios de São José do Rio Preto, São José dos Campos, Sorocaba e Marília, tem-se um “polígono” que engloba a Região Metropolitana de São Paulo mais 49 cidades. Nessa região estendida, encontram-se 1.047 das 2.620 empresas brasileiras (39,9%) e 45% das empresas paulistas de produtos médicos. Nada

Tabela 7Empresas Fabricantes de Produtos Médicos, por Grupos

Brasil – 2005

Estados

Produtos farmo-

químicos

Medicamentos para uso humano

Material médico

Aparelho e instrumento

médico

Aparelho e instrumento de medida,

teste e controle

Total

Nos Abs. % Nos

Abs. % Nos Abs. % Nos

Abs. % Nos Abs. % Nos

Abs. %

Minas Gerais 17 8,6 68 10,5 50 12,2 117 10,1 15 7,1 267 10,2

Rio de Janeiro 37 18,8 81 12,5 27 6,6 76 6,6 13 6,2 234 8,9

São Paulo 52 26,4 256 39,6 198 48,2 541 46,9 140 66,4 1.187 45,3

Paraná 16 8,1 34 5,3 33 8,0 108 9,4 4 1,9 195 7,4

Santa Catarina 11 5,6 25 3,9 16 3,9 55 4,8 8 3,8 115 4,4

Rio Grande do Sul 15 7,6 47 7,3 20 4,9 80 6,9 25 11,8 187 7,1

Goiás 15 7,6 35 5,4 14 3,4 37 3,2 0 0,0 101 3,9

Fonte: Brasil (2005). Elaboração dos autores.

Page 128: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

COnCenTraÇÃO reGIOnaL Da InDÚSTrIa De PrODuTOS MéDICOS 131

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 123-136, jan./jun. 2008

menos do que 55 mil dos 60 mil empregos gerados pelo segmento no Estado de São Paulo.

PROPOSTAS DE POLÍTICAS PÚBLICAS DE APOIO AO SEGMEnTO

O “polígono paulista de produtores de material médi-co” conta com um diversificado sistema de transporte. As infra-estruturas aéreas, viárias, ferroviárias e hidro-viárias se ligam a um amplo sistema rodoviário, for-mado pelas Rodovias Washington Luís, Marechal Ron-don, Castelo Branco, Anhangüera, Bandeirantes, Dom Pedro I, Adhemar de Barros, Santos Dumont, Dutra, Imigrantes, entre outras. Tais rodovias permitem aces-so a todos os Estados próximos a São Paulo, à Hidro-via Tietê-Paraná, aos Aeroportos de Viracopos, São

José dos Campos e Guarulhos e aos Portos de Santos e São Sebastião, este localizado na “terceira melhor re-gião portuária do mundo” (SÃO PAULO, 2007a).

O polígono estará ligado diretamente ao futuro “Corredor de Exportação Campinas-Vale do Paraí-ba-Litoral Norte” (SÃO PAULO, 2007b). Assim, ca-beria pensar em novas medidas de apoio que pudes-sem estimular o desenvolvimento do segmento e sua integração com a infra-estrutura local de apoio.

A região do “polígono paulista de fabricantes de produtos médicos” concentra perto de 300 empresas e importantes centros formadores de mão-de-obra de nível tanto técnico quanto superior. A área também conta com infra-estrutura de apoio à distribuição e ao contato com o mercado externo, grande número de hospitais e a presença de renomados centros pesquisa.

Tabela 8Polígono Paulista de Fabricantes de Produtos de Médicos

Brasil e Estado de São Paulo – 2005

Brasil, Estado de São Paulo e Municípios do Estado

Empresas Funcionários

Nos Abs. % Nos Abs. %

BRASIL 2.620 100,00 106.912 100,00

Estado de São Paulo 1.187 45,31 60.483 56,57

Polígono 1.047 39,96 55.440 51,86

São Paulo 497 18,97 21.170 19,80

Ribeirão Preto 69 2,63 2.026 1,90

Campinas 38 1,45 2.662 2,49

Guarulhos 27 1,03 4.488 4,20

Diadema 25 0,95 1.447 1,35

Barueri 23 0,88 2.726 2,55

São José do Rio Preto 21 0,80 1.027 0,96

São Carlos 19 0,73 329 0,31

São José dos Campos 19 0,73 1.810 1,69

São Bernardo do Campo 18 0,69 2.850 2,67

Cotia 17 0,65 1.088 1,02

Piracicaba 17 0,65 208 0,19

Rio Claro 17 0,65 566 0,53

Sorocaba 15 0,57 1.353 1,27

Demais Municípios do Polígono 218 8,32 11.606 10,86

Fonte: Brasil (2005). Elaboração dos autores.

Page 129: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

132 JOSé HenrIque SOuza/JOSMar CaPPa/LILIanI COrrea neveS

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 123-136, jan./jun. 2008

A concentração de poder de compra, infra-estrutura e capacidade produtiva nessa região é um fator favo-rável para o desenvolvimento das empresas de pro-dutos médico-hospitalares. O problema, portanto, é saber como o poder público poderia otimizar a infra-estrutura tecnológica e de transporte, a demanda hos-pitalar e a capacidade produtiva da indústria local.

Considerando o que foi descrito anteriormente, é possível imaginar algumas medidas de políticas públi-cas para apoiar os fabricantes paulistas de produtos médicos.

Apoio às CooperAtivAs, inCubAdorAs e ApLs

É conhecido o fato de que a concentração indus-trial pode ter impactos positivos na cadeia produtiva, principalmente se ocorre especialização e vínculos com agentes de apoio (instituições de classe, ensino, pesquisa, crédito e governo). Um número significa-tivo de empresas que atuam em torno de uma ativi-dade produtiva principal pode se beneficiar de uma infra-estrutura comum de apoio e da ampliação de fornecedores de insumos, máquinas, materiais, servi-ços industriais ou pesquisas universitárias.

Cassiolato e Szapiro (2003) acrescentam outras vantagens, como, por exemplo, mão-de-obra qualifica-da, atividades correlacionadas, articulação externa para escoar a produção e captar tecnologia, interdependên-cias entre as empresas e demais agentes, cooperação, solidariedade e instituições locais capazes de promover o fluxo de informações sobre tecnologia e mercado.

O desenvolvimento industrial envolve o upgrading tecnológico de produtos ou processo, a entrada em atividades novas, crescimento do conteúdo local e controle de tarefas industriais tecnologicamente mais complexas. Para isso, a indústria local precisa entrar em segmentos mais sofisticados e que apresentem maior valor agregado, incorporação de conhecimento e possibilidades de expansão futura.

O apoio público, a exemplo do que ocorre nos paí ses europeus e naqueles em desenvolvimento, como Coréia e China, pode viabilizar a ampliação do uso da infra-estrutura física e humana necessária à capacitação tecnológica empresarial. Disponibilizar serviços de apoio técnico, informação, pesquisa, de-

senvolvimento e transporte pode reduzir a vulnerabi-lidade das empresas brasileiras de produtos médicos. Caso contrário, essas indústrias podem tender a se dedicar apenas à fabricação de produtos de baixo conteúdo de conhecimento, ou as mudanças na fron-teira logística e tecnológica mundiais continuarão a solapar as vantagens competitivas já adquiridas. Al-gumas regiões, como o polígono estudado, contam com um mercado significativo e uma infra-estrutura privilegiada, o que pode ajudar a criar um ambiente favorável ao investimento, à demanda por tecnologia, aos ganhos de escala e à aproximação da qualidade e dos preços internos aos externos.

O avanço tecnológico é cumulativo e com rendi-mentos crescentes, mas o processo de aprendizagem exige das empresas, sobretudo de países em desen-volvimento, custos maiores do que aqueles exigidos pelas empresas de países industrializados. Isso ocorre porque a tecnologia não é facilmente transferida e in-corporada. Segundo Lall (1994), o desenvolvimento industrial envolve o

aprofundamento em uma ou todas das quatro formas seguin-tes: “upgrading” tecnológico de produtos ou processo dentro da indústria, entrada progressiva em atividades novas e mais complexas, crescimento de conteúdo local e controle de tarefas industriais tecnologicamente mais complexas.

Assim, o Estado pode estimular a indústria local a entrar em segmentos mais sofisticados. A política tecnológica pode apoiar a produção interna, prote-gendo, temporariamente, alguns segmentos específi-cos e financiando o investimento e a concentração industrial. O Estado pode priorizar o desenvolvi-mento de novos conhecimentos, habilidades, formas organizacionais e vínculos que elevam a capacitação tecnológica. Ampliar a infra-estrutura física e huma-na necessária à capacitação tecnológica empresarial e disponibilizar serviços de apoio técnico, de informa-ção e de pesquisa, desenvolvimento e engenharia são indispensáveis.

As ações de apoio aos arranjos, cooperativas e incu-badoras podem promover a cooperação entre os agen-tes locais e a inclusão das micro e pequenas empresas. O fluxo de informações e conhecimentos entre os fa-

Page 130: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

COnCenTraÇÃO reGIOnaL Da InDÚSTrIa De PrODuTOS MéDICOS 133

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 123-136, jan./jun. 2008

bricantes e os atores de apoio (agências reguladoras, bancos de desenvolvimento, exportadores, empresas de publicidade e fornecedores) é um canal de difusão de novas e melhores práticas organizacionais e produ-tivas, que deve ser estimulado pelo poder público.

MeLhoriA nA Gestão púbLiCA e no reLACionAMento do estAdo CoM A soCiedAde

Economias já industrializadas, como a brasileira, ne-cessitam de ágeis e eficientes estruturas de governo e relacionamento com os agentes econômicos. O quadro descrito por nossa pesquisa sugere que uma política pública de apoio aos fabricantes nacionais de produtos médicos é fundamental. Não se trata, ob-viamente, de restabelecer políticas intervencionistas ditadas de cima para baixo, como já ocorreu no pas-sado. É possível o trabalho em conjunto do governo com a iniciativa privada.

O Estado pode desenvolver novas estruturas de governo e relacionamento com os agentes econô-micos para eliminar o clientelismo, a corrupção, a ineficiência e o intervencionismo. Já as empresas podem se esforçar pela busca de uma competitivida-de sistêmica, na qual toda a cadeia produtiva esteja voltada para a obtenção da eficiência e da inovação. Para isso, as empresas de material médico-hospitalar necessitam desenvolver inter-relações com o sistema nacional de inovação, isto é, com as instituições de pesquisa, ensino e treinamento e com as consultorias privadas, instituições de crédito e os fornecedores de insumos, bens de capital e serviços.

É possível promover um ambiente inovador com regulamentos e pressões competitivas provenientes das agências reguladoras, da demanda pública e do mercado externo. O ambiente legal é um dos fatores que incentivam as empresas a alcançarem alto grau de competitividade. As exigências e o estabelecimen-to de padrões de qualidade de produtos e processos de fabricação promovidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa são exemplos de boas medidas nessa direção. Entretanto, um controle mais rígido sobre a qualidade de produtos e normas de fa-bricação também deveria operar sobre produtos im-portados. O incentivo às atividades tecnológicas e de

pesquisa e extensão para pequenas empresas também pode receber a atenção do setor público.

estudos espeCiAis

Muitas pequenas e médias empresas apresentam grandes dificuldades para acessar informações ne-cessárias ao seu desenvolvimento. Em alguns casos, informações básicas sobre mercados nacional e ex-terno podem ser disponibilizadas através de estu-dos encomendados por agentes públicos. O Estado pode encomendar estudos setoriais ou pesquisas pré-comerciais junto às universidades para subsidiar as empresas do setor de material médico, como ocorre regularmente nos Estados Unidos, por exemplo.

poLítiCA e infrA-estruturA pArA o CoMérCio exterior

Para que as empresas do setor de produtos médicos possam evoluir no comércio internacional, é preci-so o estabelecimento de acordos comerciais com os grandes mercados de produtos médicos. Canais de escoamento como os Centros de Distribuição de Produtos Brasileiros no Exterior – CDs e o finan-ciamento para obtenção de registros internacionais, como o CE na Europa e o FDA nos Estados Unidos, também são importantes fatores de competitividade dos fabricantes brasileiros.

Crédito e investiMento púbLiCo

Grande parte do consumo hospitalar, da oferta tec-nológica e do financiamento às empresas é executada pelo Estado. Assim, é possível melhorar a integração produtiva com financiamento público para incentivar a difusão tecnológica, a especialização industrial e as conexões entre a demanda dos hospitais, a tecnologia das universidades e dos centros de pesquisa e a capa-cidade produtiva da indústria de material médico já instalada no Brasil.

poLítiCA de CoMprA do estAdo

O desenvolvimento produtivo e tecnológico do seg-mento industrial de bens para a saúde requer subsídio

Page 131: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

134 JOSé HenrIque SOuza/JOSMar CaPPa/LILIanI COrrea neveS

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 123-136, jan./jun. 2008

à pesquisa, financiamento ao capital de risco, incu-badores de tecnologia, estímulo à concentração das empresas e, muitas vezes, encomendas pioneiras. Por isso, uma possível área de atuação governamental é a política de compra do Estado. Esse é um instrumen-to eficaz para gerar demanda, testar e desenvolver bens e serviços estratégicos. Através de instrumentos contratuais ou promovendo parcerias, a política de compras do Estado pode ser um indutor tecnológico, desde que seja transparente, temporária e reservada a segmentos estratégicos. Caso contrário, corre-se o risco de promover a corrupção e o desvio de dinheiro público e agravar os conflitos de ordem jurídica no comércio internacional.

espeCiALizAção teCnoLóGiCA

As motivações dos agentes para ações coletivas vol-tadas para a criação de capacidades técnicas e de aprendizagem podem motivar os agentes para o uso dos recursos e competências locais. Nesse caso, um bom exemplo seria a montagem de cursos de exten-são para o desenvolvimento tecnológico de empresas locais. Para esse fim, o polígono de produtores pau-listas possui uma infra-estrutura invejável.

Nessa área encontram-se várias indústrias de alta tecnologia (informática, telecomunicações, química fina e biologia) e centros de ensino e pesquisa, tais como: as universidades públicas (Unicamp, Ufscar, USP e Unesp); Pontifícia Universidade Católica de Campinas – PUC-Campinas; Universidade Paulista – Unip; Centro de Pesquisa de Desenvolvimento em Telecomunicações – CPqD; Companhia de Desenvolvimento Tecnológico – Codetec; Instituto Agronômico de Campinas – IAC; Instituto Tecnológico para Alimentos – Ital; Coordenadoria de Assistência Técnica Integrada – Cati; Instituto de Zootecnia – IZ; Instituto Biológico – IB; Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa; Centro de Pesquisas Renato Archer – Cenpra; Laboratório Nacional de Luz Síncroton – LNLS; Observatório Capricórnio; e Fundação Tropical de Pesquisa e Tecnologia “André Tosello”. Assim, a região que concentra os produtores brasileiros de produtos médicos conta com toda a estrutura de colégios técnicos, importantes universidades e

centros de pesquisas que podem auxiliar a capacitação tecnológica das empresas.

COnCLUSÕES

As empresas brasileiras avançaram no mercado inter-nacional de produtos médicos na última década. Suas exportações cresceram 144% entre 1997 e 2005. En-tretanto, o aumento da competitividade no mercado internacional de produtos médicos vem criando no-vas exigências para os fabricantes nacionais. É preciso uma estratégia de desenvolvimento das exportações de produtos médicos que envolva o apoio público e incorpore tanto assistência tecnológica quanto técni-cas em estratégia exportadora, design e gestão.

Entre a segunda metade dos anos 1990 e a primei-ra metade da década seguinte, houve um significativo aumento da demanda interna, uma maior especializa-ção da oferta e um grande aumento das importações. A oferta interna de produtos tecnologicamente mais complexos não respondeu adequadamente aos inves-timentos e aos gastos de custeio da administração pública, dos hospitais, dos laboratórios e das clínicas.

Atualmente, as indústrias do setor médico conti-nuam apresentando uma considerável perda de com-petitividade associada, principalmente, à distância tec-nológica em relação aos concorrentes de países que adotam estratégias mais dinâmicas de inovação. Isso mostra que é absolutamente necessário incentivar a capacitação tecnológica e produtiva do segmento.

Incentivar Arranjos Produtivos Locais pode criar rotinas coletivas de inovação e difusão tecnológica, melhoria no design e diminuição nos custos da produ-ção e logística. Também pode incentivar a interação entre as empresas, favorecendo as micro e pequenas produtoras de bens finais ou de peças, partes, com-ponentes e serviços.

A colaboração entre empresas e a relação usuário-produtor são ferramentas fundamentais para o avan-ço no conhecimento tecnológico da cadeia produtiva. Quando reunidas em grupos, as empresas conseguem diminuir custos, melhorar o processo produtivo e facili-tar a inovação de produto e processo. Trabalhos conjun-tos entre empresas também diminuem as desconfianças e ativa o desenvolvimento de parcerias estratégicas.

Page 132: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

COnCenTraÇÃO reGIOnaL Da InDÚSTrIa De PrODuTOS MéDICOS 135

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 123-136, jan./jun. 2008

O apoio à cooperação entre instituições de ensino e pesquisa, órgãos governamentais, empresas e hospitais é essencial para o desenvolvimento dos fornecedores locais. Porém, para que isso ocorra, é fundamental a ação do governo no sentido de fornecer crédito e pro-mover o avanço tecnológico e a integração produtiva do segmento industrial de produtos médicos.

De acordo com os dados coletados nesse trabalho, há uma elevada concentração das empresas de equi-pamentos médicos no que denominado “polígono paulista de produtores”. Nessa região estão presentes vários fatores capazes de favorecer a competitividade na indústria de produtos para a saúde no Brasil. É ne-cessária, porém, uma política pública que favoreça a

inovação, a especialização, a expansão da capacidade produtiva e a articulação do financiamento público (BNDES e Finep), com as decisões de investimento na rede hospitalar e de seus fornecedores.

Incentivos à profissionalização da gestão, conso-lidação e expansão da estrutura de serviços tecno-lógicos e certificação, juntamente com uma política comercial ativa, podem atenuar as barreiras técnicas e promover a competitividade das empresas nacionais. O apoio à formação de Arranjos Produtivos Locais, por exemplo, é fundamental e perfeitamente viável diante das condições da infra-estrutura tecnológica da região pesquisada. É necessária, entretanto, uma visão mais decidida e audaciosa da gestão pública.

Nota

Colaboraram com a pesquisa os economistas Ageu da Silva, Eliane Rosandiski e Wellynghton Matsumoto e os estudantes da PUC-Campinas: Bruna da Silva, Camila

Referências Bibliográficas

AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁ-RIA. Legislação. Brasília, DF: Anvisa. Disponível em: <http:// e-legis.bvs.br/leisref/public/search.php>. Acesso em: 22 jan. 2006.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS INDÚSTRIAS DE MA-TERIAL MÉDICO-HOSPITALAR. Cadastro Abimo. São Paulo: Abimo. Disponível em: <http://www.abimo.org.br/associados/as-sociados.asp?cod_tipo_associado=2>. Acesso em: 15 jan. 2006.

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Ex-terior. Sistema Alice-Web. Brasília, DF, Mdic. Disponível em: <http://aliceweb.desenvolvimento.gov.br/>. Acesso em: 10 jan. 2007a.

______. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Caracterização dos arranjos produtivos locais. Brasília, DF, Mdic. Disponível em: <http://www.desenvolvimento.gov.br/sitio/inter-na/interna.php?area=2&menu=937>. Acesso em: 10 jan. 2007b.

______. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Assessoria de Comunicação Social. Seminário quer estimular a internacionalização de empresas. Brasília, DF, Mdic/Ascom, 15 set. 2006. Disponível em: <http://www.desenvolvimento.gov.br/sitio/interna/noticia.php?area=1&noticia=7176>. Acesso em: 20 out. 2006.

______. Ministério do Trabalho e Emprego. Relação Anual de Informações Sociais – Rais. Brasília, DF: MTE, 2005.

Viana, Camila Costa, Eduardo Agassi, Jefferson Marialva, Raul G. Jorge, Rony Deikson e Wellington Delazari; e da Unicamp Lindinalva C. Machado. A presente pesquisa contou com bolsa de Iniciação Científica do CNPq e da PUC-Campinas.

CASSIOLATO, J.E.; SZAPIRO, M. Uma caracterização de arranjos produtivos locais de micro e pequenas empresas. In: CASSIOLATO, J.E.; LASTRES, H.M.M.; MACIEL, M.L. (Org.). Pequena empresa: cooperação e desenvolvimento local. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2003.

FURTADO, A.T.; SOUZA, J.H. Evolução do setor de insumos e equipamentos médico-hospitalares, laboratoriais e odontológicos no Brasil: a década de 90. In: NEGRI, B.; DI GIOVANNI, G. (Org.). Brasil: radiografia da saúde. Campinas, SP: Unicamp-IE, 2001.

FURTADO, J.E.M. A indústria de equipamentos médico-hospitalares: Elementos para uma caracterização da sua dimensão internacional. Brasília: Ministério da Saúde, 2000.

GUTIERREZ, R.M.V.; ALEXANDRE, P.V.M. Complexo industrial da saúde: uma introdução ao setor de insumos e equipamentos de uso médico. BNDES Setorial, Rio de Janeiro, n. 19, p. 119-155, mar. 2004. Disponível em: <http://www.bndes.gov.br/conhecimento/bnset/set1906.pdf>. Acesso em: 22 maio 2007.

LALL, S. Industrial Policy: the role of government in promoting industrial and technological development. UNCTAD Review, New York, United Nations, 1994.

LASTRES, H.; SZAPIRO, M. Arranjos produtivos locais e proposições de política de desenvolvimento industrial e tecnológico. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2000.

Page 133: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

136 JOSé HenrIque SOuza/JOSMar CaPPa/LILIanI COrrea neveS

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 123-136, jan./jun. 2008

José Henrique souza

Economista, Mestre e Doutor pela Unicamp, Professor do curso de Economia da PUC-Campinas.([email protected])

Josmar Cappa

Economista e Doutor pela Unicamp, Professor do curso de Economia da PUC-Campinas.([email protected])

LiLiani Correa neves

Economista pela PUC-Campinas.([email protected])

Artigo recebido em 6 de março de 2007. Aprovado em 14 de julho de 2008.

Como citar o artigo:SOUZA, J.H.; CAPPA, J.; NEVES, L.C. Concentração regional da indústria de produtos médicos. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v. 22, n. 1, p. 123-136, jan./jun. 2008. Disponível em: <http://www.seade.gov.br>; <http://www.scielo.br>.

NEGRI, B.; DI GIOVANNI, G. (Org.). Brasil: radiografia da saúde. Campinas, SP: Unicamp-IE, 2001.

SANTOS, A.M.M.; GUARNERI, L.S. Características gerais de apoio a arranjos produtivos locais. BNDES Setorial, Rio de Janeiro, n. 12, p. 195-204, set. 2000. Disponível em: <http://www.bndes.gov.br/conhecimento/bnset/set1210.pdf>. Acesso em: 22 maio 2007.

SÃO PAULO (Estado). Secretaria de Estado dos Transportes. Porto de São Sebastião. Disponível em: <http://www.transportes.sp.gov.br/v20/portosaosebastiao.asp>. Acesso em: 26 maio 2007a.

______. Secretaria de Estado dos Transportes. Projeto de desestatização do corredor de exportação Campinas – Vale do Paraíba – Litoral Norte. Disponível em: <http://www.transportes.sp.gov.br>. Acesso em: 26 maio 2007b.

SCATOLIN, F.D.; MEIRELLES, J.G.P.; CURADO, M.L.; PAULA, N.M. de. Arranjos produtivos e a dinâmica do comércio internacional. In: LASTRES, H.M.M.; CASSIOLATO, J.E.; MACIEL, M.L. (Org.). Pequena empresa: cooperação e desenvolvimento local. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2003. p. 423-440.

TEMPORÃO, J.G. Entrevista. Valor Econômico. Disponível em: <http://www.conasems.org.br/cgi-bin/pagesvr.dll/Get?id_doc=315>. Acesso em: 22 maio 2007.

UNCTAD – United Nations Conference on Trade and Development. UNCTAD Handbook of Statistics 2007. Genebra: UNCTAD, 2008.

______. UNCTAD Handbook of Statistics 2005. Genebra: UNCTAD, 2006.

______. Development and Globalization: Facts and Figures. Central Statistics and Information Retrieval Branch of UNCTAD’s Division on Globalization and Development. Genebra: UNCTAD, 2004.

UNCTAD – United Nations Conference on Trade and Development. WTO – World Trade Organization. ITC – International Trade Centre. International Trade Statistics: General Trade Data by Product Group and Country. Genebra: UNCTAD/WTO/ITC, 2007. Disponível em: <http://www.intracen.org/tradstat/>. Acesso em: abr. 2007.

UNITED NATIONS. United Nations Statistic Division. Standard International Trade Classification, Revision 3. Detailed structure and explanatory notes. New York: UN/UNSD, 1999.

VOLKER, P.; CAPORALI, R. (Org.). Metodologia de desenvolvimento de Arranjos Produtivos Locais: Projeto Promos/Sebrae/BID: versão 2.0. Brasília, DF: Sebrae, 2004.

WORLD BANK. World Development Indicators. Washington: WORLD BANK, 2006.

WORLD BANK’s HEALTH, NUTRITION AND POPULATION DATA PLATFORM. Demographic Projections. Total Population, 2006. EUA: World Bank, HNPStats. Disponível em: <http://devdata.worldbank.org/hnpstats/HNPDemographic/total.xls>. Acesso em: 20 jan. 2007.

WORLD TRADE ORGANIZATION. International Trade Statistic 2005 Selected long-term trends. Exportations mondiales de merchandises, production et produit intérieur brut, 1951-04. Genebra: WTO, 2005.

Page 134: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 137-151, jan./jun. 2008

The driving forces that generate social inequities in health are, to a great extent, related to the macro-policy environment. This environment includes neoliberal economic growth strategies,

which have widened income inequalities and increased poverty Whitehead and dahlgren (2006b, p. 34)

D esde os anos 1980, as políticas de saúde no Brasil têm logrado se tornar tema de debates ampliados envolvendo atores externos ao âmbito da tecnocracia estatal e dos profissionais de saúde. Esse fato pode ser fortemente atribuído à nova institucionalização da participação popular em Conselhos e Conferências de Saúde, fruto de mudanças na legislação do sistema após a promulga-ção da Constituição de 1988 e das Leis Orgânicas de Saúde, em 1990. A conjuntura econômica do país, assen-tada em metas de ajuste fiscal e de contenção dos gastos públicos, vigentes especialmente após 1989 e que se mantêm até então, impõe uma agenda ainda restritiva quanto aos gastos do setor público na área da saúde, a despeito de iniciativas de legislação que procuraram dar uma maior estabilidade às dotações orçamentárias dire-cionadas ao setor, como, por exemplo, a EC 29/2000. O trabalho enfoca notadamente a renúncia fiscal oriunda dos gastos privados das pessoas físicas e das jurídicas com serviços de atenção à saúde, tema de pesquisa-objeto

Resumo: O trabalho enfoca a renúncia fiscal com gastos privados em saúde por parte das pessoas físicas e jurídicas. Os objetivos foram os de levantar evidências acerca da relação desta renúncia com a demanda por seguros e serviços privados de saúde, quantificá-la, a partir de dados da Secretaria da Receita Federal, e relacioná-la com os gastos privados das famílias e gastos públicos em saúde. Problematiza-se seu papel na promoção da eqüidade do financiamento no país.

Palavras-chave: Financiamento da saúde. Gastos tributários. Política de saúde.

Abstract: The work focuses the tax expenditures originated from families private health expenses and fringe benefits to workers. The objectives are to raise evidences concerning the relation of this kind of public expenditures with the demand for private health insurance and heath services. It uses official data from the

federal Fiscal Authority and relates them with the private and public expenses in health. The promotion of the equity in health financing is debated.

Key words: Health financing. Tax expenditures. Health policy.

GASTOS TRIBUTÁRIOS RELACIONADOS AO CONSUMO DE ATENÇÃO PRIVADA À SAÚDE

contribuição ao debate sobre políticas de financiamento

Maria de FátiMa SilianSky de andreazzi

Bernardo SicSú

táSSia Holguin

Page 135: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

138 MARIA de FáTIMA SIlIAnSky de AndReAzzI/BeRnARdO SIcSú/TáSSIA HOlGuIn

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 137-151, jan./jun. 2008

do Edital do CNPq/Ministério da Saúde, em 2004. Os objetivos da pesquisa contemplam:

a busca de evidências na literatura especializada • acerca da relação desta renúncia com a deman-da por seguros e serviços privados de atenção à saúde; a quantificação dessa variável; • a identificação dos atores que têm incluído a ques-• tão das deduções dos gastos privados com atenção à saúde do Imposto de Renda de Pessoas Físicas – IRPF e do Imposto de Renda de Pessoas Jurídi-cas – IRPJ na agenda do financiamento do campo da saúde.Na eventualidade de mudanças nos marcos atuais

da regulamentação da matéria sobre essas deduções, a eqüidade no financiamento, a despeito da existência de mais de uma interpretação acerca de seu significa-do, poderia orientar os atores a se posicionarem na arena dos debates de alternativas excludentes entre objetivos e resultados da renúncia fiscal.

O artigo está dividido em cinco partes. Após esta introdução, a primeira aborda a definição e a contex-tualização de gastos tributários. A seguir, na segunda parte, é apresentada uma discussão sobre eqüidade no financiamento do campo da saúde relacionada com a renúncia fiscal. A revisão da literatura sobre o tema é o foco da parte três. A quarta parte do artigo foi utilizada para fazer uma estimativa da magnitu-de da renúncia fiscal oriunda do setor saúde, no país. Encerrando o artigo, na quinta parte, são comentadas as alternativas excludentes relacionadas com a ques-tão da renúncia fiscal.

GASTOS TRIBUTÁRIOS EM SAÚDE: CONTEXTUALIZAÇÃO

O entendimento do conceito de renúncia fiscal com gastos privados em saúde remete à parcela dos tribu-tos devidos dos contribuintes, pessoas físicas e jurídi-cas, que o Estado declina arrecadar. De acordo com Salvi, De Paula e Loures (2003, p. 6, 13),

o termo utilizado internacionalmente para referir-se às despesas governamentais indiretas efetuadas por meio do sistema tribu-tário é o de gasto tributário (tax expenditure) [...] gastos

tributários são gastos indiretos do governo realizados por in-termédio do sistema tributário visando atender objetivos econô-micos e sociais [...] No Brasil, a Secretaria de Receita Federal vem utilizando o termo benefícios tributários como sinônimo de gastos tributários [...] tem considerado, desde 1986, como sen-do benefício tributário toda desoneração que cumulativamente satisfaça os seguintes requisitos: 1- reduza a arrecadação poten-cial; 2- aumente a disponibilidade econômica do contribuinte; 3- constitua, sob o aspecto jurídico, uma exceção à norma que referencia o tributo ou alcance, exclusivamente, determinado grupo de contribuintes.

As finalidades dos gastos tributários seriam:compensar gastos realizados pelos contribuintes • com serviços de sua responsabilidade não atendi-dos pelo governo;compensar ações complementares às funções típi-• cas de Estado desenvolvidas por entidades civis;promover a equalização de rendas entre as re giões;• estimular determinadas áreas da economia ou lo-• calidades.Um aspecto importante ressaltado por Beghin

(2005) seria a possibilidade de o gasto tributário ser substituído por gastos orçamentários diretos. O caso das deduções com gastos referentes à atenção à saúde no IRPF e IRPJ está enquadrado no conceito de gas-to tributário. O valor renunciado pelo setor púbico é sempre função direta de gastos que os contribuintes declaram ter com determinados itens de seus dispên-dios globais com saúde. Estes itens têm variado, no Brasil, sendo que somente após 1990 (ano-base de 1989) foi permitida a inclusão de despesas com segu-ros de saúde. Despesas com assistência ambulatorial e hospitalar pagas diretamente aos prestadores de ser-viços já eram consideradas. Desde 1990, não existem limites para a dedução desses gastos da renda tributá-vel das pessoas físicas, no que se refere às declarações de ajuste do imposto do tipo “não-simplificadas”. A exceção à regra são os gastos com o consumo de me-dicamentos, que não estão contemplados no rol de deduções das pessoas físicas. As despesas com saúde das pessoas jurídicas são consideradas gastos opera-cionais, reduzindo, assim, o lucro tributável (SAYD, 2003). Na atualidade, os procedimentos relativos a estas deduções estão contemplados no RIR/99 (Re-

Page 136: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

GASTOS TRIBuTáRIOS RelAcIOnAdOS AO cOnSuMO de ATenÇÃO PRIVAdA ... 139

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 137-151, jan./jun. 2008

gulamento do Imposto de Renda/99). Esse incentivo governamental permitiu que os gastos privados com serviços de atenção à saúde fossem deduzidos da ren-da tributável dos contribuintes pessoas físicas e do lu-cro tributável das pessoas jurídicas, diminuindo, dessa forma, o valor do imposto a recolher.

Cabe ressaltar que não é consensual a conceituação do abatimento com saúde do IRPF como gasto ou benefício tributário. De acordo com um documento elaborado pela assessoria técnica da Unafisco Sindical (Diretoria Executiva Nacional do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal), de 2003, o Ministério da Fazenda está classificando de forma equivocada as despesas com dependentes, com edu-cação e com cuidados à saúde que são deduzidas da renda tributável das pessoas físicas. Para a Unafisco Sindical esses gastos são “despesas para um mínimo existencial”, portanto, não devem ser considerados como benefício tributário (renúncia fiscal). Não re-presentam aumento da disponibilidade econômica do contribuinte, já que substituem gastos com serviços não garantidos, na prática, pelo Estado:

Não se pode renunciar a uma renda que não existe, pois o rendimento bruto não representa a capacidade contributiva do contribuinte. Esta só começa após a dedução dos gastos neces-sários à aquisição e manutenção da renda e do patrimônio, assim como do mínimo indispensável a uma existência digna para o contribuinte e sua família (UNAFISCO SINDI-CAL, 2003, p. 7).

A inclusão dos gastos tributários – oriundos da ar-recadação com o IRPF e IRPJ – com o setor saúde no debate acadêmico sobre financiamento da atenção à saúde no Brasil pode ser encontrada, nos anos 1990, em trabalhos da área de saúde coletiva(MÉDICI, 1990; ANDREAZZI, 1991). Esses trabalhos procu-raram identificar o problema e quantificá-lo a partir das fontes disponíveis, chamando a atenção para um de seus papéis relevantes: o de subsídio à atenção pri-vada. Ocké-Reis (1995) aponta as possíveis relações entre esses gastos tributários com a manutenção de um padrão de oferta privada de importante magni-tude no Brasil e com o crescimento do mercado de seguros de saúde privados.

Fora do âmbito acadêmico, nos anos 2000, ques-tionamentos sobre os gastos tributários aparecem em eventos como o Simpósio de Saúde Suplementar, re-alizado em 2001 pela Câmara dos Deputados (BRA-SIL, 2001). Segundo o relatório do simpósio, o finan-ciamento público dos serviços privados de cuidados à saúde, mormente dos prêmios dos seguros-saúde, através da renúncia fiscal, é polêmico e questionável. São considerados gastos sociais, pois são comparti-lhados pela sociedade. Em contrapartida, essa renún-cia fiscal pode constituir um elemento decisivo para a efetividade da ação tributária arrecadadora, na me-dida em que realça receitas auferidas, principalmente, pelos prestadores de serviços, que de outra forma po-dem efetuar sonegação no mercado de atenção direta à saúde.

À guisa de suporte, fora do campo da saúde, des-taca-se a inclusão mais geral do tema dos subsídios ao consumo para famílias de maior renda no documento do Ministério da Fazenda, Política Econômica e Re-formas Estruturais, que serviu de orientador para a política econômica do primeiro governo Lula (2003-2006). Esse documento tem como objetivo apresen-tar as prioridades da agenda econômica do Ministério da Fazenda e apontar como estas prioridades se inse-rem no contexto de mudança do país. O documento apresenta um diagnóstico resumido dos principais problemas econômicos da conjuntura e analisa os impactos sociais da estrutura tributária, assim como a compatibilização entre a eficácia dos gastos sociais da União e as limitações econômicas enfrentadas. De acordo com o texto:

Os impostos e transferências, no Brasil, não atenuariam as de-sigualdades de renda, pois seriam destinados aos não-pobres. No Brasil, o grupo dos 10% mais ricos se apropria de 44% da renda total do País, enquanto os 10% mais pobres ficam com 1% da renda total. Da população economicamente ativa, cerca de 85% recebe rendimentos inferiores a cinco salários mínimos, o que corresponderia, aproximadamente, ao limite de isenção do imposto de renda de pessoas físicas (IRPF). Como conseqüên-cia, quase toda a receita do IRPF, cerca de 96%, é arrecadada de indivíduos que se encontram no grupo dos 10% de renda mais alta, sendo que os 1% mais ricos são responsáveis por mais de 40% de arrecadação (BRASIL, 2003a, p. 81).

Page 137: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

140 MARIA de FáTIMA SIlIAnSky de AndReAzzI/BeRnARdO SIcSú/TáSSIA HOlGuIn

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 137-151, jan./jun. 2008

O documento sistematiza a agenda inicial de re-formas. O principal objetivo da política econômica, considerada de transição, seria a redução da relação dívida/PIB sem aumento da carga tributária, obti-da com aumento do superávit primário por meio do controle das contas públicas. Os objetivos específi-cos da reforma tributária, contida em tal documen-to, seriam a eliminação dos tributos cumulativos, a redução das faixas de alíquota dos impostos indire-tos e a revisão de benefícios e renúncias fiscais de natureza regressiva. Em outro documento, da mesma época e elaborado pela mesma equipe do Ministério da Fa-zenda – a Secretaria de Política Econômica –, a for-mulação é mais explícita:

A possibilidade de ampliação dos recursos destinados aos brasi-leiros mais pobres e de fornecer uma verdadeira rede de proteção social capaz de amparar a população mais vulnerável depende, de forma decisiva, da realização de reformas estruturais que reduzam os privilégios concedidos pelo atual sistema – tanto por meio de gastos diretos quanto através de renúncias fiscais – a grupos de renda mais alta (BRASIL, 2003b, p. 11).

E mais, ainda: “Na área da saúde, cabem, ainda, re-flexões sobre as renúncias tributárias em saúde (pes-soa física e jurídica), auferidas por segmentos sociais de maior renda” (BRASIL, 2003b, p. 31).

Propostas de eliminação explícita da renúncia fis-cal com gastos privados em saúde já aparecem na conjuntura recente, como se vê no Relatório Final da 12ª Conferência Nacional de Saúde (BRASIL, 2003c). No seu ponto 27 do Eixo Temático IX – O Financia-mento da Saúde ficou deliberado:

Suspender os subsídios oriundos da dedução de Imposto de Renda para gastos com planos e seguros de saúde, reverten-do os valores correspondentes arrecadados para a constituição de um fundo nacional voltado para o financiamento de ações emergenciais em saúde e de atenção básica.

Isso poderia estar relacionado à inclusão do tema no Plano de Trabalho da Comissão de Saúde Suple-mentar do Conselho Nacional de Saúde de 2004,1 em que se destaca a necessidade de aprofundamento de conhecimentos relativos às diferentes modalidades

de apoio público ao consumo privado com saúde. Foram identificadas as seguintes modalidades:

a) estudo e diagnóstico sobre os recursos públicos envolvidos direta e indiretamente no mercado de planos de saúde;b) deduções e renúncias fiscais;c) pagamento de planos de saúde;d) trânsito de clientes de planos de saúde nos serviços próprios e conveniados do SUS: o ressarcimento e a ‘fila dupla’.

Cabe ainda destacar que, a despeito de propostas de eliminação das deduções em fevereiro de 2006, no âmbito do Conselho Nacional de Saúde,2 o assunto ainda é bastante contraditório a ponto de não haver consensos nesse sentido, postergando decisões com base na necessidade de mais informação.

A seguir, discute-se o polêmico assunto da eqüida-de no financiamento, como possível instrumento de respaldo para o posicionamento dos atores quanto à discussão sobre alternativas excludentes entre objeti-vos e resultados da renúncia fiscal.

EQÜIDADE NO FINANCIAMENTO E RENÚNCIA FISCAL EM SAÚDE

Cabe, inicialmente, apresentar o conceito de eqüidade a partir do qual os benefícios tributários com saúde no Brasil, na atualidade, podem sem avaliados. Para Whitehead (1990), que é considerada uma autora im-portante no debate europeu a partir dos anos 1980,

O termo “iniqüidade” tem uma dimensão moral e ética. Ele se refere a diferenças que são desnecessárias e evitáveis, mas, em adição, também são consideradas injustas. Assim, a fim de descrever uma situação como não eqüitativa, a causa tem que ser examinada e julgada como injusta no contexto do que ocorre no resto da sociedade (WHITEHEAD, 1990, p. 5).

Para ela, “eqüidade é um conceito relacionado com a criação de oportunidades iguais em saúde, reduzindo os diferenciais a menor nível possível” (WHITEHEAD, 1990, p. 9).

Eqüidade no financiamento da saúde seria um conceito que remete aos juízos de valor existentes

Page 138: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

GASTOS TRIBuTáRIOS RelAcIOnAdOS AO cOnSuMO de ATenÇÃO PRIVAdA ... 141

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 137-151, jan./jun. 2008

acerca da relação entre as disponibilidades de renda ou riqueza e as contribuições para o sistema de saúde. De acordo com Ugá e Santos (2005, p. 4),

o desejável é que o financiamento setorial seja um sistema pau-tado pela progressividade, isto é, que penalize mais do que pro-porcionalmente aqueles que mais têm ou, em outras palavras, que o ônus do financiamento do setor saúde seja inversamente proporcional à renda das pessoas.

Em trabalho de revisão sobre eqüidade em saú-de, Porto (1995) sintetiza o debate internacional dos anos 1990 sobre o tema, identificando tendências de reconhecer como

pilares principais do conceito de eqüidade a distribuição de recursos através de uma discriminação positiva em favor dos mais desfavorecidos e a diminuição das desigualdades que resultam de fatores que estão fora do controle individual (PORTO, 1995, p. 132-133).

No contexto do debate acerca da eqüidade do fi-nanciamento, é importante assinalar que o significado de eqüidade na saúde

depende, de forma crucial, da maneira como se define o con-ceito de justiça social, e que este, por sua vez, depende de juízos de valor ou pontos de vista da sociedade, tal como articulados por indivíduos, grupos ou governos (PEREIRA, 1990, p. 401).

Almeida (2002), nesse sentido, aponta ser necessá-rio discutir o problema a partir da definição política tomada pela sociedade acerca da distribuição de be-nefícios e sacrifícios entre os indivíduos, decisão que não possui uma racionalidade técnica a priori.

Para Whitehead e Dahlgren (2006a), mais do que um conceito relacional, a eqüidade em saúde tem a ver com o alcance dos padrões mais elevados de saúde por todos, sem distinção de raça, religião, crença política, condições econômicas e sociais. O objetivo das ações de promoção da eqüidade seria nivelar por cima: “The ultimate vision is the elimination of such inequities, by levelling up to the health of the most advantaged.” (WHITEHEAD; DAHLGREN, 2006a, p. 5).

Com uma perspectiva mais normativa, o debate sobre eqüidade em saúde é identificado no interior de organismos internacionais, como o Banco Mun-dial, que tomam a eqüidade no financiamento como justificativa para a focalização dos gastos públicos em saúde nos grupos que não têm condições de acesso através do mercado.

A avaliação dos benefícios tributários em saúde por meio do imposto de renda, de modo geral, ressal-ta problemas de eqüidade. Desse modo, Ugá e Santos (2005) consideram a renúncia fiscal com gastos pri-vados em saúde no Brasil regressiva, porque favore-ceria mais os grupos com maior capacidade de gasto. Outras referências explícitas ao caráter regressivo e, portanto, não eqüitativo desses gastos, favorecendo famílias com renda suficiente para serem tributadas através dos impostos diretos, assim como parcelas de trabalhadores inseridos no mercado de trabalho for-mal, podem sem achadas em Sayd (2003). Pois, inde-pendentemente do gasto com saúde efetuado, apenas as famílias posicionadas em classes de rendimentos não isentas de contribuição para o fisco, conseguem deduzir esse gasto. Isso não é peculiar ao caso bra-sileiro (SHEILS; HOGAN, 1999), o que permite concluir que a iniqüidade é um aspecto de ordem estrutural desse modelo de financiamento público indireto para a saúde, tomado isoladamente. Dain et al. (2001), ainda, ressaltam a concentração geográfica desse benefício tributário nas regiões mais ricas do país, onde está a maior rede de serviços de saúde, e a não convergência das agendas do gasto público dire-to e dos benefícios fiscais.

Para a literatura de finanças públicas, o tema da eqüidade é um dos objetivos relevantes do sistema tributário. Este deveria ser

imparcial ou justo no tratamento dos indivíduos. Todavia o conceito de justiça social não é uma questão tão trivial. [...] O critério de justiça social segundo a capacidade de pagamento abrange dois tipos de eqüidade: horizontal e a vertical. Na eqüidade horizontal, os contribuintes com mesma capacidade de pagamento pagam impostos de igual valor, enquanto na eqüidade vertical os contribuintes pagam com uma propor-ção maior da carga tributária individual (BARBOSA; BARBOSA, 2005, p. 295).

Page 139: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

142 MARIA de FáTIMA SIlIAnSky de AndReAzzI/BeRnARdO SIcSú/TáSSIA HOlGuIn

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 137-151, jan./jun. 2008

Piancastelli e Nascimento (2005) chamam a aten-ção, entretanto, para a necessidade de uma análise mais integral do sistema tributário e do gasto público para aferir seu grau de progressividade, e não o de um imposto apenas.

OS IMPACTOS DA RENÚNCIA FISCAL COM GASTOS PRIVADOS EM SAÚDE

Qual seria o papel da renúncia fiscal sobre a demanda de atenção privada com saúde, incluindo-se aí segu-ros e serviços de saúde? Respostas a esta questão não têm sido uniformemente encontradas na literatura. Na teoria microeconômica convencional, a pergunta costuma ser traduzida pelo conceito de elasticidade, que é a relação existente entre a oscilação de uma va-riável econômica (preço/renda) e a oscilação de outra variável em estudo (quantidade da demanda/oferta). No caso em tela, trata-se da elasticidade-preço da de-manda, considerando que a renúncia reduza o pre-ço final pago pelas famílias (pessoas físicas no status da tributação) ou pelas empresas (pessoas jurídicas). Podem-se encontrar na literatura norte-americana exemplos desses estudos.

Gruber (2001), em uma ampla revisão bibliográfi-ca sobre renúncia fiscal em saúde, considera que os achados dos estudos comparativos dos custos e bene-fícios dessa renúncia são contraditórios em razão de uma série de pressupostos sobre o comportamento da demanda quando da utilização do benefício fiscal. Em alguns trabalhos realizados nos EUA, que com-pararam diferenças de cobertura de seguros de saúde financiados por empresas de tamanhos semelhantes e com diferentes prêmios pós-taxação de acordo com o Estado de origem das empresas contratantes, fo-ram encontradas elasticidades que variaram de -0,8 a -2,9. Isso significa que para uma dada variação do preço pós-taxação, a demanda variou no sentido in-verso. Gruber cita, ainda, resultados de estudos rea-lizados em Quebec (Canadá), onde o subsídio para seguro suplementar dos empregadores foi retirado, apresentando elasticidades demanda-preço de -0,42 a -0,54, evidenciando, nesse caso, uma menor varia-ção da demanda relativa à oscilação do preço. Outros trabalhos examinados por este autor mostraram uma

redução na participação do empregador no pagamen-to dos prêmios dos empregados, de acordo com as diferentes alíquotas de tributação que redundaram em renúncia fiscal. Uma conclusão interessante foi que as firmas empregadoras seriam mais sensíveis à variação dos preços do que os empregados.

Gruber e Mcknight (2003), procurando entender os motivos pelos quais teria diminuído a cobertura por seguro de saúde do empregador, nos EUA, entre 1982 e 1998, constataram que os fatores mais forte-mente associados a essa cobertura foram os custos da assistência médica (negativamente) e, em segui-da, a política fiscal favorável (positivamente). As conclusões a que chegaram favorecem a concessão do subsídio aos empregadores, pois isso não apenas aumentaria a cobertura, mas também reduziria a par-ticipação financeira dos empregados no custeio dos seguros.

Selden e Moeller (2000) estudaram a magnitude e a distribuição dos subsídios tributários oferecidos pelo governo norte-americano para o seguro de saúde. Os subsídios são reconhecidos como não eqüitativos, pois a sua incidência varia com a taxa marginal da tributação. Isso significa que quando existe uma va-riação no nível de renda desses usuários contribuintes há uma mudança no nível da faixa de contribuição tributária, favorecendo mais as famílias de alta renda. A conclusão dos autores foi que a eventual carga tri-butária, adicional imposta sobre a sociedade, advinda da redução ou eliminação dos subsídios, afetará essas classes de renda.

Dowd et al. (2001) analisaram os efeitos da isen-ção de impostos sobre os prêmios do seguro-saúde pago diretamente pelo segurado empregado na esco-lha de um determinado tipo de cobertura. Vale dizer, a pesquisa consistiu no estudo da elasticidade-prêmio da demanda do seguro-saúde em função de isenção fiscal proporcionada pelo imposto sobre a renda para os empregados. Os resultados indicaram que a demanda é sensível (elástica) ao prêmio, portanto a existência (ou não) da isenção de impostos, à guisa de uma variação no preço, altera a demanda (escolha do usuário). Os autores consideram que isso distorceria a competição no mercado, contribuindo para uma ineficiente alocação dos recursos na atenção à saúde.

Page 140: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

GASTOS TRIBuTáRIOS RelAcIOnAdOS AO cOnSuMO de ATenÇÃO PRIVAdA ... 143

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 137-151, jan./jun. 2008

Do ponto de vista dos empregadores e dos emprega-dos, a isenção de tributos para os pagamentos diretos na aquisição de seguro-saúde constitui fringe benefit fi-nanciado pelos contribuintes em geral.

Em diversos países da Europa há renúncia fiscal com gastos privados de saúde das empresas e das pes-soas físicas (COLOMBO; TAPAY, 2004), embora com tendências à redução ou à eliminação (MOSSIALOS; THOMSON, 2002). O Reino Unido é um caso pecu-liar de experimento natural. De acordo com estudo de Emmerson, Frayne e Goodman (2001), os pos-suidores de seguro privado de saúde maiores de 60 anos, até 1997, sob a forma de um subsídio existen-te desde os anos 1960, beneficiavam-se da renúncia fiscal do imposto de renda – pessoa física – quanto aos dispêndios com os prêmios pagos. O impacto da interrupção desse benefício foi avaliado por meio da redução da cobertura de seguros de saúde nessa faixa etária, comparada com a evolução da cobertura de se-guros entre os mais jovens, a quem esse benefício não era concedido. Com a retirada do subsídio, o preço do seguro para o consumidor aumentou em 29,9%. Os resultados, a partir do universo dos maiores de 60 anos segurados, equivaleram a uma elasticidade do benefício fiscal em relação à demanda de 0,7, o equivalente, nos dados da pesquisa, a 4.000 pessoas num total de 500 mil. Ou seja, a retirada do benefício teve impacto pequeno sobre a demanda. Na Irlanda, a receita com seguros voluntários de saúde, de caráter suplementar ao sistema público, equivalia, em 1998, a 9,45% do gasto total com saúde. Os subsídios fiscais correspondiam, em 1997, a 2,5% do gasto público total. Estimativas da retirada do subsídio apontavam um aumento de 32% no preço final do prêmio ao consumidor (MOSSIALOS; THOMSON, 2002).

Do ponto de vista da relação entre a renda e os gastos com atenção privada à saúde, foram encontra-das na literatura especializada elasticidades positivas como, por exemplo, em Yunes (1995). No estudo de Sayd (2003), realizado em 1999 a partir das deduções de pessoas físicas no Brasil, a participação porcen-tual do gasto declarado com saúde no total dos ren-dimentos declarados cresceu positivamente com a renda até um determinado patamar, equivalente a 30 salários mínimos da época. A partir daí, verificou-se

a diminuição desse porcentual. Além da relação po-sitiva entre o crescimento da renda e o crescimento dos gastos em saúde, em consonância com outros es-tudos, supõe-se a existência de um patamar em que o aumento da renda implicaria num aumento menor do consumo de saúde.

Cabe registrar que, no Brasil, reduziu-se consi-deravelmente o rendimento médio das famílias nos anos 1990 (POCHMANN, 2001). Tomando-se a cobertura de seguros de saúde dos indivíduos ocu-pados em pesquisas de amostra populacional, no Brasil, observou-se uma relação direta dessa cober-tura com a renda. O ramo de atividade das empresas pagadoras dos planos coletivos também constituiu um fator explicativo da diferenciação da cobertura de empregados (IBGE, 2000). Séries históricas de evolução da cobertura de beneficiários de seguro-saúde, embora eivadas de incertezas em razão da pre-cariedade das fontes, evidenciaram uma redução da velocidade de crescimento a partir do final dos anos 1990 (ANDREAZZI; KORNIS, 2003). De acordo com dados da Agência Nacional de Saúde Suplemen-tar referentes a 2005, o número de beneficiários de todas as modalidades de seguros privados de saúde, entre dezembro de 2000 e maio de 2005, passou de 37,7 milhões para 40,7 milhões (BRASIL, 2005). Tal evolução positiva, centralmente, deveu-se aos planos odontológicos, modalidade mais recente no mercado do que os planos médico-hospitalares.

Interessante notar que os estudos realizados nos EUA, onde o sistema público de saúde não fornece cobertura para uma parcela importante da população, e as pesquisas na Europa, onde há cobertura maior do sistema público, mostram algumas tendências semelhantes. Na maioria dos estudos analisados, a redução das deduções tributárias com saúde no im-posto de renda declarado pelas famílias e pelos em-pregadores não implicou uma diminuição proporcio-nal da demanda por atenção privada. Isso significa cetebus paribus um maior peso do item saúde no gasto das famílias e dos empregadores. No caso brasileiro, há que se considerar, para a estimativa do impacto do benefício fiscal sobre a demanda de atenção pri-vada à saúde, que as famílias estão numa curva de-crescente de rendimentos, principalmente aquelas

Page 141: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

144 MARIA de FáTIMA SIlIAnSky de AndReAzzI/BeRnARdO SIcSú/TáSSIA HOlGuIn

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 137-151, jan./jun. 2008

situadas acima do limite de isenção para o imposto de renda. Quanto às empresas, poderia supor-se que o impacto do aumento do gasto de saúde com os em-pregados seja proporcionalmente maior para aquelas que a tuam em mercados competitivos, sem lucros ex-traordinários. E também para aquelas mais intensivas em mão-de-obra, nas quais o peso da folha de pa-gamento é mais significativo. Do ponto de vista dos itens que compõem a cesta de consumo com saúde, é possível supor mudanças no sentido de uma foca-lização nos itens considerados de maior necessidade ou de uma migração para os prestadores com preços mais competitivos.

Importa considerar que a redução ou mesmo eli-minação da renúncia fiscal não significaria uma au-tomática elevação do gasto público com saúde que compensasse o maior encargo assumido por famílias e empresas. A despeito do princípio da universalidade do Sistema Único de Saúde, o objetivo principal da política econômica atual é a manutenção de superá-vit primário, via controle dos gastos públicos. Talvez o setor público de saúde absorvesse uma parte da demanda atualmente usuária de serviços privados, especialmente famílias de renda mais baixa e traba-lhadores de pequenas e médias empresas, que não poderiam mais suportar o padrão anterior de gasto privado com saúde.

Em contrapartida, pode-se constatar que os gastos públicos com saúde foram especialmente afetados na conjuntura pós-Constituição de 1988 até a primeira metade dos anos 1990, quando a universalização da cobertura assistencial aí estabelecida exigiu a sua ex-pansão (OCKÉ-REIS; RIBEIRO; PIOLA, 2001). Mesmo nos anos que se seguiram à promulgação da EC 29/2000, a despeito da constatação da expansão do gasto, notou-se que ele ficou aquém do esperado por uma série de motivos. De acordo com Marques e Mendes (2005), vários Estados não cumpriram com o piso estabelecido pela EC 29. Além disso, quanto à União, foram incluídas despesas com uma série de itens anteriormente não considerados como ações de saúde, exemplificando, o Fundo da Pobreza. Se a fonte de dados pesquisada for a dotação orçamentá-ria mostrada no Balanço Geral da União – BGU, em termos nominais, vê-se que a despesa com saúde têm

aumentado. Para 2000 o valor da dotação total foi de R$ 20.997,82 milhões, crescendo 97,4% até 2006, quando alcançou a cifra de R$ 41.446,72 milhões. A média do incremento no período 2000-2006 foi de 12% para cada ano. Se a análise focar o compor-tamento da despesa realizada com saúde, em termos reais, constata-se que entre 2000 e 2006 o crescimen-to foi de 19,6%, com uma média anual de 2,9%.

Cabe, finalmente, assinalar que a retirada das de-duções implicaria, ainda, uma informação reduzi-da sobre o volume da base de receita tributável dos prestadores privados de saúde, cujos efeitos sobre o conjunto da arrecadação de tributos não são, até o momento, quantificáveis.

ESTIMATIVA DA MAGNITUDE DA RENÚNCIA FISCAL COM AS DEDUÇÕES DOS GASTOS DE ATENÇÃO PRIVADA À SAÚDE

Para a estimativa dos gastos tributários com saúde, a fonte de dados utilizada foi a Secretaria da Receita Federal, especificamente os estudos publicados pela Copat. A título de esclarecimento metodológico, utilizaram-se, neste artigo, os conceitos de gasto tributário e benefício tributário, oriundos do traba-lho da equipe da Copat/Copan (BRASIL, 2003d). De acordo com essa fonte, entre 1998 e 2003, os benefícios tributários com assistência à saúde das pessoas físicas apresentaram uma tendência clara à redução, com valores de R$ 1,4 bilhão e R$ 1,2 bilhão (valores de 2003) no primeiro e no último ano do período, respectivamente, equivalente a um decréscimo de 11%.

Tais resultados são coerentes com os achados das Pesquisas de Orçamentos Familiares – POFs do IBGE realizadas nos anos 1990 e 2000. Entre 1987 e 1996, a diminuição dos gastos familiares com aten-ção à saúde foi de 30% (OCKÉ-REIS; SILVEIRA; ANDREAZZI, 2003). Entre 1996 e 2003, foi encon-trada uma redução de 32% em valores reais.

Ocké-Reis, Silveira e Andreazzi (2003) veri-ficaram, ainda, a partir das POFs de 1987 e 1996 queda de 34,45% na renda das famílias, porcentual semelhante ao verificado por Pochmann (2001) nos anos 1990.

Page 142: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

GASTOS TRIBuTáRIOS RelAcIOnAdOS AO cOnSuMO de ATenÇÃO PRIVAdA ... 145

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 137-151, jan./jun. 2008

Vale registrar que a despesa total das famílias com atenção à saúde registrada na POF 2003 foi de R$ 23,3 bilhões. Considerando apenas os gastos com seguros e planos de saúde e os gastos com atenção médico-hospitalar, itens dedutíveis do Imposto de Renda de Pessoa Física, os valores foram de R$ 13 bilhões. O benefício fiscal com saúde representaria, portanto, em torno de 10% do gasto total familiar com esses itens do consumo de saúde.

Essa estimativa é coerente com trabalhos publi-cados anteriormente sobre o tema, como o de Sayd (2003), que, em 1999, apontou R$ 1,014 bilhão re-ferente aos benefícios tributários para as pessoas físicas, representando 11,39% sobre as deduções com despesas em saúde no IRPF. Em relação aos contribuintes que referiram gastos no Imposto de Renda de Pessoa Física, na faixa de alíquota de 15% (naquele ano, com renda entre R$ 10.800,00 e R$ 21.600,00, aproximadamente entre três e seis sa-lários mínimos), a dedução média foi de R$ 152,00. Para a faixa de renda acima de R$ 21.600,00 (seis sa-lários mínimos), a dedução média foi de R$ 771,00.

Considerando uma família média composta de três pessoas, o valor per capita deduzido para a primeira faixa de renda estaria em torno de R$ 50,00 anuais e, para a segunda faixa, R$ 257,00.

No caso das pessoas jurídicas, a SRF/Copat registra uma tendência à redução das deduções com assis-tência à saúde do lucro tributável e dos benefícios tributários estimados, entre 1998 e 2003. O benefício tribu-tário em 2003 representou 15% das deduções.

Somando-se os benefícios tributá-rios de pessoas físicas e jurídicas, são estimados, em 2003, R$ 1,9 bilhão, de acordo com a Tabela 1.

Para efeito de comparação dos be-nefícios tributários com saúde em re-lação aos gastos públicos com saúde, tomou-se o trabalho de Ugá e Santos (2005). As autoras estimaram o gasto

Tabela 1

Benefícios Tributários das Despesas com Assistência à Saúde

Brasil – 1998-2003

Em milhões de reais de 2003 (1)

AnosClasses

Pessoas físicas (1)

Pessoas jurídicas Total

1998 1.421,21 695,79 2.117,00

1999 1.423,78 616,60 2.040,38

2000 1.547,76 582,98 2.130,74

2001 1.449,34 848,92 2.298,26

2002 1.396,83 722,77 2.119,60

2003 1.265,57 649,97 1.915,54

Fonte: Brasil (2003d). Elaboração dos autores.(1) Valores estimados.Nota: Valores corrigidos pelo IPCA.

Tabela 2Despesa Monetária Total Anual com Assistência à Saúde, segundo Classes de

Rendimento Monetário Mensal Familiar Brasil – 1996-2003

Classes de rendimento(Em salários mínimos)

Despesa monetária (Em milhões de reais de 2003) Variação

(%)1996 (1) 2003

Total 34.426,57 23.317,13 -32,27

Até 2 928,85 776,98 -16,35

Mais de 2 a 3 845,29 783,81 -7,27

Mais de 3 a 5 1.903,80 1.851,75 -2,73

Mais de 5 a 6 1.117,29 675,84 -39,51

Mais de 6 a 8 2.186,61 1.837,46 -15,97

Mais de 8 a 10 1.968,80 1.623,06 -17,56

Mais de 10 a 15 4.384,72 2.855,94 -34,87

Mais de 15 a 20 3.852,81 2.530,61 -34,32

Mais de 20 a 30 4.627,49 3.695,98 -20,13

Mais de 30 12.609,75 6.687,14 -46,97

Fonte: IBGE. Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Índices de Preços, Pesquisa de Orçamentos Familiares 1995-1996/2002-2003. Elaboração dos autores.(1) Corrigido pelo INPC (Fator 1,5875).

Page 143: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

146 MARIA de FáTIMA SIlIAnSky de AndReAzzI/BeRnARdO SIcSú/TáSSIA HOlGuIn

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 137-151, jan./jun. 2008

público total no setor, em 2002, em R$ 50,5 bilhões, aproximadamente R$ 320,00 per capita, o que remete-ria os benefícios tributários em questão a 4,2% deste montante. Em termos do gasto tributário com saúde per capita, para as pessoas físicas, os recursos são da ordem de R$ 7,25 anuais. Para as pessoas jurídicas, o valor é de R$ 3,72 (SAYD, 2003).

TRADE-OFF RELACIONADOS À RENÚNCIA FISCAL EM SAÚDE

Neste segmento do artigo, com base nos pressupos-tos sobre o comportamento da demanda, associados à discussão sobre o papel das deduções no IRPF e IRPJ de dispêndios ligados à saúde, propõe-se avaliar as perdas e os ganhos com esse benefício tributário para os diferentes atores envolvidos com o tema. Essa discussão levará em consideração os marcos das políticas econômicas e das políticas de reprodu-ção social do governo atual. Justifica-se esse exercício para aclarar os embates e acordos esperados em face da problemática da renúncia da arrecadação fiscal no atual marco regulatório.

Quem poderia estar interessado em rever essas deduções no Brasil, na atualidade? Em primeiro lu-

gar, o governo federal, opondo-se aos subsídios às classes de maior rendimento e interessado no alcan-ce de metas de superávit primário das contas públi-cas visando os compromissos de pagamento de juros de dívida. Alguns de seus representantes nacionais – bancos, seguradoras, investidores institucionais como os fundos mútuos e fundos de pensão e as grandes empresas (CHESNAIS, 1998) –, contradito-riamente, beneficiam-se das deduções relativas a gas-tos com saúde em prol de seus empregados. Porém, dadas as estruturas concentradas dos mercados de bancos e seguros, é de se esperar que essas empre-sas estejam em melhores condições de repassar os gastos operacionais com a saúde de seus emprega-dos aos preços. Como entre elas estão as maiores empresas de seguros de saúde brasileiras, em contra-partida, a eliminação dos benefícios tributários com saúde poderá acarretar perda de receitas em razão da retração de contratos coletivos e, também, individu-ais. O balanço de perdas e ganhos não seria possível quantificar, neste momento. Para o governo federal, há outras contradições que reforçam, entretanto, a manutenção das deduções com saúde. As políticas sociais focalizadas em segmentos pobres, de acordo, ainda, com o receituário dos organismos financei-ros internacionais, a despeito dos marcos jurídicos universais do sistema de saúde, careceriam de me-canismos compensatórios para as classes médias de renda, pequenos e médios empresários e para os tra-balhadores formais. Isso pode se dar por meio da manutenção das deduções fiscais oriundas de gastos privados com saúde. De acordo com os dados aqui apresentados, estima-se que esses gastos tributários com saúde não são de grande monta, podendo ser mais significativo o ganho político para o governo federal com a manutenção desses subsídios compa-rativamente aos custos econômicos para o Estado, relativos à renúncia fiscal.

Por motivos completamente diversos, os bene-fícios tributários com gastos privados com saúde estariam em contradição com o modelo de organi-zação da produção e das políticas sociais contido na Constituição de 1988, na medida em que esta preconiza um sistema de saúde universal com qualidade que cubra as necessidades básicas de todas as famílias. De fato, após a

Tabela 3Deduções com Assistência à Saúde do Lucro Tributável

das Pessoas JurídicasBrasil – 1998-2003

Em milhões de reais

AnosValores

Correntes 2003 (1)

1998 2.921,94 4.467,42

1999 2.589,42 3.634,13

2000 2.448,17 3.242,19

2001 3.565,02 4.384,82

2002 3.035,26 3.317,54

2003 4.333,13 4.333,13

Fonte: Brasil (2003d). Elaboração dos autores.(1) Corrigido pelo IPCA.

Page 144: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

GASTOS TRIBuTáRIOS RelAcIOnAdOS AO cOnSuMO de ATenÇÃO PRIVAdA ... 147

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 137-151, jan./jun. 2008

sua promulgação, foram estabelecidos tetos da renda bruta que limitavam as deduções com gastos privados com saúde do Imposto de Renda de Pessoa Física (ALMEIDA, 1998). As deduções com saúde voltam a ser permitidas sem limites após 1991, quando o país assume de forma prática o modelo econômico neo-liberal (TAVARES, 1999), a despeito da manutenção formal de algumas políticas sociais de corte universa-lista, como foi o caso da saúde.

Quem se beneficia, atualmente, da renúncia atra-vés de deduções fiscais do IRPF e IRPJ? Todos os grupos sociais que, a despeito do direito universal à saúde, têm sido impelidos a utilizar o setor privado. Sua perda teria impacto inverso à renda das famílias, incidindo mais as das camadas média, média-baixa e os trabalhadores formais. Do mesmo modo, recairiam sobre as pequenas e médias empresas, que no Brasil são, em geral, de capital nacional. O grupo específico dos prestadores de serviços de saúde também seria afetado, dado o impacto da redução do gasto privado em saúde sobre suas receitas, em especial para aque-les prestadores cuja demanda corresponde a camadas médias de renda e empregados de empresas menores. Sem a renúncia fiscal, poucos poderiam se beneficiar de uma possível falta de informação por parte da Re-ceita Federal sobre suas receitas como aqueles que trabalham para um mercado de pagamento direto, segmento hoje em contração. Pode-se pensar que a redução de receitas por parte de algumas empresas de seguro-saúde engendrem tendências por um controle ainda maior dos prestadores de serviços.

Finalmente, um último argumento a favor da ma-nutenção das deduções tributárias com saúde seria de ordem especificamente fiscal – quanto à sua efetivi-dade como estratégia de combate à evasão fiscal dos prestadores privados de saúde. É importante, entre-tanto, considerar em que segmento a fiscalização ativa desses prestadores é mais problemática. Certamente, os profissionais liberais e demais empresas prestado-ras de serviços de saúde, numerosas e espalhadas por todo o território nacional, representam maiores di-ficuldades operacionais para a fiscalização tributária do que as empresas seguradoras e as operadoras de planos de saúde. Pois estas estão localizadas, essen-cialmente, nas Regiões Sudeste e Sul e com presen-

ça mais marcante nas regiões metropolitanas do país (ANDREAZZI; KORNIS, 2003).

Durante a XII Conferência Nacional de Saúde (BRASIL, 2003c), foi aprovada a retirada do bene-fício tributário com saúde e o redirecionamento do equivalente em gasto público para a atenção básica com saúde. Como se poderia verificar, então, o im-pacto de tal medida na melhoria das condições de acesso e utilização dos serviços de saúde por par-te das camadas sociais que hoje não se integram ao mercado formal de trabalho, contando com rendas que não alcançam os limites da sobrevivência? De acordo com os dados da Receita Federal, aqui apre-sentados, caso se acrescentasse ao gasto público atual a soma estimada da renúncia fiscal com saú-de de pessoas físicas e jurídicas, ainda assim não se alcançaria um gasto público suficiente para garantir a universalidade proposta na Constituição de 1988, pois o valor passaria de cerca de R$ 50,5 bilhões para R$ 53 bilhões. Tais deduções, que na média foram de R$ 50,00 a R$ 257,00 per capita anuais, não re-presentam garantia financeira suficiente nem para as famílias que as utilizam, para enfrentarem riscos com atenção à saúde.

Conclui-se, desse modo, não serem esses bene-fícios tributários para atenção à saúde o principal responsável pelo “perfil regressivo que beneficia os grupos socioeconômicos mais favorecidos em de-trimento dos mais carentes” (BRASIL, 2003a, p. 6). Dadas as características da política econômica atual, é plausível supor que, assim como foi visto em situa-ções semelhantes, quando da criação de novas fontes de financiamento público para a saúde no país, como a CPMF (OCKÉ-REIS; RIBEIRO; PIOLA, 2001), nem todo aumento da arrecadação de impostos re-sultaria em aportes adicionais para a saúde. Poderia haver uma substituição de fontes de financiamento, mantendo-se o gasto total nos mesmos patamares.

Quanto à avaliação da progressividade da renún-cia fiscal, sem equívocos, tomada de forma isolada, é uma medida que privilegia as camadas sociais de maior renda e as empresas com maiores receitas que pode ser substituída pelo gasto orçamentário direto de forma teoricamente mais eficiente. Existe, entre-tanto, a necessidade de problematizar a adoção de

Page 145: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

148 MARIA de FáTIMA SIlIAnSky de AndReAzzI/BeRnARdO SIcSú/TáSSIA HOlGuIn

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 137-151, jan./jun. 2008

políticas de redução ou eliminação desse subsídio quanto à promoção da eqüidade do sistema de saúde brasileiro, no momento atual, mesmo considerando que esses recursos revertam em benefício das parce-las mais pobres da população.

Justifica-se considerar que, no caso das pessoas físicas, a retirada desses benefícios fiscais significaria uma redistribuição de renda por meio da política fis-cal que penalizaria tanto as camadas de renda média e os trabalhadores formais como famílias compro-vadamente abastadas. É importante aqui questionar a aplicação única do critério da renda familiar para avaliar a desigualdade social no país, tanto em ter-mos de salários como, principalmente, em percen-tis da distribuição da renda, embora seja uma forma freqüentemente encontrada nesse tipo de estudo, inclusive de desigualdades em saúde. Um dos pro-blemas a ser enfrentado reside na heterogeneidade das famílias com rendas superiores a 30 salários mí-nimos, ou os últimos percentis da distribuição da renda, dada sua concentração no Brasil. Medeiros (2001), dentro dessa linha, coloca a pergunta do ní-vel de riqueza que poderia ser considerado mínimo. Conclui que uma linha de riqueza seria um conceito relacional a partir de uma linha de pobreza, que em-bora não seja consensualmente adotada em estudos sobre desigualdade, poderia ser considerada como mínimo necessário à sobrevivência. Para esse autor, linha de riqueza é o ponto a que se chega quando, a partir de uma política redistributiva, aqueles situados abaixo da linha de pobreza são elevados ao limite da sobrevivência. No Brasil, em 1999, eram considera-das ricas as famílias com renda per capita acima de R$ 2.816,47 correntes. Para uma família média de três pessoas significaria uma renda familiar mensal de R$ 8.449,41 ou 62 salários mínimos por mês à época. Enquadravam-se nessa categoria 800 mil pes-soas, 0,5% da população brasileira. No caso da im-posição de um limite de renda para o usufruto do benefício fiscal com saúde, por exemplo, caso fosse usado um corte na classe das famílias com renda aci-ma de 30 salários mínimos mensais – parcela consi-derada por Medeiros (2001) como muito distante da riqueza –, além de elas constituírem um porcentual pequeno da população, os valores correspondentes

à renúncia nessa faixa de renda representavam, em 1999, 9,1% da renúncia total com saúde, ou seja, R$ 1,07 per capita anual (SAYD, 2003).

Quanto às pessoas jurídicas, os mesmos argu-mentos referentes aos impactos diferenciados da retirada dos benefícios fiscais do IRPJ são válidos, dada a concentração do capital existente no país, si-tuação explícita pela desigualdade entre as empresas em termos de receita e lucro.

Não negando que a política fiscal tenha um papel importante na redistribuição da renda, a eliminação desse abatimento com gastos privados com saúde por parte de pessoas físicas e jurídicas, como medida isolada de promoção de eqüidade em saúde, torna-se passível, portanto, de questionamento. Tal deci-são atingiria, especialmente, as camadas sociais de renda média e os trabalhadores assalariados formais, parcelas que vivem, principalmente, da renda do tra-balho (MEDEIROS, 2004). Essas camadas sociais efetuam gastos privados com saúde menos por op-ção, mas impelidos pela insegurança quanto à ofer-ta pública dos serviços, mesmo se tratando de um direito constitucional. Isso sem que sejam tocadas, anteriormente, desigualdades mais marcantes da so-ciedade brasileira, atingindo, em primeiro lugar, os grupos sociais mais privilegiados. Renúncias fiscais distintas daquelas aqui tratadas, dentro dos marcos normativos atuais de tributação, são mais iníquas, como ressalta o documento da Unafisco Sindical (2003), pois não punem os rendimentos do capital. Estas são a isenção de tributação sobre lucros e di-videndos recebidos por pessoas físicas no IRPF e a não-tributação das remessas de lucros e dividendos para o exterior. Segundo esse mesmo documento, há um peso desproporcional dos tributos sobre os agentes econômicos cuja renda é oriunda apenas do trabalho.

A imposição de um limite para a utilização do be-nefício fiscal, de acordo com a renda das pessoas físi-cas ou de acordo com o faturamento e lucratividade das pessoas jurídicas, poderia ser uma política pública distributiva que alcançaria esses grupos sociais mais privilegiados. Para uma ampliação adequada do gasto público em saúde, contudo, julga-se tal medida bas-tante limitada.

Page 146: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

GASTOS TRIBuTáRIOS RelAcIOnAdOS AO cOnSuMO de ATenÇÃO PRIVAdA ... 149

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 137-151, jan./jun. 2008

Recursos mais vultosos adviriam do redireciona-mento do orçamento público. É sabido que grande parte da renda gerada no país, e arrecadada como tributos, é destinada ao pagamento do estoque e do fluxo dos encargos da dívida pública cujo mon-tante a título de juros sequer é definido por regras contratual mente claras, ou seja, cujas taxas têm se subordinado aos mecanismos da especulação finan-ceira internacional (BRESSER-PEREIRA, 2003). Para tanto, o governo federal se vale inclusive do contingenciamento do Orçamento da Seguridade Social, por meio da rubrica orçamentária Desvincu-lação de Receitas da União. De acordo com docu-mento elaborado pela prefeitura de São Paulo (2003) e equipe, existiria, de forma marcante após 1998, um esquema monstruoso de drenagem do setor privado e da renda do trabalho para uma acumulação essen-cialmente financeira:

a correlação entre carga tributária e aumento do superávit primário é por demais transparente para demonstrar que o arrocho fiscal tem significado uma transferência de recursos para o setor financeiro, tendo, aliás, parcela significativa sido subtraída da renda do trabalho (SÃO PAULO, 2003, p. 73).

Nota-se, na literatura brasileira consultada, inclusi-ve em documentos de política de saúde oficiais como o Relatório da XI Conferência Nacional de Saúde, uma tendência de restringir ao interior do próprio se-tor o debate acerca das mudanças necessárias à pro-moção de uma maior eqüidade no financiamento. No entanto, assim como no que tange aos determinantes da saúde, as políticas de saúde, como aquelas aqui re-feridas, estão necessariamente inseridas no contexto mais amplo das opções do modelo de desenvolvi-mento do país. A discussão, portanto, de uma medida redistributiva que não atinja as camadas sociais deten-toras da maior parte da renda e da riqueza, mesmo que tecnicamente equânime, pode ter um efeito de empobrecer o debate sobre a eqüidade em saúde. E, além disso, de incentivar uma pugna entre camadas sociais de renda média, trabalhadores formais e pe-quenas e médias empresas, por um lado, e as camadas mais desprotegidas, trabalhadores informais, desem-pregados, camponeses, por outro, pela distribuição dos ônus com o financiamento da saúde. O que dei-xaria de fora os principais beneficiários da manuten-ção da desigualdade e da pobreza, responsáveis pelos determinantes estruturais dos escassos recursos hoje destinados às políticas públicas.

Notas

Este trabalho foi realizado com apoio do CNPq, Edital 37/2004, Processo 403.458/2004-8 e Faperj E-26/150.914/2005.1. Disponível em: <www.conselhosaude.br>. Acesso em: 1º set. 2004.

Referências Bibliográficas

ALMEIDA, C. Health systems reform and equity in Latin Ame-rica and the Caribbean: lessons from the 1980s and 1990s. Cad. Saúde Pública, v. 18, n. 4, p. 905-925, jul./ago. 2002.

______. O mercado privado de serviços de saúde no Brasil: Panorama atual e tendências da assistência médica suplementar. Brasília: Ipea, 1998. (Textos para discussão, n. 599).

ANDREAZZI, M.F.S. O seguro saúde privado no Brasil. Dissertação (Mestrado) – ENSP/Fiocruz, Rio de Janeiro, 1991.

2. Verificado na Ata 162 do Conselho Nacional de Saúde. Disponível em: <www.cns.gov.br>. Acesso em: 12 set. 2006.

ANDREAZZI, M.F.S.; KORNIS, G.E.M. Papel das reformas dos anos 90 na demanda por seguros privados de saúde no Bra-sil – consensos e dissensos. Cad. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 11, n. 2, p. 201-229, 2003.

BARBOSA, F.H.; BARBOSA, A.L.N. O sistema tributário no Brasil: Reformas e mudanças. In: BIDERMAN, C.; ARVATE, P. (Org.). Economia do Setor Público no Brasil. São Paulo: Elsevier Editora, 2005. p. 290-317.

BEGHIN, N. Gastos tributários sociais de âmbito federal: uma proposta de dimensionamento. Brasília: UnB, 2005. Mimeografado.

Page 147: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

150 MARIA de FáTIMA SIlIAnSky de AndReAzzI/BeRnARdO SIcSú/TáSSIA HOlGuIn

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 137-151, jan./jun. 2008

BRASIL. Agência Nacional de Saúde Suplementar/ANS. Apresentação de Ceres Albuquerque em oficina para presta-dores a partir do Cadastro de Beneficiários. Rio de Janeiro, set. 2005.

______. Ministério da Fazenda. Política Econômica e Reformas Estruturais. Brasília: 2003a. Disponível em: <www.fazenda.gov.br>. Acesso em: 20 jun. 2005.

______. Ministério da Fazenda. Secretaria de Política Econô-mica. Gasto social do governo central: 2001 e 2002. Econômica, Rio de Janeiro, v. 5, n. 1, p. 9-69, 2003b.

______. Ministério da Saúde. Relatório Final da XII Conferência Nacional de Saúde. Brasília, 2003c. Disponível em: <www.conse-lho.saude.br>. Acesso em: 15 jul. 2005.

______. Ministério da Fazenda. Secretaria da Receita Federal. Gastos governamentais indiretos, de natureza tributária (Gastos tributários – Conceituação). Estudos tributários -–12, Brasília, Secretaria da Receita Federal – Coordenação-Geral de Política Tributária, 2003d.

______. Ministério da Saúde. Simpósio Regulamentação dos Planos de Saúde. Brasília: 2001.

BRESSER-PEREIRA, L.C. Economia política do gasto social no Brasil desde 1980/85. Econômica, Rio de Janeiro, v. 5, n. 1, p. 101-108, jun. 2003.

CHESNAIS, F. (Coord.). A mundialização financeira: gênese, custos e riscos. Rio de Janeiro: Xamã, 1998.

COLOMBO, F.; TAPAY, N. Private Health Insurance in OECD Countries: The Benefits and Costs for Individuals and Health Systems. OECD Health Working Papers, Paris, n. 15, 2004.

DAIN, S. et al. Avaliação dos impactos da reforma tributária sobre o financiamento da saúde In: NEGRI, B.; DI GIOVANNI, G. Brasil. Radiografia da saúde. Campinas: Unicamp, 2001. p. 233-268.

DOWD, B. et al. The effect of tax-exempt out-of-pocket pre-miums on health plan choice. National Tax Journal, Washington, DC, v. 54, n. 4, p. 741-756, Dec. 2001.

EMMERSON, C.; FRAYNE , C.; GOODMAN, A. Should pri-vate medical insurance be subsidized? Health Policy, UK, 2001.

GRUBER, J. Taxes and Health Insurance. Working Paper 8657. Cambridge, MA: National Bureau on Economic Research, 2001. Disponível em: <www.nber.org/papers/w8657>. Acesso em: 1 jun. 2006.

GRUBER, J.; MCKNIGHT, R. Why did employee health insurance contributions rise? J. Health Econ., v. 22, p. 1.085-1.104, 2003.

IBGE. Acesso e utilização de serviços de saúde 1998. Rio de Janeiro: 2000.

MARQUES, R.M.; MENDES, A. SUS e seguridade social: em busca do elo perdido. Saúde e Sociedade, v. 14, n. 2, p. 39-49, maio/ago. 2005.

MEDEIROS, M. As fontes de rendimentos dos ricos no Brasil. Brasília: Ipea, 2004. (Textos para discussão, n. 1.014).

______. A construção de uma linha de riqueza a partir da linha de pobreza. Brasília: Ipea, 2001. (Textos para discussão, n. 812).

MÉDICI, A.C. Incentivos governamentais ao setor privado no Brasil. Relatórios Técnicos. Rio de Janeiro, Ence/IBGE, n. 1, 1990.

MOSSIALOS, E.; THOMSON, S.M.S. Voluntary Health Insu-rance in the European Union: a critical assessment. Int. J. Health Service, Baltimore, v. 32, n. 1, p. 19-88, 2002.

OCKÉ-REIS, C.O. O setor privado em saúde no Brasil: os limites da autonomia. Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva) – Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1995.

OCKÉ-REIS, C.O.; RIBEIRO, J.A.C.; PIOLA, S.F. Financiamento das políticas sociais nos anos 1990: o caso do Ministério da Saúde. Brasília: Ipea, 2001. (Textos para discussão, n. 802).

OCKÉ-REIS, C.O.; SILVEIRA, F.G.; ANDREAZZI, M.F.S. Avaliação dos gastos das famílias com a assistência médica no Brasil: o caso dos planos de saúde. Rio de Janeiro, Ipea, 2003. 34 p. (Textos para discussão, n. 921).

PEREIRA, J. Justiça social no domínio da saúde. Cad. Saúde pública, v. 6, n. 4, p. 400-421, out./dez. 1990.

PIANCASTELLI, M.; NASCIMENTO, E.N. Imposto de ren-da da pessoa física. In: BIDERMAN, C.; ARVATE, P. (Org.). Economia do setor público no Brasil. São Paulo: Elsevier Editora, 2005. p. 231-251.

POCHMANN, M. A década dos mitos. São Paulo: Contexto, 2001.

PORTO, S.M. Justiça social, eqüidade e necessidade em saúde. In: PIOLA, S.F.; VIANNA, S.M. (Org.). Economia da saúde. Conceito e contribuição para a gestão da saúde. Brasília: Ipea, 1995. p. 123-140.

SALVI, A.F.C.; DE PAULA, E.V.M.; LOURES, M.M.G. Gastos governamentais indiretos de natureza tributária – Conceituação. Estudos Tributários 12, Brasília, Secretaria da Receita Federal, Ministério da Fazenda, 2003.

SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal do Desenvolvi-mento, Trabalho e Solidariedade. Desigualdade de renda e gastos sociais no Brasil: algumas evidências para debate. Econômica, Rio de Janeiro, v. 5, n. 1, p. 71-82, jun. 2003.

SAYD, P.D. Renúncia fiscal e eqüidade na distribuição de recursos para a saúde. Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva) – Escola Nacional de Saúde Pública, Fiocruz, Rio de Janeiro, 2003.

Page 148: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

GASTOS TRIBuTáRIOS RelAcIOnAdOS AO cOnSuMO de ATenÇÃO PRIVAdA ... 151

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 137-151, jan./jun. 2008

Maria de FátiMa SilianSky de andreazzi

Doutora em Saúde Coletiva, Médica, Professora Adjunta do Departamento de Medicina Preventiva, Faculdade de Medicina da UFRJ, Pesquisadora do Instituto de Estudos de Saúde Coletiva da UFRJ.

([email protected])

Bernardo SicSú

Doutor em Saúde Coletiva, Economista, Pesquisador do Instituto de Estudos de Saúde Coletiva da UFRJ. ([email protected])

táSSia Holguin

Economista.([email protected])

Artigo recebido em 19 de janeiro de 2007. Aprovado em 2 de julho de 2008.

Como citar o artigo:ANDREAZZI, M.F.S.; SICSÚ, B.; HOLGUIN, T. Gastos tributários relacionados ao consumo de atenção privada à saúde: contribuição ao debate sobre políticas de financiamento. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v. 22, n. 1, p. 137-151, jan./jun. 2008. Disponível em: <http://www.seade.gov.br>; <http://www.scielo.br>.

SELDEN, T.M.; MOELLER, J.F. Estimates of the tax subsidy for employment-related health insurance. National Tax Journal, Washington, DC, v. 53, n. 4, p. 877-887, Dec. 2000.

SHEILS, J.; HOGAN, P. Cost of Tax-Exempt Health Benefits in 1998. Health Affairs, v. 18, n. 2, p. 176-181, 1999.

TAVARES, L.T.S.R. Políticas e ajuste e reformas da seguridade social na América Latina. In: ANDREAZZI, M.F.S.; TURA, L.F.R. Financiamento e gestão do setor saúde: novos modelos. Rio de Janeiro: Anna Néry, 1999. p. 25-44.

THE WORLD BANK. Financing Health Services in Developing Countries. An Agenda for Reform. Washington, DC: 1987.

UGÁ, M.A.D.; SANTOS, I.S. Uma análise da eqüidade do financia-mento do sistema de saúde brasileiro. Relatório de Pesquisa. Projeto Economia da Saúde. Cooperação Técnica Brasil – Reino Unido, 2005. Disponível em: <www.opas.org.br/observatorio/arqui-vos/Destaque99.pdf>. Acesso em: 12 mar. 2005.

UNAFISCO SINDICAL. O imposto de renda na reforma tributária. Fundamentos da campanha Imposto de Renda com Justiça. Brasília: 2003. Mimeografado.

WHITEHEAD, M. The concepts and principles of equity and health. Copenhagen: WHO Regional Office for Europe, 1990.

WHITEHEAD, M.; DAHLGREN, G. Levelling up (part 1): a discussion paper on concepts and principles for tackling social inequities in health. Copenhagen, Denmark: WHO Regional Office for Europe, 2006a.

______. Levelling up (part 2): a discussion paper on con-cepts and principles for tackling social inequities in health. Copenhagen, Denmark: WHO Regional Office for Europe, 2006b.

YUNES, R. Demanda e demanda em saúde. In: PIOLA, S.F.; VIANNA, S.M. Economia da saúde. Conceito e contribuição para a gestão da saúde. Brasília: Ipea, 1995. p. 99-122.

Page 149: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 152-164, jan./jun. 2008

A valiação e auditoria, ferramentas presentes na estrutu-ra regimental do Sistema Único de Saúde – SUS, utilizadas para melhoria da qualidade da gestão e accountability1 da política, ainda apresentam, no campo da saúde, mesmo entre os integrantes da força de trabalho do Ministé-rio da Saúde – MS, uma noção pouco clara dos significados de uma e de outra. Associam-se a essas situações o número limitado de pesquisas e o uso não muito adequado dos termos e instrumentos de avaliação e auditoria, muitas vezes utilizados de maneira equivocada.

No âmbito do SUS, a avaliação já apresenta um referencial teórico e uma prática mais consolidada; o Sistema Nacional de Auditoria – SNA ainda está tentando demarcar esses parâmetros também para a auditoria. Diante desse cenário, fazem-se necessários estudos que possibilitem entender a dinâmica dessas práticas, incluindo o modelo político e organizacional vigente. Este artigo se propõe a esclarecer esses conceitos, entendendo a centralidade que essas ferramentas vêm assumindo na administração pública.

PROCESSO DE AUDITORIA EM SERVIÇOS DE SAÚDE: UM bREVE hISTóRICO

Caleman, Moreira e Sanches (1998) assinalam que o termo audit foi proposto para os serviços de saúde, pela primeira vez, em 1956, por Lambeck, com a finalidade de avaliar a qualidade dos processos e os resultados des-ses serviços, por meio da observação direta do registro e da história clínica do usuário. Na percepção de Zanon (2001), no entanto, a auditoria médica foi criada em 1943, por Vergil Slee.

Resumo: Este artigo se propõe a distinguir os termos avaliação e auditoria, tomando como referência o Sistema Nacional de Auditoria. Essas ferramentas têm assumido uma posição central na manutenção e no desenvolvimento do Sistema Único de Saúde.

Palavras-chave: Auditoria em saúde. Sistema Nacional de Auditoria. Avaliação em Saúde.

Abstract: This article considers distinguishing the terms evaluation and auditorship, taking as reference the Brazilian National System of Auditorship. These tools have assumed a central position in the maintenance and development of the Unified Health System of Brazil.

Key words: Auditorship in health area. National System of Auditorship. Evaluation in Health Area.

AUDITORIA E AVALIAÇÃO NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

Marilene Barros de Melo

Jeni VaitsMan

Page 150: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

AUDITORIA E AVALIAÇÃO NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE 153

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 152-164, jan./jun. 2008

Em 1972, os Estados Unidos da América criaram a Professional Standard Review Organization, bus-cando regulamentar essa modalidade de avaliação, só que com uma perspectiva de auditoria. Essa enti-dade incorporou aos programas de acreditação hos-pitalar o Peer Review, sistema de revisão por pares, seguindo padrões estabelecidos pelo Colégio Ame-ricano de Cirurgiões (AZEVEDO; KORYCAN, 1999; ZANON, 2001).

Não existe relato, na literatura, a respeito do início da auditoria no campo da saúde pública no Brasil, mas há evidências da utilização da mesma pelo ex-tinto Instituto Nacional de Assistência da Previdên-cia Social – Inamps. A importância dessa ferramenta foi reconhecida através do Decreto n. 809 (BRASIL, 1993a), que, ao aprovar a Estrutura Regimental do Inamps, em seu art. 3º, define que esse instituto terá em sua estrutura básica órgãos de assistência direta e imediata ao presidente, compostos pela Procura-doria-Geral e Auditoria. O decreto estabelece que compete à Auditoria: controlar e fiscalizar a aplicação dos recursos orçamentários e financeiros destinados à assistência à saúde e aos pagamentos de serviços prestados e repassados aos Estados, Distrito Federal e municípios, pelo Inamps.

No Brasil, a implantação de processos de auditoria no Sistema Único de Saúde – SUS procura resguardar ao usuário e à União, Estados e municípios a qualida-de dos serviços profissionais e institucionais, além de preservar o uso adequado do dinheiro público. A Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990 (BRASIL, 1990), ao regular as ações e os serviços de saúde em todo o território nacional, estabelece o Sistema Nacional de Auditoria – SNA como um mecanismo de con-trole técnico e financeiro, sob competência do SUS e em cooperação com os Estados, Distrito Federal e municípios. No entanto, a instituição desse sistema deu-se apenas em 27 de julho de 1993, pelo art. 6º da Lei n. 8.689 (BRASIL, 1993b), e sua regulamentação ocorreu pelo Decreto n. 1.651 de 28 de setembro de 1995 (BRASIL, 1995).

A função de controlar as ações e serviços de saú-de das operadoras e de outros órgãos públicos é da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, regulamentada pela Lei n. 9.961 (BRASIL, 2000a)

como uma autarquia, cujo objetivo é a manutenção da qualidade da assistência à saúde.

Retomando o SNA, o Decreto n. 1.651 que o re-gulamenta define auditoria como sendo a “análise prévia, concomitante ou subseqüente da legalidade dos atos da administração orçamentária, financei-ra e patrimonial, bem como a regularidade dos atos técnico-profissionais, praticados por pessoas físicas e jurídicas”. O art. 6º desse Decreto, no § 1º, estabelece que compete ao SNA “a avaliação técnico-científica, contábil, financeira e patrimonial do Sistema Único de Saúde – SUS, que será realizada de forma descen-tralizada”. Esse artigo, no § 4º, designa o Departa-mento de Controle, Avaliação e Auditoria como ór-gão central do SNA.

A descentralização do SNA constituiu-se a partir da estruturação de componentes do SNA nas três esferas gestoras do SUS, instituída pela Norma Ope-racional Básica do Sistema Único de Saúde – NOB-SUS 01/96 em 27 de agosto de 1996 (BRASIL, 1997). A NOAS 01/2002 (BRASIL, 2002) estabelece o componente municipal como requisito para que o município possa habilitar-se na condição de gestão plena do Sistema Municipal. Assinala que cabe a esse componente a auditoria aos prestadores dos serviços ambulatoriais e hospitalares localizados em seu terri-tório e vinculados ao SUS. E, no caso dos municípios não habilitados, essa função é a da Secretaria Esta-dual de Saúde.

Em 1996, o Ministério da Saúde, procurando re-gulamentar o cumprimento das normas e disposições relativas ao Sistema Único de Saúde, elaborou a pri-meira edição de um Manual de Normas de Auditoria (BRASIL, 1996) e, em agosto de 1998, foi lançada a segunda edição (BRASIL, 1998).

O SUS assume como meta a transformação do modelo de assistência à saúde e distancia a saúde da condição de mercadoria, ao situá-la como um direi-to de cidadania. A sua consolidação pressupõe aces-so, universalização e qualidade dos serviços, além do controle social. Já o SNA foi instituído visando o controle sistemático da estrutura, dos processos e dos resultados no âmbito do SUS. A Lei n. 8.080 (BRASIL, 1990) demonstra que a avaliação da qua-lidade na atenção à saúde, através do SNA, é estra-

Page 151: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

154 MARILENE BARROS DE MELO/JENI VAITSMAN

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 152-164, jan./jun. 2008

tégica no processo de construção e manutenção do SUS. A reestruturação regimental do SNA, pelo De-creto n. 3.496 de 2000 (BRASIL, 2000b), configura como competência do Denasus a determinação das responsabilidades dos órgãos de auditoria, o controle e avaliação, bem como a correção de irregularidades praticadas no SUS.

A proposição do SNA é de complementar as ou-tras instâncias de controle e regulação, fazer levan-tamento das principais carências, estimar o impacto das ações de saúde e traçar o perfil de utilização dos serviços para as mudanças necessárias no plane-jamento, gestão, execução e avaliação das ações de saúde. Os Manuais de Normas de Auditoria (BRA-SIL, 1996, 1998) enfatizam que o principal objetivo do processo de auditoria é “a qualidade das ações de serviços prestados no campo da saúde”. Já no plano internacional, o Centro de Gestión Hospitalaria da Colômbia (2000) realça que a qualidade dessa atenção à saúde depende do cumprimento de alguns requisi-tos essenciais, entre eles, a competência profissional, através de certificação.

Buscando priorizar as diretrizes do SUS, os pro-cessos de auditoria têm sido sistematizados como instrumentos de suporte estabelecidos para avaliar os serviços e suas intervenções, principalmente, quando a auditoria assume a posição de referência para re-definição de objetivos, estabelecimento de conteúdos e estratégias para consolidar melhorias nos serviços de saúde, tomando por base imperativos sociais, po-líticos e técnicos. Nessa perspectiva, é fundamental a compreensão da lógica do contexto específico de cada auditado, de maneira a nortear a implementação das políticas locais, dentro das suas possibilidades e limitações (REIS, 1993).

AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS/PROGRAMAS/SERVIÇOS

O campo da avaliação abriga concepções distintas. Para Donabedian (1984), a avaliação constitui um pro-cesso sistemático e objetivo que busca analisar a efeti-vidade ou o impacto de determinada atividade, a partir de objetivos predeterminados, de maneira a reorien-tá-la para a conquista de benefícios. Já na perspectiva de Vaitsman, Rodrigues e Paes-Souza (2006, p. 22),

a avaliação compreende estudos que buscam analisar os processos e resultados de um programa ou políti-ca, a partir de indicadores relacionados à “relevância, eficiência, efetividade, resultados, impactos ou a sus-tentabilidade”. Tem como objetivo melhorar a quali-dade de determinado programa ou política e oferecer subsídios que reorientem os processos de formulação e implementação.

A avaliação é uma atividade de pesquisa que visa a solução de questões relativas a determinada coleti-vidade, através da análise da efetividade ou não das intervenções sociais. Essa modalidade de atividade valoriza a formulação e a implementação do progra-ma, considerando, principalmente, condições sociais problemáticas (BARZELAY, 2002).

Um processo clássico de avaliação baseia-se nos princípios da confiabilidade e da isenção dos ava-liadores. A pesquisa de avaliação deve focalizar os objetivos preestabelecidos ou a eficácia das ações, envolvendo suas diversas fases, desde a formulação até os impactos das políticas, além de suas causas e conseqüências. No entanto, ainda tem sido mantida como objetivo principal a análise dos impactos dos programas, verificando-se sua efetividade. O parâme-tro utilizado para definir a efetividade é o seu alcance em relação ao controle ou à cura de determinado mal social, preservando-se a sociedade em geral. O mé-rito de um programa está no cumprimento de seus objetivos com um adequado custo-benefício. Nessa perspectiva, um avaliador tem a função de sugerir e implementar pesquisas capazes de emitir pareceres técnicos sobre o processo que envolve uma política pública (BARZELAY, 2002; NORONHA, 2004).

Vedung (apud NORONHA, 2004) caracteriza a avaliação como um processo analítico, que pode ser utilizado no âmbito da administração pública e em todas as etapas do processo de formulação e imple-mentação das políticas públicas, compreendendo seus produtos e impactos, bem como viabilizando reformulações necessárias para a melhoria na tomada de decisões. O autor aponta que as análises a posteriori, ou seja, aquelas que se baseiam apenas nos impac-tos das ações governamentais exigem procedimentos minuciosos de monitoramento, sistematização e clas-sificação dos resultados das ações implantadas, pois

Page 152: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

AUDITORIA E AVALIAÇÃO NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE 155

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 152-164, jan./jun. 2008

é a partir dessas análises que poderão ser previstas melhorias futuras nessas ações. Nesse sentido, a ava-liação é utilizada para fins de accountability (responsa-bilização), conforme a percepção de Barzelay (2002), já exposta anteriormente.

Vedung acrescenta que a responsabilização pode ser delegada pelo agente político, cidadão, cliente ou, ainda, pelo gestor. O agente político é aquele que, eleito pelo povo, serve-se da avaliação para defen-der as políticas propostas por ele e responsabiliza a burocracia pela sua boa ou má condução. Por sua vez, o cidadão a emprega para responsabilizar seus agentes políticos. Já o cliente faz uso para confirmar a intuição do valor da política implementada. E, por fim, o gestor a utiliza para verificar como a política está sendo implementada. O autor acrescenta que as informações extraídas em cada fase constituem um processo que procura compreender o “todo”, não se limitando aos produtos gerados, mas abrangendo questões como eficiência, eficácia, efetividade, quali-dade da administração e accountability.

Os resultados de determinada política social po-dem ser avaliados através do seu produto ou dos seus impactos. Para Noronha (2004), existem dificuldades em distinguir o que é produto e o que é impacto gera-do pela implementação de determinada política social. Na concepção de Merhy (2000), produto é o objeti-vo alcançado, enquanto o impacto está relacionado às mudanças promovidas de maneira efetiva por esse objetivo. Por exemplo, uma política que busca viabili-zar alguns recursos para implantação de consultas de pré-natal visa alcançar, como produto, a cobertura do pré-natal e, como impacto, uma diminuição no índice de mortalidade materna.

De acordo com Noronha (2004), é fundamental a identificação dos fatores que influenciam os re-sultados, o que depende diretamente dos critérios nortea dores da avaliação, do contexto no qual inci-dirá sua ação, da realidade e dos atores sociais en-volvidos. Esses critérios, para o autor, geralmente estão relacionados à abordagem adotada na avalia-ção: foco e área sob análise; introdução de novos pontos de vista sobre problemas antigos, como tam-bém sobre novos programas da agenda e as etapas nas quais se encontram.

Quanto ao propósito de se estabelecer uma di-ferenciação conceitual entre avaliação e auditoria, é relevante a análise de Barzelay (2002). Esse autor res-salta que é equivocada a terminologia empregada na modalidade auditoria de desempenho, baseando-se no fato de que ela se enquadra no âmbito da avalia-ção e não da verificação. Tem como finalidade apre-ciar, ajuizar quanto à otimização ou não dos progra-mas e processos produtivos. Ela somente poderá ser conceituada como auditoria quando submetida aos padrões puramente burocráticos, em que a “mola-mestra” é a verificação apenas da conformidade da ação ou do serviço.

Assim, optou-se por discorrer sobre o seu mérito e variações, tratando-a como domínio da avaliação. Bar-zelay (2002) sinaliza que o mérito da auditoria de de-sempenho se situa em políticas que conseguem promo-ver a intervenção social objetivada. O responsável pela implementação dessa política busca uma eficiência de recursos, ações eficazes e produtos não cristalizados e permeáveis às mudanças necessárias. Assim, esse mé-rito se sustenta em indicadores como otimização dos processos de economia: eliminação de desperdícios de insumos (eficiência); ações adequadas, advindas da uti-lização desses recursos (eficácia); e transformação de insumos em produtos que gerem impactos positivos (efetividade). Esses indicadores são conhecidos como os 3 E’s da gestão pública e sua presença caracteriza o bom funcionamento administrativo (BARZELAY, 2002; GOMES, 2002; NORONHA, 2004).

As variações referentes à auditoria de desempe-nho, segundo Barzelay (2002), podem relacionar-se à abrangência da avaliação, ao foco do trabalho, à modalidade de revisão e à unidade de análise, classi-ficando-se em:

auditoria de eficiência: analisa a forma como o au-• ditado gerencia seus recursos humanos e materiais, se existe uma associação previsível entre eficiência e custo mínimo;auditoria de efetividade: examina os resultados, • verificando o impacto provocado pelo produto de uma política. Preocupa-se mais com avaliações pontuais do que com a política no geral. Utiliza-se menos a pesquisa em ciências sociais, quando comparada com a avaliação de programas;

Page 153: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

156 MARILENE BARROS DE MELO/JENI VAITSMAN

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 152-164, jan./jun. 2008

auditoria de capacidade de gerenciamento de • desem penho: analisa a habilidade do auditado em gerenciar processos e programas de forma eficien-te e efetiva, buscando também formular orienta-ções direcionadas a um melhor desempenho;avaliação de risco: sinaliza aos gestores e aos for-• muladores de políticas públicas os problemas que uma determinada política implementada pode ori-ginar. Essa auditoria não se posiciona, necessaria-mente, quanto à efetividade do programa;revisão geral de gestão: verifica a organização e • não o programa implantado. Ao buscar a origem dos problemas ou sucessos, pode ir além das audi-torias de desempenho da capacidade gerencial.A avaliação pode ainda ser definida como norma-

tiva ou formativa. A normativa (ou somativa) sus-tenta-se em concepções como juízo final, valoração e produto, que induzem critérios predeterminados de efetividade ou significância, qualidade e utilidade. A formativa constitui uma atitude investigativa que procura conscientizar e refletir sobre determinada si-tuação, com o propósito de melhorar a situação, sub-sidiando práticas educativas de maneira a adequá-las à realidade (SESSIONS, 2001).

AUDITORIA

O campo da auditoria tem apresentado uma diversi-dade de conceitos e modalidades, variando com os autores e instituições. Seu emprego como um dispo-sitivo de controle está consolidado na área da econo-mia, geralmente utilizada em sua vertente contábil-financeira, aferindo valores de maneira a conferir a existência de fraude ou roubo. Pode, ainda, vincu-lar-se aos processos gerenciais, assumindo, além da função de controle, através de análises, avaliações e comprovações, a de reorientação das ações, funções e/ou serviços (ATTIE, 1984; ZUCCHI, 1992; PINA; TORRES, 2001; MARQUES; ALMEIDA, 2004).

Barzelay (2002) enfatiza que a auditoria consiste em uma forma de investigação que tem o intuito de verificar o cumprimento de critérios e ações. O au-tor sinaliza que um dos pressupostos que distingue a auditoria tradicional de avaliação de programas é que esta tem como principal modelo a máquina burocrá-

tica, reproduzindo, de forma fiel, a estrutura buro-crática, ao privilegiar a adoção de normas e padrões estabelecidos de forma hierarquizada. O mérito, nes-se tipo de auditoria, relaciona-se apenas ao produto, sem considerar o impacto das transformações ou mudanças provocadas por determinada ação.

De acordo com Pina e Torres (2001), o mérito em auditoria também se sustenta nos 3 E’s da ges-tão pública, mencionados anteriormente, que têm papel relevante no contexto da nova gestão pública. Concordando com Reis (1993), Pina e Torres (2001) advertem que é essencial a adequação desses indica-dores aos da realidade da instituição a ser auditada, desde que sejam respeitadas as expectativas de solu-ção para os problemas. Os autores acrescentam que a priorização dos indicadores de processos2 e de re-sultados amplia a abrangência da auditoria. Note-se que a resolução n. 781/95, do Conselho Federal de Contabilidade (CFC, 1995), estabelece que esses indi-cadores devem considerar certos critérios, como, por exemplo: a observância de políticas, planos, procedi-mentos e leis; a garantia dos objetivos e metas para operações ou programas; a proteção do ativo; o uso econômico e eficiente dos recursos; e a fidedignidade e integridade da informação.

lbañez et al. (2001) enfatizam que tais indicadores possibilitam um melhor conhecimento das atividades administrativas, dos recursos humanos, cargos e salá-rios, recrutamento, seleção, treinamento e desenvol-vimento e, ainda, dos sistemas de informação. A limi-tação a um indicador isolado deve-se à pluralidade de necessidades que envolvem a diversidade do proces-so de trabalho em saúde, o que demanda a utilização de uma série de fatores, entre eles, os que agregam sujeitos, especialidades e procedimentos diversos.

Na visão de Pina e Torres (2001), as modalidades de auditoria podem ser caracterizadas a partir do ór-gão auditor, do objetivo, do alcance, da periodicida-de e do momento. Dependendo do órgão auditor, ela pode ser dividida em auditoria interna e externa (MAUTZ, 1985; ATTIE, 1984; CFC, 1995; PINA; TORRES, 2001; PERES JÚNIOR, 2004).

A auditoria interna é compreendida como uma atividade de controle administrativo, com alto grau de independência, que verifica o interior de uma or-

Page 154: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

AUDITORIA E AVALIAÇÃO NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE 157

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 152-164, jan./jun. 2008

ganização, com a qual o grupo de auditores – geral-mente, com formação acadêmica diversa – tem vín-culo direto. O auditor não deve exercer ou elaborar as atividades que audita ou mesmo ter uma relação de dependência com as mesmas. Essa independência viabiliza o exercício de suas funções de maneira mais livre, objetiva e sem comprometimentos, devendo re-sultar em julgamentos neutros e imparciais. A cautela é fundamental, pois o auditor, ao estar subordinado às necessidades e desejos da alta administração, pode se tornar subserviente à política vigente, comprome-tendo em algum grau o princípio da isenção. Logo, a independência é obtida através da posição que ele ocupa e da sua objetividade.

A auditoria interna, como processo de revisão, tem caráter permanente, com o objetivo de assesso-rar a administração no desempenho efetivo de suas funções e responsabilidades e de constituir um con-trole gerencial. O controle interno se faz através do exame e da verificação quanto à adequação e eficácia a um custo razoável. O auditor, a partir de suas aná-lises, sugere orientações para elaboração ou reformu-lações nos padrões e rotinas (MAUTZ, 1985; ATTIE, 1984; CFC, 1995; PINA; TORRES, 2001; PERES JÚNIOR, 2004).

A auditoria externa, por sua vez, é realizada por profissionais liberais, completamente independentes da organização a ser auditada, diminuindo, dessa for-ma, a subordinação dos auditores à política vigente na organização, o que parece proporcionar uma maior isenção. Esse tipo de auditoria tem caráter periódico (MAUTZ, 1985; ATTIE, 1984; CFC, 1995; PINA; TORRES, 2001; PERES JÚNIOR, 2004).

Em relação aos objetivos, a auditoria pode ser ca-racterizada como financeira ou contábil, verificando se a situação financeira do objeto analisado represen-ta fielmente sua realidade contábil e se está articulada aos resultados da gestão, assegurando-lhe idoneidade. Uma outra modalidade, no que diz respeito ao obje-tivo, é a auditoria de legalidade, que visa analisar o cumprimento das normas estabelecidas no âmbito do setor público (PINA; TORRES, 2001).

De acordo com seu alcance, a auditoria pode ser parcial ou completa. Considerando sua periodicidade, pode ser contínua, de periodicidade anual, ou esporá-

dica. Quanto ao momento em que a auditoria ocorre, pode acontecer previamente, simultaneamente ou a posteriori (auditoria retrospectiva). Geralmente, no se-tor público, as auditorias são de caráter contínuo e po-dem analisar, concomitantemente, a parte contábil e o cumprimento da legalidade (PINA; TORRES, 2001).

Barzelay (2002) assinala dois casos atípicos de auditoria. O primeiro é a auditoria de informações de desempenho, responsável pela veracidade das in-formações de desempenho fornecidas às instâncias superiores. Justifica sua importância examinando se as informações correspondem a um juízo de valor afetado pela filosofia da gestão. Esse tipo de auditoria baseia-se na observação da estrutura e dos procedi-mentos de determinado órgão e, a partir daí, são fei-tas algumas inferências.

O segundo, a auditoria de revisão da melhor práti-ca de gestão, utiliza métodos de pesquisa em ciência social para identificar a maneira como certo tipo de função apresenta um desempenho excepcional e as razões de seu sucesso.

O Tribunal de Contas da União – TCU, órgão fiscalizador que assegura os princípios da eficiência, impessoalidade, moralidade e publicidade que regem a administração pública, divide a auditoria em ope-rativa e de conformidade. A primeira relaciona-se à análise sistemática das atividades, programas, proje-tos dos sistemas governamentais, órgãos e entidades jurisdicionadas ao Tribunal, sendo dividida em audi-toria de desempenho operacional e de avaliação de programa. A auditoria de desempenho operacional procura examinar os aspectos da economicidade, efi-ciência e eficácia da ação governamental, enquanto a avaliação de programa examina os resultados, isto é, a efetividade dos programas e projetos governamen-tais. Já a auditoria de conformidade tem o objetivo de verificar a obediência de normas e regulamen-tos, buscando evitar fraudes e desvios de recursos (BRASIL, 2003).

Em relação à execução do trabalho de auditoria, a Resolução n. 781/95 (CFC, 1995) indica, como etapas de uma auditoria: planejamento; verificação e avaliação das informações (observação direta e en-trevistas); diagnóstico; comunicação dos resultados; intervenção; e acompanhamento.

Page 155: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

158 MARILENE BARROS DE MELO/JENI VAITSMAN

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 152-164, jan./jun. 2008

Essa resolução (CFC, 1995), ao pontuar as nor-mas para esse trabalho, enfatiza a importância dos requisitos do auditor em um processo de auditoria, ressaltando princípios como competência quanto a conhecimentos técnicos e experiência para exercer a função de forma eficaz, além da independência e do zelo. No que se refere à independência do auditor, a resolução realça a necessidade de que o exercício da função ocorra de forma livre e objetiva, viabili-zando pareceres imparciais. Enfatiza também o res-peito à hierarquia e às normas do setor auditado, à não-subordinação aos gestores das áreas auditadas, lembrando sempre o compromisso com a lealdade ao interesse público. Ressalta, ainda, que a condição primordial para um auditor é a autonomia, que per-mite a obtenção de “dados e fatos sem tendenciosi-dade” e evita a subserviência administrativa ou po-lítica, que poderia comprometer o grau de isenção e de objetividade. Por fim, acrescenta algumas ca-racterísticas obrigatórias ao auditor, como equilíbrio pessoal, cautela e imparcialidade, responsabilidade e zelo pela documentação, sigilo e a não-utilização das informações para benefício próprio.

Tanto a resolução (CFC, 1995) como Pina e Torres (2001) salientam o extremo valor do relató-rio de um processo de auditoria e o definem como um documento que apresenta o resultado dos tra-balhos, devendo ser redigido com objetividade e imparcialidade, expressando conclusões, recomen-dações e providências a serem tomadas pela ad-ministração da entidade. Esse relatório deve estar sustentado em evidências fidedignas, pertinentes e úteis para assegurar orientações relevantes ao audi-tado. As evidências podem se classificar em físicas e documentais. A evidência física se obtém pela comprovação de objetos ou fatos que expressem a realidade, como ativos e passivos financeiros, equi-pamentos, estoques, imóveis, instalações, móveis, recursos humanos, veículos que compõem o ob-jeto auditado. A evidência documental se constitui a partir de cartas, contratos, memorandos, notas fiscais, recibos, registros, relatórios, etc. Qualquer evidência deve ser documentada através de “amos-tras reais e/ou termo de inspeção”, assinados pe-los auditores e auditados.

AUDITORIA EM SAÚDE

A auditoria no campo da saúde, na perspectiva do SNA, segundo o regulamento do Sistema Estadual de Auditoria Assistencial (MINAS GERAIS, 1997), pode ser classificada quanto ao tipo, à causa desencadeante, à conseqüência da ação, ao nível realizador e ao objeto da ação. Em relação ao tipo, ela se divide em analítica ou operativa. A auditoria analítica constitui-se de um conjunto de atividades que procuram analisar a for-mulação, a implementação e os resultados de uma po-lítica, visando reorientá-la ou reformulá-la. Baseia-se na análise de dados estatísticos, documentos, laudos, processos, relatórios, taxas, etc., no sentido de verifi-car o atendimento às normas e padrões preestabeleci-dos e redirecionar o modelo de atenção à saúde. Ela é realizada como componente básico para preparação das auditorias operativas ou ainda na análise das si-tuações observadas na auditoria operacional (MINAS GERAIS, 1997; JUHÁS, 2002).

A auditoria de natureza operacional é a verificação in loco das atividades, procedimentos e condições estruturais. Consiste em atividades de controle das ações, com exame direto dos fatos e situações, através de ensaios, medição, observação e outras técnicas, com o objetivo de sistematizar procedimentos. Esse exame busca confirmar ou não o atendimento às normas e leis, bem como adequação, conformidade, eficiência e eficácia do processo de trabalho em saúde, além dos seus outros dispositivos de controle existentes – avaliação, controle interno e externo e regulação –, sugerindo soluções alternativas para a melhoria do desempenho operacional. A sua vertente tradicional se atém à fiscalização dos resultados (MINAS GERAIS, 1997; CALEMAN et al., 1998; BRASIL, 1998; JUHÁS, 2002).

Quanto à causa desencadeante, uma auditoria pode ser programada ou especial. A auditoria programada é um procedimento de rotina, tem uma programa-ção estabelecida e aprovada. A especial, geralmente, acontece de forma súbita, a partir de denúncias por parte da imprensa, de outros órgãos ou de pessoas (MINAS GERAIS, 1997).

Uma auditoria relacionada à conseqüência da ação pode ser preventiva, cujo objetivo é preservar o bom

Page 156: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

AUDITORIA E AVALIAÇÃO NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE 159

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 152-164, jan./jun. 2008

funcionamento de determinada política ou órgão, evi-tando violação de normas através de esclarecimento e orientação, ou punitiva, que tem a função de punir a transgressão das normas (MINAS GERAIS, 1997).

Em relação ao nível realizador, uma auditoria pode se constituir a partir do nível central de gestão ou do regional; pode originar-se, ainda, de uma au-ditoria analítica especial ou programada, no âmbito central, ou de uma operativa especial ou programa-da, na esfera regional. Nos serviços, busca analisar os procedimentos das unidades prestadoras de serviços assistenciais. Nos sistemas de saúde, tem a finalidade de verificar os aspectos assistenciais e gerenciais dos mesmos (MINAS GERAIS, 1997).

Independente de suas diversas modalidades, a auditoria envolve um processo sistemático, crítico e contínuo, que analisa as ações e decisões de pessoas e instituições que prestam serviços na área de saúde, visando a otimização da gestão administrativa, atra-vés da verificação e controle dos processos e resulta-dos. Ela tem por objetivo assegurar maior benefício, menor risco e maior eficiência possível. Visa, ainda, verificar se os benefícios estão de acordo com as dis-posições planejadas, normas e legislações vigentes.

A auditoria deve basear-se em princípios éticos bá-sicos, como autonomia, beneficência e justiça, sendo necessário, para isso, maior proximidade quanto à rea-lidade a ser auditada. O respeito a essa realidade é fun-damental para que se possa ampliar o grau de adequa-ção do programa proposto e reverter a verticalidade do modelo clínico-assistencial prevalecente, favorecen-do a adoção de ações coletivas e preventivas, além de contribuir na divulgação e legitimação das atividades, eventos e serviços desenvolvidos no campo da saúde e servir de fator agregador à autonomia local (RODRI-GUES et al., 1988; MEJÍA, 2001; GUIDO OSÓRIO et al., 2002; SILVA; FISCHER, 2004).

De acordo com o Manual de Normas de Auditoria, do Ministério da Saúde, de 1998, entre os requisitos necessários a um auditor, destaca-se a não-atuação profissional nas atividades que ele irá auditar, com o objetivo de preservar a ética. Exige-se, igualmente, agir com cautela, discrição, sigilo e zelo; manter-se atuali-zado tecnicamente; ter o apoio e a confiança indivi-dual dos coordenadores do serviço, dos usuários e da

instituição. Todos esses requisitos têm por finalidade viabilizar a autonomia profissional para execução do processo de auditoria. Em última instância, um auditor deve estar apto a formular e implementar normas, pro-cedimentos e técnicas para o desempenho da auditoria, assumindo uma posição de independência e imparcia-lidade. De acordo com Guido Osório et al. (2002), há, nesse aspecto, a necessidade de profissionais capacita-dos e formados na área de auditoria.

Um processo de auditoria, no campo da saúde, tem cinco etapas básicas: planificação dos objetivos – depende do alcance que se pretende, delineando-se as atividades, os recursos necessários e áreas críticas; exame e avaliação da informação; apresentação dos resultados; divulgação desses resultados; e adoção de ações para a melhoria do serviço. O conjunto dessas etapas baseia-se em processos já efetivados e reco-nhecidos; em dados epidemiológicos que orientem o planejamento específico de cada serviço; e em um processo de avaliação estruturado para atingir as di-mensões social e técnica, de modo que a transforma-ção da gestão pública aconteça a serviço do cidadão. A dimensão social de uma auditoria é atravessada tan-to por valores construídos socialmente, quanto pela subjetividade, não só de quem avalia, mas também de quem é avaliado. Essa peculiaridade demanda a incor-poração das perspectivas dos atores sociais envolvi-dos e um método de análise qualitativa. A importân-cia dessa abordagem liga-se diretamente ao objetivo da auditoria que é a qualidade (GUIDO OSÓRIO et al., 2002).

A adoção de algumas prerrogativas se faz necessá-ria para o norteamento da auditoria, nas suas diversas etapas, como a revisão por pares e a melhoria dos seus instrumentos, a estruturação e operacionaliza-ção de protocolos que orientem as práticas e o en-foque na “triangulação”, com a inserção e integração das diversas teorias, métodos, procedimentos de co-leta e análise dos dados (CAMACHO; RUBIN, 1996; HARTZ; CAMACHO, 1996).

AVALIAÇÃO, AUDITORIA E SNA: ALGUMAS REFLEXÕES

A partir dos autores estudados, foi possível identifi-car e compreender a complexidade das duas ferra-

Page 157: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

160 MARILENE BARROS DE MELO/JENI VAITSMAN

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 152-164, jan./jun. 2008

mentas trabalhadas: os processos de avaliação e de auditoria no campo da saúde. Como já mencionado, esses termos, às vezes, têm sido empregados de uma maneira inadequada, devido, principalmente, ao seu uso recente.

No campo da economia, eles já apresentam uma diferenciação mais consolidada, sendo que a avalia-ção, tanto nesse campo como nas políticas sociais, tem buscado, através de pesquisa, descrever as fases de formulação e implementação de um programa ou política, até os impactos provocados por eles, de modo a emitir pareceres técnicos sobre todo o processo. Já a auditoria, em sua vertente tradicional, segundo Pina e Torres (2001), verifica determinado programa ou política, procurando discrepâncias entre as normas e procedimentos do auditado. Na sua ver-tente operativa ou de desempenho, a auditoria utiliza a inspeção para verificar os aspectos dos programas ou políticas ou, ainda, das organizações envolvidas, de modo a responsabilizar os auditados pelo impacto positivo ou negativo. Esta é a vertente que se aproxi-ma do objetivo do SNA.

A qualidade dos registros existentes nos progra-mas ou serviços de saúde é um importante referencial tanto para a avaliação como para a auditoria, poden-do influenciar as informações geradas a partir de um processo de avaliação ou de auditoria e, em algumas situações, a qualidade dos registros disponíveis pode ser proporcional à qualidade do programa ou servi-ço. Essas duas ferramentas situam a abordagem do seu objeto tanto no processo como no produto, além de se constituírem como ferramentas para a credibi-lidade de um Estado democrático, pois a partir de-las é possível buscar eficiência, eficácia, efetividade, transparência e requisitos para a responsabilização (accountability) no que se refere ao modelo políti-co e de gestão vigentes (ATTIE, 1984; ZUCCHI, 1992; PINA; TORRES, 2001; BARZELAY, 2002; GOMES, 2002; NORONHA, 2004).

Nos serviços de saúde, a avaliação tem sua utili-zação mais consolidada, constituindo-se como ins-trumento para aperfeiçoamento dos programas e serviços em saúde, permitindo compreender seu fun-cionamento e sugerindo mudanças necessárias. Por sua vez, o emprego da auditoria, além de ser recente

e, em certas situações, incipiente, tem sido adotado em diversos sentidos, ampliando-o a uma concepção de análise e verificação de serviço ou programa ou reduzindo a sua acepção a uma análise de aspectos financeiros. Atualmente, o campo da auditoria tem assumido, além da análise técnica em saúde, a função de reorientação nos processos gerenciais (ZANON, 2001; JUHÁS, 2002; CAMACHO; RUBIN, 1996; HARTZ; CAMACHO, 1996; DIAS DA COSTA, 1998; DIAS DA COSTA et al., 2000; PINA; TOR-RES, 2001; BARZELAY, 2002; GOMES, 2002).

Apesar de uma institucionalização mais demarcada no campo da saúde, segundo Akerman e Nadanovsky (1992), a avaliação ainda apresenta uma tendência tra-dicional de analisar apenas a qualidade da “cura”. Es-ses autores realçam a importância de se abranger todo o processo da assistência e salientam que a avaliação não se reduz a um fim em si mesma, abrangendo um processo que corresponde às suas funções econômi-ca, social e política. Sua complexidade exige clareza e sistematização, com critérios estabelecidos a partir da definição prévia das demandas sociais, de maneira a se legitimar como um movimento de transformação que, além dos resultados efetivos, busque contemplar o acesso e a eqüidade no cuidado à saúde.

As informações geradas por uma auditoria pos-sibilitam o redirecionamento das políticas e objeti-vos e, conseqüentemente, das atividades e ações dos serviços de saúde. A auditoria é uma oportunidade permanente de negociação e, ao envolver aspectos organizacionais e políticos relacionados, reorienta o desenvolvimento do processo de trabalho em saúde (CAMACHO; RUBIN, 1996; DIAS DA COSTA, 1998; DIAS DA COSTA et al., 2000).

Entendendo a saúde como um processo, os mé-todos utilizados para avaliar, inspecionar e verificar programas ou serviços de saúde também apresentam um caráter dinâmico, não podendo ser baseados em modelos rígidos. Uma auditoria pode ser simultânea ou retrospectiva a um processo de avaliação e, geral-mente, complementa questões levantadas a partir de uma avaliação. Um parecer emitido por uma avalia-ção, normalmente, demanda uma auditoria, que deve-rá verificar a fidedignidade desse parecer, propondo a implementação de novas ações ou o redirecionamen-

Page 158: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

AUDITORIA E AVALIAÇÃO NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE 161

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 152-164, jan./jun. 2008

to das existentes, exigindo nova avaliação e posterior verificação da efetividade das medidas adotadas.

A regulamentação da auditoria em saúde a partir do SNA, de certa maneira, tem buscado fortalecer o processo de implantação do SUS, além de assumir a função de proporcionar a consolidação do SUS como política de Estado. Realça-se, assim, o seu papel social ao controlar as ações e serviços de saúde e identifi-car as causas da não-resolução das necessidades e dos problemas dessa política, de maneira a preveni-los ou sugerir transformações necessárias. Observa-se que a auditoria em saúde, no SNA, tem procurado uma estruturação e operacionalização baseadas em prá-ticas de natureza interdisciplinar, multiprofissional, interinstitucional e intersetorial.

A importância dessas duas ferramentas para o SUS fica explicitada no novo organograma do Ministério da Saúde, estabelecido pelo Decreto n. 5.974, de 2006 (BRASIL, 2006a), ao posicioná-las em sua estrutu-ra, a despeito da dicotomização dos departamentos, que as utilizam como instrumentos de trabalho, em secretarias distintas. O Departamento Nacional de Auditoria do SUS ficou ligado à Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. O art. 30 desse decreto estabelece como função desse departamento a verifi-cação, a adequação, a resolubilidade e a qualidade dos procedimentos e serviços de saúde disponibilizados à população.

Já as outras ferramentas utilizadas para a melhoria da gestão – avaliação, controle e regulação – foram reunidas no departamento de Regulação, Avaliação e Controle de Sistemas, pertencente à Secretaria de Atenção à Saúde – SAS. As funções desse departa-mento, assinaladas no art. 16 do decreto, compreen-dem as ações de acompanhar, avaliar e coordenar, em âmbito nacional, as atividades das unidades assisten-ciais do Ministério. Essa distinção em duas secretarias pode dificultar a aproximação e complementaridade das ações desses departamentos, que poderiam estar integrando qualquer uma das secretarias estabelecidas.

O Pacto pela Saúde (BRASIL, 2006b) reconhece que o financiamento pode ser garantido pelo sob-bloco Regulação, controle, avaliação e auditoria, entendido como um dos instrumentos para forta-lecimento da gestão. Sinaliza que a Auditoria Assis-

tencial ou clínica se traduz como um processo que visa verificar e garantir a qualidade do atendimento, definindo, como responsabilidade do município e do Distrito Federal, a auditoria de todas as ações e ser-viços de saúde, públicos ou privados, sob a gestão desses. Ao Estado compete acompanhar a constitui-ção dos serviços de auditoria pelos municípios, além de contribuir para a qualificação dos localizados no território intermunicipal e vinculados ao SUS. De acordo com o pacto, o processo de auditoria deverá estar articulado com as ações de avaliação, controle e regulação assistencial. Em relação à União, é de sua responsabilidade seguir a constituição dos serviços de auditoria, dos prestadores de serviços vinculados ao SUS, nos Estados, Distrito Federal e municípios; colaborar para a qualificação dos processos de audi-toria dos mesmos; além de verificar os sistemas de saúde estaduais, do Distrito Federal e municípios. O Programa Mais Saúde (BRASIL, 2008), entre as me-didas propostas em seu Eixo 5, ao visar a Qualifica-ção da Gestão, propõe o fortalecimento do Sistema Nacional de Auditoria do SUS e implementação do componente municipal do SNA.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em síntese, uma avaliação tem como objetivo com-preender e descrever o programa ou o serviço de saúde, estabelecendo uma concepção valorativa, en-quanto a auditoria tem como objetivo inspecionar a conformidade desse programa ou serviço de saúde às normas vigentes, buscando melhorar a qualidade de suas ações e adequá-las às demandas e necessidades da coletividade. Tanto a auditoria como a avaliação, no campo da saúde, podem ser entendidas como ações sociais, sendo que seus relatórios ou parece-res advêm da interpretação que se dá aos objetos auditados e avaliados; são ferramentas que buscam fornecer subsídios para a gestão no campo da saúde, objetivando sua melhoria. O formato e a extensão de um processo de auditoria relacionam-se à efetividade e à resolubilidade dos outros dispositivos de controle existentes em determinada instituição. Dessa manei-ra, entende-se que as atividades de auditoria, além de controlar, fiscalizar, verificar e orientar as atividades

Page 159: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

162 MARILENE BARROS DE MELO/JENI VAITSMAN

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 152-164, jan./jun. 2008

operacionais, podem incluir ações de outras ferra-mentas que buscam dar suporte para as necessárias melhorias políticas e institucionais.

No âmbito das práticas sustentadas em princípios burocráticos e da nova gestão pública, a auditoria é produto das ações do SNA e, ao mesmo tempo, re-percute nessas ações. Nesse sentido, esse dispositivo tem como suporte uma rede composta por decisões regulamentares, instituições, leis, medidas administra-tivas e organizações arquitetônicas. Há, também, o compromisso social de garantir o interesse da coleti-

Notas

1. Ou seja: “obrigação de responder por uma responsabilida-de outorgada” – o que pressupõe a existência de, pelo menos, duas partes: “uma que delega a responsabilidade e outra que a aceita, com o compromisso de prestar contas da forma como usou esta responsabilidade” (BARZELAY, 2002, p. 30).2. Alguns autores, como Mayntz (apud MENY; THOENIG, 1992, p. 171), sinalizam que o sistema de ação para uma

vidade e não somente o cumprimento formal do apa-rato estatal e a reafirmação do poder do Estado. Antes de controlar o SUS, o SNA deve governar a si mesmo, através de instrumentos que proporcionam subsídios para uma permanente construção/reconstrução des-sas instituições. Para transformar as práticas de saúde, o campo da auditoria deve construir e demarcar a sua identidade nos vários espaços – da área de saúde e acadêmicos –, tornando-os loci privilegiados para essa construção. Essa identidade viria facilitar o seu reco-nhecimento pelo Estado e pela sociedade.

análise das políticas públicas deve considerar três etapas: a análise da estrutura de execução, o processo de execução e os resultados. Assim, esses autores procuram distinguir a “estrutura de execução” do “processo de execução”, assi-nalando que o processo de execução envolve a teoria ou a prescrição, isto é, corresponde ao desenho do campo social, enquanto a estrutura de execução expressa a realidade dos fenômenos em seu aspecto concreto; é a execução efetiva no cenário social.

Referências Bibliográficas

AKERMAN, M.; NADANOVSKY, P. Evaluation of health services: what to evaluate? Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, Fiocruz, v. 8, n. 4, p. 361-365, out./dez. 1992.

ATTIE, W. Controle interno. In: Auditoria: conceitos e aplica-ções. 2. ed. São Paulo: Atlas. 1984. cap. 7. p. 60-68.

AZEVEDO, A.C.; KORYCAN, T.L. Transformar las organizaciones de salud por la calidad: guía para el líder em el proceso de cambio. Santiago: Parnassah, 1999.

BARZELAY, M. Instituições centrais de auditoria e auditoria de desempenho: uma análise comparativa das estratégias organizacionais na OCDE. Revista do Serviço Público, ano 53, n. 2, p. 5-35, abr./jun. 2002.

BRASIL. Ministério da Saúde. Programa Mais Saúde – Direito de Todos. Brasília, DF, 2008. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/pacsaude/>. Acesso em: 22 fev. 2008.

______. Presidência da República. Decreto n. 5.974, de 29 de novembro de 2006. Aprova a estrutura regimental e o quadro demonstrativo dos cargos em comissão e das funções gratifi-

cadas do Ministério da Saúde e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 2006a. Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil/_Ato2004-2006/2006/Decreto/D5974>. Acesso em: 20 dez. 2006a.

______. Ministério da Saúde. Portaria n. 399 de 22 de fevereiro de 2006. Divulga o Pacto pela Saúde 2006 – Consolidação do SUS e aprova as Diretrizes Operacionais do referido Pacto. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2006b.

______. Tribunal de Contas da União. Boletim Interno Especial: regimento interno do Tribunal de Contas da União. Brasília, DF, 2003. Disponível em: <http://www.tcu.gov.br>. Acesso em: 2 fev. 2005.

______. Ministério da Saúde. Norma Operacional da Assistência à Saúde 01/2002 - NOAS-SUS 01/02. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2002.

______. Ministério da Saúde. Lei n. 9.961, de 28 de janeiro de 2000. Cria a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS e dá outras providências. Brasília, DF, 2000a. Disponível em: <htpp://www.ans.gov.br/Lei9961.htm>. Acesso em: 19 jun. 2004.

______. Ministério da Saúde. Decreto n. 3.496, de 1 de junho de 2000. Dispõe sobre a competência do Denasus. Brasília, DF,

Page 160: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

AUDITORIA E AVALIAÇÃO NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE 163

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 152-164, jan./jun. 2008

2000b. Disponível em: <htpp://wwwt.funasa.gov.br/Decreto 3496.htm>. Acesso em: 19 jun. 2004.

______. Ministério da Saúde. Manual de Auditoria do Sistema Nacio-nal de Auditoria. 2. ed. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 1998.

______. Ministério da Saúde. Norma Operacional Básica do Sistema Único de Saúde/NOB-SUS 96. Gestão Plena com Responsa-bilidade pela Saúde do Cidadão. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 1997.

______. Ministério da Saúde. Manual de Auditoria do Sistema Nacional de Auditoria. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 1996.

______. Senado Federal. Decreto n. 1.651, de 28 de setembro de 1995. Regulamenta o Sistema Nacional de Auditoria no âmbito do SUS. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 28 set. 1995. Disponível em: <htpp://wwwt.senado.gov.br/Decreto1651.htm>. Acesso em: 19 jun. 2004.

______. Presidência da República. Decreto n. 809, de 24 de abril de 1993. Aprova a Estrutura Regimental do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS), para vigência transitória; altera o Anexo II, parte a e b, do Decreto n. 109, de 2 de maio de 1991, e dá outras providências. Brasília, DF, 1993a. Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil/_Ato1993/Decreto/D809>. Acesso em: 17 dez. 2007.

______. Lei n. 8.689, de 27 de julho de 1993. Dispõe sobre a extinção do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS) e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, p. 10.573, 28 jul. 1993b.

______. Ministério da Saúde. Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, n. 182, Seção I., p. 18.055, 20 set. 1990.

CALEMAN, G., MOREIRA, M.L., SANCHEZ, M.C. Auditoria, controle e programação de serviços de saúde. São Paulo: Fundação Petrópolis, 1998.

CAMACHO, L.A.B; RUBIN, H.R. Reliability of medical audit in quality assessment of medical care. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, Fiocruz, v. 12, supl. 2, p. 85-93, 1996.

CENTRO DE GESTIÓN HOSPITALARIA. Consideraciones y definiciones para um sistema de garantia de la calidad em Colômbia. Revista Via salud, Colômbia, Centro de Gestión Hospitalaria, n. 12, p. 12-16, abr./jun. 2000.

CFC – CONSELHO FEDERAL DE CONTABILIDADE. Resolução CFC n. 781/95, de 24 de março de 1995. Dispõe sobre as normas profissionais do auditor interno. Brasília, DF, mar. 1995. Disponível em: <http://www.cfc.org.br>. Acesso em: 31 jan. 2005.

DIAS DA COSTA, J.S. Auditoria médica: avaliação de alguns procedimentos inseridos no programa de atenção integral à saúde da mulher no posto de saúde da Vila Municipal, Pelotas,

Rio Grande do Sul, Brasil. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, Fiocruz, v. 14, n. 1, p. 43-49, jan./mar. 1998.

DIAS DA COSTA, J.S. et al. Auditoria médica: programa de pré-natal em posto de saúde na região Sul do Brasil. Rev. Saúde Pública, São Paulo, USP, v. 34, n.4, p. 329-336, ago. 2000.

DONABEDIAN, A. Enfoques básicos para la evaluación. In: La qualidad de la atencion médica: definición e métodos de evaluación. Cidade do México: La prensa Médica Mexicana, 1984. p. 97-157.

GOMES, M.B. Auditoria de desempenho governamental e o papel de Entidades Fiscalizadoras Superiores (EFS). Revista do Serviço Pú-blico, Brasília, UNB/Enap, ano 53, n. 2, p. 36-78, abr./jun. 2002.

GUIDO OSORIO, S. et al. Auditoria médica: herramienta de gestión moderna subvalorada. Rev. Méd. Chile, Santiago, Sociedad Médica de Santiago v. 130, n. 2, p. 1-7, fev. 2002.

HARTZ, Z.M.A.; CAMACHO, L.A.B. Formação de recursos humanos em epidemiologia e avaliação dos programas de saúde. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, Fiocruz, v. 12, supl. 2, p. 13-20, 1996.

ILBAÑEZ et al. Organizações sociais de saúde: o modelo do Estado de São Paulo. Ciência & Saúde Coletiva, v. 6, n. 2, p. 391-404, jul./dez. 2001.

JUHÁS, R. Utilização de indicadores para avaliação da estrutura, dos processos internos e dos resultados em assistência à saúde bucal. Disser-tação (Mestrado) – Faculdade de Odontologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2002.

MARQUES, M.C.C.; ALMEIDA, J.J.M. Auditoria no sector público: um instrumento para a melhoria da gestão pública. Revista Contabilidade & Finanças, São Paulo, USP, v. 94, n. 35, p. 84-95, maio/ago. 2004.

MAUTZ, R.K. Princípios de auditoria. 4. ed. São Paulo: Atlas, 1985.

MEJÍA, J.M.M. Es antiética la auditoria de la calidad em salud? MEDUNAB, v. 4, n. 11, p. 107-10, maio/ago. 2001.

MENY, I.E.; THOENIG, J.C. Las políticas públicas. Barcelona: Ariel Ciência Política, 1992. p. 158-218. (versão em espanhol de Francisco Morata).

MERHY, E.E. Reflexões sobre as tecnologias não materiais em saúde e a reestruturação produtiva do setor: um estudo sobre a micropolítica do trabalho vivo. Tese (Livre docência) – Universidade de Campinas, Campinas, 2000.

MINAS GERAIS (Estado). Resolução SES n. 674/97, de julho de 1997. Dispõe sobre o regulamento do Sistema Estadual de Auditoria Assistencial – SSA/SES/SUS/MG. Belo Horizonte: SES, 1997. 65 p.

NORONHA, M.P. O papel do Tribunal de Contas da União na avaliação de programas de governo: diferentes estágios e abordagens.

Page 161: BASE UNIFICADA DE NASCIMENTOS E ÓBITOS · nas declarações de nascimento e óbito. Tais dados são fundamentais para subsidiar a vigilância dos gru-pos de risco da população

164 MARILENE BARROS DE MELO/JENI VAITSMAN

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 152-164, jan./jun. 2008

2004. 52 f. Monografia. Brasília: Instituto Serzedello Corrêa do Tribunal de Contas da União, 2004.

PERES JÚNIOR, J.H. Auditoria de demonstrações contábeis: normas e procedimentos. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2004.

PINA, V.; TORRES, L. La contabilidad del sector público, 2001. Disponível em: <http://www.ciberconta.unizar.es>. Acesso em: 1 fev. 2001.

REIS, H.C. Auditoria governamental: uma visão de qualidade. Rev. Adm. Munic., Rio de Janeiro, Instituto Brasileiro de Admi-nistração Municipal, v. 40, n. 209, p. 53-64, out./dez. 1993.

RODRIGUES et al. Auditoria em enfermagem: relato de experiência. HU Rev., v. 15, n. 1, p. 41-53, jan./abr. 1988.

SESSIONS, G. Avaliação em HIV/AIDS: uma perspectiva internacional. Rio de Janeiro: Abia, 2001. (Coleção Abia – Fundamentos da avaliação).

Marilene Barros de Melo

Cirurgiã-dentista, Mestre em Saúde Coletiva pela UFMG e Doutora em Saúde Pública pela ENSP/Fiocruz.

Jeni VaitsMan

Socióloga, Mestre em Antropologia Social pela École des Hautes Études en Sciences Sociales, França. Doutora em Sociologia pelo Iuperj, Brasil.

Artigo recebido em 2 de julho de 2007. Aprovado em 21 de julho de 2008.

Como citar o artigo:MELO, M.B.; VAITSMAN, J. Auditoria e avaliação no Sistema Único de Saúde. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v. 22, n. 1, p. 152-164, jan./jun. 2008. Disponível em: <http://www.seade.gov.br>; <http://www.scielo.br>.

SILVA, R.G.; FISCHER, F.M. Auditorias internas do sistema de gestão da segurança e saúde no trabalho. Cadernos de Pesquisa em Administração, São Paulo, USP. v. 11, n. 4, p. 1-12, out./dez. 2004.

VAITSMAN, J.; RODRIGUES, R.W.S.; SOUSA, R.P. O Sistema de Avaliação e Monitoramento das Políticas e Programas Sociais: a ex-periência do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome do Brasil. Brasília: Unesco, 2006.

VEDUNG, E. Public policy and program evaluation. New Brunswick: Transaction Publishers, 2000.

ZANON, U. Qualidade da assistência médico hospitalar. Rio de Janeiro: Medsi, 2001.

ZUCCHI, A.L. Contribuição ao estudo de auditoria de gestão. Disser tação (Mestrado) – Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1992.