b - zilio,d.(2011) - algumas considerações sobre a act e o problema dos valores

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    www.revistaperspectivas.com.br 159Revista Perspectivas 2011 vol. 02 n 02 pp. 159-165

    Algumas consideraes sobre a terapia de aceitao e compromisso(ACT) e o problema dos valores

    Some remarks on acceptance and commitment therapy (ACT) and theproblem of values

    Algunas consideraciones sobre la terapia de aceitacin y compromiso(ACT) y el problema de los valoresDiego Zilio 1

    Resumo: O objetivo do presente ensaio discorrer sobre a concepo de valores propostapela terapia de aceitao e compromisso (AC ), luz de sua flosofa contextualista uncional.Argumenta-se que o critrio pragmtico de verdade do contextualismo uncional, quando

    utilizado na ACT para lidar com a questo valores, pode ocasionar problemas devido ao seucarter relativista e fundacional.

    Palavras-chave: terapia de aceitao e compromisso (ACT), contextualismo uncional, re-lativismo moral, valores.

    Abstract: Te aim o this paper is to discuss the conception o values proposed by acceptanceand commitment therapy (ACT) in the light o its unctional contextualistic philosophy. Itis argued that the pragmatic truth criterion of functional contextualism, when used in ACTto deal with the defnition o values, can be problematic because o its relativism and oun-dational character.

    Keywords: acceptance and commitment therapy (ACT), unctional contextualism, moral

    relativism, values.

    Resumen: El objetivo de este trabajo es discutir la concepcin de valores propuesta por laterapia de aceptacin y compromiso (ACT) a la perspectiva de su floso a contextualistafuncional. Se argumenta que el criterio pragmtico de verdad del contextualismo funcional,cuando utilizado por la ACT en la discusin de valores, puede generar problemas debido asu carcter relativista y fundacional.

    Palabras-clave: terapia de aceptacin y compromiso (ACT); contextualismo uncional; re-lativismo moral; valores.

    [1] Universidade de So Paulo, Brasil | Ttulo abreviado: ACT e o problema dos valores | Endereo para correspondncia: Avenida Professor Mello Moraes,1721. CEP: 05508-900. So Paulo, SP. | E-mail: [email protected]. | Nota: O autor bolsista de doutorado FAPESP (Processo No. 2009/18324-1).

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    ISSN 2177-3548

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    Uma das questes essenciais colocadas aos adep-tos da terapia de aceitao e compromisso (AC ) se esta seria apenas mais uma tcnica, entre outraspossveis, ou se haveria uma undamentao emp-

    rica, terica e flosfca que a sustentaria como umaalternativa autnoma e distinta de outras ormas deprtica teraputica. Hayes, Strosahl e Wilson (1999)de endem a segunda alternativa: A AC no deveser vista meramente como uma tecnologia, pois elaintegra ideias diversas dentro de um arcabouo te-rico e flosfco coerente e inovador (p. 16).

    Sendo assim, a AC deve ser analisada noapenas pelo seu conjunto de tcnicas, mas pelassuas caractersticas terico- los cas. A nal, como

    Hayes et al. (1999) afrmam, muitas ou at mesmo amaioria das tcnicas da AC oram emprestadas deoutros lugares (p. 15). Isso signi ca que analisar astcnicas em si mesmas no consiste necessariamentenuma anlise da AC , j que as tcnicas utilizadaspelos seus praticantes no so propriamente suas.

    Dito isso, o objetivo do presente ensaio dis-correr sobre os desdobramentos terico-flosfcosda concepo de valores proposta pela ACT e sobresuas possveis consequncias para a prtica clnica.Especi camente, o ensaio busca analisar a noode valores presente na AC luz de sua loso a,o contextualismo uncional (Hayes 2004a, 2004b;Hayes, Luoma, Bond, Masuda, & Lillis, 2006;Hayes, Strosahl, & Wilson, 1999; Wilson, Sandroz,& Kitchens, 2010). Argumentar-se- que dessa no-o de valores pode emergir o problema do rela-tivismo moral problema esse que pode, por sua vez, difcultar o prprio procedimento teraputico.

    Valores e ACT: Definio e ImportnciaLuoma, Hayes e Walser (2007) apresentam a seguintedefnio de valores no mbito da ACT: Os valorestm sido defnidos na ACT como direes de vidaescolhidas, globais, desejadas e verbalmente constru-das (p. 131). Embora apresente uma defnio de valores, essa passagem no de maneira alguma ex-plicativa, pois incita mais questes do que ornece res-postas. O que signifca dizer, por exemplo, que valoresso direes de vida escolhidas, globais e desejadas?E quais as implicaes de se sustentar que os valores

    so verbalmente construdos? Na busca de uma de-fnio explicativa de valores, uma boa estratgia con-siste na decomposio da defnio supracitada.

    Comecemos, ento, pela ideia segundo a qual valores seriam escolhas. Nas palavras de Hayes etal. (1999), selecionar valores mais parecido compostular, assumir ou operar baseando-se em axio-

    mas, ao invs de az-lo baseando-se em clculos,planejamentos, decises ou raciocnios. Os valoresso escolhas e no julgamentos (p. 204). As esco-lhas, por sua vez, so defnidas como uma seleoentre alternativas que pode ser eita com razes (sehouver razes), mas no por razes. Escolhas noso explicadas, justifcadas, ligadas a ou guiadas poravaliaes e julgamentos verbais (p. 212).

    Ou seja, os valores so escolhas no sentido deserem axiomas a partir dos quais o sujeito pode ou

    no planejar a sua vida. Na Lgica, axiomas so pro-posies no passveis de prova ou demonstrao,aceitos a priori como verdades a partir das quais seconstri todo o raciocnio conseguinte (c . Salmon,1984/1993). ranspondo para a ideia de valoresapresentada pela AC : os valores dos sujeitos soirre utveis e no passveis de anlise, seja ela cr-tica ou no, e constituem o ponto de partida paratoda a construo de sua direo de vida, isto , deseus objetivos (c . Hayes, 2004a; Hayes et al., 2006;Hayes et al., 1999; Wilson & Murrell, 2004; Wilson& Sandroz, 2008; Wilson et al., 2010). Sendo axio-mas, o terapeuta adepto da AC no deve analisaras contingncias que controlam o comportamento verbal valorativo do sujeito. Esse comportamentono est sob anlise. rata-se do ponto de partidada interveno. Alm disso, o cliente no precisaexplicar ou justi car os seus valores ao terapeuta.Este pode apenas ajud-lo a descrever de maneiraclara quais seriam esses valores, mas a sua tare atermina a (Hayes et al., 1999). Isto , os exerccios

    teraputicos da ACT associados aos valores - comoas tare as declarificao de valores ou, por exem-plo, o recente questionrio de Wilson, Sandroz eKitchens (2010) - visam, sobretudo, ao esclareci-mento e delimitao dos valores dos pacientes,e no discusso crtica dos valores em si mes-mos (c . Hayes, 2004a; Hayes et al., 2006; Wilson& Murrell, 2004; Wilson et al., 2010). Con orme veremos adiante, essa alta pode estar diretamenterelacionada ao posicionamento flosfco da AC 1.

    1 Vale ressaltar que o presente ensaio no tem por fnalidadediscorrer sobre as tcnicas e os exerccios teraputicos da

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    Em tempo, o que signifca dizer que valores sodirees de vida? Ainda com Hayes et al. (1999):Um valor uma direo - uma qualidade da ao.Por defnio, os valores no podem ser alcanados

    e mantidos em estado esttico; eles precisam ser vi- vidos (p. 231). O ponto-chave est em de nir os valores comoqualidades da ao. Pela perspectivada AC , qualifcamos o comportamento do sujeitocomo valorativo ou no valorativo de acordo comos valores estabelecidos por ele. Uma ao valora-tiva quando est em consonncia com os valores dosujeito e no a quando transgride esses valores dealguma orma. justamente por esse motivo que,para a AC , os valores no so objetivos (Hayes,

    2004a; Hayes et al., 2006; Hayes et al., 1999; Wilson& Murrell, 2004; Wilson & Sandroz, 2008; Wilsonet al., 2010). De acordo com Luoma et al. (2007):

    Os valores so como direes, e valorizar si-milar a andar nessas direes. Os valores estopresentes no primeiro momento de escolha dedireo e eles no tm um m, enquanto obje-tivos podem ser completados, consumados, ouacabados. Na AC , os objetivos so seleciona-dos para adaptar-se s direes [de vida] valo-rizadas, e no o contrrio. (p. 133)

    Em poucas palavras, valores no so objetivos de vida. So axiomas ou, melhor dizendo, so cons-trutos verbais criados pelo sujeito para estabelecero ponto a partir do qual autorregras sero criadase objetivos sero estabelecidos. omemos comoexemplo um sujeito cujo valor primordial ser umbom pai. Ser um bom pai no um objetivo pas-svel de ser alcanado no uma coisa. No omesmo que ir, por exemplo, ao recital do flho. Poroutro lado, ir ao recital um objetivo que pode sercontemplado e que, se o or, pode ser consideradocomo uma atividade valorativa, j que est em con-sonncia com o valor primordialser um bom pai .Faltar ao recital do flho, por sua vez, pode ser ana-lisado como um comportamento que no est emconsonncia com o valor primordial. Dessa orma,a partir de valores pr-estabelecidos, so delineadasregras da conduta (e.g., nunca altar aos recitais do

    ACT para o tratamento dos valores, mas sim ocar a defniode valores propriamente dita.

    flho) e so criados objetivos (e.g., ir ao prximo re-cital do flho no dia x) que contribuem para a vidasignifcativa, isto , para a vida em que as aes es-to em consonncia com os valores.

    Em sntese, para a AC , os valores so escolhas,qualidades da ao e direes de vida, e no propria-mente objetivos. A questo que se coloca agora, en-to, a seguinte: qual seria a uno dos valores naAC ? Hayes et al. (1999) apresentam uma resposta:

    Seu objetivo ltimo [da AC ] ajudar o clien-te a desenvolver e manter uma trajetria com-portamental na vida que seja vital e valorizada.

    odas as tcnicas da AC so eventualmente

    subordinadas a ajudar o cliente a viver de acor-do com os seus valores escolhidos. (p. 205)

    Isto , so os valores do cliente que estabelecemo plano de trabalho do terapeuta da AC (Hayes,2004a, 2004b; Hayes et al., 2006; Hayes et al., 1999;Wilson & Murrell, 2004; Wilson & Sandroz, 2008;Wilson et al., 2010). Sem os valores, no h pro-posta teraputica. Em adendo, todas as tcnicas daAC s azem sentido luz dos valores do cliente.Continuando com Hayes et al. (1999):

    Praticar aceitao e des uso signi ca caminharpor pntanos de ansiedade, perda, tristeza e con-

    uso. Os valores ornecem o contexto que expli-ca por que essas experincias di ceis esto sendocontatadas. Pela perspectiva da AC , so os va-lores que azem a vontade e a aceitao mais doque a simples tentativa de reduzir as experinciasdesagradveis atravs da exposio. (p. 132)

    No exagero supor que os valores esto no magoda AC , dando sentido ao prprio processo tera-putico que a caracteriza. Dessa orma, qualquerproblema que possa existir com a concepo de va-lores apresentada pela ACT ser um problema paraa AC como um todo.

    Os Problemas dos Valores na ACTO objetivo desta seo discorrer sobre possveisproblemas da concepo de valores proposta pela

    AC . O primeiro suposto problema tem sua ori-gem na ideia de que os valores podem ser vistoscomo axiomas que no precisam de explicao e/

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    ou de justifcativa. Esse posicionamento pode inci-tar a ideia errnea de que valores surgem do nada,de que o enunciado valorativo do cliente no seria

    ruto de sua histria de vida, mas seria um produ-

    to indeterminado, independente de eventos ante-cedentes. Entretanto, esse no necessariamenteo posicionamento da AC . A ideia do valor comoaxioma apenas uma manobra para explicitar ocarter no prescritivo da AC : A abordagem daACT dos valores no consiste em ensinar aos clien-tes qualquer conjunto particular de regras moraisou os valores e virtudes corretos (Luoma, Hayes &Walser, 2007, p. 131).

    Isto , terapeutas adeptos da AC no preten-

    dem e no devem doutrinar seus clientes, ornecen-do-lhes valores pr-estabelecidos. No devem, atmesmo, con orme vimos acima, analisar os valo-res do cliente. Ao que parece, para a AC , o clientedeve ser capaz de agir pelo seu prprio entendi-mento na escolha de seus valores. A AC no deveter nenhum papel nessa construo a no ser o deajudar o cliente a identifcar e descrever de manei-ra mais clara quais seriam esses valores (c . Hayes,2004a; Hayes et al., 2006; Wilson & Murrell, 2004;Wilson et al., 2010).

    odavia, a tese dos valores como axiomas queno precisam de explicao e/ou de justifcativa trazconsigo um problema mais srio. Este, sim, real:o problema do relativismo moral. Os valores dosclientes so irre utveis e no passveis de anlise.Portanto, o que azer quando os valores dos sujeitosno esto em concordncia com os do terapeuta ou,pior ainda, com os da cultura da qual tanto o tera-peuta quanto o cliente azem parte?

    A AC originou-se do contextualismo esta a sua raiz flosfca (Hayes & Hayes, 1992). O con-textualismo uncional oi proposto por Hayes e co-laboradores como uma alternativa s leituras meca-nicistas da anlise do comportamento (e.g., Hayes,1988; Hayes & Hayes, 1992; Hayes, Hayes & Reese,1988). As caractersticas dessa abordagem los -ca j haviam sido delineadas na dcada de 1980, apartir dos primeiros textos sobre o assunto. Assim,embora ainda existam discusses sobre o tema, assuas caractersticas centrais permanecem inaltera-

    das (S. Hayes, comunicao pessoal, 20 de outu-bro de 2011) e, por conta de sua associao com aAC , passam tambm a azer parte dessa proposta

    teraputica (Hayes 2004a, 2004b; Hayes et al., 2006;Hayes et al., 1999; Wilson et al., 2010).

    O problema ulcral, que engloba a questo es-pecfca dos valores, est no critrio de verdade do

    contextualismo uncional. Nas palavras de Hayes etal. (1999):

    O critrio de verdade do contextualismo un-cionar [ successful working ]. Anlises so verda-deiras apenas no sentido de completar objetivosparticulares. . . . A sua verdade pode no ser aminha, porque possumos objetivos di erentes. .. . Consistente com essa flosofa, na AC o que verdadeiro o que unciona. (pp. 19-20)

    Mas o que signi ca funcionar ? Continuando comHayes et al. (1999): Na perspectiva contextualista, verdadeiro o que uncionar para alcanar nossosobjetivos escolhidos. Isso vago, contudo, a no serque de namos o que signi ca uncionar. Os valo-res azem exatamente isso e, sem valores, a AC impossvel (p. 133).

    Em linhas gerais, os valores estabelecem os pa-rmetros a partir dos quais classifcamos o que un-ciona e o que no unciona. O que unciona o quenos ajuda a viver uma vida em que nossas aes es-to em consonncia com nossos valores. E, se cer-tas aes esto em consonncia com nossos valores,elas soverdadeiras. Mas no podemos a rmar sedeterminados valores (e.g.,x e y) so verdadeirosou alsos por dois motivos: (a) eles so os prprioscritrios de verdade e (b) eles so axiomas irre ut- veis que no precisam de explicao.

    A associao do critrio de verdade do contex-tualismo uncional com a noo de valores da ACT

    e a ideia de que estes seriam axiomas ca clara naseguinte passagem de Hayes (2004a):

    O que considerado verdade o que un-ciona. No entanto, para saber o que unciona, preciso saber qual a nalidade do trabalho: preciso existir uma clara exposio a prioride um objetivo analtico. . . . No contextualis-mo, os objetivos elementares possibilitam aanlise (isto , eles possibilitam a aplicao do

    critrio pragmtico de verdade) eles no soem si mesmos resultantes da anlise. Isso sig-ni ca que, ao passo em que so undacionais

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    [ foundational ] no contextualismo, os objetivoselementares podem apenas ser especi cados,mas no justi cados . . . . a natureza undacio-nal dos objetivos no contextualismo refetida

    na n ase da AC nos valores escolhidos [pe-los clientes] como componentes necessrios da vida signifcativa. (pp. 646-647)

    alvez o ponto mais signifcante dessa passagem es-teja no ato de que Hayes (2004a) classi ca os obje-tivos elementares e, por extenso, os valores, comosendo undacionais. Na loso a, o undacionismoconsiste, em linhas gerais, na teoria epistemolgicade acordo com a qual existiriam crenas justifcadas

    em si mesmas, ou seja, que no seriam derivadas e/ou justifcadas a partir de outras crenas (Fumerton,2010). por isso que Hayes (2004a) assume que osobjetivos elementares s podem ser especi cados,mas no justi cados. por isso, tambm, que naAC os valores so vistos como axiomas no pass- veis de justifcao ao longo do processo teraputi-co, s seria possvel delimit-los e esclarec-los, masno discuti-los criticamente ou justifc-los.

    Herdado pela AC de sua loso a contextua-lista uncional, esse posicionamento um ator queprovavelmente contribui para que o oco de suasatividades teraputicas associadas aos valores este- ja undamentalmente em sua delimitao e em seuesclarecimento (c . Hayes, 2004a; Hayes et al., 2006;Wilson & Murrell, 2004; Wilson et al., 2010).

    Con orme vimos anteriormente, os valoresornecem o ponto de partida de todo o procedi-

    mento teraputico em AC . rata-se, porm, deuma estratgia perigosa undamentar o processoteraputico nos valores dos clientes; valores que,

    enquanto axiomas, so inatingveis pelo terapeu-ta. Retomando a nossa questo: o que acontecerquando os valores do cliente orem distintos dos valores do terapeuta ou dos valores da cultura? Ora,a ACT parece s uncionar com pessoas boas, isto, com pessoas cujos valores esto em concordnciacom os valores do terapeuta e/ou da cultura 2. Casocontrrio, o terapeuta da AC se deparar com umproblema com o qual no poder lidar, sob pena detransgredir, se o fzer, a sua prpria flosofa.

    2 Assumindo-se que os valores do terapeuta e da culturasejam bons, hiptese plenamente re utvel.

    O problema moral no exclusivo da ACT, masest presente em toda orma de processo terapu-tico (alis, em toda orma de relao humana). Aquesto que ele talvez se torne mais agravante na

    AC , pois o relativismo moral est em seu cerne.Sua loso a contextualista uncional, que atribuicritrios de verdade de acordo com parmetrospragmticos, pode contribuir para o bloqueio dequalquer tipo de tomada de deciso moral prescri-tiva. No h uma moral correta ou verdadeira.As aes corretas, verdadeiras ou at mesmoboas so aquelas que esto em consonncia com valores dos sujeitos, sejam eles compatveis ou nocom os valores da cultura.

    Defnir o que bom ou ruim prescrever umateoria moral. Skinner, por exemplo, desenvolveuuma teoria moral para alm (e, em certa medida,independente) de sua loso a da cincia beha- viorista radical (Zilio & Carrara, 2009). O ncleode sua teoria moral composto pelas seguintesprescries: o que bom para a espcie o quepossibilita a sua sobrevivncia; o que bom parao indivduo o que lhe promove bem-estar; e oque bom para a cultura o que permite resol- ver seus problemas (Skinner, 1974, 1981; c . Abib,2001; Chiesa, 2003; Dittrich & Abib, 2004; Zilio &Carrara, 2009). Entretanto, no possvel embasarempiricamente essas asseres por meio da anlisedo comportamento sem cair na alcia naturalista(Garret, 1987; Staddon, 2004). O ponto que noh como desenvolver uma teoria moral puramen-te justi cada pela cincia. Em algum momento necessrio tecer prescries ou, como a AC sus-tenta, axiomas valorativos.

    No entanto, o problema da AC est em re-

    lativizar essas prescries. Por exemplo: sempreajudar seres humanos e sempre maltratar sereshumanos so valores que possuem o mesmo graude verdade e as aes valorativas ajudar umidoso a atravessar a rua e torturar uma crianaso ambas boas no contexto de seus respectivos valores. Mantendo a comparao com o posicio-namento moral Skinneriano, no caso deste h trsparmetros prescritivos que podem servir de nor-te para a prtica teraputica. Qualquer valor do

    cliente que, por ventura, possa estar em dissonn-cia em relao aos valores prescritos por Skinner isto , que no esteja de acordo com o valor de

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    sobrevivncia da espcie e da cultura, bem comocom o bem-estar dos indivduos pode se tornar

    oco de anlise no prprio processo teraputico. Aquesto a ser ressaltada aqui no , evidentemen-

    te, que as prescries de Skinner consistam em va-lores corretos que devemos seguir por conta dealgum critrio de verdade. A questo que h, aomenos nesse caso, parmetros morais que podemservir de base para a atuao teraputica - situaocontrria da AC , em que o relativismo moralest arraigado em sua flosofa.

    Em ace desse problema, Hayes et al. (1999)apresentam a seguinte soluo: H ocasies emque o cliente chega terapia com valores que so

    to divergentes dos do terapeuta a ponto de noser possvel estabelecer um trabalho colaborativo.Nesses casos, o terapeuta deve encaminhar o clientepara outra pessoa (p. 231). odavia, encaminharo cliente est longe de ser uma soluo do proble-ma, consistindo apenas na possvel trans erncia domesmo para outro terapeuta.

    Contudo, seria a AC partidria da teoria dobom selvagemde Rousseau? Creem os seus de en-sores que todos os seres humanos so, em ltimainstncia, bons ou que todos compartilham osmesmos valores? A nal, s assim seu posiciona-mento acerca dos valores tem chance de se livrardo problema do relativismo moral. Caso contr-rio, a AC poder ter srios obstculos no pro-cesso teraputico com sujeitos cujos valores noso os mesmos do terapeuta e da cultura em queambos esto inseridos. Por outro lado, se a res-posta a essas questes or positiva e esperamos,evidentemente, que no seja esse o caso ento oproblema da AC est, realmente, em sua mani-

    esta ingenuidade.

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    Informaes do Artigo

    Histrico do ArtigoSubmisso em: 16/09/2011

    Primeira deciso editorial em: 19/10/2011Aceito para publicao em: 17/11/2011