ayla.cultura popular no brasil

Upload: camila-mota-farias

Post on 07-Apr-2018

226 views

Category:

Documents


1 download

TRANSCRIPT

  • 8/3/2019 Ayla.cultura Popular No Brasil

    1/35

    -.---------:~-:-,, -~ - ~- -; ,- ;- i ~- _ :_ ,. : -: -. - - - ; - ,: l l - - - - - : . ~ [ : JJ J J - .- ~. ~ II -- -- .- .- .~ ~ ~] - :- :- ~~ , ~~ l ~ . ; - - - : l ,T I -- ;-1 I , ,. . . j I. -_ I . < -. " P " , , I '1 I

    IJ '.L I. r:

    Energia & Fome AGilberta Kobler CorreaSonhar, brincar, cnar.

    i n t e r p r e t a rArlinda Ct PimentaHist6ria da literaturaalomaEtoa Heise eRuth R6hlHist6ria do trabalhoCarlos Roberto deOliveiraNazismo - 1'0 Triunfoda Vontade"Alcir LenharoFascismo italianoAngelo TrentoAs drogasLuiz Carlos RochaPoesia infantil _ _Maria da Gloria BordiniPactos e establlizacaoecon6mcaPedro Scuro NetoEstetica do sorrisoMichel Nicolau Youssef,Carlos Eduar

  • 8/3/2019 Ayla.cultura Popular No Brasil

    2/35

    I I I

    DlrecaoBenjamin Abdala JuniorSamira Youssef CampedelliPreparacao de textoMario Tadeu Bruce

    ArteDlrecao eprojeto grafico/mioloAntonio do Amaral Rocha

    Ooordenacac de compostcac(Produgao/Paginac;ao em video)Neide Hiromi ToyotaCapaAry NormanhaAntonio Ubirajara Domiencio

    ISBN 85 08 01863 0

    1987Todos os di reitos reservadosEditora Atica S.A. Rua Barao de Iguape, 110Tel.: (PABX) 278-9322 Caixa Postal 8656End. Teleqrafico "Bomlivro" - Sao Paulo

    . I . . . _ . . : _~" _ _ .__ . .__~~~- ~- __ '_ . r " . _ I i I ~ I I r . , . i I

    .

    i~I

    '.

    Dedicamos ao professor Xidieh,que nos iniciou nessas veredasensinando-nos a trilha-las com olhose ouvidos atentos, ea Ruth Brito Lemos Terra, corn saudade .

  • 8/3/2019 Ayla.cultura Popular No Brasil

    3/35

    - . .. .. .. " - _ - -- - . .. . - - . .. .. .. .. . - ~: : I I', . . - - - .

    1.Introdu9ao~~~~~~~~~~Tradicao e rupturaMais uma observacao

    789

    2. Assim corneca esta hist6ria 11Folclore e identidade nacional 11"Registre antes que acabe" 14A busca das origens ou "a imaginacao adivinha-dora" 16Cultura "simples", "rude", "Ingenua" 18o zelo conservador 19 ;

    3. Oontrlbulcoes para uma mudanca deenfoque 21Amadeu Amaral: novas propostas de estudo 21

    Urn processo especifico de criacdo 22Mario de Andrade: a analise da estetica popular 24Por urn registro mais criterioso 24

    Questionando a tradiciio 26Rompendo. com a dicotomia rural/urbano 27. U ma vis iio niio-moralista 29

    4. Cultura popular e sociedade brasileira 31Roger Bastide 31

    "0 [olclore ndo flutua no ar" 33Florestan Fernandes 34Delimitacdo do "jato jolclorico " 35Oswaldo Elias Xidieh 38Transformacoes sociais e mudancas culturais 40Sistemas culturais em confronto 42

    II

    5. A busca do nacional ..popular _~_ 43Cultura popular, politica e ideologia 43

    t

    . , . ~ - - = ~ . - ._ - ~ .. . . . : . .. .. .. . . . . .. ., .~ ~ ~ . .- - - . 'FL; ' . . . . ~ 't ' ' ~. , II [ ' " v r :1 ' o ; . ~ , r ~ . . ., . .. . ... I r r" " . ; " 111 l ._l1l i . ~ . I 1~1. '. " _ I1 ";.J; II I~ I . l. .. I I l . _ . I ,. I

  • 8/3/2019 Ayla.cultura Popular No Brasil

    4/35

    . . . . _.. , r.: . I . . I t o . . . . . P M I . . I . I d I I . . . . . . . . . . " . p : t P . J . ! .! . . . .. . . . _L , . ' . ___i __. . yi . ~ , - F . , ' L I . . . . . . . - . . . _. ~

    ,1!

    ~ s p o si 9 fi e sd o s CP~S ~~~~~~~~~~ 4 5"Povo alienado ", "vanguarda iluminada" 46As praticas culturais em estudo 48

    6.Cultura popular au culturas populares? 53Cultura popular e contexto sociocultural 56Organizacao da producao cultural popular 60A nocao de sistema 657 . ~ o c a b u l A r i o crftico~~~~~~~ 698. Bibliografia comentada 72 Muitos textos vern sendo publicados sobre a cultura po-pular brasileira, Para se ter ideia da enorme quantidade de

    titulos, basta folhear as bibliografias do folclore brasileiroexistentes ': Estes estudos apresentam-se alicercados em con-cepcoes te6ricas que, par sua vez, impoem procedimentos me-todologicos reveladores de interesses contrastantes, tendendoora para uma posicao conservadora, ora, em menor mime- . . I .ro, para uma perspcctrva mais crttica na exposicao e inter-pretacao dos dados.

    Pretendemos, neste livro , discutir como alguns estudio-sos abordam a cultura popular brasileira, como a defineme delimitam, que conceitos utilizam, como encaram as rela-coes entre essa forma de cultura e 0 contexto socioculturaldo qual faz parte. Preocupamo-nos principalmente em ana-lisar as obras que consideram as condicoes sociais da produ-cao cultural popular, contrapondo-as, na medida do possivel,

    " , " i ~ a matrizes teoncas, mars antigas ou mars recentes, qu e con-gelam, por assim dizer, os "fates", as manifestacoes cultu-

    I

    , .

    1Cf., p. ex. ~ COLONELLI, Cristina Argenton. Bibliografia do folclore bra-s i le i ro _Sao Paulo, Conselho Estadual de Artes e Ciencias Humanas, 1979;NASCIMENTO, Braul io do, argo Bibliografia do folclore brasileiro, Rio de Ja-neiro, Biblioteca Nacional, 1971.

    , , . f

    , . I

  • 8/3/2019 Ayla.cultura Popular No Brasil

    5/35

    _ I . r

    9....._-_......_-------------------

    raix, dissociando-as de seu contexto. Estamos mais preocu-pados em elaborar antologias e colecoes de textos popularcs011, no maximo, em estu da r a s manifestacoes como produ-tos prontos, acabados (os textos, as musicas, as roupas, asinst rumentos, a coreografia, os gestos etc. . , sem atentar pa-ra suas condicoes de producao.

    Este t ipo de enfoque e que pade ser considerado anacronico,"atrasado", pois desconhece estudos que veem as praticasculturais populares da mesma maneira que qualquer mani-Iestacao de cultura, como parte de urn contexto sociocultu-ral historicamente determinado. Este contexto as explica,t orna possivel su a existencia e, ao se modificar , faz com qu etambem aquelas praticas culturais se transformem.

    A perspectiva acima e basica para nossas posicoes a res-peito da cultura popular. Embora nao seja explicitada desdeo inicio do primeiro capitulo, vai estar presente em todas asreflexoes, ao longo deste livro, sabre as diversas questoes sus-citadas pelos estudos de cultura popular que trataremos.

    Tradi~io e rupturao caminho escolhido fez com que as discussoes nao se

    prendessem a uma ordem crono16gica rigida de autores eobras. Ha, sim, ur n interesse que pode ser considerado his-torico, no sent ido de nao abrir mao de ref leti r sobre uma tra-dicao de estudos que, mesmo contendo equivocos eincoerencias, fruto de urn jogo ideo16gico a que muitos estu-diosos estao submetidos, tambem comporta pontos de vistaextremamente pertinentes, criticos e ate atuais. Nao e possi-vel avancar urn passe na producao de conhecimento se nosfurtarmos, por comodismo ou descaso, a analisar as obrasdos que no s antecederam. A organizacao d es te e ns ai o s ab recultura popular leva em conta a natureza de determinadasquestoes levantadas por varios estudiosos e os vfnculos quese estabelecem entre elas I

    Algumas das perspectivas de analise a serem apresenta-das, como veremos, foram superadas por novos enfoques.Co m esta afirmacao, na o estamos s ug er in do q ue elas n ao es-tejam presentes em trabalhos posteriores aqueles que as su-

    . . . ,peraram. Podemos dizer, isto sim, que tais pontos de vistatornaram-se, de certo modo, anacronicos, sobrevivencias deestudos passados que resistem a desaparecer.

    Para tornar mais claro 0 raciocinio, Iancemos mao deurn exemplo: os trabalhos que insistem em ver as manifesta-coes de cultura popular como sobrevivencias do passado noprcsente, como praticas isoladas, cristalizadas, imutaveis.

    Mais uma observacao..Nao e nossa preocupacao, aqui, enfocar as divergenciasa respeito do emprego das expressoes cultura popular oufol-clore. Remetemos as interessados nesta questao a s obras de

    A nt on io A ug us to Arantes e Carlos Rodrigues B ra nd ao , qu etern posicoes diversas sobre 0 assunto/. Consideramos neces-sario, porem, explici tar as razoes de nossa preferencia pelot e rmo cultura popular, evidenciada ja no titulo deste l ivro .

    A expressao cultura popular, sinonimo de cultura do po -va , permite visualizar mais facilmente urn aspecto qu e nosinteressa ressaltar: 0 de ser uma pratica propria de grupossubalternos da sociedade. Esta caracteristica tern implicacoesimportantes na analise das condicoes de producao da cultu-ra popular, como iremos ver adiante , especialmente nos doisultimos capitulos deste livro I

    Par outro lado, na l in g u ag em co r re n te , 0 termo folclo-re e aplicado, em geral , com sentido pejorativo: 0 que e

    t

    2 ARANTES, Antonio Augusto. 0 que e cultura popular. V. "Bibliografiacomentada"; BRANDA.o , Carlos Rodrigues. 0 que e folclore. V. "Bibliogra-f ia comentada" ~

    r ~ ~ . , . . . . -I , . I .

    -_ -_. -------_.. . -_. - --- -_. _ .. _. . -- - _... . ------- -- . - . . .

  • 8/3/2019 Ayla.cultura Popular No Brasil

    6/35

    1 (t

    risivel, 0 que nao deve ser levado a serio (folclore politico,por exemplo). Esta depreciacao tern certa base em uma tra-dicao de estudos nos quais as manifestacoes culturais popu-lares sao tratadas como alga pitoresco, arcaico, anacronico ,inculto .. Enfim, alguma coisa superada ou em vias de su-

    , _ _ .peracao.Esse tipo de abordagern e evidente ja nos motivos ale-gados po William J. Thoms para a invencao desse termo.Preocupado em documentar as "antigiiidades populares" OU"li teratura popular", Thoms explica, em sua carta publica-da na revista The Atheneum, por que foi levado a criar a pa-lavra "folk-lore", formada a partir de dais termos inglesesarcaicos. Segundo ele, tal palavra seria mais apropriada pa-ra designar 0que considerava "0saber tradicional do pavo",que, a seu ver, nao chegava a constituir uma literatura.Na mesma carta, Thoms afi rrna que muito de interes-sante ja se perdeu e qu e e possivel, ainda, salvar muita coisa,se houver "urn esforco a tempo". Essas duas ideias a doiminentedesaparecimento das manifestacoes folc16ricas e ade qu e e preciso documenta-las antes que se percam totalmen-te da memoria do povo estao presentes, ate hoje, em mui-tos estudos sobre 0 assunto. Veremos, no primeiro capitulo,que tambem no Brasil elas sao antigas, aparecendo ja nos pri-meiros estudiosos brasileiros de cultura popular.

    .ssim comeca. ,.esta - stona

    Os artigos de Celso de Magalhaes", publicados em jor-nais de Reci fe e de Sao Luis, em 1873, sao considerados asprimeiros estudos brasi leiros sabre cultura popular. .Pouco depois, Jose de Alencar' envia cinco cartas a Joa-quim Serra, quatro das quais publicadas em 0 Globo, do Riode Janeiro, em dezembro de 1874, e a quinta, nao encontra-da neste jornal, mas publicada em 0 Pals, de Sao Luis, emjaneiro de 1875, reunidas em livro por Manuel Esteves e M.Cavalcanti Proenca.o livro de Sil~io Romero" , editado em 1888com base emartigos publicados a partir de 1879na Revista Brasileira, apre-senta urn estudo mais aprofundado que os trabalhos de Celsode Magalhaes e Jose de Alencar, contendo inclusive referen-c ia s c ri ti ca s a e st e s e outros a ut o re s q ue s e d e d ic ar am ao assunto.Folclore e identidade nacional

    Uma caracteristica comum a esses tres autores e a busca Ide traces nacionais em urn acervo cultural considerado me-1A poesia popular brasileira. V. "Bibliografia comentada".2 0 nosso cancioneiro, V. "Bibliografia comentada" 3 Estudos sobre a poesia popular do Brasil. V. "Bibliografia comentada"

    _ - - - - - ' - - I

    . I

    . _ _ _ 1 -

  • 8/3/2019 Ayla.cultura Popular No Brasil

    7/35

    1312ca o ja ocorria em Portugal no periodo da colonizacao, ten-do se intensificado no Brasil. Sobre a mesma questao, esseautor observa ironicamente e em tom nacionalista:

    nos sujeito a mudancas -- a poesia popular. Trata-se de oporas caracteristicas especificamente brasileiras a s influencias cul-turaisda antiga metr6pole portuguesa.

    No Brasil, como em outros paises da America Latina,essa tendencia e explicada, em parte, pelo fato de serem pal-ses novos e dependentes. A procura do tipico e urn dos meiosde afirmacao da identidade nacional. A preocupacao com estae uma especie de fio condutor na cultura brasileira e, no quediz respeito aos estudos do folclore, tera, ao longo do tem-po, diferentes implicacoes, oscilando entre posicoes mais con-servadoras e mais crfticas".

    A proposta de estabelecer uma tradicao nacional pode ..implicar ver as mudancas ocorridas como deturpacoes. Poroutro lado, na medida em que se concebe essa tradicao co-mo resultado de diferencas frente a s contribuicoes culturaisde outras origens, admite-se 0 carater historico, com as con-seqiientes transforrnacoes da cultura. Quando setrata de urnpais novo, as transformacoes detectadas associam-se a no-cao de progresso. 0 problema de articular essas posicoes vaireceber solucoes diferentes dos estudiosos do folclore bra-sileiro.

    Ja nos escritos de Celso de Magalhaes esta presente aideia de que a poesia popular de origem portuguesa sedetur-POll ao ser transplantada para 0 Brasil. Silvio Romero con-corda com esse ponto de vista, acrescentando que a degrada-

    ( . ..) H a somente a panderar que 0 fata da I lrnltacao e detur-pamento da s tradlcoes portuguesas, lange de te r sido ur n mal,fai ur n beneficia inconsciente elaborado pela hist6ria, porquan-to par ou tra forma a elemento por tuques ter ia suplan tado to-dos os outros, enos nao passartarnos agora de uma c6pia servilde Portugal, 0que par certo seria ainda pior que 0 nosso atuales tado" ,Jose de Alencar revela a preocupacao de demonstrar a

    existencia de um cancioneiro nacional, que considera "maisrico do que se presume". Enquanto Celso de Magalhaes en-tende que a poesia popular estaria passando par urn proces-so de degeneracao, Alenear salienta a formacao de uma poesiapopular especificamente brasileira, ja com eerto grau de an-tiguidade, Nao concebe urn processo de degradacao porquev e positivamente as mudancas. Para ele, a lingua e a culturaportuguesas, ao serem introduzidas no Novo Mundo, se re-novam e progridem.

    Silvio Romero tambem defende a transformacao, s6 quecom mais clareza e mais enfase. Criticando Celso de Maga-lhaes, para quem 0 romance popular "bernal-frances" teriaside deturpado no Brasil, afirma:

    (.. .) 0 maranhense parecia super que, uma vez formado urnromance, tudo quanta se the ajuntasse posteriormente era urndeturpamento. Entendemos par outro modo; reconhecemos nopavo a torce de produzir e 0 dire ito de trensiormer a sua poe-sia e os seus con tos".

    ._4 Cf. LEITE, Dante Moreira. 0 cardter nacional brasileiro; hist6ria de umaideologia. 2 . ed. rev. e ampl. Sao Paulo, Pioneira, 1969; CANDIDO, Anto-nio. Literatura e sociedade; estudos de teoria e hist6ria literaria. 2.ed. SaoPaulo, Nacional, 1967e Literatura e subdesenvolvimento. In:MORENO, C e -sar Fernandez, coord. America Latina em sua literatura. Trad. Luiz JoaoGaio. Sao Paulo, Perspectiva, 1979. p. 343-62; ARANTES, Antonio Augus-to. Op, cit.; ORTIZ, Renato. Cu /t ur a b r as il ei ra e identidade nacional. SaoPaulo, Brasiliense, 1985.

    5 Op. cit., p. 64.6 Id., ibid., p. 71. Grifos do Autor.

    --- --- -. -I I ; I

    r.-:~ .. - .~.. ~

    I

  • 8/3/2019 Ayla.cultura Popular No Brasil

    8/35

    14. . . . . . . , . . . . . . . . _. ~.- - . ~-~--~~--_......_.._-----.....___....--........._----------. . . . . . . . . .'Registre antes que acabe"

    QutTO aspecto salientado po r esses au tores e qu e a cul-Itura popular e mais presente no meio rural e em cidades do

    interior. Esta questao esta associada a nocao de que a cultu-fa popular e rude , nistica, ingenua, enfim, algo que se opoeaquila que esta relacionado com 0progresso: a "civilizacao ".

    Silvio Romero afirma que estaria desaparecendo umamanifestacao especifica, a literatura de cordel:

    ,I IIIIIIIII~

    A llteratura ambulante e de cordel no Brasil e a mesma dePortugal (...).

    Nas c idades princ ipais do imperio ainda veem~se nas por-tas de alguns teatros, nas estac;oes das estradas de ferro e nou-tros pontes, as livrarias de cordel,o povo do interior ainda Ie muito as obras de que falamos;mas a decadenc la par este lado e patente: as l lvros de cardelVaG tendo menos extracao depois da grande lnundacao dosiomeis',

    Alem da ideia de que a expansao dos jornais (urn pro-duto da "civilizacao' ') estaria matando a literatura impressapopular , essa afirrnacao exemplifica uma postura que iria setornar muito freqiiente mais tarde: concluir apressadamentesobre 0 d es ap are ci me nt o d e manifestacoes da cultura popu-lar e , alem disso, acreditar que estas nao tern capacidade deres ist i r ao confronto co m as modernos meios de comunicacao.

    A proposito, cabe lembrar que essas reflex6es de SilvioRomero nao foram confirmadas pelos fatos. Pelo contrario,a literatura popular impr es sa c o rn e ca , no Nordeste, como pro-cesso de producao continuo, em 1893, sendo o s folhetos, dei nic io , i mp re ss os ju st am en te e m tipografias de jornais, entreoutras, conforme 0 t raba lho de Ruth B rito Lemos Terra87 Id., ibid., p. 257. Grifos do Autor.8 Memor ia de lutas; I it er at ur a d e f o lh et o s n o Nordeste (1893-1930). Sao Paulo,Global, 1983. p. 17 e 24. ~

    I I II I Il i ~ : I I ' II I .

    1

    15ttA oposicao entre folc lore e "c ivilizacao ", combinada

    ('ntH a crcnca na tendencia ao desaparecimento das rnanifes-LU;(lCS culturais populares, irao desembocar, muitas vezes, naprcocupacao em "registra r antes que acabe", isto e , em do-('III11cntar tudo que e considerado folclorico ou par te das tra-di\Cics populares, antes que se apague da memoria do povo .( t: s f a s perspectivas n em s em pre aparecem juntas no mesmo.uuor.Rodrigues de Carvalho caracteriza 0 folclore brasileiro('( H110 "reminiscencia de lendas e tradicoes que se extinguern'(" ("01110 conjunto de fragrnentos" . As vezes, a nocaoaparecei111 plicita em reflexoes a respeito da persistencia do folclore.l.uts da Camara Cascudo desenvolve este raciocinio:

    Todos os autos populares, dancas drarnaticas (...), aqlutl-nando saldos de outras representacces apagadas na mem6~ria coletiva, resistindo numa figura, num verso, num desenhocoreoqratlco, sao os elementos vivos da l iteratura oral.~ _ ~ M M a _ _ _ ~~~~ I M ~ a _ ~ ~ _ _ _ ~ ~ ~ w _ _ ~ _ ~ a ~ a _ _ _ ~ ~ K _ _ _ _ ~ ~ ~ ~ ~ a _ _ ~_ _ ~~ _ _ _ _ _ ~ _ ~ a - - - ~

    (...) Natural e que uma producao que se popularizou seja tot-clorlca quando se torna anonlrna, antiga, resistindo ao esque-c tmento e sempre citada (. ..)10.Iara 0 Autor, uma manifestacao e folclorica quando,

    tllt"1l1 de ser popular, const itui -se em sobrevivencia , 0 foleIo-H' ' i " 1 ia, portanto, uma manifestacao do passado no presen-It', nonto de vista encontrado tambem em Celso def \ tugalhaes. Em outros termos, urn conjunto de res iduos, deIlup'lllcntos de costumes e praticas culturais desaparecidas,/ \ r ,s iIll,torna-se dif icil estabelecer os vinculos entre as mani-t ":~d H\'OCS populares e os contextos ern que surg iram,

    1 )cssa concepcao resulta 0metodo de trabalho uti liza-do. documentar 0maior mimero possivel de manifestacoes,l-nlll suus diversas versoes e variantes, indicar como se distri-

    11I!,

    II( unc ionei ro do Nordes te . 3. ed. Ri o de Janeiro, IvIEC/INL, 1967 . ; ) . 32 e 33 .III I ttvratura oral no Brasil, p. 22-3. V. "Bibliografia comentada".

    . . . . . . . --" . - _ . _ - --. - - ._- -- . . . _, _ ..

    . ..1

  • 8/3/2019 Ayla.cultura Popular No Brasil

    9/35

    .................._ -----------........------ .. 1~7i(._----------------....-----------._..--------..--:---... ttAmadeu Amaral, de quem voltarenios a falar adiante

    ~ .'faz, na decada de 20, algumas observacoes a respeito do quedenomina "teorismo" e "diletantismo erudito", considera-dos por ele "dois males" dos estudos brasileiros de folclore:

    (...) De um lado, a pressa e a faci Ii dade de encontrar expll-cacoes gerais e de impor quadros preconcebidos a uma ordem. de fatos a inda pouco e mal explorados ; de out ro lado talvez.' .rnesrno por urn exagero de desccnflanca e de rsacao contraos teoristas, urn infinito parcelamento filol6gico dos estudosreduzidos a sucessivas e pequeninas lnvesttqacoes de gabi:nete, nos quai s toda ldela de conjunto e de taco comum fre-qOentemente desaparece. '

    Ambas as tendencias tern produzido resultados interessan-tes, devidos ao valor pessoal de alguns estudiosos, e nao aosmetodos que e las supoern!'. .

    4

    buem geograficamente e campara-las com as de out ras re-gioes e paises. A partir dessa comparacao. buscam-se suasorigens no tempo e no espa~o, estabelecendo hip6teses a res-peito de sua difusao, isto e , como teriam sido transplantadasde urn local para outro e, atraves deste ato, quais as modifi-cacoes sofridas. 0 trabalho se resume a busca de origens eao chamado metoda comparativo. '

    A busea das origens ou 16aimagina9io adivinhadora"6 . ,Uma das maneiras de procurar investigar as origens e

    estabelecer pretensas contribuicoes de diferentes racas ou cul-turas (etnias). Em Celso de Magalhaes, a busca de origensda poesia popular se faz atraves da compara~ao com cole-coes organizadas em outros paises. Silvio Romero, emboranao negue a validade do metodo comparativo, considera-oprematuro para a literatura popular brasnerra, optando poroutro caminho: 0de apontar traces que, segundo ele, seriamresultantes de caracteristicas peculiares a determinada "ra-ca' ouvpovo" (0 lirismo do portugues e do mestico brasi-leiro, por exemplo).o procedimento de organizar colecoes, compare-las comas de outros locais e interpretar 0material reunido segundouma preocupa

  • 8/3/2019 Ayla.cultura Popular No Brasil

    10/35

    A proposta de Edison Carneiro evidencia que a preocu-pacao com a preservacao cos tuma vi r acompanhada da no-9ao de folclore como urn conjunto de objetos, de produtoscristalizados, pouco importando 0 contexto social e quem asproduz. Par isso, a "reconstituicao' pode ser feita por pes-soas nao-pertencentes aos grupos populares, sem que isso afe-te 0 "carater folc16rico", isto e , 0 que diz respeito aantiguidade daquilo que e recuperado com base na documen-tacao existente.

    Algumas interferencias sao consideradas descaracteriza-doras au mesmo ameacas a existencia do folc lore . A interfe-rencia representada pela "recons tituicao' , pelo contrario, epregada como uma necessidade. A diferenca esta em que apreservacao procura manter os elementos de composicao maisvisiveis do "fato folclor ico " . Teme-se nao so as mudancas. . . . .das caracteristicas mais evidentes do folclore, mas tambem

    I

    ~ II

    19,1 8 . __. . . rv . - - _II

    A modernizacao do pais , in tensificada pela industria li -I'.a~ilo, a partir dos anos 30 e, sobretudo, dos anos 50, s6 faz. iumcntar 0 temor dos folcloristas quanta ao desaparecimentodas tradicoes populares, tornando-se mais forte seu empenhoem registra- las e em preserva- las. Em 1957, 0 III CongressoBrasileiro de Folclore encampa, sob a forma de recomenda-cao, a proposta de Edison Carneiro de que

    'do romance popular, "0 rabicho da Geralda", atraves dafusao de varias versoes, Tal procedimento ja e crit icado, noseculo XIX, por Celso de Magalhaes, Silvio Romero e, emPortugal, por Teofilo Braga.A selecao, entretanto, e praticada por todos, sebern quevariem o s criterios que a orientam. Urn exemplo de selecaobaseada em restricoes moralistas e dado por Celso de Maga-lhaes, que, por julgar obsceno urn poema, transcreve-o demaneira t runcada, tornando-o incompreensivel.Nao deixam de se r formas de s el ec ao a preferencia pelapoesia e pe la s man i fe s ta c o es p o pul a re s encontradas no m ei o r u-ral. E ss as d ua s re st ri co es d o c am po d e e st ud o sa o l ev ad a s a e fe i-to por grande parte dos trabalhos ex ist en t es . . IS80 se deve aconcepcao de que a poesia seria a manifestacao mais "autenti-ca", "genuina", do carater do povo e de que as populacoesrurais seriam mais representativas da "alma popular".Mesmo com a posterior ampliacao do campo de estu-do, nao mais tao restrito it l iteratura, continua a predilecao.pelo que e considerado de origem rural, 0 que, de cer ta for -ma , se mantem ate hoje.

    (.. .) as folguedos populares, existentes au desaparecidos, se-jam objeto da mais intensa pesquisa (...), a fim de garantir umadocurnentacao que sirva, no futuro, a sua reconstltulcao, querpar g rupos popu lares, quer por estudantes, atores e outraspessoas'".

    o zelo conservador

    Cultura "simples", "rude", "ingenua"o meio rural e considerado 0 local ptivilegiado do fo1-

    clore , desde os primeiros estudos, devido a suposicao de qu eo homem do campo seria mais conservador, tradicional, in -genuo, rude e inculto, atributos tidos po r muitos como ca -racterizadores do folclore. A conseqi iencia dessa linha deraciocinio e ver como tudo que se relaciona com a "cultura"e a "civil izacao" ameaca 0 folc lore . A ampl iacao dos meiosde transporte (ferrovias, rodovias etc .) e das escolas, a urba-

    , nizacao e a expan sao do s meio s de com unicacao de massa,segundo esse ponto de vista, quebrariam 0 i solamento daspopulacoes "atrasadas". 13 Diniimica do folclore. Rio de Janei ro, Civil izacao Brasi le ira, 1965. p.112 -3 ~

    I

    ~; _ . . -" - "_ I . _ I - - - - .i .

    f=I. .

    - 1

  • 8/3/2019 Ayla.cultura Popular No Brasil

    11/35

    . ,1,1.1 I

    I 20 ~ -"" .. IIas transformacoes sociais. Essa perspectiva, portanto, e cla-ramente conservadora.As praticas culturais populares, na verdade, se modifi-cam, juntamente com 0 contexto social em que estao inseri-das, sem que isso implique necessariamente sua extincao,Apesar disso, muitos estudiosos, ate hoje, continuam acre-ditando em seu iminente desaparecimento.

    /"fIIJ~ontnuicoes para

    _ I - I . I -- ._-.----

    Paginas arras citamos algumas criticas de Amadeu Ama-ral aos estudos folc16ricos realizados ate a decada de 20. Vol-taremos, agora, a tratar desse autor e de Mario de Andrade,indicando algumas de suas reflexoes e propostas que, a nos-so ver, ja apontam no sentido de mudancas na abordagemda cultura popular.

    Amadeu Amaral: novas propostas de estudoAmadeu Amara l traz um a significativa contribuicao para

    os estudos da c ultu ra po pular n o Brasil, principalmente noque se refere a poesia e a linguagem, embora seus escritosperrnanecam com pouca repercussao ate hoje. Aceitando 0metoda' 'comparatista" , propoe que antes se faca a amplia-cao das pesquisas, abrangendo as varios tipos de manifesta-cao em todas as regioes do pais . 0 segundo passo seria 0mapeamento das tradicoes populares uma geografia fol-c16rica. Ao anal isar os "romances do boi" encontrados emSao Paulo, Minas Gerais e Estados do Nordeste, Amadeu

    I

    l//

    I , I I ,

  • 8/3/2019 Ayla.cultura Popular No Brasil

    12/35

    232...--.~~.~.-~------.......---------

    Amarallevanta hipoteses de sua origem e difusao "para 1110'.trar a dificuldade extrema destas questoes de genealogi. i completando:

    'HI H". t la . . t ItH Ilclparn da v ida Int ima e espontanea da criacaoI" t t t t t , I I t , , \ J Ie,~I~ y 1~.S0 ~Ihe',.! I .. ,~~~~~~~~~~~~~~~I ~I~~~~~~~ ~ ~ a ~ ~ * ~ ~ ~ ~~

    t t 1111 d IVo nBtot lco tam b e r n tem sua impor tanc ia. Mas t ra ta-t,tI W fill tin 1 1 1 1 I I I ostetlca popular, que precisa ser objetivamente"ltllnt rulu 1;(JlllO et a a , e nao de acordo co m teorias precon-f ' f~t.II' "rl '

    Essa dif iculdade (.. .) nao se soluciona com 0 simples r ec ur ~,IIda 16gica, menos com os da irnaqinacao adivinhadora; e indi.pensavel antes de tudo procurar, col igir, cotejar materiais, rnu:tos materiais, acompanhados de Intor rnacoes exatas quant . Ia procedencla; s6 do exame cri ti co desses materiais e dess.v.tntormacoes e que poderao l rsurg indo os elos ocultos que re.:tabelecarn 0encadeamento procurado. Ha cer ta analogia entre este caso e 0 estudo das etimologias, no qual a slmple .:conslderacao das formas nada esc larece, tornando-se abso-lutamente insubstituivel 0elemento hist6rico e ctrcunstancla!'.

    l\ I-l f ("nl(;~'lO de recornendacoes quanto a urn maior cui -ditd. t 110 iolcl a e analise das manifestacoes populares nascet II itIr'Il.'~i0 da complexidade da cuItura popular, que so apa-1 i-1I1, 'I IH"l lt (" {~simples. Amadeu Amarallembra que 0 estudod . , , ~ fi t i.ulicocs populares, ainda entendendo-se por isso ape-I hW UNclunnadas tradicoes orais", sob urn so aspecto, e sem-,.Hi iIuompleto, Em outro ensaio, "Por uma sociedaded4'-llIult'}gica em Sao Paulo", volta it questao:

    o Autor ressalta, ainda, a necessidade de que os regis-tros de qualquer manifestacao devam ser acompanhados deinformacoes sobre 0 local de ocorrencia, a situacao de pes-quisa, as pessoas envolvidas (sexo, idade, condicao social),bern como sobre 0que podemos chamar de contexto: no ca-so da poesia, as rrnisicas e dancas que as complementam, ascrencas, as praticas e os costumes que estejam ligados aos poe-mas coletados. Em suma, para Amadeu Amaral, os estudosde cultura popular devem partir de dados concretos .

    Os tatos, conforme Van Gennep, nao se apresentam comonunertlcies, mas como volumes, 0 que quer dizer que tern v a . -rlna faces. Os observadores geralmente as encaram per umat1 6 face, d escur an do a s demais, muitas vezes como se naooxlstlsserrr',

    ~Resultam tambem da apreensao da complexidade da cul-t ura popular as varias tentativas de Amadeu Amaral de eriarcntidades, de ambito estadual e nacional, voltadas para a sis. . .

    , .t cmatizacao, orientacao e divulgacao dos estudos folcl6ricos,ulern da proposta de formar urn museu do folclore em SaoPaulo. Em artigos e conferencias, apresenta projetos para acriacao de orgaos de divulgacao de trabalhos sobre folclore...e de uma sociedade demologica que conjugue os esforcos dos

    Um processo especifico de crlacaoSua preocupacao de contextualizar as tradicoes popula-

    res possibilita-lhe captar, na literatura popular, a existenciade urn processo especifico de elaboracao e de uma estetica

    r ..propria:o campo propr io do folclore e a tradlcao: 0 seu processo

    distintivo e a elaboracao e a t rantor rnacao colet iva de produ-tos de uma "para li teratura" independente. As inf i l tracoes cul -tas e erudit as que a l se dao sa o mesmo "lnfiltracoes", vern de 2 Id., ibid., p. 140~1.Sobre 0 processo de criacao popular envolvendo 0 in-dividual e 0 coletivo, ver, ainda, na mesma obra, "Uma tarefa a executar",r . 34~? ~ "Poesia da ~iola", p. 85-6.~ I d., ibid., p. 59. Grif'os do Autor .. P .lOp. c it ., p . 209 .

    ... _- -- _. ----- --- -- ._--__---__---- . . __ .I ~ I. I I, I.~ i .. 11 i ! . . , . . : .. - - - .j . . . - - .. ... - . . ..I

    " t. - , .. .. .. .. .. .. .. - ~ ~- - -. ._ I .. I -- r- _ T - -_ . , r-- .-_.r r L.i I . li . . I i : j

    ,(

    ~'~ r.. .I

    ,: : ; , ' If~ I~: II I1

    , ' ,

    : I:, .i .r I: I' . 1; 1: i

    i: 1, I

    !

    I

    _ .. _-.' ,;" -: ~. . "'. '.- : ('~~_.~. . - . . .: : i - l. : '; ' : 1. . .O ; :~ ' )

    , ... . -: -. 1. .. ,

    ~ .' 1

    , . ~ , I + " 1: .. - =- . 1 ': . - . . . ' . . , - - ~ , ". :!

    p _. - I I' : _ p : ~ ~

    . . . , : : . .. : ' . - . \ : ~ . ~~ : : = . : -' ~ - :- ' I I

    .11" ". : I - ~ _ 1 .

    I I : : _ ~

    . ... .- . . _ .... . ~. . -. . - _. - . .

    ,: .

  • 8/3/2019 Ayla.cultura Popular No Brasil

    13/35

    I I II I"_ II I I I I - I

    2524

    estudiosos, estabelecendo uma orientacao geral para as pc~;quisas. Chega a fundar, com Paulo Duarte, a Sociedade dcEstudos Paulistas, em 1921, mas oprojeto nao vai adiantc'.Em seus escritos e conferencias, Amadeu Amaral ressalta ~Inecessidade do concurso de especialistas de diferentes areaspara a analise .da cultura popular.

    itt~HHd Uill I ,nll 0dc dOCllrnentacao de manifestacccs cultu-t H I ; , 'I i IIII 1 ' 1 1 " 'j, t -( H I v idando, para auxilia-lo, One~~a Alva:en-tifi ItHlflt IH III dl l ch )fa da Discoteca Publica ~unlclpal,_ criadafeltl .'lllI'd t. tit J UICSlliO ano. No acervo da Discoteca sao reu-U I " H r , 1111I,," j . 11,:d rizcs de discos e registros escritos sobre mu-~itU t- dillitt-d~~ populares, alem de urn pequeno museu. Estetlh't Idill 1I" , 'ndta de pesquisas de campo promovidas pelo De-IBU ItIIU.-lIto de Cultura e realizadas nao apenas ~o Estad? .de~H1HPit"''', IIHlS igualmente em diferentes locals nas vanas" ' M l n t - u d() pais.

    ( '.,1110 sc Y C , ha diferencas entre 0 proposto por Ama-d,n Auuu al C 0 realizado por Mario de Andrade. Os traba-I !ttlU do c en t r o de documentaca o eram financiados e dirigidospt" 11111 (t)rgitO publico, com base em urn projeto mais defini-.Itt 4- 11;"0 como a sociedade fundada por Amadeu Amaralt Pi,:110 Iuarte uma entidade particular com a objetivo de, ...unu csiudos feitos a partir de iniciativas individuals.

    'I'anto Amadeu Amaral quanta Mario de Andrade, em-lu n a 11;)0 se considerem folcloristas, contribuem em dife;~n-Ic :. ~ ' ,etls desse campo de estudos, revelando uma visao cntica(I .)s Irabalhos existentes e propondo novos metodos de cole-ta r .nterpretacao.Mario de Andrade volta-se para a musica, a danca, alitcratura, a medicina e a rel igiosidade populares. Sua fo~-uracao musical permite-lhe a analise de tecnicas de compost-~~f\oe do processo criativo populares, bern CO~O docntrelacamentc entre poesia, musica e danca, procedl~entorccomendado por Amadeu Amaral, que lamenta, porem, ainsuficiencia de seus conhecimentos musicais.Em seus estudos e correspondencia, Mario de Andradercvela, de forma mais aguda que Amadeu Amaral , a preocu ..pacao com a fidelidade no registro da cult~ra popular.

    .Em alguns ensaios aparecem inf'ormacoes que, alem d.econtextualizarem a manifestacae estudada, esclarece~ 0 lei-tor .a respeito da situacao em que foi feita a pesquisa: quem

    I

    Mario de Andrade: a analise daestatica popularo interesse de Mario de Andrade por manifestacoes de

    cultura popular esta intimamente ligado a seu projeto artis-t ico. Segundo Raimunda de Brito Batista, a "viagem dos mo-dernistas de Sao Paulo a Minas Gerais em 1924" ("Viagemda descoberta do Brasil") mostrou a Mario de Andrade (... )a importancia de juntar it pesquisa de gabinete, que desen-volvia talvez desde 1920, 0 contato direto com a poesiapopular'.

    . _ __ . _ - ~

    :. II

    L

    Par um registro mais criterioso

    _.Muitas das proposicoes deAmadeu Amaral van ser tam-bern objeto de preocupacoes de Mario de Andrade. Urn pontoa ser aqui destacado e 0 projeto de criacao de urn orgao quereunisse e orientasse as pesquisas de folclore. A frente do De-partamento de Cultura, a partir de 1935, Mario de Andrade

    I

    4 Conforme informacoes de Paulo Duarte, no estudo introdut6rio de AMA~RAL, Amadeu. Op. cit., p. XXXII.5 Vida do cantador; 0 texto e a pesquisa de Mario de Andrade- . Sao Pau lo ,1985~Dissertacao de mestrado, Departamento de Letras Classicas e Verna-culas, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciencias Humanas da Universidadede Sao Paulo.

    , : I,. - - . . ... - ._-I II

    I I - - I ' . I ' . ,I I I I .

    . ...

    .:!Ii1 !IIi ,I Ii:! .!~ ; .,,IIII-LII :

    iI!

    !II,

    .. _.- ... : . ",. _. . - - .- . I .. . . ' : ~ : ' " ~ :: .

    - _ I . _ r .. . . : _.. . ' .. - -. -.. . - ... -. .

    . I

    ... '...

  • 8/3/2019 Ayla.cultura Popular No Brasil

    14/35

    26I . . ' _ . .- .

    a realizou (~ario de Andrade ou colaboradores}, como elltrou em connato com a manifestacao, data e descricao do I( lcale do eventto, dados sobre os participantes, procedimenro.de observaca.o e regist ro adotados, desempenho dos que realizaram a mainifestacao e explicacoes por eles fornecidas. Aose r relatada a1 atuacao de grupos populares, sao levados emconsideracao: tanto g desempenho coletivo quanto 0 de de-terminados nndividuos que se destacam na a pr es en ta c;a o . '

    . A fidelidlade no regist ro da cultura popular nao se limi-ta a e ss e s a s pe e ct o s . Na t r ans c ri c ao do s textos populares, Ma-ri o d e And ra rd e busca reproduzir co m a ma io r a p ro x imac a opossivel a lin~ua~~m oral , explicando sempre as convencoesadotadas.

    A mesrrua busca de exa tidao esta presente em suas trans-cricoes musicals. Neste caso especifico, lamenta a insuficien,cia do registno escrito para a reproducao precisa da musicapopular. .. , Nos casos de transcricao de textos ou d e m us ic as em quenao pode g a r c . a n t i r a f ide ll dade ou urna aproximacao que jul-~ue razoavel, .Mario de Andrade fa z questao de indicar as du -vidas existentes. U rn estudo seu" e urn bom exemplo de seusprocedimentos de pesquisa de campo e regis t ro ,

    ~ " I

    j r! Ir

    6 0 samba rural I,aulista . In: .Aspectos d a mu s ic a brasitetra. Sao Paulo,Martins, 1965. p. 143-231!

    -Ii I

    Ouestlonando a tradi~aoUrn dos elementos caracterizadores do fo lc lo re, no en-

    tender de muitos estudiosos, e a tradicao, isto e , a exigenciade que urn faro, para ser folclorico, deva ter uma exis tenc iacomprovada } h . a longo tempo. Mario de Andrade coloca emdiscussao 0carater tradicional como requisito para a pesqui-sa folcl6rica em urn pais como 0 Brasil, onde a quase total

    - .. _ _ - ' - + _.! " -: I 1 1 I I 1 T - - I I I - - II ' I I I I I: - I - I I

    27- - - - - - - - - - - - - ~ - - - - - - ~ . ~ . - - ~ ,,-.- - . - - - - . - . -itH'.~ t t t " , I I ~ " (Ie { It icumcntacao e a rapidez das transformacoes11'11''''11 1IIIIHn;s{vel cornprovar a secularidade das rnanifesta-t 11. f I 1 1 1 ~ 1H n IN popularcs. Sem contar as proibicoes e restri-I*"Ij dtl puder publico e da Igreja, que, em diferentesttlllinplI(II~: p com propositos diversos, criam obstaculos para,t Itil f III H popular.U,,!"t'dlldo-se a musica, Mario de Andrade, ao admit ir.., Iltt'~ tfiU~lIl',a de documentos que permitam comprovar a an-Ii~."hI"dc de melodias populares, 0 que impossibilitariaI. U i lt 'l cri I ' l l , , 1 as como folc16ricas, de acordo corn as normas. ,., ; , r . l i thell" l" idas por folcloristas, afirrna, entretanto, que e m e-t i,l\ v r l n l~x istcncia de uma musica popular. Segundo 0Autor:

    (...) no 0 documento musical em si nao e conservado, ele secrln sempre dentro de certas normas de cornpor, de certos pro-(;OHSOS de cantar, reveste sempre formas determinadas, S8rna-ultosta dentro de certas cornblnacoes lnstrumentais, conternuornpre certo nurnero de constanclas mel6dicas, rnotivos rlt -rnlcos tsndenctas tonals, maneiras de cadenciar, que todosJA sao'tradicionaiS, ja perfeitamente ~n?nimos e a~t6~tone_s,as vezes pecutlares, e sempre caractensttcos do Brasllelro. Naoe tal cancao determinada que e permanente, mas tude aquilade que ela e construlda'.Como se pode ver, as caracteristicas que definem 0po-pular estao relacionadas mais com 0 processo de criacao quecom as resultados cristalizados (as cancoes, as melodias). Essa

    perspectiva se aproxima da que je i indicamos em AmadeuAmaral, com respeito a poesia: leva em consideracao a este-t ica popular. Mario de Andrade vai alem ao prop~r que adefinicao de popular (au folclorico) seja baseada no proces-so de criacao e nas tecnicas util izadas.

    Rompendo com a dicotomia rural/urbanoA inclusao da producao urbana na cultura popular e ou-

    t ro ponto decontato entre Mario deAndrade e Amadeu Ama-7 E ns ai o s ab r e a mu si ca b ra si le ir a, p. 165. V. "Bibliografia comentada"

    . _. --- ---------- - ._._-- ---_._--_ . - _ . _- - . - ---- -_. -- - . _.-.r ; I f

    II

    ,

    ->,:-1.....:

    I _

    I

    I .I -

  • 8/3/2019 Ayla.cultura Popular No Brasil

    15/35

    , ,, ,I

    !,: I

    - II

    II.: I. I II ,i '; II: iI II I: I!

    29l H.... _-_ . . . . - ~ . . . . . . . . . . . . . . .---------------------

    Corn as estudos de Mario de Andrade temos urn exem-plo da ampliacao do campo de pesquisas, nao mais restri tasa cultura popular rural e ao jei consagrado como tradicional.

    ral. Este da preferencia ao rural, mas aceita a cultura popu-lar urbana, criticando as que restringem 0 folclore "( .. . ) urnpouco demais aos velhos l imites do puro tradicionalismo e(..... de urn 'ruralismo' estreito e seu tanto quanto artificial't",

    Amadeu Amaral considera impossivel a delimitacao daspopulacoes rurais, nao so no Brasil, por nao haver "nenhu-'rna circunvalacao intransponivel" entre elas e as populacoesurbanas:

    Merece ser ressaltado tambem 0 fato de Mario de An-drade nao se deixar levar por criterios moralistas; nao omitetextos que poderiam ser considerados imorais. Tele Porto An-cona Lopez11 reproduz varies versos recolhidos por Mariode Andrade, alguns publicados em cronicas que comprovam

    Uma vlsao nao-morallsta

    II 'II

    (.. .)a proprio pavo dascidades, e ate as camadas cultas, apre~.sen tam os mesmas fen6menos que se encont ram nas zonasrurais, embora muito menos claros, muito mais delidos e trans-formados par inf luxos pessoais e culturais, e per isso exigin-

    Ldo doestudioso muito maior soma de persplcacla e destreza.Em nosso pais, porern, onde quase tudo esta por fazer, nao

    temas muita necessidade de discutir por enquanto esses ultl-mas pontes".

    ..1580.A Autora aponta tambem a atualizacao bibliografica de

    Mario de Andrade e levanta a hipotese de que a convivenciacom professores estrangeiros, atuando na Universidade de SaoPaulo, teria contribuido para que intensificasse sua busca demaior r igor nos estudos sobre cultura popular. Neste senti-do, lembra iniciativa de Mario de Andrade, como diretor doDepartamento Municipal de Cultura de Sao Paulo, de pro-mover urn curso de antropologia destinado a preparacao depesquisadores de campo, ministrado par Claude Levi-Strausse Dina Dreyfus, em ' 193712Ao que parece, trata-se do curso de etnografia do De-partamento Municipal de Cultura de Sao Paulo, no qual foiapresentada a dissertacao de Mario Wagner Vieira da Cunha,publicada na Revista do Arquivo Municipal, de novembrode 1937, com 0 titulo: "Descricao da festa de Born Jesus dePirapora' .

    !III

    r. IiI I .

    Mario de Andrade, por urn lado, rest ringe suas obser-vacoes ao Brasil, no que se refere a dificuldade de separaras zonas rurais das urbanas. Por outro lado, e mais incisivona afirmacao da necessidade de estudar as manifestacoes po-pulares urbanas:

    I .I I,

    As condlcoes de rapidez, fal ta de equilibria e de. unidadedo progresso americana tornarn indellrnltavels esplrltualrnen-te, en tre n6s, as zonas ru ra l e urbana ( ...) .(...) Nao e xis te m, a b er n dizer, zonas lntermedlanas entre 0 ur -bano e 0rural propriamente dltos. Nogeral, onde a cidade aca~ba, 0 campo principia (...). M K ~ ~ ~ I a ~ 4 ~ _ w ~ ~ K W ~ ~ ~ ~ w K ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ I~

    Recusar a muslca popular nacional, so par nao possuir e ladocumentos flxos, como recusar a docurnentacao urbana 56por ser urbana, e desconhecer a realidade brasllelra'".

    11Mario de Andrade: ramais e caminhos. Sao Paulo, Duas Cidades, 1972.p. 151-7. Mar io de Andrade, no tomo 1 de Dancas dramdticas do Brasil (V."Bibliografia comentada "), critica a repressao pol ic ia l e po lit ic o--administrativa, estimulada pelos preconceitos de pessoas das classes domi-nantes: "A decadencia das dancas drarnaticas e 'estimulada' pelos chefes,o seu empobrecimento e ' protegido' pelos r icos" (p. 68) .12 Cf. id., ibid., p. 102-3.

    8 Op, cit., p. 52.9 Id., ibid., p. 53.10 Ensaio ..", p. 166-7.

    ' . r- r - . . . .- - - - - .- . I I

    I f

  • 8/3/2019 Ayla.cultura Popular No Brasil

    16/35

    ~ I Ii I I

    i i

    30L .1 I L F bI , p y1 . IP l 1 li L l T 51. . H r b , zzL ' l i d . . . . 2ii i ii II !I ,

    Os textos de Mar io de Andrade repercuti ram nos estu-dos posteriores de sociologos e antropologos da Universida-de de Sao Paulo, especialmente nos de Roger Bast ide e seusalunos. ~U tura . OpU ar e SOCle a e ras eira

    Como vimos, Amadeu Amaral enfatizava a necessidadede que 0 registro e a analise de uma rnanifestacao de cultura1 )( ipular levassem em conta outras manifestacoes, as costumes,us crencas e as praticas que as acompanhassem e explicassem,()(J seja, a qu il o q ue podemos chamar de contexto cultural.

    Desde os estudos de Celso de Magalhaes e Silvio Romero,I u . l uma preocupacao de relacionar 0 folclore com as racas e 0mei o f is ic o e s o ci al . E nt re ta nt o, alem de p re va le ce rem a b us cade origense a comparacao com 0 folclore de outros locais, mui-tos autores, em suas obras, sao arbitrarios ao atribuir caracteresa s racas e ao estabelecer influencias do meio sabre a men ta l id a -de da populacao. 0 que se tern sao vagas conjecturas sabre apsicologia das racas e dos povos relacionadas com a cultura,p ro c ur an d o- se , n es ta , t ra ce s s up o st am en te d em o ns tr at iv os d e c er -tos a t ribut o s "psico16g icos" : sensualidade, t ri st ez a e tc .

    Roger BastideCom as pesquisas sobre folclore realizadas por RogerBastide e seu a lu no s d a Universidade d e S ao P au lo , fi rm a- se

    ... ,~' I I I IIi i :

    I

    .I,I.,II

  • 8/3/2019 Ayla.cultura Popular No Brasil

    17/35

    IiI . III II., .II,! I I1

    ! :

    ,, ~~;(3332

    It0 folclore nao flutua no ar"luu Bastide, 0 contexto social e 0 espaco ftsico deixam

    ,II , 'H.' I" t ratados como cenario das manifestacoes folcl6ricasI I(H u.uu-se componentes estruturais da analise. Do reconhe-, h11('11 t () de que a cultura popular, como qualquer cultura,'H') ('x isle cnquanto e mantida por grupos sociais, chega-se aV 4 ' 1 1 l'icacao da necessidade de estudar as organizacoes que dao'Hll'ort~ a s manifestacoes culturais populares:

    Dai 0 interesse para 0 tolctorlsta brasi lelro de nao neqllqen-clar 0estudo das orqanizacces de folclore que subentendem,par exemplo, as u lt lrnas conqadas, com seu regulamento, suahlerarqula d e chefes, suas datas de reunloes , seus t ipos de 50-l idariedade, em vez de t l rnttar-se a simples descrlcao, de certomodo anatomlca, da festa em si mes rna '.

    uma Dutra perspectiva: a de analisar a cultura popular comoparte de urn contexto cultural e social mais amplo. Enfatiza--se a ideia de que a cultura popular deve ser entendida em ter-mas atuais e nao como simples sobrevivencia, Bastide afirma:

    . 't I ( .. .) se as est ru turas soc ia is se modelam conforme as normasculturais, a cultura par sua vez nao pode existlr sem uma es-tru tura que nao s6 Ihe se rve de base, mas que e ainda urn dosfatores de sua crlacao au de sua metamorfose.o fo lclore nao f lu tua no ar , 56 ex is te enca rnado numa so -ciedade, e estuda- lo sem leva r em conta essa sociedade econdenar-se a apreender-lhe apenas a super tl cle" .

    Nos estudos reunidos nessa obra, Bastide vincula a ma-nutencao e as transforrnacoes de praticas culturais popula-res a organizacao social, a s inst ituicoes e aos grupos sociaisque as realizam. As forrnas de producao economica, a distri-buicao da populacao no espaco, as relacoes entre os diferen-tes grupos e no interior destes (cooperacao, conflitos) saofatores que explicam as formas que assume 0 folclore, suamanutencao e as mudancas ocorridas.

    o sociologo critica fortemente os que estudam os feno-menos .culturais isolando-os do complexo social de que fa-zem parte:

    o folclore 56 e compreensivel quando incorporado a vidada comunidade. E preciso substituir as descrtcoes anallticas,com cheiro de museu, que destacam as fatos da rea lidade emque estao imersos e da qual recebem urn sentldo, por uma des-crl cao soc io l6gica que os s itue no inter ior dos grupos. Infel iz -men te essa ten tat iva esbarra em a lgumas d ificu ldades . Se everdade que dispomos de numerosas monograf ias bern fei tassabre alguns fatos, essas monografias geralmente nao consi-deram senao urn aspecto do folclore, estudando-o a parte, co-mo uma peca de museu, fora do conjunto est ru tura l deque esseelemento faz parte",

    I

    l:. I,, II

    ,I

    I! I

    ~ ~ - j "- ... '- __

    Ja se pode falar aqui de uma perspectiva da cultura co-1110 producdo OU, pelo menos, como re-producao. As prati-rHS culturais s6 se mantem, desaparecem ou se modificam itiucdida que os homens, vivendo sob cer tas condicoes econo ..micas e sociais , real izam ou deixam de real izar aquelas prati-cas. Aparecem, nos estudos de Roger Bastide, as condicoesde vida, os interesses, os conflitos entre os diferentes grupossociais (durante a escravidao , par exemplo, os senhores decscravos, a Igreja, os homens livres brancos e negros, os es-cravos), relacionados com as pressoes a favor au contra a exis-tcncia de certas manifestacoes e sua modificacao,A mesma perspectiva surge com clareza nas analises dasreligioes negras, apresentadas na segunda parte do livro. Va-le lembrar, entretanto, que Autor nao inclui as religioes po-pulares no folclore:

    ( .. . ) A rei igiao africana nao e mais folcl6r ica do que a cat6li caou a rnuculrnana,Fazer do estudo dos candornbles urn capltulo do Iolclore esinal de urn etnocentrismo que nos 1azconsiderar toda religiao,

    I ~,

    I ', I

    1 Sociotogia do [otclore brasileiro, p. 2. V. "Bibliografia comentada".2 Id., ibid., p. 9. 3 ra . , ibid., p. 22.

    . ,, ' I II1 . 1 . , !

    " - . .. _.- - _ ,. ,

  • 8/3/2019 Ayla.cultura Popular No Brasil

    18/35

    \3534

    r u l , ~ - it . . do porFlorestan Fernandes, denominou "urn perni-,~ ,, ,. t ~ .. 1 (_ Il-; , t1t 1S mo .

    ~~intl"( izando suas proprias pesquisas, Florestan Fernan-" I ~ t itrin ua que buscou estudar 0 folclore como realidadeqll~ I j l l

    exceto a nosssa, como urnmere tecido de superstlcoes - e doqual devem(lOS desernbaracar-nos como do racisrno".

    I II !I I III 'I

    I II"I I II ~ . ' III II . II '

    . 1 . -1 - ~ -

    Lembra aiJinda 0 soci61ogo que ha folclore em todas asreligi6es.

    ( , ) tanto na analise da orqanizacao social nos grupos infantisn das lntluenclas socializadoras do folclore correspondente1quanta em outras dlrecces interpretat ivas, que tomaram parubjeto: a mottvacao ou as efeitos sociais das praticas rnaqi-cas; 0 usc, 0 significado e as fungoes soc ia ls das cantigas deulnar; as relacoes dlnarnicas das adiv inhas com 0 comporta-rnento manifesto dos agentes humanos au com a rnudanca so-c ial na c idade de Sao Pau!o etc.'.

    I I Florestan F,:ernandesI .I I A enfase rna necessidade de vincular as praticas cultu-

    rais populares iao contexto sociocultural mais amplo conti-nua presente nIOS escr itos de alunos e auxiliares de RogerBastide. Dentre' eles, podem .ser citados Florestan Fernandese Oswaldo Elig1s Xidieh.Florestan ~Fernandes, em-seus trabalhos sabre folclare,iniciados a epo)ca em que era aluno de sociologia da Facul-dade de Filoso1fia, Letras e Ciencias Humanas da Universi-dade de Sao Paiu1o, insiste na necessidade de captar as funcoessociais da s mainifestac6es de cultura popular.Alguns de : se us e st ud o s p ub li ca do s e m re vi st as e jo m ais e n-tre 194 2 e 1962,' foram reunidos e m d ua s obras". A leitura desseconjunto de ensiaios p er rn it e v er if ic ar m u da nc as n as c o nc ep co e sdo Autor, ao lc)ngo do tempo , a respeito da especificidade dosestudos de fo lcJlo re e d o p ap el das ciencias sociais nessa area.Uma das JD:eocupac;5es centrais de Florestan Fernandes,co mo ele propflO salienta'', e tornar efet iva a analise do fol-clore como rea'J~dade social. Critica os folcloristas por se li-mitarem a repet1r essa nocao sem que a observacao, descricaoe interpretacao' por eles realizadas permitam, de fato, apreen-der 0 social n,lS rnanifestacoes populares em questao. Essa..falta de coereuc1a entre 0 proposito anunciado e as procedi-mentos adotacios esta imbricada com 0 que Amadeu Ama-

    (...) 0 folclore se objet iva par rneio de elementos culturals deo r dem variavel: como urn artetato, certa tc cn tc a d e cura au de -

    Dellrnitacao do "fato folcl6rico"6Outra constante na obra do soci61ogo e a discussao so-

    hiT o conceito de folclore e a del imitacao do "fata folclori-l'OH0 No que diz respeito a delimitacao do "fata folc16rico"ou do folclore enquanto "realidade objetiva" , Florestan Fer-u.uides, durante certo tempo, cornpartilha com Roger Basti-de uma conceituacao bastante abrangente, que inclui notolclore " C . .. ) todos as elementos culturais que constituemsolucoes usual e costumeiramente admitidas e esperadas dosmcmbros de uma sociedade, transmitidas de geracao a gera-yao por meios mforrnais'".o folclore, nesse caso, envolveria tanto os elementos ma-tcriais quanta as nao-materiais e seria, praticamente, "sino-nimo da nocao de 'folk-culture' ou 'cultura popular"'. 0Autor estabelece a inda outra concepcao, mais restrita, queveio a preferir:

    4 Id., ibid., p. 5.5 Folclore e muddn~a social na cidade de Sao Paulo e 0folclore em ques-tao. V. "Bibliograf1a comentada".6 Folclore e sociedade. In: 0 folclore em " 0 , p. 28-32. 7 Id., ibid., p . 31.8 Id., iid., p. 47.

    I1 I .I

    ..,., .~

    1

    20 ... . .. . _ . __ ., ..

  • 8/3/2019 Ayla.cultura Popular No Brasil

    19/35

    , IiI ': I 36

    II II L~, I, I. I i

    I., ,

    .. ~. ,I

    37

    revelam naana lise dos temas, no estudo de sua dtstrlbulcaocronol6gica e espacial, na cornparacao de\es entre si, atravesde diferentes sistemas folcl6ricos, tudo dentro de "uma atmos-fera puramente hurnanlsttca"!'.

    terminado processo de lidar com a madeira e a pedra. 0 quecal nos limites do folclore, em casos.semelhantes, nao e 0 ar-te fato, a tecnica au 0 processo como tais. Mas, as ernocoes,as conhecimen tos e as crencas que Ihes sao subjacentes".Essa nova delimitacao esta vinculada a caracterizacao'que Flores tan Fernandes passa a fazer do "folclore subjeti-

    vo" ou folclore enquanto disciplina. As emocoes, os conhe-cimentos e as crencas seriam os elementos que permi t i riaminvestigar "os m6veis in telectuais que orientam 0 compor t a -mento social humano". Essa seria uma das tarefas especifi-cas do folclore, considerado pelo Autor nao um a ciencia, masuma disciplina humanistica, vol tada para as questoes

    (.__que dizem respeito a etaboracao formal dos temas folcl6-r icos e as Irnplicacoes literarias dos padroes pratlcos, estet l-cos au filos6ficos, inerentes a producao intelectual de cunhofolcl6rico. (...) elas podem ser enfrentadas e resolvidas par in-vestigadores como os folcloristas, que possuem recursos pa-ra concentrar 0 estorco de observacao e de ana lise nosprocessos da vida intelectual peculiares a formas de crlacaoartrstico-fUos6fica e a padroes de gosto estetlco que se expri-mem atraves do cantata pessoal, em sttuacoes grupais, e sediferenciam au se perpetuam pela transrnlssao oral!".

    Como se ve, enquanto Roger Bastide propunha que osf o lc lo r is ta s v in c ul as sem a s manifestacoes populares ao con-texto sociocul tural , 0 que possibilitaria a superacao do queconsiderava imperfeicoes dos trabalhos existentes, Flores tanFernandes e s co l h e Du t r o caminho. Prefere conferir as cien-cias sociais (nas quais in clu i a hist6ria, a Iingiiistica e a psi-cologia) a e x c lu s iv i dad e d e ss e tipo de abordagem,

    Para justificar sua escolha, assume a posicao, bastantediscutivel (especialmente quando avaliada nos dias de hoje),de separar 0 qu e chama' 'disciplinas humanisticas" 0 fol-clore, a l i teratura, as artes e a filosofia das "ciencias 80-ciais", considerando apenas as ultimas como ciencias evinculando as primeiras it "erudicao".

    Vale res saltar, entretan to, que as 0bservacoes de Flores-ta n Fernandes representam urn aprofundamento da reflexaoteorica sobre 0 conceito e os limites do folclore. Alem disso,grande parte dos estudos dos folcloristas corrobora, em cer-to sentido, as restricoes por el e apresent.adas. Ainda hoje,muitos trabalhos nessa area se propoem a abordar as mani-festacoes de cultura popular levando em conta seu contextosocial, valendo-se das contribuicoes da antropologia ou dasociologia. Apesar disso, os procedimentos te6rico--metodologicos ut i l izados , da observacao e coleta a interpre-tacao, nao permitem alcancar o s objetivos anunciados . Istose deve it dificuldade de superar a tradicao dos estudos fal-c16ricos, marcados desde 0 inicio pela preocupacao com 0registro e preservacao de elementosculturais considerados em

    I, ,Ii:I

    11 Id.; ibid., p. 95.

    1 iI,I,,I

    I. i

    1 II I

    ( ;; .1 :

    o estudo cientifico do folclore caberia, de acordo comesse ponto de vista, a historia, a Iingiiistica, it psicologia, aetnologia ou a sociologia, conforme seus respectivos interes-ses, sendo impossivel a unificacao desses enfoques por umas6 d i sc i pl in a - -- 0 folclore. As analises folc16ricas teriam co-mo objetivo especifico as "indagacoes humanisticas", sen-. do excluidas, do mesmo modo que 0 "es tudo das artes daliteratura e da filosofia"; do ambi to da c ie nc ia . D e ss e mo d o ,(.__as tarefas especificas do tolclorlsta cornecam depois deconstltuidas as cotecoes de materiais folcl6ricos (...)-Elas se

    , I

    , i~

    9 Id., ibid., p. 101-2.10 Id., ibid., p. 110.

    _ _ - -. I , I

    1 i

    I

    ,l~ II ' I, I I ,

  • 8/3/2019 Ayla.cultura Popular No Brasil

    20/35

    . .

    IIII

    I I

    I I

    IIIII :. II ..iII ,~ I i I .

    I I P ~

    38

    vias de extincao'. com a busca de origens e de tracos da "psicologia popular" e com 0 estabelecimento de comparacoes,ten tando iden tiificar variantes em outros tempos e lugares.

    Inserir-se -nessa tradicao e encarar as praticas culturaispopulares como' sobrevivencias, resquicios do passado no pre-sente, 0 que tor:na muito dificil (se nao impossivel) seu enfo-que como realiidade social. Este enfoque se contrap5e aoanterior, pais e:~xigeentender 0 s ignificado da cultura popu-lar no presente, OU, nas palavras de Florestan Fernandes, acei-tar que "( ... ) 0 fato folclorico e sempre atual, isto e ,encontra-se emL constante reelaboracao' 1 2

    . I, I

    Oswaldo E_ias XidiehOswaldo I~:IiasXidieh, como Florestan Fernandes, teves eu s t rab al ho s publicados, inicialmente, em revistas acade-

    micas e jornais- Tern dais livros editados':'. 0 primeiro fo ie laborado a patftir de tese de doutorado e 0 segundo relineart igos publicaldos entre 1943 e 1949.

    A leitura ,desses textos remete it observacao de Flores-tan Fernandes sobre a delimitacao de seu obje to de estudos:Xidieh utiliza ()termo cultura popular, substituindo-o a s ve-z es p or folclore- 0que mostra considera-los como sinonimos,Nao se trata, t :)orem, de uma imprec isao conceitua l, mas deuma proposta pem definida. Cada uma das manifes tacoes cul-turais popularss de que trata e analisada com base no pres-suposto de qu.e so podera ser compreendida na medida emque for situada em suas re lacoes com 0 conjunto cultural (acul tura popular), com 0 contexto socioeconomico especifico

    III. ,I .

    12 Id., ibid., p. 2j Ver tambern 0 primeiro capitulo de Folclore e mudan-fa.., p. 13-6.13 Narrativas piaspopulares e Semana santa cabocla. V. "Bibliografia co-rnentada" .

    - - - _ _ - ~ . _ ', '

    39I, I I : I.

    i II II II iI I III ,1 I I~ I II I i: I I~ I I

    :I I: III III,

    I I I,

    II III I

    , , ~ I! .~ .[

    (" I S( ,cicdade rus tica ' ' ) e com a estrutura sociocul tural maist , " ' ~ 1HI (a sociedade brasi leira) dos quais faz par te.

    ( ) soci61ogo discute as dif iculdades de coleta e registrodll~i"Iiisto rias de santo" . Afirma que a solicitacao dire ta doIW~.qllisador permite obter as hist6r ias, mas contadas com a~it It cncao de corrigir do entrevistado" (preocupado com 0Hd'Hlto r -da-c idade") e marcadas pela "gratuidade". Isto por...qllc clas nao exis tem "em si", isoladas, mas inseridas em mo-ftlcufos sociais e culturais determinados, que as tornam, a urnJH I, tempo, necessarias e adequadas:

    Aprende-se que ha um momento para a narracao, (...)Referimo-nos ao momento social em que elas se justificam efuncionam. As narracces registradas segundo a vetha receitapodem ser as narracoes mesmas; porern, todas as coisas queas solicitam e que nelas se ent rosam de rnanelra a equaclo-nar toda uma sltuacao, nao se registram nao. Per isso temosque a pactencla e urn dos melhores passos do metcdo de pes-quisa de campo e que 0 grupo todo dentro do seu contexto SO~ciocultural e 0 que realmente importa, concedendo-se,evidentemente, certa lmportancla aqueles informantes par elel-cao , porern, nao absoluta Importancla".Nos dais l ivros de Xidieh ha uma preocupacao com as

    t ransforrnacoes sociais, econornicas e culturais no Estado deSao Paulo, durante a decada de 40 (mudancas nas relacoesde trabalho na zona rural, aumento da migracao cam-po cidade pela expulsao dos antigos colones das fazendasc dos si tiantes que trabalhavam em terras das quais nao eramproprietaries legais, crescimento das cidades implantadas nasregioes agricolas e do que veio a se constituir na Grande SaoPaulo) e com os ref lexos, na cultura popular, do impacto des-sas transformacces sobre a "sociedade rust ica' . As manifes-tacoes culturais populares sao estudadas em termos de seupapel na representacao de elementos da organizacao social

    I

    14 Narrativas ..., p. 10-11.

    . _ . . . . . . -

  • 8/3/2019 Ayla.cultura Popular No Brasil

    21/35

    i I . I. I I' I! ~ . ., i' I, I I .

    , I : 'I ,: I I !!I', II I .I I. I

    I :I

    ; . ~ I

    I! 'II '"

    IIIIII

    I ,I 'I

    I I :I

    ! I. I ,I

    ' . ' . I

    I,IIII

    I !

    41( 1 : 1 1 1 trabalho mais recente, que sepropoe a defini r 0 con-

    l c ' i t . , de cultura popular, Xidieh aprofunda e precisa suas re-t It"X(H.'S. Ao tratar da "dicotomia sociedade global e'it icdades incluidas't '", 0Autor refere-se a tendencia a ho-in. H't'neiza{:iio da sociedade e da cultura, por parte dos gru-l'o~~socia is dominantes, e, par Dutro lado, it resistencia dos.l.uuiuados. Entre as ultimos, estao as camadas populares ur-hHtlaS c rurais e as comunidades indigenas, ja caracterizadas,"Ill Narrativas pias populares, como "rnais destituidas ain-d;," que os demais setores dominados. A cultura P?pular e -.lefinida como aquela "( ... ) criada pelo povo e apoiada nu-iliaconcepcao do mundo toda especif ica e na tradicao, maseln permanente reelaboracao mediante a reducao ao seu con-rcxto das contribuicoes da cul tura "erudita", porem, man-id "d d ,,16t cudo sua 1 enti a e Ela pode ser entendida como sistema especifico que, ar-t ic ula do a outros ~forma 0 que podemos denominar, em con-sonancia com a nocao de "sociedade global" , cultura glob~lou sistema cultural mais geral. Os demais sistemas especifi-cos sao "a cultura erudita, instituida e transmitida p or m ei osl'ormais" e apoiada no sistema dominante, e a "( . .. ) ~ultu~ade massa art iculada aos designios dos grupos de dominacaocconomico-politico-social e posta, a seu favor, a disposicao,como consumo dos niveis basicos da estrutura social". A

    , . te"cultura de massa" ter ia como objetivo a "( ... .) substituicaode valores 'populares autenticos' por valores de nivelacao,em escala, propostos em vista da manutencao dessa mesmaest ru tura ' ,17..

    Em paises que foram antes colonias, como 0Brasil, t~-r iamos ainda a chamada "cultura primitiva" , a das comuni-

    I

    40e de sua contribuicslo para a conservacao au mudanca de valores, normas, re lalcoes sociais.

    Transforrnacsiee sociais e mudancas culturais I

    Xidieh discuuc a possibilidade de desaparecimento depraticas culturais p)opulares, em decorrencia de transforma-c o e s na organizaca.o social , sobretudo nas condicoes de vidae trabalho das poplulac;oes "rusticas" ..Nessa concepcao, nao"tern Iugar a nostalgda nem a defesa da conservacao das "tra-dicoes do passado'", pois as alteracoes sao inevitaveis. A re-flexao esta cent radla na concepcao de mundo caracteris tica.dos grupos " ru st ic iO S" e sua estreita vinculacao a s condicoes.sociais de existenc'ia-

    Com 0 processo de mudanca dessas condicoes, a lgunsaspectos da cultura popular podem desaparecer, enquanto QU-tros podem ser reelaborados, passando a responder as.novascondicoes enfrentatdas. Tanto pode ocorrer uma adaptacaoo u sujeicao a s t rantSformacoes quanto uma reaglutinacao deelementos, antes difusos, em determinadas rnanifestacoes cul-turais, que passam a se configurar como formas de resisten-cia it imposicao dt e padroes culturais dominantes.

    Nesse quadro. as "comunidades nisticas" (habitantesdas areas rurais oU.grupos de migrantes), bern como a cultu-ra que elaboram, nao sao vistas como compartimentos es-tanques; pelo con1trario, 0 autor enfatiza suas relacoes coma sociedade urbana, entendida como a outra parte da estru-tura socia l mais alnpla. As "comunidades rusticas' sao de-pendentes das areas urbanas: ao mesmo tempo, ambas se COD-figuram como estruturas sociais antagonicas. A cultura

    popular, de acordo com Xidieh, aponta para essa "situacaolatente de friccao e conflito". As histor ias populares sobresantos, alem disso. tambem veiculam concepcoes religiosase a respeito da vida social que se chocam com as vigentes nasareas urbanizadas-

    . I

    I, '.

    '. I

    , ., .

    I. i

    15 Cultura popular . In: - et a l. Feira nacional da cultura popular. Sa o Paulo,Sese, 1976. p . 1 -6~16 Id. , ibid., p. 3.17 d ibid., 1

    ._- --------------I I ~ I Ii I I

  • 8/3/2019 Ayla.cultura Popular No Brasil

    22/35

    II II

    I II I

    I II ;I .I I!

    iI .

    I ,I ,I

    I .

    , .:

    Ii .I

    I II

    , II\ i1

    I ,

    II .

    42

    " !dades indigenas, tambem dominadas e inseridas no processomais geral de reproducao da estrutura socioecononnca global.

    Sistemas culturais em confronto

    naciono t exto enfatiza, como se pode ver, a importancia de

    considerar as relacoes de conflito e dominacao entre os gru-pos sociais, inerentes it organizacao de nossa sociedade, pa-ra compreender a cultura popular, que s6 pode ser definidapor oposicao a "cultura erudita" e a "cultura de massa".

    Ressalte-se que, nesse trabalho, Xidieh busca dar contadas mudancas ocorridas na cultura popular, em consequen-cia de transforrnacoes nas relacoes econornicas, sociais e cul-turais do pais, nas ultimas decadas. As alteracoes nas relacoesde trabalho e nas condicoes de vida no campo, as migraccese a expansao do alcance da industria culturallevaram ao de-saparecimento do relative isolamento e autonomia das "co-munidades nisticas", 0 que 0Autor ja constatava em 1972,quando da publicacao de Semana santa cabocla. Por outrolado, os conflitos no interior da sociedade nao poderiam maisser pensados em termos de oposicao entre 0 rural e 0 urba-no. Conseqiientemente, a cultura popular s6 se torna com-preensivel quando relacionada com a dorninacao e com 0conflito entre grupos sociais, independentemente de sua 1 0-calizacao geografica no campo ou na cidade,

    Concorre tambem para a maior abrangencia e sistema-tizacao da analise 0 fato de 0 ensaio estar voltado para a dis-cussao da cultura popular como urn todo e sua definicaoconceitual. Nao se deve esquecer, ainda, que nesse periodoas proprias discussoes sobre cultura popular tinham tornadouma nova configuracao,

    : '

    As reflexoes sobre a cultura popular, no Brasil e em QU-Iro s paises "perifericos" (especialmente, mas nao . apenas, ~sque foram colonizados), estivera~ s~mpre~associadas, m~lsou menos direta e intensamente, as discussoes so~~e a n~clo-nalidade vale dizer, a preocupacoes e lutas P?htlcas: Ide_?-logicas. No B ra si l, a partir dos anos 60, ess~ vinculacao naoso seintensifica, como se torna mais explicita, fa~en~o comque as aspectos politico-ideo16gicos passem ao pnmeiro pla-no das discussoes sobre cultura popular.

    Cultura popular, politica e ideologiaPara entendermos essas mudancas no enfoque da cu~-

    tura popular, e preciso s i tua-lasAco~o part~ ~o proc~s~o mal~amplo de transforrnacoes economicas, SOClalS e politicas pelas quais passava 0Brasil neste periodo. Para usaf. a ex~res-sao de Marilena Chaui, esses sao as "anos do nacionalismodesenvolvimentista e populista".

    I

    1Semindrios. Sao Paulo, Brasiliense, 1983. p. 66.

    _ . __ . _ - - - - _ . _ . -~--,I I, ;

    II. ,

    I :

    l!:I

  • 8/3/2019 Ayla.cultura Popular No Brasil

    23/35

    l !,

    ~. : t :

    I .. !I

    I II :!

    I I

    Ii .. II

    ,t, I i,4544rulturn? Que tipo de atuacao cabe aos artistas, estudantes e..uf ros intelectuais nesse campo'l

    II. Dur~n~e 0governo luscelino Kubitschek, intensifica-sa In~ustrlahzacao, com a participacao de multinacionais i l l '

    centlvad~s por uma politica de abertura do Brasil ao ca~italestrangeiro, provocando urn maior crescimento de r ..~r. dustriali areas jaIn ustrializadas e populosas.No periodo ~e~~inte (Janie Quadros J03.0 Goulart),

    esgot~~se as possibilidades de manter 0 ritmo de crescimento~cono~lco nos moldes anteriores. Nao ha mais como conci-liar os Int~resses .d?s diferentes grupos dominantes (especial-mente os industriais e os grandes proprietaries de terras) comos dos trabalhadores urbanos, que pressionam cada vez maispela melhoria de suas condicoes de vida. Por outro lade cres-c~ ta.mb~m a_m~bilizacao dos trabalhadores rurais, cuj~s rei-vln,?~ac~es sao incorporadas pelos setores urbanos: a reformaagrana e parte das "reformas de base".,. A remincia de Janie Quadros explicita uma crise po-Iit ica latente, que e fruto da incapacidade do populismo

    de conter as "m~ssas", garantindo a' "ordem", ou seja,enquadrando~ate certo ponto, a mobilizacao popular, demodo q~e _nao chegue a colocar em risco a manutencaodas condicoes economicas e sociais vigentes. A crise desem-boca no golpe de 1964, com a deposicao de Joao Goulart ea tomada do poder pelos militares, ern desrespeito a legali-dade constitucional.

    Esse e ur n momenta de grande efervescencia intelectual.~ara nossa ~nalise interessam, basicamente, as consequen-eras desse chma politico-ideo16gico nas discussoes sobre 0"povo brasileiro" quais os grupos sociais que 0 consti-tuem, seus legitimos interesses politicos, as posicoes e for-mas de atuacao (politicas, cientificas, artisticas) que seriamfav?~aveis ou .contraxias aqueles interesses, quais os gruposSOCIalSque tenam condicoes objetivas de se engajar em lutasque 0 beneficiassem. Nesse contexto, ganham espaco o s de-bates s~bre os seguintes temas: 0 que e cultura popular? Co-mo os mteresses do "povo brasileiro" sao representados nessa

    A. posic;oes dos CPCsIIII I

    ! .I

    No inicio da decada de 60, publicacoes como os Cader-I I , J ' " do Povo Brasil e iro, editados pela Civilizacao Brasileira,r mo vi me nt os c omo 0MCP (Movimento de Cultura Popu-I" ..), de Pernambuco, e os CPCs (Centros Populares de Cul-t uru), da UNE (Uniao Nacional dos Estudantes), discutemCNSCS problemas com a finalidade de transformar seus posi--tonamentos em interferencias concretas na realidade.

    Apesar da diversidade de concepcoes, urn exemplo dasuocoes sobre cultura popular que informavam esses movimen-los pode ser encontrado no "Anteprojeto do Manifesto do(1PC", de Carlos Estevam Mart ins. Dist ingue-se, ali, a artedo povo da arte popular e da arte popular revolucionaria.Arte popular e a designacao dada a s obras "criadas par urngrupo profissionalizado de especialistas" e destinadas ao pu -blico das grandes cidades. Arte do povo e a denominacao atri-buida ao folclore, considerado "predominantemente urnproduto das comunidades atrasadas" do meio rural e dasareas urbanas nao-industrializadas. 0 manifesto afirma que

    I, 1I I

    (...) a arte do povo e tao desprovida de qualidade art lstlca e deprstensoes culturais que nunca vai a lern de uma tentativa toscae desajeitada de exprimir fatos trivlais dados a sensibilidademais embotada. E ingenua e retardatarla e na realidade nao I !II

    . I~ !

    1I 1I 1I

    2 Sobre 0 "nacionalismo desenvolvimentista e populista'", ver, entre outros,CARDOSO Miriam Limoeiro. Ideologia do desenvolvimento; Brasil: JKlQ. 2 . ed . Rio de Janeiro, Paz e Terra , 1978; OLIVEIRA, Francisco de. Ae conom ia b r as il e ir a : c r it ic a a raziio dualista. 4. ed. Petropotts, Vozes/Ce-brap, 1981; WEFFORT, Francisco C. 0 popul ismo na po li ti c a b r as il e ir a . Riode Janeiro, Paz e Ter ra, 1978.

    . _ - - - - _ . _ . - - _ _ _ _ _ _ . _ . . . . . . . . - - ----~I I I ,!1 . I 'I I :I 1

    -~ ,

    ,

    ~ Ii i1 '.: i: I

    . I : .I

    ~i~t

    c

    I : ::~ !t " - :~ .i .f.t~ It I{ .ri' _~t:l"1: :t. Ir :I -. :~ i, :: i~L: II..; i,. .: Il .ir,, III\I1III; I,~. :lr!1!.,

    1\. . . ' . . . . . .,,\ ,\,\ . . . .

    . ,'I

  • 8/3/2019 Ayla.cultura Popular No Brasil

    24/35

    I I I i

    ~ ~. I, . i

    Ii I, ,

    46 47

    t ern out ra tuncao que a de satisfazer necess idades lud icas ede ornarnento''.MariIena Chaui revela, de maneira bastante critica , as

    concepcoes fortemente maniqueistas que estao implicitas nasafirrnacoes do "Anteprojeto do Manifesto do CPC":

    o Manifesto e exemplar como construcao de urn lrnaqinariopol itico. Entidades saldas da fantasia dos "artlstas popularesrevoluclonarlos do CPC" desfilam pelo palco da lmaqtnacao his-t6rica a moda de fantasmas: 0 artista alienado, 0 artista popu-lar revoluclonarlo, 0povo, a arte do povo, a arte alienada, a artepopular, a ascencao (sic) das massas na hist6ria, a falencla dasestruturas socials e econornlcas, as leis objetivas, a allenacao,a consciencla. Porern, talvez 0mals interessante seja 0 esfor-90 do intelectual e do artlsta para corwerter-se em revoluclona-rio, sem consegui-Io: para poder respeltar 0 povo, 0 art is ta doCPC nao pode toma-to nem como parceiro politico e cultural,nem como urn inter locutor igual; osclla, assim, entre 0 despre ..zo pelo povo "fenomenico" (que, no entanto, e descrito comoo povo realmente existente) e a Invencao do povo "essencial",as her6is do exerclto de l lbertacao nacional e popular (queexls-tern apenas em sua tmaqinacao)'.

    ~~ .,

    iIi I: 1, ,II :.i :. I, Conseqiientemente, a arte popular nao pode, a r igor , serdefinida como arte nem como popular. Restaria a arte po-

    pular revoluciondria, realizada pelos artistas e intelectuais doCPC:1I '

    1I I .. .~ (...) Radical como 9, nossa arte revoluclonarta pretende ser po -

    pular quando se identi fi ca com a asp lracao fundamental dopovo (...).(...)0conteudo desta arte nao pode ser Dutro senao a r iqueza,em suas l inhas gerais e em seus meandros , do processo peloqual 0 pavo supera a si mesma e for]a seu dest lno colet ivo.(. .. )em nosso pais e em nossa epoca, fo ra da arte pol it ice neoha arte poputet".

    I II !: ,

    , ,

    I .

    61POVO alienado", vanguarda iluminada"... I Na concepcao do CPC, a cultura s6 poderia ser popu-

    la r na medida em que fosse revolucionaria. Para isso , era ne-cessario que a vanguarda intelectual tomasse a iniciativa deproduzir e levar ao pavo a cultura "verdadeiramentepopular" .

    Mais recentemente, a questao foi re tomada sob novasangulos, com serias criticas a s posturas romanticas e au-tori tarias adotadas naquele per iodo. Os intelectuais do CPC,da mesma forma que a direita que combatiam, arrogavam--se 0 papel de representantes Iegitimos dos interesses reaisda maioria da populacao. 0 "povo", alienado, incorpo-rar ia os padroes ideologicos da classe dominante, tornando--se, portanto, incapaz de discernir claramente seus propr iosinteresses.

    , .. l A retomada das discussoes sobre aquele periodo ocorresob urn novo contexto histo rico-soc ial e parte de uma basete6rico-metodo16gica diferente. A par ti r de 1966, sao publi-cadas no Brasil as obras de Antonio Gramsci, cuja impor-tancia para a discussao de cultura e cultura popular, vinculadaa s relacces de dorninacao politica, e inegavel ,

    Quanto a situacao politica, 0 golpe de 64 desmantelouas organ izacoes sindicais urbanas e rurais e os movimentosculturais que com elastinham contato mais direto, confinandoa intelectual idade de esquerda a urn espaco res tr ito. A partirde 1967, a intensificacao da repressao do governo, particu-larmente sabre a area cientifico-cultural (censura, invasao deteatros, perseguicao a professores universitarios e estudan-tes), dificulta os debates e restringe ainda mais a.divulgacaodas ideias.

    I II II I, 1 !

    , I II

    , ,

    1 II

    3 MARTINS, Carlos Estevam. Anteprojeto do Manifesto do CPC. Arte emRevista, Sao Paulo , 1 (1) : 67-79, j an ./mar. 1979.4 Id., ibid., p. 73. Grifos do Autor. SOp. ci t . , p. 90~1.

    ; I,

    . ,i :,, I

    , "I

    , .! ' I 'Ii. ill . _ . _ - - .. - . _ - - _ . _ . _ . _ - .-~-~ .. --__-_-- _ . --- ._. -" - . _. __ ._---_._-- , . - _ . - . __ . ._ - - - .. - _. .-, Ir 1 ~I \ 1 I I . . r i f

    "

    I

    . . . . . .,

    .

    ' I1':I 'I Ii, , II

    .IIi

    48 49

  • 8/3/2019 Ayla.cultura Popular No Brasil

    25/35

    , i

    I iI I1! :

    , ,'! I) ! 1

    , I I;. I II .~I I

    1 : i,: .: 1 ,1 Assim, a cultura popular passa a ser estudada, a partirda decada de 70, sob urn nova perspectiva: nao mais a da

    "vanguarda iluminada" que vai ensinar 0povo, mas a de ten-tar compreender, fugindo das generalizacoes maniqueistas el ineares, sua cultura como parte de urn processo de explora-c a o economica e dominacao politica. IS80 requer 0 estudo depraticas culturais concretas, com 0 auxilio de urn instrumen-tal te6rico e metodologico mais rigoroso que permite uma vi-sao mais critica nao s6 da cultura popular, mas tambem dasnocoes existentes a respeito dela tanto as mais conserva-doras quanto as da intelectualidade de esquerda dos anos 50e 60.

    A titulo de exemplo, vejamos alguns estudos mais re-centes no Brasil que abordam diferentes aspectos da cultura

    popular, apresentando, entretanto, certas caracteristicas co-muns quanto ao modo de enfoca-Ios,

    da producao e distribuicao e com a estrutura e tematica dostextos, relacionando-os com a estrutura social e a posicao queibli 6ela ocupam os poetas e seu pu ICO.

    Maria Ignez Novais Ayala? trata de outra vertente dapoesia popular nordestina a cantoria de viola. Atenta pa-ra as diferentes situacoes em que as cantorias ocorrem, para, . ~as relacoes entre as responsaveis por sua promocao, os can-tadores e 0publico, para as forrnas poeticas e seu aprendiza-do e para as relacoes entre os cantadores, marcadas pelacompeticao e pela hierarquia baseada em criterios estabele ..cidos pelos p r6 pr io s p o et as .Carlos Rodrigues Brandao, em seus varies trabalhos sa-bre dancas, festas e outras manifestacoes rel igiosas popula-res, enfatiza as fo rmas de organizacao do s grupos e das festas,o s d iv e rs o s modos pelos quais se dao as tentativas de con t ro -Ie e apropriacao da producao popular e as respostas a taistentativas. Trata, enfim, da luta pelo "dominic pol i t ico e sim-bolico" que se estabe lece em torno dessas manifestacoes e. 8que e por elas expressa Renata Ortiz" discute a complexidade do carnaval e daspraticas rel igiosas em suas relacoes com a "ordem" cotidianae em sua configuracao interna (os momentos sagrados e pro-fano s, de "o rdem " e "desordem", dentro do carnaval), Dis-

    II ,i .. .

    i I I.1 II

    I ! II :! I

    1 1' . I; ., ,;IIII;I.: I1

    . : 1. :11

    I

    IJL,

    . ! I,. !

    III ' ,I . :1 !. i I .I I

    ,I 'I" I .. .

    : ,I:I: I. ,I 'II:I I .II ' , :! I

    1: 1\ II .1/ 'I I i I ~II ~ I As pratlces culturais em estudo

    Ruth Terra, em Memoria de lutas, analisa 0 nascimen-to da literatura de folhetos doNordeste, t ratando de sua pro-ducao e comercializacao, seus autores, suas estruturasnarrativas, sua tematica e sua estreita vinculacao a historiae a sociedade, explicitados principalmente nos "poemas deepoca", que s e referem aos problemas politicos e sociais ea s lutas que entao ocorriam, como 0 cangaco e as rebelioespoliticas. Alem dos textos populares e outros documentos es-critos, a Autora recorre tambem a depoimentos de familia-res e outros contemporaneos dos poetas populares parareconstituir 0 contexto social e as formas de producao, cir -culacao e recepcao dos folhetos.

    Mauro de Almeida e Antonio Augusto Arantes se vol-tam tambem para 0 estudo de folhetos, em epocas mais re-centes. Preocupam-se, do mesmo modo, com a organizacao

    I

    I !II !:! I I, ' I

    I;II '\

    6 ALMEIDA, Mauro w . B. de. Folhetos; a l iteratura de cordel no NE br~si -leiro. Sao Paulo, 1979. 2 v. Dissertacao de mestrado, Departamento de Cieri-cias Sociais Faculdade de Fil osof ia , Letr as e C ienc ia s Humanas daUniversidad~ de Sa o Paulo; ARANTES, Antonio Augusto. 0 t rabal~o e a fa-fa; estudo antropol6gico sobre os folhetos de cordel. Sao Pau1o, Kairos/Fun-

    , camp, 1982. ., - . 9827 No arranco do grito; aspectos da cantona nordest ina. Sao Paulo.' 1 t:Tese de doutoramento, Departamento de Linguistica e Linguas Onenta:s,Faculdade de Filosofia, Letras e Ciencias Humanas d~Unlversldade de Sa oPaulo, Sera publicado, pela Atica, na Colecao Ensaios. ,8 Cf. 0 que e folclore, p. 96 e Os deuses do povo , especialmente 0 capitulo6. V. "Bibliografia comentada" 9 A consc ienc ia j ragmentada . V. "Bibliografia comentada".

    , .

    Ii iI

    ---- - - - - - - - - _ . - ---

    1 ,

    III,I I I 1 , r ~ , I I.. . . . . . . . . . . . . . _ . - - ------_ . --_..-

    I .I

    , , ,, : I i 'i 'I !! I1 ! 1 II I I '' I : 1 ;I II'! I ~ . ' ' :

  • 8/3/2019 Ayla.cultura Popular No Brasil

    26/35

    1"I I i I I , ! '~ , I,1 ! i'l

    I i II I! 1 1

    ' 1 ' 1' ,,

    5150cute conceitualmente a cultura popular a partir das reflexoesde Grarnsci, sublinhando a importancia do conceito de hege-monia. Perpassa os varios ensaios a preocupacao com a es-fera dopolitico, no sentido abrangente de relacoes de poder,tal como aparece no interior das manifestacces de cultura po-pular e em suas relacoes com a estrutura sociopoli tica maisampla.

    Ivan Mauricio, Marcos Cirano e Ricardo de Almeida'"analisam as condicoes de vida de artistas populares da regiaometropolitana de Recife e as formas de dominacao e mani-pulacao a que estao submetidos. A partir de depoimentos edocumentos de art istas populares e de pessoas, grupos e ins-tituicoes que reelaboram, "preservam" au estudam as ma-nifestacoes culturais populares, os Autores conseguem reunirpontos de vista antagonicos sobre a cultura popular ~alem delevantar questoes a respeito de sua apropriacao e das rela-coes entre membros de classes e culturas diferentes. Nas pri-meiras paginas, explicam como redimencionaram seu objetivoinicial documentacao como forma de preservacao , pas-sando a discussao da ar te popular sob 0 ponto de vista dasrelacoes de classes.Sao fundamentais para esses estudos as concepcoes deAntonio Gramsci e de outros teoricos que continuam adesenvolve-las, alem das contribuicoes da antropologia. Es-sa base teorico-metodol6gica orienta a discussao das anali-ses de Roger Bastide e de outros estudiosos, bern como dasposicoes dos movimentos politico-culturais dos anos 50 e 60.

    A discussao sobre cultura popular continua na ordemdo dia, enriquecida pela fusao das preocupacoes politico-...deologicas, com urn maior rigor na pesquisa e analise dasmanifestacoes culturais populares, 0 que leva ao aprofunda-mento das questoes conceituais.

    Dessa forma, a cultura popular e entendida como pro-ducao historicamente deterrninada, elaborada e consumidapelos grupos subalternos de uma sociedade capitalista, quese caracteriza pela exploracao economica e pela "distribui-ca o desigual do trabalho, da riqueza e do poder "!". A dife ..renca de posicoes dos diferentes grupos sociais na estruturade classes implica a existencia de concepcoes de mundo quese contrapoem. A cultura popular tanto veicula os pontos devista e interesses das classes subalternas, numa perspectivade critica a dominacao, mais ou menos consciente, quantointernaliza as pontos de v ista e inte resses das classes domi -nantes, legitimando a desigualdade existente.As praticas culturais populares sao situadas no c o n t ex . . .to de sua producao, tambem em urn sentido mais restrito.. 'Busca-se saber como e por quem sao produzidas, os eventosque possibi li tam sua realizacao, como se articulam com ou-tras praticas culturais, s eu s en tid o p ar a q uem as produz e c o n-some, a s n o rm a s, os valores e as criterios de acordo com osquais sa o avaliadas por aqueles que estao diretamente rela-cionados com tais manifestacoes, bern como as f or rn a s d e o r-ganizacao e as atividades necessarias it sua existencia, tendosempre presente que a cultura po pula r e o s que a produzem .nao estao isolados dos demais segmentos da sociedade, a aten-~ao volta-se para a vinculacao das questoes acima menc io -nadas com a estrutura de classes, a cultura e a ideologiadominantes.Tentando sintetizar 0 que vern sendo exposto ate aqui,pode-se d izer que a contextualizacao das manifestacoes cul-turais populares, que em Amadeu Amaral e Mario de An-drade aparece ainda como projeto individual, a partir deRoger Bastide e seus alunos passa a ser efetivada de modomais s istematico. Hoje, a contextualizacao implica situar a

    II ', ; !, I

    1i ., '

    !j' 'I,I "I u ." :

    I .I '

    I , :, "! II 1ii, I ,I ,I 1 1

    I ':1,I '

    I ", ,i !~: I ', 1

    I

    , !1 !

    , 1

    : , ,I ",, ,

    , I i; I

    ; ,, I

    I " 11, II I, ! '

    ii l.I

    ; i' 'i'iii; I, ' ,, ;

    " ,1!

    ,!; 1 ~I I ,r: ' I,I I ,'I I !,. ~

    1 !

    ,III

    ; I1

    . i, ,; ,, " 1i 'j

    I,I ,'I

    ! I I10 Arte popular e dominaciio: 0 caso de Pernambuco - 1961/77. Recife,Alternativa, 1978.

    11 DURHAM, Eunice. A dinamica cultural na sociedade moderna. Arte emRevista, Sao Paulo, 2 (3): 13-4, mar. 1980.

    1, ,

    1' ,, I. I ./ , ' i: : _ . ~ _ . . - . . .

    1 ! I

    I

    ...11

    1 : ~ ' ;,I 'j I

    ,: 1 I

  • 8/3/2019 Ayla.cultura Popular No Brasil

    27/35

    ,, ,,i '.

    1Ii I I

    cultura popular enquanto processo dinamico e atual no inte-rior de uma sociedade dividida em classes com interesses an-tagonicos, Assim, nao cabe mais analisar as praticas culturaispopulares como sobrevivencias do passado no presente, pois,independentemente de suas origens, mais remotas ou mais re-centes, mais pr6ximas ou mais distantes geograficamente, elassereproduzem e atuam como parte de um processo historicoe social que lhes da sentido no presente, que as transformae faz com que ganhem novos significados.

    ; : 1

    . 1 1 .!. II, ,.'

    . :I 1. II. , ,, .

    , II

    II ! i : ; : ,I ,. I;

    I ,! i

    I ' :., ., .11 , .

    1 :1I :

    I, .

    i .. I I:

    i I, I i ., Ii i. jI ; I I .i ,~ i

    1II

    . I

    Tanto aqueles que sedenominamfolcloristas quanto ou-tros pesquisadores aceitam, ha bastante tempo, a diversida ...de e a complexidade das manifestacoes culturais populares.Mario de Andrade apontava as dificuldades criadas pela com-binacao entre a multiplicidade de forrnas e a variacao de de..nominacoes: "(...) A nomenclatura musical e poetica, entao,chega a s vezes a desanimar, e dentro de uma so regiao berncircunscrita, urn municipio, por exemplo, certas formas to..mam nome diverso, ou urn so nome designa formas diferen-tes"l. 0 mesmo problema e discutido por Roger Bastide emSociologia do folclore brasileiro,

    Moji das Cruzes, cidade proxima a capital paulista, ser-ve como exemplo dessa situacao. Em 1977, havia ali dois gru-pos de mocambique, tres congadas, alem de uma marujadaque surgiu, naquele ano, da divisao de urn dos grupos de con..gada. Apesar de serem todos da mesma cidade e dancaremtodos os anos na Festa do Divino, mantem-se as diferencas:na coreografia, nas roupas, na musica e nos versos, tanto en..tre os mocambiques como entre as congadas.

    h !I ,ru ~I .~ 1, II .

    I. , 1

    : 1 i i ' , ",

    . .1 1 ~ I

    .. r "i: , I \,,I 1

    . II i I!I I. 1 . i: ! , . 1

    I . i "

    I i . . ,,i :

    ,. ~ 1II ,1, . . I ...)

    i

    1 I; 'I i 'I

    i I;., ;

    . !

    1 ': . I1

    1Dancas dram dt icas . . . ~ 1. 1, p. 98.I: I

    i

    . . 1 . 1. I , 1 ' '

    iI,I.... _. _. __ . __ . _---------- .......---- ----~,I , , 1 " I I , I 1 .

    I : , I ..I' II ,1 .1 : i

    1 . I '. I

    '" 1" ' . : I.;

    - - . - . - . . . 1

  • 8/3/2019 Ayla.cultura Popular No Brasil

    28/35

    I I

    . I! i:'! Ii i il'I I II : ':1. 1 I ', . ,: J '

    - - - -. _ - - - - . _. . - - , --- -- ,_ - _. - . --- . _ _ _ _ _ _ _ . . . .

    54

    Embora haja elementos especificos que permitem dis-tinguir uma congada de Dutra, ha caracteristicas ma is g er a isque fazem com que todas possam ser chamadas de c ongada .O mesmo acontece com os batalhoes de mocambique. A ma-rujada, por sua vez, tern semelhancas com urn dos tipos decongada, m C 1 : Sp o s s u i caracteristicas que justificam a mudan-ca de denominacao. Quando interrogados, os