barroco e maneirismo
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Barroco e Maneirismo
Tendências estéticas dos séculos XVI, XVII e XVIII, que acompanham, a partir
das artes plásticas, o movimento classicista, em diálogo, confronto ou até em
mútua inserção, e cujos representantes mais significativos são Camões na
poesia lírica, o Pe. António Vieira (Sermões e Cartas) e D. Francisco Manuel de
Melo (na poesia lírica e no teatro, Auto do Fidalgo Aprendiz).
Enquanto o maneirismo se manifesta numa ligação aos modelos literários
clássicos que apura e refina as suas características, sublinhando os
pormenores da composição e o seu carácter estático, seguindo um pendor
melancólico, o barroco define-se pela exibição espectacular de conflitos e
oposições semânticas e sintácticas, em torno da reflexão sobre o tempo e a
mudança.
Duas colectâneas integram um repositório assinalável de textos barrocos:
Fénix Renascida e Postilhão de Apolo.
Clássicos
Designação genérica atribuída aos autores dos séculos XVI, XVII e XVIII, ou,
de entre estes, aos que se demarcam relativamente dos princípios humanistas
e renascentistas (ex. maneiristas e barrocos); pode também atribuir-se aos
autores do século XIX, ou até a posteriores, para significar um reconhecimento
consensual de qualidade e uma integração nos cânones que uma certa época
aceita como fazendo parte da convenção literária estabelecido.
Ex. Camões é o grande clássico da literatura portuguesa, mas Fernando
Pessoa é também reconhecido como «um clássico da modernidade».
De uma maneira geral, a doutrina clássica dos séculos XVI a XVIII assenta no
princípio da imitação dos antigos, no tratamento dos valores humanos
universais e no equilíbrio e distinção das formas e dos géneros.
Existencialismo
Tal como o surrealismo, não determina pontualmente, de modo sensível, a
literatura portuguesa (a não ser na obra do seu introdutor romanesco e
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filosófico, Vergílio Ferreira, que o teoriza e pratica de modo apologético e
polémico, sobretudo contra a estética neo-realista, quer na sua narrativa quer
no seu ensaio), mas exerce uma influência decisiva e prolongada mesmo em
escritores que dos seus princípios estão aparentemente distanciados, como
José Cardoso Pires ou Urbano Tavares Rodrigues, centrando-os na temática
do absurdo e da necessidade da escolha activa como afirmação da liberdade e
da negação da morte.
Experimentalismo
Corresponde a um modo de intervenção estética, assumido como vanguarda,
de poetas aliás muitas vezes ligados a outros movimentos, nomeadamente ao
neo-realismo e ao surrealismo, e tem como expoentes principais, que se
mantém fiéis a esse modo desde há quatro décadas, E. M. de Melo e Castro e
Ana Hatherly (esta também autora de uma novela importante de tipo
surrealista, O Mestre).
«A Corrida em Círculos» - I
O círculo é a forma eleita:
É ovo, é zero
É ciclo, é ciência.
Nele se inclui todo o mistério
E toda a sapiência.
É o que está feito,
Perfeito e determinado
É o que principia
No que está acabado.
Ana Hatherly
Iluminismo
Movimento de ideias que engloba o século XVIII, a partir da filosofia
inglesa e da agonia do regime político absolutista em França, sobretudo a partir
da publicação da Enciclopédia, de Diderot e D'Alembert, e que valoriza as
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noções de natureza, sociedade, espírito crítico e progresso, estando por isso
na base das «modernidades» dos séculos XIX e XX.
Em Portugal, manifesta-se na sensibilidade cultural dos
«estrangeirados», em prosadores como Luís António Verney (Verdadeiro
Método de Estudar) e Matias Aires (Reflexões sobre a Vaidade dos Homens), e
com os «árcades» (ex. «Arcádia Lusitana», academia de reflexão e debate),
ex. Correia Garção, Cruz e Silva. Poetas importantes, ligados ou não à Arcádia:
Nicolau Tolentino, Filinto Elísio, Abade de Jazente; e, mais ligados já ao
espírito emergente da sensibilidade romântica: Marquesa de Alorna, José
Anastácio da Cunha e Bocage.
Liberdade, onde estás? Quem te demora?
Quem faz que o teu influxo em nós não caia?
Porque (triste de mim!) porque não raia
Já na esfera de Lísia a tua aurora?
Da santa redenção é vinda a hora
A esta parte do mundo, que desmaia:
Oh! Venha... Oh, Venha, e trémulo descaia
Despotismo feroz, que nos devora!
Eia! Acode ao moral, que frio e mudo
Oculta o pátrio amor, torce a vontade,
E em fingir, por temor, empenha estudo;
Movam nossos grilhões tua piedade;
Nosso númen tu és e glória e tudo,
Mãe do génio e prazer, ó Liberdade!
Bocage, «Liberdade»
Modernidade
Não é uma corrente estética, mas uma noção, muito freqüente, com
a qual se qualifica muitas vezes, e em termos positivos, a qualidade de uma
obra. Desligada semanticamente do conceito de modernismo, evoca outros
momentos históricos de renovação estética e cultural (a modernidade do
humanismo renascentista, a modernidade do espírito iluminista, a modernidade
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da concepção do tempo e da arte em Baudelaire e, sobretudo, a partir da
Segunda Guerra Mundial, a libertação em relação às últimas peias da
convenção literária, artística e cultural que mesmo os mais recentes
movimentos programáticos, por sê-lo, ainda faziam sentir).
Em nosso entender, Pessoa é um grande poeta porque, através da
diversidade dos seus heterónimos, está mais ligado a uma noção de
modernidade do que ao conceito de modernismo, assim como Almada
Negreiros; António Boto e Irene Lisboa, presencistas imperfeitos, são-no na
medida em que elaboram também a sua quota-parte de modernidade.
A renovação do romance praticada na segunda metade deste século
(a partir de Agustina Bessa-Luís, em A Sibila, 1954, e a sua obra posterior,
assim como os romances de Vergílio Ferreira, e vários outros autores, ex. José
Cardoso Pires, Augusto Abelaira), assim como a obra de alguns poetas
(António Ramos Rosa, Eugénio de Andrade, Herberto Helder), configuram uma
modernidade indistinta, diferenciada e recorrente no vocabulário crítico que, a
despeito de definir de facto um universo idêntico, provoca algumas confusões,
sobretudo na medida em que, em certos casos, se confunde com a noção
entretanto posta em voga de pós-modernismo.
Modernismo
Ambiência estética cosmopolita que define as artes e a cultura
européia e internacional na viragem do século, e, muito em especial, durante
as suas primeiras duas ou três décadas.
Em Portugal, está ligada às figuras de Fernando Pessoa, Mário de
Sá-Carneiro, Almada Negreiros e muitos outros, e polariza-se em tomo da
revista Orpheu (1.º número, 1915).
Estética por excelência da diversidade (patente em outras estéticas
adjacentes e movimentos de vanguarda - sensacionismo, paulismo,
interseccionismo, etc.), da questionação dos valores estabelecidos ética e
literariamente, da euforia face às invenções da técnica, da libertação da escrita
literária de todas as convenções e de todas as regras, o modernismo marcou o
século XX de um modo muito agudo, a tal ponto que com ele se articulam
constantemente as teorias e as polémicas em torno de outras duas noções
histórico-literárias e estéticas relativamente indeterminadas (modernidade e
pós-modernismo), que só a sua matriz pode ajudar a explicitar.
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Na literatura portuguesa, a revista Presença (de José Régio e João
Gaspar Simões) é por uns entendida como «a contra-revolução do
modernismo» (Eduardo Lourenço), e, por outros, como «um segundo
modernismo».
Neo-Realismo
Corrente literária de influência italiana que anexa algumas
componentes da literatura brasileira, nomeadamente a da denúncia das
injustiças sociais do romance nordestino. Quer na poesia, quer na prosa, o
neo-realismo assume uma dimensão de intervenção social, agudizada pelo
pós-guerra e pela sedução dos sistemas socialistas que o clima português de
ditadura mitifica.
A sua matriz poética concentra-se no grupo do Novo Cancioneiro,
colecção de poesia, com Sidónio Muralha, João José Cochofel, Carlos de
Oliveira, Manuel da Fonseca, Mário Dionísio, Fernando Namora e outros.
No romance, Soeiro Pereira Gomes, com Esteiros, e Alves Redol,
com Gaibéus, de 1940, inauguraram, na ficção, uma obra extensa e
representativa, que também muitos dos outros poetas mencionados (sobretudo
os quatro primeiros) contribuíram para enriquecer.
O romance neo-realista reactiva os mecanismos da representação
narrativa, inspirando-se das categorias marxistas de consciência de classe e de
luta de classes, fundando-se nos conflitos sociais que põem sobretudo em
cena camponeses, operários, patrões e senhores da terra, mas os melhores
dos seus textos analisam de forma acutilante as facetas diversas dessas
diversas entidades, o que se pode verificar, nomeadamente, em Uma Abelha
na Chuva, de Carlos de Oliveira, Seara de Vento, de Manuel da Fonseca, O
Dia Cinzento, de Mário Dionísio e Domingo à Tarde, de Fernando Namora.
Na confluência com o existencialismo e com certas componentes da
modernidade, são de salientar as obras mais tardias de José Cardoso Pires, O
Anjo Ancorado e O Hóspede de Job, de Urbano Tavares Rodrigues, Bastardos
do Sol, de Alexandre Pinheiro Torres, A Nau de Quixibá, ou de Orlando da
Costa, Podem Chamar-me Eurídice.
Pós-Modernismo
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Etiqueta polémica que se apõe a vária da produção literária
contemporânea, vulgarizada pelas controvérsias filosóficas
(Lyotard/Habermas), mas do ponto de vista literário seriamente encarada por
grupos e autores americanos e canonizada por inúmeros trabalhos científicos e
teses em universidades dos EUA e da Europa do Norte.
Em Portugal, o seu funcionamento na literatura é não só temido mas
ainda denegado e recalcado, o que se compreende em função da tardia
democratização da nossa sociedade e das longas lutas dos escritores pela
obtenção de condições que permitissem o exercício livre de uma modernidade
almejada.
De qualquer modo, a indiferenciação de modalidades narrativas, o
gosto da reescrita e da paródia, a sedução pela alteração e correcção dos
acontecimentos do passado, o gosto do fantástico, a recusa das axiologias e a
tendência para o aleatório podem entrever-se em textos tão diversos quanto
Finisterra, de Carlos de Oliveira, Alexandra Alpha, de José Cardoso Pires,
Paixão do Conde de Fróis, de Mário de Carvalho, História do Cerco de Lisboa,
de José Saramago, Contos do Mal Errante, de Maria Gabriela Llansol, Os
Guarda-Chuvas Cintilantes, de Teolinda Gersão ou Olhos Verdes, de Luísa
Costa Gomes.
Realismo
Oliveira Martins, Ramalho Ortigão, Eça de Queirós, Antero de
Quental e Teófilo Braga foram alguns dos mais importantes vultos que
constituíram a chamada «Geração de 70», que, a partir da «Questão Coimbrã»
(polémica entre Castilho e Pinheiro Chagas), deu origem às «Conferências do
Casino», na qual se enunciaram os mais importantes preceitos de uma nova
cultura, que em grande parte se liga ao realismo de proveniência francesa e
europeia.
Os romances de Eça e a poesia de Antero ligam-se (no primeiro
integralmente; no segundo, apenas em parte) a essa nova estética, que é
também representada pelos romances de Júlio Dinis e pela poesia de Cesário
Verde (embora esta, como a de Gomes Leal e a de Guerra Junqueiro,
apresente já nexos com a poesia simbolista).
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O realismo procura retomar a objectividade na literatura (contra o
subjectivismo emocional romântico), a sua ligação crítica mas construtiva à
sociedade, e o rigor da escrita poética, assente num rigor reflexivo e numa
planificação composicional.
Romantismo
É oficialmente introduzido em Portugal com o poema Camões, de
Almeida Garrett, e as suas grandes figuras são este autor e ainda Alexandre
Herculano e Camilo Castelo Branco, pertencendo este a uma geração mais
tardia que confinará com o advento da escola realista.
A introdução do discurso da História como ciência (Herculano), a
renovação do teatro (Garrett) e a criação do romance histórico (com ambos
estes escritores, e toda uma linhagem de autores que se prolonga até inícios
do séc. XX) são contributo da escola romântica, que se caracteriza pela
valorização das manifestações individuais, sobretudo no plano da emoção e do
confessionalismo, e pela defesa dos valores da liberdade (desde o plano
político ao literário, nomeadamente versicular) e das origens (infância,
nacionalidade, tradição, e ainda a natureza humana contra a acção corruptora
da sociedade).
Saudosismo
É uma tendência da literatura portuguesa que radica na obra de
Teixeira de Pascoaes e no grupo da Renascença Portuguesa, e à qual
poderemos ainda considerar ligados Afonso Duarte (muito embora este autor
se articule com o psicologismo da geração da revista Presença e seja
reclamado como companheiro estético de alguns neo-realistas) e Tomás da
Fonseca (que, no entanto, como Ferreira de Castro e Aquilino Ribeiro, são
admitidos como antepassados dos neo-realistas) ou Irene Lisboa (susceptível
de ser enquadrada na Presença) que se mantêm relativamente à margem das
correntes estéticas suas contemporâneas.
O saudosismo apresenta alguns pontos de contacto com o
movimento do «Integralismo Lusitano» (ligado ao poeta António Sardinha), mas
o seu passadismo aponta muito mais para uma atitude lírica do que para a
acção política.
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Simbolismo
Embora Eugénio de Castro seja o introdutor do Simbolismo, com
Oaristos (1890), o poeta mais importante desta corrente, ligada ao clima de
inquietação e incompletude da atmosfera finissecular, que produz correntes de
pensamento de componente idealista (e em Portugal se agrava com os ecos do
«Ultimato Inglês»), é Camilo Pessanha.
Também Fialho de Almeida, na prosa, representa esta tendência
(embora o seu estilo impressionista se filie igualmente na escola naturalista),
assim como Venceslau de Morais (assumindo a temática da evasão, que
concretiza nas suas viagens ao Oriente e radicando-se no Japão) e, mais
ligados ao séc. XX, António Patrício, Carlos Malheiro Dias, Teixeira Gomes e
Raul Brandão.
Na poesia, António Nobre e Florbela Espanca articulam-se ainda
com a mentalidade elegíaca e de aspirações indecisas característica do
simbolismo, que na prosa produz sensíveis inovações na narrativa, insistindo
na materialidade da escrita e abalando os mecanismos tradicionais da
representação através do discurso.
Perdi os meus fantásticos castelos
Como névoa distante que se esfuma...
Quis vencer, quis lutar, quis defendê-los:
Quebrei as minhas lanças uma a uma!
Perdi minhas galeras entre os gelos
Que se afundaram sobre um mar de bruma...
- Tantos escolhos! Quem podia vê-los? -
Deitei-me ao mar não salvei nenhuma!
Perdi a minha taça, o meu anel,
A minha cota de aço, o meu corcel,
Perdi meu elmo de oiro e pedrarias...
Sobem-me aos lábios súplicas estranhas...
Sobre o meu coração pesam montanhas...
Olho assombrada as minhas mãos vazias...
Florbela Espanca
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Surrealismo
Muito tardio, na literatura portuguesa, é representado por grandes
poetas (António Pedro, Manuel de Lima, Mário-Henrique Leiria, Mário Cesariny)
e tem grande impacto na configuração do discurso poético da modernidade, de
Herberto Helder ao grupo de escritores da publicação Poesia-61 (Gastão Cruz,
Fiama Hasse Pais Brandão, Luiza Neto Jorge, Maria Teresa Horta), não
esquecendo Ruy Belo, Casimiro de Brito e João Rui de Sousa.
Favorece as associações vocabulares livres, as relações semânticas
insólitas, e estabelece o primado da imaginação.
A mosca Albertina, que ele domesticava.
Vem agora ao papel, como um insecto-insulto,
Mas fingindo que o poeta a esperava...
Quase mulher e muito mosca,
Albertina quer o poeta para si,
Quer sem versos o poeta.
Por isso fica, mosca-mulher, por ali...
Alexandre O'Neill
A CABEÇA DE ARCAIFAZ
(SISMO)
Localização fonética:
a) A cabeça: onde cabe a eça. Popª.:
cabe a eça agora.
b) de Arcaifaz (sismo): o ar (que)
cai, faz (produz) sismo. Faz sismo:
o ar cai. Caindo o ar, fica o caifascismo,
o que dá cai, dá sismo, e retira o ar que
caiu. Por isso se diz que não há ar onde
há alguém que faz sismo., podendo no
entanto sufixismar-se o prefixo, o que
dará o CAIFAZCISMAÇÃO, sublimação da cisma de Caifaz.
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Mário Cesariny de Vasconcelos, Poesia, 1961
Visão Genérica da Literatura Portuguesa
A literatura é um conjunto de textos escritos (muitas vezes também
fixados na tradição oral), esteticamente elaborados a partir da linguagem
comum, que dão conta da especificidade cultural de uma comunidade.
A literatura portuguesa constituiu-se na base de um espaço
geográfico uno, o do território português,
«o Reino Lusitano,/ Onde a terra acaba e o mar começa»
Camões, Os Lusíadas - 1572
mas alargou-se a várias partes do mundo, através da aventura
marítima dos Descobrimentos Portugueses nos séculos XV e XVI, que se
concretizou numa riquíssima literatura de viagens e teve como consequência a
expansão da sua língua.
A história da literatura portuguesa acompanha a evolução estética da
cultura ocidental, emergindo de uma matriz medieval de base latina a partir da
qual se constitui e aperfeiçoa a língua literária, até aos séculos XVI e XVII,
sendo também permeável à penetração popular, nomeadamente nos inícios da
historiografia (com a figura determinante de Fernão Lopes e a sua capacidade
de descrição das movimentações das massas sociais) e no teatro (cujo vulto
mais notável é Gil Vicente, na comunicação da sabedoria tradicional da
espontaneidade do povo):
«Toda a glória de viver
das gentes é ter dinheiro,
e quem muito quiser ter
cumpre-lhe de ser primeiro
o mais ruim que puder»
Gil Vicente, Auto da Feira - 1527
A literatura portuguesa desenvolve, nas suas origens, um lirismo de
intenso fulgor, com a poesia trovadoresca , e muito particularmente com as
cantigas de amigo, que se prolonga na lírica camoniana e clássica de uma
maneira geral, renovando-se a partir do Romantismo, com personalidades
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destacadas: Garrett e o nacionalismo romântico de expressão amorosa;
Cesário Verde e o quotidiano urbano simultaneamente idealizado e banal;
Antero de Quental e a dilaceração do pensamento implicado na existência
concreta; Camilo Pessanha e o sonho da perfeição verbal na corrosão do
tempo humano - e um grande número de poetas contemporâneos.
«Povo! No pano cru rasgado das camisas
Uma bandeira penso que transluz!
Com ela sofres, bebes, agonizas:
Listrões de vinho lançam-lhe as divisas,
E os suspensórios traçam-lhe uma cruz!»
Cesário Verde, Contrariedades - 1887
Luís de Camões (séc. XVI) e Fernando Pessoa (séc. XX) são, no
entanto, considerados os maiores escritores da literatura portuguesa; de facto,
o Modernismo encontra em Pessoa (fundador da revista Orpheu) uma
expressão complexa e personalizada, já que a galáxia dos seus heterónimos
(nomes de personalidades diferenciadas com as quais compôs a sua obra)
constitui um fenómeno marcante na sua composição literária e na experiência
humana correspondente, com resultados literários surpreendentes, que
configuram uma autêntica ficção da arte de escrever:
«O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
que chega a fingir que é dor
a dor que deveras sente»
Fernando Pessoa, Autopsicografia - 1932
Mas a ficção (especialmente o romance) conhece também particular
brilho na literatura portuguesa. Desde Bernardim Ribeiro (séc. XVI), mas
sobretudo a partir do Romantismo e do Realismo, aumenta a produção literária
deste género, com crescente interesse do público e da crítica, e acentuando os
aspectos diversos que a prosa narrativa tem incessantemente criado a partir da
relação indivíduo-sociedade que caracteriza centralmente o apogeu do
romance no século XIX: construção da intriga, acentuação da personagem,
![Page 12: Barroco e Maneirismo](https://reader031.vdocuments.com.br/reader031/viewer/2022020110/5571f9f3497959916990dd03/html5/thumbnails/12.jpg)
dominância social, problemática da existência, conflitos subjectivos, fluxo
temporal, exercício de escrita, hibridismo de géneros, reescritas paródicas e
descontrução do relato discursivo.
Escritores como Camilo Castelo Branco, Eça de Queirós, Raul
Brandão, Aquilino Ribeiro e, mais recentemente, Vergílio Ferreira, Agustina
Bessa-Luís, José Cardoso Pires, José Saramago e António Lobo Antunes são
algumas das figuras mais emergentes neste capítulo, onde os contemporâneos
se destacam pelo seu número e qualidade.
«Ao escurecer, voltou de terra o comandante, e contemplou, com os
olhos embaciados de lágrimas, o desterrado, que contemplava as
primeiras estrelas, eminentes ao mirante.
- Procura-a no céu? - disse o nauta.
- Se a procuro no céu! - repetiu maquinalmente Simão.
- Sim!... No céu deve ela estar.
- Quem, senhor?
- Teresa.
- Teresa!... Morreu?!
- Morreu, além, no mirante, donde ela estava acenando.
Simão curvou-se sobre a amurada, e fitou os olhos na torrente. O
comandante lançou-lhe os braços, e disse:
- Coragem, grande desgraçado, coragem! Os homens do mar crêem em
Deus! Espere que o céu se abra para si pelas súplicas daquele anjo!
Mariana estava um passo atrás de Simão e tinha as mãos erguidas.
- Acabou-se tudo!... - murmurou Simão. - Eis-me livre... para a morte...»
Camilo Castelo Branco, Amor de Perdição - 1862
«Há um mundo em cada pedra, as horas vão, com a sua torrente
humana, penetrar-se dum vazio funesto, dum vazio de tudo cuja intenção
se malogrou. Na inimizade, na desconfiança e desolação, correm os
passos, vivem-se os escritos de Deus; tudo escorrega para a eternidade,
num nevoeiro de impotência e frieza (...). Aqui decorrem os meus dias,
aqui morres e ressuscitas por mim. A história faz-se homem através das
tuas ruas, dessas persianas caídas, desses portais fechados e que só um
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sorriso mental pode desselar»
Agustina Bessa-Luís, A Muralha - 1957
De entre os contemporâneos, salientam-se figuras de obra numerosa
e repartida por diferentes géneros, especialmente a poesia, o romance e o
conto, mas, em certos casos, também o teatro, crítica, ensaio e escrita
autobiográfica e diarística. Estão neste caso escritores já desaparecidos, mas
que até há pouco tempo marcaram a cena intelectual portuguesa, com as suas
personalidades multímodas e com a força diversificada do seu talento, de uma
maneira geral empenhado em praticar uma aliança, porventura conflituosa,
entre o trabalho poético e a existência concreta, e em afirmar a capacidade
lúcida (isto é: inteligente e radiosa) da literatura para entender o real: Miguel
Torga, Vitorino Nemésio, Jorge de Sena, Carlos de Oliveira e David Mourão-
Ferreira.
Também nesse sentido se afirmam os corifeus da poesia
contemporânea (cultores embora de outras formas de expressão literária), de
entre os quais se destacam António Ramos Rosa, Sophia de Mello Breyner
Andresen, Eugénio de Andrade e Herberto Helder.
«Leitor: volto
para ti. Um livro que vai morrer depressa.
Depres, o tempo. De uma onda maior que o nosso
tempo. O tempo leitor de um. Autor.
Ou um livro e um Deus com ondas de um mar
mais pacientes. -sa antes. Que a onda venha, a onda
alague: A noite caída em cima de teus dedos. (...)
Eterno
Ondas do que um leitor devagar».
Herberto Helder, Para um leitor ler de/vagar - 1962
Na prosa, dedicados a um tipo de ficção que reelabora a novelística
tradicional para a aproximar de outros géneros (crónica, poema em prosa, e
outros tipos de escrita estranhos à convenção literária), e praticando novas
modalidades de articulação no discurso narrativo, emergem figuras femininas
centrais: Maria Judite de Carvalho, Maria Velho da Costa e Maria Gabriela
Llansol.
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«Numa história, há (ou não há) um momento de desvendamento a que se
chama sublime. Normalmente breve. Como penso que um leitor treinado
já conhece todos os enredos, quase só esse momento interessa à
escrita»
Maria Gabriela Llansol, Um Beijo Dado Mais Tarde - 1990