barbosa, juliana. preservaÇÃo dos saberes tradicionais

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CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA E PESQUISA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GESTÃO SOCIAL, EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO LOCAL JULIANA BARBOSA Preservação dos Saberes Tradicionais do Alfaiate Belo Horizonte - MG 2015

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Page 1: Barbosa, Juliana. PRESERVAÇÃO DOS SABERES TRADICIONAIS

CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA

DIRETORIA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA E PESQUISA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GESTÃO SOCIAL,

EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO LOCAL

JULIANA BARBOSA

Preservação dos Saberes Tradicionais do Alfaiate

Belo Horizonte - MG

2015

Page 2: Barbosa, Juliana. PRESERVAÇÃO DOS SABERES TRADICIONAIS

JULIANA BARBOSA

Preservação dos Saberes Tradicionais do Alfaiate

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Gestão Social, Educação e

Desenvolvimento Local do Centro Universitário

UNA, como requisito parcial para obtenção do título

de Mestre.

Área de Concentração: Inovações e

Desenvolvimento Local.

Linha de Pesquisa: Educação e Desenvolvimento

Local.

Orientadora: Profª. Drª. Eloisa Helena Santos.

Belo Horizonte

2015

Page 3: Barbosa, Juliana. PRESERVAÇÃO DOS SABERES TRADICIONAIS

À minha mãe, Maria Catarina, por sua luta, dedicação e

pela brilhante carreira de educadora, minha inesgotável fonte de

inspiração.

Page 4: Barbosa, Juliana. PRESERVAÇÃO DOS SABERES TRADICIONAIS

AGRADECIMENTOS

Agradeço ao Mestrado em Gestão social, educação e desenvolvimento local, pela

inestimável contribuição para minha formação, bem como aos meus colegas e

professores da Instituição UNA e UFMG, pelas palavras de apoio e incentivo durante

toda essa jornada.

Aos amigos, em especial Nicolle e Tarcísio, por compartilharem minhas angústias,

dúvidas e incertezas neste percurso.

Agradeço minha família, que mesmo distante se faz presente em pensamentos e

orações, com palavras de carinho e afeto que me fizeram sustentar nos momentos

de adversidade.

Ao meu amado filho Leandro, razão da minha vida e que me inspira a buscar sempre

algo melhor.

Ao meu noivo Bruno, meu amor, companheiro e amigo, por sua compreensão e

apoio incondicionais.

A minha orientadora Eloisa Helena, pela confiança, por todo o conhecimento

partilhado e a delicadeza sempre presente.

E finalmente, à Deus que me concedeu a honra de conviver com grandes alfaiates,

em especial Onofre de Aquino e Cláudio Freitas, meus mestres, aos quais agradeço

os saberes recebidos, a dedicação e a generosidade em compartilhar os segredos

do ofício.

Page 5: Barbosa, Juliana. PRESERVAÇÃO DOS SABERES TRADICIONAIS

“Eu quisera ser um alfaiate, e se possível, do meu alfaiate faria um rei!”

Eduardo VII (1841 – 1910)

Rei da Inglaterra

Page 6: Barbosa, Juliana. PRESERVAÇÃO DOS SABERES TRADICIONAIS

RESUMO

A Alfaiataria é um segmento do vestir que está para o universo masculino assim

como a Alta Costura está para o universo feminino. Seu modelo de aprendizagem se

perpetuou através dos séculos até os nossos dias por meio da relação

mestre/aprendiz. Porém, por implicações trabalhistas e mudanças no ensino

profissional, o aprendiz já não está mais presente nas oficinas de alfaiates, o que faz

com que hoje nos deparemos com a última geração de alfaiates formada de maneira

tradicional. A falta de aprendizes, os avanços da área têxtil e de produção do prêt-à-

porter forçaram os alfaiates a procurar alternativas para manterem-se competitivos

no mercado. Técnicas foram retiradas ou substituídas comprometendo

significativamente o trabalho final do artesão. Técnicas como as de corte e

acabamento são a essência da alfaiataria, e o que a distingue da roupa feita em

escala industrial. Há, portanto, uma necessidade de preservar estas técnicas com o

intuito de garantir a salvaguarda de um ofício secular e que ainda encontra espaço

no mundo contemporâneo. A partir deste problema, o objetivo desta pesquisa é o de

analisar os saberes tradicionais utilizados pelos alfaiates de forma a garantir a sua

salvaguarda na perspectiva de contribuir com ações inovadoras de formação

profissional e com o desenvolvimento local. A Ergologia está na base do referencial

teórico, abordando os conceitos de atividade, saberes investidos, saberes

constituídos, ergonomia: AET – Análise Ergonômica do Trabalho. A metodologia

empregada foi a qualitativa, tipo exploratório-descritiva, contando com os

procedimentos da pesquisa bibliográfica e empírica. O cenário foi a oficina de

trabalho de um alfaiate, sujeito da pesquisa. A coleta de dados foi realizada por meio

de registros audiovisuais da atividade de trabalho do alfaiate, entrevista semi

estruturada e observação participante junto ao sujeito da pesquisa. Como produto

técnico foi elaborado um Manual do Paletó, com a descrição detalhada dos saberes

do alfaiate, no intuito de colaborar com a produção de material didático e a

compreensão da atividade do alfaiate pela ótica da Ergologia.

Palavras-chave: Alfaiataria. Saberes Tradicionais. Saberes Investidos. Processo de

Ensino e Aprendizagem.

Page 7: Barbosa, Juliana. PRESERVAÇÃO DOS SABERES TRADICIONAIS

ABSTRACT

The Tailoring is a segment of dressing that is for the male universe as haute couture

is for the female universe. Its learning model was perpetuated through the centuries

to the present day through the relationship between master and apprentice. But by

labor implications and changes in vocational education, apprentice is no longer

present in the ateliers of tailors, which makes today we encounter with the latest

generation of tailors formed in the traditional way. The lack of apprentices, advances

in textiles and production of ready-to-wear forced tailors to look for alternatives to

remain competitive in the market. Techniques have been removed or replaced

compromising significantly the final work of the craftsman. Techniques such as

shaping and finishing are the essence of tailoring, and what distinguishes it from the

clothes made on an industrial scale. There is therefore a need to preserve these

techniques in order to ensure the protection of a secular office and still finds room in

the contemporary world. From this problem, the purpose of this research is to

analyze the traditional knowledge used by tailors to ensure their protection in order to

contribute to innovative actions of vocational training and local development. The

Ergology underpins the theoretical framework, addressing the concepts of activity,

knowledge invested, knowledge constituted, ergonomics: EWA - Ergonomic Work

Analysis. The methodology used was qualitative, exploratory and descriptive, with the

procedures of the literature and empirical research. The scenario was the atelier of a

tailor, research corpus. Data collection was performed by means of audiovisual

recordings of taylor's work activity, semi-structured interview and participant

observation by the research subject. As a technical product has produced a “Manual

of Jacket”, with a detailed description of taylor's knowledge in order to collaborate

with the production of educational materials and understanding the activity of the

tailor from the perspective of Ergology.

Keywords: Tailoring. Traditional Knowledge. Knowledge Invested. Teaching and

Learning Processes

Page 8: Barbosa, Juliana. PRESERVAÇÃO DOS SABERES TRADICIONAIS

LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Posicionamento de Moldes de um traçado................................................................................33

Figura 2: Indicação de valores a serem aplicados ....................................................................................34

Figura 3: Diagrama da modelagem de um Doublet e sequência de pontos ...........................................35

Figura 4: Quiringh G. Van Brekelenkam, 1655-60 ....................................................................................49

Figura 5: Tailors at work in Hearne's at 63-64, Waterford, 25.07.1907 ...................................................50

Figura 6: Posição do uso do dedal .............................................................................................................98

Figura 7: Dedal amarrado à mão................................................................................................................98

Figura 8: Alinhavo de alfaiate .....................................................................................................................99

Figura 9: Separação e corte do alinhavo ...................................................................................................99

Figura 10: Marcação da lapela de bolso .................................................................................................. 100

Figura 11: Disposição das camadas de entretela no preparo do reforço de peito ............................... 102

Figura 12: Abertura da pence de ombro .................................................................................................. 102

Figura 13: Pence de ombro no reforço de peito ...................................................................................... 102

Figura 14: Alfaiate apontando a diferença na barra do paletó ............................................................... 104

Figura 15: Detalhe do pedaço de papelão no ferro de passar ............................................................... 105

Figura 16: Diferença ombro costas .......................................................................................................... 107

Figura 17: Ombro costas embebido ......................................................................................................... 107

Figura 18: Paletó justo no costado ........................................................................................................... 108

Figura 19: Abertura tecido no costado ..................................................................................................... 108

Figura 20: Marcação do excesso de tecido no decote costas ............................................................... 109

Figura 21: Duas paralelas unindo as golas sob um retalho de entretela ou tecido .............................. 111

Figura 22: Costura de zig-zag entre as paralelas. movimento de levantar de calcador ...................... 112

Figura 23: Costura de união da entretela e tecido com pontos do tipo zig-zag .................................... 112

Figura 24: Ponto picado na capa da gola ................................................................................................ 113

Figura 25: Preparo do tapa miséria .......................................................................................................... 116

Figura 26: Ponto picado na capa da gola ................................................................................................ 117

Page 9: Barbosa, Juliana. PRESERVAÇÃO DOS SABERES TRADICIONAIS

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 12

1.1 OBJETIVO GERAL .................................................................................................................. 18

1.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS .................................................................................................... 18

1.3 JUSTIFICATIVA ...................................................................................................................... 19

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................. 29

2. A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA ALFAIATARIA: UMA REVISÃO

BIBLIOGRÁFICA ACERCA DAS PUBLICAÇÕES, DO TRAJE, DAS

METODOLOGIAS DE ENSINO E DAS RELAÇÕES DE TRABALHO..................... 31

2.1 OS PRIMEIROS REGISTROS IMPRESSOS DA ALFAIATARIA .............................................. 33

2.2 A EVOLUÇÃO DO TRAJE MASCULINO ................................................................................. 39

2.3 A ALFAIATAARIA ARTESANAL E O PRÊT-À-PÔRTER .......................................................... 42

2.4 A HIERARQUIA DAS OFICINAS E AS RELAÇÕES DE TRABALHO ....................................... 47

2.5 O PROCESSO DE APRENDIZAGEM NA ALFAIATARIA ......................................................... 52

2.6 OS DESAFIOS DA ALFAIATARIA ARTESANAL NO SÉCULO XXI ......................................... 56

2.7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................................... 59

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................. 61

3. A ABORDAGEM ERGOLÓGICA.......................................................................... 63

3.1 TRABALHO E ATIVIDADE DO TRABALHO ............................................................................ 65

3.2 AS TRÊS FONTES INSPIRADORAS DA ERGOLOGIA ........................................................... 67

3.3 NORMAS ANTECEDENTES, DEBATE DE NORMAS E RENORMALIZAÇÃO ........................ 69

3.4 A DRAMÁTICA DO USO DE SI POR SI E POR OUTROS ....................................................... 71

3.5 SABERES CONSTITUÍDOS E INVESTIDOS ........................................................................... 72

3.6 DD3P (DISPOSITIVO DINÂMICO A TRÊS POLOS) ................................................................ 76

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................. 78

4. RELATO DA PESQUISA: PRESERVAÇÃO DOS SABERES TRADICIONAIS DO

ALFAIATE ................................................................................................................. 81

4.1 METODOLOGIA ...................................................................................................................... 88

4.2 A PESQUISA EMPÍRICA ......................................................................................................... 88

Page 10: Barbosa, Juliana. PRESERVAÇÃO DOS SABERES TRADICIONAIS

4.2.1 O CENÁRIO DA PESQUISA .......................................................................................88

4.2.2 O OBJETO DA PESQUISA..........................................................................................89

4.2.3 OS SUJEITOS DA PESQUISA ....................................................................................90

4.3 O INÍCIO DO TRABALHO DE OBSERVAÇÃO ........................................................................ 93

4.4 AS TÉCNICAS DE COLETA DE DADOS ................................................................................. 94

4.5 A ANÁLISE DOS DADOS EMPÍRICOS: OS SABERES TRADICIONAIS DO ALFAIATE NA

CONFECÇÃO DO PALETÓ .......................................................................................................... 96

4.5.1 O PROCESSO DA CONFECÇÃO DO PALETÓ NA ALFAIATARIA B ....................96

4.5.2 A CONFECÇÃO DOS BOLSOS ................................................................................100

4.5.3 O REFORÇO DE PEITO ............................................................................................101

4.5.4 O FORRO INTERNO ..................................................................................................103

4.5.5 O PREPARO DA GOLA (BAIXO E CAPA DA GOLA) .............................................110

4.5.6 O ENCAIXE DA MANGA ............................................................................................113

4.5.7 ACABAMENTOS.........................................................................................................117

4.6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................... 119

REFERÊNCIAS ........................................................................................................................... 120

5. PRODUTO TÉCNICO: MANUAL DO PALETÓ. SEQUÊNCIA OPERACIONAL 122

5.1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 123

5.2 ORGANIZAÇÃO DOS CAPÍTULOS ....................................................................................... 123

5.2.1 PLANEJAMENTO DO CORTE DO PALETÓ NO TECIDO .................................................. 123

5.2.2 ALINHAVO DE ALFAIATE .................................................................................................. 124

5.2.3 APLICAÇÃO DE BOLSOS .................................................................................................. 124

5.2.4 REFORÇO DE PEITO ........................................................................................................ 124

5.2.5 APLICAÇÃO DO REFORÇO DE PEITO NO PALETÓ ........................................................ 124

5.2.6 UNIÃO DAS PARTES DE FORRO E FRENTE ................................................................... 125

5.2.7 ABERTURA DO CENTRO COSTAS ................................................................................... 125

5.2.8 PREGA DO CENTRO COSTAS ........................................................................................ 125

5.2.9 UNIÃO DOS OMBROS ....................................................................................................... 125

5.2.10 GOLA ALFAIATE .............................................................................................................. 125

5.2.11 COSTURA DA MANGA ALFAIATE ................................................................................... 126

5.2.12 CASA DE BOTÃO ............................................................................................................ 127

Page 11: Barbosa, Juliana. PRESERVAÇÃO DOS SABERES TRADICIONAIS

5.3 PRODUTO TÉCNICO: MANUAL DO PALETÓ. SEQUÊNCIA OPERACIONAL ...................... 128

5.4 CONDISERAÇÕES FINAIS ................................................................................................... 268

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS DA DISSERTAÇÃO ............................................... 269

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 271

7. APÊNDICE .......................................................................................................... 277

APÊNDICE I – AMOSTRAGEM DOS CURSOS DE GRADUAÇÃO (BACHAREL) E DESIGN DE

MODA (GRADUAÇÃO TECNOLÓGICA) ..................................................................................... 277

8. ANEXOS ............................................................................................................. 279

ANEXO I - TERMO DE AUTORIZAÇÃO DE USO DE IMAGEM E DEPOIMENTOS ................... 279

ANEXO II – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ...................................... 280

ANEXO III – CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ......................................................... 282

ANEXO IV – TERMO DE COMPROMISSO DE CUMPRIMENTO DA RESOLUÇÃO 466/2012 .... 283

ANEXO V – PARECER CONSUBSTANCIADO DO CONSELHO DE ÉTICA E PESQUISA.......... 284

Page 12: Barbosa, Juliana. PRESERVAÇÃO DOS SABERES TRADICIONAIS

12

1. INTRODUÇÃO

O objetivo desta pesquisa é analisar os saberes tradicionais utilizados pelos

alfaiates de forma a garantir a sua salvaguarda na perspectiva de contribuir com

ações inovadoras de formação profissional e com o desenvolvimento local. Ela

busca a retomada do gestual e das técnicas tradicionais que vem sendo

gradativamente substituídas por técnicas semi-industriais, bem como a análise da

atividade do trabalho do alfaiate artesão por meio da ergologia, abordagem que

coloca em evidência a atividade humana na complexidade das situações de trabalho

e nas relações que aí se estabelecem. Busca o reconhecimento e o valor do

trabalho pelo próprio trabalhador na prática constante do dia a dia, que passa por

vezes despercebida e que o revela, jogando luz a outros valores que vão além da

excelência no exercício da profissão.

O problema se originou em uma pesquisa realizada em Belo Horizonte no ano

de 2011 intitulada Alfaiataria Masculina: Novas Tendências na Tecnologia de

Confecção (BARBOSA, 2011), que buscou alternativas aos processos artesanais

utilizados na confecção do vestuário, com o intuito de torná-la mais competitiva e de

fácil execução, o que contribuía para a longevidade desse ofício que vem

apresentando significativa perda de profissionais.

Essa pesquisa, no entanto, levou à constatação que os processos da

alfaiataria artesanal não encontram similares na alfaiataria industrial. A roupa feita

manualmente é elaborada de forma personalizada, com acabamentos criteriosos,

em que o alfaiate se faz necessário e é decisivo para o ajuste da peça, ao contrário

daquelas confeccionadas em série e/ou maquinário automatizado, desenvolvidas

para um corpo padrão de medidas estipuladas pela indústria. Nas roupas feitas sob

medida existe uma série de particularidades, ora evidenciadas ou dissimuladas pelo

corte preciso do alfaiate, e traz a possibilidade de valorização do corpo que o veste

principalmente por atender as medidas básicas e fundamentais, responsáveis pelo

perfeito caimento de uma peça. O respeito com que o corpo é tratado pelo alfaiate

artesão é um dos valores constantemente trabalhados e o que confere

personalidade à roupa.

Page 13: Barbosa, Juliana. PRESERVAÇÃO DOS SABERES TRADICIONAIS

13

Percebe-se atualmente que a alfaiataria industrial vem buscando métodos e

alternativas à artesanal, procurando equiparar-se tanto em seus processos de

construção da modelagem quanto na confecção da peça. Equipada com maquinário

de alta tecnologia, vem realizando um trabalho similar ao do alfaiate em operações

que demandam tempo de trabalho significativo, como por exemplo a colocação

manual da gola e da manga. A manga é um dos pontos principais no feitio de um

paletó, objeto de estudo dessa pesquisa, pois a postura da pessoa para quem ele se

destina interfere diretamente no caimento, e uma manga mal posicionada implica em

uma série de outras inadequações que não são percebidas de imediato. Um homem

ou uma mulher que não possui as medidas padrão determinadas pela indústria,

veste um traje prêt-à-porter1 e percebe que não lhe cai bem, no entanto não

consegue identificar o porquê, pois são nuances muito sutis, que não levadas em

consideração acabam por interferir diretamente no caimento da peça.

Apesar das deficiências apontadas, a alfaiataria industrial vem conquistando

espaço significativo fazendo com que a alfaiataria artesanal busque alternativas de

se manter competitiva no mercado. Dessa maneira, ela vem substituindo parte

considerável de seus processos manuais por outras técnicas utilizadas na indústria,

porém de maneira precária, pois o alfaiate artesão não possui um aparato

tecnológico que lhe dê suporte e agilidade nos processos, como ocorre na indústria.

Por consequência, tais mudanças acabam por apresentar uma perda considerável

na qualidade do produto final.

Um dos exemplos para que o alfaiate artesão não consiga se equiparar ao

trabalho realizado pela indústria está no fato de que cada uma das operações de

fechamento do paletó possui uma máquina correspondente. Outro entrave é o fato

de que a maioria das oficinas não possui espaço e organização suficientes para

abrigar o número de máquinas necessário para otimizar os processos, bem como

condições financeiras de realizar tal investimento. Sabe-se que o alfaiate artesão

dispõe apenas de uma mesa, um ferro de passar, de sua máquina de costura reta, e

de outros equipamentos de menor porte como cavaletes e almofadas para auxiliá-lo

1 Roupa “pronta para vestir”, termo originalmente francês.

Page 14: Barbosa, Juliana. PRESERVAÇÃO DOS SABERES TRADICIONAIS

14

na confecção das peças. O capital do alfaiate artesão está no seu trabalho, nas

técnicas que foram desenvolvidas de forma empírica e tácita na prática do dia a dia.

Somado a esse contexto, está o fato de que os alfaiates que exercem a

profissão na cidade de Belo Horizonte estão boa parte deles, na terceira idade e

aposentados, mas trabalhando para complementar a renda familiar (BARBOSA,

2011). Eles trabalham de forma solitária, sem aprendizes pelas exigências que lhe

são impostas na contratação de um auxiliar, ou de um estagiário. Dessa forma,

acredita-se que a profissão estará em extinção, pois não há renovação da mão de

obra. Esses alfaiates acreditam também que a indústria é a grande vilã no

desaparecimento gradual desse ofício, principalmente pela facilidade com que a

roupa é produzida e colocada à disposição do público consumidor, que com a oferta

de roupas prêt-à-porter no mercado não veem necessidade dos seus serviços.

Entende-se equivocadamente que o valor do trabalho de um alfaiate

restringe-se apenas a ajustes e consertos em geral. Alfaiates relatam a dificuldade

de impor o valor do trabalho que realizam quando são procurados para realizar um

traje completo (BARBOSA, 2011), sob a alegação dos clientes de que o valor

cobrado é alto diante da oferta do mercado com preços atrativos. Não percebem que

a roupa sob medida demanda mais tempo para sua execução, justamente pelo

apreço com que a peça é trabalhada, além de todas as particularidades do corpo

que são atendidas. Isso faz com que eles mesmos, os alfaiates, adotem a

concepção errônea de que não tem estima, de que o trabalho manual não tem valor,

e que não há condições de se manter no mercado diante da massificação da

indústria do vestuário.

Com a preocupação do surgimento dos produtos industriais em detrimento

dos produtos artesanais, bem como a discussão das artes tradicionais, já surgia na

Inglaterra do século XIX o movimento Artes e Ofícios, liderado pelo pintor, escritor,

polemista e propagandista William Morris (ARGAN, 1995). O movimento Artes e

Ofícios buscava o reconhecimento do operário artesão frente às artes tradicionais,

defendendo a ideia de que o trabalho do artesão que faz um objeto era tão válido

quanto o do artista que imita o objeto feito pelo artesão (ARGAN, 1995).

Page 15: Barbosa, Juliana. PRESERVAÇÃO DOS SABERES TRADICIONAIS

15

Seus pensamentos traziam a ideia de que o produto artesanal era superior ao

produto industrial, considerado desqualificado, promoviam o artesão ao status de

artista e o invocavam a fazer de seu trabalho cotidiano uma obra de arte.

De acordo com Morris (ARGAN, 1995), a roupa realizada pelo alfaiate artesão

pode ser comparada a um ornamento, pois assemelha-se ao trabalho de um

escultor. O alfaiate artesão é um escultor do tecido em operações como o preparo

de uma gola, em que toda a sua execução é feita manualmente, através de pontos

que dão forma ao contorno do pescoço até o encontro da lapela, à frente do paletó.

Quero falar daquele lado da arte que deveria ser sentido e executado pelo simples operário e seu trabalho cotidiano, e que com razão se chama arte popular. Esta arte não existe mais, destruída pelo comercialismo. Mas ela viveu e floresceu desde o início da luta entre o homem e a natureza até o surgimento do sistema capitalista. Enquanto durou, tudo o que o homem fazia era ornamentado pelo homem, assim como tudo o que faz a natureza é ornamentado pela natureza (MORRIS apud ARGAN, 1995, p. 179).

Morris e suas ideias vêm ao encontro da ergologia, em que a valorização do

trabalho como expressão de um sujeito, por meio da sua atividade é o ponto central.

Segundo Schwartz, o importante não é pensar se o trabalho tem valor, mas o valor

do trabalho e se o trabalho faz com que os valores sejam trabalhados2.

A falta de aprendizes compõe o contexto do ofício do alfaiate nos dias atuais.

Ela denota um cenário preocupante, pois se não há renovação dessa mão de obra,

não haverá seguimento desta profissão. No entanto, percebe-se que a massificação

da roupa industrializada vem despertando nas pessoas um desejo de destacar-se,

não no sentido frívolo do vestir, mas na busca de uma identidade, de uma forma de

comunicar-se com o mundo que não essa imposta pela indústria e que cria um

exército de iguais. Há uma importante retomada na valorização do único, do trabalho

manual em vários aspectos, movimento que tem despertado o interesse de jovens

pela alfaiataria.

2 Entrevista concedida por Yves Schwartz à UNISINOS, Universidade do Vale dos Sinos, São Leopoldo-RS

Page 16: Barbosa, Juliana. PRESERVAÇÃO DOS SABERES TRADICIONAIS

16

Mediante essa situação, algumas ações vêm sendo tomadas no intuito de

registrar a história desses artesãos por meio de imagens. Exemplo disso são os

documentários realizados nas cidades de Curitiba (CORDOVA; STOIEV;

MACHADO; SANTOS, 2009) e Belo Horizonte (GODINHO & SANTOS, 2013), além

de mostras de fotografia, como a intitulada “Alfaiates de BH”, realizada pelo fotógrafo

Alexandre Lopes (JORNAL O TEMPO, 2013). No entanto, com relação aos saberes,

às técnicas propriamente ditas não há algum tipo de registro, justamente pela

complexidade das ações que executam.

Os acabamentos utilizados na alfaiataria alcançam um nível de perfeição que

busca-se adotar em todos os outros segmentos da roupa sob medida. A alfaiataria

contribui com um número importante de técnicas e pontos feitos a mão que são

adotados e utilizados nos ateliês de alta costura. A importância da alfaiataria para

este setor faz com que exista um número elevado de interessados nessa profissão,

porém boa parte deles, quando se deparam com o grau de exigência e perfeição

que as tarefas demandam, acabam por esmorecer e abandonar o aprendizado.

Contudo, interessados no ofício que já possuem considerável experiência na

confecção de roupas sob medida possuem mais desenvoltura na aprendizagem das

técnicas obtendo resultados satisfatórios, dado constatado durante minha prática

docente nos cursos de Moda. A alfaiataria requer um tempo de prática superior a

qualquer outro tipo de costura e exige sobretudo, perseverança, disciplina, capricho

e dedicação, sem estes ingredientes o processo de aprendizagem não se instaura e

por consequência não se conclui.

Segundo os próprios artesãos (BARBOSA, 2011) um alfaiate não leva menos

que um período de três anos para se formar, e isso se ele estiver nas mãos de um

bom mestre que esteja disposto a transmitir todo o seu conhecimento, de forma que

ele também venha a se tornar um alfaiate. Sennett considera esse um tipo de

aprendizado que gira em torno de 10 mil horas:

Esse lapso de tempo aparentemente enorme é o que os pesquisadores estimam necessário para que as habilidades mais complexas fiquem gravadas tão profundamente que se transformem em conhecimento tácito e prontamente acessível (SENNETT, 2009, p.193).

Page 17: Barbosa, Juliana. PRESERVAÇÃO DOS SABERES TRADICIONAIS

17

Considerando a especificidade dos saberes do alfaiate, surgiu uma

necessidade de acompanhar o trabalho desses artesãos alfaiates e principalmente,

registrá-lo. De tal forma que esses registros possam ser consultados e

transformados em importante material de apoio nos processos de ensino e

aprendizagem, dentro e fora das universidades, em cursos de bacharelado ou

tecnológicos de moda principalmente, onde a alfaiataria é ensinada de maneira

superficial.

A disciplina Alfaiataria (Apêndice I) compõe o currículo dos cursos de Moda

ou Design de Moda em apenas três faculdades no universo de 37 investigadas. Ela

apresenta uma carga horária que gira em torno de 80h semestrais sendo que uma

delas, a Universidade do Estado de São Paulo - USP, apresenta a disciplina

alfaiataria apenas como optativa (30h). Nos demais cursos de graduação de Moda, a

carga horária destinada às práticas da confecção do vestuário não ultrapassa o

número de 340h e engloba as disciplinas de modelagem em geral, incluindo a

modelagem plana, modelagem informatizada e moulage3. Nesses casos, não é

possível verificar qual a ênfase que é dada à modelagem masculina, em especial, a

alfaiataria.

Com relação ao material didático trabalhado nesses cursos, há uma única

publicação disponível sobre o tema intitulado Alfaiataria: Modelagem Plana

Masculina, da autora Stefania Rosa (2008) e que trata da construção da modelagem

das peças principais do vestuário masculino. Encontram-se também algumas

publicações referentes ao processo da modelagem de peças esportivas, porém há

uma deficiência com relação às publicações referentes à execução e à confecção

das peças tradicionais no rigor da alfaiataria artesanal, de forma que a socialização

dos resultados dessa pesquisa cobrirá uma lacuna importante na literatura que trata

do tema.

Além de contribuir com a produção de material didático, do ponto de vista dos

eixos de formação do programa de mestrado MGSEDL4 há uma adequação à

necessidade de inovar os processos de ensino e aprendizagem da alfaiataria não

3 Modelagem tridimensional, onde a peça é elaborada diretamente sobre o manequim. 4 Programa de Mestrado em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local.

Page 18: Barbosa, Juliana. PRESERVAÇÃO DOS SABERES TRADICIONAIS

18

apenas com relação às técnicas que executam, mas também com relação à gestão

do negócio. Esta contribuição se estende à formação de profissionais que já atuam

ou atuarão, futuramente, em setores da economia e, portanto, com repercussões no

desenvolvimento da alfaiataria local.

1.1 OBJETIVO GERAL

O objetivo geral dessa dissertação é o de analisar os saberes tradicionais

utilizados pelos alfaiates de forma a garantir a sua salvaguarda na perspectiva de

contribuir com ações inovadoras de formação profissional e com o desenvolvimento

local.

1.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

1. Observar a atividade de trabalho do alfaiate para identificar os saberes

tradicionais da alfaiataria;

2. Registrar o passo-a-passo na confecção da principal peça da alfaiataria, o

paletó, desenvolvido por um alfaiate artesão, através de imagens (foto e

vídeo) e descrição dos processos;

3. Compreender as condições e relações de trabalho dos alfaiates sob a ótica da

ergologia;

Page 19: Barbosa, Juliana. PRESERVAÇÃO DOS SABERES TRADICIONAIS

19

1.3 JUSTIFICATIVA

A alfaiataria é um segmento do vestir que está para o universo masculino

assim como a Haute Couture5 está para o universo feminino. Tem como objetivo

principal a confecção de roupas artesanais e sob medida, tais como o terno6,

costume ou fato7, casacas e camisas, principalmente. Como a alta costura, ela está

no topo da cadeia produtiva do vestuário (HOPKINS, 2013), pela qualidade dos

materiais, tecidos, entretelas e aviamentos que emprega; pelo requinte dos

acabamentos utilizados, quase na totalidade feitos à mão, bem como pela

particularidade da relação do alfaiate artesão com o cliente.

A qualidade da peça desenvolvida pelo alfaiate é assegurada desde a tomada

de medidas, momento em que o corpo é cuidadosamente avaliado. Passa pela

elaboração da modelagem, que é executada diretamente no tecido ou em tela de

teste específica8, até as provas9 estabelecidas durante o processo que, dependendo

do alfaiate, podem variar de uma a três para a conclusão e a entrega do produto

final.

Isto significa que uma peça de roupa é cosida para um indivíduo, por um indivíduo. Para cada cliente é desenvolvido, segundo as suas medidas e os seus desejos, um corte próprio, que é exatamente ajustado ao seu corpo e que corresponde à sua personalidade (ROETZEL, 2010, p.93).

Todos esses são processos que atualmente levam em torno 40 horas de

trabalho, num intervalo de tempo que varia entre alguns dias para a primeira prova,

a chamada prova seca10, e de seis a oito semanas para a entrega da peça finalizada

(ROETZEL, 2010). Espaço de tempo que reflete o trabalho manual desenvolvido

5 Termo francês referente à alta costura, regido pela Câmara de Alta Costura de Paris (1868). É ela quem determina quais grifes podem usar o termo Haute Couture. 6 Traje masculino composto por três peças: Paletó, colete e calça. 7 Traje masculino composto por duas peças: Paletó e calça. 8 As telas de teste são realizadas normalmente em tecido de algodão crú. 9 Etapas do processo de confecção da peça em que o cliente veste a roupa para eventuais correções e/ou ajustes. 10 Prova em que o paletó é todo alinhavado, sem colocação de bolsos nem entretelas. É nesta prova que as principais correções com relação à largura do corpo, encaixe de cava e pescoço são realizadas.

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pelo alfaiate artesão, de maneira criteriosa e respeitosa com relação ao corpo que o

vestirá.

A máquina de costura é usada para quase todas as costuras e pences, mas quase 75 por cento de todos os pontos em um terno sob medida ainda são feitos à mão, para garantir a modelagem mais precisa do tecido. As novas entretelas fusíveis estão sendo utilizadas pela maioria dos alfaiates personalizados para reforçar áreas pequenas, como pontas de pences ou o interior de alguns bolsões, porém, elas não são consideradas substitutas aceitáveis para o reforço de peito - entretelas costurada à mão, que dão corpo a parte frontal inteira do revestimento. Alfaiates de hoje continuam a praticar a sua arte quase exatamente como era praticada há um século. Não necessariamente porque mais lento é melhor, mas porque estes métodos produzem corpo e forma, detalhes e durabilidade que novos métodos mais rápidos de alfaiataria são simplesmente incapazes de igualar (CABRERA, MEYERS, 2010, p.01)11.

Contudo, todo esse rigor na confecção de uma peça sob medida que implica

diretamente no tempo empregado, vem fomentando discussões acerca do rumo que

os ofícios artesanais têm assumido no mundo contemporâneo, em que a urgência

no consumo vem tomando cada vez mais espaço.

O apelo do imediato adotado pelas indústrias por meio do surgimento de

novas tecnologias faz com que o tempo de produção de um paletó seja reduzido

consideravelmente. Com maquinário específico, a indústria é capaz de realizar

algumas tarefas delicadas em minutos. Um bom exemplo é a colocação dos bolsos

da frente externa e interna do paletó. Nela o operador12 alimenta a máquina com as

peças de tecido que serão costuradas ao corpo dando forma ao bolso, porém, de

11 Tradução livre da autora: Although new machines and new methods of fusing layers of fabric together offer today's tailor speedy alternatives to time consuming hand word, relatively few of these faster methods have been adopted by custom tailors. The sewing machine is used for almost all seams and darts, but almost 75 percent of all stitches in a custom-tailored suit are still done by hand, to ensure the most accurate shaping of the fabric. The new fusible interfacings are being used by most custom tailors to reinforce certain small areas, such as dart tips or the inside of some pockets, however, they are not considered acceptable substitutes for the multi-layered, hand-stitched canvas interfacing which gives body to the entire front of the jacket. Today's tailors continue to practice their art almost exactly as it was practiced a century ago. Not because slower is necessarily better, but because these methods produce body and form, detail and durability which newer faster methods of tailoring are simply unable to equal. 12 Funcionários que operam máquinas de costuras sem necessariamente compreender o processo como um todo. São considerados operadores e não costureiros. Há que se considerar, no entanto, segundo a ergologia, que mesmo nesse tipo de trabalho é possível encontrar o trabalhador que se expressa subjetivamente na sua atividade e, portanto, capaz de criar algo diferente daquilo que lhe foi prescrito.

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maneira mecanizada diferente do trabalho desenvolvido pelo alfaiate artesão nas

mesmas operações em que oferece um toque de pessoalidade à peça, evidenciando

que naquela roupa há originalidade e apreço.

Já em 1933, um Guia Prático de Alfaiataria direcionado aos iniciantes alertava

sobre o uso da máquina de costura, chamando a atenção para o trabalho sem vida

ou personalidade, a exemplo do que ocorre nas fábricas de confecção de vestuário

em que não há costureiras ou alfaiates, mas meros operadores de máquina, sem o

domínio da confecção de uma peça por completo.

Existem hoje máquinas para quase qualquer tipo de costura, corte, enchimento, botoeiras, etc., mas o trabalho é puramente mecânico e não tem vida ou personalidade com ele. Ao aprendiz e estudante de Arte e Artesanato é aconselhado a manter-se o padrão do trabalho ao mais alto grau possível, de modo a manter um comércio glorioso nas fileiras do excelente acabamento (LIBERTY, 1933, p.52).13

A habilidade da costura manual está diretamente relacionada a outra

importante operação que diz respeito à confecção da manga. Considerada uma das

tarefas mais árduas da alfaiataria, ela demanda esforço e tempo significativos pela

justa posição desta peça no paletó, motivo de orgulho ao final de sua execução e

onde o bom alfaiate se revela. São várias costuras à mão que a manga recebe antes

do seu encaixe na cava do paletó, que desta forma garantem a posição exata, a

postura do corpo e o caimento do braço do cliente.

Já na alfaiataria industrial, elas são aplicadas com uma velocidade de tempo

inferior, mas não garantem a posição correta no corpo, justamente por não haver um

contato direto com aquele que vestirá a peça. Os ajustes são restritos e feitos no

momento da venda, detendo-se a pequenos reparos como a alteração do

comprimento da manga, quando necessário. Ajustes maiores são impossibilitados

por estarem relacionados à estrutura da peça, correções que só poderiam ser

realizadas diante da tomada de medidas do cliente, como os valores de costado e

ombro por exemplo, que influenciam diretamente na colocação da manga. É uma

13 Tradução livre da autora: There are now machines for almost any kind of stitch, felling, padding, buttonholes, etc., but the work is purely mechanical and has no life or personality with it. The apprentice and student of the Art and Craft is well advised to keep up the standard of the work to the highest possible degree, and so keep a glorious trade in the ranks of excellent workmanship.

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forma de produção que atende o imediatismo presente no vestir atual, mas que

compromete significativamente a qualidade da roupa.

As novas gerações desconhecem a forma de vestir no espaço de tempo

determinado pelo alfaiate artesão. Os jovens em regra, conhecem a forma de

consumir de momento, ou ainda, compulsivamente, em que não há uma clara

consciência do que se adquire.

O apelo da roupa pronta, de fácil aquisição em termos de custos, faz com que

haja um consumo desenfreado observado em diversas esferas da sociedade e que

implica em uma série de outros problemas, mazelas características do século XXI.

Num mundo em que uma novidade tentadora corre atrás da outra a uma velocidade de tirar o fôlego, num mundo de incessantes novos começos, viajar esperançoso parece mais seguro e encantador do que a perspectiva da chegada: a alegria está toda nas compras, enquanto que a aquisição em si, com a perspectiva de ficar sobrecarregado com seus efeitos diretos e colaterais possivelmente incômodos e inconvenientes, apresenta uma alta probabilidade de frustração, dor e remorso (BAUMAN, 1925, p.28).

A insatisfação com o próprio corpo é um destes aspectos, pois a roupa pronta

para vestir não é capaz de atender a cada sujeito na sua particularidade, mesmo

aqueles que possuem um corpo harmonioso. A massificação imposta pela mídia traz

um estereótipo de beleza ideal: mulheres magras e homens musculosos, fazendo

com que aqueles fora destes padrões, sintam-se de certa maneira excluídos ou

encorajados a buscar esse ideal a qualquer preço.

Nossa sociedade tanto cultua o corpo como não cessa de desprezá-lo, comercializá-lo e coisificá-lo. O corpo reina e padece diariamente. Propagam-se as “deficiências” e os limites corporais, desvalorizam-se as singularidades e potencialidades dos sujeitos e os tornam desnecessários, descartáveis, sem sentido, e, simultaneamente, o aclamam, fazendo do corpo o mais sublime objeto de adoração. (TRINCA, 2008, p. 03).

O trabalho do alfaiate artesão apresenta-se como uma alternativa à tirania do

vestir contemporâneo, em que o corpo é submetido à roupa ao invés da roupa vestir

o corpo. Os homens das antigas gerações, e também aqueles que conhecem o valor

do trabalho artesanal, apesar do avanço e da praticidade da roupa pronta para

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23

vestir, não abrem mão do trabalho do alfaiate. Os mais jovens, que têm o primeiro

contato com esse profissional em um momento festivo como formatura ou

casamento, também compreendem e passam a privilegiar e consumir esse serviço.

O alfaiate artesão tem a capacidade de atender e valorizar o corpo, ora

evidenciando, ora dissimulando o que for necessário para colocá-lo em harmonia.

Apesar disso, reconhecer a diferença entre um traje feito por um alfaiate por outro

feito para um tamanho padrão só é possível quando ambos são confrontados:

Um fato feito por medida só pode ser tão bom como o alfaiate que o corte e cose. No entanto, se o cliente não tiver capacidade para reconhecer um bom trabalho, torna-se mais difícil para o alfaiate realizar o seu trabalho corretamente. Assim, põe-se a questão: como devem os clientes saber o que é bom, quando só tiverem sido confrontados, ao longo da sua vida, com fatos confeccionados para um corpo de tamanho normal imaginário? (ROETZEL, 2010, p. 93).

Entretanto, esse resultado demanda tempo para cumprir todo o processo,

considerado um “ritual” da roupa sob medida. O resgate da cultura dessa forma de

vestir é imprescindível para a manutenção do ofício do alfaiate, que não encontra

equivalente nas roupas industrializadas.

A roupa sob medida e todos os seus processos demonstram a complexidade

e o respeito com que cada uma das etapas é concluída. Um alfaiate artesão para

alcançar um nível de excelência no trabalho que realiza dedicou anos de

aprendizado, numa metodologia de ensino não regulamentada oficialmente em

bancos escolares, mas que permaneceu eficaz durante os séculos pelos quais

atravessou.

Verifica-se que, entre os riscos que a alfaiataria apresenta de não se manter

apesar da sua importância no segmento do vestir, está o fato de que não há uma

renovação da mão de obra dentro dos rigorosos padrões da alfaiataria artesanal.

Isso se dá pela obsolência do método de ensino e aprendizagem, não por sua

ineficiência, mas pelas dificuldades de se adequar às regras que regulamentam o

trabalho do menor aprendiz.

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Alfaiates artesãos ingressavam no ofício ainda no início da adolescência. O

aprendizado na alfaiataria era e ainda é um processo lento que necessita tempo de

assimilação dos pontos, bem como o manuseio do tecido. Posteriormente iniciava-se

a construção da roupa a partir dos saberes constituídos, aquele tipo de

conhecimento que, segundo a ergologia, é adquirido em bancos escolares, tais

como a matemática e a anatomia. A estes saberes se soma um outro, adquirido com

cautela na prática do dia a dia da oficina, de maneira tácita e empírica, denominado

saber investido.

A arte do alfaiate, complexa e de diffícil (sic)penetração, exige longos anos de devotamento, divididos entre o estudo e a prática. Bases deste estudo e dessa prática são sem dúvida alguma a Anatomia, a Mathemática (sic) e a Geometria. Sem conhecimento, rudimentar mesmo, dessas três sciencias (sic), não haverá alfaiates artistas. E por artista alfaiate devemos entender o creador (sic) de modas (JUNIOR, 1937, p. 19).

Anteriormente, o menino aprendiz era confiado pelos pais ao mestre alfaiate,

que normalmente apresentava algum tipo de parentesco ou amizade com a família,

num gesto de confiança de ambas as partes. O aprendizado na alfaiataria não

restringia-se apenas às lições de costura e traçados, havia lições de

comportamento, de ética e valores do trabalho em toda a sua dimensão,

transmitidas pelos mestres alfaiates.

Pesquisa realizada pela antropologia Lave (2011) na década de 70, no

vilarejo africano de Happy Corner, na Libéria, ao oeste da África, apresenta dados

que se assemelham à realidade dos alfaiates no Brasil, em que o início do

aprendizado dos alfaiates artesãos no ofício se deu por influência dos pais:

Um mestre alfaiate poderia promover um rapaz de treze ou quatorze anos como um aprendiz. Muitas vezes ele tinha laços com os parentes mais velhos do menino, e a decisão da criança de que poderia se tornar um alfaiate tinha sido resolvido em discussões acerca de como criar um portfólio diversificado de artesanato e comércio no interior da extensão familiar (LAVE, 2011, p. 44)14.

14 Tradução livre da autora: A master tailor might foster a boy of thirteen or fourteen as an apprentice. He often had ties with de boy's senior relatives, and the decision that the child should become a tailor had been sorted out in discussions about how to create a diverse craft and trade portfolio within the extended family.

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As discussões a que se refere a autora eram tidas no seio da família, quando

o pai percebendo as aptidões e habilidades de seus filhos, decidia por eles a

profissão que seguiriam, algumas vezes contra a vontade do próprio filho. Apesar

disso, tomavam gosto pelo ofício e decidiam aprendê-lo.

Acerca dessa forma de seleção, há o testemunho do alfaiate Maurício

Messias, em entrevista15 a um canal de televisão nacional realizada no dia 12 de

novembro de dois mil e doze, na qual relata que o pai alfaiate, todas as noites

distribuía um retalho e tecido, linha e agulha aos seus oito filhos para que

costurassem. A partir destes retalhos procurava identificar aquele que tivesse mais

habilidade para investir e ensinar o ofício, maneira pela qual o alfaiate Messias foi

eleito entre os oito irmãos.

Já entre os alfaiates que atuam na cidade de Belo Horizonte, é recorrente o

depoimento de que não havia em sua época outras alternativas de trabalho, e de

como o estudo era de difícil acesso para as famílias mais humildes que viviam no

interior (BARBOSA, 2011). Dessa forma, eles se viam forçados a escolher desde

cedo uma profissão, e a escolha pela alfaiataria se dava por ser um trabalho “leve e

limpo”, diferente de outras profissões como o trabalho na roça, de seleiro ou

carpinteiro. Porém, há aqueles que dizem ter feito essa opção por escolha própria,

pelo convívio com alfaiates familiares ou vizinhos, e que inseridos nesse ambiente,

naturalmente, optaram por seguir o ofício.

Porém, percebe-se que o valor do trabalho para esses alfaiates que

ingressaram no ofício por vontade própria tem conotações diferentes daqueles que

sonhavam com outras profissões, mas permaneceram na alfaiataria por escolha dos

pais. Os alfaiates que escolheram a alfaiataria se reconhecem no trabalho que

executam e a compreendem como uma arte, exatamente como Morris defendia no

século XIX, quando invocava os artesãos a fazerem de seu trabalho cotidiano uma

“obra de arte” (ARGAN, 1995).

15http://globotv.globo.com/rede-globo/programa-do-jo/v/mauricio-messias-confecciona-gravatas-ha-20-anos/2239285/

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Um dos alfaiates que ingressou no ofício por livre escolha (BARBOSA, 2011)

cita o Sindicato dos Alfaiates do Rio de Janeiro como o local onde ingressou como

office boy e permaneceu como aprendiz num processo que levou cerca de dez anos

para ser concluído. No entanto, essa é uma das poucas alternativas tradicionais de

formação, o processo de aprendizagem em geral se dava diretamente no local de

trabalho do alfaiate artesão.

Atualmente, no Brasil, há alguns cursos livres. Uma escola de Alfaiataria

intitulada “Projeto Sob Medida” foi criada em 2008 com recursos próprios pela

Associação dos Alfaiates e Camiseiros do Estado de São Paulo, a AACESP, pela

necessidade de profissionalização do setor, seguindo a tradição de países como a

Itália e a Inglaterra.

A alfaiataria italiana é reconhecida pelo “desenvolvimento da moda masculina

europeia, apoiada por uma longa tradição de habilidade de domínio das técnicas de

tecelagem” (CRANE, 2006). Lá está situada a primeira Academia de Alfaiataria, a

Accademia Nazionale Dei Sartori16. Fundada pelo Papa Gregório XIII, no ano 1575,

em Roma, a Academia passou por vários momentos de crise tendo suas atividades

suprimidas em 1801 pelo Papa Pio VII, e seu retorno somente em 1938, mantendo-

se até os dias de hoje.

Lá são formados alfaiates dentro dos rigorosos padrões de qualidade da

alfaiataria italiana, e há notadamente um espírito de admiração e respeito pelo fazer

do alfaiate. Nesta Academia promovem-se concursos anuais tais como:

ManichinoD’oro17 e Forbici D’Oro18 em que os artesãos que melhor ilustram o estilo,

a habilidade, a técnica, a criatividade e o rigor formal da alfaiataria sob medida são

premiados numa forma de incentivar e promover novos talentos. A mesma tradição e

respeito pelo fazer do alfaiate é percebida na Inglaterra, principalmente na rua Savile

Row, principal endereço das alfaiatarias londrinas:

16http://www.accademianazionaledeisartori.it/it/organigramma-elenco-nominativi/scuola-di-taglio.html 17 Manequim de Ouro – concurso voltado para o vestuário feminino. 18 Tesoura de Ouro – concurso voltado para o vestuário masculino, em específico o traje formal de alfaiataria.

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Num mundo em que se considera um estilista superior a um artesão, a Savile Row é um dos últimos bastiões nos quais a produção de uma obra está na mão daquele que a produz de forma artesanal, nomeadamente o alfaiate (ROETZEL, 2010, p. 92).

A Inglaterra também possui lugar de destaque na história da alfaiataria.

Foram os ingleses que, no final do século XIX, com o movimento intitulado

Dandismo, colocaram o alfaiate artesão em evidência, elevando seu status ao

destacar a vestimenta do homem tido como elegante. Mesmo antes desse

movimento, Balzac já reverenciava a alfaiataria inglesa em detrimento da francesa:

Se o costume que defendo necessitar do apoio de alguma autoridade, posso citar como exemplo toda uma nação, a Inglaterra, esse clássico bastião de trajes leves e desforrados. Talvez alguns espíritos tacanhos queiram acusar-me neste ponto de falta de sentido de nacionalidade, ao ir buscar, fora do país, os meus modelos. Mas repudio os ignorantes preconceituosos que fomentam ódios nacionais, não consentindo que imitemos o que é bom, independentemente de sua origem (BALZAC, 2008, p.32).

A história da alfaiataria nos coloca diante do fato de que ela se faz necessária

independente do momento em que atravessa. É um legado secular, dotado de

saberes e aspectos necessários para atender de forma criteriosa aqueles que não

se satisfazem com a oferta massificada da indústria do vestuário.

As técnicas tradicionais e mesmo aquelas desenvolvidas pelos alfaiates

artesãos contemporâneos, são cobiçadas por profissionais da costura em geral e por

estudantes que buscam, por meio de cursos livres ou de graduação um tipo de

formação que não é oferecida no modelo clássico de educação. O momento atual no

mundo do trabalho não mais permite metodologias como as empregadas na

alfaiataria tradicional, fundada na relação mestre-aprendiz, no entanto, ele possibilita

criar mecanismos e estratégias de aprendizagem para que uma nova geração de

alfaiates se desenvolva, com conhecimentos que vão além da técnica, ampliando o

campo de atuação desse profissional. Aquele que hoje se interessa pela alfaiataria

e que busca esse tipo de conhecimento, mesmo informal, geralmente possui

maturidade e capacidade de apreensão das técnicas de forma mais favorável que

em épocas anteriores, em que o ofício era imposto aos jovens na maioria das vezes.

Os conhecimentos necessários para o desenvolvimento da alfaiataria vão além do

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28

produto, abarcando aqueles específicos que incluem o tecido empregado, as

entretelas e outros aviamentos. São conhecimentos amplos de criação, dos

movimentos históricos sociais do vestir, do comportamento, de administração e

marketing, além do próprio traçado de maneira ampla. Este último é considerado um

conhecimento tradicional herdado dos próprios alfaiates artesãos.

Esta pesquisa se justifica, portanto, já que objetiva retomar os saberes

tradicionais do alfaiate e desenvolver um manual de confecção de um paletó como

produto técnico. Ela contribui para criar mecanismos e estratégias para que a

alfaiataria se mantenha como oferta de processos de ensino e aprendizagem no

âmbito das universidades ou fora delas, por meio de grupos de estudo, cursos

regulares ou de extensão, editais de fomento para ações variadas afim de valorizar o

trabalho e os saberes dos alfaiates artesãos. Poderá contribuir ainda, com os cursos

chamados de qualificação, que fazem parte do conjunto de cursos ofertados hoje

pelo PRONATEC denominados cursos de formação inicial e continuada – FICs, uma

vez que a Alfaiataria integra o catálogo de cursos desde 2013.

Contribui, assim, para o desenvolvimento de ações que concorram para

formar uma nova geração de profissionais no segmento da alfaiataria e que preserve

suas características fundamentais. Contribui, ainda, para dar condição aos alfaiates

tradicionais de reconhecerem-se como peças importantes da indústria do sob

medida que contribuíram significativamente para o desenvolvimento das profissões

do vestir. Desta forma, essa pesquisa se apresenta como de interesse para as

políticas de educação profissional e tecnológica, além de valorizar um ofício secular.

Esta dissertação compõe-se de 5 capítulos. O capítulo 1 trata-se de uma

revisão bibliográfica sobre os primeiros registros impressos da alfaiataria seguida por

uma descrição dos processos de ensino aprendizagem nas oficinas e das relações

de trabalho dos alfaiates.

O capítulo 2 aborda a metodologia empregada bem como uma descrição

detalhada dos elementos da investigação. O capítulo 3 traz uma revisão bibliográfica

que constituiu o aporte teórico da pesquisa.

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O capítulo 4 apresenta o relato de pesquisa com a descrição e análise dos

dados empíricos. Nele é descrito todo o processo de confecção do paletó,

entrelaçando os conceitos da ergologia com as ações desenvolvidas pelo alfaiate.

Por fim, o capítulo 5 apresenta o produto técnico configurado no Manual de

confecção do paletó, que traz a sequência detalhada do processo de confecção

como uma proposta de salvaguarda dos saberes do alfaiate.

REFERÊNCIAS

ACCADEMIA NAZIONALE DEI SARTORI. Acessado em 28.10.2013 http://www.accademianazionaledeisartori.it/it/organigramma-elenco-nominativi/scuola-di-taglio.html.

ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna: do Iluminismo aos movimentos contemporâneos. São Paulo: Cia das Letras, 1995.

BALZAC, Honoré. Do vestir e do comer: algumas notas… Lisboa: Padrões Culturais Editora: 2008.

BARBOSA, Juliana. Alfaiataria Masculina: Novas tendências em tecnologia de confecção. BITIB/FAPEMIG, Belo Horizonte, 2011. BAUMAN, Zygmunt, 1925. Vida para consumo: A transformação das pessoas em mercadoria. Tradução Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.

CABRERA, Roberto, MEYERS, Patrícia. Classic Tailoring Techiniques. Fairchild Publications: New York, 2010. CRANE, Diana. A Moda e seu Papel Social: Classe, gênero e identidade das roupas. São Paulo: Editora Senac, 2006. HOPKINS, John. Moda Masculina. Porto Alegre: Bookman, 2013; JUNIOR, Carnicelli. Methodo de Corte Completo. Rio de Janeiro: Cia Brasil

Editora, 1937. LIBERTY, J. E. Pratical Tailoring: The art and craft simply explained for the student and apprentice. London: Great Britain, 1933.

ROETZEL, Bernhard. O Gentleman. Livro da Moda clássica masculina. Potsdam,

Alemanha: H.F. Ullmann, 2010.

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30

ROSA, Estefania. Alfaiataria: Modelagem Plana Masculina. Distrito Federal:

Editora Senac, 2008. SANTOS, Valéria; CORDOVA, Dayana Zdebsky de; STOIEV, Fabiano; MACHADO, João Castelo Branco. 2009. Alfaiatarias em Curitiba. Curitiba: Edição dos Autores,

2009. SENNETT, Richard; tradução de Clóvis Marques. O Artíficie. Rio de Janeiro: Record, 2009. SCHWARTZ, Ives. Entrevista concedida à UNISINOS – Universidade do Vae dos

Sinos, São Leopoldo RS. Acessado em 01.11.2013: http://www.rts.org.br/entrevistas/yves-schwartz-diretor-cientifico-do-departamento-de-ergologia-da-universidade-de-provenca-franca.

TRINCA, Tatiane Pacanaro. O corpo-imagem na “cultura do consumo”: uma análise histórico-social sobre a supremacia da aparência no capitalismo avançado. UNESP – Dissertação de Mestrado, Marília, 2008.

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2. A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA ALFAIATARIA: UMA REVISÃO

BIBLIOGRÁFICA ACERCA DAS PUBLICAÇÕES, DO TRAJE, DAS

METODOLOGIAS DE ENSINO E DAS RELAÇÕES DE TRABALHO

Juliana Barbosa19

Eloisa Helena Santos20

Resumo

Este artigo tem origem em uma pesquisa que buscou conhecer os saberes tradicionais do alfaiate bem como as dificuldades que incidem sobre a preservação desses saberes e sobre a sua transmissão. Uma revisão bibliográfica e uma pesquisa de campo compuseram a metodologia qualitativa adotada. Seus resultados forneceram subsídios para a produção de um manual de confecção do paletó, além de elementos para a elaboração de proposta de cursos de alfaiataria. O presente artigo objetiva apresentar resultados da revisão bibliográfica empreendida e que tratou do desenvolvimento histórico da alfaiataria. Ele se constitui dos primeiros registros impressos da alfaiataria, da evolução do traje masculino, da alfaiataria artesanal e do prêt-à-porter, da hierarquia nas oficinas e das relações de trabalho, do processo de ensino e aprendizagem na alfaiataria e dos desafios da alfaiataria artesanal no século XXI.

Palavras-chave: Alfaiataria artesanal. Saberes tradicionais do alfaiate Processo de

ensino-aprendizagem na alfaiataria. Relações de trabalho na alfaiataria.

Abstract

This paper comes from a survey of a research that aimed to know the traditional knowledge of the tailor as well as the difficulties that focus on the preservation of this knowledge and on their transmission. A literature review and a field research formed the qualitative methodology adopted. Their results provided input to the production of a jacket making manual, in addition to elements for the elaboration of proposed tailoring courses. This paper presents results of the literature review undertaken and dealt with the history of tailoring development. It is the first printed records of tailoring, the evolution of male costume, artisanal tailoring and ready-to-wear, the hierarchy in the ateliers and working relationships, teaching and learning process in tailoring and the challenges of handmade tailoring in the 21st Century.

19 Mestranda do Programa de Mestrado Profissional em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universitário UNA. 20 Orientadora e Professora Doutora do Programa de Mestrado Profissional em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universitário UNA.

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Keywords: Handmade Tailoring. Tailor’s Traditional Knowledge. Teaching-Learning

Processes in Tailoring. Labor Relations in Tailoring. INTRODUÇÃO

A alfaiataria é um ofício secular, particularmente dotado de técnicas e saberes

perpetuados pelos alfaiates de maneira singular na hierarquia de suas organizações,

na particularidade da metodologia de ensino empregada e por meio de suas

práticas.

O objetivo deste artigo é a descrição do desenvolvimento da alfaiataria desde

a primeira publicação datada no ano de 1589, com perspectiva de releitura dos

traçados além da possibilidade de elaboração de material didático que comtemple a

prática do alfaiate. A evolução dos sistemas de produção prêt-à-pôrter21 e suas

implicações, bem como a evolução do traje masculino também serão abordadas

estabelecendo uma relação direta com a história do alfaiate na sociedade.

Será abordada ainda a hierarquia dentro das oficinas desde as guildas e o

sistema de ensino na relação mestre aprendiz, relação essa responsável por manter

o ofício por meio de inúmeras gerações, seja na condição de pai para filho ou por

meio de acordos estabelecidos entre as famílias dos aprendizes e mestres.

Tal descrição se faz necessária para compreendermos as fortes mudanças

pelas quais atravessa a alfaiataria artesanal, e a necessidade de repensarmos

novas estratégias e possibilidades de continuidade do ofício por meio de novas

metodologias de ensino ou publicações capazes de abarcar o conhecimento destes

profissionais, elevando ao nível de conhecimento formal um conhecimento tácito e

empírico descrito e ensinado por meio da demonstração e da observação apenas.

Portanto, este estudo objetiva conhecer o material disponível acerca do tema,

a evolução da alfaiataria no contexto sócio econômico no que se refere às suas

organizações e sua representatividade no âmbito do universo masculino do vestir

bem como compreender os processos de ensino aprendizagem através do tempo,

21 Termo francês: se refere à roupa “pronta para vestir”.

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33

no ensejo de criar condições para que ela se mantenha respeitando as técnicas

artesanais e os saberes tradicionais dos alfaiates.

2.1 OS PRIMEIROS REGISTROS IMPRESSOS DA ALFAIATARIA

A alfaiataria artesanal é um ofício secular e um dos primeiros registros

encontrados data do reinado de Henrique I (1100-1135), em que o rei concedia

direitos e privilégios aos alfaiates de Oxford (PIRENNE, 1973).

Com relação aos métodos utilizados pelos alfaiates, no ano de 1589 surgiu a

primeira referência bibliográfica sobre o tema publicada pelo alfaiate espanhol Juan

de Alcega, o primeiro livro de traçados em modelagem masculina na história

intitulado o “Libro de Geometri pratica y Traça” (JUNIOR, 1937).

FIGURA 1: POSICIONAMENTO DE MOLDES DE UM TRAÇADO22 Fonte: http://www.wdl.org/pt/item/7333/

22 Tradução livre da autora: Jubon de seda com manga aberta. Para cortar este jubon de seda para homem, é necessário dobrar a metade da seda sobre a outra metade, fazendo a parte de trás, e da parte de nossa mão esquerda, se cortarão as costas deste jubon, e logo pelas bordas da seda se cortarão os quartos dianteiros, e sobre os quartos se cortarão as mangas do pé à cabeça, e da seda que se dá a largura se encontrarão peças dos quartos dianteiros, e da seda que resta, se cortarão golas, e dos meios fazem os demais recados necessários para este jubon. Deve-se advertir, que a manga que está sobre o quarto dianteiro possui cava e pedaços das partes de dentro, e se este jubon vier a ser pespontado, se cortará mais largo que a medida, porque há pespontadeiras que encolhem três dedos de largura um jubon em seu pesponto, e portanto se considere essa advertência de cortar mais largo o que possa encolher com o pesponto.”

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34

Esse livro está disponível na Biblioteca Digital Mundial, e traz um apanhado

de 135 traçados distribuídos em 190 páginas. Em seu livro, Juan de Alcega sugere

indicações de encaixe, número de partes a cortar, além de códigos que indicam

valores a serem executados. Esses valores dizem respeito a uma espécie de tabela

de medidas que eram aplicadas a fim de se obter o valor total do tecido a ser

empregado, uma vez que havia na época até quatorze possibilidades de larguras de

tecido (ver figura 02).

FIGURA 2: INDICAÇÃO DE VALORES A SEREM APLICADOS

Fonte: http://www.wdl.org/pt/item/7333/

A “vara de medir” descrita no livro de Alcega, diz respeito a um valor de

medida usado em Castela23. E utilizando frações, classifica-os de modo que

qualquer alfaiate poderia “pedir corretamente o traje, a seda ou outro tecido

necessário para confeccionar roupas masculinas e femininas sem qualquer

desperdício ou falta de pano”24.

Seguindo o modelo de Alcega, no ano de 1618 em Madri, foi publicado o

segundo livro de alfaiataria intitulado Geometria Y Traça, do também espanhol

Francisco de La Rocha de Burguen. Ambas publicações tinham como objetivo

principal mostrar como colocar as modelagens da forma mais vantajosa no tecido de

acordo com a sua largura, além apresentar uma constante preocupação com os

desejos do cliente,

O alfaiate que deseja cortar bem suas roupas, seja para um homem ou para uma mulher, deve tomar medidas cuidadosas de seus clientes. Ele também é avisado dos caprichos dos referidos clientes, que muitas vezes quando um vestuário está sendo cortado pede para

23 Reino de Castela, região histórica da Espanha. 24 Biblioteca Digital Mundial.

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35

ele ser feito dois ou três centímetros mais curto e mais estreito, e quando a peça de vestuário está feita, quer mais comprida e larga, o que significa que muitas peças de vestuário são desperdiçadas, e o alfaiate deve permitir isso (WAUGH, 1985, p.35).

Apesar das muitas recomendações acerca do corte e do aproveitamento do

tecido, as publicações não traziam variações de estilo nem instruções técnicas, e a

montagem das peças não era mencionada (WAUGH, 1985).

A primeira publicação francesa surgiu no ano de 1671 intitulada Le Tailleur

Sincère, de Le Sieur Benist Boullay. Como as anteriores espanholas, orientava como

cortar todas as peças de ternos masculinos e a quantidade de material que cada um

exigia, sem ainda fazer nenhuma menção à montagem das peças (WAUGH, 1985).

De acordo com WAUGH, o primeiro tratado “realmente sério” sobre a arte da

alfaiataria, L’Art du Tailleur, foi escrito por François Alexandre de Garsault e

publicado pela Académie Royale des Sciences de Paris, em 1769 (ver figura 03).

FIGURA 3: DIAGRAMA DA MODELAGEM DE UM DOUBLET E SEQUÊNCIA DE PONTOS

Fonte: Art du Tailleur. François Alexandre Garsault, 176925

25 Versão impressa disponibilizada pela Bibliothèque Nationale de France, e acesso online na página http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k108876j.r=garsault.langPT

Page 36: Barbosa, Juliana. PRESERVAÇÃO DOS SABERES TRADICIONAIS

36

Ele descrevia os traços de um casaco desde a tomada de medidas até a

apresentação detalhada de como realizar os pontos utilizados na confecção e no

acabamento, o método de prensagem, os instrumentos necessários, etc. Ainda não

há algum tipo de orientação com relação à montagem, mesmo que, segundo a

autora, Garsault dê instruções sobre a confecção de corsets que até então era de

domínio dos alfaiates (WAUGH, 1985).

As publicações do período eram reflexo do momento em que os alfaiates

viviam. Eles gozavam de uma sólida reputação, pois eram os responsáveis por

confeccionar os trajes tanto femininos quanto masculinos (ROCHE, 2007). Nesse

contexto, os alfaiates exerciam forte representação social e política, e se

organizavam por meio das guildas26 (PIRENNE, 1973), as quais representavam e

garantiam a proteção econômica necessária à classe, por meio de normas rígidas

acerca do exercício do ofício. Segundo Roche,

O ápice da hierarquia dos alfaiates era constituído de quatro oficiais ajuramentados, pelo prazo de dois anos, por todos os mestres e pelos antigos mestres ajuramentados, os bacharéis. Assistidos por dezesseis jovens mestres, de “toga e borla”, eles visitavam lojas e oficinas. Nomeados na presença do procurador do rei, no Châtelet, os alfaiates ajuramentados encarnavam o ideal do governo como bons pais de família das comunidades antigas, uma emancipação do poder real, uma forma de primazia intelectual (eles tinham de saber ler e escrever “na medida do necessário”) e técnica, em suma, representavam a autoridade, embora temporária e transitória. Eles supervisionavam o ofício, mantinham a disciplina e asseguravam a coesão, especialmente as condições de seu exercício. (ROCHE, 2007, p.303).

Até o século XIV os alfaiates eram especializados em segmentos específicos

do vestuário em que se destacavam as guildas dos Doubletiers27, Chaussetiers28 e

Pourpontiers29 (WAUGH, 1985). Somente “em 1588 todas as guildas foram

unificadas e tornaram-se o Les Maîtres Tailleurs d’Habits30, quando então a guilda

dos alfaiates obteve a permissão para fazer todo tipo de roupa usada por homens e

26 As guildas também eram conhecidas como corporações de ofício. 27 Mestres alfaiates especializados em produzir o doublet, uma espécie de casaco abotoado acolchoado, usado desde a idade média até meados do século 17; 28 Mestres alfaiates especializados na produção de meias que deram origem as calças ajustadas; 29 Mestres alfaiates especializados na produção do pourpoint, uma espécie de camisa de manga comprida usada por baixo das armaduras, fortemente acolchoada em pontos específicos para evitar possíveis cortes provocados pela armadura, protegendo desta forma a pele. 30 Mestres Alfaiates do Vestuário.

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37

mulheres” (WAUGH, 1985). A partir desse ano, durante um século, os alfaiates

controlaram a confecção de vestimentas e administraram todos os ofícios ligados ao

vestuário (ROCHE, 2007).

Desde a formação inicial, as guildas foram as responsáveis por estabelecer

um padrão de hierarquia definida, constituída de mestres, oficiais31 e aprendizes.

Pirenne descreve o modelo de organização da idade média que ainda se mantém

em muitos aspectos definindo as relações de trabalho das oficinas.

Os membros de toda corporação dividem-se em categorias subordinadas umas às outras: os mestres, os aprendizes e os companheiros (oficiais ou jornaleiros). Os mestres formam a classe dominante de quem dependem as outras duas. São pequenos chefes de oficinas, proprietários da matéria-prima e das ferramentas. Pertencem-lhes os produtos fabricados e portanto, todos os lucros da venda ficam em suas mãos. Ao seu lado, os aprendizes iniciam-se no ofício sob a sua direção, uma vez que ninguém pode ser admitido no exercício da profissão sem garantia de capacidade. Os companheiros, enfim, são trabalhadores assalariados que terminaram o aprendizado, porém não puderam ainda elevar-se à categoria de mestre (PIRENNE, 1973, p.192).

As guildas, ou ainda os Cavaleiros da Agulha, constituíam uma organização

que, de acordo com Thompson, eram “extremamente poderosos, ao menos até a

recessão de 1823” (THOMPSON 1985, p.99). Eram esses cavaleiros os

responsáveis por fiscalizar e regulamentar o ingresso dos alfaiates de acordo com

as normas impostas. O domínio do corte e da costura era exigido ao ponto de ser

previsto em seus regulamentos indenizações aos clientes descontentes. As guildas

zelavam pelo interesse do cliente a todo tempo, garantindo a excelência do trabalho

ofertado.

Para demonstrar domínio do ofício, os alfaiates tinham de saber cortar e costurar sem danos ou erro (os estatutos previam indenizações a clientes insatisfeitos), de acordo com as normas. Os mestres eram então obrigados a fazer ternos e trajes, capotes e casacões militares sob encomenda, que devem ter caimento impecável, ser bem talhados e revestidos de boas fazendas, sob pena de confisco da roupa e de uma multa de dois écus32 (ROCHE, 2003, p. 304).

31 Oficiais, companheiros ou jornaleiros são os nomes atribuídos por diferentes autores aos alfaiates especialistas em determinada peça tais como: calceiro, camiseiro, coleteiro, buteiro (consertos), proveiro (frente do paletó) e acabador (manga e gola do paletó). 32 Dez dias de salário por volta do ano de 1700.

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38

Ainda de acordo com Hollander, “as guildas de alfaiates tinham tanta

importância quanto as outras instituições artesanais e profissionais e, como elas,

eram totalmente masculinas” (HOLLANDER, 2003 p. 89). Contudo, existiam

costureiras profissionais que eram empregadas pelos alfaiates, e a elas cabiam

tarefas de costura, ornamentação e acabamentos da roupa. “As mulheres nunca

eram alfaiates, ou treinadas para criar estilo, corte e acabamento..., mas eram

reconhecidamente especialistas no trabalho de costura fina” (HOLLANDER, 2003, p.

89).

Somente em 1675 as mulheres conquistaram o direito de trabalhar de

maneira autônoma. Nesse ano, o governo real parisiense concedeu-lhes o direito de

formar sua própria guilda garantindo-lhes o status quo perante a sociedade. A

confecção das roupas por pessoas do mesmo sexo garantia a decência e a

modéstia das mulheres e moças (ROCHE, 2007).

Tanto para os alfaiates como para as costureiras, agora devidamente

registradas e reconhecidas por meio das guildas não havia um tipo de padrão de

medidas que os orientassem. Essa padronização só ocorreu a partir de 1830 quando

o alfaiate francês Guglielmo Compaign pioneiro da antropometria moderna,

estabeleceu critérios e técnicas de mensuração do corpo humano,

Seu trabalho constituiu na elaboração de um quadro comparativo das idades e seu crescimento, onde encontramos as transformações graduais do corpo humano, desde o nascimento até a velhice. Compaign mostrou como as partes crescem proporcionalmente entre si. Sua obra “Arte da Alfaiataria” publicada em 1830, permitiu estabelecer o princípio das graduações (SOUZA, 1997, p. 48).

Até esse momento, para o registro das medidas, os alfaiates utilizavam uma

fita de papel ou ainda de couro marroquino para cada um de seus clientes. Em cada

uma das fitas escreviam o nome, as observações necessárias e assinalavam os

valores por meio de piques de tesoura, porém, essas fitas apresentavam o

inconveniente de enrolar, enrugar ou ainda apagar facilmente as anotações que

eram registradas (ORMEN, 2011).

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Para cada cliente, os alfaiates mantinham uma única fita métrica com seu nome inscrito nela, marcada com indicações denotando o comprimento de seu antebraço, o diâmetro de seu pescoço, a largura de seus ombros ou o que quer que fosse necessário para o feitio de sua roupa. O traje do cliente seria cortado de modo apropriado, alterando-se um padrão muito geral para coincidir com as indicações da fita individual (HOLLANDER, 2003, p.133).

De acordo com NORTH e TIRAMANI, essas fitas eram mantidas e atualizadas

para a confecção de novas peças de vestuário, bem como para alterar as já

existentes (NORTH, TIRAMANI, 2011).

Foi então que no ano de 1847, o alfaiate francês Alexis Lavigne criou a fita

métrica tal qual é conhecida hoje, produzida com material à prova d’água e com

qualidade na impressão que garantiria a sua durabilidade bem como não haveria

desgaste dos números aplicados (ORMEN, 2011). Com a criação da fita métrica o

processo de tomada de medidas foi facilitado e ela tornou-se um acessório vital dos

alfaiates e costureiras nas oficinas do início do século XIX substituindo as fitas

individuais usadas até então (ORMEN, 2011). Avanços que permitiram a evolução

do ofício em concordância com a evolução da indumentária masculina.

2.2 A EVOLUÇÃO DO TRAJE MASCULINO

Segundo Hollander (2003), o traje masculino civil padrão em todo o mundo

constitui-se de paletó, calças, coletes, sobretudos, camisas e gravatas originárias do

período neoclássico. Esse traje colocou um selo definitivo de desaprovação nas

roupas espalhafatosas usadas até então e se firmou como padrão para os homens

sérios de qualquer classe. Isto se deu graças ao poder de permanência da alfaiataria

masculina, com autoridade própria e força simbólica que permitiram sua

autoperpetuação.

Bastante diverso (do itinerário do vestuário feminino) é o itinerário percorrido pela indumentária masculina. Em vez de estar sujeito a ciclos, a um ritmo estético de expansão de um determinado elemento decorativo levado ao limite máximo (as mangas crescendo até a aberração de 1830, a saia se alargando até a crinolina, a anquinha se

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40

acentuando até o excesso de meados do decênio de 80) a roupa masculina se simplifica progressivamente, tendendo a cristalizar-se num uniforme (MELLO e SOUZA, 2009, p. 64).

Essa maneira de vestir consolidou-se no século XIX com o movimento do

Dandismo33, que na figura de George Beau Brumell encontrou seu principal

representante. O inglês Beau Brumell, conhecido como o Dândi (D’AUREVILLY

2009) corporificava um novo “tipo de herói” feito pela alfaiataria, em que o heroísmo

de um homem era ser simplesmente ele mesmo (HOOLANDER, 2003).

Brummell provou que o ser superior essencial não era mais um nobre

hereditário. Sua excelência era inteiramente pessoal, sem o apoio de

brasões heráldicos, salões ancestrais, vastas extensões de terra [...]

Sua roupa tinha de ser perfeita apenas em sua integridade de ser

feita por um alfaiate, isto é, apenas na forma, sem a sobrecarga de

quaisquer indícios superficiais do valor atribuído ao nível social

(HOLLANDER, 2003, p.119).

Para Hollander (2003), as técnicas de alfaiataria possibilitaram a execução

dos trajes utilizados pelos dândis, com linhas ajustadas ao corpo, e que

evidenciavam a forma simples e o corte cuidadoso, “o nível social do homem ou

mesmo seus feitos são irrelevantes quando confrontados com o fino corte de seu

casaco simples; apenas suas qualidades pessoais mostram-se importantes”

(HOLLANDER, 2003, p.120).

Por volta de 1810, as novas técnicas da alfaiataria já haviam produzido um casaco esculpido sem adornos, um invólucro solto para a parte superior do corpo masculino, sutilmente cortado em tecido fosco e confeccionado com costuras muito visíveis. A textura essencial e a confecção, e não a riqueza superficial criaram o seu interesse estético. Esta era uma ideia muito moderna, e era possível apenas na antiga tradição de alfaiataria com base no uso de lã (HOLLANDER, 2003, p. 116).

33 O Dandismo foi um movimento inglês no final do século XVIII que primava pelo corte da roupa e que retirava a suntuosidade dos trajes masculinos; o oposto, o simples é que era verdadeiro. Os alfaiates ingleses com habilidades superiores aos alfaiates franceses, tinham maior facilidade em trabalhar tecidos como casimira, que diferente da seda e de outros tecidos finos, eram fáceis de serem moldados e trabalhados, conferindo melhor acabamento às roupas.

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41

Segundo a autora, as formas simples do vestir masculino tidas como

modernas no século XIX traziam uma mensagem de “honradez severa, e a

confecção de roupas sob medida passou a depender do corte sutil e da textura fina

de seus tecidos discretos, mais ainda do que do feitio” (HOLLANDER, 2003, p. 139).

A lã, tecido comum desde a antiguidade, já estava estabelecida na Inglaterra

através de uma produção altamente desenvolvida e estruturada. Conforme Wilson

(1985), ela tornou-se um tecido habilmente adotado pelos alfaiates ingleses e após a

revolução industrial deixou de ser usado pelas classes mais humildes e se estendeu

“aos estratos mais altos da sociedade, para o traje formal, pelo menos para o traje

masculino” (WILSON, 1985, p.96). Por suas características flexíveis e elásticas,

dava aos alfaiates condições de adaptá-la ao corpo proporcionando caimento e

cortes exatos como se demandava.

Sob a influência do vapor, da pressão e da manipulação cuidadosa, para não dizer nada do corte criativo, a lã podia ser esticada, encolhida e encurvada, obediente à vontade do alfaiate, para acompanhar as formas e os movimentos do corpo do usuário sem formar volumes ou rugas (HOLLANDER, 2003 p.116).

Hollander (2003) destaca que a forma simples imposta pelos dândis,

evidenciada pelo corte e o emprego dos tecidos, era consequência do retorno ao

natural e às formas simples que o neoclassicismo impunha. A utilidade e a graça da

roupa eram fundidas e evidenciadas simultaneamente, sendo “os alfaiates

masculinos da Inglaterra os primeiros a colocar isto em prática, exatamente como os

arquitetos, e as costureiras da França” (HOLLANDER, 2003, p. 113).

Os alfaiates da Inglaterra tentaram, em essência, o mesmo tipo de remodelamento; e eles também tinham uma tradição inglesa de simplicidade por trás, em contraste com os modos mais agitados da França e da Itália [...] Como as casas e os móveis, o novo traje masculino baseava-se nos princípios modernos do ofício e ideais antigos. A moda masculina utilizou de modo tão flexível as velhas maneiras de vestir que estas se sentiam liberadas e não presas no tempo [...] Os designers neoclássicos de roupas e de mobiliário doméstico ativeram-se desta maneira ao sentido primordial da palavra “original”, que significava um uso novo e criativo de fontes antigas (HOLLANDER, 2003, p. 132).

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Ainda de acordo com HOLLANDER (2003), os casacos em lã eram originários

do “grosseiro casaco campestre” inglês e davam destaque ao corpo do homem

agora evidenciado. As costuras e as tramas aparentes do tecido faziam o vestuário

parecer honesto bem como o homem que o vestia.

Agora as proporções nobres de sua forma viril, criada somente pela utilização rigorosa de materiais naturais, parecia dar-lhe uma força moral individual com base na virtude também natural, uma integridade que floresce em pureza estética sem artifícios, e o faz portador de opiniões francas e modernas e de um sentimento cândido natural (HOLLANDER, 2003, p.119).

Para a autora, desde o século XV a evolução do traje masculino sofreu

importantes alterações que o libertaram dos excessos, brilhos e adornos. No seu

modo de ver, o período neoclássico estabeleceu um padrão que permanece há

quase dois séculos e que constitui sua maior contribuição à história do traje,

considerando esse um padrão revela um ideal manifesto na vida contínua dos trajes

confeccionados no estilo alfaiataria entre homens e mulheres do mundo moderno.

(HOLLANDER, 2003).

2.3 A ALFAIATAARIA ARTESANAL E O PRÊT-À-PÔRTER

A evolução do traje masculino diz respeito também à evolução da indústria do

vestuário. Os avanços tecnológicos extinguiram profissões e permitiram que outras

evoluíssem (CERQUEIRA, 1999), ou ainda, coexistissem de forma paralela. De

acordo com KAKITA (2014) há na produção do vestuário masculino “duas

abordagens da mesma forma como ocorre com as oficinas de alta costura,

separando suas unidades de produção em duas áreas” (KAKITA, 2014, p.16). No

caso da alfaiataria, podem-se observar a coexistência de dois segmentos: a

alfaiataria artesanal e a alfaiataria prêt-à-porter.

A indústria do prêt-à-porter pôde ser implementada graças aos próprios

alfaiates que dominavam as técnicas de confecção do vestuário, adotadas por

varejistas para a confecção de roupas em massa (ORMEN, 2011). A própria

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43

introdução da máquina de costura que impulsionou a produção de roupas prontas se

deu primeiramente nas alfaiatarias, mais do que na própria indústria (AVELAR,

2011).

Ainda segundo Avelar, a roupa pronta para vestir apresentou um forte

crescimento após a segunda guerra mundial, com a economia estabilizada e um

aumento da população que demandava por mais produtos. As lojas de

departamentos criadas na primeira metade do século XIX criavam estratégias de

vendas variando proporcionalmente o valor das peças de acordo com o grau de

trabalho e com os materiais envolvidos em sua fabricação (AVELAR, 2011).

A mudança na concepção do vestuário, tanto masculino quanto feminino,

contribuía significativamente, impulsionando a produção que se tornava menos

complicada e dessa forma não necessitava de mão de obra especializada como a

dos alfaiates e costureiras da Haute Couture. De acordo com Avelar,

A idéia de produzir roupa em duas peças contribuiu muito para a formação do prêt-à-pôrter, que se consumaria bem mais tarde. Mesmo que a técnica não fosse muito alterada, a concepção de uma saia era mais fácil do que a de um vestido inteiro. Além disso, envolvia menos tempo e, consequentemente, dispensava a participação de um (a) operário (a) mais experiente. Assim, a busca por lugares com mão de obra abundante (e não mais especializada) acontece desde o final da Segunda Guerra Mundial, no intuito de baratear ainda mais os artigos produzidos (AVELAR, 2011, p.65).

A alfaiataria artesanal, por sua vez, é formada por mão de obra altamente

especializada. A alfaiataria artesanal apresenta-se ao universo masculino assim

como a Alta Costura34 se apresenta ao universo feminino35 (HOPKINS, 2013). De

acordo com ROCHE, ela “representa o monopólio masculino na esfera do vestuário,

uma herança do antigo passado medieval e do começo da Idade Moderna”

(ROCHE, 2007, p.302).

34 Termo francês, regido pela Câmara da Alta Costura de Paris (1868). É ela quem determina quais grifes podem usar o termo Haute Couture. 35 A Haute Couture é para o universo feminino o que há de mais sofisticado no vestuário. Algumas criações são consideradas obras de arte assinadas por grandes criadores, e que hoje encontram-se expostas em mostras permanentes e temporárias, ou em museus de arte do mundo todo tal a importância dessas peças para a evolução da indumentária feminina.

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A alfaiataria tem como objetivo principal a confecção de roupas sob medida,

sobretudo masculinas, tais como gravatas, casacas, camisas, e principalmente o

terno, costume ou fato36. Em 1930 o terno “consistia em três peças, ou seja, as

calças, o casaco e o colete. Hoje em dia, a composição é, em regra, só de duas

peças, nomeadamente o casaco e as calças, o colete desaparece gradualmente”

(ROETZEL, 2010, p.91).

Todas essas peças, quando produzidas no rigor da alfaiataria artesanal,

comparam-se à alta costura pelos acabamentos utilizados, pela qualidade dos

tecidos e aviamentos empregados, além do fato de não ser uma roupa padronizada,

atendendo as particularidades do corpo que as vestirá. Apesar de constituir o

mesmo ofício, costura e confecção em ambos os setores - alfaiataria ou alta costura,

são distintas e claramente descritas por Grumbach:

A primeira (alta costura) veste as mulheres sob medida, ao passo que a segunda (prêt-à-pôrter) se dirige à sra. Todo Mundo. Embora na origem os dois ofícios sejam aparentemente um só, a confecção (indústria), mais dinâmica, assume o risco da estocagem ao produzir de antemão modelos segundo medidas ditadas pela experiência e passíveis de serem oferecidos a preços mais acessíveis... Uma procura enfatizar o luxo e o savoir-faire que se exige dela exaltando a criatividade, ao passo que a outra se padroniza a fim de tornar-se mais competitiva (GRUMBACH, 2009, p.33).

A indústria do vestuário prêt-à-porter, diferente do traje customizado da

alfaiataria artesanal, desenvolveu-se de tal maneira que hoje é possível encontrar

trajes de alfaiataria em larga escala a um preço acessível. Porém, mesmo esses

trajes não se equiparam àqueles desenvolvidos pela alfaiataria artesanal, não

apenas no fazer manual como também na elaboração e criação dos traçados.

Uma das características distintivas essenciais entre o vestuário feito à medida (alfaiataria artesanal) e a confecção (prêt-à-porter) consiste na criação pelo alfaiate de um molde de corte individual, em oposição à utilização de um corte padrão do pronto-a-vestir. Para além do mais, o método de criação é um critério essencial, isto é, o trabalho manual no caso, do alfaiate, em oposição à produção mecanizada na indústria (ROETZEL, 2007, p.109).

36 Traje masculino composto por duas peças: Paletó e calça.

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A alfaiataria artesanal quando examinada em seus detalhes tais como a

modelagem, o corte e a montagem das peças, é classificada, de acordo com Waugh

(1985) como uma arte altamente qualificada:

É a mais pessoal e essencial de todas as artes aplicadas, pois o artista que cria usando roupa, seda e outros materiais tem sempre de lidar com o elemento humano para a formação bem como para a visualização de sua arte. É uma arte que é ainda mais complicada pelo fato de, além de ser incômodo em termos de forma o seu modelo nunca é estático e o produto acabado. O que deverá parecer de forma agradável e elegante para um espectador, também deve ser flexível e confortável para o usuário ao mover-se (WAUGH, 1985, p. 34)37.

Para Waugh (1985), a qualidade da peça desenvolvida pelo alfaiate é

assegurada desde a tomada de medidas, momento em que o corpo é

cuidadosamente avaliado. Nessa etapa o alfaiate observa e toma nota de todos os

detalhes físicos de seu cliente, tais como ombros altos ou inclinados, forma e

tamanho do estômago, peito de pombo38 etc. “Se o cliente tem algum defeito físico,

deve notar-se, de modo a ser habilmente disfarçado com endurecimento adicional39,

preenchimento, etc” (WAUGH, 1985, p.86).

Roetzel (2010) realça que após a finalização da tomada de medidas, o

trabalho do alfaiate artesanal passa pela elaboração da modelagem. Essa é

executada em papel apropriado, diretamente no tecido ou em tela de teste

específica40 até a primeira prova, que ocorre com o mínimo de alguns dias de acordo

com o tempo do alfaiate. A entrega da peça encomendada só é realizada depois de

um prazo que leva em torno de seis a oito semanas, variando de acordo com o

alfaiate, mas não sem atender o desejo e o gosto individual de modo perfeito.

37 Tradução livre da autora no trecho: It is the most personal and essential of all the applied arts because the artist who creates using cloth, silk and other materials as his medium has Always to contend with the human elemento for the shaping, as well as for the display, of his art. It is na art that is further complicated by the fact that as well as being awkward in shape his model is never static, and the finished product, which should appear pleasing and elegante to a beholder, must also be flexible and comfortable for the wearer to move in. 38 Nome popular dado a um tipo de deformidade congênita da parede toráxica em que há uma proeminência do peito. 39 Reforços internos em que entretelas sobrepostas são utilizadas, além de mantas e pastas de algodão. 40 As telas de teste são realizadas normalmente em tecido de algodão crú.

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No entanto, há que se destacar que a roupa prêt-à-porter se desenvolveu de

forma satisfatória graças ao resultado do investimento em criação de esquemas

novos de medida, elaborados por “alfaiates habilidosos e experientes para a criação

de padrões variáveis que tornariam as roupas prontas para o uso bem-feitas e

desejáveis” (HOLLANDER, 2003, p.136).

Estas roupas foram as primeiras roupas prontas para o uso realmente similares àquelas usadas nos níveis mais altos da moda. Elas eram uma possibilidade porque o alto nível da habilidade da alfaiataria elegante havia passado para a sua concepção e design, um design, na origem, concebido exatamente para a variedade que a produção de roupas prontas exigia. Pela primeira vez a roupa comum foi realmente elevada ao patamar da elegância, e não condenada a ser uma versão inferior de uma coisa fina e inatingível, ou acima de tudo, algo de aparência inferior. Durante dois séculos, as roupas prontas masculinas haviam sido coisas irremediavelmente humildes, constituídas principalmente de calças destituídas de feitio, camisas e jaquetas para trabalhadores e marinheiros; agora elas revitalizam com as roupas festivas das altas classes (HOLLANDER, 2003, p.137).

Dessa forma, a alfaiataria prêt-à-porter transformou o traje comum, porém de

qualidade inferior, “no terno formal usado em todas as ocasiões pelos homens deste

século, qualquer que seja sua classe ou ocupação”, e principalmente depois da

segunda guerra, quando o traje sob medida ficou ainda mais custoso, “os cidadãos

comuns naturalmente continuaram a vestir versões produzidas em massa e de todos

os preços” (HOLLANDER, 2003, p.140).

Essas versões “produzidas em massa e de todos os preços” traduzem os

apelos do consumismo imposto pela cultura do século XX, em contraponto ao

artesanal produzido pelo alfaiate desde o século XVIII. Como atesta ALBERONI, o

fato burguês oitocentista confeccionado por um alfaiate, era confeccionado por um

“tecido escolhido com os maiores cuidados e devia durar muito, muito tempo, como

a casa, como a empresa que se devia transmitir aos filhos” (ALBERONI, 1989, p.58).

Cada qual com seus apelos, ambas as alfaiatarias possuem condições de

manterem-se harmoniosamente com o seu respectivo público. A alfaiataria artesanal

e sua tradição também permanecem para atender a um público que preza pela

qualidade e que compreende o quão valorosa é sua arte. Bem como por ser uma

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47

importante referência para a indústria do prêt-à-porter, que busca a todo tempo a

aparência de um terno sob medida.

Ternos excelentes prontos para ser usados estão sendo vendidos em grande número em todas as cidades importantes e a confecção sob medida primorosa não está em absoluto morta. Na verdade, ela ainda fornece o padrão para a indústria do vestuário prêt-à-porter, de modo que os vendedores de roupa assegurar-lhe-ão que seu produto é indistinguível dos exemplares feitos sob medida, exceto se forem examinados de muito perto (HOLLANDER, 2003, p.147).

2.4 A HIERARQUIA DAS OFICINAS E AS RELAÇÕES DE TRABALHO

As regras impostas pelas guildas que regulamentavam as condições de

ingresso no ofício, bem como a hierarquia das organizações, demonstravam o

caminho que o aprendiz de alfaiate percorreria até alcançar o título de mestre dentro

das oficinas.

Dez mestres admitidos por ano, não incluindo os filhos de mestres; três anos de aprendizado e outros tantos na condição de jornaleiro; uma obra prima obrigatória, podendo ser substituída no caso de meninos nascidos dentro do ofício; as viúvas de mestres podiam continuar o negócio de seus maridos (ROCHE, 2007, p.304).

Havia ainda outras condições para que um alfaiate obtivesse o título de

mestre, como a cobrança de 500 libras na Inglaterra no ano de 1660. Este era o

custo médio exigido pelas Guildas pelas cartas de mestrança, às quais eram

acrescidos os “direitos reais, os alfinetes da guilda, o preço do banquete de

recepção, o custo de uma loja e o estoque de insumos, além da disponibilidade

financeira de indenizar possíveis credores” (ROCHE, 2007, p.305).

A alfaiataria, como ainda se observa (BARBOSA, 2011), desde as guildas é

um ofício transmitido principalmente de pai para filho, que herda a oficina, os clientes

bem como todo o conhecimento adquirido ao longo de uma vida pelo mestre alfaiate.

Além de seu pai, o mestre alfaiate poderia ser um parente próximo, como destaca

ROCHE em uma análise em que demonstra a forma de ingresso no ofício dos

alfaiates, em Paris no século XVIII.

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Quatro quintos dos aprendizes de alfaiates vinham de famílias proprietárias de lojas e oficinas em Paris; três quartos deles eram jovens parisienses casados sobretudo com moças parisienses, sendo a metade filhos de alfaiates, mestres ou mesmo de jornaleiros parisienses. Chegada a hora de se estabelecerem profissionalmente, os jovens mestres alfaiates podiam contar com o apoio da família – pais, tios e primos -, quase todos da mesma origem social: a burguesia parisiense, ou trocando em miúdos, comerciantes, mestres e pequenos oficiais (ROCHE, 2007, p.321).

Os oficiais tinham origem nas províncias, e pertenciam a níveis sociais

humildes o que demonstrava o grau de dependência das grandes alfaiatarias e a

natureza fechada das guildas que se mantinham entre famílias tradicionais do ofício

(ROCHE, 2007).

Os alfaiates e as costureiras ainda no século XVIII “raramente tinham loja ou

oficina; o trabalho deles era feito nas instalações do mestre, onde os materiais e

instrumentos eram facilmente encontrados” (ROCHE, 2007, p.323). O instrumental

adotado por eles continua o mesmo, com exceção do “sentar do alfaiate”41 e a

máquina de costura que ainda não estava presente, a tesoura, a agulha e o dedal

ainda permanecem.

O Kleermakerszit – “sentar de alfaiate”, com as pernas cruzadas, se manteve

até o princípio do século passado, em cima de uma mesa ou ainda no chão

(MACLOCHLAINN, 2011). Este sentar foi registrado em tela pelo pintor holandês

Brekelenkam no ano de 1655 (ver figura 04).

41 A posição em que os alfaiates trabalhavam, cruzando as pernas para apoiar o trabalho nos joelhos. Esta posição faz com que a coluna fique sempre ereta, evitando dano a ela.

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Figura 4: Quiringh G. Van Brekelenkam, 1655-60 Fonte: NORTH, Susan, TIRAMANI, Jenny, 2011

Na pintura estão presentes a figura do mestre alfaiate ao centro, um oficial e

um aprendiz próximos à janela – prática adotada para aproveitar a luz natural, além

de uma mulher amamentando uma criança.

Todos os homens aparecem costurando, sentados de pernas cruzadas sobre

a mesa, permitia que eles desenvolvessem seus trabalhos utilizando o joelho para

dar forma às partes curvas da peça segundo NORTH e TIRAMANI,

Esta foi a posição tradicional de alfaiate até meados do século XX, em muitas partes da Europa, o que lhes permite usar a perna como uma espécie de apoio de borda com a qual poderiam manipular certas peças do vestuário em formas tridimensionais (NORTH, TIRAMANI, 2011, p.11)42.

42 Tradução livre da autora no trecho: This was the traditional position for tailors up tp the mid-twentieh century in many parts of Europe, enabling them to use the leg as a sort of shaping board with which to manipulate certain garments into three-dimensional shapes.

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50

Essa postura também foi registrada pela fotografia de uma alfaiataria

irlandesa em 1907 (ver figura 05), na qual se observa a presença dos aprendizes ao

fundo, um alfaiate passando o paletó com o ferro de brasa à direita, além do

provável dono da alfaiataria ao centro.

Jornaleiros ao chão e outros alfaiates em pé, chamados capatazes, alfaiates

sêniors com a função de “supervisionar a produção para garantir que o estilo da

casa e a qualidade fossem mantidos durante todo o processo de fabricação”

(MACLOCHLAINN, 2010, p.32).

FIGURA 5: TAILORS AT WORK IN HEARNE'S AT 63-64, WATERFORD, 25.07.1907 Fonte: http://www.flickr.com/photos/nlireland/with/5973018705/

A imagem dos alfaiates sentados diretamente no chão causa certo

estranhamento, porém, os alfaiates acreditavam que esta posição43 favorecia o

43 Estudos ergonômicos desenvolvidos por Ramazzini no século XVII descreve as primeiras doenças

profissionais, entre elas a postura adotada pelos alfaiates.

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51

trabalho como descreve um Guia Prático de Alfaiataria para aprendizes de 1933,

uma vez que as roupas eram confeccionadas manualmente na sua totalidade,

Embora haja, por vezes, uma sensação de perda de dignidade e certa quantidade de relutância sobre o sentado de pernas cruzadas, não é de forma alguma uma posição desconfortável. É útil de várias maneiras, e não há necessidade qualquer que seja o medo de tornar-se pernas tortas ou deformadas. Se o alfaiate se senta em uma cadeira e costura com as pernas cruzadas e com as costas arqueadas o peso do trabalho recai sobre os joelhos. Ao sentar-se de pernas cruzadas o peso do trabalho fica em torno do alfaiate dentro do seu limite, e não há necessidade de manter o trabalho até bem como segurá-lo para a costura. É uma posição que, depois de um pouco de prática, virá naturalmente, e certamente deve ser adotada pelo novato (LIBERTY, 1933, p.02).44

Outra vantagem apontada para o uso desta posição era a de que o alfaiate

não teria preocupação com o peso do trabalho que estaria distribuído sobre a mesa

ou o chão, além dos instrumentos que estariam próximos de si, “de modo a ser

facilmente encontrado, sem ter que procurá-los” (LIBERTY, 1933, p.2). LIBERTY

atribui ainda ao alfaiate, a responsabilidade por buscar maneiras de trabalhar para a

otimização do tempo no trabalho,

Deve ser lembrado que o conforto e conveniência são um grande trunfo para uma existência feliz e quando há perda de tempo, ainda que pequena, significa perda de salário, cabe ao artista em seu oficio introduzir o método de economia de tempo, tanto quanto é possível (LIBERTY, 1933, p.3).

Com o surgimento da máquina de costura o trabalho foi reduzido

significativamente, e entende-se que tenha sido o momento no qual o alfaiate tenha

adotado outra postura na sua atividade de trabalho sentando-se frente à máquina. A

introdução da máquina de costura otimizou a confecção das peças em boa parte dos

processos. No entanto as operações importantes ainda hoje continuam sendo

realizadas à mão, a exemplo das entretelas que são aplicadas manualmente como a

44 Tradução livre da autora no trecho: Although there is sometimes a feeling of loss of dignity and certain amount of reticence about sitting crosslegged, it is not by any means an uncomfortable position when one is used do it, and it is helpful in various ways, and there need be no fear whatever of becoming bow-legged or deformed in any way. If the tailor sits on a chair and sews with his legs crossed, his back is arched and the weight of the work is on his knees. When sitting cross-legged the weight of the work is around the tailor on the board, and there is no need to hold the work up as well as holding it for sewing. It is a position which, after a little practice, will come quite naturally, and should certainly be adopted by the beginner.

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entretela de gola e o reforço de peito permitindo que o alfaiate dê forma ao corpo por

meio de pontos manuais (KAKITA, 2014).

2.5 O PROCESSO DE APRENDIZAGEM NA ALFAIATARIA

O sistema de aprendizado dos alfaiates, que permaneceu desde as guildas

até meados do século XX, empregava uma média de tempo de três a seis anos com

funções que variavam dependendo do tamanho da loja (MACLOCHLAINN, 2010).

Havia uma sequência de aprendizado em que o aprendiz era qualificado e progredia

dentro da oficina.

Na maioria dos casos, o primeiro ano era gasto em levar recados, arrumar, buscar ferros e outras tarefas domésticas, com estudo real apenas quando havia um momento livre. Pelo segundo ano aprendizes estão ajudando com a costura real, costura de bolsos, casas de botão e forros de calças. No terceiro ano, eles devem ser capazes de fazer a maioria do trabalho em um casaco e fazer calças e coletes. Pelo quarto ano eles têm que demonstrar que podem fazer toda a roupa na prática para o mestre antes de continuar como um operário ou sair como um trabalhador qualificado (MACLOCHLAINN, 2010, p.34)45.

Com relação ao pagamento dos aprendizes, há registros que apontam que no

século XVIII ele era formalizado somente a partir do segundo ano de aprendizado,

momento em que estavam “aptos” a realizar tarefas mais importantes. DAVIES diz

que

No primeiro ano, eles trabalhariam por nada; no segundo eles receberiam pouco pagamento. No terceiro ano, a taxa de remuneração seria melhorada; e no quarto seriam pagos tão bem quanto um homem (DAVIES, apud MACHLOCHLAINN, 2010, p.34).46

45 Tradução livre da autora no trecho: In most cases the first year was spent runing errands, tidyng up, fetching irons and other menial tasks, with actual practical study only when there was a spare moment. By the second year apprentices are helping with the actual sewing, sewing pockets, buttonholes and lining trousers. In the third year they should be able to do the majority of work on a coat, and make trousers and vests. By the fourth year they have to demonstrate they can make every garment in practice by the máster before staying on as a workman or going out as a journeyman. 46 Tradução livre da autora no trecho: The first year they should work for nothing; in the second they should receive some little pay; in the third year they the rate of pay should be advanced; and in the fourth they should be paid almost as much as a man.

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A metodologia de ensino empregada pelos alfaiates desde as guildas, e

evidenciada no século XVIII, comprova o longo período de tempo necessário para a

formação de um alfaiate e consequentemente as habilidades desenvolvidas para a

confecção completa de uma vestimenta. Fato que também é evidenciado por

MALERONKA durante a primeira metade do século XX,

Os ofícios de alfaiate e de costureira requeriam tanto o trabalho à mão como à máquina e exigiam longa aprendizagem para a perfeita execução. Portanto, o que permanentemente se encontrava na base da atividade era a habilidade profissional do trabalhador, seu conhecimento das diversas operações, que lhe permitia a confecção de uma peça completa do vestuário (MALERONKA, 2007, pág. 37).

Nas alfaiatarias, os saberes eram transmitidos através do exercício constante,

na prática do dia a dia, de acordo com SENNET “através dos milhares de gestos

quotidianos que acabam configurando uma prática” (2009, p.92). Esse modo de

aprendizagem era corrente em todas as alfaiatarias e não se confunde com práticas

rotineiras utilizadas nas indústrias de confecção.

Descrevendo o trabalho industrial, poderíamos considerar a rotina como algo maquinal, supor que uma pessoa repetindo sempre alguma coisa se perde mentalmente; poderíamos estabelecer uma equivalência entre rotina e tédio. Assim não é, todavia, para as pessoas que desenvolvem habilidades manuais sofisticadas [...]. A substância da rotina pode mudar, metamorfosear-se, melhorar, mas a recompensa emocional é a experiência de fazer de novo. Nada há de estranho nessa experiência. Todos nós a conhecemos, ela se chama ritmo. Encravado nas contrações do coração humano, o ritmo foi estendido pelo artífice especializado à mão e ao olho (SMITH apud SENNET, 2009, p. 196).

A idade de ingresso dos aprendizes girava em torno dos 13 anos, porém há

registro de entrada de aprendizes no ofício, no século XII, entre 7 e 9 anos

MACLOCHLAINN, 2010). A mudança com relação à educação escolar e a proibição

do trabalho infantil na Inglaterra ocorreu em 1870 com a criação da Lei Foster que

tornava obrigatória a frequência escolar para crianças de 5 a 10 anos, estendendo-

se a 12 anos em 189947. No caso do Brasil, foram os avanços trabalhistas da

47Fonte:http://www.parliament.uk/about/living-heritage/transformingsociety/livinglearning/school/ overview/1870educationact/

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54

Constituição de 193448 que resultaram na regulamentação de funções como o

estágio e o ingresso do menor aprendiz, além da instituição dos direitos dos

trabalhadores.

Até então, os alfaiates no Brasil, em capitais como Belo Horizonte

(BARBOSA, 2011) e Curitiba49 a exemplo da história da alfaiataria, ingressavam no

ofício por meio do negócio do próprio pai ou de parentes próximos, ainda crianças.

Há também aqueles que foram levados por seus familiares ainda jovens até a oficina

de amigos ou conhecidos para que aprendessem uma profissão diante da falta de

oportunidade de ensino formal.

A informalidade era generalizada tanto na gestão dos negócios quanto na formação técnica. Escolas técnicas eram escassas no Brasil: algumas das poucas opções eram os liceus de artes e ofícios existentes na maioria das capitais. Eles foram criados no Rio de Janeiro e em São Paulo, respectivamente em 1857 e 1873, oferecendo cursos, entre outros, de alfaiataria, corte e costura [...] Recorrentemente, as técnicas eram passadas de profissional para profissional ou de pai para filho e mãe para filha, na prática profissional do dia a dia. (BRAGA & PRADO, 2011, p. 32).

Nos casos em que não havia um parentesco direto, o ensino do ofício era um

empreendimento institucionalizado e caro, pois os pais da criança pagavam uma

espécie de “prêmio” para que o mestre ensinasse a seu filho um ofício. A escolha do

mestre era importante, pois segundo MACLOCHLAINN (2010), ela afetava

grandemente a educação da criança.

MACLOCHLAINN relata conselhos do escritor Charles Dickens, importante

personagem inglês da era vitoriana em seu livro The Tailor, que alertavam os pais

na escolha de mestres a quem entregar seus filhos, enumerando as vantagens e as

desvantagens na escolha de um grande mestre:

Se um menino é aprendiz do que é chamado um pequeno ou grande mestre pode, num primeiro pensamento, parecer uma questão de nenhuma consequência. É, no entanto, de peso considerável, e merece ser considerado por todos que podem se dar ao luxo de escolher entre um e outro. Existem vantagens e desvantagens em ambos os casos: por exemplo, se um rapaz é aprendiz de um grande

48 Trabalho do menor em http://www.guiatrabalhista.com.br/tematicas/trabalhomenor.htm 49 Documentário “O Corte do Alfaiate”, realizado a partir da pesquisa de Valéria Oliveira Santos e Dayana Zdebsky intitulada Alfaiatarias em Curitiba, de 2009.

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55

mestre, ele será muito mais propenso a ter oportunidades de ver uma maior atenção dada às modas, e também ver uma maior variedade de artigos de vestuário do que se ele for colocado com um pequeno mestre. Além disso, se ele se destina, no devido tempo, em se tornar um mestre, ele será capaz de aprender os métodos de condução de um grande negócio com um comerciante como exemplo. Mas estas vantagens são susceptíveis de serem bastante ponderadas, se não mais desconsiderado pelas más consequências que daí podem resultar por serem obrigados, antes os princípios dele são fixados, ou o seu caráter formado para se misturar com um grande número de trabalhadores, a maioria dos quais será provável, tanto pelo seu exemplo e sua conversa, ter uma influência nefasta sobre a sua moral... (DICKENS apud MACLOCHLAINN, 2010, p.33)50.

DIRCKENS apud MACLOCHLAINN, também listava as vantagens da escolha

de um mestre de porte menor, que segundo ele “também era uma pessoa digna do

trabalho e um bom trabalhador”, e sendo a alfaiataria uma empresa menor, ele

poderia aprender com o mestre todas as funções, tornando-se um “trabalhador

qualificado, facilmente adaptável de uma mão de obra para a outra e também para

em seu próprio benefício, elaborando novos modos de trabalhar” (DICKENS apud

MACLOCHLAINN, 2010, p.33).

A preocupação dos pais com relação à escolha do mestre levava em

consideração a relação mestre/aprendiz, neste contexto, já que ambos tornam-se

tão próximos que o mestre acaba por “adotar” seu aprendiz. O aprendizado

ultrapassa os limites da técnica do fazer, pura e simplesmente, transmitindo também

lições de postura e valores de ordem profissional e pessoal. Desde a formação das

guildas, os mestres recebiam das famílias dos aprendizes a função de pai substituto

(SENNETT, 2009).

50 Tradução livre da autora no trecho: Whether a boy be apprenticed to what is called a little (small) or large master, may, at first thought seem to be a matter of no consequence. It is, however, of considerable weight, and deserves to be considered by all who can afford to choose betwixt the one and the other. There are both advantages and disadvantages in either case: for example, if a lad be apprenticed to a large master he will be far more likely to have opportunities of seeing a closer attention paid to the fashions, and also to see a greater variety of garments made, than if he were put with a little one. Moreover, if he be intended in due time to become a master he will be able to learn the methods of conducting a large business in a tradesman like way. But these advantages are likely to be quite balanced, if not over – weighed, by the bad consequences that may ensue from his being obliged, before his principles are fixe or his character formed, to mix with a large number of workmen, the majority of whom will be likely, both by their example and their conversation, to have a baneful influence upon his morals....

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Atualmente poucas alfaiatarias possuem estrutura financeira e de gestão para

receber um jovem aprendiz no rigor da lei, em função disso a presença deles não é

mais notada dentro das alfaiatarias. Esse cenário revela um vazio de ações que

viabilizem a formação de novos aprendizes, seja em projetos vinculados às

instituições de ensino apoiados em programas governamentais51, seja em

organizações da iniciativa privada. Revela ainda uma ausência de atenção com a

formação de jovens alfaiates por parte das instituições de ensino em geral.

2.6 OS DESAFIOS DA ALFAIATARIA ARTESANAL NO SÉCULO XXI

Após um declínio acentuado na confecção de roupas sob medida,

consequência da inserção de roupas prontas para vestir em todos os segmentos do

vestuário, a alfaiataria artesanal, que proporcionou as mudanças no vestuário

masculino através de suas técnicas e contribuições na construção do vestuário

masculino e também feminino, se mantém. Ela se coloca como uma alternativa à

roupa industrializada, capaz de comunicar a personalidade e a identidade do homem

e também da mulher que a traja.

Contudo, percebe-se que a falta de aprendizes nas oficinas pode ser um

entrave na continuidade do ofício, pois, se não há aprendizes não haverá renovação

deste segmento de artesãos.

Os alfaiates trabalham na maioria das vezes de maneira solitária em suas

oficinas, e entendem que não há tempo para “parar seu serviço” e ensinar um

novato. Segundo FISHER (2010, p.115), “a alfaiataria é uma habilidade tradicional

complexa que exige conhecimento técnico especializado”, e por isso, demanda um

longo tempo de aprendizado, como já vimos anteriormente.

A ausência de formação de mão de obra também esteve, durante alguns

anos, ligada à concepção de que ensinar representaria formar um concorrente, fala

51 O Curso de alfaiate faz parte do catálogo de cursos FIC/PRONATEC. Disponível em: http://pronatec.mec.gov.br/fic/et_producao_cultural_design/et_producao_cultural_design.php#350

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recorrente em entrevistas com os alfaiates locais (BARBOSA, 2011). Como bem

descreve LAVE em sua pesquisa realizada junto aos alfaiates da Libéria na década

de 70.

Nenhum dos alfaiates era próspero o suficiente para assumir dois novos aprendizes ao mesmo tempo. Os alfaiates treinavam uma média de dez aprendizes durante toda a sua carreira, com média de um aprendiz treinado para cada cinco anos de experiência. Os mestres alfaiates estavam em seu próprio negócio treinando seus futuros competidores, e na verdade eles temiam que houvesse muitos alfaiates "nesses dias" e não existisse clientes o suficiente para todos ao redor. (LAVE, 2011, p. 45)52.

Além da falta de aprendizes, o avanço da produção do prêt-à-porter forçou os

alfaiates a procurar alternativas para se manterem competitivos no mercado. Houve

a incorporação de inovações da indústria ao seu trabalho tornando menos

dispendiosas as suas tarefas.

Uma das justificativas para que os alfaiates adotem técnicas industriais ou

semi-industriais pode se evidenciado na confecção da gola, em que dependendo do

ponto empregado, a aplicação manual da entretela pode levar até 3 horas de

trabalho enquanto que a entretela de gola costurada na máquina não leva mais que

10 minutos.

A aplicação da gola entre outros acabamentos faz com que a roupa feita sob

medida totalmente artesanal não leve menos de 40 horas de trabalho para ser

entregue (ROETZEL, 2009), fazendo com que o preço de um traje personalizado

alcance um valor consideravelmente alto.

Além das dificuldades apresentadas, há ainda o fato de que uma parcela dos

alfaiates admite que não transmitirão seu conhecimento para nenhum outro levando

“o segredo para o túmulo” (SENNET, 2009). O autor ainda traz à tona a dificuldade

da transferência do conhecimento apresentada pelos alfaiates ao questionar “por

52 Tradução livre da autora: None of the tailors was prosperous enough to take on two new apprentices at the same time. Across long careers, the masters trained at most ten apprentices , averaging about one trained apprentice for every five years of tailoring experience. The masters were in the business of training their own future competition, and indeed they worried that there were too many tailors "these days" and not enough customers to go around. The masters were in the business of training their own future competition, and indeed they worried that there were too many tailors "these days" and not enough customers to go around.

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58

que tem de ser tão difícil, porque se transforma num segredo pessoal” (SENNETT,

2009, p.89) Pelo fato de considerarem estes segredos sua propriedade, os alfaiates

as concedem apenas a quem lhes interessa,

Praticamente toda a habilidade ou mistério do ofício era transmitido pelo oficial ao seu aprendiz, através de preceitos e exemplos, nas oficinas. Os artesãos consideravam este mistério como sua propriedade, e defendiam seu direito inquestionável ao “proveito e ao uso pacífico e exclusivo das suas artes e ofícios” (THOMPSON, 1987, p.95).

Poucos são os alfaiates que compartilham seus ensinamentos (BARBOSA,

2011). Como os filhos das últimas gerações de alfaiates, poucos foram aqueles que

tiveram interesse em aprender e assumir o estabelecimento do pai alfaiate, mesmo

com o apelo de uma clientela já formada.

Já aqueles que não possuem parentesco direto com os alfaiates artesanais e

demonstram interesse em aprender esbarram em dificuldades como a de encontrar

um alfaiate com disponibilidade de tempo e boa vontade para ensinar, além da falta

de oferta de cursos de formação de alfaiates que abarquem toda a complexidade

deste ofício.

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2.7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pelo exposto, pode-se considerar que existe uma grande dificuldade de

preservação dos saberes tradicionais do alfaiate com relação aos seus traçados e

principalmente com relação às suas técnicas de confecção artesanal, o que traz

implicações para a permanência desse ofício outrora tão valorizado. Os registros

disponíveis desde a primeira publicação de Alcega contemplam apenas parte do

processo da alfaiataria, principalmente a construção das peças na modelagem. A

confecção dessas peças nos seus detalhes não aparece justamente pela

complexidade das operações.

A alfaiataria artesanal vem acompanhando a evolução do traje do homem,

sendo responsável diretamente pelas principais mudanças do vestuário masculino,

em que os trajes espalhafatosos foram substituídos gradualmente por trajes limpos e

sóbrios, atentos a qualidade do corte e caimento da peça. É um ofício que inspira

admiração e respeito, pela sofisticação das técnicas manuais que emprega e pela

maneira como percebe o corpo que o vestirá, considerando variáveis e

particularidades que a indústria não contempla.

As técnicas de corte e acabamento são a essência da alfaiataria e o que faz

distinguir a roupa artesanal da roupa feita em escala industrial. De natureza

complexa, torna-se evidente a necessidade de valorizar o trabalho desse artesão

para se preservar os saberes desse ofício secular que ainda encontra espaço no

mundo contemporâneo, em condições de atuar paralelamente à indústria do prêt-à-

porter considerada alfaiataria de luxo.

O tempo dispendido para a confecção da roupa feita sob medida, exigência

primeira para que um traje obtenha caimento perfeito, não pode ser um elemento

responsável pela desqualificação do trabalho do alfaiate. Esse tempo, ao contrário, é

aquele necessário para que o alfaiate artesão confeccione o traje atento aos

detalhes que não são atendidos pela indústria.

O fator tempo não está presente apenas no processo de execução das peças,

mas também na formação do alfaiate, que até aqui se manteve através de longos

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60

períodos de aprendizagem, por meio de um processo de ensino e aprendizagem

baseado na observação e na prática constante.

Segundo os próprios oficiais, um alfaiate não é formado em um período

menor do que três anos, caso em que ele deve estar nas mãos de um bom mestre.

A disposição deste mestre para transmitir os seus saberes a um aprendiz que se

tornará um oficial e posteriormente um mestre alfaiate, é uma das grandes

dificuldades vivenciadas pela alfaiataria artesanal.

A alfaiataria artesanal para se manter viva necessita de instrumentos que lhe

dê condições de continuar o legado de séculos de tradição. A história da alfaiataria

está intrinsicamente ligada à história da evolução da indumentária, responsável por

todas as principais mudanças no vestir considerando os dois trajes, o feminino e o

masculino. A indústria do vestuário, que se apropriou das técnicas e acabamentos

desenvolvidos pelos alfaiates, necessita, em contrapartida, reconhecer e apoiar

ações para que a alfaiataria se perpetue e para que o ciclo que se estabeleceu

permaneça, fazendo com que ambas as alfaiatarias, artesanal e prêt-à-porter

continuem se desenvolvendo de maneira plena.

As faculdades de Moda, em que a disciplina é trabalhada, pouco exploram as

questões relativas a própria história da alfaiataria, resumindo-se ao desenvolvimento

de alguns traçados apenas, uma vez que a carga horária atribuída a essa disciplina

em geral não permite maiores avanços.

Há também a inexistência de cursos técnicos profissionalizantes em

instituições como SENAC e SENAI, embora a categoria alfaiate configure no

catálogo das profissões do Ministério da Educação e Cultura.

Essa pesquisa tem o intuito de elucidar questões relativas a este ofício, além

de afirmar que ela ainda se faz presente contrariando a percepção de muitos que

acreditam que a alfaiataria é uma profissão extinta, tornando evidente e necessário

ações que promovam a continuidade do ofício.

Page 61: Barbosa, Juliana. PRESERVAÇÃO DOS SABERES TRADICIONAIS

61

REFERÊNCIAS

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63

3. A ABORDAGEM ERGOLÓGICA

Juliana Barbosa53

Eloisa Helena Santos54

Resumo Este artigo é fruto de uma pesquisa cujo objetivo foi analisar os saberes tradicionais dos alfaiates de forma a garantir a sua salvaguarda na perspectiva de contribuir com ações inovadoras de formação profissional e com o desenvolvimento local. O problema que a originou refere-se à evidência de que parte das técnicas dos alfaiates vem caindo em desuso pela complexidade das suas tarefas, pela escassez cada vez maior de profissionais aptos a desenvolvê-las e pelas mudanças ocorridas no segmento do vestuário. Uma aproximação da atividade do trabalho do alfaiate realizada pela lente da ergologia traz à tona particularidades referentes à prática desses profissionais e seus saberes. Por esta razão o artigo apresenta uma revisão bibliográfica em torno do conceito ergológico de atividade e daqueles que o especificam: normas antecedentes e renormalização, trabalho prescrito e real, dramática dos usos de si e saberes constituídos e investidos. Palavras chave: Alfaiataria artesanal. Ergologia. Saberes. Técnicas tradicionais. Abstract This paper is the result of a research that analyzes tailors’ traditional knowledge to ensure their protection in order to contribute to innovative actions of vocational training and local development. The problem that originated it refers to evidence that part of the tailors’ technical has fallen into disuse by the complexity of their tasks, the growing shortage of professionals able to develop them and by changes occurred in the clothing segment. An approximation of the activity of tailor’s work conducted by ergology lens brings out characteristics related to the practice of these professionals and their knowledge. For this reason the paper presents a literature review around the ergologycal concept of activity and those who specify: background and renormalization rules, prescribed and real work, self dramatic uses and constituted and invested knowledges. Keywords: Tailoring Craft. Ergology. Knowledge. Traditional Techniques.

53 Mestranda do Programa de Mestrado Profissional em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universitário UNA. 54 Orientadora e Professora Doutora do Mestrado Profissional em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universitário UNA.

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INTRODUÇÃO

Este artigo é fruto de uma pesquisa cujo objetivo foi analisar os saberes

tradicionais utilizados pelos alfaiates de forma a garantir a sua salvaguarda, na

perspectiva de contribuir com ações inovadoras de formação profissional e com o

desenvolvimento local. Ela utilizou a abordagem qualitativa, de tipo exploratório-

descritiva, e contou com uma revisão bibliográfica e uma pesquisa empírica como

procedimentos de pesquisa. A análise dos dados empíricos encontra-se no capítulo

4º desta dissertação. O texto que apresenta-se a seguir refere-se à revisão

bibliográfica realizada para orientar a análise dos dados empíricos coletados.

A investigação acerca da atividade do trabalho do alfaiate e seus saberes traz

a abordagem ergológica como seu referencial teórico. A ergologia é uma abordagem

que permite conhecer, de forma pluridisciplinar, o trabalhador alfaiate e sua atividade

laboriosa, o ambiente e as relações que se estabelecem, considerando os aspectos

epistemológicos dos saberes aí presentes. É uma abordagem que preocupa-se,

também, com os aspectos políticos, filosóficos e éticos ao considerar os valores em

pauta na atividade, além de afirmar o caráter cultural e histórico do trabalho.

Se o trabalho é atravessado pela história, se nós fazemos história em toda atividade do trabalho, então, não levar em conta essa verdade nas práticas das esferas educativas e culturais, nos ofícios de pesquisadores, de formadores, nas nossas práticas de gestores, de organização do trabalho, e também nas nossas práticas de cidadãos, é desconhecer o trabalho, é mutilar a atividade dos homens e das mulheres que, enquanto fabricantes de história, re-questionam os saberes, reproduzindo em permanência novas tarefas para o conhecimento (SCHWARTZ, 2003, pág. 23).

Sob a ótica da ergologia, a valorização do trabalho como espaço de

expressão de um sujeito por meio da sua atividade é o ponto central. É comum

encontrar entre os alfaiates um sentimento de que estão condenados ao

esquecimento pela indústria da alfaiataria e uma ambivalência em relação ao valor

do seu trabalho e dos saberes que aí circulam. Incorporar o conceito ergológico de

atividade do trabalho para analisar o fazer do alfaiate possibilita lançar luz sobre o

valor deste fazer e de seus saberes. Possibilita, também, resgatar este ofício

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65

gerando subsídios para a formulação de propostas de ensino e aprendizagem

voltadas para a sua continuidade.

3.1 TRABALHO E ATIVIDADE DO TRABALHO

Para apresentar a perspectiva ergológica, parte-se da importante

diferenciação que ela faz entre o trabalho e a atividade do trabalho. Segundo

Trinquet a atividade “é o que se passa na mente e no corpo da pessoa no trabalho,

em diálogo com ela mesma, com o seu meio e com os outros” (TRINQUET, 2010,

p.96), ao passo que o trabalho é apresentado pelo autor como a tarefa que o

trabalhador realiza.

Um exemplo que Trinquet nos dá é a maneira como um operário descreve o

que faz: ele sempre descreverá o seu trabalho, a sua tarefa, mas não a sua

atividade. Essa descrição é incompleta, pois a atividade – que faz parte do trabalho,

mas que não é idêntica a ele - é algo tão complexo quanto a natureza humana.

Quando pedimos a um assalariado, qualquer que seja a sua área, que nos explique o que faz, ele descreve sempre o seu trabalho, jamais, descreve, espontaneamente, a sua atividade. É preciso muita perseverança, convicção e confiança para conseguir fazê-lo falar de sua atividade (TRINQUET, 2010, pág. 96).

Segundo Marx, o trabalho é “indispensável à existência do homem, quaisquer

que sejam as formas de sociedade, é necessidade natural e eterna de efetivar o

intercâmbio material entre o homem e a natureza e, portanto, de manter a vida

humana” (MARX, 2014, p. 64).

Ao desenvolver o conceito de trabalho para analisar a sociedade capitalista,

Marx distingue o trabalho abstrato do trabalho concreto. O trabalho abstrato é o

“trabalho socialmente necessário, executado segundo as condições médias vigentes

da técnica, destreza do operário e intensidade do esforço na realização da tarefa

produtiva” (GORENDER, 1996, p.30). Desse ponto de vista, o trabalho está intrinsic

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66

amente ligado à concepção de produção de valor, mas de valor de troca, à

fabricação de um bem de consumo: a mercadoria.

O casaco produzido por um alfaiate e sua atividade do trabalho constituem

um bem de valor, é a materialização de sua mão de obra aplicada ao linho tramado

pelo tecelão, como o próprio MARX afirma em O Capital (MARX, 2014). Na

discussão acerca do caráter do trabalho materializado na mercadoria ele afirma: “o

trabalho do alfaiate e o do tecelão, são ambos dispêndios humanos produtivos de

cérebro, músculos, nervos, mãos, etc., e desse modo, são ambos, trabalho humano”

(MARX, 2014, p.66). O autor segue explicitando que

Os valores de uso casaco e linho resultam de atividades produtivas, subordinadas a objetivos, associadas com pano e fio, mas os valores casaco e linho são cristalizações homogêneas de trabalho; os trabalhos contidos nesses valores são considerados apenas dispêndio de forma humana de trabalho, pondo-se de lado sua atuação produtiva relacionada com o pano e o fio. O trabalho do alfaiate e o do tecelão são os elementos que criam valores de uso, casaco e linho, exatamente por força de suas qualidades diferentes; só são substância do valor do casaco e do valor do linho quando se põem de lado suas qualidades particulares, restando a ambos apenas uma única e mesma qualidade, a de serem trabalho humano (MARX, 2014, p.67).

Esta dimensão do trabalho abstrato, entretanto, não abrange a singularidade

do trabalho realizado por um sujeito trabalhador. Por isto Marx aponta a existência

do trabalho concreto, que não se deixa ver de imediato. O trabalho concreto produz

valor de uso e, portanto, é espaço de manifestação de um trabalhador singular, com

seus interesses, desejos e processos criativos particulares, sua subjetividade. Estas

duas dimensões – abstrato e concreto – convivem contraditoriamente em todas as

situações de trabalho.

No entanto, um fenômeno que Marx denomina fetiche da mercadoria,

relacionado à produção do valor de troca, vai encobrir a existência da produção de

valor de uso pelo trabalhador. Como consequência, na sociedade capitalista, o

trabalhador se aliena em relação ao valor do seu próprio trabalho (SANTOS, 2000,

pág. 123)

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67

A distinção que a ergologia faz entre trabalho e atividade do trabalho busca

contribuir para a compreensão desse espaço de manifestação singular de um

trabalhador na situação de trabalho. Por isto ela se debruça sobre o conceito de

atividade do trabalho.

Para desenvolver o conceito de atividade do trabalho, Schwartz vai buscar

inspiração em três fontes principais: a ergonomia da atividade, capitaneada por Alain

Wisner, a experiência de Ivar Oddone com as comunidades científicas ampliadas e a

filosofia da vida de Georges Canguilhem. Apresentam-se nos itens seguintes estas

contribuições à ergologia com o objetivo de circunscrever o conceito de atividade do

trabalho e dos saberes que a constituem.

3.2 AS TRÊS FONTES INSPIRADORAS DA ERGOLOGIA

A discussão em torno da diferenciação entre o trabalho prescrito e o trabalho

real iniciou-se no campo da ergonomia francesa, por meio dos estudos de Alain

Wisner55, e deu origem à analise ergonômica da atividade do trabalho (AET). A

metodologia de Análise Ergonômica do Trabalho desenvolvida por Wisner e usada

como instrumento de medida da distância entre o trabalho prescrito e o trabalho real,

considera todos os aspectos relacionados à previsão e ao controle das situações do

trabalho (WISNER, 1987). O chamado trabalho prescrito cria normas fixas e pré-

estabelecidas capazes de nortear um processo de produção determinado. Percebe-

se que o trabalho prescrito diz “o que se deve fazer”. No entanto o trabalho real é

sempre distinto do planejado (BRITO, 2009, p.284).

O trabalho prescrito caracteriza-se por não ser definido pelo trabalhador e configura as regras e os modos de execução do trabalho que é concebido e codificado por uma instância superior; e o trabalho real, aquilo realmente colocado em ação pelo trabalhador, do que realmente acontece em seus locais de trabalho. Entretanto, uma vez que não existe a possibilidade de descrevê-lo totalmente, o trabalho executado é diferente do prescrito e este recebe o nome de trabalho real (VIEIRA JUNIOR; SANTOS, 2012, p.92).

55 Médico e ergonomista francês, professor, fundador da Ergonomia da atividade, também conhecida como ergonomia de língua francesa.

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Aspectos importantes devem ser levados em consideração ao analisar a

atividade do trabalho e suas prescrições. Erros são comuns quando não são levados

em consideração situações reais do trabalho como as “dificuldades de percepção,

de decisão, fadiga mental, sobrecarga por atraso dos fornecimentos ou má

qualidade destes” (WISNER, 1987, p.74).

O trabalho prescrito se mantém distante do real por não contemplar a

realidade do trabalho como um todo. O imprevisível e o incontrolável estarão sempre

presentes. Mesmo nos processos automatizados realizados por meio de

equipamentos sofisticados, falhas ocorrerão, e novamente o homem será chamado

a intervir elaborando soluções não prescritas anteriormente (SANTOS, 1997, p.17)

A Ergonomia observa e chama atenção para o fato que o homem que trabalha não é mero executante, mas um operador no sentido de que ele faz a gestão das exigências e não se submetendo passivamente a elas. Ele aprende agindo, ele adapta o seu comportamento às variações, tanto de seu estado interno (fadiga...) quanto dos elementos da situação (relações de trabalho, variações da produção, panes, disfuncionamentos...), ele decide sobre as melhores formas de agir, ele inventa “truques”, desenvolve habilidades permitindo responder de forma mais segura seus objetivos... em uma palavra: ele opera. Assim, sua atividade real sempre se diferencia da tarefa prescrita pela organização do trabalho (NOULIN apud FERREIRA, 2004, p.14).

Segundo TRINQUET, há uma “distância permanente entre o trabalho

prescrito e aquele efetivamente realizado, e isto se deve pelo fato do trabalho ser,

por definição, imprevisível, isso quer dizer que ele não é e não pode ser previsto”

(TRINQUET, 2010, p.98).

O grau de aprendizagem de um determinado operador é difícil de determinar. Se um certo número de “macetes”, isto é, de programas gestuais, são adquiridos progressivamente através do exercício, a aquisição dos sinais perceptivos corretos, ou mesmo dos critérios convenientes (controle de qualidade), a constituição de algoritmos de decisão podem ser repentinas, por ocasião de uma conversa com um colega, ou após a repreensão sobre a qualidade do trabalho

(WISNER, 1987, p.77).

A ergonomia, por meio da Análise Ergonômica do Trabalho, que se ocupa do

fazer do trabalhador inserido em um contexto real, objetiva apreender o trabalho

efetivamente realizado (ABRAHÃO, 2000, p.50). Esta ideia é incorporada pela

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ergologia que coloca em evidência a atividade humana na complexidade das

situações de trabalho e nas relações que aí se estabelecem.

Além das contribuições da ergonomia, a ergologia vai buscar nas proposições

de Ivar Oddone novos aportes. Oddone56 trata essa dimensão do trabalho real por

meio do que ele define como experiência do trabalhador, qualificada como

“complexa e bruta” e que envolve um tipo de conhecimento desenvolvido pelo

trabalhador. Como este conhecimento é, muitas vezes, não transmissível, Oddonne

considera que o investigador que se ocupa de compreender o trabalho tem a

responsabilidade de construir e codificar esse conhecimento com a participação do

trabalhador, para que sua experiência no trabalho real torne-se transmissível aos

outros (ODDONE, 2007, p.52).

3.3 NORMAS ANTECEDENTES, DEBATE DE NORMAS E RENORMALIZAÇÃO

O conceito de normas antecedentes tem origem na “filosofia das normas”

proposta pelo médico e filósofo francês Georges Canguilhem57. Segundo o autor “os

indivíduos vivem em meio a normas e essas interferem em suas ações de forma

regulatória, submetendo esse ser todo tempo a regras em cada situação de

trabalho” (VIEIRA JUNIOR; SANTOS, 2012).

Para a Ergologia toda atividade é constituída sempre da relação entre

um protocolo, de normas a seguir e de valores a gerir. Portanto a

atividade humana de trabalho é marcada por dramáticas porque em

toda situação de trabalho o homem é obrigado a fazer escolhas entre

as normas antecedentes – do prescrito, do protocolo –, e todos os

seus valores se comprometendo não raras vezes a renormalizar. O

empenho para renormalizar se dá em função da exigência para se

tratar os aspectos singulares de cada situação (VERÍSSIMO, 2015,

p.06).

56 Médico e pesquisador italiano que propôs as comunidades científicas ampliadas para estudar a saúde do trabalhador nas situações de trabalho com o protagonismo dos trabalhadores. 57 Várias das ideias de Canguilhem, conhecido por sua filosofia da vida, foram incorporadas pela ergologia. Neste texto, trataremos apenas de algumas delas.

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Dessa forma, as normas antecedentes são todas aquelas que constituem o

pano de fundo do trabalho prescrito passíveis de serem renormalizadas. Elas são,

reelaboradas por meio da atividade do trabalhador, que no seu exercício diário e por

meio de suas escolhas e valores procura encontrar maneiras e possibilidades de

melhor atender ao trabalho prescrito (SCHWARTZ apud SANTOS, 2012).

No entanto, anterior ou concomitante à renormalização realizada pelo

trabalhador há um debate de normas, em que o trabalhador se coloca como

protagonista de suas ações, “ele decide como fazer, de acordo com suas

convicções, crenças, valores e seu entendimento da pertinência das prescrições”

(SCHWARTZ apud SANTOS, 2012),

A renormalização é, por fim, produto do debate de normas. De um lado, tem-se a prescrição, o que antecede o trabalho; do outro, o trabalho real, o efetivamente produzido pelo trabalhador. Entre esses objetos está a individualidade, a singularidade de cada trabalhador em sua atividade (VIEIRA JUNIOR; SANTOS, 2012, p. 96).

As infidelidades do meio à que o trabalhador está sujeito e que se fazem

presentes nas situações de trabalho e no debate de normas também são

evidenciadas por Canguilhem. Ele salienta a busca contínua do trabalhador por

maneiras de melhor desenvolver sua atividade, o que tem reflexo em sua saúde,

conforme afirma Brito:

A instabilidade é uma característica das situações de vida e trabalho. Em suas palavras [de Canguilhem] o meio é sempre infiel, sendo a saúde uma margem de tolerância às infidelidades do meio e a capacidade de criar novas normas (CANGUILHEM apud BRITO, 2005, p. 883).

Contudo, a experiência do trabalhador com relação aos aspectos de sua

saúde laboral nem sempre são do interesse do empregador, ao contrário dos

saberes desenvolvidos por eles. A experiência do trabalho concreto do trabalhador e

suas implicações com relação à sua saúde, são por vezes ignoradas nos seus

elementos essenciais (ODDONE, 2007, p.52).

Page 71: Barbosa, Juliana. PRESERVAÇÃO DOS SABERES TRADICIONAIS

71

3.4 A DRAMÁTICA DO USO DE SI POR SI E POR OUTROS

A busca contínua do trabalhador para encontrar soluções para resolver os

problemas que se apresentam na sua atividade, diariamente, criam um cenário de

pressão de toda ordem para o trabalhador. As decisões a serem tomadas e as

implicações diante de uma tomada de decisão que possa levar a uma escolha

errada criam o que a ergologia nomeia as dramáticas do uso de si (VIEIRA JUNIOR;

SANTOS, 2012).

Segundo Schwartz, o uso de si e suas dramáticas se apresentam até mesmo

quando o trabalhador acredita que está fazendo apenas o que lhe é ordenado: “eu

faço o que me dizem”. Segundo o autor, “o uso não é somente aquele que fazem de

você, mas também aquele que cada um faz de si mesmo” (SCHWARTZ, 2000,

p.42).

O uso de si pelos outros comporta um drama e expressa o fato de que em todo o universo reinam normas de todos os tipos: científicas, técnicas, organizacionais, hierárquicas, mas, principalmente, as normas gestionárias que remetem a relações de igualdade/desigualdade; dominação/subordinação; competição/colaboração; amizade/rivalidade, o que significa dizer que cada pessoa tenta viver num meio onde as pressões são muito fortes, onde não se faz o que se quer. Desse modo, o destino a viver-se no trabalho é viver com essa pressão. Mas, paradoxalmente essa pressão é também uma sorte, pois é a possibilidade do sujeito desanonimar seu trabalho, tentando fazer valer suas próprias normas de vida, suas próprias referências (MOURA, 2009, p.167).

Schwartz (2004) afirma que há uma dualidade na atividade do trabalho que

ele chama de dialética da atividade, ou das normas antecedentes e das normas

individualizadas. A primeira delas diz respeito aos métodos que definem programas

e prescrições, considerada por ele uma linguagem acabada.

A segunda remete ao singular, que se realiza na atividade cotidiana do

trabalho, “o efeito da dimensão histórica de toda a prática, a não repetibilidade

perfeita das situações humanas, sociais, produtivas” (SCHWARTZ, 2004. p.41) e

que caracteriza

Todo trabalho como o lugar de uma dramática singular, em que cada protagonista negociaria a articulação dos usos de si por “outros” e “por si”. A mesma generalidade dessa dialética leva igualmente a

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pesquisas, em todo caso, sobre a recomposição coletiva das tarefas e das obras, jamais estritamente representável nos organogramas preexistentes (SCHWARTZ, 2004, p.42).

Na dramática do uso de si por si o trabalhador é capaz de ir além daquilo que

lhe foi prescrito, das normas antecedentes e elaborar novas metodologias para

realizar as mesmas tarefas com maior agilidade. Ele cria técnicas e mecanismos que

facilitarão sua atividade, pois ele “é estimulado, direta ou indiretamente, a criar

soluções para os problemas enfrentados em seu ambiente de trabalho” (VIEIRA

JUNIOR; SANTOS, 2012, p.94).

O resultado da dramática dos usos de si, das renormalizações que fazem

parte da atividade do trabalho é a criação permanente de saberes pelos

trabalhadores, além da mobilização dos já existentes.

3.5 SABERES CONSTITUÍDOS E INVESTIDOS

Ao se interessar pela atividade que o trabalhador realiza nas situações de

trabalho, a ergologia dá destaque aos saberes presentes na atividade denominando-

os saberes constituídos e saberes investidos.

Os saberes constituídos, mais fácil de serem apreendidos, são os já

formalizados: a ciência, a tecnologia, os saberes acadêmicos ou profissionais,

formalizados por intermédio de livros, softwares, normas técnicas e organizacionais,

em programas de ensino, entre outros.

Refere-se a todos os conceitos, competências e conhecimentos disciplinares acadêmicos e/ou profissionais. Ou seja, todos os saberes que são necessários, mas exteriores e anteriores à situação de trabalho estudada, ou ainda, saberes que estão em desaderência com a atividade estudada (TRINQUET, 2010, p. 104).

Quando se trata de conhecer a atividade do trabalhador, o saber constituído é

importante, porém não o suficiente. Para os ergólogos, o saber constituído permite

conhecer o trabalho prescrito, antes da sua realização, ao passo que o saber

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investido é o responsável por explicar o trabalho real que “não é formalizado e nem

escrito em qualquer lugar” (TRINQUET, 2010, p.101).

O saber investido é aquele que foi adquirido ao longo dos anos pelo

trabalhador, por meio da experiência, portanto, é um saber pessoal. A “ergologia

adjetiva esse saber de investido porque remete à especificidade da competência

adquirida na experiência da gestão de toda a atividade do trabalho” (TRINQUET,

2010, p.101). É ele que fará o elo entre o trabalho prescrito e o trabalho real. É o

resultado da experimentação prática, considerada pelos ergologistas os verdadeiros

saberes da atividade.

Este saber é o resultado da história individual de cada um, sempre singular, ou seja, adquirida da própria experiência profissional e de outras experiências (social, familiar, cultural, esportiva, etc.) e que remete a valores, à educação, em resumo, à própria personalidade de cada um (TRINQUET, 2010, pág. 100).

A distinção realizada pela ergologia entre saberes constituídos e investidos

reforça a necessidade de se identificar os saberes investidos quando se quer

conhecer a atividade do trabalhador já que há uma certa dificuldade em se codificar

parte dos processos que caracterizam o trabalho real, dada a sua particularidade.

No trabalho real o trabalhador mobiliza saberes já formalizados – os constituídos,

mas mobiliza também os não formalizados, além de criar novos. Esses saberes não

formalizados

São incorporados na resolução de problemas ou na criação de alternativas de desenvolvimento das atividades e restam sob a forma de uma experiência daqueles que a viveram. De outro lado, formalizar o saber produzido é uma tarefa de extrema complexidade. A dificuldade ou a impossibilidade de fazê-lo não podem ser compreendidas como uma falha absoluta de formalização (SANTOS, 1997, p.10).

Como explicitado anteriormente, no exercício da sua função o trabalhador

busca alternativas para melhor viver a sua atividade, cria mecanismos ou maneiras

de trabalho que não foram prescritas. De acordo com Veríssimo, eles criam saberes

que quando úteis aos demais acabam por gerar um novo hábito, “e o hábito,

culturalmente transmitido, torna-se um saber investido” (VERÍSSIMO, 2015).

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Segundo Veríssimo (2015), seus saberes investidos resultam da interação

entre três dimensões que são inseparáveis: a biológica, a metafísica e a social.

A dimensão biológica dos saberes investidos diz respeito a um corpo físico,

singular, que possui herança genética que define dimensões, formas, cores, nervos,

músculos, órgãos vitais, características visíveis e observáveis. Segundo Canguilhem

(apud VERÍSSIMO, 2015), é um saber que está no corpo, mas de maneira

inconsciente.

Quando é necessário teorizar e reorganizar este saber, para torná-lo consciente, o homem faz um esforço intelectual para compreender e interpretar. Este esforço intelectual é um ato que se realiza por todo o corpo, incessantemente, e é difícil dizer onde começa e onde termina (VERÍSSIMO, 2015, p.20).

A dimensão metafísica dos saberes investidos diz respeito a tudo que se

relaciona ao intelectual: os saberes, os valores, a memória, intuição, instinto,

percepção, sentidos, esforço/impulso de criação, capacidade de fazer escolhas

durante e na atividade do trabalho. São características imateriais, mas perceptíveis

quando manifestas pelos gestos, palavras ações, ou qualquer outra forma de

manifestação humana (VERÍSSIMO, 2010).

De acordo com Veríssimo, esses aspectos relacionam o saber ao poder e

conferem ao Homem a condição de compreender que ele é o criador do saber,

assumindo igualmente a sua emancipação, a sua autodeterminação, criando

condições para que ele saia “da norma que não funciona” para então renormalizar

(VERÍSSIMO, 2015). De acordo com a autora,

Cada homem tem a sua maneira singular de realizar um trabalho e de executar uma tarefa, segundo sua maneira de se posicionar no mundo, e ainda, quando se considera a multiplicidade dos sentidos que pode tomar, para cada um, uma aprendizagem ou um fracasso, na sua relação com o outro, com o mundo e consigo mesmo, em função de sua história, do seu percurso pessoal e dos seus próprios desafios (VERÍSSIMO, 2015, p.10)

A dimensão social contempla as marcas que se relacionam à posição que o

trabalhador ocupa na sociedade: na família, na cidade, no país, num tempo histórico,

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nas instituições por onde passou, com as pessoas com as quais conviveu

(VERÍSSIMO, 2015), com os quais ingressou no ofício principalmente.

Embora a ergologia apresente especificidades que qualificam os

denominados saberes investidos, algumas dimensões deles são reconhecidas por

outros autores com outras denominações. Os saberes investidos, do ponto de vista

da ergologia, aproximam-se da ideia de saberes tácitos. O termo tácito designa o

implícito e o informal. Saber tácito é aquele oriundo da experiência do trabalhador,

da sua história singular e coletiva, mas sobre o qual ele não tem consciência. Para

RUGIU, trata-se de saberes reconhecidos como “um conhecimento por via intuitiva e

prática, condicionada além de tudo pela perdurável didática ativa, guiada pela

palavra e pelo exemplo prático do mestre” (RUGIU, 1998, p. 73).

Dejours, citado por Silva (2010), realça o saber prático, que o trabalhador

vivencia diariamente no seu trabalho e que está relacionado aos sentidos. Ele

permite, por exemplo, diagnosticar o mau funcionamento de uma máquina apenas

pelo ruído que ela produz.

Um barulho, uma vibração, um cheiro, um sinal visual podem chamar a atenção do sujeito, mas antes chama a atenção do corpo desse sujeito, desde que este tenha vivido previamente a experiência, em uma situação qualquer de trabalho normal (DEJOURS apud SILVA, 2010, p.14).

O saber prático, ou o “saber fazer” é um tipo de saber que está diretamente

relacionado ao tempo, e que, somado à atividade do trabalho, faz com que o

trabalhador produza um conhecimento que lhe é próprio (TARDIF, 2005).

É o tipo de saber que acontece dentro das oficinas, “não dito nem codificado

em palavras, que ocorreu nesses locais e se transformou em hábito, através dos

milhares de gestos quotidianos que acabam configurando uma prática” (SENNETT,

2003, p.92). Estes saberes são conhecidos também pela denominação de

conhecimentos tácitos.

O conhecimento tácito é adquirido pelo trabalhador tanto no processo de trabalho quanto na sua atividade social em geral. É um processo contínuo e essencial ao andamento cotidiano do trabalho. É dificilmente codificado, o que dificulta a sua sistematização, mas é

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extremamente dinâmico, estando presente em, praticamente, todos os processos de trabalho conhecidos no capitalismo (ARANHA, 1997, pág. 14).

Há uma tendência a se valorizar o saber já formalizado, e por consequência o

trabalho prescrito em detrimento do trabalho real. No trabalho real o trabalhador

produz um saber investido que é difícil de ser explicitado, já que muitas vezes ele

mesmo não sabe descrevê-lo. Ao focalizar o ofício de mestres alfaiates, Sennett

(2009) se refere a esta dificuldade quando diz que é o caso dos “mestres que devem

ser insistentemente induzidos a se explicar, para expressarem o conjunto de passos

e soluções que absorveram em silêncio – se pelo menos forem capazes de fazê-lo e

o quiserem” (SENNETT, 2009, p.93).

3.6 DD3P (DISPOSITIVO DINÂMICO A TRÊS POLOS)

Devido à importância atribuída pela ergologia aos saberes para se

compreender a atividade do trabalho, ela propõe um método que se volta para

conhecê-los: o Dispositivo Dinâmico a Três Polos - DD3P.

O DD3P é composto de três polos que se articulam dinamicamente: o polo

dos saberes constituídos, o polo dos saberes investidos e o polo das exigências

ergológicas (éticas, epistemológicas, políticas, infraestruturais, entre outras). A lógica

que orienta o diálogo entre estes três polos é definida pela ideia dos processos

socráticos de duplo sentido e resulta em produção de conhecimento e de soluções

para os problemas que ocorrem no trabalho. Pelo menos dois princípios estão

garantidos aqui: o protagonismo dos trabalhadores e a transformação do trabalho.

No primeiro polo está o saber constituído. São os conhecimentos acadêmicos,

formalizados, os conceitos e os saberes técnicos que estão relacionados à situação

de trabalho que é objeto de conhecimento.

Page 77: Barbosa, Juliana. PRESERVAÇÃO DOS SABERES TRADICIONAIS

77

No segundo polo estão os saberes investidos, os saberes da experiência,

aqueles saberes que ainda não foram formalizados, socializados e que pertencem

apenas ao trabalhador.

O terceiro polo é o responsável pela garantia dos parâmetros dentro dos

quais se desenvolverá o diálogo entre os dois primeiros. Segundo SCHWARTZ,

desse dialogo resultará num novo saber. Nesse 3º polo os saberes se retrabalham

permanentemente, num sistema de retroalimentação, sempre em movimento,

questionando disciplinas, conceitos, saberes e pessoas, “rumo a futuros não-

antecipáveis e sempre abertos” (SCHWARTZ, 2002, p.146).

O DD3P permite que pesquisador e trabalhador se beneficiem desta dinâmica

ao aprenderem com a experiência um do outro, por meio de uma

“pluridisciplinaridade que produza colaboração e cooperação, uma busca por

aproximação entre os saberes, uma vez que cada um tem seu olhar próprio sobre o

mundo em sua busca pelo conhecimento” (HOLZ, 2013, p.160).

3.7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A revisão bibliográfica que deu origem a este artigo permitiu abordar o

conceito ergológico de atividade, bem como aqueles que o especificam: normas

antecedentes e renormalização, trabalho prescrito e real, dramáticas do uso de si,

saberes constituídos e investidos.

O DD3P também foi apresentado, uma vez que ele justifica a abordagem

ergológica sob dois pontos de vista: de um lado, permitir uma aproximação da

dinâmica da atividade do trabalhador, da qual fazem parte os saberes constituídos e

investidos; e, de outro lado, chamar a atenção dos pesquisadores que se propõem

conhecer o trabalho para a necessidade de fazer dialogar estes dois tipos de

saberes envolvendo trabalhadores e gestores neste diálogo.

A construção teórica que dela decorreu permitiu uma aproximação da

atividade do trabalho do alfaiate de maneira a identificar os saberes que ele cria e

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78

mobiliza durante o processo de confecção de um paletó, peça considerada

emblemática da alfaiataria artesanal. Este resultado é apresentado em outro artigo

intitulado “Relato da Pesquisa: Preservação dos Saberes Tradicionais do Alfaiate” e

que faz parte desta dissertação.

No entanto, a complexidade da atividade do trabalho requer uma

conceituação que responda à dificuldade posta por esta realidade. A ergologia,

consequentemente, é um arcabouço conceitual não só complexo como também

apresenta desafios próprios a uma abordagem em construção contínua. Entende-se,

portanto, que este artigo representa um primeiro passo da pesquisadora em direção

a uma apropriação mais profunda da ergologia.

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81

4. RELATO DA PESQUISA: PRESERVAÇÃO DOS SABERES TRADICIONAIS

DO ALFAIATE

Juliana Barbosa58

Eloisa Helena Santos59

Resumo

Este artigo apresenta os resultados da pesquisa empírica realizada com o objetivo de analisar os saberes tradicionais utilizados pelos alfaiates de forma a garantir a sua salvaguarda na perspectiva de contribuir com ações inovadoras de formação profissional e com o desenvolvimento local. Utilizando a abordagem qualitativa e uma pesquisa de tipo descritivo-exploratória, ela contou com a participação de um alfaiate que foi acompanhado pela pesquisadora em sua atividade durante o período de seis meses quando ele confeccionou um paletó, peça considerada emblemática da alfaiataria artesanal. A observação participante, a entrevista semi-estruturada e de autoconfrontação foram as técnicas empregadas para a coleta de dados. Os resultados da pesquisa revelam os saberes constituídos e investidos mobilizados pelo alfaiate e o seu envolvimento com o processo de pesquisa.

Palavras-chave: Alfaiataria Artesanal. Saberes Constituídos e Saberes Investidos. Processo de Ensino e Aprendizagem.

Abstract

This paper presents the results of empirical research conducted in order to analyze the traditional knowledge used by tailors to ensure their protection in order to contribute to innovative actions of vocational training and local development. Using a qualitative approach and a descriptive exploratory research, it had the participation of a tailor who was accompanied by the researcher in his activity during the period of six months when he made a jacket, considered an emblematic piece of handmade tailoring. The participant observation, semi-structured interviews and self-confrontation were the techniques used for data collection. The survey results reveal the established and invested knowledges mobilized by the tailor and his involvement with the search process. Keywords: Tailoring Craft. Consisting Knowledge and Skills Invested. Teaching and

Learning Processes.

58 Mestranda do Programa de Mestrado Profissional em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universitário UNA. 59 Orientadora e Professora Doutora do Mestrado Profissional em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universitário UNA.

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INTRODUÇÃO

Embora a maior parte da pesquisa tenha se desenvolvido com um alfaiate

somente, ela iniciou-se com dois: Pedro que tomou as medidas do cliente e traçou o

paletó e João que foi o responsável por costurar, provar a peça no cliente com suas

devidas correções além do acabamento. Os alfaiates pesquisados têm trajetórias

escolares diferentes. Pedro cursou até o terceiro ano do ensino fundamental no

colégio Senhor do Bonfim na cidade de Bocaiúva, enquanto que João possui o

ensino médio completo, cursado no Colégio Interno chamado Cidade dos Meninos

na cidade de Governador Valadares, ambas localizadas no estado de Minas Gerais.

Embora não tenham sido formados como alfaiates nos bancos escolares,

utilizam-se de saberes constituídos adquiridos no ensino formal como a matemática.

Deles fazem parte também aqueles adquiridos por meio dos saberes tradicionais de

seus mestres, ainda que não estejam formalizados em livros, softwares ou ainda, em

normas técnicas e organizacionais. Por isso estes têm uma especificidade no

conjunto de seus saberes constituídos. Este conjunto de saberes tem grande

importância na alfaiataria que realizam, contudo, não é suficiente para resolver os

problemas que surgem no trabalho real.

Na alfaiataria artesanal, o mestre é aquele que tem o maior domínio dos

saberes. É ele o responsável pela tomada de medidas do cliente e o posterior

traçado e corte do tecido. Após esta fase, o mestre encaminha o trabalho para os

oficiais, que por sua vez o executam de acordo com sua especialidade.

A partir daí o oficial alfaiate obtém a liberdade de decidir quais saberes e

técnicas utilizará na confecção da peça. Ele busca atender as prescrições do mestre

alfaiate, bem como se adequar às condições impostas pelo tecido e o modelo

desejado, ou seja, pelas condições do trabalho real, repleto de infidelidades do meio.

Um outro conjunto de saberes diz respeito àqueles que a ergologia denomina

saberes investidos. Pedro e João desenvolveram esses saberes ao longo dos anos

de experiência na alfaiataria, portanto, trata-se de um saber pessoal. São eles que

são mobilizados no espaço entre o trabalho prescrito e o trabalho real e são

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83

considerados pelos ergologistas os verdadeiros saberes da atividade. João, com

quem a pesquisa de campo se desenvolveu, exemplifica:

Então eu falei assim, eu comecei a ter ideias, dobrando no ferro e cortando; antes eu só dobrava no ferro, costurava, depois eu descobri que tinha que saber onde é que estava o risco embaixo; pensei: se eu cortar um pouquinho nas pontas eu venho aqui e vejo. Costuro de lá pra cá e depois eu levanto e fico sabendo onde tá o limite do bolso, e com isso eu não preciso procurar nada [...], muito mais prático, não precisa procurar nada, já está tudo ali (autoconfrontação em 06/02/2015).

A construção do saber investido é descrita, ainda, quando ele diz: “a gente

vai costurando e com o tempo você tem uma visão da costura antes de fazer sabia?

eu falo que é uma ante visão. Antes de fazer você já tem um projeto na cabeça!”

(depoimento coletado em 2014).

Entre as falas recorrentes dos alfaiates pesquisados é comum ouvir

expressões como “cortar no olho” e “golpe de vista”, que evidenciam um tipo de

saber que eles possuem. O alfaiate sabe mais do que ele pode dizer. Ele

desenvolve esta habilidade principalmente por meio da observação, por exemplo, do

preparo de uma lapela60, em que a posição com que o tecido é tomado pelas mãos e

a maneira como os pontos são distribuídos determinarão a virada natural do tecido.

A partir dessa observação, ele investe de possibilidades o conhecimento adquirido

por meio de seus mestres reinventando-os e transformando-os em novos saberes.

Entre o prescrito pelo mestre alfaiate e o trabalho real executado pelos

oficiais, há uma série de implicações e diferenciações que foram sendo reinventadas

e renormalizadas pelos próprios alfaiates. João explica: “é que eu vou inventando

sabe? Eu vou fazendo e vou criando formas, e de repente, o negócio fica bom!”

(depoimento coletado em 2014).

As diferenças na execução dos detalhes de um paletó caracterizam uma

marca singular do alfaiate e “sua presença no objeto” (SENNETT, 2009, p.149). Elas

representam a declaração de que “eu fiz isto”, “estou aqui, neste trabalho”, “eu

existo”.

60 É a parte do casaco correspondente à continuação da gola na frente do paletó, moldada e costurada para virar para o lado de fora. Lapela também é o nome empregado com relação às “tampas” de bolsos externos de paletó e casualmente em calças.

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84

Cada alfaiate possui uma vivência singular e uma maneira própria de

trabalhar. A construção de um bolso de dois vivos, que são aqueles internos e

externos de um paletó, em que ficam visíveis apenas duas “tiras” de tecido, revela

modos diferentes de fazer considerados importantes para os alfaiates e pouco

perceptíveis aos olhos do consumidor final. São muitos os detalhes para que uma

roupa fique bem feita, e a maior parte deles é interna, não visível externamente.

Durante a execução do paletó, João destaca que “tem certas coisas que você

descobre que vai dar conta de fazer só na hora que tá fazendo”. Não dá para

antecipar. Ele busca alternativas para os tipos de acabamentos impostos e se abre a

novas possibilidades:

Isso não foi na alfaiataria que eu aprendi, isso foi nas roupas que vêm

de fora. Hoje em dia não precisa prender tudo, você só prende aqui ó

(mostra o detalhe da bainha), costura com costura, e fica bom, não

fica aparecendo pontinho aqui.... Tudo é o que vem de fora e os

alfaiates às vezes demoram a entender que isso é um bom negócio

(depoimento coletado em 2014).

Para o alfaiate, a capacidade de ser flexível é imprescindível para atuar nesse

ofício em que cada alfaiataria possui sistemas e metodologias próprias de trabalho.

Conforme garante João, uma peça é desfeita tantas vezes quantas forem

necessárias para que ela esteja em perfeita posição, principalmente no que diz

respeito à manga do paletó. Trata-se de uma evidência de que os saberes investidos

são criados por intermédio do erro e pelo trabalho que deve ser feito sobre ele para

que a execução da peça não se torne uma tarefa automática, mecânica.

Então eu tô nessa situação agora, tudo o que eu olho se eu não gostei não tenho preguiça mesmo, desmancho e faço. É uma coisa que eles colocam pra gente ... a gente sabe que a gente errou né?! Então é desse jeito, uma disciplina constante (autoconfrontação em 06/02/2015).

Faz parte do seu saber avaliar permanentemente seu próprio trabalho, já que

ele “pega o hábito de se vigiar”:

A manga, a manga é o seguinte: ela tem prumo né? Quando ela tá no prumo ela não dá ruga em lugar nenhum, ela cai certinha [...], tudo é o centro da peça que já é calibrada pra isso. Então, quando a manga

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85

fica fora do lugar, ela tá fora do prumo; ou você tem que tirar, você tem que descer, cava grande, cava pequena... Isso aí é errando sabe? Errando e tendo alguém também pra te alertar. E tem pessoas que às vezes aprende e não tem essa sensibilidade de ver que tá errado e continua fazendo, ele acha que é só pôr no lugar e entregar. A gente na alfaiataria, tem gente que puxa a orelha da gente o tempo todo, né? Então a gente tá aprendendo. E depois que a gente aprende também, que vai trabalhar pros outros, cada um tem sua forma e fica em cima, né: ‘não! tá pra trás’, ‘não! tá pra frente’, ‘tem um papinho aqui, precisa tirar isso’, ‘você tem que descer mais, essa cava tá apertada’! Então é assim, com isso você pega o hábito de se vigiar (autoconfrontação em 06/02/2015).

Em um determinado momento percebe falhas ao seu redor e sugere a

correção:

É, perto da máquina, você precisa ter uns lugarzinhos certos pra colocar essas coisas [vistas dos bolsos]. Você perde muito tempo, por exemplo, quando ali, ó, eu vou usar um ali [uma das vistas] esse ali tem que ficar num lugar [indica a outra vista que está sob o paletó] mais organizado sabe, senão cai no chão e se perde (autoconfrontação em 06/02/2015).

Ele destaca também o uso do alinhavo à mão, técnica inexistente na indústria

e de fundamental importância na alfaiataria artesanal. Reconhece que é uma técnica

trabalhosa, mas que confere um ganho de tempo posterior: “Tu vê (sic) que até o

alinhavar é trabalhoso né? Você ganha tempo... se costurar na tora dá defeito e

você tem que desmanchar. Aqui não, você alinhavou, costurou, tá pronto!”

(depoimento coletado em 2014).

O alfaiate comenta sobre determinados itens que compõem a sua atividade,

como a acomodação da manga do paletó com o ferro de passar e com o auxílio de

uma almofada61. Durante a passação, ele apanha a almofada e diz: “costura é

assim, você vai fazendo e inventando maneiras de se trabalhar melhor (pausa para

uma reflexão e, em seguida, faz uma exclamação) Alguém inventou essa almofada!”

(depoimento coletado em 2014).

61 É Comum o uso de almofadas de vários tamanhos para atender determinados pontos da peça no momento da passação. Elas auxiliam o alfaiate na tarefa conferindo ao modelo a forma desejada, além de proteger as próprias mãos no momento de utilizar o ferro de passar.

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João ressalta a qualidade da alfaiataria artesanal quando realizada

manualmente. No entanto, ele adota técnicas semi industriais aprendidas em

decorrência de sua vivência em fábricas de vestuário prêt-à-porter, e vê nelas um

expediente importante incorporado à sua atividade.

Tem pessoas aí que fazem um bolso fora de série, Matias por exemplo; o finado Carlos também fazia um bolso todo a mão né, e eles fazem questão. Mas eu já venho de uma geração que tem que produzir e fazer bem feito, mostrar que produz rápido e com a qualidade bem próxima da deles né. E o serviço de alfaiataria quando é feito manual mesmo, quando a pessoa é boa, parece que é uma joia, uma coisa incrível né?! (Entrevista em 06/02/2015).

A expressão “parece uma joia, uma coisa incrível né?!” demonstra a sua

admiração e respeito tanto pelos seus pares, quanto pela alfaiataria artesanal.

No entanto, há uma grande dificuldade em se codificar os saberes investidos,

pois eles se desenvolvem em meio a inúmeras variáveis, tais como o tempo e o

espaço, as condições humanas e econômicas, além das particularidades subjetivas

de cada alfaiate. Os saberes investidos

São incorporados na resolução de problemas ou na criação de alternativas de desenvolvimento das atividades e restam sob a forma de uma experiência daqueles que a viveram. De outro lado, formalizar o saber produzido é uma tarefa de extrema complexidade. A dificuldade ou a impossibilidade de fazê-lo não podem ser compreendidas como uma falha absoluta de formalização (SANTOS, 1997, p. 10).

O alfaiate reflete sobre sua prática e encontra maneiras de melhor realizar a

tarefa prescrita, renormalizando. A criatividade é inerente à sua atividade, portanto, a

renormalização é constante na sua rotina: “a gente que mexe com costura,

constantemente, é difícil fazer a mesma coisa do mesmo jeito. Por isso eu falo, pra

ser costureiro tem que ser criativo” (depoimento coletado em 2014). Este

depoimento vai ao encontro das ideias de Schwartz que dizem respeito à

singularidade das situações do trabalho e a sua renormalização contínua,

As renormalizações são as múltiplas gestões de variabilidades, de furos das normas, de tessitura de redes humanas, de canais de transmissão que toda a situação de trabalho requeira, sem, no entanto, jamais antecipar o que elas serão, na medida em que essas

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87

renormalizações são portadas por seres e grupos humanos sempre singulares, em situações de trabalho, elas mesmas, também sempre singulares (SCHWARTZ, 2011, p.34).

Na confecção do paletó, o alfaiate depara-se com situações em que ele é

chamado a tomar decisões, a fazer escolhas, como por exemplo, o uso ou não de

determinadas entretelas.

Trabalho manual, trabalho intelectual: Quem hoje poderia sustentar que o trabalho manual não mobiliza, por meio do corpo, como suporte de uma história pessoal, a síntese de microapreciações, de microescolhas, de microjulgamentos? (WISNER, apud, SCWARTZ,

2011, p.28).

O emprego correto dos aviamentos, bem como o tipo de entretela a ser

utilizada fazem parte de algumas das decisões que ele tem que tomar. O uso de

uma entretela colante inadequada pode acarretar defeitos que não se apresentam

de imediato62 somente após determinado tempo de manuseio, o que provavelmente

comprometeria horas de trabalho.

A decisão na escolha do processo de confecção de um bolso também denota

as escolhas que o alfaiate faz, em que ele deve considerar o tipo de tecido, o

modelo desejado e a viabilidade da execução. No uso de si por si, ele cria

mecanismos que facilitam a sua atividade, ele cria condições de desempenhar as

mesmas tarefas de forma otimizada, como explícita neste depoimento:

Então você tem que criar gabaritos né? Formas de trabalhar, formas de repetir aquele serviço muito mais rápido possível. Então eu descobri que aquele negócio que você corta duas tiras, você vai costurar uma, depois você vai procurar outra e encostar na outra né, leva tempo. As vezes some, você fica procurando, até colocar aquilo no lugar já passou alguns minutos (autoconfrontação em 06/02/2015).

A seguir, apresenta-se a metodologia utilizada nessa pesquisa, que aliado ao

arcabouço teórico permitiu uma aproximação da atividade do trabalho do alfaiate de

modo a compreender, e identificar os aspectos relacionados aos saberes

tradicionais elencados durante o processo de confecção do paletó.

62 Alguns tipos de entretela apresentam certa dificuldade de fixação em determinados tecidos. Cabe ao alfaiate testá-los e submetê-los a fusionamentos específicos que garantirão a qualidade da peça.

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4.1 METODOLOGIA

A pesquisa utilizou a abordagem qualitativa por compreender que é a que

mais se adequa ao alcance de seu objetivo de analisar os saberes tradicionais que

envolvem a atividade do alfaiate, em especial, a confecção do paletó. Ela permitiu

usar o ambiente natural da oficina do alfaiate como fonte direta de coleta de dados,

estabelecendo uma relação de confiança com os sujeitos da pesquisa além de

propiciar à investigadora a condição de perceber o significado que o alfaiate dá ao

seu trabalho e à sua vida. A pesquisa contou também com os procedimentos de

revisão bibliográfica e pesquisa empírica.

Os instrumentos de coleta de dados foram a observação participante da

pesquisadora durante o processo de confecção do paletó, a entrevista semi

estruturada e a de autoconfrontação. A entrevista semi estruturada procurou

conhecer a história de ingresso e formação do alfaiate no ofício, bem como outros

aspectos pertinentes à categoria dos alfaiates e à manutenção da alfaiataria

artesanal. Na entrevista de auto confrontação, realizada após a finalização do

paletó, foram utilizadas as imagens de fotografia e vídeo registradas durante o

processo.

4.2 A PESQUISA EMPÍRICA

4.2.1 O CENÁRIO DA PESQUISA

Com o intuito de registrar a atividade e os saberes do alfaiate, a pesquisa de

campo se deu, inicialmente, em duas alfaiatarias, uma delas de maior porte, que

será denominada alfaiataria A.

A alfaiataria A está localizada no bairro Cruzeiro, na zona sul de Belo

Horizonte, e conjuga os espaços de residência do casal proprietário, oficina e

recepção. Lá o proprietário recebe clientes, toma as medidas, confecciona e entrega

os trajes. Nessa alfaiataria são empregados um mestre alfaiate, cinco oficiais e uma

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costureira. Não há presença de aprendizes. Há também o setor administrativo

composto por dois funcionários e o casal proprietário.

A oficina da alfaiataria A ocupa um espaço de aproximadamente 40 metros

quadrados em um único ambiente, anexo à casa aos fundos. A administração e a

recepção estão localizadas na parte térrea do interior da casa. O maquinário que

compõe a alfaiataria é constituído por oito máquinas de costura reta industrial, uma

máquina de overloque, uma prensa de colar entretela, dois ferros de passar

industrial e duas mesas de corte. O mestre alfaiate, sujeito da pesquisa na alfaiataria

A é o Pedro.

A segunda alfaiataria, de menor porte, será chamada de alfaiataria B. Ela está

localizada no bairro Estrela Dalva, na região oeste da capital. A alfaiataria é dirigida

pelo seu proprietário e sua esposa, também costureira que se ocupa de outras

tarefas de confecção, como uniforme e roupas em geral.

O espaço da alfaiataria B também é anexo à residência do proprietário, e

ocupa um espaço de aproximadamente 20 metros quadrados divididos em dois

ambientes.

O maquinário da oficina da alfaiataria B é composto por três máquinas retas,

uma máquina de overloque, uma caseadeira, ferro de passar industrial e uma mesa

de corte. O alfaiate sujeito da pesquisa na alfaiataria B é o João.

A primeira etapa da pesquisa se deu na alfaiataria A. Correspondeu à

observação pela pesquisadora da recepção do cliente, da tomada de medidas, do

traçado e do corte. A segunda etapa e a mais importante foi realizada na alfaiataria

B, onde a confecção e o acabamento do paletó foram realizados.

4.2.2 O OBJETO DA PESQUISA

As peças tradicionais confeccionadas com frequência nas alfaiatarias são

masculinas com algumas peças femininas esporádicas. Peças infantis também são

realizadas, contudo, elas são apenas masculinas. Calças, coletes e paletós são os

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90

produtos principais na alfaiataria, e em algumas situações outros modelos são

confeccionados, porém, sempre como variações das peças clássicas.

A camisa nem sempre é confeccionada nesses ateliers, pois há um

profissional exclusivo para essa peça intitulado “camiseiro”. As alfaiatarias em geral

contratam os serviços desse profissional terceirizando esta função.

Dentre as peças citadas, aquela que possui maior complexidade em sua

execução é o paletó. Dessa forma, decidiu-se por sua confecção e o registro de todo

o processo de sua produção. O paletó é considerado a peça mais emblemática na

alfaiataria artesanal, portanto, aquela que agrega o maior número de elementos

capazes de ilustrar os saberes do alfaiate com exatidão, objetivo da pesquisa. Dessa

forma, a pesquisa se desenvolveu acompanhando a confecção de um paletó pelas

mãos do alfaiate João.

4.2.3 OS SUJEITOS DA PESQUISA

A pesquisa se desenvolveu com a participação de dois alfaiates, João e

Pedro, sujeitos da pesquisa. O início da pesquisa se deu na alfaiataria A, com a

participação do mestre alfaiate Pedro na tomada de medidas, no traçado e no corte

do paletó.

O mestre alfaiate Pedro possui 70 anos, é natural de Bocaíuva região norte

de Minas Gerais, e ingressou no ofício aos 13 anos de idade. Trabalha na alfaiataria

A em torno de 20 anos sendo o responsável pela tomada de medidas, traçado, corte

e supervisão da confecção das peças. Pedro foi o responsável por tomar as

medidas, traçar e cortar o paletó.

O segundo sujeito da pesquisa e também o responsável pela confecção da

peça foi o alfaiate João, que foi, portanto, acompanhado por mais tempo. João é

natural de Belo Horizonte e possui 60 anos. Ingressou no ofício aos 12 anos, no

colégio interno em que estudava, chamado Cidade dos Meninos na cidade de

Governador Valadares. Nesse Colégio ele foi convidado a auxiliar o alfaiate

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responsável pela confecção e manutenção dos uniformes dos alunos, dando assim,

seus primeiros passos no ofício.

João é um dos poucos alfaiates que concluiu o ensino médio, além de ter

realizado cursos profissionalizantes em outras áreas tais como contabilidade,

tornearia mecânica e eletricidade. Segundo ele, todos os cursos eram realizados na

tentativa de ingressar em uma profissão que fosse uma alternativa à alfaiataria:

Os próprios colegas de serviço da alfaiataria falavam que a alfaiataria não presta, porque a gente não ganha dinheiro. Pode até trabalhar na alfaiataria, mas estudar para ser outra coisa porque a alfaiataria é terrível. Então, é por isso que hoje em dia nós temos poucos alfaiates, porque os próprios que existiam na época estimulavam as pessoas que chegavam a mudar de rumo (Entrevista cedida em 12/12/2014).

Além dos cursos que realizou, trabalhou em outras áreas, porém não se

identificou com nenhuma delas retornando para a alfaiataria artesanal, e

posteriormente ingressando na alfaiataria industrial. João relata a sua passagem

pela indústria como episódio importante na sua vida, pela experiência que adquiriu e

pela possibilidade de se desenvolver dentro da empresa. Nela assumiu cargos de

chefia, além do treinamento de pessoal do qual participou e que recorda com

saudosismo.

Seu ingresso na indústria se deu em um momento difícil em que, segundo ele

o salário que recebia trabalhando como empregado não era o suficiente para o

sustento de sua família:

Descobri que a alfaiataria tava (sic) me pagando muito pouco, conseguia fazer feira só semanal, a patroa ia lá pra comprar arroz e feijão barato porque o dinheiro não tava (sic) dando. Um dia eu fiz uma oração com Deus lá, uma conversinha boa com ele, ele me mostrou um jornal e eu vi lá: precisa-se de alfaiate industrial, eu disse “que coisa é essa?” Fazer roupa é.... Eu vou lá. Cheguei lá e alfaiate industrial era costurar nessa máquina industrial! (Entrevista em 12/12/2014).

Relata a admiração ao perceber que as tarefas que executaria seriam as

mesmas, porém de forma padronizada e utilizando maquinário industrial. Ao fazer o

teste foi imediatamente contratado. Uma vez dentro da empresa, em pouco tempo

Page 92: Barbosa, Juliana. PRESERVAÇÃO DOS SABERES TRADICIONAIS

92

foi o responsável por ampliar o setor com o recrutamento de outros oficiais alfaiates,

que viram na indústria uma possiblidade de maiores ganhos salariais e benefícios

em comparação às alfaiatarias na época.

No entanto, João faz uma ressalva, destacando a diferença de atuação dos

alfaiates naquele período, bem como dos costureiros que treinou em momentos

posteriores. Segundo ele, são profissionais capazes de desenvolver uma peça na

sua totalidade, diferente dos operadores de máquina que atuam hoje no mercado.

Esses não têm a oportunidade de aprender os processos como um todo, pois cada

pormenor do trabalho segundo Schwartz, “teria sido pensado pelos outros, antes

que os executantes agissem: aliás, a eles não é permitido agir, eles executam”

(SCHWARTZ, 2010, p.42). Desta forma, o trabalhador sem conhecer os processos

de uma maneira geral, trabalha de forma segmentada, mecanizada, e que em nada

contribui para o seu desenvolvimento,

Mas o que acontece é que eles querem treinar a pessoa em costurinha, fazer trabalhar noite e dia e produzir aquela quantidade que eles querem pra ganhar aquele salarinho que não melhora nunca e a pessoa também não melhora. Vira um escravo, um escravo moderno né? Pra não dizer que é escravo, costureiro. Então o que tá acontecendo muito por aí é isso. Essa rotina miserável, sacrificante, salário pouco porque a própria pessoa vê que ela tá fazendo pouco serviço, que ela não tá gastando cérebro nenhum, às vezes no automático ela tá trabalhando com as mãos mas tá pensando em filho, que a conta tá chegando e tal, que o gás tá... É por isso, eu acho que, tem que haver uma mudança. (Entrevista cedida em 12/12/2015).

Sua experiência na alfaiataria industrial girou em torno de 10 anos, parte

deles em Caetité, interior da Bahia, onde foi o responsável por instalar uma fábrica

de confecção capacitando costureiros para o início das atividades. Finalizado o

projeto de instalação da fábrica, ele retorna a Belo Horizonte e retoma seu trabalho

na alfaiataria artesanal, implementando parte das técnicas que desenvolveu

enquanto permaneceu na indústria. Desta forma, João é um tipo de alfaiate que

transita com desenvoltura entre as alfaiatarias tradicional e prêt-à-porter, com

domínio das técnicas de ambas.

Page 93: Barbosa, Juliana. PRESERVAÇÃO DOS SABERES TRADICIONAIS

93

No entanto, essa experiência por vezes é descriminada por outros alfaiates,

que se referem a ele como “da indústria”, refutando as técnicas que utiliza por

considerarem inadequadas ou infiéis às técnicas artesanais da alfaiataria.

A coleta de dados se deu por meio do acompanhamento da atividade de

cada um dos alfaiates sujeitos da pesquisa. A atividade do alfaiate Pedro foi

registrada na alfaiataria A durante o processo de recepção e tomada de medidas

que se desenvolveu no período de uma tarde. Dessa forma, a análise recaiu

principalmente sobre os dados coletados junto ao alfaiate João pela participação

efetiva na confecção do paletó no decorrer de seis meses da pesquisa.

4.3 O INÍCIO DO TRABALHO DE OBSERVAÇÃO

O início do trabalho de observação se deu na alfaiataria A. Além da

observação propriamente dita da atividade do alfaiate, a pesquisadora iniciou o

registro de imagens – fotos da tomada de medidas, bem como do local em que se

realizou o corte do paletó, que, porém, não foi registrado pela indisponibilidade do

mestre alfaiate da alfaiataria A em expor esta tarefa e colaborar com o registro das

imagens. Como citado anteriormente, esta atitude revela uma prática comum entre

aqueles que acreditam estarem vulneráveis ao revelar “seus segredos”. Desta

forma, o paletó foi cortado em um momento em que a pesquisadora não estava

presente na oficina, garantindo dessa forma que os detalhes ficassem preservados.

Em seguida, o processo de confecção do paletó se deu na alfaiataria B por

meio de encontros semanais com algumas interrupções, de acordo com a

disponibilidade de horário do alfaiate. Os encontros tiveram a duração de três a

quatro horas no decorrer do período de seis meses. É necessário destacar que o

alfaiate que realizou a confecção do paletó é o proprietário da alfaiataria B e

trabalha, eventualmente, na alfaiataria A ou prestando serviços para a mesma em

sua própria alfaiataria.

Page 94: Barbosa, Juliana. PRESERVAÇÃO DOS SABERES TRADICIONAIS

94

4.4 AS TÉCNICAS DE COLETA DE DADOS

As técnicas utilizadas na coleta de dados foram a observação participante,

que contou com o registro de imagens, a entrevista semiestruturada e a posterior

entrevista de autoconfrontação, que segundo Theureau (apud ANTIPOFF, 2014) é

uma entrevista que se constitui em um importante recurso para acessar a

consciência pré-reflexiva dos sujeitos. Isto é, como ele age, percebe e utiliza os

meios para alcançar seus objetivos em situações reais de trabalho. Ela é mediada

por traços objetivos da atividade, colhidos durante a fase de observação em

situações reais de trabalho.

Entendemos por autoconfrontação não apenas as verbalizações a posteriori sobre o próprio comportamento, mas toda e qualquer técnica de explicitação que coloque traços objetivos do comportamento entre o observador que interroga e o observado que responde. Nesse princípio metodológico geral, cabem tanto as verbalizações ininterruptas e consecutivas, quanto as entrevistas de explicitação ou as entrevistas guiadas pelos fatos (LIMA, 2000, p.139).

As imagens e vídeos registrados foram usados em posterior análise junto ao

alfaiate como auto confrontação. Diante das imagens, foi pedido a ele que

comentasse e explicasse os vários passos registrados. Segundo LIMA (2000), trata-

se de um instrumento de coleta de dados um pouco mais sofisticado que permite

que o entrevistado se perceba e esclareça como e porque ele trabalha daquela

forma.

O registro da atividade é apresentado ao alfaiate que o analisa na perspectiva

de identificar os saberes que compõem a sua técnica de fabricação do paletó, além

de outros “estados d´alma”. O método ergológico do Dispositivo Dinâmico a Três

Polos (DD3P) deu o suporte para que a pesquisadora analisasse o diálogo entre os

saberes constituídos e os saberes investidos.

A observação participante com o acompanhamento direto da pesquisadora

durante a confecção do paletó contribuiu para estabelecer o diálogo sobre os

pormenores da atividade. Além de sua importância neste momento, o registro de

imagens por fotografia e vídeo permitiu organizar uma sequência operacional da

Page 95: Barbosa, Juliana. PRESERVAÇÃO DOS SABERES TRADICIONAIS

95

execução do paletó e dos saberes aí mobilizados, de acordo com as observações

feitas pelo alfaiate.

Também foram utilizadas entrevistas semi-estruturadas com um roteiro de

perguntas previamente formuladas (CRUZ NETO, 2004). Neste momento o alfaiate

versou sobre as ações que executa, fornecendo elementos históricos, além dos

processos utilizados durante o seu tempo de trabalho.

Contudo, o aspecto mais importante das técnicas de coleta de dados

utilizadas reside no fato de que o alfaiate ocupa o papel central, percebendo-se na

sua atividade em situações que por vezes não consegue explicar, sentindo-se

estranho à própria ação.

A análise dos dados se deu pela técnica de análise de conteúdo e consistiu

em rever os vídeos realizados por meio da técnica de minutagem, descrevendo o

processo de confecção do paletó aliado aos conceitos da ergologia, buscando

identificar as falas, o gestual, o que não foi explícito em palavras, para então traduzir

a atividade do trabalho do alfaiate na sua plenitude.

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96

4.5 A ANÁLISE DOS DADOS EMPÍRICOS: OS SABERES TRADICIONAIS DO

ALFAIATE NA CONFECÇÃO DO PALETÓ

O processo de confecção do paletó teve início no dia 21 de julho de 2014 na

alfaiataria B. A pesquisadora participou de 13 encontros semanais registrados por

meio de imagens de vídeo. Como se trata de um processo demasiadamente longo, a

descrição e a análise dos dados empíricos se ativeram às passagens mais

significativas da atividade do alfaiate. O manual do paletó, produto técnico resultante

da pesquisa e que compõe o capítulo seguinte, contém todas as informações,

imagens e ilustrações, o passo a passo que permite que o leitor acompanhe o

processo de confecção do paletó sem maiores dificuldades.

4.5.1 O PROCESSO DA CONFECÇÃO DO PALETÓ NA ALFAIATARIA B

No primeiro encontro na alfaiataria A o paletó foi cortado no tecido pelo

alfaiate Pedro e entregue à pesquisadora desse início a confecção da peça.

Imediatamente a pesquisadora levou o trabalho até a alfaiataria B e o entregou nas

mãos do alfaiate João com quem a pesquisa se desenvolveu. Feita a entrega do

tecido com o corte do paletó, todo o processo de confecção, incluindo os detalhes

correspondentes aos acabamentos de bolso e corte do forro foram realizados por

João, convocando todos os saberes constituídos e investidos.

Logo após o corte dos aviamentos de bolso63 e acabamentos de forro, João

realizou a escolha das entretelas, uma espécie de tela de tecido termocolante que

se adere ao tecido conferindo-lhe uma leve estrutura. A entretela é cortada no

mesmo tamanho da frente do paletó e aplicada como reforço em outros detalhes

como bainhas e mangas.

Após o corte das entretelas, o trabalho retornou à alfaiataria A onde elas

foram fusionadas com o auxílio de uma prensa semi-industrial64, uma vez que a

63 Todas as partes correspondentes ao forro, vista e lapelas de bolso internos e externos. 64 A prensa de fusionamento semi-industrial é um equipamento de grande auxílio para os alfaiates

com relação ao emprego de entretelas colantes, pois elimina um tempo de trabalho significativo, além

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97

alfaiataria de João não possui esse equipamento. Esta prensa é adotada cada vez

mais pelas alfaiatarias. Seu uso substitui a aplicação de entretelas não colantes

costuradas manualmente (CABRERA; MEYERS, 1983) pelo uso de entretelas

termocolantes, tornando sua aplicação mais fácil e rápida.

As entretelas não colantes continuam sendo aplicadas por meio de pontos

diagonais cruzados, à mão, em partes como a gola e a lapela, porém apenas nas

alfaiatarias tradicionais, naquelas que refutam qualquer tipo de maquinário industrial

ou semi-industrial (BARBOSA, 2011).

O método utilizado pelo alfaiate João dispensou a aplicação da entretela não

colante, cujo emprego pode ser considerado uma norma antecedente, em algumas

partes do paletó. Embora tendo recorrido à prensa semi-industrial para obter os

mesmos resultados de um trabalho realizado manualmente ele utiliza habilmente o

ferro de passar e a aplicação das costuras na máquina, de modo a equiparar-se ao

trabalho desenvolvido na alfaiataria artesanal. Esta ação do João corresponde a um

novo saber que mantém as características finais do produto no estilo da alfaiataria

artesanal. Como atesta SCHWARTZ,

Diante das normas antecedentes de todos os tipos, todas mais ou menos indispensáveis, mas todas parcialmente “inacabadas”, a atividade de trabalho, individual e coletivamente, deve – e esta é uma obrigação à qual ninguém pode se subtrair – dar-se normas de tratamento aqui e agora. E então, ao mesmo tempo, “fazer história”, e produzir formas originais de saber para efetuar este tratamento (SCHWARTZ, 2003, p.26).

A aplicação manual de uma entretela não colante e de todos os outros

acabamentos do paletó requer um tipo de habilidade do alfaiate que é da ordem do

saber investido.

A condição primordial para que um alfaiate possa trabalhar as costuras

manuais empregadas no paletó é o uso do dedal. Já em seu primeiro contato com a

alfaiataria, ele recebe esse acessório que é amarrado ao seu dedo médio,

de garantir a qualidade do processo. No entanto, não é comum encontrar este equipamento em alfaiatarias de menor porte, como é o caso da alfaiataria B.

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98

permanecendo com ele preso à mão durante todo o dia de trabalho, a fim de que

seu dedo acostume ao dedal, que funciona como uma extensão de seu corpo.

Na alfaiataria tradicional, não há como costurar sem o uso do dedal pela

quantidade de tecido e entretelas aplicadas em determinadas partes das peças. A

função do dedal é a de proteger o dedo médio empurrando a agulha contra essas

camadas de tecido no momento do ponto. Do contrário, a mão do alfaiate pode

sofrer várias pequenas perfurações. Nenhum alfaiate se separa de seu dedal,

dizendo sentir necessidade de usá-lo até mesmo no momento de enfiar a linha na

agulha, além de mantê-lo fixo no dedo, mesmo quando realiza outras tarefas

diferentes da costura.

O dedal de alfaiate difere do dedal de costureira pelo fato de ter seu topo

aberto, permitindo que o dedo ventile. Por meio dessa abertura é que o dedal é

fixado à mão com o auxílio de um retalho fino de tecido. O retalho é preso de

maneira que o dedo tome a posição da costura, de forma que o dedo fique

flexionado e próximo à palma da mão, na posição favorável ao manuseio da agulha,

permitindo empurrá-la lateralmente como na imagem abaixo (ver figura 06).

FIGURA 7: DEDAL AMARRADO À MÃO

Fonte: Arquivo pessoal da autora

FIGURA 6: POSIÇÃO DO USO DO DEDAL

Fonte: Arquivo pessoal da autora

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99

Ainda no primeiro encontro, João realizou as marcações das linhas mais

importantes do traçado no tecido. Para realizar tal marcação, utilizou uma técnica já

em desuso por parte deles: o alinhavo de alfaiate. Esse tipo de marcação, apesar do

cuidado que confere à produção da roupa, demanda demasiado tempo. Por isso ela

ocorre hoje apenas nas alfaiatarias mais tradicionais, em que o alfaiate faz questão

de manter o processo artesanal e, consequentemente, possui condições de repassar

o custo correspondente ao cliente (CABRERA; MEYERS, 1983). No paletó em

questão, a técnica foi demonstrada por João em algumas marcações, já que ele não

a utiliza mais.

Durante o processo, ele comenta: “eu gostava de fazer isso, eles punham a

gente para fazer isso (quando era aprendiz). Era meu passatempo... Menino é bom

que eles não sabem de nada não, tudo é divertimento” (depoimento coletado em

2014).

A técnica consiste em marcar as principais linhas do traçado do paletó no

tecido, tais como as linhas de cintura, bainha, quebra de lapela, entre outras. Isto é

realizado por meio de pontos de alinhavo frouxos, com linha simples, e posterior

separação das partes e corte da linha fazendo com que a marcação de linha

permaneça em ambas as partes (ver figuras 08 e 09).

FIGURA 9: SEPARAÇÃO E CORTE DO ALINHAVO

Fonte: Manual do paletó

FIGURA 8: ALINHAVO DE ALFAIATE Fonte: Manual do paletó

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100

4.5.2 A CONFECÇÃO DOS BOLSOS

No segundo encontro, depois de realizada a marcação de algumas linhas pela

técnica do alinhavo de alfaiate, e após o retorno das frentes do paletó da alfaiataria

A onde as entretelas foram coladas, iniciou-se o processo de confecção dos bolsos

que compõem a frente externa do paletó (bolsos de dois vivos e bolso de lenço).

Para a costura das lapelas dos bolsos, o alfaiate contou com o auxílio de

gabaritos para a marcação precisa da costura. Esses gabaritos são, às vezes,

improvisados de acordo com o material disponível no momento (ver figura 10) e

podem ser classificados como resultantes de ações “micro recriadoras” da atividade

(SCHWARTZ; DURRIVE, 2007).

Na confecção dos bolsos, João mobiliza um saber investido que revela uma

renormalização (SCHWARTZ, 2003): a sequência e a maneira como as vistas são

cortadas diferem da forma como ele aprendeu com seus mestres e da forma como é

trabalhada nas oficinas.

FIGURA 10: MARCAÇÃO DA LAPELA DE BOLSO

Fonte: Arquivo pessoal da autora

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101

A dimensão social deste saber está implícita no fazer desse bolso, pois o

alfaiate reconvoca todo o conhecimento adquirido nas alfaiatarias por onde passou,

dos mestres com os quais conviveu e renormaliza ao criar uma nova forma de

confeccionar um bolso que reduz o tempo, otimiza o processo e garante a qualidade

da peça (CALAZANS; VERÍSSIMO, 2014).

Ao preparar os retalhos de tecido para a confecção dos bolsos internos e

externo do paletó, percebe-se que o alfaiate não utiliza a fita métrica em nenhum

momento. Todas as partes são cortadas e vincadas no “golpe de vista”, um tipo de

saber que pode ser classificado como da ordem do biológico, uma vez que seu

corpo está condicionado à execução destas ações (CALAZANS; VERÍSSIMO,

2014). O saber desenvolvido por ele evidencia um uso de si por si, já que ele investe

um saber que é singular e que o faz dialogar com os procedimentos prescritos e os

saberes constituídos adquiridos com seus mestres.

Finalizada a confecção dos bolsos, o alfaiate leva as partes da frente do

paletó ao ferro de passar para vincar a quebra da lapela. Em determinado momento,

cogita-se a ideia de colocar uma música, já que até então, isso não havia sido feito

por existir uma preocupação com relação ao registro do vídeo.

A música em ambientes de costura, apesar do barulho incessante das

máquinas, é um subterfúgio para o alfaiate ou costureira. Expressa um cuidado em

aliviar as tensões do ruído produzido pelas máquinas. Sugere a música “A casa de

Irene” como uma proposta de “volta no tempo”. Canguilhem já alertava para a

criação de condições favoráveis à manutenção da saúde pelos trabalhadores.

4.5.3 O REFORÇO DE PEITO

Na sequência do processo, o alfaiate inicia o preparo do reforço de peito, uma

estrutura interna com sobreposições de camadas de entretela que conferem a

rigidez do ombro em direção ao meio do peito no paletó. As camadas são

posicionadas uma sobre a outra, como na sequência ilustrada na figura 11.

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FIGURA 11: DISPOSIÇÃO DAS CAMADAS DE ENTRETELA NO PREPARO DO REFORÇO DE PEITO Fonte: Arquivo pessoal da autora

No entanto, para que o reforço acompanhe a curvatura do ombro, logo que a

segunda camada é aplicada o alfaiate realiza um corte no centro do ombro e afasta

as partes das entretelas em aproximadamente 2cm (figuras 12 e 13). Esta abertura

faz com que o reforço perca a forma estática e acompanhe a curvatura natural do

ombro e o movimento do peito. A abertura é fixa com um retalho de entretela

formando uma pence aberta.

FIGURA 13: ABERTURA DA PENCE DE OMBRO Fonte: Arquivo pessoal da autora

FIGURA 12: PENCE DE OMBRO NO REFORÇO DE PEITO Fonte: Arquivo pessoal da autora

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103

Em seguida são presas as três camadas por meio de pontos realizados à

máquina, numa costura de zig-zag. Esta costura originalmente também era realizada

totalmente à mão. Mesclou as duas técnicas, utilizando costuras à mão e a

máquina, sem perder, no entanto, a forma essencial do reforço, que é aquela que

define a estrutura interna da frente no paletó.

Posteriormente, o reforço de peito foi alinhavado junto à frente do paletó, com

pontos longos em toda a sua extensão. Finalizado o alinhavo do reforço de peito na

frente do paletó, o alfaiate acomoda a peça na mesa, observa e exclama: “perfeito”!

Esse tipo de observação é realizado durante todo o decorrer do trabalho. O

alfaiate não avança se antes não for realizada uma inspeção cuidadosa da sua

tarefa. O rigor na confecção é a marca pessoal do alfaiate e a perfeição é convocada

sempre no “hábito de se vigiar”, que compõe parte da dramática do uso de si que faz

parte de sua atividade (SCHWARTZ, 2004).

Em seguida, logo após o alinhavo, fixa o reforço de peito no paletó com

pontos diagonais cruzados em toda a sua extensão até a quebra da lapela. Ele

chama a atenção no momento da aplicação dos pontos do reforço para que a

“agulha não vaze” para o lado direito da peça, isto é, não fique aparente do lado

direito ao final do trabalho.

4.5.4 O FORRO INTERNO

O forro interno na parte da frente do paletó constitui-se de uma parte de

tecido chamada revel65 do forro lateral e da ilharga66 Ao levar estas partes de tecido

para uni-las na máquina de costura, João percebeu que o forro estava maior que o

revel no comprimento. Ele reflete durante alguns minutos e, sem falar uma palavra,

se volta para a câmera e faz um sinal para mostrar que queria chamar a atenção

para o que iria fazer para resolver o impasse (ver figura 14).

65 Acabamento interno na frente do paletó cortado no tecido principal (externo). Compreende a região da lapela e do trespasse do abotoamento apenas. 66 Parte lateral do corpo do paletó compreende o espaço entre frente e costas, logo abaixo da cava.

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FIGURA 14: ALFAIATE APONTANDO A DIFERENÇA NA BARRA DO PALETÓ Fonte: Arquivo pessoal da autora

O gesto do alfaiate denota que ele fez uma reflexão acerca de um problema

que deveria ser resolvido ali, naquele instante. A diferença entre as partes pode

significar que uma delas está cortada em excesso ou a outra com falta de tecido, ou

que o tecido entretelado tenha sofrido um processo de encolha durante o

fusionamento. Que implicações isso traz para a montagem? Como seguir a partir

dessa constatação?

Ao se dirigir à câmera e fazer um gesto que caracteriza um convite para

acompanhar sua ação, o alfaiate quer ensinar como resolver aquele problema,

evidenciando a posição de alguém que sabe o que faz. Em poucos minutos ele

decide distribuir a diferença observada entre os extremos da peça (ombro e bainha),

algo em torno de 1,5cm, e realiza a costura de união.

Não há moldes de referência para que ele pudesse aferir onde está o

problema – medida rotineira tomada em uma fábrica prêt-à-portér – visto que o

mestre alfaiate que cortou o paletó o fez diretamente no tecido. Dessa forma,

convocou todos os saberes acumulados na sua atividade para tomar uma decisão

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105

frente àquele imprevisto, o que “só pode ocorrer por meio da prática, e de forma

progressiva durante a prática” (LIMA, 2000, p.143).

Em seguida, o alfaiate volta para a mesa de passação e tomba a costura de

união das partes do revel, forro lateral no sentido da ilharga. Depois, executa à

máquina os bolsos internos da frente do paletó. Nota-se que o ferro apresenta uma

espécie de proteção, um pedaço de papelão encaixado logo abaixo da alça (figura

15).

FIGURA 15: DETALHE DO PEDAÇO DE PAPELÃO NO FERRO DE PASSAR

Fonte: Arquivo pessoal da autora

Questionado sobre o porquê daquele “papelão”, ele responde que durante o

tempo em que trabalhou em uma indústria de confecção treinando mão de obra e

gerenciando a produção percebeu que as mulheres da fábrica queixavam-se

constantemente do vapor do ferro de passar. O modelo de ferro industrial emite mais

volume de vapor do que um doméstico comum, causando uma irritação na pele

semelhante a uma queimadura leve dependendo da sensibilidade de quem o

manuseia e do quanto ele é utilizado.

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Para resolver este problema criou uma proteção de papelão recortado e

encaixado logo abaixo da alça do ferro e acima do sistema de emissão do vapor.

Uma medida simples que pôs fim ao desconforto pelo qual as costureiras passavam

e favoreceu o trabalho de passação.

Na origem, um drama – individual ou coletivo – tem lugar quando ocorrem acontecimentos, que quebram os ritmos das sequências habituais, antecipáveis, da vida. Daí a necessidade de reagir, no sentido de: tratar esses acontecimentos, “fazer uso de si”. Ao mesmo tempo, isto produz novos acontecimentos, por conseguinte, transforma a relação com o meio e entre as pessoas (SCHWARTZ; DURRIVE, 2008, p.25).

Ao terminar a confecção dos bolsos internos no forro do paletó, o alfaiate

iniciou o processo de montagem das partes. Nesse momento a frente do tecido

principal, o reforço de peito e o forro foram unidos e enquartados67 ou

“desempenados”, termos corriqueiros na alfaiataria que traduzem o ato de equilibrar

as partes, ajustá-las uma à outra.

Em seguida, as costas do paletó foram unidas à parte da frente pela lateral

por meio de alinhavos. Os ombros do paletó foram unidos considerando o

embebido68 na união dos ombros, frente e costas69. Este acréscimo faz com que a

costura dos ombros acompanhe o movimento do reforço do peito respeitando a

curvatura natural do corpo (figuras 16 e 17), além de permitir acomodar os

acabamentos da manga e ombreira.

67 Enquartar, acertar, ajustar as partes como que colocando no esquadro. 68Costura de encolha utilizada em determinadas partes do trabalho de confecção de uma peça. Na alfaiataria é comum ouvir o termo “moleza” ou “brandura” ao invés de embebido. 69 A parte do ombro costas é cortado maior que o ombro frente em torno de 2cm. Diferença que será embebida para receber os acabamentos da manga bem como acompanhar a curvatura do alto das costas.

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A conclusão dessa fase do processo permitiu que a primeira prova fosse

realizada. Neste momento, quando o cliente veste a roupa, são analisados

principalmente as cavas e o decote para que não haja nenhum problema na

colocação da gola e da manga posteriormente. Os excessos que se apresentem em

qualquer uma das partes são aparados.

A prova do paletó, realizada no dia 28 de outubro de 2014, apresentou uma

diferença considerável nas medidas com relação à época em que elas foram

tomadas, quatro meses antes. Durante este período, o cliente do paletó iniciou um

treinamento físico que alterou algumas de suas medidas, principalmente com

relação ao costado, o que fez com que o paletó se tornasse demasiado justo.

Uma norma antecedente prevê esta situação. Ela se manifesta em uma

prescrição, a previsão de “enchances70” localizadas no centro das costas e na lateral

do paletó, na ilharga principalmente, que correspondem a valores de tecido internos

utilizados para eventuais ajustes.

70 A enchance é um recurso caracterizado por acréscimos de tecido previamente estabelecidos no traçado que permitem que a peça seja ajustada ou, ainda, reaproveitada posteriormente caso o dono da roupa venha a sofrer uma alteração no manequim. Dessa forma, a vida útil da roupa é prolongada por meio da enchance.

FIGURA 17: OMBRO COSTAS EMBEBIDO

Fonte: Arquivo pessoal da autora

FIGURA 16: DIFERENÇA OMBRO COSTAS

Fonte: Arquivo pessoal da autora

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108

Apesar de prescrita, a previsão de “enchances” não contempla as implicações

diretas que advêm das diferenças encontradas. O alfaiate que confecciona o paletó

e, no caso, realiza a prova é quem deve ser capaz de visualizar e identificar os

locais do corpo que necessitam de folga a fim de atender a proposta do traçado da

peça. Embora não se possam separar as três dimensões do saber investido

apresentadas por Calazans e Veríssimo (2014), a saber, a biológica, a social e a

metafísica, pode-se identificar nesse saber investido a última dimensão, que é assim

descrita:

[...] tudo que está relacionado ao intelectual: saberes, valores, memória; intuição, instinto; percepção, sentidos, duração, esforço intelectual, esforço/impulso de criação, capacidade de fazer escolhas, etc. Desde as micro até as macro características imateriais, mas perceptíveis quando manifestas pelos gestos, palavras, ações ou qualquer outra forma de manifestação humana (CALAZANS, VERÍSSIMO, 2014, p.07)

O paletó em questão necessitou de acréscimo de tecido apenas no costado

(parte alta do corpo), mantendo a “enchance” no restante. Caso a folga fosse dada

ao longo do centro costas, o paletó poderia perder suas características tornando-se

demasiado folgado.

FIGURA 19: ABERTURA TECIDO NO COSTADO

Fonte: Arquivo pessoal da autora

FIGURA 18: PALETÓ JUSTO NO COSTADO Fonte: Arquivo pessoal da autora

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109

Essa previsão também acontece com relação ao comprimento da manga, em

que a última casa de botão não é aberta prevendo eventuais alterações no

comprimento. Caso haja o corte para a abertura da casa de botão a movimentação

do comprimento da manga fica comprometida.

No paletó confeccionado pelo alfaiate João, a “enchance” do centro das

costas foi o suficiente para dar movimento à peça de acordo com o costado do

cliente. O tecido foi solto e remarcado diretamente no corpo pelo alfaiate. Outras

correções menores foram realizadas no decote eliminando excessos de tecido para

a colocação da gola. Já a cava permaneceu inalterada (figura 19).

FIGURA 20: MARCAÇÃO DO EXCESSO DE TECIDO NO DECOTE COSTAS

Fonte: Arquivo pessoal da autora

Finalizada a primeira prova, o alfaiate refez todas as marcações e alinhavos

no paletó e prosseguiu dando sequência à construção da gola e das mangas. São

os “acabamentos” que constituem tarefas atribuídas ao oficial acabador.

Page 110: Barbosa, Juliana. PRESERVAÇÃO DOS SABERES TRADICIONAIS

110

4.5.5 O PREPARO DA GOLA (BAIXO E CAPA DA GOLA)

Após a primeira prova e de acordo com o decote já corrigido, o alfaiate traçou

a gola utilizando o próprio paletó como ponto de partida. Ele posicionou o paletó

aberto em um pedaço de papel e com o auxílio de uma agulha de máquina marcou

alguns pontos do decote que serviram posteriormente para a definição da gola.

Durante o traçado, ele destaca um detalhe da gola fazendo referência a uma

alfaiataria tradicional de Belo Horizonte: “o pessoal do Otacílio eles jogam só um

pouquinho aqui...” (depoimento coletado em 2014). Esta observação revela um tipo

de saber investido que está no campo da dimensão social e que remete aos locais

onde trabalhou, às pessoas com as quais conviveu e acumulou experiências e

saberes (CALAZANS; VERÍSSIMO, 2014).

Ao final do traçado da gola no papel ela é transferida para uma entretela de

linho específica para esse fim, cortada em duas partes no sentido do viés71 e unidas

no centro das costas. Nesse momento, o alfaiate posiciona as duas partes da gola,

lado a lado, sobre um retalho de tecido ou entretela colante para dar início à costura

de união.

João inicia a costura com duas retas paralelas (figura 21) e, logo em seguida,

faz uma costura de zig-zag entre elas (figura 22). No entanto, a máquina que utiliza

não dispõe de costura do tipo zig-zag e, mesmo assim, ele a realiza. Ele cria um

movimento sincronizado de costura reta para frente, de retrocesso (costura no

sentido inverso) e de levantar de calcador72. Este movimento requer significativa

habilidade, pois para realizar esta costura ele opera três ações concomitantes:

aciona o pedal de costura, guia o tecido na forma de zig-zag num movimento de leva

e traz, e levanta o calcador para forçar a máquina no sentido contrário. Esta última

operação é uma ação conflitante, pois a costura de retrocesso (costura de arremate)

não é realizada de acordo com as funções disponíveis da máquina.

71 Ângulo de 45º no tecido ou entretela que confere propriedades como flexibilidade e elasticidade à peça. É especialmente utilizada na confecção da gola. 72 Calcador é um item da máquina de costura que apoia o tecido no momento do trabalho. Há diversos tipos de calcadores dependendo do tipo de costura, por exemplo: calcadores para a costura de zíper comum, zíper invisível, para a aplicação de botões, costura de zig-zag ou costura reta apenas.

Page 111: Barbosa, Juliana. PRESERVAÇÃO DOS SABERES TRADICIONAIS

111

As máquinas de costura domésticas mais recentes dispõem de vários tipos de

pontos, entretanto, as primeiras máquinas e as mais utilizadas pelos alfaiates são

limitadas a um só tipo de costura, a reta. As primeiras máquinas também não

possuíam o dispositivo do retrocesso, motivo pelo qual os alfaiates o fazem

manualmente, mesmo que as máquinas hoje apresentem essa função, o que

configura o uso de si por si para otimizar esse processo (SCHWARTZ, 2000). Ao

operar uma máquina reta industrial como se operasse uma máquina doméstica sem

recursos apropriados, é exigido dele uma complexa articulação de movimentos

simultâneos durante uma fração de tempo menor do que aquela que levaria caso

fizesse uso dos dispositivos da máquina moderna. Como a otimização do processo

beneficia o cliente e é uma exigência dos tempos atuais, o uso de si por outro pode

ser considerado aqui.

Finalizada a costura de união das golas de entretela, o alfaiate aplica um

corte de tecido que formará o baixo da gola (figura 23). A costura de fixação das

partes também foi realizada na máquina com zig-zag na mesma configuração da

costura anterior, ou seja, manualmente sem a utilização do dispositivo de retrocesso

da máquina industrial.

FIGURA 21: DUAS PARALELAS UNINDO AS GOLAS SOB UM RETALHO DE ENTRETELA OU TECIDO

Page 112: Barbosa, Juliana. PRESERVAÇÃO DOS SABERES TRADICIONAIS

112

FIGURA 22: COSTURA DE ZIG-ZAG ENTRE AS PARALELAS. MOVIMENTO DE LEVANTAR DE CALCADOR, ACELERAÇÃO E LEVA E TRAZ DO TECIDO

FIGURA 23: COSTURA DE UNIÃO DA ENTRETELA E TECIDO COM PONTOS DO TIPO ZIG-ZAG

Após a aplicação do baixo da gola, ela é fixada no corpo do paletó com

pontos de alinhavo e posterior acabamento com pontos à mão, tipo picado73.

Finalizada a costura do baixo da gola, a capa da gola74 é inserida por meio de um

retângulo de tecido de tamanho suficiente para cobrir toda a gola na entretela (baixo

da gola) e dar acabamento na parte interior. A costura da capa da gola também é

feita manualmente com pontos tipo picado em toda a sua volta.

73 Pontos manuais, de acabamento e fixação, feitos de maneira que não sejam notados a não ser por leves “picadas” da agulha. 74 Parte de tecido que cobre a gola de entretela. É o lado da gola que é visto durante o vestir.

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113

FIGURA 24: PONTO PICADO NA CAPA DA GOLA Fonte: Arquivo pessoal da autora

Em se tratando de tecidos listados há que se ter o cuidado de fazer coincidir

as linhas. No paletó em questão o tecido era liso, o que facilitou o trabalho do

alfaiate.

4.5.6 O ENCAIXE DA MANGA

Após a finalização da gola, a manga é preparada para ser encaixada no corpo

do paletó. João costurou as mangas do tecido principal e forro respectivamente

unindo as folhas superior e inferior75 de cada uma delas. Logo após, as mangas

foram levadas até a mesa de passar para abrir as costuras e então unir as mangas

de tecido com as mangas de forro pela parte correspondente ao punho.

O processo de passação é realizado com o apoio da já mencionada almofada,

acessório comum na alfaiataria para abrir as costuras de partes fechadas e estreitas

tais como a gola e a manga. Enquanto utiliza a almofada o alfaiate tece o seguinte

75 As duas partes de molde que compõem a manga alfaiate. Folha superior é a correspondente a parte visível da manga, o alto do braço. Folha inferior é a parte da manga que fica próxima ao corpo.

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comentário: “costura é assim, você vai fazendo e inventando maneiras de trabalhar

melhor. Alguém inventou essa almofada!” (depoimento coletado em 2014).

Além de refletir sobre sua prática ele também reflete sobre a prática de

outrem ao inventar essa almofada. Traduz a temporalidade ergológica, não somente

no que se refere às situações históricas da sua vida, mas à história do outro, capaz

de desenvolver um instrumento que facilita a sua atividade e a dos demais alfaiates

(CUNHA, 2007).

O encaixe da manga é a ação considerada pelos alfaiates a mais complexa

na confecção de um paletó. Entre eles, é comum se ouvir dizer que se reconhece

um bom alfaiate pela manga pelo que ela exige: a posição correta com relação à

postura do corpo e a distribuição perfeita do embebido76 para que a manga receba

os demais acabamentos internos e faça o movimento harmonioso da cabeça da

manga77.

Para o encaixe da manga, desde sua montagem até a finalização, foram

necessárias 12 horas de trabalho, aproximadamente. O momento mais delicado foi a

conclusão do primeiro alinhavo, em que a manga é posicionada provisoriamente

para uma segunda prova. Este processo exigiu do alfaiate quatro tentativas de

encaixe até encontrar a posição considerada por ele como “boa”.

Nesta operação a manga é aplicada ao corpo com um ou dois alinhavos

firmes, distribuindo de maneira uniforme o embebido da manga, ou como os

alfaiates costumam chamar, a “moleza” ou a “brandura” da manga. O embebido

corresponde a um acréscimo dado ao molde da manga num valor aproximado entre

4 a 6cm maior que a cava. Nele são considerados acréscimos de volume como

ombreiras, além da caída de ombro de quem o vestirá, conferindo harmonia à peça.

76 Acréscimo de tecido dado à cabeça da manga (parte superior da manga que é encaixada na cava). Este acréscimo é reduzido manualmente (como a união dos ombros frente e costas) ou à máquina. A manga é sempre cortada em tamanho maior que a abertura da cava, necessitando que ela seja embebida, isto é, encolhida para o encaixe perfeito. 77 Parte superior da manga. Neste caso, refere-se à curvatura que é formada no encaixe com o corpo e que recebe acabamentos internos de entretela e feltro, além da ombreira, formando um ombro perfeito.

Page 115: Barbosa, Juliana. PRESERVAÇÃO DOS SABERES TRADICIONAIS

115

O embebido da manga exige habilidade e percepção apurada, pois ele deve

ser realizado de modo que a manga não apresente qualquer indício de ruga ou

prega, um verdadeiro drama para o alfaiate de acordo com o tecido que é

empregado.

Os tecidos de lã tropical e as lãs chamadas Super 100’ S78 utilizadas em

locais de temperaturas elevadas, como no Brasil, são mais difíceis de trabalhar, e

exigem maior cuidado do alfaiate no momento do seu encaixe por não responder tão

bem ao uso do vapor. Esse é o motivo pelo qual o trabalho dispendido na confecção

de uma manga em lã tropical ou uma lã Super 100’ S é rapidamente reconhecido

entre os alfaiates quando bem executado pelo nível de exigência que requer.

Já os tecidos de lã pura com gramatura de fibra média apresentam melhor

comportamento mediante o uso do ferro de passar, pois ao utilizar o vapor o alfaiate

habilmente confere encolha ao tecido esculpindo a cabeça79 da manga sem

dificuldades.

A caída da manga deve obedecer à caída natural do braço. A manga

confeccionada foi alinhavada quatro vezes no corpo do paletó antes da segunda

prova, quando se fez necessário mais um ajuste, totalizando cinco alinhavos.

A movimentação do tecido em cada um desses alinhavos é mínima, porém

necessária para que o resultado final seja satisfatório para o alfaiate. Em alguns

deles a diferença foi de apenas 0,5cm. Esse processo faz da manga uma das

tarefas mais árduas na alfaiataria, e a que leva um tempo maior de assimilação dos

saberes e técnicas e da percepção apurada dos detalhes.

Concluído o encaixe da manga por meio do alinhavo, a manga foi levada pelo

alfaiate até a máquina finalizando-a com uma costura reta rente ao alinhavo no lado

interno. Desta maneira não foi necessário desmanchar o alinhavo ao término do

encaixe da manga, e ele permaneceu na peça mesmo depois de acabada.

78 Lã 100% pura, extrafina e térmica. Usada em todas as estações do ano. Encontram-se no mercado lãs Super 100’ S à 180’ S. Quanto maior o número, mais leve é o tecido. 79 Parte mais acentuada da manga, corresponde à curvatura que dá forma a manga e que é levada para o encaixe no corpo do paletó.

Page 116: Barbosa, Juliana. PRESERVAÇÃO DOS SABERES TRADICIONAIS

116

Em seguida, o alfaiate preparou os acabamentos de tapa miséria80. Ele cortou

uma faixa de feltro com largura de aproximadamente 5cm e com o mesmo formato

da cabeça da manga. Novamente utiliza o “golpe de vista” apenas, dispensando

qualquer tipo de molde ou mesmo a própria manga como gabarito.

FIGURA 6: PREPARO DO TAPA MISÉRIA Fonte: Arquivo pessoal da autora

João aplica o tapa miséria no interior da costura da manga com uma costura

reta, preenchendo os sulcos que se formaram durante o encaixe. Ele finaliza a tarefa

e avalia o lado externo da manga cuidadosamente. Só depois de conferido o efeito

do tapa miséria na cabeça da manga é que ele inicia o processo de encaixe da

ombreira.

A ombreira é preparada previamente antes de ser posicionada no ombro do

paletó. Ela é moldada a fim de acompanhar a curvatura do corpo, a exemplo do que

foi realizado com o reforço de peito e o embebido do ombro. O alfaiate cortou uma

camada de entretela em tamanho um pouco maior (cerca de 1 a 1,5cm) em toda a

80 Acabamento interno da manga que constitui-se, em geral, de uma camada de entretela de linho e manta acrílica com largura de, aproximadamente, 4cm. Ele é posicionado na costura principal da manga, cobrindo os sulcos que se formam durante o encaixe, daí o nome de tapa-miséria.

Page 117: Barbosa, Juliana. PRESERVAÇÃO DOS SABERES TRADICIONAIS

117

volta da ombreira e a fixou com pontos diagonais cruzados curvando-a ao mesmo

tempo, o que lhe dá a forma do ombro.

FIGURA 7: PONTO PICADO NA CAPA DA GOLA

Fonte: Arquivo pessoal da autora

João fixa a ombreira na linha interna de costura do ombro por pontos frouxos

e flexíveis a fim de não deixar marcas na parte externa do paletó. Logo após, inicia

a costura do ombro no forro por meio de pontos à mão, sendo inviável qualquer tipo

de costura mecânica neste ponto do paletó pela quantidade de tecidos e aviamentos

utilizados na confecção da manga.

4.5.7 ACABAMENTOS

Após o encaixe da manga, iniciam-se os acabamentos, tais como bainhas,

casas e aplicação de botões. Os alinhavos externos e todas as pontas de linha

utilizadas na marcação do tecido restantes também são retirados nesse momento.

As casas de botão utilizadas no paletó são as tradicionais, feitas

manualmente, ao passo que na alfaiataria semi-industrial ela é realizada em

máquinas domésticas com um aparelho de casear adaptado a elas.

Sobre a confecção das casas de botão artesanais há um protocolo a seguir

com relação à abertura. Normalmente, as duas primeiras casas de botão nos

punhos não são abertas, são feitas apenas de caseados simples para que a

variação do comprimento da manga seja possível, caso necessário. Roetzel ao

Page 118: Barbosa, Juliana. PRESERVAÇÃO DOS SABERES TRADICIONAIS

118

descrever o processo de construção de um fato81 inglês, chama a atenção para o

momento em que as casas são realizadas,

Coser as casas dos botões marca mais um passo decisivo. Só quando o cliente estiver satisfeito com o fato se aplicam os botões. Este procedimento exige, mais uma vez, um grande empenho, já que decorrem várias horas até todas as casas dos botões terem sido debruadas com fio de seda (ROETZEL, 2010, p.101).

João possui em seu atelier uma caseadeira industrial, um tipo de maquinário

que não é comum entre os alfaiates, pois a máquina de casear tem um custo

elevado. A aquisição de uma máquina de casear só é justificada quando há uma

produção em larga escala, como no caso da confecção de uniformes, uma das

demandas de sua alfaiataria.

A casa de botão realizada manualmente é executada seguindo uma

sequência que difere das casas manuais comuns pelo emprego da “milanesa”, uma

espécie de recheio que lhe dá firmeza e sustentação. Ela pode ser comprada pronta

ou ainda ser feita na própria alfaiataria com linha de seda e cera de abelha.

Considerada um aspecto importante na alfaiataria artesanal, a casa de botão

manual é respeitada e admirada pelos alfaiates tanto quanto o caimento da manga.

No entanto, ela é cada vez menos presente pela falta de aviamentos apropriados no

mercado brasileiro e a urgência nos prazos de entrega.

Há alfaiatarias em que a casa de botão é realizada por mulheres por

apresentarem maior habilidade no manuseio das agulhas em operações delicadas.

No paletó em cena, as casas de botão foram aplicadas pela pesquisadora. A

passação do paletó finaliza a peça.

81 O mesmo que terno ou costume.

Page 119: Barbosa, Juliana. PRESERVAÇÃO DOS SABERES TRADICIONAIS

119

4.6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A descrição minuciosa do processo de confecção do paletó objetivou

identificar e valorizar os saberes aí presentes concorrendo para a sua preservação

e, consequentemente, com a continuidade do ofício do alfaiate.

A abordagem conceitual ergológica, bem como a metodologia inspirada na

ergonomia possibilitou uma aproximação da atividade do alfaiate. Ele foi envolvido

no processo de pesquisa de tal maneira que ele pôde reconhecer a sua importância

como alfaiate, no mundo da alfaiataria artesanal e no segmento do vestuário.

A utilização da técnica de autoconfrontação, ao final da pesquisa de campo,

permitiu que o alfaiate percebesse detalhes importantes da sua atividade que não

eram reconhecidos por ele anteriormente. Ao analisar as imagens gravadas, não só

indicou leves falhas em algumas de suas tarefas como fez uma reflexão sobre as

decisões que tomou no correr da atividade.

Além de perceber o valor do trabalho que executa, pôde se manifestar a

respeito da necessidade de compreender e repensar a alfaiataria tradicional, na

perspectiva de fazê-la prosperar e permanecer ao lado da alfaiataria industrial.

O registro do processo de confecção do paletó revelou minúcias dos saberes

constituídos e investidos mobilizados na sua alfaiataria e que resultam de um longo

período de experimentação, singular e também coletiva. A contribuição de João ao

disponibilizar-se para revelar os seus saberes e para investir pessoalmente na

pesquisa foi a razão que viabilizou os resultados apresentados aqui. Além deles, a

elaboração do manual de confecção do paletó, será um importante instrumento no

processo de ensino e aprendizado nos cursos de alfaiataria.

Os resultados desta pesquisa contribuirão também para as recentes

discussões acerca da estrutura e da implementação de cursos de alfaiataria no nível

médio e superior, incluindo a pós-graduação. Contribuirão, ainda, com os cursos

chamados de qualificação, que fazem parte do conjunto de cursos ofertados hoje

pelo PRONATEC denominados cursos de formação inicial e continuada – FICs.

Page 120: Barbosa, Juliana. PRESERVAÇÃO DOS SABERES TRADICIONAIS

120

A pesquisa apontou, também, a necessidade de outras pesquisas que

aprofundem a discussão sobre a preservação do ofício da alfaiataria para que novas

gerações de alfaiates possam ocupar o vazio que aos poucos vai se formando nesse

setor, contraditoriamente, cada vez mais valorizado.

REFERÊNCIAS

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BARBOSA, Juliana. Alfaiataria Masculina: Novas tendências em tecnologia de confecção. BITIB/FAPEMIG, Belo Horizonte, 2011. CABRERA, Roberto; MEYERS, Patrícia Flaherty. Classic Tailoring Techniques: A construction guide for men’s wear. New York: Fairchild Publications, 1983.

CALAZANS, Andrea; VERÍSSIMO, Mariana. A complexidade do trabalho docente: da relação com o saber à noção de atividade. Fortaleza: Anais ENDIPE, 2014. CRUZ NETO, Otávio. O trabalho de campo como descoberta e criação. In MINAYO, Maria Cecília de Souza. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 23. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004. LIMA, Francisco de Paula. (2000). A formação em ergonomia: reflexões sobre algumas experiências de ensino da metodologia de análise ergonômica do trabalho. In: Kiefer, C. et al. (orgs.). (2000). Trabalho, educação e saúde: um

mosaico de múltiplos tons. Vitória, Fundacentro. ROETZEL, Bernhard. O Gentleman. Livro da Moda clássica masculina. Potsdam, Alemanha: H.F. Ullmann, 2010; SANTOS, Eloisa Helena. O trabalho Prescrito e o Real no atual mundo do trabalho. Revista Trabalho & Educação. Belo Horizonte, edição nº 1, Fevereiro e Julho 1997. _____. Ciência e Cultura: Uma outra relação entre saber e trabalho. Revista

Trabalho & Educação. Belo Horizonte, edição 7, Julho e Dezembro 2000, 119-130 SCHWARTZ, Ives. A comunidade científica ampliada e o regime de produção de saberes. Trabalho e Educação, Revista do NETE/UFMG. Belo Horizonte, n. 7, p. 38-

46, jul-dez, 2000.

Page 121: Barbosa, Juliana. PRESERVAÇÃO DOS SABERES TRADICIONAIS

121

_____. Yves. A experiência é formadora? Educação & Realidade. 35-48. Porto

Alegre, jan-abril, 2010. _____. Circulações, Dramáticas, Eficácias da Vida Industriosa. Trabalho, Educação & Saúde. Rio de Janeiro: 33-55, 2004 _____. Conceituando o trabalho, o visível e o invisível. Trabalho & Educação.

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competência. Niterói: Editora da Universidade Federal Fluminense, 2007. SENNETT, Richard; tradução de Clóvis Marques. O Artíficie. Rio de Janeiro: Record, 2009. WISNER, Alain. Por dentro do trabalho. Ergonomia: Método e Técnica. São

Paulo: Editora FTD, 1987.

Page 122: Barbosa, Juliana. PRESERVAÇÃO DOS SABERES TRADICIONAIS

122

5. PRODUTO TÉCNICO: MANUAL DO PALETÓ. SEQUÊNCIA OPERACIONAL

Juliana Barbosa82

Eloisa Helena Santos83

Resumo

Este artigo apresenta o produto técnico da pesquisa realizada no Programa de Pós-Graduação em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universitário UNA. Intitulada “Preservação dos Saberes Tradicionais do Alfaiate”, a pesquisa possibilitou uma aproximação da atividade do trabalho do alfaiate e o registro de seus saberes por meio de imagens de vídeo durante o processo de confecção do paletó, peça tradicional da alfaiataria. O “Manual do Paletó: Sequência Operacional” utiliza imagens fotográficas acompanhadas de textos que procuram abarcar o gestual do alfaiate e a complexidade de suas ações, buscando os pormenores. Ricamente ilustrado, ele apresenta a sequência operacional de acordo com o processo de construção da peça. Seu objetivo é salvaguardar os saberes tradicionais do alfaiate e permitir que professores, alunos e/ou interessados, em geral, tenham condições de confeccionar um paletó, mesmo sem a presença de um mestre alfaiate para auxiliá-los. Palavras chave: Alfaiataria tradicional. Fotografia. Saberes. Técnicas. Abstract This paper presents a technical research product realized during the Graduate Program Studies in Social Management, Education and Local Development in the University Center UNA. Titled “Preservation of the Taylor’s Traditional Knowledges”, the research made possible an approximation of taylor's work activity and the record of his knowledges through video footage during his jacket making process, traditional piece of tailoring. The “Manual of Jacket: Operating Sequence” uses photographic images accompanied by texts that seek to embrace the sign of the tailor and the complexity of their actions, seeking details. Richly illustrated, it has the operational sequence according to the part building process. Your goal is to safeguard the taylor’s traditional knowledge and allow teachers, students and/or interested in general are able to manufacture a jacket, even without the presence of a master tailor to help them. Keywords: Traditional Tailoring. Photography. Knowledge. Techniques.

82 Mestranda do Programa de Mestrado Profissional em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universitário UNA. 83 Orientadora e Professora Doutora do Mestrado Profissional em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universitário UNA.

Page 123: Barbosa, Juliana. PRESERVAÇÃO DOS SABERES TRADICIONAIS

123

5.1 INTRODUÇÃO

No Manual foram elencados todos os processos de construção de um paletó,

peça que foi elencada pela complexidade dos saberes tradicionais do alfaiate.

Desde o corte e a marcação das principais linhas de formação da peça por meio do

alinhavo de alfaiate, passando pelo preparo de bolsos externos e internos; o feitio do

reforço de peito responsável pela estruturação da frente do paletó; a colocação da

gola totalmente manual; o preparo e o encaixe da manga com todos os alinhavos

necessários e acabamentos internos para seu ajuste ao ombro e finalmente os

acabamentos de bainhas e casas de botão manuais.

A descrição dos processos é detalhada por meio de imagens fotográficas,

reforçada por ilustrações e somado ao texto explicativo no intuito de garantir as

operações na sua totalidade. A questão referente à modelagem da peça não foi

abordada, por entender que esse processo já é de certa maneira comtemplado com

um número satisfatório de publicações sobre o tema.

O real interesse nesta pesquisa esteve voltado para o fazer gestual na

alfaiataria, aquele que não é expresso em palavras, nem descrito em livros. O saber

que acompanha o alfaiate na prática do seu dia a dia, e que só é retido por meio da

observação e da repetição. Algo que só acontece quando há disponibilidade do

alfaiate em ensinar e disponibilidade de tempo por parte do estudante aprendiz, uma

vez que são processos demasiado complexos e que necessitam de tempo de prática

o suficiente para atingir o grau de excelência exigidos pelo setor.

5.2 ORGANIZAÇÃO DOS CAPÍTULOS

O Manual do Paletó: Sequência Operacional apresenta o processo de

confecção do paletó na alfaiataria artesanal dividido em doze capítulos distribuídos

da forma que se descreve a seguir.

5.2.1 PLANEJAMENTO DO CORTE DO PALETÓ NO TECIDO

Page 124: Barbosa, Juliana. PRESERVAÇÃO DOS SABERES TRADICIONAIS

124

Neste capítulo constam o mapa de corte do paletó no tecido principal e no

tecido de forro, com as observações referentes ao posicionamento dos moldes com

relação ao fio do tecido.

5.2.2 ALINHAVO DE ALFAIATE

As técnicas de transposição das linhas principais do traçado do paletó são

descritas neste capítulo. A partir das marcações, as instruções de união das partes

da frente (meio frente e ilharga) são fornecidas. A união do centro costas e o preparo

para a formação da abertura (fenda traseira) também são abordados.

5.2.3 APLICAÇÃO DE BOLSOS

Os bolsos externos e internos são descritos utilizando-se gabaritos e

marcações específicas. O tecido empregado para a confecção de paletó implicou na

realização de um bolso externo chapado. O bolso tradicional de dois vivos tornou-se

inviável pela gramatura da lã (espessa). O bolso tradicional foi Introduzido apenas

na parte interna da frente (forro).

5.2.4 REFORÇO DE PEITO

O reforço de peito foi apresentado detalhando as camadas de entretela

necessárias para a sua confecção. Os detalhes de fechamento de pence e passação

foram descritos de modo que o reforço possa ser armado sem que se perca o efeito

desejado de formação do peito na frente do paletó. O reforço de peito é uma das

partes mais importantes da peça responsável por dar a estruturação de ombro e

frente do paletó.

5.2.5 APLICAÇÃO DO REFORÇO DE PEITO NO PALETÓ

Após o preparo do reforço de peito com as camadas sobrepostas e aplicação

de alinhavos, ele é aplicado na frente do paletó por uma série de pontos manuais.

Utilizam-se para tal, cadarços e/ou entretelas, responsáveis por fixar o reforço de

peito sem marcações externas.

Page 125: Barbosa, Juliana. PRESERVAÇÃO DOS SABERES TRADICIONAIS

125

5.2.6 UNIÃO DAS PARTES DE FORRO E FRENTE

Após a finalização da aplicação do reforço de peito na frente do paletó,

prossegue-se à união da frente do tecido e do forro. Neste momento a lapela é

formada, bem como os demais pontos internos que garantirão que as partes não se

movimentarão separadamente. Os pontos são feitos à mão, de maneira leve,

evitando novamente que fiquem perceptíveis no lado externo do paletó.

5.2.7 ABERTURA DO CENTRO COSTAS

O acabamento da fenda traseira (centro costas) é descrito neste capítulo. A

aplicação das entretelas é minunciosamente descrita. Pontos à mão garantem a

fixação das partes. Finalizado o acabamento da fenda, a parte costas no tecido

principal é unida com a frente, mantendo apenas as costuras de ombro livres.

5.2.8 PREGA DO CENTRO COSTAS

A prega no centro costas é realizada apenas no tecido de forro para que o

tecido interno não fique “preso” tolhendo o movimento do corpo, além de evitar

desgastes no próprio tecido que apresenta-se sempre menos resistente (tecido de

forro deve ser mais leve que o tecido principal). Prossegue-se ao fechamento da

costura de forro nas laterais da peça a exemplo do que foi realizado com o corpo do

paletó.

5.2.9 UNIÃO DOS OMBROS

Neste capítulo os ombros são unidos aplicando-se o embebido84 do ombro

costas. O acréscimo de tecido conferido ao ombro traseiro tem por objetivo

acompanhar o movimento do reforço de peito, atribuindo a ele a curvatura natural do

ombro de quem o vestirá.

5.2.10 GOLA ALFAIATE

Após a montagem do corpo do paletó e devidas provas, a gola é traçada.

Utiliza-se a própria peça para encontrar os pontos que nortearão a sua elaboração.

84 Costura e encolha, feita manualmente ou através de pontos de máquina.

Page 126: Barbosa, Juliana. PRESERVAÇÃO DOS SABERES TRADICIONAIS

126

A partir do traçado obtido, a gola é transportada para a entretela de linho e

posteriormente para o tecido que corresponderá ao baixo da gola (parte de baixo da

gola). A entretela de linho é aplicada ao tecido com inúmeros pontos manuais que

garantem a forma da gola, de maneira que ao final da tarefa ela possua o contorno

natural do decote. Terminada a aplicação da entretela e após passação ela é

aplicada ao corpo do paletó manualmente.

Em seguida, a capa da gola (parte visível da gola no corpo) é cortada e aplicada ao

baixo da gola. No modelo em questão, um tweed com “padrão de espinhas”, as

listas necessariamente devem coincidir. Esta tarefa é facilmente realizada

considerando tecidos em que as listas não ultrapassam 1cm, porém, o tecido

utilizado apresenta listas de 2cm, o que dificultou consideravelmente a tarefa.

5.2.11 COSTURA DA MANGA ALFAIATE

Finalizada a aplicação da gola, deu-se início ao preparo e ao encaixe da

manga, considerada na alfaiataria a peça mais delicada para o alfaiate e que revela

quão habilidoso ele é.

Inicia-se o processo pelo fechamento das mangas no tecido principal e no tecido de

forro, considerando a abertura necessária no punho. Faixas de entretela com largura

em torno de 5cm são cortadas e abauladas no ferro para serem aplicadas na boca

da manga, conferindo rigidez à bainha e à própria abertura (necessária para a

aplicação dos botões). O punho é finalizado com as costuras da fenda feitas à

máquina. As bainhas são realizadas manualmente.

Retoma-se a manga no forro para uni-la à manga de tecido, realizando os

acabamentos referentes ao punho de acordo com a abertura confeccionada.

Em seguida, prepara-se o tapa-miséria para ser unido à cabeça da manga, e então

embebê-la. Somente depois da costura de embebido a manga é posicionada no

corpo do paletó, alinhavada e costurada. No entanto, este é o processo mais

importante da confecção da manga e que exige o seu perfeito caimento em relação

ao corpo do tecido. A manga não deve apresentar nenhum tipo de prega em sua

costura, nem rugas em sua extensão, projetando o movimento natural da curvatura

do braço sem nenhum tipo de imperfeição.

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Raramente este processo é realizado com apenas um posicionamento de manga.

Normalmente ele se repete duas, três vezes ou mais, dependendo do grau de

exigência do alfaiate.

Finalizada a costura da manga na sua correta posição, iniciam-se os acabamentos

de ombreira e tapa-miséria.

A ombreira é cortada no mesmo tamanho em uma entretela de linha que é aplicada

na própria ombreira por meio de pontos diagonais cruzados. A aplicação da

entretela se dá para que, a partir dos pontos aplicados à mão, ela tome a forma da

curvatura do ombro, adequando-se ao trabalho realizado por meio do reforço de

peito e da própria costura de ombro do paletó.

Em seguida, prepara-se o tapa-miséria que será posicionado na parte interna da

manga, a fim de preencher os sulcos formados durante a costura. O tapa-miséria é

encontrado pronto em alguns armarinhos ou confeccionado pelo próprio alfaiate

como demonstra o manual.

5.2.12 CASA DE BOTÃO

Para as casas são utilizadas linha de seda próprias para caseamento e uma

“milanesa”, uma espécie de cordão fino encerado que serve de preenchimento

durante os pontos da casa de botão. O processo da abertura das casas também é

abordado no Manual. Finalmente, iniciam-se os acabamentos de bainha e passação

da peça, tomando-a por acabada.

Finalizada a descrição dos capítulos, apresenta-se o Manual do Paletó com a

disposição ordenada das imagens e textos.

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5.3 PRODUTO TÉCNICO: MANUAL DO PALETÓ. SEQUÊNCIA OPERACIONAL

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5.4 CONDISERAÇÕES FINAIS

Este manual do paletó se propôs apresentar a confecção da peça mais

emblemática da alfaiataria revelando os pormenores do processo e evidenciando os

saberes do alfaiate necessários para chegar a bom termo.

A escolha pelo formato de um manual como produto técnico derivado da

pesquisa em tela se deu por acreditar que ele atende a uma demanda dos cursos e

programas de formação profissional relacionados ao seguimento do vestuário. As

iniciativas disponíveis hoje no setor estão voltadas para atender a uma demanda da

indústria, investindo em operações segmentadas, nas quais o trabalhador não se

reconhece como um alfaiate ou uma costureira, mas como um mero operador de

máquina.

A pouca oferta de publicações referentes ao tema também justifica a escolha

pelo manual. Há Esta lacuna repercute negativamente na formação de novos

alfaiates. A fotografia, realizada pela pesquisadora, foi o principal instrumento de

registro e suporte ao texto para a elaboração do manual. Parte-se do pressuposto de

que ela é capaz de captar a realidade e contemplar detalhes que o texto não

alcança.

O desenho manual e digital, também realizado pela pesquisadora, foi utilizado

como suporte ao registro das operações em que a fotografia não era suficiente,

como na representação do corte do tecido e outros gestos em que a mão do alfaiate

confundia-se em meio à tarefa.

Embora a versão física do manual tenha sido elaborada pela pesquisadora,

este trabalho não teria sido possível se não fosse o envolvimento do alfaiate na

pesquisa. Durante aproximadamente um ano ele esteve disponível para contribuir

com a pesquisa empírica abrindo as portas da sua alfaiataria e revelando os seus

saberes em um encontro solidário com a pesquisadora e com a preservação do

ofício do alfaiate.

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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS DA DISSERTAÇÃO

A motivação inicial dessa pesquisa se deu pela experiência da pesquisadora

como aprendiz de alfaiate durante períodos alternados, desde 1999, na alfaiataria A

citada nessa dissertação. A ela se somaram inquietações originadas na docência em

cursos de Moda e Design de Moda lecionando a disciplina Alfaiataria. Embora

algumas universidades contemplem esta formação nos cursos de graduação, a

carga horária é reduzida e a ementa da disciplina limita-se apenas aos traçados das

peças tradicionais – colete, camisa, calça e paletó. Não há, portanto, possibilidade

de desenvolver os saberes e as habilidades necessárias ao fazer do ofício.

Estas inquietações relacionam-se, ainda, ao número de alunos cada vez mais

interessados neste ofício. Apesar do interesse crescente, eles não encontram

oportunidades de aprendizado junto a um alfaiate, tampouco materiais didáticos

capazes de suprir essa necessidade.

Fora do ambiente acadêmico, há uma grande dificuldade de preservação dos

saberes tradicionais do alfaiate, principalmente pela dificuldade de acesso a eles. As

alfaiatarias em que trabalham, em geral, não se abrem para socializar os seus

saberes, não admitem aprendizes ou estagiários. As condições precárias em que

muitos alfaiates trabalham, também impedem o acesso a eles. O trabalho em

espaços pequenos, em suas próprias casas, impossibilita a permanência de um

ajudante. A prática comum entre os alfaiates de não aceitar aprendizes também tem

relação com o receio de assumir compromissos trabalhistas e seus desdobramentos

considerados negativos.

Apesar das dificuldades citadas, a pesquisadora pôde contar com o

acolhimento da Alfaiataria A e, em especial, de um dos seus alfaiates. Este alfaiate,

que recebeu o nome fictício de João na dissertação, recebeu a pesquisadora em

períodos alternados, ao longo destes anos, partilhando os seus saberes.

A revisão bibliográfica acerca da história da alfaiataria revelou uma carência

que se mantém desde seus primeiros registros. A pouca oferta de publicações

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270

referentes ao tema significa um entrave para a formação de novos alfaiates. Como

parte delas não tem origem nacional, a sua aquisição é por vezes difícil.

Nas poucas publicações disponíveis, a confecção completa das peças do

vestuário na alfaiataria tradicional não é contemplada, justamente pela complexidade

das operações. Operações que se tornam claras quando há a observação do

gestual e a voz de um mestre a orientar.

Estudantes e profissionais do segmento do vestuário, além do próprio público

consumidor, já compreendem que as técnicas de corte e acabamento são a

essência da alfaiataria e o que faz distinguir a roupa artesanal da roupa feita em

escala industrial. O tempo dispendido para a confecção da roupa feita sob medida,

exigência primeira para que um traje obtenha caimento perfeito, é hoje valorizado.

Compreende-se que há um tempo necessário para que o alfaiate artesão

confeccione o traje atento aos detalhes que não são atendidos pela indústria. Este

aspecto, no entanto, já foi caracterizado como um elemento responsável pela

desqualificação do trabalho do alfaiate.

Durante a pesquisa, o alfaiate foi envolvido no processo de tal maneira que

compartilhou generosa e solidariamente os seus saberes. Os encontros entre ele e a

pesquisadora contribuíram para que ele reconhecesse a sua importância como

alfaiate, no mundo da alfaiataria artesanal e no segmento do vestuário. A descrição

minuciosa do processo de confecção do paletó, tanto no capítulo referente ao relato

da pesquisa quanto no manual que concretizou o produto técnico, só pôde se

concretizar pelo compartilhamento dos saberes entre o alfaiate e a pesquisadora. A

identificação e valorização dos saberes tradicionais da alfaiataria podem concorrer

para a sua preservação e, consequentemente, para a continuidade do ofício do

alfaiate.

Finalmente, registra-se que essa pesquisa foi um importante passo na

discussão sobre a preservação da alfaiataria artesanal e sobre a necessidade de

uma nova geração de alfaiates. Ela deixa em aberto novas possibilidades de

pesquisa que devem aprofundar o conhecimento desta realidade, além de sua

socialização. Bem como a possibilidade de que novas pesquisas possam estreitar

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271

as relações entre a academia e grandes mestres alfaiates que tão bem representam

a excelência no vestir de homens e mulheres, além de que foram os únicos

responsáveis pela transmissão desse ofício e sua existência ainda hoje.

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_____. Disciplina Epistêmica, Disciplina Ergológica – paideia e politeia. Pro-

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SEDREZ, Suzana. A competência do professor através dos tempos: Da idade Moderna à Contemporânea. Santa Catarina: Letra Viva Editora, 1996.

SENNETT, Richard; tradução de Clóvis Marques. O Artíficie. Rio de Janeiro: Record, 2009. DURRIVE, Louis. Revisões Temáticas: Glossário da Ergologia. Volume IV, Nº1; Revista Laboreal: p.23 – 28, 2008. SILVA, Cristiane A. Fernandes da. O saber operário e sua inventividade na fábrica. Revista Trabalho e Educação. Belo Horizonte, 2010. SILVA, José Carlos Plácido da. PASCHOARELLI, Luis Carlos. A evolução história da ergonomia no mundo e seus pioneiros. São Paulo: Editora UNESP, 2010.

SOUZA, Sidney Cunha. Introdução à tecnologia da Modelagem Industrial. Rio de

Janeiro: SENAI / DN, 1997. TARDIF, Maurice. Saberes Docentes & Formação Profissional. Petrópolis: Editora Vozes, 2005. THOMPSON, Edward Palmer. A formação da Classe Operária Inglesa II. Rio de

Janeiro: Paz e Terra, 1987. TRINCA, Tatiane Pacanaro. O corpo-imagem na “cultura do consumo”: uma análise histórico-social sobre a supremacia da aparência no capitalismo avançado. UNESP – Dissertação de Mestrado, Marília, 2008. VERÍSSIMO, Mariana. Elementos para a construção da noção do saber investido. Belo Horizonte, artigo em construção 2015.

_____. O saber investido pela atividade de trabalho no “corpo-si”: a experiência de escrita dos trabalhadores estudantes de uma indústria no

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Paulo: Editora FTD, 1987.

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277

7. APÊNDICE

APÊNDICE I – CURSOS DE GRADUAÇÃO DE MODA (BACHAREL) E DESIGN

DE MODA (GRADUAÇÃO TECNOLÓGICA)

Amostragem da carga horaria distribuída entre as disciplinas de Modelagem Plana

Bidimensional e Tridimensional e Alfaiataria.

UNIVERSIDADES Mod. Plana e

Tridimensional

Alfaiataria

Anhembi Morumbi - SP Não divulgado

Belas Artes - SP Não divulgado

ESAMC – SP E MG 90 horas

Fundação Armando Alvares Penteado FAAP - SP Não divulgado

Faculdade de Arte e Design FACED - MG 280 horas

Faculdade de Desenvolvimento e Integração

Regional FADIRE - PE

340 horas

FAESA - ES Não divulgado

Faculdade Santa Marcelina FASM - SP 40 horas

Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas

Unidas FMU - SP

Não divulgado

Faculdade Paulista de Artes FPA – SP Não divulgado

Universidade Fundação Mineira de Educação e

Cultura FUMEC - MG

180 horas

Universidade Regional de Blumenau FURB - SC 218 horas

Instituto Europeu de Design IED - SP Não divulgado

Centro Universitário Metodista IPA - RS Não divulgado

Pontifícia Universidade Católica PUC - RJ 135 horas

Universidade Moura Lacerda – SP Não divulgado

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Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial

SENAC - SP

Não divulgado

Centro Tecnológico da Indústria Química e Têxtil

SENAI CETIQT - RJ

36 horas 72 horas

Universidade Estadual de Londrina UEL - PR 300 horas

Universidade do Estado de Minas Gerais UEMG –

Passos MG

160 horas

Universidade Federal do Ceará UFC - CE Não divulgado

Universidade Federal de Minas Gerais UFMG - MG 280 horas

Universidade Federal de Goiás - GO 160 horas

Universidade Federal de Juiz de Fora UFJF - MG Não divulgado

Minas Gerais Educação UNA - MG 200 horas 80 horas

Universidade da Amazônia UNAMA - PA 160 horas

Centro Universitário UNIBH - MG 160 horas

Centro Universitário Cesumar UNICESUMAR - PR Não divulgado

Universidade de Franca UNIFRAN - SP Não divulgado

Centro Universitário Ritter dos Reis UNIRITTER - RS 162 horas

Centro Universitário Salesiano de São Paulo UNISAL

- SP

160 horas

Universidade do Vale do Itajaí UNIVALE - SC Não divulgado

Universidade do Vale do Paraíba UNIVAP - SP 120 horas

UNIVERSO - GO 300 horas

Universidade do Estado de São Paulo USP - SP 240 horas 30horas

(optativa)

Universidade Tuiuti do Paraná UTP - PR 180 horas

Universidade Veiga de Almeida UVA - RJ Não divulgado

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8. ANEXOS

ANEXO I – TERMO DE AUTORIZAÇÃO DE USO DE IMAGEM E DEPOIMENTOS

Eu____________________________, CPF ____________, RG_______________,

depois de conhecer e entender os objetivos, procedimentos metodológicos, riscos e

benefícios da pesquisa, bem como de estar ciente da necessidade do uso de minha

imagem e/ou depoimento, especificados no Termo de Consentimento Livre e

Esclarecido (TCLE), AUTORIZO, através do presente termo, o pesquisador aluna

Juliana Barbosa, sob a orientação da Profª. Drª. Eloisa Helena Santos, do projeto de

pesquisa intitulado “A preservação dos saberes tradicionais do alfaiate” a realizar as

fotos e/ou vídeos que se façam necessárias e/ou a colher meu depoimento sem

quaisquer ônus financeiros a nenhuma das partes.

Ao mesmo tempo, libero a utilização destas fotos e/ou vídeos (seus respectivos

negativos ou cópias) e/ou depoimentos para fins científicos e de estudos (livros,

artigos, slides e transparências), em favor do pesquisador da pesquisa acima

especificada, obedecendo ao que está previsto nas Leis que resguardam os direitos

das crianças e adolescentes (Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, Lei N.º

8.069/ 1990), dos idosos (Estatuto do Idoso, Lei N.° 10.741/2003) e das pessoas

com deficiência (Decreto Nº 3.298/1999, alterado pelo Decreto Nº 5.296/2004).

Belo Horizonte/MG, ____ de _________ de 2013.

_______________________ ______________________________

Participante da pesquisa Pesquisador responsável pelo projeto

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ANEXO II – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Dados da pesquisa e orientações

Programa: Mestrado Profissional em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento

Local do Centro Universitário UNA, Belo Horizonte/MG.

Título: “A preservação dos saberes tradicionais do alfaiate."

Nome da Pesquisadora Orientadora: Profª. Drª. Eloisa Helena Santos

Nome do Pesquisador Aluno: Juliana Barbosa

Natureza da pesquisa: você está sendo convidado a participar desta pesquisa de

escola (não é pesquisa política) que tem como finalidade estudar os saberes

tradicionais do alfaiate.

Participantes da pesquisa: participarão desta pesquisa alfaiates da cidade de Belo

Horizonte.

Envolvimento na pesquisa: ao participar deste estudo você permitirá que o

pesquisador entenda e registre os processos artesanais de confecção na atividade

do alfaiate. Você tem liberdade de se recusar a participar e ainda se recusar a

continuar participando em qualquer fase da pesquisa, sem qualquer prejuízo para

você ou sua alfaiataria. Sempre que quiser poderá pedir mais informações sobre a

pesquisa através do telefone do pesquisador do projeto e, se necessário através do

telefone do Comitê de Ética em Pesquisa, que estão anotados no final deste

documento.

Sobre as entrevistas: as entrevistas serão reservadas, ou seja, não haverá plateia

ou curiosos. Ficará apenas você e o pesquisador. Serão feitas algumas perguntas

que poderão ser respondidas livremente da forma como você achar melhor. Tudo

será gravado, mas não se preocupe, pois não será publicada em nenhuma rádio ou

na internet. Servirá apenas para o pesquisador não precisar anotar tudo enquanto

você fala. Depois, a sua fala será escrita e fará parte da pesquisa.

Riscos e desconforto: a participação nesta pesquisa não traz complicações legais.

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281

Não é uma investigação ou pesquisa política, mas apenas um estudo de escola. Os

procedimentos adotados nesta pesquisa obedecem aos Critérios da Ética em

Pesquisa com Seres Humanos conforme Resolução no. 466/2012 do Conselho

Nacional de Saúde. Nenhum dos procedimentos usados oferece riscos à sua

dignidade.

Confidencialidade: todas as informações coletadas neste estudo são estritamente

confidenciais, ou seja, ficarão em segredo. Somente o pesquisador e a orientadora

terão conhecimento dos dados, que não serão utilizados para nenhum outro fim.

Benefícios: ao participar desta pesquisa você não terá nenhum benefício direto.

Entretanto, esperamos que este estudo traga informações importantes sobre os

processos artesanais da alfaiataria e sua salvaguarda de forma que o conhecimento

que será construído a partir desta pesquisa possa fortalecer este segmento, onde

pesquisador se compromete a divulgar os resultados obtidos.

Pagamento: você não terá nenhum tipo de despesa para participar desta pesquisa,

bem como nada será pago por sua participação. Tudo é voluntário.

Após estes esclarecimentos, solicitamos o seu consentimento de forma livre para

participar desta pesquisa. Portanto preencha, por favor, o quadro a seguir.

Obs.: Não assine esse termo se ainda tiver dúvida a respeito.

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ANEXO III – CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Tendo em vista os itens acima apresentados, eu, de forma livre e esclarecida,

manifesto meu consentimento em participar da pesquisa. Declaro que recebi cópia

deste termo de consentimento, e autorizo a realização da pesquisa e a divulgação

dos dados obtidos neste estudo.

Assinatura do Participante da Pesquisa: __________________________________

Nome do Participante da Pesquisa: ______________________________________

Assinatura do Pesquisador Aluno: _______________________________________

Assinatura da Pesquisadora Orientadora: _________________________________

Contatos:

Pesquisadora Orientadora: Profª.Drª Eloisa Helena Santos. (31)8717-9342.

Pesquisador Aluno: Juliana Barbosa. (031)8878-4902.

Comitê de Ética em Pesquisa: Rua Guajajaras, 175, 4º andar, Belo Horizonte/MG,

CEP 30.180-100. Telefone do Comitê: (31)3508-9110. [email protected]

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ANEXO IV – TERMO DE COMPROMISSO DE CUMPRIMENTO DA RESOLUÇÃO

466/2012

Nós, Professora Doutora Eloisa Helena Santos, inscrita no CPF/MF sob o número

156.138.956-00, e Juliana Barbosa, brasileira, solteira, professora, portadora de

documento de identidade nº. 105.682.713-1, inscrito do CPF/MF sob o número

744.555.320-72, matrícula acadêmica UNA nº. 313110240, responsáveis pela

pesquisa intitulada “A preservação dos saberes tradicionais do alfaiate.” declaramos

que:

Assumimos o compromisso de zelar pela privacidade e pelo sigilo das

informações que serão obtidas e utilizadas para o desenvolvimento da pesquisa;

Os materiais e as informações obtidas no desenvolvimento deste trabalho serão

utilizados para se atingir o(s) objetivo(s) previsto(s) na pesquisa;

O material e os dados obtidos ao final da pesquisa serão arquivados sob a

minha responsabilidade;

Os resultados da pesquisa serão tornados públicos em periódicos científicos

e/ou em encontros, quer sejam favoráveis ou não, respeitando-se sempre a

privacidade e os direitos individuais dos sujeitos da pesquisa, não havendo

qualquer acordo restritivo à divulgação;

Assumimos o compromisso de suspender a pesquisa imediatamente ao

perceber algum risco ou dano, consequente à mesma, a qualquer um dos

sujeitos participantes, que não tenha sido previsto no termo de consentimento.

O CEP do Centro Universitário UNA será comunicado da suspensão ou do

encerramento da pesquisa, por meio de relatório apresentado anualmente ou na

ocasião da interrupção da pesquisa;

As normas da Resolução 466/2012 serão obedecidas em todas as fases da

pesquisa.

Belo Horizonte/MG, 14 de novembro de 2013.

Prof.ª. Eloisa Helena Santos Juliana Barbosa

CPF Nº. 156.138.956-00 CPF Nº. 744.555.320-72

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ANEXO V – PARECER CONSUBSTANCIADO DO CONSELHO DE ÉTICA E

PESQUISA

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