avaliaÇÃo da aprendizagem: relato de um grupo de …a avaliação da aprendizagem para a...
TRANSCRIPT
SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO Superintendência da Educação
Diretoria de Políticas e Programas Educacionais Programa de Desenvolvimento Educacional
AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM: RELATO DE UM GRUPO DE
ESTUDOS FORMADO POR PROFESSORES E PEDAGOGOS
Artigo apresentado ao Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE (2008-2009), na área de Pedagogia, como requisito final de conclusão da participação no programa.
Orientadora: Profª Drª Maria Terezinha Bellanda Galuch
Professora PDE : Vera Lucia Marques de Mendonça Tenorio
MARINGÁ – PR
2009
AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM: RELATO DE UM GRUPO DE ES TUDOS
FORMADO POR PROFESSORES E PEDAGOGOS
Vera Lucia Marques de Mendonça Tenorio1
RESUMO: Este artigo faz parte das atividades realizadas como pedagoga participante do Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE) e relata a experiência de um grupo de estudos realizado por professores e pedagogos da rede estadual pública paranaense, como um momento de formação continuada, para aprofundamento de estudos sobre a avaliação da aprendizagem. Na busca de compreendermos a avaliação como um dos momentos dos processos de ensino e aprendizagem, foram realizados estudos acerca dos processos de aprendizagem e desenvolvimento, da formação de conceitos e do processo de avaliação, relacionando-os à função social da escola e à prática pedagógica, tendo como fundamento a abordagem histórico-cultural. Focando-se a organização do ensino, a aprendizagem conceitual e a avaliação das diversas áreas do conhecimento, os estudos forneceram subsídios para se pensar a avaliação da aprendizagem no sentido da superação da memorização e ênfase na apropriação de conceitos. No grupo de estudos, foi objeto de discussão tanto conceitos da abordagem histórico-cultural, que subsidiam a avaliação da aprendizagem escolar, como a internalização desses conceitos pelos participantes e suas implicações para a atuação docente.
PALAVRAS-CHAVE: Teoria Histórico-Cultural. Avaliação da Aprendizagem. Programa de Desenvolvimento Educacional.
ABSTRACT: This article is part of the activities accomplished as a pedagogue participating the Educational Development Program (EDP) and report the experience of a study group composed of Paraná’s state public net teachers and pedagogues, as an opportunity of continued formation, for deepening studies of learning evaluation. In the search of understanding the evaluation as one of the learning and teaching process, there were accomplished studies over the learning and development process, concept formation and evaluation process, relating them to the school`s social function and pedagogue practice, having as basis the historical-cultural approach. Focusing in teaching organization, the conceptual learning and evaluation of several knowledge areas, the studies granted subsides for the thinking of the learning evaluation in the sense of memorization overcoming and emphasis in the concept appropriation. In the study group, the objects of discussion were the concepts of historical-cultural approach, that subside the evaluation of scholar teaching, as well as, the internalization of those concepts by the participants and its implications for the teaching actuation.
Key words: Historical-Cultural Theory. Evaluation of the learning. Educational Development Program.
Situando o trabalho
Com o objetivo de melhorar a educação básica da rede pública do Estado do
Paraná, em 2007, foi instituído o Programa de Desenvolvimento Educacional
(PDE) como parte da política educacional de formação continuada para
professores da educação básica desse Estado. Esse Programa é desenvolvido
mediante parceria entre a Secretaria de Estado da Educação e Instituições de
Ensino Superior (IES).
Durante dois anos, o professor que ingressa no Programa se afasta de suas
atividades de docência ou gestão para participar de cursos e, sob orientação
de um professor de uma IES: a) elabora uma proposta de intervenção, que é
discutida em Grupo de Trabalho em rede (GTR), com no máximo 40
professores de todo o Estado, por meio da plataforma de Educação a Distância
Moodle e transcorre durante o período de um ano, sendo realizado em seis
Unidades; b) produz um material didático para ser implementado na escola da
qual se afastou; c) implementa esse material para a socialização de seus
estudos; d) elabora um artigo científico, versando sobre o trabalho realizado.
Quando o professor ingressa no PDE lhe é sugerido que analise em sua escola
algum aspecto, cujo estudo possa contribuir para a melhoria da educação
básica e pública.
A trajetória no PDE
Em 2008, ao ingressarmos nesse Programa, elegemos a avaliação da
aprendizagem como tema para a realização das atividades acima
mencionadas. Por que este tema e não outro? A avaliação é um assunto
bastante controverso entre os profissionais da educação, porque, apesar de ser
atividade considerada central na prática pedagógica, tem representado, para
alguns, um instrumento complementar dos processos de ensino e
aprendizagem; para outros, um meio para a obtenção de notas e classificação
dos alunos. Buscar compreender a avaliação sem nos limitarmos aos
instrumentos avaliativos, focando a atenção nos conceitos avaliados foi o que
nos motivou a elaborar a proposta de intervenção cuja implementação ocorreu
por meio de um grupo de estudos.
Este grupo contou com a participação de 15 professores das áreas de
matemática, língua portuguesa, artes, física, química, línguas estrangeiras
modernas (inglês e espanhol), matérias específicas do curso de formação de
docentes, filosofia, sociologia, professores das quatro primeiras séries do
ensino fundamental, além de professores pedagogos. Alguns dos participantes
lecionavam mais de uma disciplina, atuavam no ensino fundamental e médio
simultaneamente; outros eram docentes e representantes de equipes
pedagógicas de escolas públicas estaduais da educação básica, havendo
ainda a participação de pedagogo do Núcleo Regional de Educação. Em
comum, havia o fato de que a maioria dos participantes atuava em dois ou mais
estabelecimentos de ensino.
Os conceitos estudados versaram sobre os seguintes temas: a)
Contextualização histórica da avaliação da aprendizagem; b) função social da
escola e a avaliação da aprendizagem; c) conteúdos escolares: o quê avaliar?
d) relação entre conteúdo escolar e desenvolvimento humano; e) relação entre
ensino, aprendizagem e desenvolvimento; f) pressupostos da Teoria Histórico-
Cultural para a avaliação da aprendizagem. Por meio dessa sequência, os
estudos e discussões foram desenvolvidos tendo em vista a compreensão da
avaliação como um dos momentos dos processos de ensino e aprendizagem.
A avaliação da aprendizagem para a consecução do pa pel da escola
Pensar no “bom ensino”, tal como defende Vygotsky2 (2001) é reconhecer
nesse processo elementos relevantes para a avaliação da aprendizagem. Na
escola – espaço específico de transmissão do saber acumulado historicamente
– a avaliação é o meio pelo qual podemos observar se os conteúdos ensinados
foram apropriados pelos estudantes e se estes conteúdos se constituem em
elementos que modificam a forma como os estudantes pensam e agem diante
de determinadas situações. Nessa perspectiva, a aprendizagem e,
consequentemente, a avaliação não se limitam à memorização de palavras;
sua meta é o desenvolvimento de funções complexas do pensamento. Como
atingir tal objetivo?
Para Vygotsky, a aprendizagem organizada de forma adequada é capaz de
conduzir ao desenvolvimento. Daí a necessidade de atentarmos para a
qualidade da aprendizagem proporcionada aos estudantes e para a
importância que a escola exerce no desenvolvimento cognitivo. Palangana,
Galuch e Sforni (2002), ao defenderem a importância da escola e da qualidade
dos processos de ensino e aprendizagem viabilizados nesta instituição,
esclarecem:
Se as funções mentais são socializadas e reconstruídas por meio da comunicação, do inter-relacionamento, então, na escola, é preciso estar atento à qualidade das informações, do saber mediado na relação professor/aluno, uma vez que esse saber carrega em si potencialidades em termos de formação. O conteúdo escolar transforma-se em funções mentais, afetivas, psíquicas em geral, as quais compõem os fundamentos do pensamento. De modo que, antes de se questionar a qualidade de raciocínio, de percepção, de atenção, enfim, de pensamento dos alunos, é preciso interrogar sobre a qualidade e como os conteúdos vêm sendo trabalhados em sala de aula (PALANGANA, GALUCH e SFORNI, 2002, p, 115).
Essa ideia da função que a escola exerce no desenvolvimento dos sujeitos que
a frequentam é também defendida por Young (2007). Este autor permite
reconhecer que transmissão de conhecimento pressupõe o envolvimento ativo
do aluno que o adquire.
A idéia de que a escola é primordialmente um agente de transmissão cultural ou de conhecimento nos leva à pergunta ’Que conhecimento?’ e, em particular, questiona que tipo de conhecimento é responsabilidade da escola transmitir. Sendo aceito que as escolas têm esse papel, fica implícito que os tipos de conhecimento são diferenciados. Em outras palavras, para fins educacionais, alguns tipos de conhecimento são mais valiosos que outros, e as diferenças formam a base para a diferenciação entre conhecimento curricular ou escolar e conhecimento não-escolar. Existe algo no conhecimento escolar ou curricular que possibilita a aquisição de alguns tipos de conhecimento. Portanto, minha resposta à pergunta “Para que servem as escolas?” é que elas capacitam ou podem capacitar jovens a adquirir o conhecimento que, para a maioria deles, não pode ser adquirido em casa ou em sua comunidade, e para adultos, em seus locais de trabalho (YOUNG, 2007, p. 1293-1294).
As reflexões apresentadas pelo autor acima citado foram fundamentais para
compreendermos a existência de diferença entre conhecimento escolar e não
escolar, entre conceitos espontâneos e conceitos científicos. Essa
diferenciação, fundamentada em princípios da abordagem histórico-cultural, foi
o ponto de partida para a apreensão de que a avaliação se relaciona
estreitamente ao processo de organização do ensino.
A continuidade dos estudos pelo grupo
Segundo autores da Teoria Histórico-Cultural, o processo de formação de
conceitos promove o desenvolvimento do educando que é cognitivamente ativo
nesse processo, ou seja, o sujeito desenvolve suas funções psicológicas
superiores à medida que se apropria dos bens culturais – o conhecimento.
Nesse sentido, a mediação docente é um dos aspectos intraescolares que
merecem atenção quando se objetiva organizar um ensino promotor da
aprendizagem.
Mas o que, para Vygotsky, pode ser considerado um bom ensino? Trata-se
daquele ensino que se adianta ao desenvolvimento, contrapondo-se à ideia de
que o desenvolvimento depende da maturação biológica e mediante etapas
sequenciais que promovem formas de pensar peculiares a cada idade até que
o indivíduo pense como um adulto.
Esse conceito foi a chave para nos indagarmos sobre o papel da aprendizagem
no processo de constituição do indivíduo e a importância das interações
estabelecidos por ele ao longo de seu desenvolvimento. Pudemos encontrar
respostas para estas indagações no estudo do artigo “Algumas contribuições
da psicologia cognitiva”, de autoria de Marta Kohl de Oliveira. A autora aponta
que, para Vygotsky, o desenvolvimento intelectual segue um certo caminho,
entretanto é a aprendizagem que permite a ocorrência dos processos internos
de desenvolvimento; e, todo esse processo, só é possível porque o indivíduo
encontra-se em um ambiente cultural específico.
A compreensão do quê Vygotsky chama de “bom ensino” dirigiu o nosso olhar
para a avaliação como um dos momentos dos processos de ensino e
aprendizagem; como um processo que não se limita à memorização e
participara do processo de desenvolvimento do pensamento conceitual. Nos
debates surgiram algumas questões que passaram a orientar nossos estudos:
Que concepção de avaliação tem permeado nossa prática pedagógica? Como
podemos avaliar, adotando como norte metodológico a abordagem histórico-
cultural? Como distinguir a memorização da apropriação de conceitos? De
que maneira podemos possibilitar a apreensão de conceitos científicos?
Forma e conteúdo: duas faces da avaliação da aprend izagem
Como poderíamos falar de avaliação sem compreendermos como a avaliação
tem sido tratada por estudiosos dessa área? Afinal, são os resultados desses
estudos que passam a fazer parte do conteúdo dos cursos de graduação e de
cursos de formação continuada. Por isso, fizemos uma breve incursão nos
estudos dessa área. Uma das primeiras apreensões foi a de que a avaliação da
aprendizagem tem ocupado lugar de destaque nas discussões sobre
educação, principalmente a partir de 1980. Entretanto, apesar dos avanços,
sentimos no grupo de estudos que precisávamos de aprofundarmos nosso
conhecimento sobre o assunto, pois muitas inseguranças em relação às
atividades avaliativas pairavam sobre nós.
Fizemos um levantamento sobre como cada um realizava a avaliação em sua
atuação pedagógica. Os relatos revelaram a ideia de avaliação da
aprendizagem como um processo que ultrapassa a classificação, a punição e,
portanto, a exclusão. Todavia, quando buscamos, por escrito, alguns
elementos sobre a avaliação que poderiam direcionar os nossos estudos, o
desconforto nos tomou conta.
Apesar de estarmos acostumados a ensinar e avaliar, tivemos dificuldades
para nos colocarmos na “outra ponta”: sermos também avaliados. De certa
forma, isto revela o fato de que não sabemos tudo e apesar de cotidianamente
realizarmos práticas avaliativas com nossos alunos, a situação de sermos
“avaliados” sempre gera alguma insegurança, portanto o desconforto inicial não
passou despercebido por nenhum dos participantes.
Isso nos leva a pensar que nossa prática nem sempre é analisada, fato
percebido nas ressalvas apresentadas durante as discussões nas quais
notamos alguns pressupostos da teoria histórico-cultural, embora a dificuldade
para relacionar a teoria apresentada com a prática exercida era evidente.
Como a avaliação da aprendizagem tem estado presente nas discussões sobre
educação desde a década de 1980, percebemos a necessidade de retomarmos
pontos relevantes dessas discussões, por meio de alguns autores: Luckesi
(2002), Hoffmann (2005), Hadji (2001), Romão (2008) e Paro (2001), já
estudados e discutidos em diversas oportunidades de formação oferecidas pela
SEED-PR.
No grupo, o estudo desses autores instigou discussões por meio das quais foi
ficando evidente que já havíamos ultrapassado a ideia de avaliação como
classificação, concessão de notas e aplicação de provas. Assim como aponta
Luckesi (2002, p. 43), a avaliação “[...] terá que ser o instrumento do
reconhecimento dos caminhos percorridos e da identificação dos caminhos a
serem perseguidos.” Trata-se da ideia de avaliação apreendida como
instrumento sistematizado para recolher informações e, a partir delas, tomar
decisões sobre o ensino, presentes nas respostas dos compartes.
Durante as discussões sobre avaliação, surgiram questões que remetem à
classificação: aprovar ou reprovar. Nesse momento, Paro (2001) é retomado
como um dos autores que já analisaram o tema. Este autor entende a
avaliação como parte integrante da atividade humana, que por sua vez origina-
se do processo de trabalho. Assim, o educando deve ser visto como sujeito do
processo, um parceiro do educador no trabalho pedagógico. A avaliação deixa
de ser classificatória, com ênfase na retenção dos alunos, passando a ser um
momento em que o professor deve se preocupar com a identificação do estágio
de assimilação e compreensão do aluno, as dificuldades e os fatores a elas
relacionados, bem como que medidas deverão ser adotadas, ou seja, trata-se
do caráter diagnóstico da avaliação.
A sistematização das informações obtidas sobre o conteúdo avaliado e a
formulação de um juízo de valor sobre ele passam a se caracterizar como
processos básicos e centrais da avaliação. Sobre este aspecto, Hadji (2001)
subsidiou nossas discussões, uma vez que destaca a avaliação situada em um
contexto de valorização, logo se há avaliação também há julgamento. Segundo
o autor, é necessário não apenas constatar, mas interpretar o que precisa ser
anunciado ao aluno a respeito do quê necessita melhorar em termos de
aprendizagem.
Além do caráter diagnóstico, nos estudos sobre a avaliação esta é
compreendida como um processo de comunicação interpessoal, cujos papéis
de professor e aluno podem alternar-se ou serem simultâneos – é a avaliação
como prática dialógica. A compreensão do processo de avaliação não depende
somente da observação do conteúdo avaliado, mas das peculiaridades do
avaliador e dos vínculos que este estabelece com o educando. Para Romão, “a
avaliação da aprendizagem é um tipo de investigação, [...] um processo de
investigação sobre a ‘cultura primeira’ do educando [...]” (ROMÃO, 2008, p.
101).”
Nos debates também foram feitas referências à visão de Hoffmann sobre a
avaliação mediadora “como um processo de permanente troca de mensagens
e de significados, um processo interativo, dialógico, espaço de encontro e de
confronto de ideias entre educador e educando em busca de patamares
qualitativamente superiores de saber (HOFFMANN, 2005, p. 78).”
Os autores acima destacados trouxeram avanços significativos no que se
refere à forma de avaliar, aos instrumentos avaliativos, entretanto ao voltarmos
nossa atenção sobre o conteúdo a ser avaliado em cada uma das áreas do
conhecimento percebemos a dicotomia entre forma e conteúdo.
Foi nesse momento que buscamos na Teoria Histórico-Cultural contribuições
para a compreensão do processo de avaliação da aprendizagem, uma vez que
partimos do princípio que a avaliação deve subsidiar o processo de ensino.
Partimos, então, para estudos que pudessem nos levar à resposta para as
seguintes questões: Qual a relação entre ensino, aprendizagem e
desenvolvimento? Qual a relação entre conceito espontâneo e conceito
científico e o papel da escola em proporcionar aos estudantes que se
apropriem dos conceitos científicos? De que forma a aprendizagem de
conceitos – mediadores culturais – é promotora do desenvolvimento das
funções complexas do pensamento e como este entendimento concorre para o
processo de avaliação?
A abordagem histórico-cultural: contribuições para a avaliação da aprendizagem
Considerando-se a avaliação como um dos elementos dos processos de
ensino e aprendizagem e a aprendizagem uma condição para o
desenvolvimento das funções complexas do pensamento, buscamos subsídios
na Teoria histórico-cultural, para a qual o homem não nasce com as
características humanas desenvolvidas e nem as absorve de maneira pacífica.
Ele as desenvolve nas relações que estabelece nas quais se apropria da
cultura.
Para a compreensão de conceitos dessa abordagem teórica que pudessem
contribuir para o entendimento da avaliação, optamos pelo estudo das
seguintes bibliografias: Petroviski (1985), Oliveira (1992, 2003, 2005),
Palangana e Galuch (2007), Palangana, Galuch e Sforni (2002), Sforni e
Galuch (2006), Galuch e Sforni (2009), Schroeder (2007) e Tenorio (2008).
Esses autores nos proporcionaram as primeiras aproximações à Teoria
Histórico-Cultural e a reflexão sobre as práticas pedagógicas exercidas pelos
participantes e o ensino segundo a teoria histórico-cultural.
Interessante observar que os membros do grupo de estudos, cientes de que a
SEED-PR aponta a teoria histórico-crítica como opção filosófica para o trabalho
docente, destacaram que há mais de uma década os escritos de Saviani – que
defende uma posição crítica de formação escolar – são estudados em
encontros promovidos pela escola e Núcleo. Porém, manifestaram não
entender o porquê de a Teoria Histórico-Cultural, que oferece o suporte
psicológico para que teorias críticas se efetivem nas práticas pedagógicas não
ter sido objeto de estudo. Pelo fato de esta teoria não ser estudada, o próprio
termo “histórico-cultural” era pouco conhecido por eles, no entanto alguns
comentaram saber algo sobre o conceito de Zona de Desenvolvimento
Proximal, defendida por Vygotsky.
Vale ressaltar que uma das primeiras aproximações com a teoria de Vygostsky
ocorreu na Semana Pedagógica de julho de 2009, por meio de um capítulo do
livro: Aprendizagem conceitual e organização do ensino: contribuições da teoria
da atividade, de Sforni (2004). Nesse evento, foram propostos a todos os
professores das escolas questionamentos relacionados à teoria e, inclusive, ao
processo de avaliação. De certo modo, os participantes do nosso grupo de
estudos reconheceram a necessidade de aprofundamento em teorias de
aprendizagem já que o modo pelo qual os processos psíquicos se relacionam
com os processos de ensino e aprendizagem e, por sua vez ao processo de
avaliação, não estava claro.
Começamos, então, o estudo de conceitos da teoria histórico-cultural,
elegendo-se que o ponto de partida seria o conceito de mediação. Tomamos
essa decisão com base no argumento de Oliveira (2005), segundo o qual, para
se compreender a concepção de Vygotsky sobre o funcionamento psicológico
é necessário compreender o conceito de mediação.
O processo de mediação e a intencionalidade no ato de ensinar
A mediação pressupõe a existência dos instrumentos físicos e dos signos. Os
primeiros orientam as ações externas do indivíduo; os segundos são
instrumentos da atividade psicológica, ou seja, orientam as ações internas. O
instrumento, conforme descreve Oliveira:
[...] é um elemento interposto entre o trabalhador e o objeto do seu trabalho, ampliando as possibilidades de transformação da natureza. [...] é feito ou buscado especialmente para um certo objetivo. Ele carrega consigo, portanto, a função para a qual foi criado e o modo de utilização desenvolvido durante a história do trabalho coletivo (OLIVEIRA, 2005, p. 29).
Os signos são, para Vygotsky, “instrumentos psicológicos” e, conforme
esclarece Oliveira (2005, p. 30), “são ferramentas que auxiliam nos processos
psicológicos e não nas ações concretas, como os instrumentos”.
Essas ideias foram recebidas pelos participantes do nosso grupo com certo “ar
de novidade”, haja vista que para muitos o termo “mediar, mediação” estava
relacionado somente à ideia de que o professor deveria ser “ponte”, entre o que
o aluno sabe e aquilo que ele precisa saber. Embora sem muitas certezas
sobre como o professor realiza a mediação o termo era bastante utilizado para
expressar a prática pedagógica exercida por cada um.
Os conceitos apresentados sobre mediação e as conclusões depreendidas
permitiram perceber que nas relações estabelecidas entre professor e alunos,
baseadas na intencionalidade de promover a aprendizagem e,
consequentemente, o desenvolvimento, a qualidade do conteúdo ensinado é
fator preponderante. Com o objetivo de formar o indivíduo e não somente
informá-lo, o conteúdo mediado nessas relações pode promover o
desenvolvimento de funções complexas do pensamento, uma vez que ele não
modifica somente aquilo que o sujeito pensa, mas a forma como ele pensa.
A preocupação em promover a aprendizagem, demonstrada nas práticas
avaliativas dos professores que buscam nesse processo a eficiência do ensino,
deve relacionar-se à apreensão do conceito, haja vista que isso é condição
para o desenvolvimento. Portanto, a aprendizagem e, consequentemente, a
avaliação não pode se limitar à memorização da palavra, mas ter como meta o
desenvolvimento de operações mentais.
Como promover a passagem dos conceitos espontâneos aos científicos? Como
avaliar a apreensão desses últimos? Como realizar uma avaliação que não se
limite à memorização de palavras e definições, com vistas ao desenvolvimento
do pensamento?
Formação de conceitos e desenvolvimento das funções psicológicas superiores
Os estudos da Teoria Histórico-Cultural sobre o processo a formação de
conceitos auxiliaram-nos na compreensão do processo de desenvolvimento do
educando, seu papel como sujeito ativo nesse processo e a importância da
mediação docente, uma vez que esse sujeito desenvolve as funções
psicológicas superiores à medida que se apropria dos bens culturais – o
conhecimento.
Vygotsky (2001) enfatiza que os conceitos são produzidos historicamente, algo
que ocorre primeiramente no âmbito social e posteriormente no individual.
Quando resolve um problema, o homem se apropria das significações dos
conceitos, aproveitando outros conceitos que já possui, os quais servirão de
apoio para a internalização e introdução de novos conceitos ao seu sistema de
conhecimento.
É importante destacar que os participantes do nosso grupo tinham certo
conhecimento sobre a psicologia genética de Piaget, por terem estudado este
referencial ou no curso de formação de professores no ensino médio ou em
nos seus respectivos cursos de licenciatura. Por isso, surgiram questões como:
qual a importância atribuída aos fatores biológicos, no desenvolvimento
humano, por Vygotsky e Piaget? Quais as ideias de Vygotsky e Piaget acerca
da aprendizagem e do desenvolvimento? A resposta a essas questões foram
aparecendo à medida que fomos estudando o desenvolvimento das funções
mentais superiores, bem como o papel da apropriação dos conceitos nesse
processo. Segundo Vygotsky, o homem não nasce com as funções complexas
do pensamento já desenvolvidas; nem as absorve de maneira pacífica, ele as
desenvolve nas relações mantidas com o mundo exterior, entre eles, a escola.
O indivíduo não constrói complexos de significação de maneira espontânea,
pois já os encontra sistematizados por meio dos significados concretos das
palavras estabelecidos pelos que o cercam.
As ideias depreendidas acima, por meio das discussões permitiu-nos concluir
que a passagem do pensamento por complexos, para o pensamento por
conceitos, não ocorre de forma espontânea, tampouco são desenvolvidas de
maneira única e linear, ao contrário, dependem da qualidade das interações
estabelecidas entre o indivíduo e o meio social no qual se encontra inserido.
Como se formam, então, os conceitos científicos? Com destaque às
contribuições de Schroeder (2007), que abalizaram as discussões, apontou-se
a importância de se reconhecermos os diferentes caminhos tomados na
apreensão de conceitos espontâneos e científicos. Nas nossas discussões foi
sendo destacado que, algumas vezes, as práticas avaliativas “cobram”
conceitos espontâneos sem que o aluno seja levado a patamares superiores de
pensamento. Essas conclusões ocorreram principalmente após aprofundamos
a compreensão dos pressupostos de Vygotsky, aclarados por Schoreder na
seguinte passagem:
Vygotsky enfatiza a interação dinâmica entre estes dois sistemas, que acontece numa via de mão dupla: os conceitos científicos possibilitam realizações que não poderiam ser efetivadas pelo conceito espontâneo e vice-versa. Ou seja, os conceitos científicos não são assimilados em sua forma já pronta, mas sim por um processo de desenvolvimento relacionado à capacidade geral de formar conceitos, existente no sujeito. Por sua vez, este nível de compreensão está associado com o desenvolvimento dos conceitos espontâneos. [...] A aprendizagem dos conceitos científicos é possível graças à escola com seus processos de ensino organizados e sistemáticos (SCHOREDER, 2007, p. 299).
Os caminhos percorridos na aquisição dos conceitos espontâneos e científicos
são distintos e os últimos são possíveis somente por meio da intervenção
sistematizada. Essa compreensão nos remete à seguinte ideia de Vygotsky:
[...] o conceito não pode ser percebido como uma estrutura isolada e imutável, mas sim como uma estrutura viva e complexa do pensamento, cuja função é a de comunicar, assimilar, entender ou resolver problemas. Destaca que, para um conceito, sua relação com a realidade é um fator essencial. Surge no processo de operação intelectual, com a participação e combinação de todas as funções intelectuais elementares, culminando com a utilização da palavra, que orienta arbitrariamente a atenção, a abstração, a discriminação de atributos particulares, da sua síntese e simbolização (SCHOREDER, 2007, p. 300).
O aprofundamento teórico sobre a importância da formação de conceitos
científicos para o desenvolvimento das funções psicológicas do indivíduo
suscitou várias discussões e algumas conclusões pertinentes ao processo de
avaliação. Entre elas a necessidade de compreensão que é na adolescência,
segundo Vygotsky, que ocorre o amadurecimento do pensamento. Portanto, é
necessário colocar atenção no papel que cada um desempenha nesse
processo:
Para Vygotsky, as forças que engendram estes processos e acionam os mecanismos de amadurecimento encontram-se, na verdade, fora do sujeito. As determinantes sociais criando problemas, exigências, objetivos e motivações impulsionam o desenvolvimento intelectual do adolescente, no que se refere ao conteúdo e pensamento, tendo-se em vista a sua projeção na vida social, cultural e profissional do mundo adulto. Ou seja, o desenvolvimento intelectual no adolescente precisa ter seu vetor voltado ao crescente domínio consciente e voluntário sobre si mesmo, sobre a natureza e sobre a cultura. Neste sentido, a escola tem a função de possibilitar o acesso às formas de conceituação que são próprias da ciência, não no sentido de acumulação de informações, mas sim como elementos participantes na reestruturação das funções mentais dos estudantes para que possam exercer o controle sobre as suas operações intelectuais – um processo da internalização com origem na intersubjetividade e nos contextos partilhados específicos e regulados socialmente (SCHOREDER, 2007, p. 302).
Portanto, é fundamental atentarmos para a qualidade da aprendizagem que
proporcionamos aos nossos alunos, por meio dos conteúdos que
selecionamos. De acordo com Vygotsky (2001), quando há momentos
programados no processo educacional, comparados com aos quadros
espontâneos, o desenvolvimento dos conceitos científicos supera o
desenvolvimento dos espontâneos e os primeiros possibilitam níveis de tomada
de consciência mais elevados que os segundos. Ou seja, a escola, por meio
daquilo que ele chamava de “bom ensino” é capaz de elevar os níveis de
desenvolvimento do indivíduo.
Depois da teoria...
Após aprofundamentos teóricos que permitiram focalizar que o ensino
adequadamente organizado promove a aprendizagem conceitual, começamos
a repensar a avaliação das diversas áreas do conhecimento com vistas à
avaliação no sentido da apropriação de conceitos como signos que se
configuram como instrumentos do pensamento na relação do sujeito com os
fatos e fenômenos da realidade.
A discussão de questões psicológicas envolvidas nos processos de ensino e
aprendizagem permitiu-nos visualizar ações que já começaram a tomar corpo
na prática cotidiana de sala de aula, principalmente ao avaliarmos as ações
desenvolvidas pelos alunos.
Observar o que os alunos falam, questionar como eles chegaram à
determinada resposta e ter um olhar atento aos erros dos alunos nas
avaliações passou a fazer parte da prática dos participantes em relação ao
conteúdo ensinado e, consequentemente, ao avaliado.
No encontro em que discutimos a apreensão da palavra ou memorização de
conceitos, começamos nossos estudos por uma anedota na qual uma menina
perguntava a seu irmão sobre o presente que ele havia pedido ao Papai Noel.
O irmão responde que queria ganhar um “Ob”. Muito surpresa, a menina
pergunta o que seria o tal “Ob”. Prontamente, seu irmão lhe diz que não sabia
bem o que era, mas que com ele seria uma pessoa livre: poderia andar de
bicicleta, passear de lancha, de esqui e, inclusive, nadar.
No chiste ficou claro que o menino apropriou-se da palavra, mas não do seu
significado. Assim como essa criança, também os alunos podem utilizar as
palavras “certas”, em diferentes áreas de conhecimento, para responder a
algumas questões apresentadas nas avaliações, o que nos leva à seguinte
questão: estes alunos são capazes de utilizar o conceito em outra situação?
Muitos participantes expuseram experiências que demonstram como os
conceitos estudados passaram a orientar a sua prática pedagógica. No limite
deste artigo, apresentaremos uma delas, com o intuito de analisarmos o
movimento do pensamento do próprio professor na apreensão da teoria que,
em confronto com a prática, possibilitou-lhe ter um novo olhar sobre a realizada
em sala de aula. Trata-se da experiência de um professor da disciplina de
química, cujas avaliações geralmente centravam-se em atividades que exigiam
a memorização de definições, fórmulas, estruturas, etc.
Os conceitos da teoria histórico-cultural estudados pelo grupo motivaram este
professor a repensar a sua prática, promovendo situações de ensino e
avaliação que pudessem levar os alunos a pensarem com os conteúdos
apreendidos em sala, ou seja, generalizá-los para outras situações. Também
subsidiou o “novo olhar” do professor, a compreensão de que o processo de
humanização ocorre mediante a apropriação de conceitos cada vez mais
abstrato – condição para o desenvolvimento das funções mentais, como a
memória, a atenção voluntária, a percepção, o raciocínio, os sentimentos, entre
outras, tal como defendem Vygotsky (2001) e Leontiev (2004).
Os conhecimentos de todas as áreas estão expressos sob a forma de textos,
fórmulas, gráficos, mapas, etc.. No caso específico da química, a apropriação
desse conhecimento exige a imersão em um mundo “abstrato”: átomos,
prótons, elétrons, sais, moléculas, partículas... Nesse sentido, mais do que a
memorização de palavras, fórmulas, reações, estruturas, a compreensão
desse “novo mundo”, pressupõe a apropriação de conceitos em um sistema de
conceitos, como explica Vygotsky.
O campo da química exige uma linguagem específica que precisa ser
dominada. Petroviski (1985), ao relacionar pensamento e linguagem, enfatiza:
Somente a linguagem torna possível a abstração de propriedade do objeto de conhecimento e o que se possa fixar na representação, no conceito mesmo, em uma palavra especial. A ideia adquire na palavra o invólucro material necessário, na qual se converte em realidade direta para nós e para as outras pessoas. O pensamento humano – seja qual for a forma em que se realize – é impossível sem a linguagem (PETROVISKI, 1985, p. 295).3
Os conteúdos discutidos pelo grupo de estudos levaram-nos a perceber que
professor e alunos encontram-se em graus diferentes de compreensão sobre o
conteúdo escolar. O aluno, além da visão sincrética, geralmente não domina
conteúdos fundamentais para a compreensão de conceitos mais complexos,
como é o caso de conhecimentos químicos necessários para a análise dos
elementos químicos, como os “sais”.
O professor modifica a sua prática
Segundo o relato do professor, ao trabalhar o conceito de sais com seus alunos
da 1ª série, a primeira relação estabelecida pelos alunos foi que “sais” diz
respeito ao “sal comum”, ao “sal de cozinha” e que todo sal é branco. O
professor, habituado a propor definições a serem assimiladas, percebeu a
necessidade de um trabalho mais concreto sobre o tema, observando que
apesar ela e os alunos estarem expressando a mesma palavra, poderiam estar
“pensando” em conceitos distintos.
Nas primeiras incursões sobre o conteúdo, percebeu que não havia consenso
entre os termos azedo, ácido, amargo, travoso, entre outros e que necessitava,
além da mediação dos signos químicos referentes a esses conceitos, a
experimentação em laboratório para que novas conexões pudessem ser
estabelecidas pelos alunos e, consequentemente, a elevação do pensamento a
patamares superiores. Sobre o mecanismo básico do pensamento, Petroviski
(1985) ressalva:
No processo de pensamento, o objeto entra em novas conexões e graças a isso descobre novas propriedade s e qualidades que se fixam em novos conceitos, desta maneira se extrai o novo conteúdo, o objeto cada ve z nos é mostrado de um ângulo diferente, descobrindo-se nel e novas propriedades . [...] Na medida em que o ser humano descobre o sistema de conexões e relações em que se encontra o objeto analisado é que começa a notar, descobrir e analisar novas características deste objeto ainda desconhecidas (PETROVISKI, 1985, p. 311).4
Para um consenso sobre o paladar de muitos elementos químicos, o professor
proporcionou a “degustação” de produtos como: limão, vinagre, banana e caqui
não maduros, para que os alunos pudessem perceber a diferença entre
amargo e ácido, travoso e azedo.
As atividades no laboratório foram realizadas com o intuito de que os alunos
pudessem a compreenderem que os sais são condutores de corrente elétrica
quando estão em solução, que têm sabor salgado, são compostos iônicos
sólidos, reagem com hidróxidos, ácidos, metais e outros sais, além de outras
relações necessárias com os “ácidos” e as “bases”.
Nas aulas de laboratório, o professor apresentou aos alunos vários compostos
para que fossem identificados de acordo com suas funções, levando-se em
conta as características físico-químicas de cada um. Os compostos foram
disponibilizados na bancada do laboratório e em equipe foi pedido que os
alunos os classificassem em ácidos, bases ou sais. Ao realizarem a separação,
foi proporcionado momentos de discussão entre todos os alunos para que cada
equipe explicitasse as características que impulsionaram o agrupamento
realizado.
O professor relatou que anteriormente ao trabalho de laboratório os alunos já
possuíam as noções necessárias para compreenderem as ligações químicas,
nomenclatura do elemento da sua função. Comentou que já havia realizado
várias intervenções utilizando a tabela periódica para o reconhecimento de
nomes e símbolos dos elementos. A parte de ligação química havia sido
trabalhada a partir do reconhecimento individual dos elementos e
posteriormente com a junção dos elementos, com bases na teoria do “octeto”,
para a formação de compostos por meio de ligações iônicas, covalentes e
metálica.
Segundo o professor, a princípio, os alunos tendiam a separar os elementos
pelos seus estados físicos, geralmente não atentando para as fórmulas. No
caso dos sais, dificilmente eles “erravam”, porque relacionados ao sal de
cozinha, “entendiam” que o sal era sólido, entretanto ficavam em dúvidas com
relação a sua coloração, já que muitos sais possuem cores diversas.
Aproveitando as dúvidas em relação à coloração dos sais, o professor pediu
aos alunos que consultassem a tabela periódica. Os alunos disseram que seria
impossível identificar a coloração e o estado físico dos elementos pelos dados
fornecidos na tabela, pois ela não fornece informações sobre os compostos,
apenas sobre cada elemento químico. Uma sugestão de alguns alunos foi
separar os elementos em sólidos e líquidos, porém outro grupo contestou
dizendo que isso é possível para os sais, mas não para as bases, que são
encontradas tanto no estado líquido como sólido, e para os ácidos, que são
líquidos e poderiam ser confundidos com bases.
Diante das dúvidas dos alunos, o professor propôs que consultassem a fórmula
de cada composto. Por meio da análise dirigida pelo professor, procuravam
descobrir qual elemento poderia identificar a função dos elementos para que
sua classificação pudesse ser realizada com êxito.
Ao trabalhar com a tabela, os alunos observaram que o frasco continha a
fórmula indicativa e por meio do elemento indicador na fórmula seria possível
classificar os compostos em ácido, base ou sal. Os alunos observaram que a
fórmula é necessária não só para o reconhecimento do elemento, mas para a
identificação dos compostos.
No laboratório foram propostas atividades, para que verificassem a
condutividade dos elementos, nas quais os alunos podiam testar suas
hipóteses sobre a condução elétrica, eletrólitos, soluções, forças de ácidos e
bases, dissociação e solubilidade de sais.
Não serão descritas as experiências pelas limitações próprias de um artigo,
entretanto serão descritas as intervenções programadas pelo professor. Para a
compreensão de que os conteúdos são os conhecimentos acumulados pelas
gerações e produto da suas necessidades históricas e culturais, o professor foi
trazendo elementos para a compreensão, por exemplo, que o primeiro gerador
contínuo de eletricidade foi a pilha, desenvolvida em 1800, e que antes desse
fato a única eletricidade disponível era a estática e os condicionantes que
possibilitaram essa descoberta. Outros conhecimentos presentes, na física
também foram relembrados como o fato de que a corrente elétrica é um
movimento ordenado de cargas elétricas, geradores como as pilhas e outros
são capazes de induzir a formação de uma corrente elétrica em um circuito, por
exemplo, através de condutores e de uma lâmpada.
Concomitantemente às intervenções, o professor possibilitou que os alunos
testassem os vários materiais: metais, madeira, grafite, etc. para verificarem
em que casos há condução de corrente elétrica. Nesse momento, o professor
problematizou no sentido de os alunos explicarem como ocorre a condução de
corrente elétrica em metais e no grafite, por exemplo, e isso poderia ser feito
oralmente ou através desenhos. Durante a aula, os alunos também
levantavam hipóteses, explicando porque alguns materiais não conduzem
corrente e se há diferenças entre esses materiais e o metais.
Para as experiências com soluções aquosas, os alunos puderam experimentar
a condutividade dos elementos utilizando as seguintes soluções: água pura,
água com uma pequena quantidade de álcool e água com adição de uma
pequena quantidade de hidróxido e de bicarbonato de sódio. À medida que os
alunos explicavam porque determinado elemento era condutor ou não de
energia, com suas próprias palavras, o professor trazia explicações ampliando
os conceitos próprios da química.
Para a avaliação do conteúdo trabalhado a professora elaborou questões
objetivas como essas a seguir:
- No processo de produção de sal refinado, a lavagem do sal marinho provoca a perda do iodo natural, sendo necessário, depois, acrescentá-lo na forma de iodeto de potássio . Outra perda significativa é a de íons magnésio, presentes no sal marinho na forma de cloreto de magnésio e sulfato de magnésio . Durante este processo são também adicionados alvejantes, como o carbonato de sódio . As fórmulas representativas das substâncias destacadas no texto anterior são respectivamente:
a) KI, MgCl, MgSO4 e NaCO3.
b) K2I, MgCl2, Mg2SO4 e Na2CO3.
c) K2I, Mg2Cl, MgSO4 e Na(CO3)2.
d) KI, MgCl2, MgSO4 e Na2CO3.
e) KI2, Mg2Cl, Mg(SO4)2 e Na3CO3
- Todas as substâncias azedas estimulam a secreção salivar, mesmo sem serem ingeridas. Esse é o principal motivo de se utilizar vinagre ou limão na preparação de saladas, pois o aumento da secreção salivar facilita a ingestão. No vinagre e no limão aparecem substâncias pertencentes à função:
a) Base ou hidróxido. b) Sal. d) Ácido.
- O salitre do Chile, NaNO3, utilizado como fertilizante pertence à função:
a) Sal. b) Ácido c) Base.
(modelos de exercícios para avaliação em química, no 1ª Série do Ensino Médio)
Embora tratam-se de questões cujas repostas são objetivas, os exercícios
apresentados como exemplos na avaliação em química exigem que os alunos
identifiquem substâncias. Isso possibilita perceber se eles, de fato,
apreenderam o conceito de sais além das fórmulas representativas dos
compostos.
Ao preparar as atividades de ensino a serem apresentadas aos alunos no
laboratório, o professor pensou em intervenções pedagógicas com o objetivo
de colocar os alunos diante de uma situação-problema que levassem os alunos
à reflexão envolvendo conceitos. No processo de avaliação descrito acima, o
professor buscou relacionar as atividades propostas e o processo de
aprendizagem dos alunos.
Ao programar as situações de ensino e, consequentemente, de aprendizagem
o professor descreveu que as relações mecânicas estabelecidas pelos alunos,
geralmente baseadas na memorização, em relação aos símbolos ou fórmulas
químicas puderam ser discutidas, gerando a necessidade de entenderem os
significados das informações contidas em cada elemento e explicitadas na
tabela periódica, atividades proporcionadas antes da aula prática no
laboratório.
Ao explicitar sobre o conteúdo, o professor atentou para o detalhe de que os
signos químicos são representações dos elementos presentes na natureza com
o objetivo de possibilitar a compreensão de que esses elementos podem ser
representados, embora alguns nem possam ser vistos.
O professor disse que as leituras e discussões propostas no grupo de estudos
sobre a teoria histórico-cultural possibilitaram o entendimento de que a
capacidade de representação eleva a capacidade do pensamento e cria a
possibilidade de novas conexões, além de ser necessário relacionar o que
deve ser apreendido com aquilo que o aluno já sabe. A esse respeito Petroviski
(1985) explicita:
O desconhecido (a incógnita) não é uma espécie de ‘vazio absoluto’ com o qual é impossível operar. De certa maneira está sempre relacionado com o conhecido, com o dado. Em qualquer problema, como já se demonstrou, sempre há algo conhecido (condições e exigências iniciais, pergunta do problema). Partindo das conexões e relações existentes entre o conhecido e o desconhecido é possível procurar e encontrar algo novo, antes oculto, desconhecido. Por exemplo, para a determinação das propriedades desconhecidas de um
elemento químico dado há que se proceder de modo que entre em interação, em interconexão mesmo que seja com certos reagentes químicos já conhecidos. Precisamente nestas inter-relações se revelará se fará reconhecer suas verdadeiras propriedades, qualidades, etc., que lhes são inerentes nas relações com outros objetos, coisas processos, etc. (PETROVISKI 1985, p. 310-311).5
A descrição da experiência do professor de química, certamente, pode ser
idêntica a de muitas outras aulas de química, entretanto o que se quer enfatizar
é a intencionalidade da ação. Vygotsky (2001) salienta que a aprendizagem
está sempre adiante do desenvolvimento. Portanto, os professores devem
estar atentos à qualidade da aprendizagem que proporcionam aos seus alunos
por meio dos conteúdos que selecionam.
A relação entre ensino, aprendizagem e desenvolvimento é explicitada por Palangana, Galuch e Sforni:
Para que o saber escolar e, junto com ele, as capacidades possam ser apreendidos pelo aluno e reconstruídos internamente, em pensamento, é preciso que, antes, estejam claros e devidamente articulados na relação entre professor, conhecimento e aluno. Em função de ser, ainda, bastante presente a concepção de que o desenvolvimento precede a aprendizagem, o ensino, na maioria das escolas, não é organizado com a intenção de promover o desenvolvimento cognitivo dos alunos, note-se que as funções psico-intelectuais, para se tornarem propriedades individuais, elaboram-se, necessariamente, primeiro no plano externo, das interações. Não se trata de uma construção isolada do sujeito, ao contrário, ela é sócio-individual (PALANGANA, GALUCH e SFORNI, 2002, p.116).
Ao se discutir as intervenções programadas pela professora, o grupo comentou
reconhecer o que havia sido discutido sobre a função da escola em possibilitar
a apropriação de conceitos sistematizados que são a base para a
compreensão de mundo.
Considerações finais
Discutir a avaliação da aprendizagem norteada pelos pressupostos da teoria
histórico-cultural, envolvendo um grupo experiente nas suas práticas
pedagógicas e bastante heterogêneo nas áreas de atuação na educação
básica, possibilitou-nos a apreensão de alguns pontos da própria teoria
incidindo sobre o grupo. Um dos pontos foi a observação dos novos conceitos
apresentados ao grupo acerca da avaliação da aprendizagem que
corroboraram para que a estrutura conceitual sobre o tema, já existente em
cada um dos participantes, se tornasse mais complexa. Oliveira (1992)
esclarece:
A partir de sua experiência com o mundo objetivo e do contato com as formas culturalmente determinadas de ordenação e designação das categorias da experiência, o indivíduo vai então construindo sua estrutura conceitual, seu universo de significados. [...] o indivíduo está sempre adquirindo novos conceitos, incorporando novas nuanças de significado a eles e reordenando as relações entre os conceitos disponíveis. A cada momento da vida do indivíduo ele disporá, então, de uma certa estrutura conceitual, a qual é uma espécie de rede de conceitos interligados por relações de semelhança, contigüidade, subordinação. Essa rede de conceitos representa, ao mesmo tempo, o conhecimento que ele acumulou sobre as coisas e o filtro através do qual ele é capaz de interpretar os fatos, eventos e situações com que se depara no mundo objetivo (OLIVEIRA, 1992, p. 48).
A prática pedagógica desenvolvida pelos participantes do grupo de estudos
pôde ser confrontada com as teorias apresentadas, gerando nos professores
uma nova estrutura conceitual sobre o processo de avaliação. Os novos
conceitos apresentados, incorporados aos conceitos já existentes, formaram a
base para novas práticas.
Temos consciência de que nem todos os participantes transformaram ou
transformarão suas práticas pedagógicas. Entretanto, acredita-se no exposto
por Palangana e Galuch (2007):
[...] discutir a avaliação na atual conjuntura pressupõe compreender e, a partir daí, não perder de vista, a concepção de formação com base no qual os processos de ensino e aprendizagem são organizados e levados a efeito em sala de aula. Trata-se de um desafio que inclui, mas extrapola, os aspectos formais da avaliação, como o tipo de prova, a quantidade de atividades avaliativas no decorrer do ano, como e quando realizá-las, dentre outros (PALANGANA e GALUCH, 2007, p. 02).
Desse modo, para além dos aspectos formais, considerou-se que as
discussões com bases em teorias que explicitam os fundamentos psicológicos
dos processos de ensino e aprendizagem possibilitaram ao professor uma
análise de sua prática, permitindo conscientizar-se dela.
A partir dessa base teórica tentou-se imprimir intencionalidade ao ato
pedagógico, ao ato de ensinar que deve estar permeado por conhecimentos
que apontem os rumos para a aprendizagem dos alunos. A possibilidade de
reflexão sobre o fazer pedagógico e as trocas com seus pares permitiram
experiências de que o saber é algo provisório e que quem ensina precisa
aprender sempre.
Notas:
1 Professora da Rede Pública Estadual do Paraná. Atua como professora do Curso de Formação de Docentes, em Nível Médio, do Colégio Estadual Anchieta de Cruzeiro do Oeste-PR. Participante do Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE/PR (2008-2009), da área de Pedagogia, do Núcleo Regional de Umuarama 2 No decorrer deste texto, utilizaremos a grafia “Vygotsky”. No entanto, nas citações e referências, manteremos a grafia original. 3 Sólo el lenguaje hace posible la abstracción de propiedades del objeto de conocimiento y el que se pueda fijar la representación, el concepto del mismo en una palabra especial. La idea adquiere en la palabra la envoltura material necesaria, en la que ella se convierte en realidad directa para las demás personas y para nosotros mismos. El pensamiento humano – sea cual fuere la forma en que se realice – es
4 En el proceso de pensamiento, el objeto entra en nu evas conexiones e gracias a esto pone al descubierto nuevas propiedades y cualidades que se fijan en nuevos conceptos, de esta manera se extrae el nuevo contenido, el obj eto cada vez se nos muestra desde un ángulo diferente, descubriéndose en el nuevas pr opiedades. […] En la medida que el ser humano descubre el sistema de conexiones y relaciones en que se encuentra el objeto analizado, es que empieza a notar, descubrir y analizar nuevas características de este objeto, aún desconocidas.
5 Lo desconocida (la incógnita) no es una especie de “vacío absoluto” con el que es imposible operar. De otra manera está siempre relacionado con lo conocido, con lo dado. En cualquier problema, como ya se señalara, siempre hay algo conocido (condiciones y exigencias iniciales, pregunta del problema). Partiendo de las conexiones y relaciones existentes entre lo conocido y lo desconocido se hace posible buscar y encontrar algo nuevo, antes oculto, desconocido. Por ejemplo, para la determinación de las propiedades desconocidas de un elemento químico dado hay que proceder de manera que entre en interacción, en interconexión aunque sea con ciertos reactivos químicos ya conocidos. Precisamente en estas interrelaciones revelará, hará reconocibles sus verdaderas propiedades, cualidades, etc., que le son inherentes en las interrelaciones con otros objetos, cosas, procesos, etc.
REFERÊNCIAS
GALUCH, Maria Terezinha B.; SFORNI, Marta Sueli de F. Aprendizagem conceitual e apropriação da linguagem escrita: contribuições da teoria histórico-cultural. Estudos em Avaliação Educacional. São Paulo, v. 20, n. 42, p. 111-124, jan./abr. 2009 LEONTIEV, A.N. O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa: Livros Horizonte, 1978.
OLIVEIRA, Marta Kohl de. Algumas contribuições da psicologia cognitiva. Série Idéias n. 6. Páginas: 47 a 51 São Paulo: FDE, 1992. OLIVEIRA, Marta Kohl de. Escolarização e desenvolvimento do pensamento: a contribuição da Psicologia Histórico-Cultural. Revista Diálogo Educacional . Curitiba, v. 4, n.10, p.23-34, set./dez. 2003 OLIVEIRA, Marta Kohl de. Vygotsky: Aprendizado e Desenvolvimento: um processo Sócio-Histórico. São Paulo: Scipione, 2005. PALANGANA, I. C. ; GALUCH, Maria Terezinda Bellanda . Avaliação dos processos de ensino e de aprendizagem: um desafio que persiste. Revista UNIFAMMA , v. 6, p. 30-36, 2007. ___________ Isilda Campaner, GALUCH, Maria Terezinha Bellanda e SFORNI, Marta Sueli de Faria. Acerca da relação entre ensino, aprendizagem e desenvolvimento. Revista Portuguesa de Educação . Universidade do Minho. Braga:Portugal, 2002. p. 111-128. PARO, Vitor Henrique. Ciclos, progressão continuada, promoção automática. In: PARO, Vitor Henrique. Reprovação escolar: renúncia à educação. São Paulo: Xamã, 2001. p. 33- 56. PETROVISKI A. O pensamiento . Psicologia Geral. Manual didático para os Institutos de Pedagogia.. Traduzido para o espanhol pela Editorial Progresso, 1980. 2 ed. Ed. Progresso: Moscou 1985. p. 292-318.
ROMÃO, José Eustáquio. Avaliação dialógica: desafios e perspectivas. 7.ed. São Paulo: Cortez, 2008. SCHROEDER, Edson. Conceitos espontâneos e conceitos científicos : o processo da construção conceitual em Vygotsky. Atos de pesquisa em Educação. PPGE/ME FURB. v. 2, nº 2, p. 293-318, maio/ago. 2007. SFORNI, M. S. F. ; GALUCH, Maria Terezinha Bellanda . Conteúdos Escolares e Desenvolvimento Humano: Qual a unidade?. Comunicações (Piracicaba), v. ano 13, p. 150-158, 2006.
SFORNI, Marta Sueli de Faria. Aprendizagem conceitual e organização do ensino: contribuições da teoria da atividade. Araraquara: JM Editora, 2004.
TENORIO, Vera Lucia Marques de Mendonça. Apropriação de conceitos ou memorização de palavras? Reflexões sobre avaliação da aprendizagem. Curitiba: SEED, 2008.
VIGOTSKI, L.S. Estudo do desenvolvimento dos conceitos científicos na infância. Experiência de construção de uma hipótese de trabalho . In: VIGOTSKI, L.S. A Construção do Pensamento e da Linguagem .1ª ed. Tradução: Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p.241-394.
YOUNG, Michael. Para que servem as escolas ? Educação e Sociedade, set./dez. 2007, vol.28, no.101, p.1287-1302. ISSN 0101-7330