b0612p

33
1 REFERÊNCIAS PARA O DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL SUSTENTÁVEL Outubro / 2003

Upload: matheus-diogenes-miranda

Post on 06-Nov-2015

213 views

Category:

Documents


1 download

DESCRIPTION

não sei

TRANSCRIPT

  • 1REFERNCIAS PARA O DESENVOLVIMENTO

    TERRITORIAL SUSTENTVEL

    Outubro / 2003

  • PRESIDENTE DA REPBLICALuiz Incio Lula da Silva

    MINISTRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRRIO

    Miguel Soldatelli RossettoMinistro de Estado do Desenvolvimento Agrrio - MDA

    Jos Humberto OliveiraSecretrio Nacional de Desenvolvimento Territorial - SDT

    Secretrio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentvel - CONDRAF

    Caio Galvo de FranaCoordenador do Ncleo de Estudos Agrrios e Desenvolvimento Rural - NEAD

    Ficha Catalogrfi ca elaborada por Rossana Coely de Oliveira MouraCRB - 791 3 Regio

    338.92B823r Brasil, Ministrio do Desenvolvimento Agrrio.

    Referncias para o desenvolvimento territorial sustentvel/Ministrio do Desenvolvimento Agrrio; com o apoio tcnico e cooperao do Instituto Interamericano de Cooperao para a Agricultura/IICA - Braslia: Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentvel/Condraf, Ncleo de Estudos Agrrios e Desenvolvimento Rural/NEAD, 2003.36 p.: 29x21cm. (Textos para Discusso, 4).

    1.Desenvolvimento Territorial. 2. Desenvolvimento Sustentvel. I. Ttulo. II. Srie.

  • 3APRESENTAO

    Criando as condies para a valorizao dos territrios

    A diviso territorial muito antiga no mundo e, no Brasil, remonta aos tem pos

    das capitanias hereditrias. No mundo contemporneo, com o advento de novas

    tecnologias de comunicao e transporte, com as mudanas de para dig mas eco-

    nmicos e sociais, tambm os modelos de diviso territorial tornaram-se obsoletos,

    ultrapassados.

    Os territrios so mais do que simples base fsica. Eles tm vida prpria,

    possuem um tecido social, uma teia complexa de laos e de relaes com ra zes

    histricas, polticas e de identidades diversas, que vo muito alm de seus atributos

    naturais, dos custos de transporte e de comunicaes, e que desempenham funo

    ainda pouco conhecida no prprio desenvolvimento econmico. A Cincia Eco-

    nmica conhece bem os aspectos temporais (ciclos econmicos) e setoriais (agro-

    indstria, por exemplo) da arte, mas a questo territorial ou espacial s recentemen-

    te vem sendo alvo de suas preocupaes.

    Ainda utilizando a matriz econmica, cabe aqui uma analogia entre os merca-

    dos e os territrios. Ambos mercados e territrios no so entidades criadas por

    um passe de mgica ou por exclusivo dom da natureza. Mas resultam de formas

    especfi cas de interao social, da capacidade dos indivduos, das em presas, das

    instituies e das organizaes locais em promover ligaes dinmicas, pro pcias a

    valorizar seus conhecimentos, suas tradies e a confi ana que foram ca pazes de

    construir ao longo da histria.

    A construo de marcas territoriais no pode ser vista como simples inteno

    protecionista, mas como parte de um complexo mecanismo institucional de

    transmisso de confi ana entre atores de segmentos sociais e interesses muito

  • 4 APRESENTAO

    diversificados. As experincias bem-sucedidas de desenvolvimento territorial

    caracterizam-se sistematicamente pela ampliao do crculo de relaes sociais nos

    planos poltico, econmico e social.

    Por mais que as condies naturais de solo, relevo e clima sejam importantes

    na determinao do desempenho dos territrios, no so poucos os casos em que

    os limites fsicos foram vencidos pela capacidade organizativa, ou seja, pela cons-

    truo de uma rede de relaes que possibilitou ampliar as possibilidades de va-

    lorizao da produo.

    O desenvolvimento rural deve ser concebido num quadro territorial, muito

    mais que setorial: nosso desafi o ser cada vez menos como integrar o agricultor

    indstria e, cada vez mais, como criar as condies para que uma populao valorize

    um certo territrio num conjunto muito variado de atividades e de mercados.

    O sucesso de certas regies rurais dos pases desenvolvidos na gerao de

    ocupaes produtivas no pode ser atribudo a uma composio setorial favorvel. Os

    bons desempenhos na criao de empregos resultam de uma dinmica territo rial es pe-

    cfi ca que ainda no bem compreendida, mas que comporta provavelmente as pectos

    co mo a identidade regional, um clima favorvel ao esprito empreendedor, a existncia

    de redes pblicas e privadas ou a atrao do meio ambiente cultural e na tural.

    A explorao desta nova dinmica territorial supe polticas pblicas que

    estimulem a formulao descentralizada de projetos capazes de valorizar os atributos

    locais e regionais no processo de desenvolvimento. Estamos falando da construo

    de um novo sujeito coletivo do desenvolvimento, que representa a capacidade de

    articulao entre as foras dinmicas de uma determinada regio.

    Mas o desenvolvimento rural no acontecer espontaneamente como resulta-

    do da dinmica das foras polticas, econmicas, sociais e culturais que atuam no

    territrio. preciso que, na elaborao das polticas capazes de promov-lo, se

    transforme as expectativas que as elites brasileiras tm a respeito de seu meio rural,

    cujo esvaziamento social, cultural e demogrfico visto quase sempre como

    indicadores do prprio desenvolvimento. Muitos ainda no se deram conta de que

    as funes positivas que o meio rural pode desempenhar para a sociedade brasileira

    fundamentam-se no processo de descentralizao do crescimento econmico e no

    fortalecimento das cidades mdias.

    Nos ltimos anos, algumas estratgias governamentais brasileiras emergentes

    j incluem formas de controle social e de participao de agentes sociais na defi nio

  • 5APRESENTAO

    de atividades produtivas, com metodologias participativas de gesto social, tendo

    como enfoque principal o local do produtor/empreendedor. Tambm os bancos e

    organizaes internacionais e no-governamentais passaram a aprimorar aes

    nesse sentido no pas e no mundo.

    No Brasil, o Ministrio do Desenvolvimento Agrrio, por intermdio da Secreta-

    ria de Desenvolvimento Territorial, incorpora e assume este novo padro proposto

    de desenvolvimento com base local, buscando solues de susten tabilidade vista

    sob essa nova tica. Para que as polticas pblicas, sejam elas estatais ou no-

    estatais, materializem-se em aes que devero modifi car o territrio, redesenhando

    as caractersticas da vida coletiva, ampliando o quadro de oportunidades e agregan-

    do valor produo dos diversos segmentos sociais, atores do referido territrio.

    Humberto OliveiraSecretrio de Desenvolvimento Territorial

    do Ministrio do Desenvolvimento Agrrio

  • 7REFERNCIAS PARA O DESENVOLVIMENTO

    TERRITORIAL SUSTENTVEL

    1. Introduo 9Antecedentes 9Justifi cativas 9

    2. Os desafi os atuais para o desenvolvimento rural sustentvel 12

    3. Principais difi culdades a serem vencidas 16Capital humano, capital social e capital natura 16

    Estrutura fundiria e acesso terra 17

    Desenvolvimento territorial ou setorial? 18Recursos fi nanceiros para investimentos pblicos 19

    4. Uma proposta estratgica para o Ministrio do Desenvolvimento Agrrio 21

    5. O enfoque territorial no desenvolvimento rural sustentvel 26 Coeso social e territorial 26Algumas caractersticas dos territrios rurais e

    conseqncias para a formulao de polticas pblicas 26O territrio como objeto de polticas pblicas contextualizadas 28Uma proposta poltica centrada nas pessoas 31

    6. Referncias para a implantao da abordagem territorial 33Ordenamento e desenvolvimento 33Territrio 34Territrio rural 34Caracterizao das microrregies rurais 34

    Sumrio

  • 9REFERNCIAS PARA O DESENVOLVIMENTO

    TERRITORIAL SUSTENTVEL

    1 Introduo

    1.1 AntecedentesA deciso do governo brasileiro em propor uma poltica nacional que apoiasse

    o desenvolvimento sustentvel dos territrios rurais foi resultado de um processo

    de acmulos e de reivindicaes de setores pblicos e organizaes da sociedade

    civil, que avaliaram como sendo necessria a articulao de polticas nacionais com

    iniciativas locais, segundo uma abordagem inovadora.

    Esta deciso teve como resultado a proposta de criao da Secretaria de

    Desenvolvimento Territorial (SDT), no mbito do Ministrio do Desenvolvimento

    Agrrio (MDA), e a formulao do programa apresentado, e acolhido, no mbito do

    Plano Plurianual do Brasil, 2004-2007, ora em tramitao no Congresso Nacional.

    Esse programa, a prpria SDT, a Rede de Organismos Colegiados para o Desen-

    volvimento Rural Sustentvel, os demais rgos da administrao pblica federal

    com aes confl uentes no desenvolvimento sustentvel, os governos estaduais e

    municipais, e um vasto nmero de organizaes da sociedade civil e movimentos

    so ciais, alm das prprias populaes dos territrios rurais constituem a base po-

    ltica, institucional e humana desta proposta.

    1.2 Justifi cativasAnlises fundamentadas apontam para um fato: as polticas pblicas im-

    plementadas nas ltimas dcadas para promoo do desenvolvimento rural no Brasil

    ou foram insufi cientes, ou no foram efetivamente focadas no objetivo de generalizar

    melhorias substanciais na qualidade de vida e nas oportunidades de prosperidade

    das populaes que habitavam o interior brasileiro.

  • 10 TEXTOS PARA DISCUSSO

    A maior evidncia o aumento da pobreza1 a persistncia das desigualdades

    regionais, setoriais, sociais e econmicas. Mesmo com avanos em espaos

    conquistados pelos movimentos sociais, os efeitos conseguidos ainda esto muito

    aqum das necessidades. Alguns poucos resultados ainda podem ser considerados

    restritos a determinadas regies ou setores. As assimetrias quanto s oportunidades

    de desenvolvimento ainda produzem, no meio rural, o maior contingente de pobres

    e de excludos.

    La localizacin de la mayora de los pobres en las zonas urbanas no signifi ca

    que haya mermado la pobreza en el conjunto de la poblacin rural. En 1980 el

    54% de los hogares rurales era pobre, cifra que aument a 58% en 1990 y

    volvi a 54% en 1997. Asimismo, si el 28% de los hogares rurales era indigente

    en 1980, dicha proporcin lleg a 34% en 1990 para reducirse a 31% en 1997

    (para los mismos aos la proporcin de hogares urbanos indigentes era de 9%,

    12% y 10%, respectivamente). La severidad de la pobreza es mayor en las reas

    rurales que en las urbanas, ya que mientras en stas ltimas la poblacin que

    vive en condiciones de pobreza extrema representa un 34% de la pobreza total,

    en aquellas llega al 60%.

    (Rolando Franco, Pobreza, distribucin y gasto social en Amrica Latina en los aos 90.

    Panorama Social de la Amrica Latina y el Caribe)

    Hoje existem mais pobres e a incidncia da pobreza ainda maior do que era

    nos anos 80. Persistem os problemas de m distribuio da renda, as limitaes de

    acesso a ativos produtivos e a servios de apoio produo. Os servios pblicos

    essenciais so precrios e no atendem maioria da populao situada nos muni-

    cpios do interior brasileiro. O lento avano dos Indicadores de Desenvolvi mento

    de monstram as assimetrias regionais e no correspondem s necessidades de ata-

    carmos os problemas sociais e econmicos com extrema determinao.

    Para enfrentar esses problemas, mudanas substanciais devero ocorrer no

    escopo e na forma de encarar o desafi o de resgatar da pobreza e do abandono a

    vasta populao que atualmente enfrenta os velhos problemas que sempre assola-

    ram o meio rural brasileiro. Mudanas essenciais devero ser assumidas pelos for-

    muladores e operadores das polticas pblicas, o que signifi ca, fundamental men te,

    1. Em 1996, 28,6% dos lares brasileiros e 35,8% da populao eram considerados pobres. Em 1999, estes indicadores subiram para 29,8% e 37,5%, respectivamente. O nvel de indigncia, entretanto, foi ligeiramente reduzido neste mesmo perodo, passando de 10,5% dos lares e 13,9% da populao, para 9,6% dos lares e 12,9% da populao (Panorama Social de Amrica Latina 2001-2002, CEPAL).

  • 11REFERNCIAS PARA O DESENVOLVIMENTO

    TERRITORIAL SUSTENTVEL

    reconhecer a importncia da agricultura familiar e do acesso terra como dois ele-

    mentos capazes de enfrentar a raiz da pobreza e da excluso social no campo, mas

    tambm compreender que uma nova ruralidade est se formando a partir das

    mltiplas articulaes inter-setoriais que ocorrem no meio rural, garantin do a pro-

    duo de alimentos, a integridade territorial, a preservao da biodiversi dade, a

    conservao dos recursos naturais, a valorizao da cultura e a multiplicao de

    opor tunidades de incluso.

    Mas, para ser valorizado, o rural precisa cumprir com os requisitos da produo,

    da otimizao de seus recursos e da gerao de riquezas, o que somente ser vivel

    se forem compreendidos e dinamizados seus prprios recursos humanos e naturais;

    se forem incorporados elementos da cincia, na forma de tecnologias ambientalmen-

    te amigveis; se forem articuladas as interaes com os demais setores econmicos;

    se o seu capital social2 se desenvolver e, com ele, as pessoas encontrarem melhores

    oportunidades de bem-estar e de dignidade. Apesar das evidentes diferenas, o

    rural e o urbano no constituem mais dois mundos parte. Em boa parte do

    Brasil, as comunidades rurais e urbanas esto intimamente associadas em termos

    de causas e efeitos de diversos problemas sociais, eco nmicos e ambientais. Seria

    sensato inferir que essas comunidades tambm esta riam solidrias quanto s

    possibilidades reais de enfrent-los.

    Concretamente, qualquer proposta inovadora que busque estimular o

    desenvolvimento sustentvel deve enfatizar complementaridades, interdependn-

    cias, coincidncias e agendas comuns desses dois lados de uma mesma moeda.

    2. Capital social refere-se s instituies, relaes e normas que moldam a qualidade e a quantidade das interaes sociais. Cada vez mais evidncias tm demonstrado que a coeso social crucial para que as sociedades prosperem

    economicamente e para que o desenvolvimento seja sustentvel. O capital social no apenas a soma das instituies que reforam uma sociedade o amlgama que as mantm coesas. (Adelina Paiva e Sueli C. Rosa na

    videoconferncia promovida pelo Instituto Banco Mundial, em 27/05/2003, Braslia-DF)

  • 12 TEXTOS PARA DISCUSSO

    2 Os desafi os atuais para o desenvolvimento rural sustentvel

    O principal desafi o tico da sociedade brasileira banir a fome e a misria do

    seio do nosso povo. O maior desafi o social livrar da pobreza cerca de da po-

    pulao, estabelecendo mecanismos de estmulos sua incluso digna no processo

    de desenvolvimento do Brasil. Frente grandeza deste desafi o, no se pode imaginar

    que ele ser vencido pela repetio dos mesmos erros do passado, que atenderam

    insufi cientemente a alguns setores ou regies. No sufi ciente fa zermos mais do

    mesmo. necessrio que faamos mais do novo. O Brasil necessita aproveitar

    oportunidades de alterar efetivamente os velhos paradigmas orientados para a

    concentrao dos ativos e da renda, para a superexplorao dos recursos naturais

    e para a discriminao de oportunidades.

    A soluo defi nitiva vir apenas com a aceitao de que transformaes

    importantes devero ocorrer na sociedade, com o estabelecimento de padres de

    desenvolvimento sustentveis em todos os setores, continuamente aprimorados

    por meio de ordenamentos dinmicos e democraticamente conduzidos. Para que

    estes expressivos avanos aconteam ser preciso aprofundar mudanas e avanar

    em direo a novos paradigmas nas relaes entre o Estado e a Sociedade, esta be-

    le cendo polticas pblicas duradouras e abrangentes, com instrumentos focados

    nas transformaes pretendidas, que estimulem o desenvolvimento descentralizado

    e a autogesto.

    Isto depende da defi nio de um projeto para o pas, o que vem se delineando

    pelas escolhas recentes da sociedade brasileira e que dever ser concretizado com

    a execuo do Plano Plurianual 2004-2007. Esse projeto pas dever ser inovador

  • 13REFERNCIAS PARA O DESENVOLVIMENTO

    TERRITORIAL SUSTENTVEL

    e renovador, para estar altura das necessidades e anseios da sociedade nacional.

    Para que este processo acontea em todo o territrio nacional, e para que ele se

    transfor me em uma efetiva conquista democrtica, ser necessrio promover o de-

    sen volvimento rural desde uma perspectiva territorial.

    Nada mais inovador do que estimular o desenvolvimento endgeno dos territ-

    rios rurais, partindo da ampliao da capacidade de mobilizao, organizao, diag-

    nstico, planejamento e autogesto das populaes locais. Nada mais avana do do

    que orientar polticas pblicas segundo as demandas expressadas pelas comu nidades

    e organizaes da sociedade, reconhecendo as especifi cidades de ca da terri trio e

    ofertando instrumentos de desenvolvimento que atendam a essas caracters ticas.

    Em pases como o Brasil, a razo de fundo da persistncia da pobreza a

    concentrao da riqueza, que tem sua origem nas difi culdades criadas ao acesso a

    bens de capital e s capacidades humanas, competentes para favorecerem o au-

    mento sustentvel na renda. O acesso terra um direito inalienvel do agricul tor,

    pois este o principal passo em direo habilitao produtiva, aos instru mentos

    de apoio produo e aos servios pblicos essenciais. As restries de acesso

    terra fazem parte do elenco de direitos negados a uma sociedade surgida de um

    sistema senhorial mal resolvido, com razes escravocratas, e ainda presentes em

    alguns aspectos da sociedade atual. Desses resqucios brotam as mais graves formas

    de desigualdade, ainda presentes na nossa sociedade. As capacidades humanas,

    deprimidas em razo da baixa escolaridade mdias do brasileiro, encontram sua

    expresso mais grave na populao rural, devido no apenas precariedade do

    sistema pblico educacional no meio rural, mas tambm pela insufi cincia dos

    servios de formao e informao dessa populao.

    O caminho para a extirpao da pobreza endmica dessa sociedade, desafi o

    de longo prazo, passa pelo resgate da dvida social deste Pas para com o seu povo.

    Um dos aspectos mais relevantes garantir o acesso terra e aos servios pblicos

    essenciais aos agricultores e suas famlias, de tal forma que possam ter oportunida-

    de de usufruir de polticas pblicas capazes de acelerar transformaes que su-

    plantem as assimetrias sociais e regionais existentes. Estes elementos indutores

    combinados no atuam apenas sobre a questo econmica, mas fertilizam todo um

    processo de diferenciao social, cujo elo mais relevante a garantia do acesso

    terra, poltica pblica prioritria para o Pas e que conta com expressiva colaborao

    dos movimentos sociais organizados.

  • 14 TEXTOS PARA DISCUSSO

    A reforma agrria, agindo decisivamente em regies onde a estrutura fundiria

    denote a presena de anomalias incompatveis com o princpio da destinao social

    da propriedade rural, o elemento central de uma poltica de correo das

    desigualdades sociais. Presentemente entende-se que ela tem de ser pensada e

    instalada segundo uma viso integradora no mbito territorial, j que o xito da

    reforma agrria no pode ser medido apenas em termos de famlias assentadas,

    mas, principalmente, na contribuio dessas famlias ao desenvolvimento da regio

    onde elas esto inseridas, expresso em termos de melhoria sustentada dos

    indicadores de qualidade de vida, e dos efeitos positivos da integrao das reas

    reformadas ao contexto geral dos territrios.

    Portanto, por meio de critrios objetivos, os territrios devero conjugar

    estratgias apropriadas de encaminhamento das questes fundirias, tendo por

    base as demandas sociais e o elenco de instrumentos disponibilizados por meio das

    polticas pblicas nacionais e estaduais. Quaisquer que sejam os caminhos escolhi-

    dos, o acesso terra ter que estar aliada a polticas de investimentos e entrega de

    servios que assegurem agricultura familiar as condies de atuar como fomenta-

    dora e asseguradora do desenvolvimento territorial sustentvel.

    A agricultura familiar, que ocupa mais de quatro milhes de estabelecimentos

    agropecurios do Pas (cerca de 90% do total), responde por 40% do valor bruto da

    produo agropecuria (metade dos produtos componentes da cesta bsica) e ocupa

    apenas 33% da rea total agropecuria, constitui-se na principal alavanca do

    desenvolvimento sustentvel do interior. Ela tem um imenso espao para crescer e

    desenvolver-se, pois apenas 20% dos estabelecimentos familiares so muito

    integrados ao mercado, enquanto que 40% so pouco integrados, restando outros

    40% que quase no geram renda3.

    Um programa com objetivos claros de atuar decididamente no revigoramento

    dos 80% dos estabelecimentos familiares com espao para desenvolver-se, gerando

    uma grande contribuio economia e reduo das assimetrias mencionadas,

    poder provocar externalidades ainda maiores quando aplicados os fundamentos

    da abordagem territorial, o que uma deciso estratgica do governo federal.

    O apoio ao desenvolvimento da agricultura familiar, reforma agrria e ao

    3. Proposta do Plano Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentvel CNDRS. Terceira verso, Dezembro de 2002.

  • 15REFERNCIAS PARA O DESENVOLVIMENTO

    TERRITORIAL SUSTENTVEL

    reordenamento agrrio harmoniza-se perfeitamente com o desenvolvimento ter-

    ritorial, assim como este se ajusta perfeitamente s prioridades de combate pobre-

    za e fome, e ao desenvolvimento e integrao regional, na medida em que estabe-

    lecem condies do fl orescimento de uma dinmica de desenvolvimento des cen-

    tralizado, interiorizado, participativo e sustentvel.

  • 16 TEXTOS PARA DISCUSSO

    3 Principais difi culdades a serem vencidas

    3.1 Capital humano, capital social e capital naturalO enfoque territorial implica no desenvolvimento endgeno e na autogesto.

    As regies mais carentes de desenvolvimento so exatamente aquelas que apresen-

    tam os mais altos ndices de analfabetismo e que sofrem, desde muito tempo,

    processos de excluso social, de migrao e de desqualificao dos servios

    pblicos.

    Essas regies esto dentre as mais pobres do Pas e, geralmente, possuem

    capital social pouco desenvolvido, devido a fatores econmicos (falta de meios,

    pobreza, desemprego); sociais (dependncia, subordinao, pouca organizao

    social); geogrfi cos (isolamento, difi culdade de comunicaes, limitantes naturais);

    educacionais (educao formal deficiente, analfabetismo, baixa informao e

    capacitao); e prticas polticas (pouca participao, clientelismo). Esses elementos

    desfavorveis reduziram dramaticamente as chances do exerccio da cidadania e

    participao, acentuando as assimetrias sociais, econmicas e polticas.

    Em algumas partes, os fatores desagregadores so parcialmente compensados

    por forte identidade cultural e solidariedade, desenvolvidas sobre prticas sociais

    de f, de trabalho conjunto, compartilhamento de recursos naturais escassos e uso

    comum da terra para criao de animais. Em algumas partes, o crescimento e

    institucionalizao do capital social so vistos como uma espcie relativizao do

    poder poltico local, sendo mesmo comum que ocorram manifestaes de algumas

    personalidades locais contra as aes que procuram mediar demandas sociais e

    polticas pblicas, j que a gesto social aparece como uma reivindicao em quase

    todos os fruns, associaes, sindicatos e outras formas de organizao social.

  • 17REFERNCIAS PARA O DESENVOLVIMENTO

    TERRITORIAL SUSTENTVEL

    So tambm regies de capital natural caracterizado pela escassez de recursos,

    como o semi-rido, ou por desequilbrios eminentes, como a Amaznia, que reque-

    rem sistemas de apropriao fundados na preservao e na gesto cautelosa dos

    recursos naturais. Portanto, condicionam a utilizao pelo homem do capital natural,

    ou cobram dele o esgotamento precoce dos recursos naturais, reduzindo seus

    rendimentos e difi cultando as condies de reproduo.

    Quanto aos condicionantes humano, social, poltico e ambiental, as indicaes

    so as recorrentes de todos os estudos, demandas e propostas:

    :: prioridade para a educao formal, acesso aos servios de sade e

    opor tu nidades de trabalho, de tal forma a reconstruir o capital humano

    no espao de uma gerao;

    :: mobilizao, organizao, valorizao cultural, capacitao, participao

    e de senvolvimento institucional, para construir o capital social;

    :: renovao das prticas polticas e garantia de acesso s polticas

    pblicas, para reduo da dependncia e avano da gesto social; e

    :: inovaes com tecnologias apropriadas e ecologicamente amigveis,

    valorizao dos recursos locais, difuso de conhecimentos

    contextualizados, saber fazer democratizados, diversifi cao econmica,

    para melhor usar os recursos naturais e preservar o ambiente.

    Em todos os casos, faz-se necessrio: investimentos pblicos e privados fo-

    cados nos territrios, proteo social dos grupos mais frgeis, informao, capaci-

    tao e assistncia tcnica de qualidade. Sem esquecer os enfoques transversais

    temticos da maior importncia, tais como gnero, gerao, raa e etnia.

    3.2 Estrutura fundiria e acesso terraUma das maiores responsveis pela persistncia das iniqidades sociais no

    cam po a concentrao fundiria, explicada tanto pelas razes histricas do Pas,

    quanto pela insufi cincia das polticas de reforma agrria e promoo da agri-

    cultura familiar.

    A concentrao fundiria no Brasil atingiu ndices demasiadamente elevados,

    o que reforou o carter excludente do modelo de desenvolvimento agropecurio4.

    4. Buainain, 2000.

  • 18 TEXTOS PARA DISCUSSO

    A produo de subsistncia foi sendo eliminada e os produtores expulsos para os

    centros urbanos, passando grande parte dos minifndios a funcionar como moradia

    de famlias e no mais como unidades de produo, anteriormente dedicadas

    agropecuria de pequena escala.

    No Nordeste, o acesso ao crdito rural, mesmo s linhas do Programa Nacional

    de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), restrito a menos de 15% dos

    proprietrios5, pois a maioria dos agricultores familiares no dispe de documentao

    fundiria hbil, ou possue to pouca terra que no so suficientes para sua

    subsistncia ou, ainda, no so sufi cientes para garantir emprstimos bancrios.

    Evidentemente, polticas adequadas a cada situao podero garantir que um

    grande nmero de agricultores e trabalhadores rurais ascendam s polticas pblicas

    que os benefi ciem, ampliando consideravelmente a possibilidade de construo de

    capital social nos territrios de regies como o Sul e o Nordeste.

    A realizao da reforma agrria deve se dar como medida estratgica de

    expanso e fortalecimento da agricultura familiar. Para tanto, depende de uma

    poltica agrria abrangente que permita o acesso terra a todos os trabalhadores e

    trabalhadoras sem-terra, ou com terra insufi ciente para assegurar o seu desen-

    volvimento. A distribuio da terra ter que estar aliada a polticas e servios que

    assegurem agricultura familiar as condies de atuar como fomentadora e

    sustentadora do desenvolvimento local sustentvel6.

    Portanto, um programa de apoio ao desenvolvimento dos territrios rurais,

    com alcance nacional, pressupe uma decidida alterao do quadro fundirio

    brasileiro, pois se desconcentrando as terras, tambm se desconcentraro as

    condies de desenvolvimento de quase 14 milhes de trabalhadores e trabalhado-

    ras, que vivem e trabalham a terra com suas famlias7.

    3.3 Desenvolvimento territorial ou setorial?Evidentemente, esta questo estar no centro dos problemas quando da

    generalizao do enfoque territorial no desenvolvimento. Dever oferecer um desafi o

    notvel vencer a tradio de enxergar o desenvolvimento como a soma do crescimen to

    5. Segundo dados constantes em www.pronaf.gov.br para o ano de 2002 (296.349 contratos em 2.055.157 estabelecimentos).6. CNDRS PNDRS, Terceira verso, Dezembro de 2002.7. Relatrio Projeto FAO/INCRA (1995-1996).

  • 19REFERNCIAS PARA O DESENVOLVIMENTO

    TERRITORIAL SUSTENTVEL

    de diversos setores econmicos ou sociais. Setorializar o desenvolvimento e focar8

    polticas pblicas tm se mostrado uma prtica que tambm serve excluso de largas

    parcelas esquecidas da sociedade brasileira, tais como os habitantes das zo nas rurais

    e das pequenas e mdias cidades das regies de menor desenvolvi men to do Pas.

    Certamente outro aspecto a ser superado tem a ver com a centralizao dos

    conhecimentos e das informaes, e a sua utilizao restrita a setores econmicos

    ou a grupos sociais. A gesto democrtica do conhecimento e da informao pode

    equilibrar as foras nessa luta pela generalizao do desenvolvimento, do acesso a

    oportunidades e ao bem-estar da populao. Neste caso, o problema tem de ser

    atacado pelo lado da Educao, da qualifi cao e da capacitao, tanto para o

    trabalho quanto para a participao e a cidadania. A generalizao do conhecimento

    implica na manuteno de servios de animao e extenso, disseminao de

    centros de informao e promoo rural, ampliao do acesso digital e emprego de

    tecnologias avanadas de informao e educao.

    A fragilidade das estruturas polticas complementa o quadro de difi culdades,

    j que as milhares de administraes municipais seriam, idealmente, os principais

    vetores do desenvolvimento descentralizado, mas a falta de capacidades, leia-se

    escasso capital humano e social, a baixa governabilidade e a insufi cincia de recursos

    fi nanceiros, impelem boa parte da gesto pblica local para prticas rotineiras,

    quando no meramente assistencialistas e de duvidosa transparncia.

    3.4 Recursos fi nanceiros para investimentos pblicosPara se vencer difi culdades estruturais expressivas absolutamente necessrio

    que o Poder Pblico redirecione seus investimentos, segundo as demandas

    explicitadas no processo de desenvolvimento territorial.

    Principalmente quanto formao, ou reconstruo, do capital humano, do

    capital social, da infra-estrutura social e econmica, oferta de servios pblicos

    bsicos e assistncia tcnica de qualidade, no h como imaginar mudanas sem

    investimentos consistentes durante alguns anos.

    Somente aps a maturao dos investimentos pblicos e a dinamizao das

    economias e sociedades territoriais ser possvel pensar em um processo ge-

    8. Um termo muito em uso atualmente pelos formuladores, mas controverso. O foco das polticas pblicas tem sido, freqentemente, setores econmicos ou sociais que podem dar respostas, usualmente respostas em produo e

    outros efeitos desejados sobre indicadores econmicos. Os demais so secundarizados. O foco da abordagem proposta o territrio, e os indicadores sobre os quais se deseja atuar so aqueles que expressem claramente a

    melhoria sustentada dos nveis de qualidade de vida da sua populao.

  • 20 TEXTOS PARA DISCUSSO

    neralizado de desenvolvimento sustentado por investimentos privados, por iniciativas

    autnomas, por competncias locais, pela dinmica dos mercados, pelos conhe-

    cimentos acumulados e pelas oportunidades dos negcios.

    Alm das questes estruturais, esto a as questes emergenciais, como acesso

    terra, combate fome, pobreza, indigncia, doenas endmicas, garantia

    habitao, segurana e trabalho. So muito graves, mas so passveis de polticas

    localizadas e focadas em grupos mais expostos aos riscos sociais e s difi culdades

    impostas pela realidade econmica.

    possvel nutrir a esperana de que estes problemas estaro com seus dias

    contados caso sejam combatidos seus efeitos, mas, principalmente, sejam com-

    batidas as suas causas. Os efeitos se combatem com facilitao no acesso terra,

    rede de proteo social, aes emergenciais de distribuio de alimentos, ateno

    sade, moradia e saneamento bsico, dentre outros. Mas as causas somente sero

    extirpadas se combatermos vigorosamente as carncias estruturais e estas, mesmo

    admitindo que outras existam, j esto apontadas nos pargrafos anteriores.

  • 21REFERNCIAS PARA O DESENVOLVIMENTO

    TERRITORIAL SUSTENTVEL

    4 Uma proposta estratgica para o Ministrio do Desenvolvimento Agrrio

    Um dos mais importantes desafi os, dentre os que se apresentam ao Brasil

    atualmente, o de dotar o Pas de um novo paradigma para o desenvolvimento. O

    Ministrio do Desenvolvimento Agrrio (MDA) dever assumir grande responsabilidade

    no processo de estabelecimento deste padro de desenvolvimento centrado na

    incluso e na justia social, no crescimento com eqidade, na reativao das

    economias locais e na gesto sustentvel dos recursos naturais.

    Simultaneamente, dever ater-se s limitantes impostas pelas restries

    oramentrias, fi nanceiras e humanas, que reduzem a capacidade de interveno

    convencional, lanando mo de estratgias de descentralizao, de participao da

    sociedade, de planejamento ascendente e de valorizao dos recursos locais, fatores

    que, combinados, obrigam reinveno de processos de articulao, ordenamento

    e apoio ao desenvolvimento, e do prprio papel do Estado.

    O mandato do MDA jurisdiciona aspectos extremamente relevantes que afe tam

    estas questes. Suas atribuies na rea fundiria (reforma agrria e reestruturao

    fundiria); na gerao de renda, de trabalho, melhor qualidade de vida e na segurana

    alimentar (agricultura familiar); na articulao de polticas setoriais e modelagem de

    novas abordagens para instrumentos de interveno em desenvolvimento rural e

    regional sustentveis (desenvolvimento territorial); assim como a possibilidade de

    for mulao, adequao e negociao de polticas pblicas (conselho poltico), se

    cons tituem em formidvel aparato institucional capaz de exercer expressivo papel

    na trans formao das condies de vida de cerca de 50 milhes de brasileiros, que

    vivem em 4.500 municpios essencialmente rurais 9 existentes no Brasil.

    9. Mapeamento das microrregies geogrfi cas rurais do Brasil (uma primeira aproximao). Estudo realizado pela equipe tcnica da SDT em 2003.

  • 22 TEXTOS PARA DISCUSSO

    Contudo, o MDA no dever atuar dissociado dos demais rgos da ad-

    ministrao federal, estadual e municipal, e da sociedade civil. A busca por alianas

    e parcerias dever ser uma constante neste processo de apoiar a articulao de

    diversos instrumentos de polticas pblicas sob a responsabilidade de outras

    entidades. Mesmo o empresariado dever conhecer as oportunidades surgidas com

    o adensamento organizativo e com a dinamizao econmica por que devero

    passar os territrios que imprimirem a abordagem territorial em seus planos de

    desen volvimento sustentvel.

    O Poder Pblico municipal dever ser fortalecido neste processo, para que

    possa assumir plenamente as suas responsabilidades, oferecendo servios de

    qualidade extensivos a toda a populao. Os municpios brasileiros, por suas

    caractersticas gerais e interaes diversas, se constituem em microrregies geo-

    grfi cas10, dentre as quais cerca de 45011 delas podem ser caracterizadas como

    essen cialmente rurais12, incluindo as respectivas cidades de pequeno e de mdio

    porte13.

    Com as alteraes recentemente promovidas em sua estrutura, o MDA est

    propondo a criao da Secretaria de Desenvolvimento Territorial, para, com isso,

    pensar o desenvolvimento rural no somente a partir da produo agropecuria,

    mas tambm considerando a articulao da demanda/oferta de outros servios

    pblicos tidos como necessrios.

    A SDT dever desenvolver estratgias de integrao de instrumentos com-

    plementares funo produtiva, para que se estimule o dinamismo entre a base

    social, governos estaduais e municipais e a sociedade.

    Estas atividades devero ser feitas em estreita coordenao com as demais

    Secretarias e com o Instituto Nacional de Colonizao para Reforma Agrria (Incra),

    cabendo SDT, aps ampla negociao com os diversos atores sociais, indicar

    quais os territrios rurais com os quais estar trabalhando diretamente, para que,

    naqueles, os demais programas gerenciados pelo MDA possam orientar-se pelo

    processo geral de organizao e planejamento do territrio, interagindo com ele.

    Nos demais municpios e regies, tanto a SDT quanto a Secretaria de

    Reordenamento Agrrio (SRA), a Secretaria de Agricultura Familiar (SAF) e o Incra,

    10. Segundo o IBGE, os 5.506 municpios brasileiros constituem 560 microrregies geogrfi cas.11. Clculos efetuados pela SDT sobre dados do IBGE.12. Aplicando-se critrios como densidade populacional e populao total mdia por municpio componente de cada microrregio.13. De forma alguma se deve confundir microrregies geogrfi cas rurais com territrios rurais. Ambos tm algumas caractersticas similares, mas so diferentes em aspectos essenciais.

  • 23REFERNCIAS PARA O DESENVOLVIMENTO

    TERRITORIAL SUSTENTVEL

    devero desenvolver aes decorrentes dos programas que executam, devendo

    faz-lo, contudo, de maneira estratgica, procurando ajustar, sempre que possvel,

    seus procedimentos aos princpios norteadores da abordagem territorial, conforme

    apresentado no captulo 5 deste livro.

    O MDA dever propor um programa de mbito nacional que estabelea

    objetivos, metas, resultados, estratgias e processos capazes de no somente

    promover mudanas no cenrio rural brasileiro, mas tambm de estabelecer alianas

    com a sociedade civil, com os estados e municpios, com os movimentos sociais e

    com os demais parceiros governamentais e no-governamentais.

    Este programa a ser proposto dever ter abrangncia nacional, isto , atingir

    todas as regies brasileiras em um certo perodo de tempo. Porm dever comear

    empreendendo uma estratgia segura de aprendizagem, formao de parcerias,

    sensibilizao, mobilizao, informao e capacitao, para que possa avanar com

    segurana no caminho das pretendidas transformaes profundas e permanentes,

    tanto nos aspectos de ordenamento territorial (formulao e implementao de

    polticas e seus instrumentos), quanto nos aspectos de desenvolvimento territorial

    sustentvel (incrementos sustentados nos indicadores de qualidade de vida das

    populaes dos territrios).

    O eixo estratgico proposto para o MDA atuar coordenadamente com todos

    os programas sob sua responsabilidade dentro dos territrios, promovendo o

    desenvolvimento sustentvel dos territrios rurais nos quais predominem os

    agricultores familiares, segundo critrios que atendam a uma abordagem integrada

    dos problemas e potencialidades de cada unidade territorial e com foco na melhor

    qualidade de vida da sua populao.

    O MDA prope, no mbito da proposta do Governo Lula, a implementao

    de quatro diretrizes14: ampliao e fortalecimento da agricultura familiar; reforma

    agrria; incluso social e combate pobreza rural; e promoo do desenvolvimento

    sustentvel dos territrios rurais.

    Para enfrentar estes desafi os, o MDA dever adotar uma estratgia para con du zir

    seus esforos no sentido de assumir gradativamente a abordagem territorial nos pro-

    gramas sob sua coordenao, estimulando, ainda, outros setores pblicos que admi nis-

    tram polticas pblicas de interesse dos territrios rurais, para que tambm o faam.

    14. Proposta do MDA ao PPA 2004-2007.

  • 24 TEXTOS PARA DISCUSSO

    Para tanto, seria importante que fossem realizados esforos no sentido de

    internalizar conceitos e experincias sobre a temtica do desenvolvimento territorial,

    e discutidas formas de apropri-los pelos instrumentos de polticas manejados por

    cada setor, momento em que equipes tcnicas e gestores poderiam aproximar

    conceitos e ampliar experincias sobre o assunto.

    Com o trabalho de ordenamento, onde seriam aplicados indicadores para a

    identifi cao preliminar das microrregies que apresentam caractersticas rurais e

    maior demanda social em cada Estado, seriam facilitadas as atividades de dimen-

    sionamento de metas e de articulaes com os atores sociais e o MDA. A inteno

    selecionar territrios prioritrios que seriam objeto das aes previstas no programa

    de apoio ao desenvolvimento territorial.

    Entrementes, conhecidas as microrregies rurais, ponderando-se as informa-

    es obtidas em cada Regio e Estado, seriam mais facilmente reconhecidos os

    rele vantes eixos condutores do processo de revelao dos territrios, sobre os quais

    se cons truiriam as bases do seu prprio desenvolvimento.

    Cabe ressaltar que esta proposta reconhece a existncia de muitas iniciativas

    dos governos, da sociedade civil e de organismos de cooperao, que vm

    impulsionando diversas aes no sentido de botar em prtica propostas de

    desenvolvimento sustentvel, utilizando referncias semelhantes as que constam

    deste documento. No coincidncia. A proposta do MDA dever prever en-

    faticamente a apropriao das experincias existentes ou em andamento, e dos

    resultados colhidos, apoiando as institucionalidades e organizaes nelas envolvidas,

    desde que desejem e possam ampliar e aperfeioar suas atividades. O programa de

    desenvolvimento territorial dever tratar convenientemente desses apoios.

    As prioridades seriam aquelas contidas nas suas diretrizes estratgicas, com

    as nfases relativas a cada caso e abordagens transversais em temas como gnero,

    gerao, etnia, meio ambiente, capital humano, capital social, dentre outros. Assim,

    as peculiaridades de cada territrio seriam atendidas e os instrumentos de programas

    nacionais poderiam se ajustar s suas necessidades.

    Uma vez determinado no rol das prioridades, caberia SDT, com parceiros,

    promover aes preliminares de sensibilizao, informao, mobilizao, organiza-

    o, capacitao, assessoramento tcnico para diagnstico, planejamento

    territorial e articulao institucional, agregao rede virtual, monitoria e avaliao.

    Coor denadamente, a realizao de outras aes estaro cargo desta Secretaria,

  • 25REFERNCIAS PARA O DESENVOLVIMENTO

    TERRITORIAL SUSTENTVEL

    cabendo s demais atuarem integradas, segundo suas competncias temticas e

    pro gramticas.

    A SDT dever desenvolver estratgias de integrao de instrumentos com-

    plementares s funes produtivas, para que seja estimulada a dinamizao entre

    a base social, governos estaduais e municipais e a sociedade. Contudo, dever

    comear empreendendo estratgias seguras de aprendizagem, parce rias, sensi-

    bilizao, mobilizao, informao e capacitao, para que possa avanar com

    segurana a caminho das pretendidas transformaes profundas e permanentes,

    tanto nos aspectos do ordenamento quanto de desenvolvimento dos territrios15.

    H que se estabelecer prioridades e focar perfeitamente os instrumentos de

    execuo das polticas pblicas. Com a articulao do MDA, os mecanismos de

    polticas pblicas sob sua responsabilidade, combinados com queles sob res-

    ponsabilidade de outros setores dos governos federal, estaduais e municipais16,

    devero ajustar-se s estratgias de desenvolvimento territorial, harmonizando as

    polticas pblicas nos diversos nveis de governo, que devero sintonizar-se com as

    demandas das populaes territoriais e organizaes da sociedade civil.

    A coordenao das aes de responsabilidade do MDA somente encontrar

    signifi cado e projetar uma nova maneira de governar e de interagir com a sociedade

    civil se for adotada, plenamente, a abordagem territorial.

    Como conceito geral, a abordagem territorial pode ser empregada em pra-

    ticamente qualquer realidade concreta, cabendo ao MDA articular a seleo e or de-

    namento das microrregies que inicialmente recebero o apoio pretendido, segundo

    suas limitaes de recursos.

    15. O indicador de desenvolvimento sustentvel do territrio mais relevante o incremento sustentado dos indicadores de qualidade de vida da sua populao.

    16. Principalmente Educao, Sade, Agricultura, Energia, Transportes, Comunicaes, Integrao Nacional.

  • 26 TEXTOS PARA DISCUSSO

    5 O enfoque territorial no desenvolvimento rural sustentvel

    5.1 Coeso social e territorialO enfoque territorial uma viso essencialmente integradora de espaos,

    atores sociais, agentes, mercados e polticas pblicas de interveno. Busca a

    integrao interna dos territrios rurais e destes com o restante da economia

    nacional, sua revitalizao e reestruturao progressiva, assim como a adoo de

    novas funes e demandas.

    O desenvolvimento harmnico do meio rural se traduz em crescimento e

    gerao de riquezas em funo de dois propsitos superiores:

    :: a coeso social, como expresso de sociedades nas quais prevalea

    a eqidade, o respeito diversidade, solidariedade, justia social, o

    sentimen to de pertencimento e incluso; e

    :: a coeso territorial como expresso de espaos, recursos, sociedades

    e instituies imersas em regies, naes ou espaos supranacionais,

    que os defi nem como entidades cultural, poltica e socialmente integradas.

    Portanto, a meta fundamental do desenvolvimento sustentvel dos territrios

    rurais estimular e favorecer a coeso social e territorial das regies e dos pases

    onde ela empregada como elemento harmonizador dos processos de or de-

    namento (regulao descendente), e de desenvolvimento (reao ascendente), das

    sociedades nacionais.

    5.2 Algumas caractersticas dos territrios rurais e conseqncias para a formulao de polticas pblicasA perspectiva territorial do desenvolvimento sustentvel deve considerar, com

    destaque, que os territrios rurais so heterogneos. Isto signifi ca que cada territrio

  • 27REFERNCIAS PARA O DESENVOLVIMENTO

    TERRITORIAL SUSTENTVEL

    encerra uma diversidade de atores e de interesses, alguns deles confl itantes, outros

    no, alm de outras caractersticas prprias, que o distinguem dos demais. Portanto,

    no possvel se conhecerem todos ao se conhecer alguns, nem se aplicarem

    processos idnticos em todos os territrios.

    Este fato determina a necessidade de uma estratgia territorial conduzida com

    habilidade e coordenao, agindo, refl etindo e agindo, orientando a ao pelos

    resultados pretendidos, no apenas pelos roteiros metodolgicos, que so referen-

    cias importantes, mas que devero ser ajustados, ou mesmo re-inventados, medida

    que o trabalho progride.

    Portanto, a heterogeneidade dos territrios leva necessidade de se formu-

    larem polticas com objetivos mltiplos e integrais, que atendam s principais

    demandas dos atores sociais, pois somente dessa forma ser possvel a formao

    de alianas e parcerias, que concretizem o capital social, em benefcio de todos.

    No devem restar excludos nem perdedores, por defi cincias na formulao das

    polticas pblicas.

    Outro aspecto fundamental que os investimentos pblicos no se esgotem

    no investimento de carter econmico. O investimento social decisivo para que

    se alcancem melhores condies de vida da populao. O acesso aos servios

    pblicos bsicos condio para que o desenvolvimento se converta em um valor

    tangvel para as populaes pobres. A universalizao do acesso educao,

    sade, ao saneamento, moradia digna, energia eltrica, comunicao, ao

    transporte, aos direitos humanos, proteo criana e ao idoso, ao trabalho, so

    direitos que exigem investimentos pblicos e privados, o empenho da sociedade e

    o estmulo das polticas pblicas.

    Por fi m, mas no menos importante, que se estabeleam mecanismos

    institucionais que promovam sistemas participativos abertos, capazes de formular

    solues desde a base social. Esta tem sido uma prtica recente na gesto de

    polticas pblicas, principalmente as de carter marcadamente social. Sem dvida

    tem sido um avano importante. Mas anlises dos papis desenvolvidos pelos

    conselhos municipais, principalmente no setor do desenvolvimento sustentvel,

    tm mostrado que eles esto sujeitos a muitas difi culdades para que cumpram com

    seus elevados propsitos. O objetivo do sistema institucionalizar o controle social

    sobre as polticas pblicas, e tambm formular as polticas que atendam s demandas

    sociais no mbito temtico ou geogrfi co, conforme o caso.

  • 28 TEXTOS PARA DISCUSSO

    Existem atualmente muitos conselhos nos municpios brasileiros, pois a

    descentralizao das polticas tem colocado a criao de conselhos como condio

    para a destinao de recursos que mantm servios essenciais nos municpios. Em al-

    guns destes, onde o capital social ainda carece de revelar-se e de desenvolver-se, pou-

    cos atores sociais participam efetivamente das atividades conciliares, com a ocor rncia

    de desvios que freqentemente desvirtuam a participao e o controle so cial.

    A articulao de polticas pblicas desde a base e a ampliao dos espaos

    da gesto e da participao social at os territrios poder resultar em alguns efeitos

    prticos bastante relevantes: (i) poder ocorrer a fuso de alguns conselhos, cujos

    temas tm tudo a ver com a perspectiva territorial, passando os temas especfi cos

    a serem tratados nas comisses setoriais que os comporiam; (ii) o capital humano

    ganharia em qualifi cao para participar nesses conselhos, pois o conjunto formado

    por diversos municpios permitiria ampliar o universo de representados e de

    instituies civis, contribuindo para que se revelassem mediadores sociais ainda

    mais comprometidos, representativos e qualifi cados; (iii) o capital social alcanaria

    nveis mais elevados de articulaes horizontais e verticais, ampliando as possi-

    bilidades de entendimentos entre grupos sociais distintos e habitantes de regies

    diversas, formando novas institucionalidades mais autnticas, com maior capacidade

    para participar da formulao e controle social das polticas pblicas.

    Todos estes aspectos incidem diretamente na defi nio e execuo das polti-

    cas pblicas, que devero harmonizar-se com as caractersticas comuns aos territ-

    rios rurais.

    5.3 Territrio como objeto de polticas pblicas contextualizadasFreqentemente as polticas pblicas so formuladas e implementadas a partir

    de leituras parciais da realidade, procurando atender a setores sociais especfi cos,

    com pouca ateno s interdependncias e s complementaridades. As iniciativas

    em regionalizao de polticas tomaram rumos diversos, mas a maioria delas

    terminou por reforar distores econmicas e sociais.

    Um aspecto freqente nas polticas nacionais a sua baixa capacidade de

    absorver os diferentes contextos que devem enfrentar. Pases com o tamanho e a

    diversidade do Brasil necessitam de polticas pblicas ao menos regionalizadas, para

    que possam melhor implementar instrumentos adequados natureza dos problemas

    e possveis solues.

  • 29REFERNCIAS PARA O DESENVOLVIMENTO

    TERRITORIAL SUSTENTVEL

    As polticas pblicas devem ser regionalizadas, as aes pblicas devem ser

    territorializadas, segundo os diversos contextos onde devem atuar. Para tanto, nada

    melhor do que o ordenamento das polticas nacionais estabelecer diretrizes que

    permitam a sua aplicao nos diversos contextos regionais e instrumentos que se

    ajustem s demandas sociais provenientes dos territrios.

    Uma das distores mais marcante na leitura da realidade a que preside a

    falsa dicotomia entre o rural e o urbano na poltica nacional de desenvolvimento.

    Ela parte de uma perspectiva normativa da Lei brasileira e estimula uma viso de

    que existe uma centralidade urbana, que determina diferenas marcantes na

    formulao das polticas pblicas.

    A partir dessa perspectiva, a populao nacional contada segundo a sua

    localizao espacial, sendo o espao rural ou urbano determinados por leis

    anacrnicas de mais de sete dcadas passadas, o que leva a uma concluso bizarra,

    a de que a populao rural tenderia a desaparecer em poucas dcadas, sendo

    portanto, segundo esse raciocnio, irrelevante considerar seriamente as questes

    rurais na formulao e implementao de polticas pblicas para o desenvolvimento

    brasileiro17.

    O rural aparece como o local da produo agropecuria, mas tambm do

    atraso, da pobreza, da falta de estruturas e da carncia de servios pblicos. O

    espao rural o que sobra dos municpios, pois o relevante parece ser as cidades,

    mesmo que essas no passem de pequenos e mdios centros que gravitam em

    torno do trabalho, da produo, da cultura e dos demais recursos rurais.

    Para 90% dos municpios brasileiros, a realidade que os seus pequenos e

    mdios ncleos urbanos so rurais. Esses municpios so rurais, esto situados em

    regies rurais, com caractersticas rurais, portanto seus espaos urbanos e rurais

    so interdependentes, devendo ser articulados e integrados para que se criem

    solues defi nitivas para os seus problemas, j que eles tm uma mesma matriz

    sociocultural, econmica e poltico-institucional, o que leva a propor que devam ter

    solues que articulem as diversas faces da mesma realidade.

    Outro problema recorrente, quando se examinam os resultados das polticas

    nacionais de desenvolvimento, que elas freqentemente parecem contribuir para

    17.Segundo a abordagem normativa, o Brasil ser integralmente urbano em menos de 30 anos. Nessa tica, a importncia relativa da sociedade rural j to pequena, que torna pouco relevante qualquer poltica voltada sua

    dinamizao, alm de dispensar a defi nio de alguma estratgia especfi ca. No fundo, supe-se que dar mais ateno ao Brasil rural seria como gastar vela com pssimo defunto, j que mais dia menos dia todos estaro nas

    aglomeraes e centros urbanos. Desenvolvimento territorial do Brasil: do entulho Varguista ao Zoneamento Econmico-Ecolgico, da VEIGA, J.E., 2001.

  • 30 TEXTOS PARA DISCUSSO

    acentuar assimetrias entre regies e classes sociais, pois enxergam estas como se

    estivem dissociadas do complexo de relaes que de fato desenvolvem com outras

    regies e atores sociais. No geram sinergias, no estabelecem condies equilibra-

    das de acesso aos ativos, no democratizam realmente o conhecimento, no

    contribuem para que o capital social desenvolva-se e institucionalize-se, equilibrando

    melhor o poder de infl uir na gesto das polticas pblicas.

    Na abordagem territorial o foco das polticas o territrio, pois ele combina a

    proximidade social, que favorece a solidariedade e a cooperao, com a diversidade

    de atores sociais, melhorando a articulao dos servios pblicos, organizando

    melhor o acesso ao mercado interno, chegando at ao compartilhamento de uma

    identidade cultural, que fornece uma slida base para a coeso social e territorial,

    verdadeiros alicerces do capital social.

    A abordagem territorial dirige o foco das polticas para o territrio, destacando

    a importncia das polticas de ordenamento territorial, de autonomia e de autoges-

    to, como complemento das polticas de descentralizao.

    As polticas pblicas, para serem efetivas, devem estimular a cooperao entre

    agentes pblicos e privados, nacionais e locais, como elemento fundamental para

    a gesto das polticas, pois somente assim possibilita-se o controle social, incentiva-

    se o desenvolvimento de uma nova institucionalidade que concretiza o papel do

    capital social como um ativo18, em um contexto de desenvolvimento sustentvel e

    superao da pobreza.

    Neste contexto, evidencia-se a importncia de redefi nir o papel do Estado,

    especialmente quanto proviso de bens pblicos, direo e regulao da economia,

    construo da democracia e da institucionalidade rural.

    Ao se propor o desenvolvimento territorial como fator articulador de polticas

    pblicas e de demandas sociais, deve-se assegurar que aquelas polticas observaro

    ao menos cinco aspectos bsicos:

    :: levar em considerao as quatro dimenses elementares do

    desenvolvimento: economia, sociedade e cultura, ambiente,

    poltica e instituies;

    :: atuar sobre situaes presentes mediante mecanismos articulados

    a um projeto de longo prazo;

    18. En este trabajo, defi nimos capital social como el contenido de ciertas relaciones sociales: las que combinan actitudes de confi anza con conductas de reciprocidad y cooperacin, que proporciona mayores benefi cio para aquellos que lo poseen, que lo que podra lograrse sin este activo. DURSTON, J. Capital Social parte del problema, parte de la solucin. Su papel en la persistencia y en la superacin de la pobreza en Amrica Latina y el Caribe. CEPAL, 2001.

  • 31REFERNCIAS PARA O DESENVOLVIMENTO

    TERRITORIAL SUSTENTVEL

    :: adotar um modelo de desenvolvimento que no comprometa as metas

    de bem-estar e progresso das geraes futuras;

    :: considerar as relaes entre os diversos setores da sociedade, o que

    signifi ca romper com esquemas setoriais e favorecer um enfoque holstico

    e integral;

    :: priorizar a articulao de uma economia territorial, no qual se reconhece

    a multiplicidade, a complementaridade, a importncia de outros

    setores produtivos no vinculados produo primria, os servios

    ambientais e as externalidades econmicas do territrio rural.

    O desenvolvimento sustentvel dos territrios rurais depende tambm de

    diversos outros fatores, propiciados pelas polticas pblicas e pela reao organizada

    da sociedade.

    Estas polticas devero apoiar a formao de infra-estruturas sociais e

    econmicas, favorecer o acesso aos servios pblicos essenciais e assistncia

    tcnica qualifi cada, implementar mecanismos de desenvolvimento e de proteo

    social, promover o ordenamento territorial, incentivar a prtica de inovaes

    tecnolgicas, sociais e institucionais e promover a diversifi cao econmica. As

    polticas de incentivo ao desenvolvimento territorial devero conjugar, harmo-

    nicamente, as quatro dimenses fundamentais do desenvolvimento sustentvel:

    econmica, em que se destaca a competitividade territorial; sociocultural, na qual

    sobressai a eqidade e o respeito pela diversidade; ambiental, na qual se enfatiza o

    conceito de administrao e gesto da base de recursos naturais; poltico-institucio-

    nal, em que ressalta o conceito de governabilidade democrtica e a promoo da

    conquista e do exerccio da cidadania.

    5.4 Uma proposta poltica centrada nas pessoasA perspectiva territorial do desenvolvimento rural sustentvel permite a

    formulao de uma proposta centrada nas pessoas, que leva em conta os aspectos

    de interao entre os sistemas socioculturais e os sistemas ambientais, e que

    considera a integrao produtiva e a utilizao competitiva dos recursos produtivos

    como meios que permitem a cooperao e co-responsabilidade ampla de diversos

    atores sociais.

    O desenvolvimento territorial promove a superao da viso da participao

    como condio para a obteno de compensaes, pondo em destaque a coo-

  • 32 TEXTOS PARA DISCUSSO

    perao, a co-responsabilidade e a incluso econmica e social. Promove esquemas

    de cooperao que se adaptem s demandas diversas da populao e atores dos

    territrios.

    Encara a questo ambiental mais alm da viso convencional de manejo de

    recursos naturais, a partir de uma perspectiva de proteo ambiental e de produo

    limpa, favorecendo uma concepo multidimensional, na qual o ambiente, a

    economia, a sociedade, a cultura, o poltico e as instituies interagem sobre o

    territrio.

    Supera a viso de que a economia rural se reduz a uma economia agrcola e

    favorece uma economia territorial. Articula as dimenses urbana e rural de forma

    orgnica. Estimula a diversifi cao econmica dos territrios, quando reconhece a

    importncia dos encadeamentos de agregao de valor, mas sempre quando

    articulados ao territrio em uma economia que intrinsecamente multisetorial.

    Trata a questo da tecnologia no apenas como fator incremental da pro-

    dutividade, mas promove conceitos de inovao tecnolgica e competitividade

    ter ritorial, defende o critrio da prudncia quando tratar de questes relacionadas

    a produtos geneticamente modifi cados, promovendo o desenvolvimento de sistemas

    de inovao tendo por base o conhecimento e a sua gesto democrtica.

    Supera a viso convencional do capital, destacando a importncia do capital

    humano, como a capacidade transformadora inerente aos conhecimentos das

    pessoas; do capital social, como as relaes horizontais (como as redes) e verticais

    (como os contratos de integrao), que viabilizam a governabilidade; do capital

    natural, como a base de recursos naturais.

    Confi gura espaos demogrfi cos integrados que compartilhem estruturas

    sociais, econmicas e institucionais construdas em processos histricos de

    apropriao do espao.

    Dentro deste enfoque, o conceito de prosperidade tem como referncias a

    superao da pobreza e a garantia da segurana alimentar19. E estes so dois dos

    mais importantes eixos polticos do atual governo do Brasil.

    19. Desarrollo Rural Sostenible: Enfoque Territorial. Sntesis preparada por el Equipo de DDRS del IICA, enero 2003.

  • 33REFERNCIAS PARA O DESENVOLVIMENTO

    TERRITORIAL SUSTENTVEL

    6 Referncias para a implantao da abordagem territorial

    6.1 Ordenamento e desenvolvimentoO que aqui denominamos de ordenamento tem o sentido geral do termo j

    uti lizado nas Cincias Ambientais e na Geografi a, mas com algumas diferenas fun da-

    men tais. Vai mais alm da caracterizao, localizao ou destinao da ocupao espa-

    cial de um territrio. De fato trata-se do ordenamento tcnico, social, jurdico e po ltico

    de que se revestem as polticas pblicas, expressas nas mais diversas formas, geralmente

    estimulando ou restringindo atividades, apoiando esse ou aquele setor ou regio.

    Neste contexto, ordenamento o processo de formulao do direcionamento

    que se pretende dar ao conjunto de medidas derivadas das polticas pblicas, e no

    qual se projetam as condies que se aspiram alcanar durante, e aps, o processo

    de interveno, atingindo um certo nvel estvel de transformaes verifi cveis.

    O ordenamento territorial o sentido descendente do ciclo proposto de

    articulao en tre o Estado/Governo e a Sociedade/Instituies. um processo de

    diag nstico, escu ta e estudos, formulao e validao, informao e capacitao,

    arti culao com os inter lo cu tores e implementao. Com a integral participao dos

    atores so ciais, de tal for ma que aperfeioamentos possam, e devam, ser feitos,

    ajustando os instrumentos s condies locais, tendo por objetivo o processo

    educativo, a participao social e o resultado econmico.

    Do ordenamento, espera-se a induo de reaes, que so a expresso do

    desenvolvimento, com o sentido ascendente e o protagonismo dos atores locais

    envolvidos. Essas reaes projetam as transformaes pretendidas segundo um

    processo de planejamento ascendente (Sociedade/InstituiesEstado/Governo).

    O ciclo que articula polticas pblicas e desenvolvimento territorial sustentvel

  • 34 TEXTOS PARA DISCUSSO

    completa-se, portanto, quando as reaes, na forma de resultados e impactos das

    polticas, passam a fazer parte do processo de reviso e aperfeioamento do

    ordenamento. A este ciclo, denomina-se planejamento ascendente.

    A virtude estaria em que esse processo fosse contnuo e favorecesse a permanen-

    te sintonia entre as demandas da sociedade e as ofertas das polticas pblicas.

    Dessa forma, as polticas pblicas so referenciadas por trs momentos que

    conformam um processo contnuo: (i) sua formulao geral refl ete o ordenamento

    (polticas pblicas na forma de programas nacionais e estaduais); (ii) as reaes

    confi guram o desenvolvimento (planos, projetos, atividades, resultados e impactos

    nos territrios); (iii) os resultados e impactos determinando os ajustes nos programas

    nacionais e nos processos de desenvolvimento dos territrios, por meio da

    negociao e a co-responsabilidade assumida por todos os atores envolvidos.

    Portanto, o desenvolvimento territorial ser a conseqncia induzida, esti-

    mulada, apoiada e esperada do ordenamento territorial.

    6.2 Territrio um espao fsico, geografi camente defi nido, geralmente contnuo, com preen-

    dendo cidades e campos, caracterizado por critrios multidimensionais, tais como o

    ambi ente, a economia, a sociedade, a cultura, a poltica e as instituies, e uma popu-

    lao, com grupos sociais relativamente distintos, que se relacionam in terna e externa-

    mente por meio de processos especfi cos, onde se pode distinguir um ou mais elemen-

    tos que indicam identidade e coeso social, cultural e territorial.

    6.3 Territrio ruralSo os territrios, conforme anteriormente, onde os critrios multidimensionais

    que os caracterizam, bem como os elementos mais marcantes que facilitam a coeso

    social, cultural e territorial, apresentam, explicita ou implicitamente, a predominncia

    de elementos rurais20. Nestes territrios incluem-se os espaos urbanizados que

    compreendem pequenas e mdias cidades, vilas e povoados.

    6.4 Caracterizao das microrregies ruraisAs microrregies rurais so aquelas que apresentam densidade demogrfi ca

    20. Ambiente natural pouco modificado e/ou parcialmente convertido a atividades agro-silvo-pastoris; baixa densidade demogrfi ca populao pequena; base na economia primria e seus encadeamentos secundrios e tercirios; hbitos culturais e tradies tpicas do universo rural.

  • 35REFERNCIAS PARA O DESENVOLVIMENTO

    TERRITORIAL SUSTENTVEL

    me nor do que 80 habitantes por km e populao mdia por municpio at 50 mil

    habitantes21. As microrregies rurais so ordenadas com o critrio de maiores

    concentraes do pblico prioritrio do MDA22. As microrregies rurais indicam,

    preliminarmente, de quais re gies devero se revelar os territrios rurais a serem

    trabalhados prio ritariamen te, uma vez que as disponibilidades de recursos no

    permitem uma disperso muito ampla das aes.

    Este ordenamento tambm orienta as negociaes entre o MDA e os estados

    (go vernos estaduais e sociedade civil), onde so agregados outros critrios de prio riza-

    o, excluindo-se aqueles eventualmente contraditrios aos critrios empre gados.

    Outro emprego das microrregies rurais quanto ao dimensionamento dos

    programas sob responsabilidade da SDT23. A tipificao atual, com objetivos

    estritamente programticos, consiste na utilizao de indicadores que possam

    categorizar o conjunto de unidades geogrfi cas consideradas. No caso de municpios

    e microrregies geogrfi cas, so utilizados indicadores de densidade populacional e

    populao total por unidade analisada.

    A escolha dos territrios rurais em cada Estado se dar aps a concluso

    satisfatria do processo de consultas sociedade civil e ao governo. A aprovao se

    dar pelos Conselhos Estadual e Nacional.

    A revelao definitiva de cada territrio somente ocorrer quando a sua

    populao, por meio dos atores sociais, reconhea os seus elementos caracterizado res

    da coeso social e territorial, durante, ou logo aps, o processo de construo da sua

    identidade e proposio de sua viso de futuro.

    Esta viso de futuro estruturar um plano, denominado Plano Territorial de

    Desenvolvimento Sustentvel (PTDS), que servir de organizador do processo de ar-

    ticulao e implementao de aes que transformem o quadro atual do territrio e

    realize os objetivos eleitos pela sua populao.

    Estes seriam os desafi os do Ministrio de Desenvolvimento Agrrio e de suas

    Secretarias vinculadas, assim como de importante parcela de organismos e entidades

    pblicas, privadas e sociais, nacionais e internacionais, que assumiram a res-

    ponsabilidade de enfrentar, com profunda determinao, a desigualdade, a pobreza e

    a falta de perspectivas em que se encontra cerca de 25% da populao brasileira.

    21. A SDT adota os seguintes critrios: municpio densidade demogrfica at 80 hab/km e populao total at 50.000 habitantes; microrregio geogrfi ca densidade demogrfi ca at 80 hab/km e populao mdia por

    municpio componente da microrregio de 50.000 habitantes. Sempre que uma microrregio atinge ndices que a categorizam como rural, nesta categoria se incluem todos os municpios que compem a microrregio considerada.

    22. Agricultores familiares, famlias assentadas pela reforma agrria, agricultores beneficirios do reordenamento agrrio, famlias assentadas, o que caracteriza uma maior intensidade de demanda social.

    23. O governo encaminhou ao Congresso Nacional, no mbito da Proposta do PPA 2004-2007, o programa que organiza as atividades sob a responsabilidade da SDT: Programa de Desenvolvimento dos Territrios Rurais.

    REFERENCIAS PARA O DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL SUSTENTVELCriando as condiespara a valorizao dos territriosSumrio1 Introduo1.1 Antecedentes1.2 Justifi cativas

    2 Os desafi os atuais para odesenvolvimento rural sustentvel3 Principais difi culdadesa serem vencidas3.1 Capital humano, capital social e capital natural3.2 Estrutura fundiria e acesso terra3.3 Desenvolvimento territorial ou setorial?3.4 Recursos fi nanceiros para investimentos pblicos

    4 Uma proposta estratgica para oMinistrio do Desenvolvimento Agrrio5 O enfoque territorial nodesenvolvimento rural sustentvel5.1 Coeso social e territorial5.2 Algumas caractersticas dos territrios rurais econseqncias para a formulao de polticas pblicas5.3 Territrio como objeto de polticas pblicas contextualizadas5.4 Uma proposta poltica centrada nas pessoas

    6 Referncias para a implantaoda abordagem territorial6.1 Ordenamento e desenvolvimento6.2 Territrio6.3 Territrio rural6.4 Caracterizao das microrregies rurais