bandeiras levantadas por um projeto … · 2014-12-04 · a outras duas bandeiras buscam garantir a...

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22 PROFISSÃO MESTRE ® fevereiro 2011 Fabio Venturini ENSINO BÁSICO A pós constatar lentidão na evolu- ção do seu projeto para univer- salizar a educação nacional, o Movimento Todos Pela Educação lan- çou, em dezembro de 2010, uma pau- ta formada por cinco bandeiras para o debate público e em âmbito governa- mental, especialmente no Conselho Nacional de Educação (CNE), para me- lhorar a abrangência e a qualidade do ensino básico no Brasil. A instituição atua baseada em cin- co metas: toda criança e jovem de 4 a 17 anos na escola, alfabetização plena a toda criança até os 8 anos de idade, a totalidade dos estudantes com apren- dizado adequado à série, conclusão do ensino médio para todos jovens de até 19 anos e investimento em educação ampliado e bem gerido. Para cada uma das metas, estabeleceu valores a serem atingidos até o ano de 2022, bicente- nário da Independência, com subme- tas anuais. No balanço mais recente, divulga- do no mês de dezembro, em São Paulo (SP), relativo ao ano de 2009, as maio- res deficiências verificadas foram no atendimento escolar e na aprendiza- gem adequada para o nível em que o estudante está cursando. Segundo in- formou a diretora-executiva da entida- de, Priscila Cruz, durante a apresenta- ção dos resultados do ano de 2009, “no ritmo atual, algumas metas serão atin- gidas apenas em 2050”. Por essa razão, o movimento propôs que o debate seja aberto em cinco frentes para acelerar o atingimento dos objetivos referen- tes a currículo, carreira docente, ava- liações externas, responsabilidade dos gestores e melhoria de condições para a aprendizagem. Priscila explica que uma nova proposta curricular deve envolver o BANDEIRAS LEVANTADAS POR UM PROJETO NACIONALIZADO Movimento Todos Pela Educação faz balanço de indicadores da educação brasileira, na perseguição de metas para universalizar o ensino básico, e lan- ça cinco temas-bandeira para a pauta nacional de educação

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22 PROFISSÃO MESTRE® fevereiro 2011

Fabio VenturiniENSINO BÁSICO

Após constatar lentidão na evolu-ção do seu projeto para univer-salizar a educação nacional, o

Movimento Todos Pela Educação lan-çou, em dezembro de 2010, uma pau-ta formada por cinco bandeiras para o debate público e em âmbito governa-mental, especialmente no Conselho Nacional de Educação (CNE), para me-lhorar a abrangência e a qualidade do ensino básico no Brasil.

A instituição atua baseada em cin-co metas: toda criança e jovem de 4 a 17 anos na escola, alfabetização plena a toda criança até os 8 anos de idade, a

totalidade dos estudantes com apren-dizado adequado à série, conclusão do ensino médio para todos jovens de até 19 anos e investimento em educação ampliado e bem gerido. Para cada uma das metas, estabeleceu valores a serem atingidos até o ano de 2022, bicente-nário da Independência, com subme-tas anuais.

No balanço mais recente, divulga-do no mês de dezembro, em São Paulo (SP), relativo ao ano de 2009, as maio-res deficiências verificadas foram no atendimento escolar e na aprendiza-gem adequada para o nível em que o

estudante está cursando. Segundo in-formou a diretora-executiva da entida-de, Priscila Cruz, durante a apresenta-ção dos resultados do ano de 2009, “no ritmo atual, algumas metas serão atin-gidas apenas em 2050”. Por essa razão, o movimento propôs que o debate seja aberto em cinco frentes para acelerar o atingimento dos objetivos referen-tes a currículo, carreira docente, ava-liações externas, responsabilidade dos gestores e melhoria de condições para a aprendizagem.

Priscila explica que uma nova proposta curricular deve envolver o

BANDEIRAS LEVANTADAS POR UM PROJETO NACIONALIZADOMovimento Todos Pela Educação faz balanço de indicadores da educação brasileira, na perseguição de metas para universalizar o ensino básico, e lan-ça cinco temas-bandeira para a pauta nacional de educação

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Governo Federal e o CNE, “no senti-do de repensar a escola contemporâ-nea para atender às necessidades dessa geração e, assim, definir uma matriz nacional”. Já a carreira docente, se-gundo ela, deve se basear na valoriza-ção da profissão com reconhecimen-to financeiro, plano de carreira mais consistente e uma formação com me-nos componentes teóricos e mais ativi-dades práticas. Com relação às avalia-ções externas, a proposta é desenvolver mecanismos mais eficientes e que deem, individualmente às escolas, subsídios mais precisos sobre as defi-ciências apresentadas por seus alunos em provas nacionais.

A outras duas bandeiras buscam garantir a vivência escolar no maior tempo possível. A responsabilização dos gestores implica imputar a esses profissionais a responsabilidade pe-lo cumprimento das cargas horárias anuais dos alunos. “O objetivo, nesse ponto, é chegar inclusive a uma Lei de Responsabilidade Educacional”, revela Priscila. A melhoria das condições pa-ra a aprendizagem, por sua vez, impli-ca no aumento da exposição dos alu-nos às aulas, com o cumprimento das quatro horas diárias, ampliação do turno e criação de períodos para refor-ço e recuperação.

O Movimento Todos Pela Educação é uma organização não governamental bancada, majoritariamente, por gran-des empresários; busca a garantia da educação pública de qualidade, basea-da em padrões próprios, acompanha-dos com a consolidação de indicadores obtidos em fontes oficiais, para a tota-lidade de crianças e jovens brasileiros.

De Olho nas Metas 2010O relatório apresentado recentemente pelo Movimento foi consolidado a par-tir de índices fornecidos pelo Instituto Nacional de Geografia e Estatística (IBGE) e do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais (Inep), do Ministério da Educação (MEC). Os números do documento são tabulados para avaliar a situação nacional em 2009, na perseguição das cinco metas.

Em 2022, o atendimento escolar a toda pessoa de 4 a 17 anos deve ser

de 98%. Em 2009, foram alcançados 91,9%, ainda abaixo do objetivo nacio-nal para o ano (92,7%). As metas são diferentes por Estado e Região e, de-vido às variações estatísticas, o mo-vimento afirma, com segurança, que apenas uma unidade da Federação al-cançou o valor considerado ideal: o Maranhão, que chegou a 94,1% dos habitantes nessa faixa etária atendidos pelo sistema escolar. Nenhum Estado da Região Sul atingiu a meta, assim como o Centro-Oeste (particularmen-te Mato Grosso do Sul e Goiás), o Norte (em especial o Amazonas) e os Estados de Alagoas, Pernambuco e Rio Grande do Norte (veja detalhes no quadro abaixo).

Quando a taxa de atendimen-to escolar é especificada dentro das faixas etárias correspondentes aos níveis do ensino básico, verifica-se que o ensino fundamental recebe o maior número de estudantes. Mas,

como os índices mostram a presença na escola e não necessariamente no nível exato para a idade (um jovem de 17 anos pode estar no fundamen-tal II, por exemplo, que essa infor-mação não aparecerá na estatística), o Movimento verificou uma discre-pância muito grande na entrada e na permanência das crianças e dos jovens na escola. No ano de 2009, 97,7% das crianças de 6 a 14 anos es-tavam matriculadas, enquanto ape-nas 79,1% das de 4 a 5 anos e 82,2% dos adolescentes de 15 a 17 frequen-tavam as salas de aula. Por outro la-do, a quantidade de alunos que per-manecem na escola aumentou quase sete pontos percentuais nos últimos dez anos, passando de 85%, em 1999, para 91,9%, em 2009.

A aprovação da Emenda Constitucional 59, que estipula a obrigatoriedade da matrícula a to-das as pessoas de 4 a 17 anos, com prazo de implantação completa no final de 2016, estabelece responsabi-lidades legais para o Estado e famí-lias. Porém, fazer acontecer depende de fatores mais materiais e menos legislativos. De acordo com Mozart Neves Ramos, conselheiro do Todos Pela Educação, há uma relação di-reta entre a faixa etária de entra-da e saída e as condições econômi-cas desses estudantes, pois, segundo Ramos, os filhos das famílias mais pobres “começam a estudar mais

Taxas e metas de atendimento escolar dos 4 aos 17 anos para 2009 (%)

Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do IBGE.

Observado MetaCentro-Oeste 90,1 92,0Nordeste 92,3 92,6Norte 89,7 90,7Sudeste 93,5 93,8Sul 89,5 91,8Brasil 91,9 92,7

Taxa de atendimento escolar por faixas etárias mostra irregularidade na entrada, permanência e conclusão do ensino básico

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tarde e largam a escola mais cedo, normalmente nas que têm renda fa-miliar per capita de até ¼ de salário mínimo, enquanto as pessoas que possuem esse índice acima de cinco salários mínimos entram no sistema escolar aos 4 anos e conduzem seus estudos até o final” (veja também o gráfico ao lado).

A segunda meta, alfabetiza-ção de toda criança de 8 anos, ida-de referente ao 3º ano (ou 2ª série), mostra que o atendimento esco-lar não representa, necessariamen-te, eficiência. Em 2009, os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do IBGE, mos-traram que apenas 58,1% dos brasi-leiros de até 9 anos e 84,2% dos de 10 anos de idade são alfabetizados.

Tais números coadunam com os levantamentos realizados para acompanhamento da terceira meta (em 2022, pelo menos 70% dos alu-nos devem ter aprendido conteúdos adequados ao seu nível). Nesse caso, acompanham-se os conteúdos ava-liados pela Prova Brasil, que são re-lativos à capacidade de comunicação e expressão pelo código verbal es-crito e a solução de problemas com raciocínio lógico. Nessa avaliação, apenas 34,2% dos alunos de 5º ano apresentaram conhecimento ade-quado em Língua Portuguesa (a me-ta nacional era 36,6%). Já os alunos que estavam no fim do fundamental II tiveram índice de 26,3% (o objeti-vo era 24,7%).

Mesmo atingindo a meta, o aprendizado cai de acordo com o au-mento da idade e da complexida-de dos conteúdos. Em Matemática, os alunos de 5º ano ultrapassa-ram a meta de 29,1%, com o regis-tro de 32,6% deles com conhecimen-to adequado ao ano que cursaram. Contudo, ao final do fundamental, esse valor cai para 14,8%, mais de três pontos percentuais abaixo da média de 17,9%.

A quarta meta (até 2022, 95% dos brasileiros de 16 anos devem ter ensino fundamental completo e 90% dos de 19 anos, o ensino médio), nu-mericamente, é a mais ousada. Em

2009, apenas 63,4% do primeiro gru-po terminaram o 9º ano (abaixo da meta, que era de 64,5%, mas o valor registrado está dentro do intervalo de confiança estatística), enquanto 50,2% dos jovens do segundo grupo terminaram o nível médio (o obje-tivo era 46,5%). Esses valores ainda são muito distantes do objetivo pa-ra os próximos 12 anos. No entan-to, conforme avalia Ramos, “quando a deficiência é grande, os primei-ros passos são estatisticamente sig-nificativos. Ao chegar mais perto da meta, as dificuldades de atingi-las também crescem”.

Nesse caso, mais uma vez, a con-dição econômica da família se mos-tra preponderante no alcance aos ín-dices. A melhora na distribuição de renda, na última década, redundou no aumento de concluintes do en-sino médio nas famílias com me-nor poder aquisitivo. Contudo, a de-sigualdade continua grande. Quase 97% das pessoas com renda familiar per capita acima de cinco salários mínimos terminam o ensino médio aos 16 anos, enquanto apenas 37,3% das de menor renda alcançam tal objetivo, e isso sem comparar a ade-quação do conhecimento adquirido.

Percentual de atendimento escolar dos 4 aos 17 anos aumenta junto com a renda familiar*

Em alguns casos, o índice de concluintes de ensino médio nas classes mais pobres quase dobrou

Índice de concluintes de ensino médio aos 16 e 19 anos de idade

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A quinta meta, investimento públi-co em educação ampliado e bem geri-do, aparenta estar bem encaminha-da, segundo a avaliação do Todos Pela Educação. Os gastos governamentais passaram de 3,2% para 4,3% do Produto Interno Bruto, de 2000 a 2009. Além disso, segundo levantamentos do IBGE, em valores atuais, o PIB quase triplicou nessa década. O valor gasto por aluno, segundo dados do Inep consolidados pelo movimento, varia entre os Estados, e com grande diferença. A Bahia, que aplica o menor montante, destina, anualmente, R$ 1.766,94 por aluno, en-quanto o Distrito Federal despende R$ 4.834,43 e Roraima, R$ 4.365,37.

O índice mais significativo talvez seja a maior atenção dada ao ensino bá-

Destinação direta de verba (em R$) por estudante

Ano Total Básica Infantil Fundamental I Fundamental II Médio Superior Superior/básico*

2000 1.739 1.448 1.656 1.424 1.453 1.381 16.002 1,1

2001 1.801 1.501 1.495 1.407 1.583 1.571 15.815 10,5

2002 1.796 1.487 1.408 1.643 1.526 4.406 14.994 10,1

2003 1.799 1.511 1.620 1.592 1.512 1.269 13.137 8,7

2004 1.903 1.615 1.726 1.709 1.728 1.181 13.299 8,2

2005 2.203 1.714 1.634 1.912 1.821 1.195 13.524 7,9

2006 2.356 2.046 1.769 2.106 2.312 1.635 13.640 6,7

2007 2.725 2.390 2.159 2.512 2.617 1.916 14.459 6,1

2008 3.124 2.746 2.302 2.880 3.073 2.214 15.399 5,6

2009 3.353 2.948 2.257 3.177 3.314 2.317 15.452 5,2Dados do Inep; *Razão de investimentos em educação superior sobre a básica.

sico nos últimos anos, comparado com a educação superior, quando o assunto é verba pública. Em 2009, foram destina-dos, anualmente, R$ 3.353 por estudan-te, quase o dobro do que o País realizava em 2000. Os valores para o ensino supe-rior decresceram pouco mais de R$ 500 por aluno, enquanto os do ensino básico mais que dobraram. Trocando os núme-ros em miúdos, há 10 anos, cada aluno das universidades públicas custava 11,1 vezes mais do que um estudante de ensi-no básico. Hoje, essa razão caiu para 5,2 vezes, com aumento de verbas no geral, crescimento da base de alunos nos dois níveis (básico e superior) e programas de bolsas de cursos superiores.

Com a consolidação de valores de di-versas fontes, verifica-se a total falta de

uniformidade no atendimento, no início e na conclusão do ensino básico, além da passagem protocolar de muitos jovens pelo sistema escolar, que saem com cer-tificado e sem conhecimento adequado.

Taxas de conclusão e aprendizagem do ensino básico

Jovens estão na escola, mas não necessariamente em níveis referentes à faixa etária e poucos apresentam conhecimento adequado

Fotos: Divulgação

Relatório apresentado em evento no Museu de Arte Moderna (MAM), em São Paulo (foto), mostra grandes diferenças no atendimento e rendimento escolar de acordo com faixa etária e renda familiar

Mozart Neves Ramos, conselheiro do Todos Pela Educação: “As pessoas mais pobres começam a estudar mais tarde e abandonam antes a escola”