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Almerindo Janela Afonso «Vivemos num país onde o Estado avalia as escolas, os professores e os alunos, mas onde nem o Estado nem as políticas públicas são suficientemente avaliados.» Luís Souta POLITÉCNICO À BOLONHESA Luís Mesquita EDUCAÇÃO DE SEGUNDA OPORTUNIDADE Raquel Goulart Barreto, Felisbela Lopes e Manuel Pinto COMUNICAÇÃO e ESCOLA | Roger Dale e Susan Robertson RECONFI- GURAÇÕES | Rui Canário IMPASSES e DESAFIOS | Ángel Santos Guerra EDUCAÇÃO e CIDADANIA | José António Caride Gómez, Isabel Baptista e Xavier Úcar PEDAGOGIA SOCIAL | Manuel António Silva LUGARES DA EDUCAÇÃO | Júlio Conrado e Filipe Reis TEXTOS BISSEXTOS | Domingos Fernandes, Jaime Carvalho e Silva e Arsélio de Almeida Martins DO SECUN- DÁRIO e Ricardo Vieira | David Rodrigues | Rafael Tormenta | Paulo Sgarbi | Carlos Cardoso | Manuel Matos | Ivonaldo Leite Avaliação na Europa Mais ênfase na avaliação global do sistema e menos na avaliação individual dos professores. Santana Castilho Responsáveis do Ministério da Educação são “tecnocratas” e “manipuladores de estatísticas” Este modelo de avaliação é um produto da ignorância. Série II | nº 185 | VERÃO 2009 | www.apagina.pt | 4e

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Almerindo Janela Afonso«Vivemos num país onde o Estado avalia as escolas, os professores e os alunos, mas onde nem o Estado nem as políticas públicas são suficientemente avaliados.»

Luís SoutaPOLITÉCNICO À BOLONHESA

Luís MesquitaEDUCAÇÃO DE SEGUNDA OPORTUNIDADE

Raquel Goulart Barreto, Felisbela Lopes e Manuel Pinto COMUNICAÇÃO e ESCOLA | Roger Dale e Susan Robertson RECONFI-

GURAÇÕES | Rui Canár io IMPASSES e DESAFIOS | Ángel Santos Guerra EDUCAÇÃO e CIDADANIA | José António Car ide

Gómez, Isabel Baptista e Xavier Úcar PEDAGOGIA SOCIAL | Manuel António Si lva LUGARES DA EDUCAÇÃO | Júl io Conrado

e Fi l ipe Reis TEXTOS BISSEXTOS | Domingos Fernandes, Jaime Carvalho e Si lva e Arsél io de Almeida Mart ins DO SECUN-

DÁRIO e Ricardo Viei ra | David Rodrigues | Rafael Tormenta | Paulo Sgarbi | Car los Cardoso | Manuel Matos | Ivonaldo Lei te

Avaliação na EuropaMais ênfase na avaliação global do sistema

e menos na avaliação individual dos professores.

Santana CastilhoResponsáveis do Ministério da Educação

são “tecnocratas” e “manipuladores de estatísticas” Este modelo de avaliação é um produto da ignorância.S

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DIRECTOR E EDITOR: José Paulo Serralheiro| REDACÇÃO: Ricardo Jorge Costa | SECRE-TARIADO DA REDACÇÃO E ADMI -NISTRAÇÃO: Sílvia Enes e Lúcia Manadelo |FOTOGRAFIA: Teresa Couto, Inês Andrade,Teresa Lamas Viana (ilustração) | PRODUÇÃOGRÁFICA: MULTIPONTO Rafael, Valente &Mota, S.A.| EMBALAGEM: Notícias Direct,Maia. | Registo ERC n.º 116075 | Depósito legaln.º 51935/91EDIÇÃO IMPRESSA: Trimestral especializada.Publica-se no 1.º dia de cada estação do ano.EDIÇÃO DIGITAL: Diária: http://www.apágina.pt

Preço de capa: 4 euros | Assinaturas e publici-dade: telefone 226002790, Fax 226070531, cor-reio electrónico assinaturas@apágina.pt con-tacto: Sílvia EnesTiragem deste número 25.000

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respeita, e publica, as variantes do português, dogalego e do castelhano. São traduzidos para

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EDITorial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 4

Santana Castilho em entrevista a «aPágina da educação»

Quem concebeu este modelo de avalia-ção só pode ser ignorante. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 6

COMUNICAÇÃO e escola

Chuva de verão?Importa pensar a abundância dos artefactos tec-nológicos nas cenas da educação actual.

Raquel Goulart Barreto . . . . . . . . . . . . . pág. 12

Pensar e falar bemA escola, na sua globalidade, não desenvolve des-trezas ao nível do discurso oral.

Felisbela Lopes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 14

Que preocupações revelam os canais de TVrelativamente às crianças?

Os canais tendem a programar o grosso dosconteúdos direccionados aos mais novos emhorários em que eles estão maioritariamentefora de casa.

Manuel Pinto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 16

RECONfigurações

Um novo contrato social para a educação?Identificar uma nova problemática para a edu-cação para as próximas décadas e formas de aconsiderar e abordar é um desafio extrema-mente complexo.

Roger Dale . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 18

A CORRIDA ACADÉMICA AO ARMA-MENTO: A Geopolítica dos Rankings na“Classificação Mundial”’ das Universidades

Os rankings conferem estatuto, e, por seu turno,o estatuto auxilia a universidade a captar fundose talentos.

Susan Robertson . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 20

IMPASSES e desafios

POLÍTICAS PÚBLICAS E «DESENVOLVI-MENTO» – O manto diáfano da hipocrisia

Até há bem pouco tempo, era-nos dito que assituações de desemprego radicavam, principal-mente, nos baixos níveis de “empregabilidade”,susceptíveis de ser eliminados por um maiorinvestimento na educação.

Rui Canário . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 22

EM foco – avaliação

Professores cada vez mais responsabili-zados pelo seu trabalho

Os modelos de avaliação dos sistemaseducativos europeus têm vindo a con-vergir para um conjunto de instrumen-tos e de práticas comuns. Coloca-sehoje mais ênfase na avaliação global dosistema e menos na avaliação individualdos professores. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 24

EDUCAÇÃO desportiva

Vossa Excelência disse uns patetas…?Correm, no orçamento regional de 2009, 35,7milhões de Euros para alimentar o monstrocriado em redor da representação regional, noquadro de um desporto ao serviço da política.

André Escórcio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 30

Uma ética para o futuroA Europa até pode ter no papel uma estratégiatoda pomposa como a de «Lisboa 2000-2010»,contudo, falta-lhe prospectiva.

Gustavo Pires . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 32

«Quando a fé move montanhas»O teólogo Padre Mário de Oliveira é uma cons-ciência vigilante, vivendo não só à maneira deEspinosa do “amor intellectualis Dei”.

Manuel Sérgio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 34

FICHA técnica sumário

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2 I 3 VERÃO 2009 I N.º185

EDUCAÇÃO e cidadania

Crisis de confianzaAtravessamos uma crise de confiança. Há umacrise económica e mil explicações dela masnenhuma clara e confiável.

Miguel Ángel Santos Guerra . . . . . . . . . . pág. 36

CULTURA e pedagogia

A língua inglesa como imperativo da globali-zação

(…) as relações entre o inglês e prazer, felicidade,êxtase, sofisticação são repetidamente reiteradasnos anúncios e propágandas, nos filmes e séries,nas músicas e revistas.

Gisvaldo Bezerra Araújo-Silva . . . . . . . . . . pág. 38

DO primário

No país de Salazar

Na bucólica paisagem, os toscos casebres abrigavamfamílias fustigadas pelo abandono de séculos,morava um povo submisso aos desígnios de Deus edos “coronéis” locais. Poderia faltar o pão, massobravam piolhos e preconceitos.José Pacheco . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 40

ALMERINDO JANELA AFONSOEM ENTREVISTA

«Vivemos num país onde o Estado avaliaas escolas, os professores e os alunos,mas onde nem o Estado nem as políticaspúblicas são suficientemente avaliados.» . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 42

PEDAGOGIA social

Educar la libertad en las cárcelesLa Pedagogía Social, no puede ni debe situarse almargen de todas as iniciativas educativas queasuman propósitos emancipatorios, aún en situa-ciones tan adversas como las que supone educara personas que están en la condición de prisio-neros.

José António Caride Gómez . . . . . . . . . . . pág. 50

Autoridade social da instituição escola ecidadania solidária

Mais importante do que tentar ser «o melhor domundo», o melhor professor, o melhor aluno, amelhor escola, é tentar ser «o melhor para omundo.

Isabel Baptista . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 52

Capital social y educaciónNumerosas investigaciones realizadas han permi-tido demostrar la correlación existente, en dife-rentes comunidades, entre un elevado capitalsocial y múltiples resultados de tipo sociopolítico.

Xavier Úcar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 54

LUGARES da educação

Uma organização «sem voz»O que importanta discutir é o modo como as esco-las, concebidas como organizações de facto e tam-bém de direito, podem participar no processo deresistência afirmando-se como locais de discussão ede concepção de políticas educativas.

Manuel António Silva . . . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 56

JOÃO CARAÇA EM ENTREVISTA“É chegado o momento de refundaçãoda Europa”. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 58

TEXTOS bissextos

Profetas & profeciasBem se esforçaram as editoras em promoveralguns nomes desconhecidos.

Júlio Conrado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 64

Elogio da bicicletaTive a minha, mesmo minha, primeira bicicletacom 8 anos. Filipe Reis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 66

EM português

A História continua...Diz o adágio que mais vale prevenir que reme-diar. Ora, há muito tempo que os portuguesesnão seguem este adágio.

Leonel Cosme . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 68

CINema

Eastwood, Obama & C.ª Clint Eastwood está de volta, atrás e emfrente à câmara.

Paulo Teixeira de Sousa . . . . . . . . . . . . . . . pág. 70

QUOTIdiano

O exotismo“Exótico (adjectivo), do Latim exoticu, vem aindado Grego, exotikós, significando estrangeiro.

Carlos Mota . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 72

DA CIÊNCIA e da vida

Viagem superficial ao interior da Terra

A crusta terrestre é já examinada e exploradaeconomicamente em boa parte da sua extensãoe espessura.Rui Namorado Rosa . . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 74

DIZeres

A inauguraçãoO Sr. Primeiro-ministro chegou. A DirecçãoRegional também. Com toda a comitiva habitual,e um enorme cortejo de comunicação social.

Angelina Carvalho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 76

Luís Souta face a face: POLI -TÉCNICO À BOLONHESA

«É fundamental incentivar a mobilidadede professores entre instituições, não sóa nível nacional como europeu e interna-cional» . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 78

DO secundário

A importância das escolasAprender e ensinar constituem dois processosque deverão estar no cerne do trabalho que sedesenvolve em qualquer escola.

Domingos Fernandes . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 84

Sobre a transição de ciclo de estudosComo lidar com a transição entre o EnsinoBásico e o Ensino Secundário?

Jaime Carvalho e Silva . . . . . . . . . . . . . . pág. 86

Os professoresQuem são os professores? O que fazem os pro-fessores que os distingue dos outros profissionais?

Arsélio de Almeida Martins . . . . . . . . . . . pág. 88

OBSERvatório

“Trabalhos de Casa” uma questão na ordemdo dia

As crianças, no seu papel de alunos, não se ques-tionam e aceitam as regras de um jogo que nãofoi com elas negociado.

Maria José Araújo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 90

A diferença entre republicanos e democra-tas está na velocidade com que ambos seajoelham ante o altar do mercado

Hoje, o debate político nos Estados Unidos, dealguma forma profundamente refém do mains-tream media, continua na cerca construída entre‘republicanos e democratas’.

João Paraskeva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 92

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[TRANS]formações

Entre idades e mundos culturaisCada criança constrói, reconstrói, a seu modo, nojogo, na aprendizagem, na interacção, uma novadimensão: um terceiro.

Ricardo Vieira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 94

EDUCAÇÃO DE SEGUNDAOPOR TUNIDADE

Luís Mesquita, no ponto de encontro, dizque são precisas mais escolas de segundaoportunidade em relação à escolaridadeformal. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 96

COISAS do tempo

Pais preocupados, escola a tempo inteiroe… novas oportunidades

Muitas das crianças e jovens que hoje integram oSistema Escolar são, literalmente, filhos do insu-cesso e do abandono.

Joaquim Marques e Rui Pedro Silva . . . . pág. 100

Livros AndarilhosLer conquista-se.

Betina Astride . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 102

A ESCOLA que [a]prende

Dobrar os joelhosNas diversas culturas são vários os gestos quenos fazem diminuir perante alguém: rojar-se nochão, dobrar o corpo, fazer uma vénia, pôr-se dejoelhos… já a postura oposta mostra sinais dearrogância.

David Rodrigues . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 104

ENTRELINHAS e rabiscos

O ensino das artes é um problema com trêspês

É preciso que a Educação seja encarada de formatransdisciplinar, de forma inclusiva e com meto-dologias eficazes a desenvolver.

José Rafael Tormenta . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 106

LINGUAGENS desenhadas

Diferentes tempos e mesmos carinhosSerá que as escolas de tempos idos podem serqualificadas como melhores que as de hoje? Oque as fariam melhores?

Paulo Sgarbi . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 108

Ao telefone, Benedita Portugal eMelo fala-nos de um seu estudo noqual analisa as percepções dos professo-res do ensino secundário sobre rankingsde escolas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 110

FORMAÇÃO e desempenho

INVESTIGAÇÃO E PRÁTICA: Uma concilia-ção necessária na formação de professores

A recente exigência do grau de mestre – paraalém de uma licenciatura em educação - para adocência, só pode tornar-se oportuna e útil se acomponente de investigação for genuinamenteincorporada no 2.º ciclo de formação (mes-trado).

Carlos Cardoso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 114

FORMAÇÃO e trabalho

Bolonha: pessimismo ou realismo?O que está por detrás de Bolonha são os proble-mas dos salários europeus muito elevados, agra-vados pelo que resta do sistema do Estado//Providência.

Manuel Matos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 116

DISCURSO directo

As escolas mudaram… em que direcção?Ninguém recusa a necessidade de promovermudanças substanciais no quotidiano das nossasescolas. Algumas mudanças podem ser dolorosas.

Ariana Cosme e Rui Trindade . . . . . . . . . pág. 120

AFINAL onde está a escola?

Saber ler pode mudar destinos?No filme Entre os muros da escola, os alunos tam-pouco se intimidam diante do poder legitimado.Dessacralizando a estrutura escolar, eles denun-ciam incoerências éticas e ridicularizam práticaspedagógicas desconectas da vida.

Edwiges Zaccur . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 122

OLHARES de fora

AGENDA AMBIENTAL: Educação e saúdeem perspectiva

Ao realçar os escopos de uma ecologia do meioambiente, das relações sociais e da subjectividadehumana, Guattari apreende a questão comototalidade e nomeia como ecosofia a relaçãoentre estas três ecologiasIvonaldo Leite . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 124

SAÚDE escolar

O jogo comer devagar: uma proposta lúdicaJogos e actividades em grupo podem contribuirpara estimular estilos de vida saudáveis.

Rui Tinoco . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 126

ERA digital

Da sociabilidade virtual à aprendizagemHaverá alguma diferença entre as comunidadesreais e as comunidades virtuais?

Adelina Silva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 128

REPÚBLICA dos leitores

Os paradoxos da política educativaElsa Cerqueira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .pág. 128

Esta avaliação dos professoresRosa Soares Nunes . . . . . . . . . . . . . . . . . .pág. 130

O papel do educador social nos centros novasoportunidades

Sofia Veiga e Adelina Correia . . . . . . . . .pág. 130

Sapiência inauditaPedro Marinho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .pág. 131

Vozes do donoAurélio Lopes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .pág. 132

Exigencias educativas para unos serviciossociales de calidad

Laura Varela Crespo . . . . . . . . . . . . . . . .pág. 133

Alienígenas da sala de aula?Maria Aparecida Padilha Ribeiro . . . . . .pág. 134

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4 I 5 VERÃO 2009 I N.º185

COLABORADORES PERMANENTES

RUBRIcasAdalberto Dias de Carvalho – Universidade do Porto.

Faculdade de LetrasAdelina Silva – Centro de Estudos das Migrações e das Relações

Interculturais (CEMRI), Laboratório de Antro pologia Visual,Universidade Aberta

Almerindo Janela Afonso – Universidade do Minho. Instituto deEducação e Psicologia. Departamento Sociologia da Educaçãoe Administração Educacional

Américo Nunes Peres – Universidade de Trás-os-Montes e AltoDouro, UTAD. Departamento de Educação e Psicologia. Chaves

Ana Efe – Artista plástica, PortoAndré Escórcio – Escola B+S Gonçalves Zarco, Funchal,

MadeiraAngelina Carvalho – Faculdade de Psicologia e de Ciências da

Educação da Universidade do Porto. Colaboradora do Centrode Investigação e Intervenção Educativa, CIIE

António Magalhães – Universidade do Porto. Faculdade dePsicologia e de Ciências da Educação

António Mendes Lopes – Instituto Politécnico de Setúbal. EscolaSuperior de Educação de Setúbal, ESESetúbal

António Teodoro – Universidade Lusófona de Humanidades eTecnologias, Lisboa. Instituto de Ciências da Educação

Ariana Cosme – Universidade do Porto. Faculdade de Psicologiae de Ciências da Educação, FPCEUP

Arsélio de Almeida Martins – Escola Secundária de JoséEstêvão, Aveiro

Betina Astride – Escola EB 1 de Ciborro Carlos Cardoso – Instituto Politécnico de Lisboa. Escola Superior

de Educação de Lisboa, ESELisboaCarlos Mota – Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro,

UTAD. Departamento de Educação e Psicologia. Vila RealCasimiro Pinto – Centro de Estudos das Migrações e das

Relações Interculturais (CEMRI), Laboratório de Antro pologiaVisual, Universidade Aberta

David Rodrigues – Universidade Técnica de Lisboa. Coordenadordo Fórum de Estudos de Educação Inclusiva, FEEI(www.fmh.utl.pt/feei)

Débora Cláudio – Nutricionista da Direcção dos Serviços deSaúde Área de Nutrição. Porto

Domingos Fernandes – Universidade de Lisboa. Faculdade dePsicologia e de Ciências da Educação

Fátima Antunes – Universidade do Minho. Instituto de Educaçãoe Psicologia. Departamento de Sociologia da Educação eAdministração Educacional

Felisbela Lopes – Universidade do Minho. Instituto de CiênciasSociais. Departamento de Ciências da Comunicação

Fernanda Rodrigues – Universidade Católica Portuguesa, PortoFernando Faria Paulino – Centro de Estudos das Migrações e

das Relações Interculturais (CEMRI), Laboratório deAntropologia Visual, Universidade Aberta

Fernando Santos – Escola Secundária de Valongo, PortoFilipe Reis – Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da

Empresa, ISCTE. Departamento de Antropologia. Lisboa Francisco Marano – Itália. Associados à rede do Laboratório de

Antropologia Visual, Universidade AbertaFrancisco Silva – Portugal Telecom, LisboaGabriela Cruz – Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro.

Departamento de Educação e Psicologia. Vila Real Gustavo E. Fischman – Arizona State University, EUA. Mary Lou

Fulton College of Education Gustavo Pires – Universidade Técnica de Lisboa. Faculdade de

Motricidade HumanaHenrique Vaz – Universidade do Porto. Faculdade de Psicologia e

de Ciências da EducaçãoIsabel Baptista – Universidade Católica Portuguesa, Porto.

Faculdade de Educação e PsicologiaIsabel Menezes – Universidade do Porto. Faculdade de Psicologia

e de Ciências da EducaçãoIvonaldo Leite – Universidade Federal de Pernambuco (UFPE),

Brasil. Jaime Carvalho da Silva – Universidade de Coimbra. Faculdade

de Ciências

João Barroso – Universidade de Lisboa. Faculdade de Psicologiae de Ciências da Educação

João Menelau Paraskeva – Universidade do Minho. Instituto deEducação e Psicologia. Departamento de Currículo eTecnologia Educativa

João Teixeira Lopes – Universidade do Porto. Faculdade de LetrasJoaquim Marques – Instituto das Comunidades Educativas, ICEJorge Humberto, mestre em educação especialJosé António Caride Gomez – Universidade de Santiago de

Compostela, Galiza, Espanha. Faculdade de Ciências daEducação

José Catarino – Instituto Politécnico de Setúbal. Escola Superiorde Educação de Setúbal, ESESetúbal

José Maria dos Santos Trindade – Instituto Politécnico de Leiria.Escola Superior de Educação, ESELeiria

José Miguel Lopes – Universidade do Leste de Minas Gerais,Brasil

José Pacheco – Escola da Ponte, Vila das Aves José Rafael – Escola Secundária de Oliveira do Douro José Silva Ribeiro – Centro de Estudos das Migrações e das

Relações Interculturais (CEMRI), Laboratório de AntropologiaVisual, Universidade Aberta

Júlio Conrado – Escritor. Fundação D. Luís. CascaisJúlio Roldão – Jornalista. PortoJurjo Torres Santomé – Universidade da Corunha, Galiza,

Espanha. Departamento de Pedagogia e DidácticaLeonel Cosme – escritor e investigador. PortoLicínio C. Lima – Universidade do Minho. Instituto de Educação

e Psicologia. Departamento Sociologia da Educação eAdministração Educacional

Luís Souta – Instituto Politécnico de Setúbal. Escola Superior deEducação de Setúbal, ESESetúbal

Manuel António Ferreira da Silva – Universidade do Minho.Instituto de Educação e Psicologia. Departamento Sociologiada Educação e Administração Educacional

Manuel Matos – Universidade do Porto. Faculdade de Psicologiae de Ciências da Educação

Manuel Pinto – Universidade do Minho. Instituto de CiênciasSociais. Departamento de Ciências da Comunicação

Manuel Sérgio – Universidade Técnica de Lisboa. Faculdade deMotricidade Humana. Professor Jubilado

Margarida Gama Carvalho – Faculdade de Medicina de Lisboa.Instituto de Medicina Molecular

Maria Antónia Lopes – Universidade Eduardo Mondlane,Moçambique

Maria Fátima Nunes – Centro de Estudos das Migrações e dasRelações Interculturais (CEMRI), Laboratório de AntropologiaVisual, Universidade Aberta

Maria Paula Justiça – Centro de Estudos das Migrações e dasRelações Interculturais (CEMRI), Laboratório de AntropologiaVisual, Universidade Aberta

Mário Novelli – Universidade de Amesterdão, Holanda Marisa Vorraber Costa – Universidade Federal do Rio Grande

do Sul e Universidade Luterana do Brasil, Porto Alegre, BrasilMiguel Ángel Santos Guerra – Universidade de Málaga,

Espanha. Departamento de Didáctica e Organização EscolarNilda Alves – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, UERJ,

Brasil. Coordenadora do Laboratório Educação e Imagem:questão de cidadania

Nuno Pereira de Sousa – Médico de saúde pública. Unidade deSaúde da Batalha, Porto

Otília Monteiro Fernandes, Universidade de Trás-os-Montes eAlto Douro, UTAD. Departamento de Educação e Psicologia.Chaves

Pascal Paulus – Escola Básica Amélia Vieira Luís, OuturelaPaulo Raposo – Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da

Empresa, ISCTE. Departamento de Antropologia. LisboaPaulo Sgarbi – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, UERJ,

Brasil Paulo Teixeira de Sousa – Escola Secundária Fontes Pereira de

Melo, Porto Pedro Silva – Instituto Politécnico de Leiria. Escola Superior de

Educação, ESELeiriaPetronilha Beatriz Gonçalves e Silva – Universidade de São

Carlos, Brasil

Raquel Goulart Barreto – Universidade do Estado do Rio deJaneiro, UERJ, Brasil

Regina Leite Garcia – Universidade Federal Fluminense, Rio deJaneiro, Brasil. Coordenadora do Grupo de Investigação emAlfabetização das Classes Populares, GRUPALFA

Ricardo Campos – Centro de Estudos das Migrações e dasRelações Interculturais (CEMRI), Laboratório de AntropologiaVisual, Universidade Aberta

Ricardo Vieira – Instituto Politécnico de Leiria. Escola Superior deEducação, ESELeiria

Roger Dale – Universidade de Bristol, Grã–BretanhaRui Namorado Rosa – Universidade de Évora. Departamento

de FísicaRui Pedro Silva – Centro de Investigação em Ciências Sociais da

Universidade do Minho, CICSRui Tinoco – Psicólogo clínico. Unidade de Saúde da Batalha,

PortoRui Trindade – Universidade do Porto. Faculdade de Psicologia e

de Ciências da Educação, FPCEUPSara Pereira – Universidade do Minho. Instituto de Estudos da

Criança. Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade,CECS

Sérgio Bairon – Brasil. Associado à rede do Laboratório deAntropologia Visual, Universidade Aberta

Susan Robertson – Universidade de Bristol, Grã-BretanhaSusana Faria – Instituto Politécnico de Leiria. Escola Superior de

Educação, ESELeiriaVirgínio Sá – Universidade do Minho. Instituto de Educação e

Psicologia. Departamento de Sociologia da Educação eAdministração Educacional

Visionarium – Centro de Ciência do Europarque. Espargo. SantaMaria da Feira.

Xavier Bonal – Universidade Autónoma de Barcelona, EspanhaXavier Úcar Martinez – Universidade Autónoma de Barcelona,

Espanha. Departamento de Pedagogia Sistemática e Social

ESCRITAS soltasAgostinho Santos Silva – Eng. Mecânico CTT. LisboaAna Benavente – Universidade de Lisboa. Instituto de Ciências

SociaisAntónio Branco – Universidade do Algarve António Brotas – Universidade Técnica de Lisboa. Instituto

Superior Técnico. Professor JubiladoCristina Mesquita Pires – Instituto Politécnico de Bragança.

Escola Superior de Educação, ESEBragança Jacinto Rodrigues – Universidade do Porto. Faculdade de

Arquitectura João Pedro da Ponte – Universidade de Lisboa. Faculdade de

Ciências. Departamento de EducaçãoJosé Alberto Correia – Universidade do Porto. Faculdade de

Psicologia e de Ciências da EducaçãoJosé Guimarães – Universidade Aberta. LisboaLuís Vendeirinho – Escritor. Lisboa Luísa Mesquita – Professora e Deputada, Lisboa Manuel Pereira dos Santos – Universidade Nova de Lisboa.

Faculdade de Ciências e TecnologiaManuel Reis – Professor e investigador. Guimarães Manuel Sarmento – Universidade do Minho. Instituto de Estudos

da CriançaMaria de Lurdes Dionísio – Universidade do Minho. Instituto de

Educação e PsicologiaMaria Emília Vilarinho – Universidade do Minho. Rui Canário – Universidade de Lisboa. Faculdade de Psicologia e

de Ciências da EducaçãoRui Santiago – Universidade de AveiroRui Vieira de Castro – Universidade do Minho. Instituto de

Educação e PsicologiaSerafim Ferreira – Escritor e Crítico Literário. LisboaSofia Marques da Silva – Universidade do Porto. Faculdade de

Psicologia e de Ciências da EducaçãoTelmo Caria – Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro,

UTAD – Vila Real Victor Oliveira Jorge – Universidade do Porto. Faculdade de

Letras

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Anunciamos no passado mês de Dezembro o termo da publicação do jornal mensal a Página daeducação. Apontámos então duas linhas de orientação para um segundo ciclo da editoraProfedições e de a Página da educação.

Neste segundo ciclo, manifestámos e reafirmamos agora a intenção de desenvolver um Portal naInternet, de actualização permanente. Uma actividade que tire partido de trabalhos produzidospelos nossos colaboradores, sobretudo na área da investigação, e também de iniciativa da nossaredacção. Nesta linha de trabalho queremos explorar a utilização do texto, do som e da imagem.

Uma segunda vertente do trabalho terá como objectivo publicar a edição impressa de uma revistaa sair no primeiro dia de cada uma das estações do ano. Anunciámos em Dezembro que o pri-meiro número se editaria na Primavera. Razões inesperadas relacionadas com a minha saúdefizeram com que este projecto sofresse três meses de atraso. Embora não ultrapassadas asrazões, mas mais adaptados e capazes de lidar com a realidade, vimos agora dar os primeirospassos na concretização dos objectivos que anunciamos e assumimos.

O primeiro dia de Verão, e com ele a saída do primeiro número da revista a Página da Educação,marca o inicio deste compromisso de um novo ciclo na nossa actividade. À publicação da revistaseguir-se-á a construção do Portal na Internet ainda em Julho.

O que aqui se deixa à consideração dos nossos leitores é o primeiro ensaio do que passará a sera revista sazonal-trimestral a Página da educação. Neste primeiro número não nos afastamos doscompromissos que temos há muitos anos com todos os nossos colaboradores permanentes nemcom hábitos criados pelos nossos leitores.

Este número de Verão é um pouco mais extenso do que virá a ser a revista. Foi necessário daracolhimento a muitos textos que haviam sido escritos para publicação no passado mês de Março.

Não damos ainda às noticias o espaço que lhe queremos dar. É nossa intenção promover ummaior trabalho da redacção que corresponda e responda à agenda profissional dos professores edas escolas. Neste número de Verão já nos aproximamos desse objectivo, nomeadamente ao daralgum destaque aos problemas da avaliação do básico e do secundário, ao abordar as questõesdas novas oportunidades ou do ensino superior politécnico. Com o Professor Santana Castilhodamos um olhar mais global às questões gerais das politicas educativas da actual governação. Masestamos ainda longe do trabalho de proximidade que queremos fazer com esta revista.

É costume recebermos na redacção dezenas de propostas de textos a publicar, enviados pelosnossos leitores. Essa contribuição é particularmente intensa no caso dos leitores do Brasil. Em ter-mos de linha editorial, estamos convencidos que seria melhor para todos se a parte substancialdestas propostas fosse sobre o quotidiano do trabalho dos docentes e do meio em que o exer-cem. Pensar a prática e partilhar problemas e soluções seria sem dúvida uma contribuição demuita utilidade. Por enquanto a maior parte das propostas de colaboração estão ainda muitosubordinadas a textos teóricos em muitos casos resultantes dos estudos levados a cabo pelos seusautores. Tendo a sua importância, e merecendo toda a consideração, não podemos deixar de ape-lar para que haja um número cada vez maior de leitores que, usando o seu sentido critico, parti-lhem a reflexão que vão fazendo, individualmente ou em grupo, do trabalho quotidiano. Essa éuma dimensão que faz falta à nossa revista.

Não temos os meios, nem a confiança, para encomendarmos estudos sobre o interesse desta nossapublicação. Mas estamos certos que ela será tão melhor quanto mais soubermos como é recebidapelos leitores. A orientação de uma boa publicação é sobretudo construída pelo que dela pensame exigem os seus leitores. Não fazendo nós estudos sobre o acolhimento, exigências e sugestõesdos leitores, esperamos sempre os contributos que espontaneamente eles nos queiram dar.

O que fomos capazes de fazer para este Verão está aqui disponível. Ficamos imensamente gratospor toda a critica que nos façam chegar e por todas as sugestões que nos quiserem fazer. A Páginada educação é de quem a lê, digam da vossa justiça.

José Paulo Serralheiro

O primeiro

número

da revista

está nas

vossas

mãos

façam

chegar

as vossas

criticas

editorial

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Entrevista conduzida por RICARDO JORGE COSTA

Fotografia de INÊS ANDRADE

Manuel Henriques Santana Castilho é professor coordenador da Escola Superior de Educaçãode Santarém, departamento de Educação e Currículo. Foi presidente da Comissão Instaladora daESES entre 1985 e 1993, assumindo igualmente a presidência do conselho científico entre 1987e 1992, tendo sido o primeiro professor coordenador do quadro desta instituição.Foi membro do VIII Governo Constitucional como subsecretário de Estado para os AssuntosPedagógicos no Ministério da Educação e das Universidades. É autor de diversas obras de carácter científico e didáctico e foi director da revista de políticaeducativa “Pontos nos ii”, de cuja direcção se demitiu alegando ingerência nos conteúdos editoriaispor parte da entidade promotora, a Texto Editora. Como consultor e formador,tem trabalhado para algumas das maiores empresas portuguesas, para o Banco Mundial e paraa União Europeia.É também cronista do jornal “Público”, onde, às quartas-feiras, escreve de forma polémicae num tom bastante crítico sobre o sistema educativo e os seus actuais responsáveis.No seu habitual registo cáustico, Santana Castilho denuncia nesta entrevista as incongruênciase as debilidades que, na sua opinião, marcam o sistema educativo português, critica a ministrada Educação por não ter um projecto para a escola portuguesa e acusa a actual equipa deMaria de Lurdes Rodrigues de não ter “competência técnica nem humana” para assumir a tutela.

Santana Castilho acusaresponsáveis do Ministério daEducação de serem “tecnocratas”e “manipuladores de estatísticas”

QUEM CONCEBEU ESTE MODELO (DE AVALIAÇÃO)SÓ PODE SER IGNORANTE

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ENTREvista

Inicio esta entrevista colocando-lhe uma questão muito directa:até que ponto a política educativa do actual Governo se adequaàs necessidades educativas do país?

Na minha opinião não se adequa de todo às necessidades educati-vas do país. Este Governo não tem nos seus decisores políticos pes-soas com conhecimento de causa. Em primeiro lugar, do que é umacriança, do que é um jovem, do que é um estudante universitário, edo que significa educá-los. O problema educativo começa por aí,por perceber o que é uma pessoa e quais são as suas necessidadeseducativas. Depois, não têm também a noção de quais são as neces-sidades do país e de que forma a escola deve entroncar nelas. Não sabendo praticamente nada do ponto de vista humano e nãotendo um projecto para o país, obviamente que será difícil encontrarum lugar-comum entre as necessidades da pessoa e as necessidadesdo país. E isso resulta num desastre educativo. A educação neste paísestá num autêntico buraco negro. Devo dizer que em 35 anos dedemocracia nunca vi uma situação tão calamitosa como a actual.

Será ir longe demais afirmar que a actual equipa ministerial nãotem competência para a tutela?

Não tem competência técnica nem competência humana. Sãotecnocratas que encaram a vida e as pessoas como coisas, vendi-dos a uma lógica de organização social assente na linguagem mer-cantil e na manipulação de estatísticas.

Que em grande parte poderá explicar a revolta que levou osprofessores em massa às ruas...

Não explica tudo. Os professores são uma classe heterogénea e natu-ralmente as motivações que os levaram à rua – primeiro 100 mil,depois 120 mil – serão as mais diversas. Mas eu diria que, funda-mentalmente, o que motivou a mobilização em massa da classe foio ataque mais inqualificável, a redução à expressão da total indigni-dade profissional, a atitude de desconsideração, a tentativa de ver-gar os professores não por questões que poderiam ser discutíveisdo ponto de vista das doutrinas, mas por questões que se pren-dem com a dignidade profissional e até a dignidade humana.

Na sua crónica de hoje no jornal Público (15 de Abril) refere que“a maioria dos professores aceitou hoje o que ontem havia rejei-tado”, acrescentando que aquilo que resta é “insuficiente paracontrapor ao fanatismo dos que mandam e querem reduzir otrabalho dos professores aos automatismos dos resultados”...

Sim, de facto houve um capital de luta e de união entre os profes-sores que se está a perder. Penso que isso é incontestável. Nomeio de tudo isto, a avaliação do desempenho não passa de umfait-divers, uma questão menor, tal como refiro nesse artigo. A ava-liação do desempenho não tem o valor que lhe dá quer oMinistério da Educação, quer as empresas, quer a própria socie-dade. Toda a gente se refere a ela como se fosse algo sagrado,incontestável. E não o é. A avaliação do desempenho é uma formade intervir nas relações de trabalho, com as suas vantagens einconvenientes. E quando ela é estereotipada, como é o casodeste modelo, traz muitas desvantagens.

As organizações sérias, maduras, estão hoje muito mais apostadasnaquilo que se denomina “cultura organizacional” do que propria-mente na avaliação do desempenho. E poderiam dar-se imensosexemplos dos seus efeitos perversos, de que este modelo de ava-liação dos professores está repleto. De que forma se pode mediro desempenho de um professor? É um lugar-comum dizer isto, masde que forma se pode avaliar um professor cujos alunos são oriun-dos de extractos sociais económica e socialmente desfavorecidosquando comparado com outro que tem alunos favorecidos?Depois, de que forma se vai repercutir no seu desempenho as nãoaquisições anteriores dos alunos? Como é que se pode ser respon-sabilizado quando se está perante um aluno com um percursoescolar extremamente debilitado? Como é que se pode ser res-ponsabilizado por um aluno que não quer trabalhar, que não querestar na escola? E depois manipulam-se todos estes argumentos,com discursos demagógicos.

O discurso oficial defende uma maior autonomia para as escolase para os professores. A impressão generalizada, porém, é queessa autonomia é crescentemente cerceada. Qual é a sua opinião?

Na minha opinião há um reforço da centralização – de facto –, comum discurso de autonomia em pano de fundo. Este Governo, aliás,tem tido uma postura absolutamente centralista, anunciando umamedida para fazer depois o oposto. Veja-se o caso do agrupamentode escolas de Santo Onofre, onde um conselho executivo legal-mente eleito e em funções, que por três vezes fez o que era espe-rado para encontrar alguém interessado no novo processo degestão, foi simplesmente afastado. A lei, no entanto, refere clara-mente que os conselhos executivos se devem manter em funçõesaté ao final do mandato. O Governo limitou-se, neste caso, a des-carregar a sua ira no órgão de gestão – que até é publicamentereconhecido pela sua competência e que dirige uma escola à qualforam outorgadas distinções e prémios pelo próprio poder polí-tico. O que é isto senão espezinhar a autonomia?

Que comentário faz relativamente a este novo modelo de ges-tão das escolas?

Mais uma vez, penso que é um modelo claramente centralista eque, do meu ponto de vista, irá partidarizar as escolas e colocá-lassob a tutela do Governo. O modelo de gestão democrática dasescolas tinha muitas lacunas, mas este é pior na medida em queconcentra o poder numa só pessoa. Uma das características basi-lares da democracia é a possibilidade de o poder se distribuir pordiferentes órgãos, que se equilibram e vigiam mutuamente. Todasas soluções que concentrem o poder numa só instituição, quantomais numa só pessoa, são más para a democracia.

As escolas não são empresas

De que forma viu o processo de avaliação de desempenho dosprofessores e a forma como ele foi negociado com os sindicatos?

Se há um aspecto comum a toda a produção legislativa doGoverno é o facto de ela não ter sido discutida de facto com os

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sindicatos – eu não sou sindicali-zado, nunca fui, tenho sido porvezes crítico acerca da postura dossindicatos, por isso estou à vontadepara afirmar que se há algo quenão concebo é uma democraciasem sindicatos. Fazer discursoscontra o movimento sindical e ele-ger os sindicatos como inimigospolíticos é, na minha perspectiva,incompatível com o pensamentodemocrático. Sobretudo tendo emconta que é inquestionável o papelextremamente relevante que ossindicatos tiveram na história con-temporânea da educação relativa-mente à profissão docente. Para este Governo o debate é umafigura de retórica. Não vale a penarecordar aqui episódios em quediplomas legais têm sido entreguesaos sindicatos para discussão nopróprio momento da reunião, dediscussões públicas cujas propostassão pura e simplesmente ignoradaspelo governo. Uma autêntica farsa,portanto. Seria preferível que oGoverno assumisse de facto a suatendência ditatorial e decretasse aditadura educacional durante alegislatura. Pelo menos seria maissério e não passaria um atestadode menoridade aos professores.

Fará sentido separar dois processos tão estreitamente relaciona-dos como a avaliação das escolas e a avaliação dos professores?

Não, julgo que não faz sentido. E toda a gente – desde a classe polí-tica, aos sindicatos, passando pelos professores e pela opiniãopública – fala de avaliação quando de facto discute “classificação dedesempenho”, que são duas coisas completamente distintas. Eudiria que 80 por cento do debate se centra no processo de classi-ficação, que é, digamos assim, a sua fase menos nobre. Em gestãointeressa-me avaliar. E avaliar é comparar um percurso percorridocom aquele que se delineou, e verificar porque razão eles eventual-mente não coincidiram. E quando não coincidem, identificar osmotivos, modificando o planeamento ou dando condições àquelesque estão encarregues do processo de o fazerem devidamente.

Concorda, por isso, com a ideia de que avaliar não implica neces-sariamente classificar...

Claramente. O importante na estratégia de uma organização égarantir que os seus recursos humanos e materiais consigam atingiros seus objectivos no menor espaço de tempo e com o menordis-pêndio possível. E garantindo algo de fundamental, mas que frequen-

temente fica esquecido: o contentamento de todos os implicados.A isso chama-se avaliação e pode ser feito sem nunca classificar aspessoas. Não quero com isto dizer que sou contra a classificação, masé preciso que se perceba que uma coisa é avaliar, outra é classificar.Por outro lado, é preciso ter consciência de que há determinado tipode desempenhos que podem ser difíceis de classificar. E o desempe-nho de um professor adequa-se sem dúvida a esta categoria.

A ideia que passou para a opinião pública foi de que os profes-sores não queriam ser avaliados...

A política seguida por este Governo foi de pôr o português comumcontra os professores, nomeadamente com o discurso dos privilé-gios, que ganham muito, etc. Mas os professores têm a perfeita cons-ciência de que não é fácil reduzir o seu desempenho a um número,a uma expressão. E a metodologia seguida por este modelo é abso-lutamente caótica do ponto de vista técnico. Quem concebeu estemodelo só pode ser ignorante – e estou a medir bem o que afirmo. Fala-se muito de empresas públicas e de empresas privadas, deempresas e de escolas. Ora uma escola não é uma empresa nempode ser encarada como tal. Mas mesmo uma empresa com umfuncionamento eficaz (e sei do que estou a falar porque tenho

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trabalhado em avaliação no contexto empresarial) jamais adopta-ria este modelo, porque se o fizesse corria o risco de aviltar e des-motivar os seus recursos humanos.

Já se referiu à necessidade de a educação e a escola estaremimbuídas de um carácter humano. As actividades complementa-res postas em prática nas escolas são muitas vezes criticadas pelofacto de terem um carácter concentracionário, uniformizador eescolarizado. Concorda com esta crítica ou tal proposta podeser encarada como realmente válida?

Não, na medida em que é uma proposta de gente que não sabe quea escola, antes de mais, deve saber cuidar da pessoa na perspectivahumana. E hoje em dia as crianças do ensino básico passam maistempo numa escola do que os operários numa fábrica. Devíamo-nosinterrogar seriamente sobre a sociedade que estamos a criar, ondese pede aos pais que entreguem os filhos ao Estado quase 40 horaspor semana. E agora querem manter as escolas abertas 12 horas pordia... Essa gente tem filhos? Sabe qual é a necessidade de umacriança? Tem alguma noção do que é uma sociedade organizada emtermos humanos? Isto não é discurso balofo. É que as pessoas sãopessoas. E se um pai gera um filho certamente será para o educar,não para abdicar da educação dele em benefício do Estado.

«As escolas formam mal os professores? Cria-se umexame de admissão. Isto é de loucos...»

Tendo em conta a sua experiência como docente na EscolaSuperior de Educação de Santarém e o seu contacto próximocom a formação inicial de professores, que apreciação faz da for-mação que é ministrada nesta área em Portugal?

O que lhe vou dizer parte da minha experiência como profissional.Não o posso fundamentar em estudos sistemáticos, porque eles nãoexistem. Esse, aliás, é um dos problemas da educação em Portugal:não existirem registos que permitam comparar desempenhos aolongo dos tempos. Em nenhum nível de ensino. Quando se argu-menta que hoje em dia se aprende mais ou menos, que a formaçãoé melhor ou pior, tudo parte das respectivas experiências empíricas.Respondendo à sua pergunta, considero que a formação que actual-mente se ministra aos futuros professores é débil e tem vindo adecrescer de qualidade. Os formandos concluem os seus cursoscom uma preparação científica débil e com uma preparação peda-gógica e didáctica palavrosa, mas ineficaz. Em resumo: não saem for-madas convenientemente. A formação de professores é, semdúvida, um dos aspectos cruciais da educação que carecia de inter-venção, porque cada vez é menos exigente. Essa é uma marca que,de resto, atravessa todo o sistema educativo. A escola exige cadavez menos aos alunos.

E no que se refere à entrada na profissão? Há quem defenda queuma certificação e um estágio integrado são suficientes.O Ministério da Educação diz que não. O que pensa acerca disto?

Penso que este é mais um exemplo de como a classe políticaresolve as questões: os tribunais funcionam mal? Cria-se uma alta

autoridade contra a corrupção. Os institutos de engenharia ou asfaculdades de direito preparam mal? A respectiva ordem cria umexame e diz “estes valem, os outros não”. As escolas formam malos professores? Cria-se um exame de admissão. Isto é de loucos...

Especificamente no que se refere à classe docente...

O problema não se resolve com um exame de admissão à carreira,porque isso é passar um atestado de menoridade às escolas. Fazsentido o Governo autorizar uma escola a outorgar diplomas aoscidadãos que a procuram, cobrar-lhe propinas e o mesmoGoverno vir dizer que essa formação não é válida sem passar porum exame, ainda por cima com uma nota mínima? Isso não éforma de tratar os problemas, é uma perspectiva burocrática daquestão. Aquilo que é preciso fazer é pôr quem passa os diplomasa fazê-lo com competência. Ou então retira-se o alvará de ensino.Se a escola não presta, fecha-se a escola.

É preciso questionarpara que serve a escola pública

Um dos maiores problemas do ensino em Portugal é o insucessoescolar, que marca uma percentagem significativa dos alunos quefrequentam não só o ensino obrigatório, mas também o ensinosecundário. Será o ensino de segunda oportunidade, nomeada-mente os Centros de Reconhecimento e Validação deCompetências, uma forma de resolver a questão? Será que aescola não deveria intervir a tempo de prevenir este insucesso,mais do que posteriormente fazer esta oferta pós-insucesso?

Não sou contra a possibilidade de conceder uma segunda, terceiraou quarta oportunidade às pessoas. O que eu não posso é aceitarque o sistema não seja exigente na primeira para depois justificar oaparecimento das seguintes, quando ainda por cima são tanto oumais permissivas do que a primeira – refiro-me concretamente aoPrograma Novas Oportunidades. Claro que existem casos em queo processo funciona honestamente, mas genericamente é uma farsa. Uma coisa é reconhecer socialmente o conhecimento que umdeterminado profissional adquiriu de uma determinada profissão,que não é abordado na escola. Isso é algo de útil e justo. Outracoisa bem diferente é atribuir um diploma do 9.º ano de escolari-dade obtido em seis meses ou nove meses. E o problema não é otempo em que é obtido. É que ao fim desses seis ou nove meseso candidato não sabe nada daquilo que alguém com o 9.º ano ésuposto saber. Isto é uma farsa total, absoluta. O que se está a fazeré aldrabar o país, a começar pelos próprios candidatos, que obtêmdiplomas que não valem coisa alguma. Estamos a hipotecar o país,a desacreditar completamente tudo aquilo que certifica o conheci-mento das pessoas.

Coloquei a minha questão sobretudo no sentido de saber a suaopinião sobre a forma como a escola deveria adequar a sua ofertano sentido de prevenir o insucesso, nomeadamente repensando ocurrículo unificado tal como está proposto no ensino básico – eque talvez contribua para esse insucesso. Não considera, por

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exemplo, que um currículo flexível, embora igualmente exigente,pudesse dar uma resposta mais eficaz?

A questão do currículo é complexa. Um dos grandes problemas donosso sistema de ensino é a total ineficácia e descoordenação dosplanos de estudo. Se repararmos bem, hoje em dia a escola é umrefugo de tudo aquilo que a sociedade não consegue resolver.E isto não pode ser. Tem de se definir qual é a missão da escola, assuas prioridades e ter a noção de que ela não pode fazer tudo.E sobretudo tem de se perceber que as crianças e os jovens têmnecessidades básicas absolutas correspondentes às suas faixas etá-rias, às quais é necessário responder com qualidade, exigência e efi-cácia. Para isso, é indispensável não só ter planos de estudo articu-lados, mas também definir o que é prioritário e o que cabe nesseespaço curricular para corresponder a essa qualidade. E esta qua-lidade define-se. As pessoas passam a vida a falar da escola de qualidade. Mas o queé uma escola de qualidade? O que é um programa de qualidade?O que querem os pais para os seus filhos? O que vou dizer seráprovavelmente uma utopia, mas penso que se calhar temos decomeçar por organizar a sociedade de forma que os pais, quandogeram um filho, saibam exactamente porque razão o fazem etenham noção das suas responsabilidades.

Falta, então, um projecto para a escola portuguesa...

Sim, claramente. Qualquer organização tem objectivos. Se pergun-tarmos à escola qual é o objectivo da escola obteremos inúmerasrespostas. Cada qual terá a sua opinião, mas a maior parte não sabedizer coisa nenhuma. Pergunte à ministra da Educação qual é oobjectivo da escola e eu garanto-lhe que ela não saberá responder- ou a resposta que der é disparatada. Basta ver a forma como elaestá organizada actualmente e penso que estamos conversadossobre o assunto. É preciso questionar para que serve afinal a escola pública, o quese deve ensinar a uma criança no ensino básico. Veja-se os progra-mas, são risíveis, ninguém entende o que aquilo quer dizer...A expressão “eduquês” resultou de facto bem, e está patente emtudo aquilo que os “pedabobos” escrevem para a educação. Mas averdade é que são seguidos acefalamente pela maioria das pessoas. Fico também muito surpreendido com os professores ao repararque eles gostam que se lhes chame educadores. Porque os profes-sores não são educadores, são profissionais de cuja actividadederiva um contributo para um processo de educação dos cidadãos.Porque, afinal, cada um é responsável pelo seu projecto educativo. Nós precisávamos de parar para debater estas e outras questões,porque não há suficiente debate social sobre a educação. E ele ver-dadeiramente falta ao país. Mas infelizmente parece que não temostempos para discuti-las. Vivemos numa sociedade completamenteinvertida, completamente tonta. Esta crise económica que estamosa viver, por exemplo, mostra bem a ganância das pessoas, a discre-pância entre aqueles que ganham salários de cento e tal mil eurose ainda têm o desplante de vir dizer que os salários mínimosdeviam ficar congelados para salvar o país. Estas afirmações ultra-passam a minha capacidade lógica. E a escola tem obviamentemuita responsabilidade neste quadro.

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COMUNICAÇÃO e escola

Tinha um notebook no meio do caminho.Era um modelo recente, equipado combateria para horas de uso, em qualquerlugar do planeta. Com DVD: nitidez desom e imagem. O objeto mais multimídiadisponível no mercado, pelo menos atéaquela data. A professora, proprietária,nem queria pensar em quanto tempo elese tornaria obsoleto. Poderia ser antesmesmo da última prestação, mas não faziao menor sentido pensar nisso justonaquele momento, com todos os olharescravados na tela de matriz ativa, enquantoo clique-clique do mouse embutido iavelozmente abrindo e fechando janelas,mostrando-escondendo coisas, as maisvariadas.

Que tesouros estariam escondidos lá? Sóos apocalípticos pensariam nele como umanova versão da caixa de Pandora. Por outrolado, como pensar nos que pensariam nelecomo o depositário das respostas paratodas as perguntas? Mas, afinal, por quepensar nisso em meio a tanto encanta-mento e à impressão de infinitas possibili-dades? Ele, o objeto, ali, aberto, ágil e dis-ponível. Pronto para ser usado por aquelessujeitos.Os dois parágrafos acima estão às páginas76-77 do livro Formação de professores, tecnolo-gias e linguagens, que publiquei em 2002 pelaLoyola. A imagem das pessoas se movimen-tando em torno do notebook parecia impor-tante, na medida em que materializava a

Importa pensar a abundância dos artefatos tecnológicosnas cenas da educação actual. Não descurar aconstrução colectiva, no interior da escola, da suautilização. É que chuvas de Verão são tão intensasquanto rápidas. Será o caso das chuvas de meiostecnológicos nas escolas?

Raquel Goulart Barreto

Universidade do Estado do Rio de Janeiro,UERJ, BrasilLaboratório Educação e Imagem, ProPEd

Chuvadeverão?

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centralidade daquele artefato luxuoso, mui-tíssimo mais caro do que um computador demesa, objeto de desejo também por ser por-tátil. Era um notebook com pessoas em volta.Em 2009, notebooks (ou laptops) perderam acondição de artigos de luxo, não só porqueseu preço baixou consideravelmente, masporque, além de já terem sido distribuídosaos professores do Estado do Rio de Janeiro,há o projeto UCA (Um Compu tador porAluno), em fase de finalização pelo MEC. Asituação mudou tanto que a imagem nãoparece caber mais em qualquer cena quepretenda representar a incorporação educa-cional do artefato.Uma imagem desta mudança foi apresen-tada no Caderno INFOetc, de O Globo(10/05/2008), sob o título: “Chuva de lap-tops”. Nela, um professor lança mão deguarda-chuva para se proteger. A imagemdo professor é a mais estereotipada possível:

meia-idade, óculos, livros bem grossos e decapa dura debaixo do braço. Sua fisionomiatensa sugere medo: será que ele e os seuslivros serão atingidos pela chuva de laptops? Em todas as telas dos laptops que sobre eledespencam, há apenas um enorme pontode interrogação. O que será que cai sobreele? Diante do não-saber, o instinto dasobrevivência? Afinal, os objetos são pesa-dos e podem matar. Como a queda delesserá amortecida pelo sujeito, são os objetosque podem sair ilesos. Melhor se proteger?Nem dá para saber como o professor os vê,no seu movimento de busca pela sobrevi-vência. Mais um ponto de interrogação.Quero fazer desta imagem um convite parapensar a abundância dos artefatos tecnoló-gicos nas cenas da educação atual. Depoisde muito se falar da sua falta, agora o temaprecisa ser aquele ponto de interrogaçãonas telas. O que parece continuar faltando

é o encaminhamento das perguntas relati-vas à sua apropriação educacional.Notebooks, e aí? Pois é, pra quê? Na ausênciade projetos produzidos coletivamente, sus-tentados por reflexões acerca das práticasconcretas, o receio é o do preenchimentodas lacunas por manuais de instrução compretensas respostas para todas as questões.O medo, mesmo, é o de que a próximachuva seja de manuais, na sucessão deverões marcados por estratégias de substi-tuição tecnológica: os artefatos posiciona-dos no lugar dos sujeitos... Para tentar impedir este achatamento dotrabalho docente, só mesmo produzindo esocializando alternativas construídas naescola para que os artefatos instauremmudanças significativas no processo deensinar-aprender. Chuvas de verão em geral são tão intensasquanto rápidas. Será o caso?

O Instituto de Hematologia e Imunologiade Havana, em Cuba, afirmou recente-mente ter obtido bons resultados no trata-mento da Leucemia através do recurso aoarsénico, substância habitualmente asso-ciada a um veneno letal. Sergio Machín, investigador desta institui-ção, relatou as suas experiências à comuni-dade científica internacional durante oCongresso de Hematologia, Imunologia,Hemofilia e Medicina Transfusional eRegenerativa, que teve lugar em Cuba nofinal de Maio. "Entre 2007 e 2008 já tratá-mos dez crianças, entre os 7 e os 17 anos,e nove delas estão totalmente curadas dadoença, como demonstram os seus hemo-gramas e mielogramas", disse Machín. De acordo com o cientista, o arsénico "éinoculado diariamente no paciente empequenas doses de soro por via intrave-nosa, durante um período aproximado deum mês ou um mês e meio". Explicandoque as leucemias são o resultado da proli-feração de células jovens ou imaturas,Machín refere que “o trióxido de arsénico

Cuba utiliza com êxito arsénico no tratamento da leucemia

LÁ fora

age como um indutor da maturação celularque as leva à normalidade"."O trióxido de arsénico que utilizamosnesta doença maligna infantil é de produçãonacional; um medicamento extremamentecaro no exterior, mas que na nossa pátriaestá gratuitamente ao alcance de todos osdoentes", assegurou.Na Alemanha, um estudo publicado na edi-ção digital do Proceedings of the NationalAcademy of Sciences (PNAS) revela que umcomponente do chá verde pode revelar efi-cácia contra o contágio do vírus HIVdurante as relações sexuais. De acordo com esta investigação, condu-zida pela Universidade de Heidelberg epelo Instituto de Virologia ExperimentalHeinrich-Pette de Hamburgo, o galato deEpigalocatequina (EGCG), um polifenol outanino vegetal do chá verde, tem a capaci-dade de bloquear uma proteína do sémenque tende a servir de vector e propagadordo vírus da SIDA."Uma fracção de péptido presente noesperma humano reforça de maneira cons-

tante uma infecção pelo VIH. As fibrilas,também designadas como propagadorasdo vírus (SEVI, Semen-derived enhancerof virus infection, em inglês), captam os ele-mentos virais e agregam-no à sua célulaobjectivo, propagando a difusão do vírus",explicam os cientistas, adiantando queestes resultados os levaram a supor quea inclusão de um inibidor de SEVI comomicrobicida poderia melhorar a pre-venção da transmissão da SIDA nas rela-ções sexuais. A aplicação local, em mulhe-res, de uma solução com baixa dose depolifenol de chá verde (EGCG), reveloupoder "aniquilar eficazmente as proprie-dades de desenvolvimento da infecção",concluem.A larga maioria dos 33 milhões de seropo-sitivos existentes no mundo foram infecta-dos pelo VIH através de relações heterosse-xuais e 96 por cento das contaminaçõesmais recentes ocorrem nos países pobres,pelo que os cientistas afirmam que a desco-berta das propriedades inibidoras do cháverde se revela "promissora".

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A escola, na sua globalidade, não desenvolvedestrezas ao nível do discurso oral. Deveriafazê-lo. Somos anestesiados do debate públicoporque, desde cedo, não somos treinadose motivados para argumentar.

O final do primeiro semestre na universi-dade é dedicado a provas orais. Desta vez,com o 2.º ano do Curso de Ciências daComunicação. Os estudantes avaliadosassim já tiveram essa experiência o ano pas-sado noutra cadeira leccionada por mim emais colegas. Não sendo propriamentealgo novo para eles, nota-se que essa é umamodalidade em que não estão muito à-von-tade. Para quase todos, a prova oral do anoanterior constituiu uma novidade no seupercurso académico. A escola, na sua glo-balidade, não desenvolve destrezas ao níveldo discurso oral. Deveria fazê-lo.Trabalhando com grupos numerosos, não éfácil, em certas disciplinas, perceber, dentroda sala de aula, as competências de cadaaluno. Mas há formas de nos aproximarmosdos estudantes. Por exemplo, fomentado o

Felisbela Lopes

Universidade do Minho. Instituto deEstudos da Criança. Centro de Estudosde Comunicação e Sociedade, CECS

debate em torno das matérias leccionadas,promovendo o confronto de ideias, procu-rando que cada um dos elementos da turmaseja uma parte activa no processo de apren-dizagem. Isso implica que à voz do profes-sor se juntem outras: a dos alunos cuja par-tici pação se quer diversificada, viva, perti-nente. E é aqui que, por vezes, começamalguns problemas. Nem sempre ouvimosdiscursos articulados, com uma sintaxefluida e com uma pronúncia sem ruídos. Nocaso das turmas das Ciências daComunicação da Universidade do Minho,notamos, ao longo do curso, uma grandeevolução a este nível. Certamente porque osestudantes começam a perceber que essa éuma dimensão importante no seu percursoacadémico. E, futuramente, na sua vida pro-fissional.

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Não sei como actualmente os ensinosbásico e secundário trabalham o discursooral dos mais novos. Quando me convidampara participar em conferências em escolas,noto que os estudantes, podendo eviden-ciar algum à-vontade na colocação de per-guntas, não têm muitas destrezas na formacomo o fazem. Estão em crescimento,poder-se-á dizer. E ainda em aprendizagem,acrescentar-se-á. Pois claro. Acontece queessa é uma limitação que a escola, pornorma, não resolve. Por isso, já adultos,muitos de nós não se sentem capazes defalar (bem) em público. Bloqueiam.Recuam. Não participam. Muitas vezes,porque custa falar (pensar) diante dosoutros. Ninguém nos habilitou a fazer isso.Chegada ao final das provas orais, sintoque esse tipo de avaliação é muitíssimocansativo para quem, durante vários dias,tem de fazer perguntas a dezenas e deze-nas de pessoas. Mas penso que isso, amédio prazo, reverterá positivamente paraos estudantes. Que se colocam à prova deuma forma espontânea, directa, sem rede.Estão ali, diante de nós, e valem por aquiloque demonstram saber. Ali. Naquelemomento. O empenho aqui tem de serenorme. A concentração máxima. Não éisso que muitas vezes exige o mercado? Seráuma boa estratégia esperar que amanhã sejaum bom dia para sermos mais produtivos edesenvolvermos um trabalho com mais qua-lidade?Não podemos ambicionar que a escola for-neça todos os instrumentos que habilitemos estudantes a exercerem com sucessouma profissão. Hoje a aprendizagem deveser contínua. Mas há competências que oensino deveria incorporar desde muitocedo. Escrever e falar bem são importantís-simos aliados na tarefa de saber pensar. Osmais novos tendem a desvalorizar estaspreocupações. Escrever é mandar SMS’s dotipo “n kero saber+”. Saudar alguém é dizer“Tá-se bem?”. E lá vamos nós, encolhendoos ombros e empurrando para a frente umproblema que, mais tarde, se revelará rui-dosamente.Curioso o facto de valorizarmos, enquantoadultos, pessoas que escrevem e falam bem,mas parece ser indiferente o facto de asnossas crianças e jovens não terem umaaprendizagem contínua a esse nível.Quanto muito estas são tarefas acantonadas

na área das Letras. Por isso, não podemosestranhar quando encontramos profissio-nais tecnicamente competentes, mas inca-pazes de transpor o seu pensamento paraum texto escrito ou para um discurso oral.E essa incapacidade tem reflexos numacidadania de baixa intensidade, que é a

nossa. Somos pessoas anestesiadas dodebate público, porque também, desdemuito cedo, não somos treinados e motiva-dos para argumentar a favor daquilo quejulgamos ser o caminho mais eficaz aseguir. E se começássemos a inverter istoa partir das nossas salas-de-aula?

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Um aspecto relevanterefere-se aos horários dosblocos de programas paraa infância ... os canaistendem a programar ogrosso dos conteúdosdireccionados aos maisnovos em horários em queeles estão maioritariamentefora de casa...

Cerca de um terço dos 3283 programastelevisivos para a infância analisados poruma equipa do Centro de Estudos deComunicação e Sociedade da Uni ver -sidade do Minho possuíam conteúdos edu-cativos. Para quem acha que o panoramadas nossas televisões é, em geral, depri-mente, aquele valor pode ser consideradointeressante. Para quem, pelo contrário, sebate por uma televisão toda ela pautadapor preocupações educativas, um terço édesanimador. É, afinal, a história do copocom água até meio…O estudo(1), no qual o autor destas linhastambém colaborou, incidiu sobre operíodo que vai de Outubro de 2007 aSetembro de 2008 e envolveu apenas osquatro canais de sinal aberto, a RTP1,RTP2, SIC e TVI. Foi encomendado pelaEntidade Reguladora para a ComunicaçãoSocial, através de um concurso junto decentros de investigação da especialidade.A importância de conhecer as ofertas tele-visivas para os mais novos não carece dedemonstração, a não ser que consideremos

Que preocupações

revelam os canais

de TV relativamente

às crianças?

Manuel Pinto

Professor da Universidade do Minho

anódina a experiência televisiva. Esta,quando medida pela sua duração, apontapara um tempo médio diário de consumonão longe das três horas diárias (171 minu-tos) para o grupo etário dos 4-14. Mas asassimetrias são significativas: as raparigasvêem bastante mais (233 minutos) do queos rapazes e as crianças dos meios demenores recursos sociais bastante mais(acima das quatro horas por dia) do que asoriginárias das classes média e média alta.Um factor de peso nesse consumo está nastelenovelas em geral e nas telenovelasjuvenis em particular, um fenómenoimplantado na última meia dúzia de anospelos dois canais privados, mas especial-mente pela TVI, com “Morangos comAçúcar”.Que nos dizem, então, as conclusões doestudo, para além dos aspectos já observa-dos?Os canais revelam uma certa ‘especialização’por idades: a RTP2 (e, secundariamente, aRTP1) atendem de modo especial os peque-nos em idade pré-escolar; a SIC direcciona-

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se sobretudo para o grupo dos 6 a 10 anos ea TVI a partir dos 10. Neste quadro não seráde admirar que a programação de conteú-dos educativos esteja sobretudo centradanos dois canais públicos (no segundo canalultrapassa mesmo os 80%).A esmagadora maioria dos géneros de pro-gramas assenta na ficção e, em especial,nos desenhos animados. Além das novelasjuvenis, já referenciadas, é de destacar aaposta que a produção nacional tem feitotambém em séries de aventura. Negativa éa pouca atenção dada a programas infor-mativos adaptados às necessidades especí-ficas dos mais pequenos.Um aspecto relevante refere-se aos horá-rios dos blocos de programas para a infân-cia. De novo com excepção da RTP2, oscanais tendem a programar o grosso dos

(1) Pereira, S.; Pinto, M.; Pereira, E. (2009) A Televisão e as Crianças – Um Ano de Programação na RTP1, RTP2, SIC e TVI. Lisboa: Entidade Reguladora para a ComunicaçãoSocial

conteúdos direccionados aos mais novosem horários em que eles estão maioritaria-mente fora de casa, o que não deixa de serrevelador da consideração que, por vezes,existe do serviço que deveria ser prestado àsfamílias. As lógicas de confecção das “gre-lhas” de programas são, de facto um enigma,ou não tanto: a SIC, por exemplo, decidiu,no período em análise, suspender durantequatro meses sucessivos os seus programaspara crianças nos dias úteis, como se nãoexistisse um compromisso tácito seu paracom a sociedade. E a TVI, por sua vez, tem-se dado ao desplante de inserir, ao sábadode manhã, um programa de wrestling nomeio dos desenhos animados!Uma outra nota conclusiva, esta de tommais positivo: ao contrário do que ocorriauma década atrás, os programas oriundos

do Extremo Oriente, particularmente doJapão, caracterizados por uma violêncialatente e manifesta que chegou a causaralgum alarme público, perderam claramentepeso. Hoje, a avaliar pela programação ana-lisada nos canais analógicos portugueses,existe mais variedade de linguagens, de per-sonagens, de assuntos e de valores e mundi-vidências representados nos conteúdos,ainda que essa variedade seja mais salientena oferta dos canais públicos.Era agora tempo de direccionar a pesquisatambém para os canais de cabo, aqui nãoconsiderados, e lançar o olhar crítico paraos conteúdos da programação – umaempresa inesgotável, mas necessária. Ounão fosse esta uma componente marcantedo currículo oculto da formação dos maisnovos.

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RECONfigurações

Identificar uma nova problemática para a educaçãopara as próximas décadas e formas de a considerar eabordar é um desafio extremamente complexo, cujosparâmetros político, social e económico e âmbitoparecem não ser claros para ninguém.

Roger Dale

Universidade de Bristol, UK

É evidente que estamos no limiar de ummundo novo e desconhecido, onde pareceque nada é possível predizer, exceptuandotalvez que a curto prazo é bastante descon-fortável e que, a longo prazo, será muitodiferente. Isto é tanto verdade para a edu-cação como para qualquer outra actividadehumana organizada – o que não quer dizerque não necessitemos de antecipar e mol-dar o futuro em vez de apenas esperar queele aconteça, isto é, esperar por alguémque o molde.

Um novocontrato socialpara aeducação?

Mas o que fazer? A primeira coisa é reco-nhecer que os instrumentos teóricos e con-ceptuais existentes e as nossas assunçõesacerca do lugar da educação no mundotêm que ser revistas. Contudo, ir para alémdesses instrumentos e assunções não é nemsimples, nem fácil. Identificar uma novaproblemática para a educação para as pró-ximas décadas e formas de a considerar eabordar é um desafio extremamente com-plexo, cujos parâmetros político, social eeconómico e âmbito parecem não ser clarosTe

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para ninguém (e, efectivamente, assumir apermanência desses três parâmetros tradi-cionais pode ser em si mesmo uma ousadatolice). Isto não significa que tenhamos que recor-rer a uma bola de cristal, mas temos deestar cientes de duas condições cruciaispara desenvolver esse esforço. Primeira, precisamos de estar cientesdaquilo que Roberto M. Unger (1998)refere como ‘fetichismo’ – ‘os limites danossa capacidade para imaginar e mudar asociedade’. Estes podem ser de dois tipos;fetichismo institucional, a “identificação deconcepções institucionais, como a demo-cracia representativa, a economia de mer-cado e uma sociedade civil livre, com umsó conjunto de arranjos institucionais,” e ofetichismo da estrutura, “que encontraexpressão e apoio numa ideia que opõeinterlúdios de efervescência, carisma,mobilização e energia para o reino comumda rotina institucionalizada, quando, meiodormentes, continuamos a desempenhar oguião escrito nos intervalos criativos”.Segunda, recusar a bola de cristal não sig-nifica que possamos começar do ponto emque estamos em educação e ou perguntarcomo é que se mudará, ou, mais radical-mente, perguntar se ainda precisamos deescolas do tipo a que nos habituamos aolongo da história da educação obrigatória.Começar por este tipo de assunções é ser-se demasiado tímido face à dimensão dasmudanças no mundo, que podem significarque necessitamos de penetrar mais profun-damente no tecido daquilo que se tornoureconhecido como ‘educação’. No sentidomais simples, isto significa não perguntar‘como poderemos fazer educação de umaforma diferente?’, mas, antes, ‘por que éque fazemos educação?’. Pode ser maisfácil responder a esta pergunta se a refor-mularmos em termos de duas perguntasfundamentais, descontextualizadas. Pri -meira, qual é o ‘contrato social’ para a edu-cação, isto é, o que é que a sociedade dá eespera da educação? Segunda, através deque ‘lógica de intervenção’ funciona a edu-cação; como é que procura cumprir a suaparte do contrato social?A questão do contrato social é particular-mente difícil de responder, por uma razãofundamental – derivada da sua origem –, ade que contrato social para, pelo menos, a

CONTRATO SOCIAL

LÓGICA DE INTERVENÇÃODA INTERVENÇÃO EM

EDUCAÇÃO PARA CUMPRIRO CONTRATO SOCIAL

LÓGICA DE INTERVENÇÃODA INTERVENÇÃO

MECANISMOS CHAVE

IMPLICAÇÕESPARA/ORIENTAÇÕESDA GOVERNAÇÃOEM EDUCAÇÃO

1945-75Teoria daModernização

Desenvolvimentoatravés de estádiosde crescimento

Apoio aodesenvolvimento

O Ocidentecomo modelo

1975-2000O Consenso deWashington

Programas deajustamentoestrutural

CondicionalidadeModelo da NovaGestão Pública

2000-

Pós-Consenso deWashington /Economia doConhecimentoGlobal

Boa Governação

Liberalismosocialmenteinclusivo

Metas globais:cooperação dosdadores em tornodos MDM/EPT(1):

Metodologia deavaliação doconhecimento

Sectores nacionale globalmenteorientados

que é que significa lógica de intervençãoseja através de um exemplo, e um exemploparticularmente útil é o da mudança dasformas assumidas pelo contrato social emrelação à educação e ao seu desenvolvi-mento entre 1945 e o presente. Veja-se oquadro:

educação ocidental – que foi amplamentedifundida pelo mundo – tem tido no seucerne a ideia da relação positiva entre edu-cação e progresso – que tende a quererdizer mais e melhor, e, por vezes, mais emelhor distribuído. E foi este realmente ocaso independentemente da ampla varie-

(1) Metas da Desenvolvimento para o Milénio/Educação Para Todos (N.T.).

dade de formas que assumiu; a provisão deeducação é sempre justificada em termosdas melhorias que produz - novamente, ofoco, o conteúdo e âmbito destas melho-rias – ‘sociedade’, ‘crescimento económico’,‘realização individual’, ‘igualdade social’,preservação da ‘cultura’, ‘fortalecimento daidentidade’ – são relativamente irrelevan-tes. Poderá ser útil, de muitas formas, pen-sar a ‘sustentabilidade’ e não o progressono cerne do contrato social opera a educa-ção; que tipo de ‘educação’ seria entãonecessário, e qual seria o seu papel?Como seria de esperar a educação surgealternativa e simultaneamente como umfim em si mesmo ou/e um meio paraoutros fins. Podemos, assim, identificar‘lógicas de intervenção’ operando através ena educação, mas por limitação de espaço,apenas me referirei brevemente à primeira.Talvez a forma mais simples de explicar o

Em suma, a educação foi vista como centralpela teoria da modernização, como o meio-chave através do qual os indivíduos tal se tor-nariam, i e. como no Ocidente, e a lógicada intervenção era a de construir programasde apoio ao desenvolvimento da educação.Pelo Consenso de Washington a assunçãofoi a de que o progresso seria alcançado emtodos os países em desenvolvimentoseguido de um regime de rigorosa ortodo-xia económica, e depois de um regime mais‘suave’, enfatizando a necessidade de parti-cipação de stakeholders. A questão, contudo, não é a do pormenordestes programas. É antes o tentar indicarcomo é que os conceitos do contrato sociale a lógica de intervenção podem ser usadospara identificar a natureza e as implicaçõesde possíveis mudanças na e para a ‘educação’,de forma a permitir a continuidade, mas nãoa escravatura, em relação ao que antecedeu.

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Um dos assuntos mais candentes na cenaglobal do ensino superior é o da emergên-cia dos esquemas de seriação das universi-dades – descritos por um observador aca-démico com a metáfora da ‘corrida dareputação’ e como sendo semelhante auma corrida ao armamento. A corrida dareputação, é claro, refere-se ao facto depoderosas universidades estarem a usarestrategicamente o sistema de rankingspara avançar, assegurar e manter a suaparte na distribuição dos recursos disponí-veis. Os rankings conferem estatuto, e,por seu turno, o estatuto auxilia a univer-sidade a captar fundos e talentos.Os promotores dos rankings, contudo,tendem a dizer que estão simplesmente aresponder às exigências dos consumidorese a fornecer ‘informação’ que auxiliará osestudantes a fazer escolhas informadas. Seisto pode efectivamente auxiliar os estu-dantes a tomar decisões acerca dos méri-tos relativos de uma instituição em relaçãoa outra, o facto é que um estudante seria

muito melhor servido se, por exemplo,quando procura um lugar em sociologia,fosse informado acerca da reputação dodepartamento e não sobre a universidade.Como Uwe Brandenburg, Gestor deProjectos no Centre for Higher EducationDevelopment (CHE), Alemanha, sublinha:“Não ajuda muito um estudante que pro-cura um departamento de física saber que aUniversidade A é mediana, quando odepartamento de física é excelente”. Paralidar com isto, o CHE desenvolveu umaabordagem ao nível da disciplina.Contudo, ‘a proposta do CHE’ não seduziua imaginação do sector, nem os responsá-veis políticos da mesma forma que os doissistemas de rankings, o da UniversidadeJiao Tong de Xangai e o do Times Highero fizeram.Como é que funciona o RankingAcadémico Mundial das Universidades daUniversidade Jiao Tong de Xangai (UJTX)e, sobretudo, com que interesses? O UJTXfoi lançado em 2003 como resultado do

A Geopolítica dos Rankingsna “Classificação Mundial”das Universidades

Os rankings conferem estatuto, e, por seu turno,o estatuto auxilia a universidade a captar fundose talentos (…) “Não ajuda muito um estudanteque procura um departamento de física saber que aUniversidade A é mediana, quando o departamentode física é excelente”.

Susan Robertson

Universidade de Bristol, UK

A CORRIDA ACADÉMICA AO ARMAMENTO

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projecto da Universidade Jiao Tong deXangai, China, de alcançar os padrões dasuniversidades de topo ao nível mundial, eusá-lo para promover o desenvolvimentode universidades de investigação chinesasglobalmente competitivas. Não é, então,surpreendente que mais de 90% do ran-king esteja ligado à performance da inves-tigação, registada através de indicadorescomo o número de prémios Nobel entre osex-estudantes da instituição e o númerodos artigos e das citações nos estudosbibliométricos, que são enviesados no sen-tido das ciências duras. Este sistema derankings favorece claramente as universi-dades privadas de topo dos EUA. As uni-versidades europeias, que historicamenteassumiram uma missão diferente, ficam sig-nificativamente atrás. Em 2004 foi lançado no Reino Unido oSuplemento Times Higher Education. Estesistema de ranking procurou colocarmenos peso na reputação, centrando-se,em vez disso, em medidas como a quali-dade do pessoal e dos estudantes, recursos,etc. Também colocou muitas universidadesdo RU no topo da tabela, em comparaçãocom o da UJTX. Como é que TimesHigher produz os seus rankings? Em pri-meiro lugar, depende da disponibilizaçãodos dados por parte das instituições, que,em muitos casos, é recolhida em diferentesdepartamentos da universidade. Contra-verificações revelaram a natureza poucosegura dos números apresentados, lan-çando dúvidas consideráveis sobre a fiabi-

lidade dos dados e, portanto, dos rankings. Mais recentemente as universidades euro-peias têm sido pressionadas pela ComissãoEuropeia a propósito da conspícua ausên-cia de universidades europeias nas primei-ras 50 posições dos dois principais sistemasde rankings. Aparentemente, o RU nãoconta como Europa, pois estão lá presentesuniversidades britânicas como Oxford eCambridge. Igualmente interessante, con-tudo, é que em Fevereiro de 2009 aComissão Europeia abriu um concurso decerca de um milhão de euros para financiarum grande projecto de investigação sobreum sistema europeu de rankings que sejaaplicável em todo o mundo. Quebrou,definitivamente, o verniz. A luta para gerarregras para a corrida da reputação estáagora a ser tomada muito a sério pelaComissão Europeia e pelos ministros daeducação europeus. A grande questão é,contudo, a de saber se os europeus serãocapazes de construir um sistema de ran-king que se adeque ao Processo deBolonha. Provavelmente não, mas os arqui-tectos do Processo de Bolonha estão aindasurpreendidos com o facto de o processoser tão rapidamente assumido dentro e forada Europa. Da mesma forma, o ProfessorNian Cai Liu e os seus colegas daUniversidade Jiao Tong de Xangai ficaramsurpreendidos como, de forma tão rápida,um exercício nacional se tornou num pro-cesso global. Contudo, as condições delançamento não são apenas sorte. Pelocontrário, os processos tornaram-se fenó-

menos globais porque servem interessespoderosos.Institucionalmente, os sistemas globais deranking são poderosos, mas não só das for-mas mais óbvias já referidas; se, e onde, seestá posicionado nas 10, 50, 100 ou 150primeiras. A Standards and Poors, a agên-cia global de avaliação de crédito, tambémusa os dados existentes - incluindo os ran-kings das universidades – para produzir assuas avaliações da viabilidade do créditodas universidades e, portanto, da capaci-dade da universidade contrair empréstimosa taxas respeitáveis. Os rankings das universidades estão tam-bém a ser usados pelos governos nacionaispara monitorizar o trabalho imigrante.Veja-se, a título de exemplo, a nova polí-tica de emigração da Holanda. Os migran-tes qualificados são elegíveis para entrar nopaís se o seu diploma for de uma universi-dade posicionada entre as 150 melhoresdos rankings. O que é que isto significa narealidade? Simplesmente que se o diplomaque o migrante possui não for de umadaquelas 150 universidades, como aUniversidade de Hokaido (Japão), aUniversidade Jiao Tong de Xangai (China),a Universidade de Estugarda (Alemanha)ou a Universidade de Macquarie (Austrá -lia), o seu requerimento será recusado.Trata-se de um poderoso instrumento, poiso sistema de rankings pode fazer ou desfa-zer os futuros dos indivíduos! As apostas são altas, e virão a ser porven-tura mais altas ainda, à medida que osinvestimentos pessoais, do Estado e dosector privado nas universidades compe-tem com aqueles que estão a procurarremediar os efeitos do colapso da econo-mia global. O que é claro é que as univer-sidades ao serem provavelmente chamadasa desempenhar um cada vez mais impor-tante papel geo-estratégico, a luta pelareputação e pelo conhecimento na corridaacadémica ao armamento pode ter efeitosperversos. Uma corrida pela reputação detopo, por definição, depende da reputaçãodo resto, que lhe subjaz. A questão para osEstados-nação é a de serem capazes deestabelecer as regras do jogo de forma ahaver controlo de danos ou a haver umarranque. Mas, parece-me ouvir perguntar,é para isso que as universidades servem?A ideia de universidade é…

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IMPASSES e desafios

Até há bem pouco tempo, era-nos dito que as situações de desemprego radicavam,principalmente, nos baixos níveis de “empregabilidade”, susceptíveis de sereliminados por um maior investimento na educação. Este tipo de discurso constituiuma variante da habitual cantilena dos dirigentes e poderosos que pretendem“defender o nosso bem” e, ao mesmo tempo, nos culpabilizam por nãoo alcançarmos.

Rui Canário

Universidade de Lisboa.Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação

O manto

diáfano

da

hipocrisia

POLÍTICAS PÚBLICAS E «DESENVOLVIMENTO»

Teresa Couto

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cios da aposta em seguros de saúde, ementidades privadas, revelam uma verdadebem amarga: por um lado, os seguros desaúde só podem efectivamente proteger osricos; por outro lado, o negócio dos segu-ros faz recair os riscos no utente e, em ter-mos de saúde, só interessa às seguradorasprivadas estabelecer contratos de saúdecom pessoas saudáveis, ou que tenhamdoenças compatíveis com aquilo quepagam.Dois dias depois (Público de 27 deMarço), o mesmo jornal consagra o seueditorial a esta magna questão, alertandopara a iminente ruptura dos sistemas desaúde, públicos e privados o que, no casodos segundos, não se compreende uma vezque só têm lucros. Como se explica entãoesta ruptura iminente? Ela resulta de “umconjunto de evoluções [que] torna impará-vel o aumento dos custos”. Essas evoluçõessão o resultado de haver “cada vez mais emelhores tratamentos capazes de prolon-gar, com qualidade, a vida do maishumilde dos cidadãos”. Impõe-se, por-tanto, “reorganizar e optimizar os servi-ços”, sem que isso signifique, como seenfatiza neste editorial, qualquer espéciede “economicismo”, como apregoam osmal intencionados.Acontece que nesta mesma edição do jornal,em cujo editorial se choram “lágrimas decrocodilo” sobre a nossa saúde, distribui-segratuitamente, como encarte, uma publica-ção, Executive Health & Wellness, que se atribuicomo “missão fundamental informar sobre ostate of art e as tendências na área da saúde edo bem-estar, os prestadores de serviços dequalidade, divulgando o conhecimento,estratégias e fundamentos para a adopção deum estilo de vida saudável”. A leitura destamaravilhosa revista permite-nos compreen-der muito melhor, quer os factos noticiadosno Jornal Público, quer as opiniões edito-riais expressas a propósito, quer a relaçãoentre ambas. Um “consultor científico” dareferida revista encarrega-se de nos esclare-cer sobre o sentido e o alcance das preocu-pações sobre a nossa saúde: estudos empíri-cos demonstram à evidência os benefícios(para as empresas) dos programas de“Health Management” que são, hoje “umarealidade” que comprova que “colaborado-res mais saudáveis são colaboradores maisprodutivos” o que significa que o investi-

Numa das suas recentes intervenções (cf.Jornal Público, 17 de Abril) o Presidenteda República veio publicamente alertar-nos para a importância decisiva daMatemática, considerada como “impres-cindível para o desenvolvimento do país”.Segundo ele, será fundamental ultrapassaro “clima depressivo” que rodeia a disci-plina e combater a iliteracia matemática,removendo este importante “obstáculo aodesenvolvimento”. Em síntese, pode dizer-se que a nossa ignorância colectiva, nestecaso em Matemática, é um dos factoresque tornam clara a nossa responsabilidadena construção de uma sociedade próspera.No mesmo sentido, até há bem poucotempo, era-nos dito que as situações dedesemprego radicavam, principalmente,nos baixos níveis de “empregabilidade”,susceptíveis de ser eliminados por ummaior investimento na educação. Este tipode discurso constitui uma variante da habi-tual cantilena dos dirigentes e poderososque pretendem “defender o nosso bem” e,ao mesmo tempo, nos culpabilizam pornão o alcançarmos. A permanente manifestação de intençõesextremamente generosas relativamente ànossa educação, à nossa saúde e a outrosdireitos sociais, aparece, em regra, comoresultado do mais genuíno altruísmo e, nocaso dos responsáveis políticos, da sempreexaltante e exacerbada missão de “servir”.Um mínimo de atenção à informação que,diariamente, nos é disponibilizada pelosórgãos de comunicação permite desmon-tar este discurso dúplice e oculto por ummanto de hipocrisia. O exemplo das preo-cupações com a prestação de cuidadosbásicos de saúde, reiteradamente repetidaspor todos, ilustra bem essa postura hipó-crita.O jornal Público, na sua edição de 25 deMarço, informava, com grande destaquena primeira página, que “doentes com can-cro enchem serviços públicos quandoesgotam seguros privados”. Como seexplica na notícia, cada vez mais doentes,nomeadamente do foro oncológico, sãoforçados a interromper tratamentos,mudar de médico e de instituição, transfe-rindo-se do sector privado para o sectorpúblico, por ter sido atingido o “tecto”, emtermos financeiros, dos seus seguros deSaúde. Ou seja, afinal os miríficos benefí-

mento em saúde é (para as empresas) um“investimento rentável”. Com a maior can-dura apresentam-se exemplos de programasdesenvolvidos em empresas que elucidamsobre a relação virtuosa entre “programas deredução de peso e de pressão arterial” e adiminuição de factores de risco associadosao absentismo e quebras de produtividade.No contexto da crise de sociedade em quevivemos será que continuaremos a serembalados com as ilusões e hipocrisias desempre? E se nós lhes tratássemos dasaúde?

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Professorescada vez maisresponsabilizadospelo seu trabalho

TENDÊNCIAS DA AVALIAÇÃO NA EUROPA

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Os modelos de avaliação dos sistemas educativos europeustêm vindo a convergir para um conjunto de instrumentose de práticas comuns. Salvaguardando as inevitáveisespecificidades inerentes a cada país, coloca-se hoje maisênfase na avaliação global do sistema e menos naavaliação individual dos professores. Apesar disso, osdocentes são cada vez mais responsabilizados pelo seudesempenho, do qual depende cada vez mais a suapromoção e nível salarial. Partindo de dados recolhidosno Euridyce, a Página aponta algumas das actuaistendências no campo da avaliação educacional na Europa.

centram hoje a sua avaliação exclusiva-mente no desempenho dos professores.Uma das formas de avaliação externa quetem conhecido um crescente destaque, eque nem sempre está isento de polémica,baseia-se nos resultados obtidos pelosalunos por via de testes externos – comoos exames nacionais e os testes interna-cionais, como é exemplo o PISA – poste-riormente divulgados a público. Entre ospaíses que têm optado por este métodocontam-se República Checa, Holanda,Portugal, Suécia, Reino Unido e Islândia.Apesar da convergência de processos sercada vez mais comum, cada país possui,como não poderia deixar de ser, as suasespecificidades.

Na Dinamarca, por exemplo, as escolastêm autonomia para desenvolver os seuspróprios sistemas de avaliação de profes-sores, não existindo regulamentações ofi-ciais relativamente a esta matéria. NaIslândia dá-se preferência a um sistema deauto-avaliação, com cada escola a imple-mentar os seus próprios métodos e deci-dindo se e de que forma o trabalho deveser avaliado. Apesar destes avanços, mui-tos países têm mantido um sistema de ins-pecção de professores conduzido por enti-dades especializadas exteriores à escola.Estas inspecções podem ser posterior-mente comunicadas à respectiva tutela,como acontece em França, ou às autorida-des regionais competentes, como é o caso

Aferir a qualidade dos sistemas educativoseuropeus é uma preocupação crescentequer por parte do poder político quer dosprofissionais de educação – e à qual nãoserá também certamente alheia a cres-cente pressão social em torno desta ques-tão. Apesar de ser um conceito discutívele de estar na origem de um debate inter-minável, o controlo dos índices de quali-dade é habitualmente concretizado atra-vés de diversos processos: monitorizaçãoglobal do sistema, avaliação externa einterna dos estabelecimentos de ensino eavaliação individual dos professores.Habitualmente, a prática mais comum éinterrelacionarem-se estes dois últimosprocessos. Poucos são os países, aliás, que

RICARDO JORGE COSTA

Ilustração TERESA LAMAS VIANA

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EM foco

da Espanha, Alemanha ou Áustria. Emalguns países, como a Suécia, estas inspec-ções são conduzidas quer pelas autoridadesnacionais quer regionais. De acordo comas informações recolhidas no Eurydice,este tipo de prática, ainda que desde sem-pre habitual nos sistemas educativos, tem-se vindo a acentuar e a alargarem-se asrepercussões que dela advêm.

Sistemas de auto-avaliaçãoganham importânciaNo que se refere especificamente aodesempenho dos professores, as práticasde auto-avaliação são uma forma de moni-torização cada vez mais comum.Desenvolvida desde os meados da décadade 90, esta forma de avaliação é habitual-mente encarada como uma primeira etapana apreciação do desempenho dos profes-sores e não é acompanhada por qualquerprocesso de avaliação externa. Este tipo deavaliação é posta em prática nomeada-mente na Islândia, onde, na ausência dequalquer mecanismo oficial de monitoriza-ção do desempenho das escolas e dos pro-fessores, se tem vindo a desenvolver desde1995 uma política de auto-avaliação.A auto-avaliação passou também a ser apli-cada em alguns países como um instru-mento suplementar à inspecção externa dosistema, como é o caso da RepúblicaCheca. Também na Suécia, a par com ainspecção levada a cabo pelas autoridadesnacionais e regionais de educação, cadaescola do sector público tem de elaborarum “relatório de qualidade anual” comoforma de avaliar a sua actividade. Nestesentido, a Agência Nacional para aEducação sueca (Skolverket), estabeleceuum conjunto de orientações sobre a formacomo este relatório deve ser elaborado e asáreas que deve cobrir, como a formaçãodos professores, as suas competências rela-tivamente às matérias ensinadas e a organi-zação do trabalho escolar. Outros países estão a adoptar uma posturasemelhante. É o caso da Irlanda, onde oConselho de Professores, órgão recente-mente criado e cuja larga maioria dosmembros é professor (um pouco à imagemde uma Ordem), publicou um CódigoProfissional de Conduta para osProfessores que abre caminho a este tipo

de avaliação. Na maioria dos países ondeeste tipo de avaliação é posta em prática, asua implementação aparece associada a cri-térios mais formais de monitorização ou àverificação, habitualmente levada a cabopor um avaliador externo, dos critériosestabelecidos pelas próprias escolas.Os professores podem também ser avalia-dos ao nível da escola pelo responsável aquem reportam directamente, nomeada-mente o director do estabelecimento deensino, como é o caso das três comunida-des da Bélgica, República Checa, Grécia,Lituânia, Áustria, Roménia e Eslovénia. NaHolanda, a apreciação individual do pro-fessor feita pelo director da escola é aúnica forma de avaliação reconhecidacomo tal. Em alguns países, como a Lituânia, a admi-nistração da escola pode ser envolvida noprocesso de avaliação, a par de profissio-nais exteriores à escola – como acontecena Grécia com os conselheiros escolares.Na Letónia, a avaliação é da responsabili-dade do coordenador do departamento deprofessores, e, em muitos casos, do profes-sor responsável pela respectiva área dedocência. Já no Reino Unido, no caso degrandes escolas secundárias, o director doestabelecimento avalia o órgão de gestãoque, por sua vez, avalia os professores. Asescolas francesas têm algumas especificida-des neste domínio. Também ali os directo-res de escola têm algumas responsabilida-des na avaliação dos professores, funçãoque desempenham em parceria com os ins-pectores – ainda que estes não estejamacima deles na hierarquia. Uma outra forma de avaliação interna éaquela que é conduzida ou apoiada pelospróprios pares. Esta fórmula, porém, épouco comum, desenrolando-se habitual-mente no contexto de conteúdos curricula-res elaborados autonomamente e que exi-gem trabalho de equipa, tarefa para a qualé exigida a supervisão dos pares. Em algunspaíses esta forma de avaliação tem um esta-tuto reconhecido. É o caso da Grécia, ondeos conselheiros escolares – responsáveis,entre outras tarefas, pela supervisão indivi-dual dos colegas - podem convocar profes-sores da mesma área disciplinar para emiti-rem opiniões sobre os seus pares. NaEslovénia, o conselho de professores decada escola aprova, por maioria absoluta e

através de voto secreto, as promoções queo director de escola submete para aprova-ção ao ministério da Educação. Estes dife-rentes padrões de avaliação tendem ainterligar-se de forma crescente e, emalguns países, a estabelecer redes de avalia-ção quer no plano individual quer colec-tivo, tanto a nível interno como externo. Se até há pouco tempo a inspecção indivi-dual constituía praticamente o únicométodo utilizado na monitorização daactividade docente, estas novas orienta-ções, caracterizadas sobretudo pela suacapacidade de se operacionalizarem emrede, tendem gradualmente a ganharespaço. Isto é particularmente constatávelna Áustria – onde a avaliação do trabalhodos professores estava até recentementelimitada aos modelos convencionais,baseados no trabalho dos inspectores e dosdirectores de escola (a quem os docentesprestam contas directamente) – que desde2006 implementou um quadro nacionalorientado para a auto-avaliação. É tambémo caso da República Checa, onde a avalia-ção individual feita pelos directores deescola é complementada, desde 2005, porum esquema de auto-avaliação, e do ReinoUnido, no qual a monitorização das esco-las pela Inspecção de Educação de SuaMajestade (HMIE) envolve processos deauto-avaliação baseados numa estrutura de“indicadores de qualidade” e de entrevistasindividuais.

Avaliação baseadaem resultadosPor outro lado, e se até um passado recentea avaliação individual dos professores eraconcretizada através de organismos de ins-pecção e se baseava sobretudo na monito-rização dos processos, os novos modelosenfatizam hoje em dia a importância dosresultados, associados a uma crescenteautonomia e descentralização e, por conse-quência, a uma gradual diminuição daimposição de normas de carácter nacionalou regional.Voltando ao exemplo do Reino Unido, aavaliação interna elege como um dos prin-cipais objectivos resolver as incongruên-cias entre o sistema referencial de indica-dores de qualidade e o desempenho dasescolas. Em países como a República

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Checa, Espanha, Áustria, e mais uma vez oReino Unido, as inspecções externas aosestabelecimentos de ensino, baseadas deforma crescente em parâmetros padroniza-dos, incluem também uma análise queincide nos resultados da actividadedocente. Neste sentido, quer como ele-mento de avaliação interna quer externa,os resultados dos alunos nos exames nacio-nais estão a tornar-se gradualmente umabase para avaliar o desempenho das esco-las, e, na mesma linha, dos próprios profes-sores, como acontece na Estónia, Suécia,Escócia e Liechtenstein.Este tipo de política começou a terimpacto sobretudo a partir de 2005 – emInglaterra um pouco mais cedo, desde2001 –, apoiando-se numa ampla varie-dade de critérios que vão desde o desem-penho escolar dos alunos até à participa-ção dos docentes em actividades de forma-ção ou actividades de investigação, e comtendência, se não a substituir, a comple-mentar de forma decisiva a monitorizaçãode processos e a adequação dos requisitosde avaliação estabelecidos a nível nacionalou local. Surge também numa altura emque a crescente autonomia das escolas fezemergir um novo actor colectivo – a escola– que se tornou o principal foco de respon-sabilização do sistema. Como resultadodestas medidas, a monitorização individualdos professores deu gradualmente lugar àmonitorização colectiva do corpo docente,tendo alguns países passado a combinar aavaliação individual e colectiva. EmFrança, por exemplo, a avaliação individualconduzida pelos directores de escola epelos serviços de inspecção surge asso-ciada aos indicadores que monitorizam eclassificam as escolas (os chamados “ran-kings”).

Avaliação e progressãona carreiraTal como já foi referido, os meados da pre-sente década foram caracterizados pelaemergência de novos mecanismos de ava-liação do desempenho dos professorescom significativas repercussões na profis-são, aos quais surgem associadas, entreoutras medidas, incentivos financeiros ediferentes estruturas de evolução na car-reira. Assim, se a avaliação individual se

havia tornado praticamente uma excepçãonum período em que a responsabilizaçãopelos resultados assumia tendencialmenteum carácter colectivo, ela tende a emergiruma vez mais desde os meados da presentedécada.É o caso da Bulgária, onde a avaliação indi-vidual dos professores se assume agoracomo base para um sistema de carreira quecompreende quatro níveis, cada qual comum índice de remuneração e de formaçãopróprios. Aqui, o sistema leva em contanão apenas o desempenho individual dosprofessores mas também o contexto de tra-balho no qual adquiriram as suas compe-tências. Em Espanha, o ministério daEducação está a negociar com os sindica-tos a aprovação de um novo estatuto legalpara os professores não universitários ondese relaciona diferentes perspectivas de car-reira com o desempenho individual e seprevê a atribuição de “bónus de desempe-nho”. Esta nova forma de responsabiliza-ção profissional foi igualmente implemen-tada, com especificidades próprias, nacomunidade flamenga da Bélgica e emPortugal.

Na comunidade flamenga da Bélgica, osprofessores passaram a estar sujeitos desdeo passado ano lectivo (e desde este ano naeducação primária) a uma entrevista, repe-tida a cada três anos, através da qual seavalia o seu desempenho. Duas apre -ciações desfavoráveis podem resultar nodespedimento (tal como acontece com osfuncionários públicos em geral). De formasimilar, desde 2007 que na comunidade delíngua alemã a avaliação individual dosprofessores – desde sempre a cargo dosdirectores de escola nas escolas adminis-tradas pela Comunidade (ou pelo governobelga antes de 1989) - ficou consolidadanos estatutos referentes ao funcionalismopúblico do sector educativo público e pri-vado que são objecto de ajudas por partedo Estado. Relatórios de avaliação que ter-minem com o comentário de “inadequado”em dois anos sucessivos levam ao afasta-mento da actividade docente. No Reino Unido (Inglaterra, País deGales e Irlanda do Norte) este processoestá mais adiantado. Os sistemas de ges-tão do desempenho, inicialmente intro-duzidos nos anos 90 como medida deapoio à melhoria do trabalho docente,incluem agora mecanismos que fazemdepender o nível de remuneração dosresultados obtidos na avaliação. Aqui, asescolas são responsáveis pela gestão dodesempenho dos seus professores, aindaque as regras sejam definidas peloGoverno. A informação recolhida, queinclui os resultados das observações feitasna sala de aula, pode também ser utilizadapara outros fins, como dar corpo aos pla-nos de auto-avaliação e desenvolvimentoda escola. No entanto, na medida em queo processo é interno à escola e conduzidode forma anual, não está directamentedependente das inspecções periódicasque são conduzidas nas escolas, nas quaisos inspectores analisam aulas como parteda avaliação da qualidade do ensino sem,no entanto, se focarem individualmentenos professores.

Premiar os mais rentáveisEsta crescente sobreposição da monitori-zação individual e colectiva parece reflec-tir uma dupla tendência na avaliação dosdocentes, através da qual são crescente-

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mente julgados tanto como indivíduospessoalmente responsáveis pelas suas tur-mas, como elementos do corpo docente.Neste contexto, os incentivos financeirostornaram-se desde o início da presentedécada uma forma cada vez mais comumde premiar o desempenho individual dosprofessores. Na Hungria, por exemplo, osdirectores de escola monitorizam a quali-dade e a quantidade do trabalho desenvol-vido pelos docentes sob sua supervisão epodem recompensá-los ad hoc ou através debónus salariais. Desde 2007, os resultadosobtidos pelos alunos em exames nacionaispodem igualmente resultar na atribuiçãode bónus. Na República Checa, os directo-res de escola podem também recompensaros professores com extras salariais quepodem valer até 50 por cento do saláriobase ou redução do tempo de serviço. Os

professores com melhor desempenho rece-bem também uma remuneração adicionalna Eslováquia, onde a avaliação cobre umlargo espectro de critérios, desde os resul-tados académicos das turmas, à participa-ção em actividades educativas locais, ouserviços e iniciativas no contexto daescola. A Letónia, Lituânia e Roménia tam-bém oferecem bónus suplementares aosprofessores.Em nota de conclusão, poderá dizer-se queapesar de a avaliação não ter reflectido deforma consistente na legislação o alarga-mento do leque de tarefas atribuídas aosprofessores ao longo dos últimos anos,assistiu-se, em sentido contrário, ao desen-volvimento gradual dos mecanismos desti-nados à monitorização da actividadedocente. Num número crescente de países,estes mecanismos incidem sobre o traba-

lho dos professores a um e ao mesmotempo no plano individual e enquanto ele-mentos do corpo docente das escolas, ava-liando os resultados concretos das suasactividades, a forma como satisfazem oscritérios exigidos pela administração e aqualidade do seu desempenho. Em linhacom os princípios da Nova Gestão Pública(New Public Management), a sobreposi-ção de diferentes procedimentos avaliati-vos aumentou, na prática, a obrigação dosprofessores em responsabilizarem-se pelasua actividade profissional, com reflexossubstanciais na sua remuneração e nas con-dições de trabalho. O tempo ajudará a revelar a implicação e oimpacto que estas tendências e medidasterão no futuro da profissão, na qualidadeda educação e no desenvolvimento dos sis-temas educativos.

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EDUCAÇÃO desportiva

... Um sistema que secundariza a educação desportivaescolar, abandonada pelo poder político, sem dinheiro,circunscrita no presente ano lectivo a oito concentraçõesinter-escolas, enquanto correm, no orçamento regional de2009, 35,7 milhões de Euros para alimentar o monstrocriado em redor da representação regional, no quadro de umdesporto ao serviço da política e não de um desporto aoserviço do desenvolvimento (…).

André Escórcio

Escola B+S Gonçalves Zarco, Funchal, Madeira.Mestre em Gestão do Desporto

Cristiano Ronaldo é o melhor do Mundo.Quando, ao mais alto nível, se ganha o queele ganhou, quando, para além da soberbatécnica se atinge um número impressio-nante de golos numa só época, quando avotação é tão expressiva, pergunta-se,quem poderia ter ganho tão almejado tro-féu da FIFA? Foi um justo vencedor e pontofinal. Sinto-me feliz por isso, porque aexcelência, em qualquer sector ou área,fazem parte da auto-estima de um povo,quando esse povo se sente representadopor aqueles que, sendo da sua terra, forameleitos os melhores. Só lamento o facto deo País não dar relevo a outros de áreas cul-turais e da ciência que a troco de poucoproduzem muito. Choca-me, por isso, oque auferem as vedetas do desporto profis-sional, a imoralidade que por aí anda numfutebol mundial falido, a merecer profundareflexão. Mas esse é outro assunto, obvia-mente.O que não é aceitável é que o Presidentedo Governo Regional da Madeira venhacolar-se àquele êxito sublinhado: "(...)havia uns patetas da oposição que queriamque não houvesse competição, que fossetoda uma massificação e nunca haveriaCristianos Ronaldos. Aí sou um pedacinhoegoísta e sinto uma pontinha de orgulhonisto, porque foi a política desportiva a darresultados". Ora, Ronaldo, oxalá fosse, nãoé uma consequência da política educativa edesportiva regional. Bem pelo contrário.Foi preciso partir, ainda criança, para que,

Vossa Excelênciadisse uns patetas…?

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através de outro enquadramento, de uma invulgarambição e de muito sacrifício, o seu talento pudessedespertar, definitivamente, para superiores níveis deprestação técnica e competitiva. Tem acontecidoassim com tantos em vários domínios e, no desporto,em várias modalidades. Razão tem o Jornalistamadeirense Luís Calisto: "(...) Ronaldo é uma vedetado tamanho do mundo, mas ninguém garante quechegaria aonde chegou se não tivesse deixado tãocedo uma terra marcada por um sistema desportivotriturador de valores (…). A capacidade financeirade ir lá fora buscar plantéis, incluindo em divisõesinferiores e até em camadas jovens, permite-lhes dis-pensar os jovens da terra. E estes crescem semdireito a sonhar". Eu diria, sem direito à excelência,face a um sistema que secundariza a educação des-portiva escolar, abandonada que está pelo poderpolítico, sem dinheiro, circunscrita no presente anolectivo a oito concentrações inter-escolas, enquantocorrem, no orçamento regional de 2009, 35,7milhões de Euros para alimentar o monstro criadoem redor da representação regional, no quadro deum desporto ao serviço da política e não de um des-porto ao serviço do desenvolvimento.Depois, mascarando a realidade, a propósito dotítulo conquistado, discursam sobre a correlaçãodesse título com a promoção da Madeira. Ora, eu amatéria porque, em todos eles, fui orientador meto-dológico. O último dos quais realizado por umamadeirense, Licenciada em informação turística pelaEscola de Turismo do Estoril. Tratou-se de umestudo que replicou, de uma forma muito consis-tente, um outro realizado pela Universidade daMadeira. A investigação assentou em minuciososinquéritos, elaborados em cinco línguas, aplicados,em percentagens idênticas, junto de turistas oriun-dos dos cinco maiores mercados geradores deturismo da Madeira. A abordagem foi exaustiva aoponto da autora procurar saber quem vendeu o des-tino, que imagem deu do destino Madeira, que mate-rial desportivo colocou na mala de viagem e o graude satisfação encontrado na Região em relação àsexpectativas criadas. E os dados apurados dão contaque 97,3% dos visitantes procuram a Madeira pelospasseios a pé, pelas montanhas e levadas, pela paisa-gem natural (clima, mar e flores) e pelo des-canso/repouso. Seguem-se muitos dados nos maisvariados domínios: tranquilidade, social, cultural,criatividade, aventura, etc. Fica, portanto, claro, que não existe uma correlaçãodirecta entre os investimentos no desporto, sobre-tudo no desporto de expressão profissional, casoconcreto do futebol, e os fluxos turísticos. Ora bem, Vossa Excelência disse "uns patetas"?Coitado!

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A velha Europa vai a eleições profunda-mente desregulada relativamente aotempo, desde logo porque vive embre-nhada numa terrível contradição, até ver,insolúvel. Por um lado, necessita de seprojectar no futuro a fim de poder sobre-viver, por outro, falta-lhe uma ideia deprojecto que lhe organize o futuro quedeseja construir. E a Europa não consegueromper com esta dificuldade, enquantonão se libertar precisamente dos grandesresponsáveis pela situação caótica em quese encontra. Quer dizer, dos gordans, dosbarrosos, dos berlusconis, dos sarkozis ede tantos outros, dos quais nada se podeesperar senão mais do mesmo: mais mer-cantilismo selvagem, mais guerra, maismiséria…Se assim não for, a Europa até pode ter nopapel uma estratégia toda pomposa comoa de “Lisboa 2000-2010”, contudo, falta-

lhe prospectiva. Falta-lhe, como diriaGaston Berger, capacidade para ver longe ecom amplitude; para analisar em profundi-dade; para arriscar e; para pensar verdadei-ramente nas pessoas. Como isto não temacontecido, os resultados estão à vista: aeconomia entrou em recessão da qual nin-guém sabe quando sairá.Entretanto, a ruptura entre a estratégia e aprospectiva tende a agravar-se. E tende aagravar-se na medida em que, sendo aprospectiva o primeiro produto do pro-cesso de planeamento, está numa posiçãosecundária. De facto, no mundo globali-zado em que vivemos, em que os maisdiversos avanços tecnológicos nos com-primem, em simultâneo, o espaço e otempo, é a esquizofrenia da urgência quecomanda a acção dos políticos queimpõem à sociedade processos de tomadade decisão sustentados no imediatismo e

Uma éticapara o futuro A Europa até pode ter no papel uma estratégia todapomposa como a de «Lisboa 2000-2010», contudo,falta-lhe prospectiva. Falta-lhe, como diria Gaston Berger,capacidade para ver longe e com amplitude; para analisarem profundidade; para arriscar e; para pensarverdadeiramente nas pessoas.

Gustavo Pires

Universidade Técnica de Lisboa.Faculdade de Motricidade Humana

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no curto prazo, porque são aqueles quelhes proporcionam alguns efeitos de cos-mética política em tempo real. O pro-blema é que lhes falta prospectiva e, comotal, só por mero acaso serão portadores defuturo.As decisões políticas realizadas debaixodo estigma do imediatismo e do curtoprazo têm conduzido os mais diversos paí-ses europeus para um beco sem saída.Depois, a loucura financeira que hoje, pra-ticamente todos os especialistas e políti-cos dizem não se terem apercebido, comose fosse possível não ver um autocarroestacionado à porta de casa, veio criar ascondições para o desmoronar do sistemaeconómico a nível mundial. Em conse-quência, em matéria de organização dofuturo, os nossos queridos líderes, talcomo aconteceu na cimeira de Londres(G20) (2009), estão bem ao nível dosvidentes e adivinhos que acreditam poderver o futuro através da transparência duma“bola de cristal”. E alguma comunicação

social até acreditou que eles eram mesmocapazes, pelo que se transformou numaautêntica caixa-de-ressonância desprovidade qualquer sentido crítico. Em conformi-dade, para além dos discursos formaispoliticamente correctos, o que resultou deLondres foi que as regiões mais ricas doGlobo para além de irem continuar a viverà conta das mais pobres, a partir de agora,através dos grandes investimentos públi-cos, vão também passar a viver à custa dasgerações vindouras.Jerome Bindé, director da unidade de pre-visão da Unesco, na transição do século,teve a oportunidade de afirmar que, “oséculo XXI ou será prospectivo ou nãoserá. Prever para prevenir é o objectivo”. Eavisou que, para que uma política dê real-mente os seus resultados, é necessário quepasse uma geração, por vezes até mais doque uma. Por isso, aquilo que se pede aosdecisores é capacidade para ligarem olongo prazo às decisões actuais. Destemodo, a capacidade prospectiva é uma das

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competências mais decisivas em matéria degovernação dos países. Quer dizer, quaisos efeitos que hão-de surgir amanhã, dasdecisões que são realizadas hoje. O pro-blema é que, ao longo dos últimos anos, sea generalidade dos políticos demonstroualguma coisa foi a mais completa incapaci-dade para, acerca do futuro, terem umaqualquer ideia minimamente credível emobilizadora. Em conformidade, o pro-jecto europeu “Lisboa 2000-2010” trans-formou-se num nado-morto.Assim, o que se exige aos novos dirigen-tes europeus é não só uma ética para opresente como, fundamentalmente, umaética para o futuro. A fim de salvaguarda-rem o futuro da Europa e das geraçõesvindouras.

NOTA DO EDITOR:

Texto escrito antes de realizadas as eleições para oParlamento Europeu

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Acabo de reler um livro do teólogo PadreMário de Oliveira. Este intitula-seQuando a fé move montanhas. O seuautor é um homem de fé, mas de uma féque se confunde com um realismo insu-bornável diante do “mundo da vida”,diante das injustiças em que o nossomundo é fértil, designadamente aquelasque são “programadas” pelo Ter e peloPoder. Mário de Oliveira é uma consciên-cia vigilante, vivendo não só à maneira deEspinosa do “amor intellectualis Dei”, mastambém de uma fé que santifica porquenos faz mais solidários e fraternos (a difi-culdade da mensagem de Jesus está aqui enão em rezar terços, ou venerar santi-nhos). Para ele, a fé não nos leva a acredi-

«Quando a fémovemontanhas»

O teólogo Padre Mário de Oliveira é umaconsciência vigilante, vivendo não só à maneira deEspinosa do “amor intellectualis Dei”, mas tambémde uma fé que santifica porque nos faz maissolidários e fraternos (a dificuldade da mensagemde Jesus está aqui e não em rezar terços, ou venerarsantinhos).

Manuel Sérgio

Professor Jubilado. Universidade Técnicade Lisboa.Faculdade de Motricidade Humana

tar em dogmas (autênticos disparates) daImaculada Conceição, da infalibilidadepontifícia, do pecado original e nosquase-dogmas (disformes e grotescos) domilagre de Fátima e do celibato sacerdo-tal. A fé, para o Padre Mário de Oliveira,é uma versão do cristianismo primeiro,quando o cristianismo era a “religião dosescravos, protesto, mesmo se impotente,contra a ordem estabelecida, esperançano advento do Reino”. A fé, no PadreMário de Oliveira, é transcendência, masque não seja alienação, isto é, liberta dequalquer conotação com a ideologia dofundamentalismo neo-liberal ou de qual-quer outro pensamento único. A trans-cendência, em Mário de Oliveira, é a

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negação de toda e qualquer espécie dedeterminismo. Em sintonia, aliás, com ainterrogação de Jesus: “Homens de poucafé, por que duvidais?”.Ao lê-lo (e nem sei bem porquê) muitasvezes sou tentado a compará-lo com oRoger Garaudy que, na década de 70, nacompanhia de Teilhard de Chardin, mesurgia com uma extraordinária energia deirradiação espiritual. A quente luminosi-dade das suas imagens, o ardor da sua emo-ção e a helénica serenidade da sua filosofiafizeram de Garaudy um autor que não maisesquecerei – como não esqueço o entendi-mento atilado e cáustico, bem ao jeitodaquele filósofo francês, do Padre Máriode Oliveira. Por isso, o livro Quando a fémove montanhas deverá transformar-senum vade mecum para os que pretendemrepensar o cristianismo, visando apresentá-lo de acordo com as mais sérias aspiraçõesdas mulheres e dos homens do nossotempo. Como pode defender-se, hoje, opecado original? O Padre Mário deOliveira põe a nu, neste livro, o absurdo deum Deus, infinitamente justo, nos acusarde um mal que nunca praticámos:“Acontece, porém, que hoje sabemos que opecado original nunca existiu, nem sequerhouve um casal inicial do qual todos osseres humanos provêm (...). É verdade quetudo isso vem na Bíblia, no livro doGénesis, mas sabemos hoje que é um mitodas origens, uma forma poética, simbólicade relatar o começo da Humanidade (...).Por isso, tudo o que a catequese oficial daIgreja continua a ensinar a este propósito éaldrabice. E o chamado dogma daImaculada Conceição de Maria faz partedessa aldrabice. A verdade à luz daTeologia cristã e do Evangelho de Jesus éque todos fomos concebidos em graça, emamor, em relação com Deus e estamos cha-mados a abrir-nos progressivamente unsaos outros, umas às outras, num amor cadavez maior e mais desinteressado” (p.17).De facto, o pecado original; a virgindadede Maria, antes e depois do parto – sãodogmas em que o achincalhe à inteligênciasobe aos tons mais homéricos. Demais,propagados por padres que são mais domesmo, ou seja, incapazes de criticar, comhonestidade e coragem, as determinaçõesque chegam de Roma e que reduzem o cris-tianismo ao nível infantil de uma filosofia

pré-crítica. Roger Garaudy, no seuMarxisme du XXème Siècle, refere que ocristianismo criou uma dimensão nova doser humano: a de pessoa humana, a de umser que tem como atributo essencial a trans-cendência. Ora, “o encontro com a trans-cendência, ou antes, a irrupção da transcen-dência, não é uma experiência privilegiadae nada tem de teológico ou religioso, não éuma interrupção da ordem natural, por umaintervenção sobrenatural, mas é a experiên-cia mais quotidiana, a experiência especifi-camente humana: a da criação” (pp. 113-114). A transcendência é a dimensão profé-tica da vida e tem como radical fundante aliberdade. Mas como é possível a profecia,na Igreja Romana, se os profetas, como oPadre Mário de Oliveira, se vêem rodeadospela intolerância e a incompreensão daclasse dominante da Igreja, dita Católica? Ese nesta mesma Igreja, dita católica, há umaobediência cega à autoridade? O Papa Joseph Ratzinger afirma que “oessencial da fé é que nela não me deparocom algo inventado; na fé, o que vem aomeu encontro supera em muito tudoquanto nós, os homens, somos capazes depensar” (Joseph Ratzinger, Deus e oMundo, Tenacitas, Coimbra, 2005, p. 31).Só que na fé oficial da Igreja Católica sãoem demasia as invenções, como aquelasque acima já citámos e outras, como aRessurreição que se confunde com a reani-mação do cadáver de Jesus crucificado,quando “o relato evangélico (assim no-loensina o Padre Mário, no livro Quando afé move montanhas) de São João que faladisso é teológico e tem outra lei-tura/interpretação. Quando falo deMistério, não me refiro a uma realidadeincompreensível, mas a uma Realidade-escondida-que-se-nos-revela-e-nos-trans-forma, à medida que se nos revela”(p. 148).Daí que o Padre Mário se considere ateu: “Também eu sou ateu, mas (...) sou ateu ape-nas de todos os deuses que se alimentam degente. Por isso, posso dizer que sou ateuporque creio em Deus, no Deus de Jesus deNazaré, o Cruci ficado/Res sus citado” (p.49). Se não laboro em erro grave, julgo queo Padre Mário poderia fazer suas estas pala-vras de Roger Garaudy, em Paroled’Homme: “De que fé se trata? Fé em Deus?Fé no homem? É um falso problema: uma féem Deus que não implicasse a fé no homem

seria uma evasão e um ópio; uma fé nohomem que não se abrisse ao que nohomem supere o homem, mutilaria ohomem da sua dimensão especificamentehumana: a transcendência” (p. 225).A crença no Deus que Jesus nos ensinou étambém uma crença no Homem, porque(volto ao Padre Mário), “enquanto ressusci-tado, Jesus é o ser humano com o EspíritoSanto dentro” (p. 61). Não surpreende, porisso, que o autor deste livro viva “emestado quase contínuo de escuta do Deusvivo, o qual se nos revela e nos fala, nosacontecimentos de que são feitas todas asnossas vidas e todas as vidas de todas aspessoas e de todos os povos do mundo” (p.69). Não é fácil reduzir a meia dúzia delinhas uma crítica a qualquer um dos livrosdo Padre Mário de Oliveira, mas considerouma decisão ética ler cada um deles, comatenção e respeito. Porque se trata de umteólogo informado e de um homem culto ede alguém que é capaz de dar a própriavida pelos valores em que acredita (comojá o provou à saciedade). Se aqui é possíveluma nótula de carácter pessoal, deixem-meque confesse que aprendi com o PadreMário a perceber que não há separaçãoentre o sagrado e o profano, porque (semqualquer assomo de panteísmo) Deus estáem tudo! E acabo de aprender, após a lei-tura deste livro, que a ressurreição deCristo é ruptura e superação de umegoísmo acanhado, insignificante e anún-cio de que, na nossa vida, tudo é possível,ou seja, o possível faz parte do real.

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EDUCAÇÃO e cidadania

Creo que estamos atravesando una crisisde confianza. No comprendemos elmundo en que vivimos. Hay una crisiseconómica y mil explicaciones de ella,pero ninguna es sencilla y, mucho menos,clara. El discurso político (del gobierno yde la oposición). No sintoniza con la rea-lidad en la que estamos inmersos. Vivimosen la sociedad de la información, peropocas veces hemos estado tan desinfor-mados y tan poco sabedores de lo que esverdad y de que es mentira. La informa-ción se ha convertido en espectáculo. Seproponen modelos escasamente edifican-tes. El discurso moral se ha debilitado ylas ideologías han perdido vigor. El indi-vidualismo se ha adueñado de la sociedad.Los telediarios están llenos de muertes,robos, corrupción, y violaciones. Todoeso daña la confianza.

Necesitamos tener confianza en los demás:en las personas en las instituciones, en losgobiernos. Creo que esta sociedadmoderna y pretendidamente democráticanecesita recuperar un discurso basado en laconfianza. La confianza es una necesidademocional que nos permite relacionarnosde forma sana con los demás: con las per-sonas, con las organizaciones, con losgobiernos. No podemos vivir instalados enuna desconfianza radical. La sociedad nofuncionaría si no existe un mínimo de con-fianza en los demás. Necesitamos confiaren que el médico nos curará, en que el pro-fesor nos evaluará justamente, en que lapolicía nos defenderá si llega el caso, enque la comida servida en el restaurante estáen buenas condiciones y en que el juez noestará corrompido si tiene que juzgarnos…Necesitamos confiar en nuestra familia, en

Atravessamos uma crise de confiança.

Há uma crise económica e mil explicações dela mas

nenhuma clara e confiável. Os discursos do poder

estão dessintonizados com a realidade. E, no entanto,

para sair desta crise é urgente reactivar a confiança.

Miguel Ángel Santos Guerra

Universidade de Málaga, Espanha.Departamento de Didácticae Organização Escolar

Crisisde confianza

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nuestra pareja, en nuestros hijos, en nues-tros amigos y amigas…“Confianza es unapalabra a la que hay que otorgar muchaconfianza”, dice Muntean Rosenblum.Los cambios acelerados en el modelo defamilia, la pérdida de valores tradicionales,los movimientos migratorios violentos, loscambios en los modos de trabajo, la apari-ción de tecnología cada día más compleja,el desarrollo de mercados globalizadosemergentes, los nuevos patrones de con-ducta, la percepción de un futuro incierto,la sensación de ausencia de control sobre elcurso de los acontecimientos, la sensaciónde injusticia, los escándalos financieros, lasmentiras de los políticos, las falsas prome-sas, los mensajes contradictorios, los casosde corrupción, la pérdida progresiva deempleo…producen una crisis de confianza.Demasiados cambios, rapidísimos cambios,

profundos cambios para una misma capaci-dad de afrontarlos. Ahí estamos.Podemos tener mucha confianza, bastanteconfianza o algo de confianza.Podemos no tener ninguna, es decir noconfiar en nada ni en nadie. E, incluso,podemos desconfiar sistemáticamente detodo y de todos. Hay personas desconfia-das por naturaleza, por aprendizaje o porhábito. Todos conoceremos alguna. Sonesos profesores que, cuando se hacen cargode una clase, automáticamente dicen queese grupo fracasará. Son esos pacientes que,cuando acuden al médico, desconfían deque `pueda hacer algo por ellos. Son esosciudadanos que, cuando hay que votar,dicen que todos los políticos son iguales.La confianza lleva inherentemente apare-jado el riesgo. Mientras más confiamos,más fácilmente podemos ser defraudados.Por eso algunos prefieren no confiar en

nadie. Así no se llevan el chasco. Dado quela confianza se proyecta en otros y hacia elfuturo, siempre existe el riesgo de serdecepcionados. Por eso decía aquelcreyente: “Sagrado Corazón de Jesús, envos confiaba”. Es probable que muchosciudadanos de Estados Unidos y delmundo vean frustradas sus confianzas alhaber depositado en el Presidente Obamamás esperanzas de las que un ser humanopuede satisfacer.Si tenemos confianza en los demás es, pro-bablemente, porque también confiamos ennosotros mismos. La persona desconfiadatacha de ingenua o de boba a la que con-fía. Para salir de esta crisis es preciso reac-tivar la confianza. En nosotros mismos, enlos demás y en las instituciones. Lo cualsupone mejorar la autoestima y trabajarpor la mejora de las relaciones y el desar-rollo de los valores democráticos.

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CULTURA e pedagogia

No capitalismo tardio, o processo de globa-lização parece ter um papel fundamental naforma como as pessoas se constituem comosujeitos. Assim, seja numa vila periférica,numa grande metrópole ou em áreas rurais,por meio das novas tecnologias (internet,TV a cabo, telefone celular, Ipods) é possívelconectar-se, interagir, informar-se e consu-mir produtos de origens variadas e “distan-tes”. Apesar da imensa diversidade, uma lín-gua em especial se propõe a ligar as pessoase forjar muitas possibilidades de identidade– a língua inglesa. A presença maciça do inglês pode serobservada no mundo do trabalho, dacomunicação, das tecnologias, das viagense do entretenimento. E isso não acontecepor acaso. A expansão dos domínios desseidioma delineou-se a partir da RevoluçãoIndustrial e do processo de colonização depaíses nas Américas, Ásia, África e Oceania.Embora as condições para estabelecer oinglês como língua internacional tenhamsido implementadas pela Grã-Bretanha, aemergência dos Estados Unidos comosuperpotência, em meados do século XX,garantiu a consolidação desse idioma comolíngua global. O surgimento e “democrati-zação” da rede mundial de computadores –a internet − também contribuiu significativa-mente para essa expansão.

É nesse sentido que se pode falar deUniverso da Língua Inglesa. Tal expressão écompreendida como um termo amplo queabrange essa língua, materiais didáticos eparadidáticos para seu ensino, discursosproduzidos nela e a partir dela, produtos eartefatos culturais (roupas, perfumes, músi-cas, filmes, séries de TV, alimentos, tecno-logia, ciência, modelos de comportamentoe de educação formal) produzidos e/ouassociados aos países anglófonos – espe-cialmente Estados Unidos e Inglaterra – ea seus falantes (nativos ou não). Esse universo é parte constitutiva dosmodos de vida na contemporaneidade. Eleparece abranger literalmente todos os seto-res da sociedade e se fazer presente deforma mais ou menos explícita no nossocotidiano. O uso de termos e expressões dalíngua inglesa deixa marcas, inauguraracionalidades onde quer que ela se infil-tre. Como uma espécie de canto da sereia,somos envolvidos de maneira sedutoraespecialmente pela mídia. Em conseqüên-cia disso, as relações entre o inglês e pra-zer, felicidade, êxtase, sofisticação sãorepetidamente reiteradas nos anúncios epropagandas, nos filmes e séries, nas músi-cas e revistas. Além disso, a idéia de ser“descolado”, “antenado” e fazer parte deum clube, que promete “nada além do

…as relações entre oinglês e prazer, felicidade,êxtase, sofisticação sãorepetidamente reiteradasnos anúncios epropagandas, nos filmese séries, nas músicase revistas.

Gisvaldo Bezerra Araújo-Silva

Professor de Língua Inglesa, Mestre emLingüística Aplicada ao Ensino de Inglêse doutorando em Educação na UniversidadeFederal do Rio Grande do Sul.Integrante do NECCSO/UFRGSe bolsista da CAPES.

A língua inglesacomo imperativoda globalização

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melhor(1)”, está associada a tal língua. Emvirtude disso, somos impelidos a conhecer,estudar, integrar esse universo, que pro-mete garantir desde os melhores empregos− como demonstram diariamente os anún-cios classificados dos jornais − até momen-tos sucessivos de prazer a serem consumi-dos no estilo fast food.Considerando tal entorno, pode-se fazeruso da assertiva de Graddol (2007, p. 20)que aponta para a existência de uma eliteque considera o inglês como uma marcadistintiva. No mesmo sentido, tal língua

REFERÊNCIAS

FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Organização e tradução de Roberto Machado. Rio de Janeiro: Graal, 2008.

GRADDOL, D. The future of English? A guide to forecasting the popularity of the English language in the 21st century. United Kingdom: The English Company (UK)Ltd, 2000. Disponível em: http://www.britishcouncil.org/learning-elt-future.pdf. Acesso em: 05 jan 2009.

PHILLIPSON, R. Linguistic imperialism. Oxford: Oxford University Press, 1992.

(1) “Nothing but the best” (Leavin’, Jesse McCarthy, 2008).

tem sido apontada como forma de inserçãona cultura globalizada. Embora, inicial-mente, a língua inglesa tenha passado porum processo de domínio nos moldes maistradicionais do imperialismo, atualmenteela surge como parte de um dispositivoque, por meio de um “micropoder capilari-zado” (Foucault, 2008) nas suas mais diver-sas manifestações, parece capaz de ditarregras e normas às quais se moldam “cor-pos dóceis” para usufruir dos incontáveisbenefícios que seu conhecimento e utiliza-ção prometem oferecer.

Como um dos operadores centrais nacomodificação dos sujeitos da sociedadede consumo, a língua inglesa pareceaumentar consideravelmente o valor detroca dos indivíduos que não apenaspodem consumi-la, mas também podemser consumidos globalmente. Conformepontua Phillipson: “[a] conclusão pareceser a de que você está, num sentido muitoconcreto, desfavorecido se você não sabeinglês” (1992, p. 276). E quem se arriscariaa ficar desfavorecido num mundo onde acompetição acirrada impera?

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DO primário

Nos idos de setenta, fui trabalhar numaescola do Portugal profundo, chão deterra, paredes-meias com uma corte degado. Quarenta e oito maravilhosas crian-ças, mãos calejadas do uso da enxada,senhoras de segredos que eu sequer imagi-nara.

Trocámos saberes: ensinaram-me comoconduzir ovelhas e a produzir queijo; ensi-nei-lhes os saberes dos livros que eles nãotinham podido ler. Juntei uma pequenabiblioteca, enquanto eles me abriam pági-nas do livro da Natureza. Acatávamosa recomendação do Comenius de levar a

Na bucólica paisagem, ostoscos casebres abrigavamfamílias fustigadas peloabandono de séculos,morava um povo submissoaos desígnios de Deuse dos “coronéis” locais.Poderia faltar o pão, massobravam piolhose preconceitos.

José Pacheco

Escola da Ponte,Vila das Aves

No paísdeSalazar

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escola para debaixo da árvore (ou paradebaixo da mangueira, como faz o educa-dor Tião Rocha). E, assim, fomos aprendendouns com os outros, mediados pelo mundo… até aodia em que me pediram que lhes dissesse deonde vinham os bebés. Levei-lhes dois livrinhos de uma editoracatólica, que abordavam o assunto empezinhos de lã. Eu sabia o caminho quepisava. Na bucólica paisagem, os toscoscasebres abrigavam famílias fustigadas peloabandono de séculos, morava um povosubmisso aos desígnios de Deus e dos“coronéis” locais. Poderia faltar o pão, massobravam piolhos e preconceitos. Os meus alunos aprenderam aquilo que aignorância havia infectado de malícia.Expliquei-lhes aquilo que os seus pais sen-tiam vergonha de explicar. Mas, muitocedo, aprendi que o maior aliado de umprofessor é o outro professor e que omaior inimigo é, também, o outro profes-sor. No dia seguinte, a escola estava vaziae um padre estava à minha espera. Disse-me que algumas professoras tinham espa-lhado o boato de que o novo professor

tinha posto crianças nuas a imitar relaçõessexuais. A população armou-se de foices egadanhos e foi ao meu encontro. Escapeido linchamento por acaso, porque, nessedia, fui por outro caminho. O padre prote-geu-me da turba furiosa, dando-me guaridana sua residência. E, à noite, com a sua pro-videncial ajuda, pude reunir os pais dosmeus alunos. Na aldeia, não havia energia eléctrica. A luzdas tochas e das velas projectavam sombrasnas paredes esburacadas, acentuavam oscontornos dos rostos furibundos que merodeavam. Pedi às crianças que falassem.Elas disseram que nada daquilo que as pro-fessoras disseram era verdadeiro, que o pro-fessor apenas tinha falado de dois livros,livros que vieram da igreja.Desmontada a trama urdida pelas professo-ras, os pais exageraram nos pedidos de des-culpa. A partir desse dia, com generosidade(e remorsos?) ofereciam-me ovos, carne deporco, queijo fresco…. Também me ofere-ceram casa gratuita, para lá ficar a viver. Masdecidi ir embora. Aqueles aldeãos mantive-ram-se súbditos dos senhores das terras e

das almas. E a simplicidade dos costumes eraterreno fértil para o fomento da ignorância.Razão tinha Ivan Illich quando disse haverquem medisse o seu êxito pelo fracasso dosdemais. Também na Educação, a ignorânciaé condimento da sanha destrutiva contraqualquer projecto que escape à mediocri-dade reinante. A Escola da Ponte que odiga… Hoje, os meios são mais sofisticados, masem nada se distinguem dos de antigamente.Pseudónimos e anonimatos protegem osque atiram a pedra e escondem a mão. E adeturpação da realidade – à mistura comuma ponta de verdade, para a mentira sersegura – produz os mesmos nefastos efeitos. Não me surpreendeu o facto de o povoportuguês ter eleito Salazar como o cida-dão mais ilustre da sua História. EmPortugal, a Ditadura prolongou-se porquarenta e oito tenebrosos anos. Depois,os dinheiros da Europa travestiram-na deDemocracia. Hoje, são inúmeros os super-mercados e escasseia a cidadania; dispo-mos de novas estradas para irmos a lugarnenhum.

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«Vivemos numpaís onde oEstado avaliaas escolas, osprofessores eos alunos, masonde nemo Estado nemas políticaspúblicas sãosuficientementeavaliados.»

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Entrevista conduzidapor RICARDO JORGE COSTA

Almerindo Janela Afonso é Licenciado em Ciências Políticas e Sociais eDoutorado em Educação, na área de conhecimento de Sociologia da Educação.É Professor Associado do Instituto de Educação da Universidade do Minhoe Pesquisador do Centro de Investigação em Educação (CIEd). As suas áreasde interesse na investigação e docência centram-se nos domínios da sociologiada educação, políticas educativas e avaliação educacional, temas sobre os quais tempublicado artigos em diversas revistas da especialidade, nacionais e estrangeiras,bem como em outras obras, das quais se destacam “Políticas Educativas e AvaliaçãoEducacional” (UM, 1998); “Avaliação Educacional: Regulação e Emancipação”(Cortez, 2005, 3.ª Ed.); e, em co-autoria, “Reformas da Educação Pública.Democratização, Modernização, Neoliberalismo” (Afrontamento, 2002).Co-organizou recentemente, com Teresa Esteban, o livro “Olhares e Interfaces.Reflexões Críticas sobre a Avaliação” (São Paulo: Cortez, em publicação).Em 1999 recebeu o Prémio “Rui Grácio” de Ciências da Educação, atribuído pelaSociedade Portuguesa de Ciências da Educação e Fundação Calouste Gulbenkian.É membro de conselhos científicos de prestigiadas revistas académicas e membro dediversas associações científicas nacionais e internacionais, entre as quais a EuropeanEvaluation Society e a International Sociological Association. É um dos maisprestigiados investigadores na área da avaliação educacional em Portugal.Aqui, a Almerindo Janela Afonso pedimos a sua opinião essencialmente sobre um temaque tem marcado a política educativa em Portugal: a avaliação.

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GRANDE entrevista

Que mudanças ocorreram no plano da avaliação educacional emPortugal na última década?

Em meados dos anos 1980, em termos de políticas educativas,Portugal ainda se encontrava em relativo contraciclo face a paísescentrais, como os Estados Unidos ou o Reino Unido. Entre nós, porexemplo, as reformas postas em prática nos primeiros anos docavaquismo colocavam uma ênfase muito forte na avaliação forma-tiva – congruente, aliás, com o discurso de valorização do professorcomo profissional e com o desejo, que alguns sectores alimentavam,de virmos a ter um novo modelo de direcção e gestão que pudessepermitir uma autonomia relativa mais expressiva para as escolas eactores educativos. Mas é claro que os ventos neoliberais estavama chegar e, nesse sentido, as medidas educativas acabaram por serevelar ambíguas e heterogéneas – oscilando entre a expansão con-juntural de direitos e a sua retracção ou, então, entre a intervenção

do Estado e as lógicas e medidas de privatização – algo que desig-nei na altura como “neoliberalismo educacional mitigado”.Já a partir de meados dos anos 1990, com os governos deGuterres, houve alguma preocupação em conter alguns efeitosnegativos de formas de avaliação externas, que entretanto reapa-reciam, tendo-se evitado, por exemplo, no consulado do ministroSantos Silva, que fosse o Ministério da Educação a publicitar os ran-kings de escolas baseados em exames nacionais. Nesse período,sobressaem os currículos alternativos e os territórios educativosde intervenção prioritária – medidas induzidas pela “ideologia dainclusão”, como a designou José Alberto Correia –, bem como odesejo de construir parcerias e fazer um “pacto educativo”, dei-xando a ideia das grandes reformas de lado.Mais tarde, já com os governos de Durão Barroso e de SantanaLopes, a obsessão avaliativa instalou-se. Tivemos, aliás, um ministro daeducação, David Justino, que foi um dos mais entusiastas defensores

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dos exames nacionais e dos rankings das escolas, e tudo isso sus-tentado num discurso de redefinição dos conceitos de público e deeducação pública, que a proposta de Lei de Bases da Educaçãodestes governos, entre outras coisas muito discutíveis, pretendia.

Esta legislatura fica marcada pela dificuldade emestabelecer um modelo justo, sustentável e exequívelde avaliação dos professores

Qual foi, nesse sentido, a postura do actual Governo?

O actual Governo, sustentado por uma maioria absoluta do PartidoSocialista actual, continuou, de certo modo, esta obsessão avaliativana medida em que, como consta do seu programa de governo, pre-tendeu expandir a avaliação para todas as áreas do sistema de edu-cação e formação, designando-a, aliás, como uma das ambições paraa legislatura. E, para além da avaliação, este mesmo Governo intro-duziu, em vários normativos legais, referências a princípios e a for-mas parcelares de prestação de contas que julgo louvável, mas sem,todavia, ter criado um sistema de accountability (prestação de con-tas e responsabilização) para o sistema educativo que pudesse serarticulado, coerente e avançado em termos éticos, epistemológicose democráticos. Ao contrário, esta legislatura fica marcada pela dificuldade em esta-belecer um modelo justo, sustentável e exequível de avaliação dosprofessores, ainda que tenha conseguido, por outro lado, iniciar eimplementar, com um sucesso discreto, um novo programa de ava-liação externa das escolas – a este propósito é interessante ver oparecer do Conselho Nacional de Educação. Do meu ponto de vista, aliás, um dos aspectos muito positivosdeste modelo de avaliação das escolas é o facto de ele se articu-lar com formas parcelares de accountability, nomeadamente comdimensões de participação de todos os actores educativos, trans-parência e prestação pública de contas. A publicitação dos relató-rios de avaliação externa e os seus contraditórios são, entre outros,um exemplo do que acabei de afirmar.

Mudanças que se inscrevem no contexto de um processo maisamplo a nível internacional...

Sim, claramente, num processo de globalização e de crescente“contaminação” e “importação” das agendas políticas, que é paralevar a sério. E se muitos e importantes movimentos cívicos, cultu-rais e políticos têm conseguido oferecer alguma resistência, mesmoassim eles continuam a ser insuficientes. Curiosamente, falamos num momento em que se realiza mais umencontro do Fórum Social Mundial. Julgo que essa poderá ser, even-tualmente, a alternativa possível: o reforço sustentado de movimen-tos de globalização contra-hegemónica que se articulem de formamais organizada, de modo a tentar conter e modificar certas agen-das e, sobretudo, propor e construir alternativas credíveis. Talvez precisemos olhar mais de perto o último livro deBoaventura Sousa Santos – Epistemologias do Sul – para nos des-centrarmos de visões eurocêntricas e neocoloniais que nos

impedem de imaginar outras visões do mundo. Mas as resistênciase o “pensamento alternativo de alternativas” em relação às agen-das e políticas para a educação e formação parecem não estar tãopresentes nos movimentos contra-hegemónicos.

Em termos de formas de avaliação, que outras mudanças estão aocorrer?

As influências que pesam sobre cada país dependem inevitavel-mente de factores tão diversos como a sua posição periférica ousemi-periférica relativamente aos países centrais, bem como dequestões como as tradições, os níveis cívico, moral e de escolariza-ção das populações, as formas de organização dos sistemas educa-tivos, os graus de desenvolvimento económico, a natureza e confi-guração dos regimes políticos, a vitalidade da sociedade civil, oscompromissos com organizações internacionais e supranacionais -como, entre nós, a própria União Europeia –, entre outros. No caso português, sabemos que existe uma indução muito forteno sentido de tornar a avaliação mais presente e transversal, já não

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apenas com incidência na avaliação dos alunos, mas também nasescolas e nos profissionais da educação. Aliás, parece-me que oprograma do actual governo, e muitas das orientações que esteseguiu, são congruentes com essas pressões exteriores vindas daUnião Europeia, mas também de organizações como a OCDE eoutras. Nunca como hoje, o governo dos números foi tão evidente.Aí estão as estatísticas internacionais, as avaliações comparativas –como as que são levadas a cabo por programas como o PISA –, osrelatórios Education at a Glance, etc., etc. O meu colega António Teodoro tem sido um dos investigadoresque em Portugal mais tem chamado a atenção para este facto.Aliás, é no contexto da União Europeia que podemos localizaralguns dos impulsos iniciais mais marcantes no que diz respeito auma dimensão menos estudada, mas, do meu ponto de vista, extre-mamente importante: a avaliação das próprias políticas de educa-ção e formação. É esta, aliás, a minha actual área de interesse emtermos de investigação e reflexão. Sem pormos de lado a importância e as consequências do quealguns autores já chamaram o “comparativismo globalizador”, quenão tem apenas aspectos negativos, há que não esquecer que aavaliação em educação visa sobretudo outras possibilidades, maisdemocráticas, criativas e emancipatórias. Como tenho repetidonoutras ocasiões, as teorias e epistemologias da avaliação têmavançado muito mais em termos de complexidade metodológica ede validade social, ética e cultural do que pode parecer quandoolhamos muitas das práticas e das políticas de avaliação.Frequentemente marcadas, aliás, por um revés neopositivista.

A emergência da figura do director de escola ocorrede forma lenta e gradual ao longo de vários anos

Partindo do trabalho que tem feito nesta área, que conclusõespode adiantar?

Vivemos num país onde o Estado avalia as escolas, os professores eos alunos, mas onde nem o Estado nem as políticas públicas são sufi-cientemente avaliados. Neste aspecto, aliás, considero que a integra-ção de Portugal na União Europeia trouxe alguns aspectos positivosporque, de alguma forma, tem induzido a avaliação das políticas, con-dicionando mesmo, por esse processo, muito financiamentos e pro-gramas. Mas existe entre nós, apesar de tudo, uma forte relutância em ava-liar políticas e acções de governação; e, sobretudo, uma granderelutância na adopção clara de sistemas ou modelos democráticose justos de accountability. Deveria ser normal que um governanteprestasse contas aos cidadãos, à sociedade civil, aos profissionais,aos pais – e que os cidadãos, os pais e a sociedade civil exigissema prestação de contas e a responsabilização dos governantes e dosdirigentes que estão à frente de instituições públicas ou que visamo interesse público, sem que nenhuma das partes se excluísse dassuas próprias responsabilidades. Afinal, a co-responsabilização éuma dimensão da vida colectiva que visa manter um mundomelhor onde possamos ter uma vida mais decente e digna.

A classe política entende habitualmente que essa prestação decontas deve ser feita apenas em altura de eleições...

Numa democracia representativa, os períodos que antecedem aseleições e as próprias eleições são, sem dúvida, momentos quepossibilitam essa prestação de contas. Mas pretender circunscrevertoda a questão a esses momentos dá-nos uma visão muito redu-tora sobre a política, a vida, e a “política da vida”. A exigência daprestação de contas faz parte dos discursos partidários de inspira-ções e recortes ideológicos muito distintos. Esta é, por isso, uma questão mais complexa e ampla que não podeser assumida sem um profundo questionamento dos seus pressu-postos, dispositivos e consequências. Por isso, não pode dependerde momentos, factos e motivações que têm, muitas vezes, umadimensão pragmática, incerta e instável, e que se esgotam nas elei-ções. Neste sentido, penso que é preciso assumir que a avaliação daspolíticas pode ser uma forma de integrar a prestação de contas ea responsabilização nos processos de governação. Com a vanta-gem de, também dessa forma, se assumirem com mais sentidoético os compromissos dos períodos eleitorais. Mas, não esqueça-mos que há muitos modelos diferentes de accountability – desdeos menos democráticos aos mais democráticos – para os quaisprecisamos dirigir a nossa disponibilidade de cidadania crítica ecapacidade reflexiva.

As políticas educativas seguiram ao longo da última década, por-tanto, um rumo bastante diferente daquele que era preconizadonos anos 80 e 90?

Acho que houve uma maior clarificação em relação a certos cami-nhos. Se pensarmos, por exemplo, nas últimas alterações ao modelode gestão das escolas públicas, podemos constatar que a emergên-cia da figura do director de escola ocorre de forma lenta e gradualao longo de vários anos. Possivelmente, a transição que os sectoresmais conservadores e neoliberais realizaram noutros países nãoteve terreno tão propício, na mesma altura, para uma mudançaidêntica em Portugal. Hoje, pelo contrário, uma gestão voltada paraprocessos de eficiência, avaliação e controlo, inspirada na “visão” dachamada nova gestão pública (“new public management”), e quealastrou a partir de países centrais, acabou por ser adoptada, tam-bém entre nós, pelo Estado e pela administração pública. Neste contexto, os dispositivos de prestação de contas hierár-quico-burocráticos ou “managerialistas” têm muito pouco a vercom uma democracia crítica e participativa. Aliás, corremos o riscode termos algumas escolas transformadas em panópticos de ins-trução altamente desmotivadores para estudantes e professores. Eisto é ainda mais grave se tivermos presente que, de há uns anos aesta parte, tem vindo a esboçar-se um fosso entre democratizaçãoe meritocratização/selectividade. Criou-se a ideia, por exemplo, de que o ensino básico, porque uni-versal e obrigatório, era um mal necessário decorrente das políti-cas de democratização, e que, por isso, teriam de ser os níveis edu-cativos subsequentes, como o secundário, a assumir a função de“pôr ordem” no sistema e reintroduzir padrões meritocráticos e demaior selectividade. Este movimento reorganizativo acentuou-se

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por causa da massificação do ensino secundário e do aumento dodesemprego dos jovens, conduzindo a uma crescente pressão, porparte da classe média no sentido de se adoptarem estratégias maisexplícitas de preservação dos seus interesses e expectativas. Neste sentido, a introdução de mecanismos de maior selectividade,como é o caso dos exames externos, pretende contribuir, entreoutros aspectos, para fazer a gestão da crise da escola e das diver-sidades nela presentes. E esta maior selectividade e pressão para aprodução de resultados mensuráveis não é, de todo, compatívelcom qualquer modelo de gestão.

Voltando ao tema da nossa entrevista e a uma questão que fre-quentemente se coloca neste debate: avaliar implica neces -sariamente classificar? Qual é a sua opinião?

Uma acção não é necessariamente consequência da outra. A avalia-ção tem uma dimensão muito mais ampla do que a classificação.Esta última poderá, eventualmente, ser uma das consequências daavaliação – uma consequência estática. Mas a avaliação é dinâmica,procura ajudar a promover, a mudar e a melhorar os nossos percur-sos e projectos, para termos uma consciência crítica dos processos,

das organizações, das pessoas, das interacções. A avaliação é um uni-verso maior, é um campo denso da prática social, de pesquisa e deinvestigação empírica e teórica, sendo, também, um campo de deci-são política e educacional.

De uma forma generalista, que principais questões enformamhoje os sistemas de avaliação?

Há pelo menos duas questões a ter em conta. Antes de mais, a quediz respeito à forma como são utilizados os sistemas de avaliaçãopelos poderes constituídos e governos dos diferentes países, ouseja, como se assume a avaliação enquanto instrumento ou estra-tégia, quer de controlo, quer de gestão, quer de apoio à decisão.Por outro lado, temos a questão que diz respeito à forma como aavaliação é encarada enquanto ferramenta ao serviço da capaci-dade de empowerment, de desenvolvimento, de emancipação, decriatividade, de acesso ao conhecimento e de auto-conhecimento. Ao mesmo tempo, temos de pensar não apenas nas grandes orien-tações das políticas de avaliação, mas também em tudo aquilo quehoje está disponível em termos de reflexão científica, metodológicae ética em torno da avaliação. Para responder à sua questão, diria

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que existem actualmente, pelo menos, dois movimentos: um quequestiona a agenda em torno das políticas de avaliação – e da ava-liação de políticas – e outro que se centra nas epistemologias eteorias da avaliação – ou numa meta-avaliação da avaliação. Respeito muito aqueles que defendem que a avaliação é, e deveser, uma disciplina científica, até porque muitos são grandes nomesdo pensamento e da investigação em avaliação. Eu prefiro, todavia,falar de um campo, no sentido que lhe atribui Pierre Bourdieu,enquanto espaço atravessado por muitas influências, poderes, para-digmas, contributos… Estas posições devem ser consideradas como pontos de partidapara tentar responder ao que me pergunta – coisa que não pode-rei fazer por agora.

Não é com instrumentos burocratizantes, pouco cre-díveis ou impostos que se avalia uma profissão com-plexa como a docência

Defendia em tempos uma avaliação formativa no contexto de um“projecto de educação emancipatória” que funcionasse como eixode articulação entre o Estado e a comunidade. Essa “utopia reali-zável”, como lhe chamava, ainda é possível no actual contexto?

Sim, perfeitamente, e isso inscreve-se, sobretudo ao nível local, nasperspectivas de resistência contra-hegemónica que há pouco refe-ria. Mas uma avaliação formativa é mais complexa porque exigecondições que, infelizmente, estão cada vez mais afastadas do quo-tidiano das escolas públicas. Pressupõe, por exemplo, uma relaçãode confiança entre professores e estudantes. Infelizmente, vamo-nos apercebendo que vivemos num sistema em que a desconfiançaimpera: dos governantes em relação aos governados, do ministérioem relação aos professores, dos professores em relação aos alunos,dos pais em relação aos professores; e vice-versa. É uma caracte-rística muito marcante na nossa sociedade actual. E julgo que, neste aspecto, este Governo começou muito mal.Mesmo conferindo o benefício da dúvida sobre as eventuais boasintenções da tutela, as críticas iniciais aumentaram a desconfiançasobre o sistema e sobre os professores. E grande parte do actualsentimento de desmotivação resulta desta desconfiança. Mas háoutras condições que são necessárias para fazer uma avaliação for-mativa enquanto dispositivo de aprendizagem e de realização pes-soal: motivação, autonomia e empenho profissionais, direito a tervoz e a ouvir outras vozes, conhecimento para lidar com as dife-renças, possibilidade de acompanhar percursos distintos, tempopara fazer registos e planificar caminhos, colaboração sincera dosalunos, dos pais e da comunidade educativa… Há certamente práticas docentes que estão imbuídas de orienta-ções formativas em termos de avaliação, mas é muito difícil dizerque a avaliação formativa é uma prática normal no quotidiano dasnossas escolas. Por isso, trata-se de uma modalidade de avaliaçãoque, para poder ser concretizada com todas as condições pedagó-gicas, tem que ser assumida num compromisso entre o Estado, osestudantes, os professores e a comunidade.

Irá levar algum tempo a recuperar o sentimento de confiançamútua...

Claro, e sem essa confiança mútua não é possível pôr em práticauma avaliação formativa séria. Porque ela supõe que os alunossejam capazes de se expor e falar das suas dificuldades solicitandoajuda; da mesma forma, cada professor, confiando nos alunos, deveser capaz de compreender o que está em causa e criar condiçõespara proporcionar essa ajuda e acompanhamento. A avaliação for-mativa precisa de mais tempo para ser preparada, quer em casa,quer na escola. Defender a avaliação formativa é, de alguma forma,abalar o sistema tal como está actualmente estruturado. Ora, essamudança não parece compatível com a racionalidade dominante,nem com o predomínio de outras formas de avaliação, a que jáaludi nesta entrevista.

É possível um sistema de avaliação aferir objectivamente a quali-dade do desempenho de um professor?

Em avaliação, a objectividade é sempre a objectividade possível. Sea função docente é, em si mesma, complexa, os instrumentos deavaliação têm de corresponder a essa complexidade. E quandodigo intrumentos complexos não pretendo dizer complicados, massim dispositivos de avaliação que consigam dar conta da amplitudedas tarefas e das suas especificidades. Não é com instrumentosburocratizantes, pouco credíveis ou impostos que se avalia umaprofissão complexa como a docência. Há, felizmente, muitos mode-los testados e conhecidos sobre a avaliação do desempenhodocente noutros países. Mas é necessário mais tempo para chegar-mos a um modelo que seja consistente e consensual porque osprofessores querem, e precisam, de ser avaliados, mas de umaforma que os dignifique como pessoas e como educadores. A este propósito, temos que pensar por que razão a experiênciarecente de decidir um modelo de avaliação do desempenhodocente não correu bem entre nós. Talvez possamos aproveitar obalanço crítico dessa experiência para repensar muitas coisas. Já hámuito tempo se sabia que indexar ou condicionar, ainda que fosseapenas em parte, a avaliação dos professores aos resultados esco-lares dos alunos seria uma decisão problemática e injusta. Há alguns anos escrevi a este propósito, dizendo nomeadamenteque seria uma das coisas mais nefastas que poderiam acontecer.Aqui, como noutras coisas, não aproveitámos as boas experiências.Se é verdade que a acção de um professor pode ser decisiva parao sucesso escolar de um determinado aluno, ou mesmo de umaturma, também sabemos que o sucesso é um fenómeno multifac-torial que não se resume à competência profissional dos professo-res. Este aspecto acabou por ser provisoriamente deixado de lado,mas não sabemos como será resolvido. Eu defendo que a questão crucial é saber se consideramos ou nãoos professores como profissionais, e o que é que isso pode signifi-car exactamente numa época de mudanças educacionais e sociaisprofundas, não apenas em relação aos dispositivos de regulaçãocomo também em relação ao que podem ou devem ser as mis-sões e objectivos essenciais da educação. Sem criar consensos emtorno destes pressupostos é difícil decidir que modelo de avaliaçãodeve ser proposto para e com os professores.

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PEDAGOGIA Social

José Antonio Caride Gómez

Universidade de Santiago de Compostela, Galiza,Espanha. Faculdade de Ciências da Educação. Educar

la libertaden lascárceles

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La Pedagogía Social, no puede ni debe situarseal margen de todas as iniciativas educativas que asumanpropósitos emancipatorios, aún en situaciones tanadversas como las que supone educar a personas queestán en la condición de prisioneros. Lo dijo de otromodo Antonio Lobo Antunes tomando como título de surelato el breve fragmento de una canción americana:“cualquier luz es mejor que la noche oscura”.

El pasado diciembre la Facultad deCiencias de la Educación de laUniversidad de Granada acogía en estaciudad el I Congreso Internacional de AcciónSocioeducativa en el Medio Penitenciario, otor-gándole un especial relieve temático a laeducación social en situaciones de riesgoque afectan a la infancia, las mujeres y lasfamilias; y, de un modo más específico, alos desarrollos teóricos y prácticos que rei-vindican una lectura alternativa del queha-cer educativo en las cárceles, congruentecon las recomendaciones que los organis-mos internacionales y nacionales vienenproclamando al señalar que uno de losfines primordiales de la acción penitencia-ria consistirá en la reeducación y reinser-ción social de los penados.Sin duda, la convocatoria de un Congresoque invita a poner en valor el potencialpedagógico y social de quiénes difícil-mente podrán asumir por ellos mismos elpleno desarrollo de sus capacidades inte-lectuales, culturales y sociales, merece unreconocimiento muy positivo. Máxime, sicon su realización se extienden las sensibi-lidades de la educación hacia personas ycolectivos marcados por una complejatrama de circunstancias sociobiográficas yestructurales habitadas por la margina-ción, la exclusión y la segregación social.Y, con ellas, muy a menudo, por diferentesmodos de transgredir o minorar los dere-chos humanos; entre otros, los que invo-can la libertad, la igualdad y la justiciasocial.La Pedagogía Social, de la que proclama-mos su decidido compromiso con unaeducación crítica y transformadora, nopuede ni debe situarse al margen de estos

Aunque se trata de una tarea especialmentecomplicada en contextos de encierro, laEducación Social que proponemos ha deaceptar los desafíos que ello comporta. Y, deforma coherente, contribuir junto con otrasactuaciones de carácter político, jurídico,psico-social, asistencial, económico, etc. asocializar y habilitar a las personas privadasde libertad en las actitudes y competenciasque precisan para mejorar su vida, dentro yfuera de los establecimientos penitenciarios.De ahí que, retornando a Erich Fromm y aPaulo Freire, sintamos la necesidad deproyectar en la Educación Social el afánhumanista de educar a las personas paraque pierdan el miedo a la libertad, en elsentido positivo de realización de su pro-pia personalidad individual, pero tambiénde encuentro, diálogo y convivencia conlos demás. Lo ilustró en su “proceso” FranzKafka, cuando el comerciante Block lerecuerda al detenido Joseph K. un viejoproverbio: “es mejor para un hombre sos-pechoso agitarse que permanecer enreposo, pues el que permanece en reposocorre siempre el peligro de encontrarse sindarse cuenta en uno de los platillos de labalanza y ser pesado en ella con el peso desus pecados”. Lo dijo de otro modo y condistinta intencionalidad Antonio LoboAntunes en su “libro de crónicas” en OPúblico, tomando como título de su relatoel breve fragmento de una canción ameri-cana: “cualquier luz es mejor que la noche oscura”.La Educación Social, y con ella otras edu-caciones, por mucho que el poder de lascircunstancias atenúen sus luces, siemprepodrán iluminar la oscura noche, de ama-neceres inciertos, que se cierne sobre lascárceles.

logros; y, consecuentemente, de todasaquellas iniciativas educativas que asumanpropósitos emancipatorios, aún en situa-ciones tan adversas como las que suponeeducar a personas que están privadas delibertad, interviniendo en la condición deprisioneros allí donde lo son. Al menoscon una doble perspectiva: de un lado,como diría Mayor Zaragoza, procurandoque la primera misión de toda educaciónsea “liberar al ser humano, donde quieraque sea posible, de la coacción y de laignorancia”; de otro, aceptando – conSavater – que los ciudadanos libres y res-ponsables no se improvisan, sino que seforman y conforman mediante la educa-ción, como seres capaces de convivir yrespetarse.La libertad, aún cuando esté profundamenteinhibida, como sucede en las cárceles, ade-más de representar uno de los soportes éti-cos y morales más estimables de cualquieracción educativa, también constituye unode sus principios y fines más preciados,tanto a nivel individual como colectivo. Nonacemos libres, sino que aprendemos a serlomediante la educación, como seres capacesde convivir y colaborar.Así quisimos expresarlo en el Congreso alque hemos aludido, poniendo énfasis en elderecho a la educación (social) en las insti-tuciones penitenciarias, no sólo como unaoportunidad puesta al alcance de quienesestán recluidos, sino y sobre todo comouna de las principales opciones para reco-nocerse en su historia personal y social, dereleerla y rescribirla mejorando su calidadde vida, activando su condición ciudadana,haciendo uso de sus derechos y asumiendosus deberes cívicos.

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Isabel Baptista

Universidade Católica Portuguesa, Porto.Faculdade de Educação e Psicologia

Autoridade socialda instituiçãoescola e cidadaniasolidária

«EM CADA ROSTO IGUALDADE»

Mais importante do quetentar ser«o melhor do mundo», omelhor professor,o melhor aluno, a melhorescola, é tentar ser«o melhor para omundo», respondendocom sentido desolidariedade ao outroque, sendo diferente, nosé próximo.

Num tempo em que se fala de «revoluçãosocial da aprendizagem» e se elege a educa-ção como um bem humano essencial, asescolas portuguesas são organizações emsituação de sofrimento, investidas de man-datos sociais inconsequentes, carentes deestima pública e privadas do clima de liber-dade necessário à sua respiração, à sua dinâ-mica vital e ao seu desabrochar. Adoptandouma definição proposta por Paul Ricoeur,chamamos «instituição» à estrutura organi-zacional que configura o regime de vida«com e para os outros» num determinadocontexto histórico, assegurando duração,coesão e carácter a esse viver, considerandoque uma democracia com instituições esco-lares fragilizadas é, certamente, uma demo-cracia vulnerável.Pensadas para responder a necessidadeshumanas, as instituições não são apenasedifícios, muros, paredes ou regulamentosmas sim unidades sociais vivas, animadaspor pessoas de «corpo e alma». Mas preci-samente por isso, porque em referênciaestão as pessoas, os seus problemas, os seusdramas, os seus interesses e os seus sonhos,

as instituições são também edifícios,muros, paredes e regulamentos. Ao contrá-rio de outros dispositivos intangíveis eextraterritoriais, como as redes sociais, porexemplo, as escolas são instituições, isto é,organizações ligadas a «um chão», a umarealidade física perceptível e muito con-creta, a um território de referência. A per-sonalidade ou «rosto» de cada escola, oseu ethos organizacional, depende muitodos mecanismos que asseguram a sua inser-ção territorial, favorecendo relações deproximidade produtiva com outros actoressociais. Além do mais, a aprendizagem queacontece dentro da escola, e muito concre-tamente dentro da sala de aula, não podeser dissociada daquela que se desenvolvefora dela, em especial no contexto familiare na comunidade local.Importa, nesse sentido, explorar linhas deintersecção entre a pedagogia escolar e apedagogia social, sobretudo num tempo,como o da nossa contemporaneidade, mar-cado pela ameaça de agravamento dassituações de pobreza, violência, desigual-dade e injustiça social. Salientando,

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porém, que, subordinado a uma racionali-dade sociopedagógica, o «social» a que nosreferimos não se restringe ao universo dachamada «exclusão social», prendendo-seacima de tudo com o imperativo de cons-truir solidariedade num mundo que nossurge cada vez mais deslaçado e obscure-cido. Nessa medida também, importadefender a inserção social da escola masprevenindo, por outro lado, a exaltaçãoexcessiva das virtudes da regulação socio-comunitária da educação, própria de umcerto comunitarismo de tipo romântico. Como instituição, a escola expressa umcompromisso da sociedade para com osseus cidadãos, corporizando valores de cul-tura universal que, por definição, transcen-dem o universo dos interesses familiares ecomunitários. A escola é um lugar de eman-cipação intelectual e de procura da verdadeque resiste aos apetites de imediato, exi-gindo estudo, disciplina e lições. De umaforma singular, na escola celebra-se o privi-légio de poder ser ensinado, que é comoquem diz de poder acolher as verdades que

vêm de fora e que, como tal, desafiam amesmidade. Por esta razão, enquantoadulto especificamente preparado para afunção educativa, o professor fará sempre adiferença. O respeito pela sua autoridadeprofissional, pela presença pessoal daqueleque ensina, é condição fundamental paragarantir a qualidade do desempenho dasnossas escolas, enquanto «escolas do pre-sente». Porque, na verdade, só através daposse subjectiva do presente nos tornamoscapazes de futuro. O discurso em torno das«escolas do futuro» tende por vezes a des-valorizar a fecundidade do tempo vivido,sofrido, problematizado, partilhado e,nessa medida, sonhado.Pelo lugar que ocupa no processo dedesenvolvimento humano, a escola é umainstituição social por excelência onde, deforma privilegiada, se promove o «direitouniversal ao rosto». O ideal de igualdade ede universalidade que sublinha a nossacondição comum brilha em cada serhumano enquanto testemunho de umairredutível unicidade. É essa misteriosa

riqueza da subjectividade pessoal, postaem interacção em cada encontro humano,que nos permite falar da experiência rela-cional como uma experiência simultanea-mente poética e política, onde desponta acrença em nós mesmos, nos outros, na vidae no futuro. Neste sentido, mais impor-tante do que tentar ser «o melhor domundo», o melhor professor, o melhoraluno, a melhor escola, é tentar ser «omelhor para o mundo», respondendo comsentido de solidariedade ao outro que,sendo diferente, nos é próximo. É justa-mente nesta cultura de responsabilidaderelacional que reside o tipo de excelênciaética que determina a qualidade do desem-penho escolar, enquanto expressão de umaliberdade comprometida com o bemcomum. Por serem lugares educativos, asescolas carecem de espaços de conviviali-dade reflexiva e de ambientes paz relacio-nal que ajudem instituir lugares de cidada-nia e de fraternidade num mundo onde sejapossível encontrar «em cada esquina umamigo, em cada rosto igualdade».

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Numerosas investigaciones realizadashan permitido demostrar lacorrelación existente, en diferentescomunidades, entre un elevadocapital social y múltiples resultadosde tipo sociopolítico.El trabajo socioeducativo sobre elcapital social de nuestrascomunidades puede contribuir deforma determinante a poner coto aotras formas relacionales que reducena lo estrictamente económico lariqueza pluridimensional de lasrelaciones humanas.

Xavier Úcar

Universidade Autónoma de Barcelona, Espanha.Departamento de Pedagogía Sistemática i Social.

Capital socialy educación

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En estos días se habla mucho de la crisisdel capitalismo y de la necesidad de refun-darlo o, lo que es lo mismo, de la necesidadde repensar el papel que juegan o deberíanjugar la economía y lo económico en nues-tras vidas. Nosotros queremos referirnos aotro tipo de capital. Un capital que seconstruye a partir de la confianza y lasrelaciones entre las personas: el denomi-nado capital social. El término aparece aprincipios del siglo XX, pero no será hastalos 80 que Bourdieu construirá un marcoteórico y Coleman lo concretará parapoder investigar. El concepto, sinembargo, se asocia habitualmente aPutnam; un politólogo americano que lodivulgó en los años 90. Si nos interesa este tipo de capital es por-que se halla nuclearmente vinculado convalores, objetivos, y metodologías queplanteamos y desarrollamos en el marco dela pedagogía y la educación social.Incrementar el capital social de nuestrascomunidades es un objetivo socioeduca-tivo que persigue, de manera explícita, elempoderamiento de la comunidad y de laspersonas que la constituyen.Existen muchas formas de definir el capitalsocial por lo que dicho concepto ha sidoutilizado de maneras muy versátiles.Existe, sin embargo, consenso en el ámbitode la ciencia social sobre el hecho de queel capital social, se refiere al papel que jue-gan las redes interpersonales y las normascívicas en la vida social. Putnam estableciólas diferencias del capital social con otrostipos de capital. Lo distinguió del capitalfísico, que se refiere a recursos, prestacionesy servicios y del capital humano que se cen-tra en las capacidades y potencialidades delas personas. La idea básica que sostiene el concepto decapital social es que las relaciones interper-sonales que se producen en una comunidady el tejido social que aquellas configuranson uno de los principales recursos queposee dicha comunidad. El capital social –escribe Putnam- se refiere a las conexiones entrelas personas, a las redes sociales y a las normas dereciprocidad y de confianza que emergen de ellas. Elcapital social, a diferencia de otros tipos decapital, es intangible, es relacional y puedeser considerado como un bien público.A la hora de concretar en qué consiste elcapital social de una comunidad se suele

A) Bonding: Que vendría a significar algoasí como construir lazos hacia adentro:“con los míos”. Son vínculos intragrupoy son lazos de exclusividad/exclusión.Los vínculos suelen ser fuertes y se pro-ducen en el marco de grupos homogé-neos como los amigos y la familia.

B) Brindging: Que se refiere al estableci-miento de “puentes”. Los lazos se esta-blecen con personas de fuera del propiogrupo: “con los otros”. Relaciones conpersonas y grupos del “exterior”. Setrata de tender puentes hacia amigos,asociados o colegas lejanos. Son lazosde inclusión; que buscan incluir a losotros en “lo propio.

C) Linking: Establecer conexiones, vincu-lar. Se refiere a las relaciones con indi-viduos y grupos con diferentes estatus ypoder. Hay autores que refieren estaúltima forma de establecer vínculos a lacapacidad de conseguir recursos, idease información de instituciones formalesmás allá de la comunidad.

Las numerosas investigaciones realizadas,desde la aparición de este concepto, hanpermitido demostrar la correlación exis-tente, en diferentes comunidades, entreun elevado capital social – en términos deconfianza social y redes asociativas – ymúltiples resultados de tipo sociopolítico.El Informe del National Statistic (2001)presenta los siguientes: descenso de tasade criminalidad; mejora de la salud;mayor longevidad; mejoras en resultadosacadémicos; mejoras en resultados educa-tivos; mejoras en los niveles de igualdadde ingresos; mejoras en el bienestar de lainfancia y descenso de las tasas de abusoinfantil; descenso de la corrupción ymejora de la eficacia del gobierno; y, porúltimo, incremento de los logros econó-micos a través del incremento de la con-fianza en las transacciones comerciales.Decir para acabar que, desde nuestropunto de vista, el trabajo socioeducativosobre el capital social de nuestras comuni-dades puede contribuir de forma determi-nante a poner coto a otras formas relacio-nales que reducen a lo estrictamente eco-nómico la riqueza pluridimensional de lasrelaciones humanas.

hablar de tres elementos, cada uno de elloscon unas funciones y potencialidades espe-cíficas en tanto que productores de dichocapital:

a) Las obligaciones y expectativas que tie-nen las personas en relación al estableci-miento de relaciones. Dichas obligacio-nes y expectativas dependen del gradode confianza que inspira el entornosocial. El crédito y la fiabilidad de lasinstituciones del entorno (Admi -nistraciones; servicios; entidades y orga-nizaciones, etc.), incluidas las costum-bres, las prácticas y las tradiciones queen dicho entorno se suelen producir,animan o disuaden a los ciudadanos a lahora de emprender o desarrollar accio-nes o poner en marcha proyectos. Sepuede decir, en ese sentido, que aquellasfundamentan y sostienen la acción indi-vidual y colectiva.

b) El potencial de información que fluye através de la estructura social y comunita-ria. Estos flujos de información proveenbases para la acción y se constituyencomo la savia que alimenta, dinamiza ymantiene vivas las redes sociales.

c) La existencia de normas de comporta-miento que vayan acompañadas de san-ciones efectivas. Estas normas marcanlos límites y posibilidades de las accio-nes e interacciones personales, grupalesy comunitarias

La presencia de estos elementos en unacomunidad provee marcos que estimulan yaniman las acciones y las iniciativas de laciudadanía, cosa que puede permitirampliar y densificar el tejido social y con-tribuir, de esta manera, a la mejora de lacalidad de vida comunitaria. Desde estepunto de vista parece claro que será la pre-sencia y sostenibilidad del capital social deun colectivo humano el que nos va a per-mitir hablar de comunidad.Una de las temáticas más debatidas en elmarco teórico del capital social se refiere ala manera como se puede visualizar o con-cretar metodológicamente este capitalsocial. A partir de Putnam se suele concre-tar en tres términos difícilmente traduci-bles al español. Estos son:

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LUGARES da educação

O que parece importante discutir é o modo como asescolas, concebidas como organizações de facto etambém de direito, podem participar no processo deresistência afirmando-se como locais de discussãoe de concepção de políticas educativas.

Manuel António Silva

Universidade do Minho.Instituto de Educação e Psicologia

[email protected]

Uma organização com esta característica écomo se não existisse enquanto tal, pelomenos de um ponto de vista formal. ComoBártolo Paiva Campos referia em finais de2006, em Portugal só existe uma escola,cuja sede é em Lisboa e o director é o minis-tro, fundamentando esta ideia no facto dasorganizações que todos reconhecem nor-malmente como escolas não possuírem per-sonalidade jurídica. Esta situação, se bem

Uma organização«sem voz»

analisada, tem implicações bastante clarasno modo como podem intervir na socie-dade, sendo-lhes praticamente vedadasquaisquer veleidades de produzir políticaspróprias e de manifestarem os seus pontosde vista face aos problemas sociais emgeral e aos educativos em particular. Sequisermos fazer um esforço para identificardocumentos que traduzam essa tomada deposição, de questionamento social, político

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ou educativo ou outro posicionamentoqualquer, verificamos facilmente que essesdocumentos não abundam. Pessoalmente,não os conheço.Ao longo dos últimos anos, as escolas e osprofessores têm vindo a ser objecto de umataque objectivo e, de certo modo, semprecedentes no Portugal democrático, porparte de um governo que alia, simultanea-mente, um afirmado desprezo por estasorganizações e por quem nelas exerce a suaactividade profissional, uma arrogânciaostensiva e uma reconhecida incompetên-cia política e educativa para lidar com asquestões da educação. Perante esta situa-ção, verificámos que os professores (indivi-dualmente considerados) e as suas organi-zações de classe desenvolveram um consi-derável trabalho de resistência activa queteve a sua expressão em duas grandes e iné-ditas manifestações. Emergiram váriosmovimentos de professores e a internet foium espaço amplamente utilizado por mui-tos professores através de diversos modosde comunicação, sobretudo blogues. Ogoverno, por seu turno, também crioudiversas estruturas orientadas para a legiti-mação das suas políticas, como sejam oconselho de escolas e diversos conselhos(científicos e de outras naturezas) nocampo da avaliação. De um ponto de vistainformal, também pudemos assistir à emer-gência de um movimento de presidentesde conselhos executivos preocupado,sobretudo, com a problemática da avalia-ção do desempenho docente.Como sabemos, este multifacetado movi-mento docente conseguiu importantesresultados ao longo destes quatro anos,mas não foi suficiente para derrubar aequipa ministerial e impedir que o volu-moso edifício legislativo por ela produzidose mantivesse em vigor, asfixiando as esco-las e impedindo que estas funcionassemnormalmente. Podemos afirmar, sem qual-quer margem de erro, que os objectivos dogoverno permanecem intocáveis e todo omovimento avaliador, das pessoas e dasorganizações, continua a processar-se semque se vislumbre qualquer saída que per-mita antever a emergência de uma escolaautónoma e capaz de produzir as políticasde educação que sempre se limitou a exe-cutar, a maior parte das vezes sem sequeras discutir.

educação. Por isso, temos consciência deque estamos a propor uma certa forma detransgressão que pode ser objecto de proce-dimentos administrativos múltiplos, mas nãovemos alternativas para a construção de umaeducação efectivamente pensada ao nível dolocal e com efectiva participação de todos osque nela trabalham e dos diversos agentesque com ela interagem. Só assim as ideias deProjecto Educativo, de autonomia e de ava-liação interna poderão assumir o seu signifi-cado original, rompendo com a prática de«faz de conta» que sempre caracterizou aacção da escola portuguesa até hoje.

Perante este cenário, o que nos pareceimportante discutir é o modo como as esco-las, concebidas como organizações de factoe também de direito, podem participar nesteprocesso de resistência (no sentido queGiroux lhe atribui), afirmando-se comolocais de discussão e de concepção de polí-ticas educativas, isoladamente ou em associa-ções especificamente criadas para o efeito.Sabemos que a tradição é inimiga destaideia, assim como a própria legislação, quenunca permitiu que as escolas se pudessemorganizar e ter, deste modo, uma partici -pação activa no processo de direcção da

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“É chegadoo momentode refundaçãoda Europa”

Que nova ordem mundial poderá emergir da actual crise e qual o papel da Europa nessenovo contexto? Num artigo intitulado “A Perestroika americana”, publicado no jornal “Público”em Fevereiro deste ano, João Caraça, director do Serviço de Ciência da Fundação CalousteGulbenkian, defende que ela representa o fim do Império americano e que abre uma grandeoportunidade que a Europa deverá saber aproveitar. Diz que a resposta está na refundaçãodas instituições europeias. A propósito deste artigo, conversámos com o autor, que é também Professor Catedráticoconvidado do Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade Técnica de Lisboa,professor agregado em Física pela Universidade de Lisboa (UL), consultor para a Ciência doPresidente da República e membro Integrado do Centro de Filosofia das Ciências da UL.

TIRAR PARTIDO DA CRISE.ASSUMIR UM PAPEL NA LIDERANÇA MUNDIAL

Entrevista conduzida por RICARDO JORGE COSTA

Fotografia de INÊS ANDRADE

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ENTREvista

“O pior cego é aquele que não quer ver”. Não quisemos ver queo capitalismo estava fundado em premissas que no início desteséculo deixaram de ser válidas e que resultaram na actual crise.Porque razão mergulhámos nesta crise?

Não foi exactamente isso que eu queria dizer. O capitalismo é um sis-tema muito robusto, existe praticamente há 500 anos e acompanhoua formação da modernidade na Europa em termos económicos, polí-ticos e sociais. O facto é que esse sistema, que consiste na possibili-dade de acumulação de riqueza no seu centro, ou centros, tem vindoa evoluir e a deslocar essa centralidade ao longo deste período. O que não quisemos ver foi que essas formas de acumulação deriqueza, através da racionalização da procura de recursos, da suautilização e da exploração de outras zonas que ficam coordenadaspor esse centro, tem uma designação corrente de Império, queadoptamos habitualmente para os grandes impérios do passadomas que não quisemos adoptar para a organização coordenadapelos Estados Unidos da América.

A forma como a ele se referia parecia conter implicitamente umacrítica...

Não. Criticava o facto de não termos sido capazes de entender queos Estados Unidos, enquanto nação, terem adoptado, do ponto devista político e económico, uma postura de Império, à semelhança deoutros impérios ao longo da História. Com características diferentes,evidentemente, porque estávamos num século diferente, mas comoum Império na medida em que foi uma estrutura que se iniciou,desenvolveu, entrou em declínio e acabou por cair. Aquilo que não quisemos ver, portanto, é que o Império americanotinha naturalmente um período limitado de vida. E que esta criserepresenta, na verdade, o fim desse império tal como o conhecía-mos. O que se seguirá será certamente algo de muito diferente ejá não será coordenado pela América.O que quis também dizer é que a queda do império americanonão representa um descalabro. A América não acabou, terminou oimpério americano. E dava como exemplo a queda do impériosoviético, que fez com que a Rússia ficasse isolada e perdesse muitada sua capacidade. Mas ela lá está, com as suas armas nucleares eos seus recursos naturais. Não desapareceu.Nós referiamo-nos ao império soviético com uma conotaçãocoerciva, como se o facto de sermos aliados dos Estados Unidosnão representasse nenhuma relação de coerção. Ora, numa coor-denação imperial há sempre uma subjugação de regiões que estãoà volta do centro, obedecendo-lhe.

Não terá esta crise representado um golpe final no modelocapitalista tal como o conhecemos?

Não me parece, porque o capitalismo implica uma acumulaçãoinfinita de riqueza. Quando essa acumulação era medida por coi-sas materiais, tinha naturalmente uma cer ta limitação.Actualmente, tendo em conta que ela pode ser registada na memó-ria de um computador – não havendo, portanto, uma limitaçãofísica – a possibilidade de acumulação de riqueza é muito maior.O sistema capitalista, portanto, não desapareceu.

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Além disso, os sistemas capitalistas que vigoram na China, na Índia,na Indonésia, na Rússia, nos vários países do Médio Oriente, etc.,podem ter diferenças entre si mas têm uma base comum, assentenuma rede de comunicações a nível mundial que permitiu a globa-lização das finanças. E essa globalização não significa que haja umcentro a comandar tudo, pode haver vários. É isso que eu julgo quefoge um pouco à nossa percepção.

Nova ordem mundial multipolar

No seu artigo referia-se também à incapacidade de antecipaçãodas elites dirigentes para fazer face às crises que marcaram oséculo XX e à que vivemos actualmente. Serão as elitesdirigentes de facto incapazes ou terá sido a sua subordinação aosinteresses económicos que as impediu de se anteciparem?

Os impérios ruem quando as respectivas classes dirigentes nãoconseguem arranjar formas para sair de uma crise. É uma situaçãorecorrente. Essa crise será mais ou menos forte em função das for-ças situadas na sua fronteira e que com ela interagem. O momentoda queda é que não é previsível, porque está dependente da cor-relação de forças entre o centro e a periferia, e das respectivas eli-tes. Esse é que é o problema. Olhando para o império americano, podemos constatar que hásempre duas gerações associadas à sua fundação, com uma fortís-sima acumulação no centro: a geração que o funda, que possuiprincípios muito fortes; a geração seguinte, que já nasceu comesses princípios e conviveu com os pais fundadores; e, finalmente,a terceira geração, que já está longe desses princípios, tem deles aideia de intrumentos que permitem manter o seu modo de vida.Nesse sentido, tentam modificá-los, torná-los mais eficientes, por-que o funcionamento do império atrai a cobiça, a corrupçãointerna, etc. Essa “afinação”, digamos assim, não traz por vezes osresultado desejados, e é nessa altura que o império colapsa.

Essa terceira geração que refere, cristalizada sobretudo na actualclasse política, não se terá vindo a divorciar de forma crescentedos cidadãos e das suas preocupações – e daí também a suadificuldade em antecipar esta crise?

Nesse contexto, é muito interessante verificar o paradoxo daselites dirigentes americanas. Na minha perspectiva, no períodocorrespondente aos mandatos dos presidentes Bush, Clintone W. Bush, em que as forças da globalização das finanças estavamem pleno, essas elites perceberam que havia uma dificuldade deafirmação da própria América e adoptaram a solução da fuga paraa frente, como habitualmente se faz nestas alturas, contraindoempréstimos que acabaram por atingir valores monumentais. Ou seja, as próprias elites dirigentes americanas não perceberam oque se estava a passar. E todos nós pensámos que, sendo os líde-res da globalização, iriam lucrar com essa situação – e lucraram, defacto. Com o único senão de ser um modelo de consumo baseadono empréstimo, apoiado num forte dispositivo militar e no facto deo dólar ser a moeda de reserva mundial. Mas isso foi-se erodindoà medida que outros actores foram aparecendo.

Mas essa incapacidade poderá ser exclusivamente atribuída àselites dirigentes americanas? Isto é, não haverá também umaquota-parte de responsabilidade por parte dos outros principaisactores mundiais...

Mas os outros principais actores mundiais jogaram nisso...

...nomeadamente a Europa?

A Europa é um actor com um papel muito reduzido neste jogo,porque a força da Europa reside no facto de ser um parceiro dosEstados Unidos. O que os americanos fizeram foi arranjar mecanis-mos – dos quais a guerra no Iraque é um caso paradigmático –para continuar com o esquema existente, de manter uma ilusão depoder. E quando a América começa a perceber que não podeganhar a guerra, as outras forças à volta vão-se posicionando. O que acontece é que, no próprio centro, o mecanismo de acu-mulação de riqueza foi ruindo. O grande erro das elites dirigentesfoi promoverem um modelo de crescimento baseado na facilidadede obtenção de crédito, socorrendo-se da poupança obtida naperiferia do império.

Mas a Europa também foi vivendo à custa desse modelo...

Sim, a Europa viveu à custa desse modelo – assim como diversasorganizações mundiais e muitos outros países – financiando alegre-mente o centro até ao momento em que o nível da dívida atingiuum montante tal que corresponde actualmente ao PIB mundial.

Chegados a este ponto, que alternativas se vislumbram?

A reunião do G20 – que agrupa os vinte países mais ricos domundo – teve lugar há poucos dias, antes da realização desta entre-vista. Na minha opinião, essa reunião é uma manifestação clara deque irá surgir uma nova ordem mundial – neste momento transi-tória – de carácter multipolar.

Mas o modelo vigente irá, no essencial, manter-se o mesmo…

Eu penso que o modelo irá assentar nas regiões, isto é, em vezde termos um centro e de tudo o resto estar organizado emtorno dele, iremos ter vários centros de acumulação. O que iráacontecer, portanto, é que cada uma dessas regiões – traduzidasem acumulação de riqueza – irá trilhar o seu próprio caminho einvestir de acordo com aquilo que lhes parecer a melhor formade fazer negócio. Ou seja, irá apoiar-se muito mais o crescimentoda riqueza noutros sítios do mundo. Irá haver não uma únicamoeda de reserva mundial, que neste momento é o dólar, masuma série de outras moedas com essa função, como o euro, alibra, o yen... os chineses já chegaram a propor o yuan, e os rus-sos também querem o rublo. Ou seja, se deixa de existir umaúnica moeda de reserva e ela se multiplica por seis, qualquer umdesses países poderá criar riqueza suficiente para tornar interes-sante as trocas comerciais com base nas respectivas divisas. Destemodo, é evidente que poderá haver uma transferência do centrode coordenação da América para outros sítios. Mas este processo,evidentemente, não será imediato.

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Que papel poderão desempenhar as Nações Unidas nesta novaordem?

O facto de este primeiro encontro do G20 ter sido realizado forado âmbito das Nações Unidas mostra bem até que ponto o actualmodelo da ONU estará esgotado. As Nações Unidas terão de serreformuladas, de uma forma ou de outra, quando estiver estabele-cido um novo modelo mundial. Que não irão ser as Nações Unidasa definir, mas o próprio G20 – ou um grupo mais restrito no seuinterior.

Mas acha que a ONU poderia, ou deveria, ter um papel maisimportante na definição dessa nova ordem mundial?

Como qualquer organização, a ONU tem uma marca muito forte,própria do contexto em que foi criada. Não podemos esquecerque ela surge no final da II Guerra Mundial, sob proposta dos EUA,para consolidar a liderança deste país em determinadas zonas domundo. Ora, esse mundo do pós-guerra acabou. Temos de criarnovas instituições.

A Europa como centrode um novo império

No seu artigo, o professor fala da necessidade de refundar as ins-tituições. E diz, nesse sentido, que se abre uma grandeoportunidade para a Europa que é preciso saber aproveitar. Emque medida?

Essa grande oportunidade passa, na realidade, por percebermosaquilo que esta crise representou, com tudo o que isso implica emtermos de dificuldades e de dramas pessoais. Enquanto a Europamantiver as suas instituições ligadas ao império – é preciso nãoesquecer que a CEE surgiu como um produto da Guerra Fria paraestabilizar a Europa face à ameaça soviética e que todas as nossasinstituições têm funcionado nessa lógica, inclusivamente o próprioalargamento aos países de Leste – isso não será possível, porqueesta lógica está completamente falida. É, pois, chegado o momento de refundação da Europa e das suasinstituições, que nos permita tirar partido da nossa dimensão eassumirmo-nos, enquanto nação ou federação de nações, comoum grande actor democrático global. Porque neste novo mundomultipolar, as únicas regiões onde a democracia se assume comoum ponto forte de definição e de sobrevivência são a Europa e aAmérica do Norte.

Democracias talvez um pouco fragilizadas...

Mas ainda assim democracias. Não se pode dizer que a China sejauma democracia; e a Índia, apesar de se assumir como democracia,é um país onde 25 por cento da população faz parte da casta dosintocáveis.

Regressar de certa forma ao papel que a Europa tinha nos anos 70...

Fazer aquilo que foi o sonho dos grandes impérios europeus masque nunca foi atingido, isto é, conseguir unificar a Europa.

Evidentemente que essa ambição não poderá passar pela formaçãode uma Europa-país, mas por uma federação, com um poder nocentro, um parlamento a sério, um governo e um exército europeus.

É favorável, por isso, a uma Europa federada...

Não sei se federada, se confederada. Francamente, não sei definirqual desses modelos poderá funcionar melhor. O que afirmo é quea actual União Europeia é fraca para competir e para sobreviverneste mundo. Nós nunca iremos acabar com as nações no espaçoeuropeu porque elas têm identidades muito fortes. Mas a Europa,enquanto conjunto de nações, é fraca. Quando queremos falar decooperação surge à cabeça a Comissão Europeia, mas quando fala-mos em termos económicos os países europeus continuam dividi-dos e a competir entre si. No fundo, é esta a imagem da Europaperante as grandes potências mundiais. E temos de ter a noção deque a continuar por este caminho não estaremos a avançar paralado nenhum.

Mas esse é um meio caminho para, de certa forma, nosassumirmos nós próprios como o centro de um novo império...

Teria de ser um império, embora não gostemos muito dessa desig-nação.

Voltando ao mesmo modelo que mostrou a sua falência por duasvezes ao longo do século XX...

Não se trata do mesmo modelo. E, de qualquer modo, semprehaverá impérios. Um império é, no fundo, uma coordenação derecursos e de acumulação de riqueza. Enquanto essa acumulaçãode riqueza for baseada nos pressupostos do capitalismo, que vãomudando. Desde 1500 até hoje, o centro deste sistema deslocou-se do Norte de Itália para os Países Baixos, para a Inglaterra, paraa costa leste dos EUA, e agora não sabemos para onde irá. Não se pode explicar este processo se não pela acção do própriopoder financeiro que foi apostando em novas áreas de desenvolvi-mento para criar uma maior acumulação de riqueza. Enquanto nãohouver um método mais eficiente de acumular riqueza, não vejocomo parar este processo. Haverá um novo império que colapsará,e depois um seguinte, e por aí adiante. Até, eventualmente, à for-mação de um governo mundial.

Pensa que a sociedade civil e as organizações não políticaspoderão desempenhar um papel importante nesse processo deconstrução?

Sem dúvida, porque é da sociedade civil que emergem os novosdirigentes. Uma sociedade civil que depois se organiza em gru-pos, e que terá ela própria um papel muito importante – num sis-tema democrático, naturalmente – na circulação de informação,de opinião e na criação de coesão interna. Uma sociedade civilforte, com instituições fortes, pode conduzir à emergência de umgrupo que tenha capacidade de interpretar não só os anseios dapopulação como os próprios objectivos e estratégias dos outros,que consiga propor algo que seja válido por uma ou duas gerações.Isso seria óptimo.

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TEXTOS bissextos

À passagem do século anunciava-se o fimda narrativa portuguesa, mais concreta-mente do romance, como um dado adqui-rido. Certo é que uma plêiade de veteranosempreendedores não entregava os pontos,que a geração de João de Melo, Lídia

Jorge, Rui Nunes, Hélia Correia e mais unsquantos, poucos, estabilizara no sucessosem entrar em ruptura com os seus pró-prios modelos, de algum modo esgotados,e que a produção light e o livro de “panta-lha” ocupavam a praça com desenvoltura eproveito, usurpando um estatuto que

Bem se esforçaram as editoras em promover algunsnomes desconhecidos, potencialmente capazes deagarrarem o testemunho mas, em boa verdade, faltousempre um último fôlego...

Júlio Conrado

Escritor. Fundação D. Luís. Cascais

Profetas &profecias

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implicava o reconhecimento crítico para seser considerado “escritor” e que, piorainda, ajudavam a completar o trabalhoque os “cangalheiros” da crítica nos jornaishaviam cirurgicamente levado a cabo nosanos oitenta. O resultado parecia estar à vista. O estadoeufórico-melancólico dos alarmistas pro-fissionais radicava, creio eu, no facto denão se vislumbrar, entre os novos, quempudesse assumir a liderança de um rumopara a nossa literatura compatível com umpassado de grandeza, situação agravadapelo facto de alguns dos velhos intérpretescontinuarem vivos – sãos, salvos e certosde entre eles a escreverem melhor do quenunca. Não se vislumbrava na paisagem, comefeito, o aparecimento de verdadeirostalentos que assegurassem a continuidadedo esplendor antigo, embora num ou nou-tro caso pontual pudesse raiar uma espe-

A Escola Superior de Saúde de Faro (ESSaF) foi criada em Junho de 2003 e integrou a

anterior Escola Superior de Enfermagem de Faro, que formava enfermeiros desde 1 de

Novembro de 1971.

Em Dezembro de 2008, aquando da publicação dos novos Estatutos da Universidade do

Algarve, passou a designar-se Escola Superior de Saúde.

Esta Unidade Orgânica forma actualmente, para além de Enfermeiros, Técnicos de Saúde, nas

áreas de Análises Clínicas e Saúde Publica, Dietética e Nutrição, Farmácia, Ortoprotesia,

Radiologia e Terapia da Fala. Estas Licenciaturas em Tecnologias da Saúde iniciaram a sua

formação em Setembro de 2003, com excepção do curso de Dietética e Nutrição, que já existia

na Escola Superior de Tecnologia desde o ano lectivo de 1997/1998 e o Curso de Ortoprotesia,

que recebeu os primeiros alunos em Setembro de 2005.

rança de resgate desse tesouro ameaçadode extinção. Bem se esforçaram as editorasem promover alguns nomes desconheci-dos, potencialmente capazes de agarraremo testemunho mas, em boa verdade, faltousempre um último fôlego que transmitissetranquilidade aos que esperavam uma vitó-ria categórica desses leõezinhos sem garrasalcandorados a génios pelo chinfrim dapropaganda. Os anunciadores da heca-tombe, por seu turno, multiplicavam asadvertências de terror. A viragem do século, porém, coincidiucom uma viragem também na narrativa fic-cional. A novela do “fim da literatura” quede tão gasta já quase ninguém lhe liganenhuma, foi obrigada a incluir mais unssafanões na moribunda, que reagiu bem,ganhando uma alma nova graças a unsquantos bons romancistas que finalmenteforam aparecendo. E agora? O que vamosfazer com eles? Exterminá-los antes que

estraguem o negócio aos profetas da des-graça? Por favor, deixem lá a pobre coi-tada levantar a cabeça. Sim, a Dulce MariaCardoso, o Gonçalo M. Tavares, a FilipaMelo, o Valter Hugo-mãe, já estão emcampo para contrariar os prognósticos pes-simistas. Ainda há muito jogo.

NOTA:

Textos bissextos – 3.ª série: rubrica que por aquitem andado desde 2004 surge agora com umaequipa refeita mas mantendo a diversidadedas instituições de origem, das formações edos posicionamentos político-educacio-nais/cul turais. O sexteto de escritores,docentes e investigadores aqui estará emtodos os números sazonais da (agora) revistaa Página da Educação. Naturalmente, os bissex-tos comprometem-se na continuação de umarubrica eclética e diversificada no estilo e nastemáticas… procurando (ainda) uma parti-tura (im)possível.

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Elogio da bicicleta*

Filipe Reis

Instituto Superior de Ciências do Trabalho e daEmpresa. Departamento de Antropologia. Lisboa.ISCTE-IUL/CRIA

[email protected]

“A primeira pedalada é a aquisição de umanova autonomia, é a bela escapadela, aliberdade palpável, o movimento naponta do pé, quando a máquina respondeao desejo do corpo e quase o antecipa”,escreve Marc Augé evocando a sua infân-cia, na Bretanha, nos anos 50. Tive aminha, mesmo minha, primeira bicicletacom 8 anos. A custo de muitas quedas,esfoladelas e outras dores, aprendi a equi-librar-me numa velha pasteleira, roda 24,grande demais para o meu tamanho, per-tença de um rapaz da vizinhança que, atroco de dar trambolhões no meu par depatins, me deixava, de bom grado, experi-mentar a sua bicicleta. Isto foi no tempoem que capacetes, joelheiras, cotoveleirase demais parafernália não existiam, comonão havia cintos nos carros ou cadeiraspara crianças. Ainda assim, é provável queos meus pais tenham achado demasiadoarriscada a situação: o miúdo vizinho depatins, eu de bicicleta, ambos em equilí-brio periclitante, tentando ensinar um aooutro as respectivas habilidades. Não seibem se foi por causa disso, mas gosto depensar que sim, que um belo dia chegou acasa uma bicicleta novinha em folha. Nãoera uma pasteleira, nem tão pouco o tipode bicicletas então na moda, com um ridí-culo assento de encosto e volante gene-roso, conhecidas como chopper, por imita-rem as motos do Easy Rider. Antes, umabicicleta verde, com a forma de um Vê,daquelas que se podem dobrar ao meio etransportar, o assento e volante regulá-veis, roda 20, pneus largos, sem mudan-ças. Depois do treino com a pasteleira em

que sentado no selim não chegava com ospés ao chão, aprendi a ciclar num ápice esentia-me confiante para me aventurarpor estradas e caminhos. Com esta auto-nomia velocipédica o meu mundo alar-gou-se e comprimiu-se; quando os meusmelhores amigos se mudaram com os paispara uma vivenda longe do centro da vila,o tempo para percorrer esse caminhodiminuiu tornando-se pretexto para des-vios e incursões noutras paragens. Numtempo em não havia telemóveis e inter-net, a bicicleta trouxe-me mais autono-mia, mais liberdade e mais amigos, comoo Ilídio a quem a emprestava para que eleme ensinasse a montar uma égua albar-dada que o pai lhe confiava, aos sábados,com o rebanho. Depois de uma aventuraequestre que podia ter acabado mal, dei-xei de tentar montar a égua sem freio eque, para mais, como então disse o pai doIlídio, “anda folgada”. Passei a dedicar-mepor inteiro à minha bicicleta, apesar detudo mais fácil de controlar e menos dadaa humores. Durante os cinco ou seis anosem que usei essa bicicleta ela foi ficandocada vez mais depurada, primeiro suprimio guarda-correntes, depois os guarda-lamas, travão dianteiro... Ao longo davida tive outras bicicletas, mas nenhumame marcou e me deu mais, e eu a ela, doque essa primeira bicicleta verde, emforma de Vê. Recentemente, há pouco mais de um ano,voltei à bicicleta, não, bem entendido, àbicicleta verde em forma de Vê articulada(vendem-se hoje modelos bem mais sofis-ticados desse conceito) mas à bicicleta

* O título é a tradução de Éloge de la bicyclette (Éditions Payot & Rivages, 2008) de Marc Augé cuja leitura inspirou este texto edo qual retirei a citação que o abre.

Tive a minha, mesmominha, primeira bicicletacom 8 anos. A custo demuitas quedas, esfoladelase outras dores, aprendi aequilibrar-me numa velhapasteleira, roda 24,grande demais para o meutamanho, pertença de umrapaz da vizinhança que,a troco de dartrambolhões no meu parde patins, me deixava, debom grado, experimentara sua bicicleta.

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enquanto opção de mobili-dade urbana. Tenho sorte.É isto que costumo dizeraos meus amigos e conhe-cidos. Tenho a sorte depoder ir de bicicleta para otrabalho e de viver numrecanto da cidade ondepedalar é fácil, o que metorna a vida mais fácil, porexemplo, no que diz res-peito ao estacionamento:qualquer poste de ilumina-ção pública ou sinal detrânsito proibido servepara deixar a minha novapasteleira urbana commudanças. Mas, por maisque esforce por explicaristo, penso que a maioriadas pessoas que merodeiam me toma comouma espécie de herói ou,então, como um excên-trico. O lado heróico vemem grande medida da con-vicção arreigada de queLisboa não é sítio que serecomende para ciclar, quehá muitas subidas, e, maisgrave, é muito perigoso devido aos auto-mobilistas que temos por cá, os apressa-dos, os aselhas, os “fanjos”, etc.. Tudo istoé em grande parte verdade, e acresce aindaque a cidade não está, de todo, pensadapara os ciclistas, apesar de umas cicloviasque são sobretudo projectadas para con-templar o uso recreativo da bicicleta, aofim-de-semana, com equipamento a pre-ceito e modelos caros. O planeamentourbano (e rodoviário) que contemple solu-ções de mobilidade urbana tendo emconta o uso instrumental da bicicleta está,de resto, muito pouco desenvolvido entrenós; apesar de algumas experiências(bugas em Aveiro, as bicas em Cascais, litambém sobre um outro sistema de usocolectivo de bicicletas na Universidade doMinho) estamos a anos-luz de inúmerascidades do centro e norte da Europa cujoplaneamento rodoviário prevê corredores,semáforos, zonas de estacionamento, epor aí adiante, para ciclistas. Existe nessessítios uma cultura do uso instrumental dabicicleta que leva estudantes a ir de bici-

cletas para o campus, pais e mães que levame trazem os filhos dos infantários, donasde casa que transportam as compras do diano cesto da frente, que, nosso caso, prati-camente desapareceu no processo demotorização da pasteleira para a motacasal ou zundap e para o carro, processoesse acelerou vertiginosamente nas últi-mas três décadas. Passámos todos a andarde carro para todo o lado e logo após os18 anos, recém-encartados. É verdade que,mesmo entre nós, a bicicleta tem reapare-cido, mas sobretudo sob a forma de lazer,recreio ou de desporto (radical). Nadatenho contra estas manifestações veloci-pédicas, bem pelo contrário, e gosteimuito de ver, aqui há uns anos, um ex-can-didato à Câmara da cidade onde vivo a darum monumental e muito mediatizadotrambolhão numa alucinante descida pelasescadarias de Alfama. Lembrei-me dosmeus, quando tinha a minha bicicletaverde. Mas sem ironia digo que se as cos-tas me deixassem, de bom grado me junta-ria aos “gloriosos malucos das bicicletas

voadoras”, expressão que um jornalistarecentemente usou para designar os prati-cantes de downtown que se juntam às quar-tas-feiras por Lisboa. Esses sim, são paramim heróis. Enquanto que eu próprio nãovejo nada de heróico no facto de todos osdias percorrer entre cinco a dez km debicicleta, ao meu ritmo, avisando com acampainha as velhinhas do meu bairro deque vou passar, evitando os cães, respecti-vos donos e a caca que eles deixam a deco-rar os passeios e, o mais possível, os auto-mobilistas. Estará entre nós a bicicletaainda demasiado associada à imagem dooperário, ou do camponês, ou do amola-dor, para que possamos pensá-la comouma alternativa de mobilidade? Num anode eleições autárquicas talvez fosse inte-ressante discutir isto e olhar com atençãopara as experiências que vão para além doestímulo ao uso recreativo da bicicleta –sem dúvida um passo importante – e quecriam as condições para os que gostam epodem ciclar o possam fazer em segu-rança. (este texto terá continuação).

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EM Português

Qualquer que seja a espécie de crise quemais acomete o indivíduo ou a sociedade, -designadamente moral, económica oupolítica – ela é sempre uma decorrência daalteração de um processo que se consideranormal porque não dificultoso nem exi-gindo recomposição. Mas porque as crisespodem ser inesperadas ou previsíveis, obom senso aconselhará, como ensina oadágio, que para uma boa gestão dos acti-vos mais vale prevenir que remediar. Ora, há muito tempo que os portuguesesnão seguem o adágio. Como não faziamanálises nem balanços, não previram a morteda galinha dos ovos de oiro, que foi o fim doImpério, nem se precaveram contra as con-sequências da perda da Índia, do Brasil e, porfim, das colónias de África. Nos intervalosde depressão moral e económica, tornavam-se “nómadas do mundo (em) demanda deespaços abertos a uma afirmação tolhida noberço”, no dizer do emigrante Miguel Torga,já que “sempre no nosso horizonte de portu-gueses se perfilou como solução desesperadapara obstáculos inexpugnáveis a fuga para

céus mais propícios.” (no dizer do emigranteEduardo Lourenço). Depois, quando “che-gou a hora de fugir para dentro de casa, denos barricarmos dentro dela, de construircom constância o país habitável de todos, semesperar de um eterno lá-fora ou lá-longe asolução que como no apólogo célebre estáenterrada no nosso exíguo quintal” (aindaLourenço), – viu-se que o ninho estavavazio: sem galinha e sem ovos, e para muitospior do que isso, sem quintal. A conjunçãode crises cíclicas acabaria por fazer dos por-tugueses queixosos-pessimistas compulsivos. É um facto que todas as grandes crises(individuais ou colectivas, nacionais oumundiais) geraram milhões de vulgares eanónimos pessimistas, mas também muitosde renome, cuja história pessoal se mani-festa como um plasma da sua época.Lembremos, sem preocupações selectivas,alguns dos notáveis que permanecem nanossa memória mais útil: Em Portugal, Antero de Quental, em 1871,amargurado por ver o seu país com “a indús-tria perdida, o comércio arruinado, a popu-

Diz o adágio que mais vale prevenir que remediar.Ora, há muito tempo que os portugueses não seguemeste adágio. Não previram a morte da galinha dosovos de oiro, que foi o fim do Império, nem seprecaveram contra as consequências da perda da Índia,do Brasil e, por fim, das colónias de África.

Leonel Cosme

Escritor e investigador.Porto

A História

continua...

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lação diminuída, a agricultura decadente” –como que agrilhoado a “um destino subal-terno e humilhante” e anestesiado com um”espírito mortal de espectros a que dá umavida emprestada o espírito do século XVI”.Na França, Paul Valéry, em 1919, peranteos escombros da Grande Guerra de 1914-18e a fragilidade de uma civilização: “Nós,civilizações, sabemos agora que somosmortais...”Na Espanha, Miguel de Unamuno, em1937, confrontado com o desencadeamentotrágico da guerra nacional fratricida, meta-foriza no mito de Fausto a entrega da almaao Diabo e repõe o grito extremo de Fausto:“Restitui-me a minha alma!”E André Malraux, em 1946, a seguir ao

termo da Segunda Guerra Mundial, ante oresultado da grande tragédia, interroga-se:“O Homem morreu?” Na Alemanha, Karl Jaspers, em 1949, faz-se eco da interrogação dos que indagam seo Caos não é uma inerência do Homem edo seu instinto desencadeado sem freio,hesitando: “É de meter medo...”

Um ano depois, o russo cristão NicolasBerdiaev faz o balanço das soluções revolu-cionárias que prometiam realizar na Terrao reino substituto do Céu e conclui: “Nofundo, nenhuma revolução conseguiutriunfar na história; as revoluções terãosido acontecimentos importantes provoca-dos por necessidades internas e resultandode factos anteriores; terão sido mesmo umponto de partida para destinos ulteriores;mas nenhuma delas resolveu as tarefas quealmejava. E o mesmo sucederá no futuro.”Antero de Figueiredo, quando fez o dis-curso sobre a decadência dos povos penin-sulares, partia de duas soluções revolucio-nárias conseguidas contra o Passado: aReforma e a Revolução Francesa. A pró-xima, aberta ao Futuro, seria o Socialismo.Dizia ele: “O Cristianismo foi a Revoluçãodo mundo antigo. A Revolução [socialista]não é mais do que o Cristianismo domundo moderno.”Nessa altura, por “mundo moderno” enten-dia-se o “mundo futuro”, tendo comomodelo uma Europa “pensante e indus-

triosa”, avançada na Cultura, na Ciência ena Técnica. E era face a um paradigma deque estavam distanciados países da mesmaEuropa, como Portugal, que os espíritospessimistas se mostravam descrentes e aomesmo tempo esperançados na superaçãonecessária para vencer atrasos e diferenças,que Antero, no caso português, atribuía a“raízes do passado (sentimentos, hábitos,preconceitos) e a erros históricos.” Hoje, perante a grande crise económica efinanceira que, tendo o epicentro nosEstados Unidos, abalou e ainda abala omundo, como um terramoto ou uma epide-mia, será difícil acreditar, como o optimistaamericano Francis Fukuyama, há vinteanos, que “o ponto final da História é ademocracia liberal orientada pela econo-mia de mercado.” Mais fácil será admitir que já se perfila opróximo capítulo de uma longa Históriaque continua, dentro e fora da Europa e daAmérica, – só faltando saber se da melhorou pior maneira, se com ou sem novasrevoluções à vista...

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CINema

Clint Eastwood está de volta, atrás e emfrente à câmara, com um filme de extremaviolência simbólica e ao mesmo tempo deum humor inesperado. Gran Torino marcaum início de ano cinematográfico assina-lado por um desfile impressionante de starsamericanas nos ecrãs portugueses: BradPitt, Mickey Rourke, Tom Cruise, … coin-cidente com o momento em que outra staramericana invade os pequenos ecrãs detodo o mundo, Barack Obama. E fá-lo nofim de uma série de actos simbólicos comoo de (re)percorrer uma a uma as grandesetapas da carreira de Abraham Lincoln,(re)dando uma função política maior e umpeso de compromisso moral esquecido aouso das palavras, escritas e ditas empúblico. Não se trata da mesma coisa, masa aproximação não é assim tão artificial,porque aqui como lá, joga-se a velha ques-tão da encarnação. Num cinema hiperespectacular, saturado de efeitos especiaisnuméricos como num sistema político, eletambém espectacular e enfeudado ao mar-keting comunicacional hightech, revela-seindispensável que haja um momento emque “se é alguém”. Uma presença carnal doreal e do imaginário humano. Um corpo,um rosto, uma voz, inscritos num passadoe num presente: poderíamos chamar a issocinema (e não o cinema).Trata-se aqui essencialmente da presençamasculina, que poderia trazer outras refle-

Paulo Teixeira de Sousa

Escola Secundária Fontes Pereira de Melo.Porto

xões, mais ou menos significativas, como aidade, às alterações do corpo que se mani-festam na sucessão de cabeças de cartaz.A esse respeito, o filme de Eastwood e o deFincher (A incrível história de Benjamin Button)estão mais próximos do que se opõem.O primeiro faz da sua presença, umasvezes divertida outras trágica, toda umahistória que é simultaneamente a dosEstados Unidos, a do cinema americano e ada sua própria filmografia. O segundo fazdo corpo de Brad Pitt, com o recurso a inu-meráveis efeitos virtuais e materiais, opalimpsesto onde se inscreve a passagem dotempo que se desenrola ao contrário – e éde novo uma história do seu país, e docinema de Hollywood. Do mesmo modoque o corpo martirizado de Mickey Rourke,exibido em Wrestler, e as certezas de TomCruise em Walkyrie, são ainda e sempreparte duma presença abstracta e sobre-humana (a star) que tenta de novo voltar àribalta.Clint, Brad, Mickey, Tom … Barack: impres-sionante, esta omnipresença dos USA, naactualidade real e na realidade das estreias. Em resumo, não basta dizer que o cinemavai bem. É preciso também dizer que está atrabalhar bem.

P.S. Atenção especial ao Curtas de Vila doConde deste ano: entre outras, a pérola deMurnau Tabu (1931) com música ao vivo dePaulo Furtado (Legendary Tiger Man).

Eastwood,Obama& C.ª

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As principais economias mundiais, que sãotambém as maiores emissoras de gás car-bónico (CO2), estiveram reunidas em Parisno final de Maio para tentar chegar a umnovo acordo sobre as mudanças climáticas,que deverá ser assinado na Cimeira deCopenhaga, a realizar em Dezembro.O ministro francês do Ambiente, Jean-LouisBorloo, afirmou na abertura do encontrodo Fórum das Maiores Economias (MEF, nasigla em inglês), que o "destino do mundo"estará provavelmente em jogo na capitaldinamarquesa. A principal nota de destaque do encontrofoi para uma proposta avançada peloMéxico, através da qual cada país se com-prometeria a disponibilizar verbas combase nas suas emissões passadas e actuaisde gases de estufa e na directa proporçãodo respectivo Produto Interno Bruto. Destaforma, os principais emissores desde aRevolução Industrial, como os EstadosUnidos e a Europa, arcariam com a maiorparte das despesas destinadas a este fundode reserva, que teria um alcance maisamplo e se destinaria a evitar o impacto dassecas, a extinção das espécies ou a elevaçãodo nível dos oceanos. Ainda segundo estafórmula, os países mais pobres, em particu-lar os africanos, beneficiariam da atribuiçãode fundos.O MEF reúne os países do G8 e os grandespaíses emergentes (China, Índia, Brasil,África do Sul e México), assim como Coreiado Sul, Indonésia e Austrália. No seu con-junto, estes países representam 80 porcento das emissões de gases causadores doefeito estufa do planeta.Apesar de os Estados Unidos terem aceitevoltar à mesa das negociações após umafastamento de oito anos, o consensosobre os números da redução de emissõesde gases poluentes para os maiores emisso-res até 2020 ainda está longe de ser obtido.No início do debate, a secretária de Estadoamericana, Hillary Clinton, havia afirmadoque o seu país estava decidido a "recuperaro tempo perdido", notícia que foi recebidacom grande alívio. Os europeus, que secomprometeram a reduzir em pelo menos20 por cento das suas emissões (30 porcento no caso de se obter um acordointernacional) até 2020 relativamente aosníveis de 1990, consideraram a propostaamericana (que preconiza uma diminuiçãode 6 por cento) insuficiente.

Grandes emissores de CO2 reuniram-se em Paris Nesse sentido, o presidente francês, NicolasSarkozy, já havia pedido aos americanosque assumissem um maior compromisso.O representante francês neste encontro,Brice Lalonde, afirmou a este propósito que,passado o período de graça e de esperançadecorrente da eleição de Barack Obama, é“altura de passar directamente às propostas”.A China, por seu lado, lembrou a responsabi-lidade histórica dos países industrializados nocúmulo dos gases de efeito estufa na atmos-fera, pedindo aos países ricos que reduzam

em pelo menos 40 por cento as suas emis-sões. Apesar desta exigência, Pequim nãofixou nenhum objectivo próprio.Os chefes de Estado do MEF deverão reu-nir-se novamente em Julho, em Itália, no finalde mais uma Cimeira do G8. "Se os paísesque representam 80 por cento do pro-blema alcançarem pontos de convergência,não será assim tão mau, porque 80 porcento do problema significa 80 por centoda solução", resumia um diplomata que par-ticipou nas reuniões.

ERVA moira

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QUOTIdiano

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Vivemos no tempo do exotismo levado aoextremo, a ponto de já não se estranharnada. Penso que quando dizemos “exótico”isso tem uma carga positiva, o “exótico” é odiferente que fascina, não é apenas o “dife-rente” que pode causar repugnância, hor-ror, medo. Por que razão falo em “exo-tismo” e em “exótico”? Porque o habitantedo mundo mais rico, numa manifestaçãode fastio evidente por esse mesmo mundo,prefere o “exótico”. A praia com águaquente, esmeralda ou de um azul infindo, apossibilidade de tomar banho à noite ou aocair da noite. A música da Índia, árabe oude Cabo Verde, para não falar da rumba,dos mariachis, ou do samba. O “homo-ricus-contemporâneus” anda cansado ebusca fugas do seu quotidiano espartilhadopelo relógio, pelo trabalho, pela rotina. É difícil escapar ao problema de vivernuma sociedade separada da Natureza,repetindo tarefas como um robot, tendocomo única “liberdade” o acto de comprar,consumir, que logo deixa uma insatisfaçãoporque o que se consumiu nunca foi sufi-ciente. O “homem-light” de que fala Enrique Rojasmanifesta-se em todo o esplendor. Semideais, é pragmático e conta o dinheiro quetem no bolso. Não gosta de pensar e pre-

fere esquecer. Durante o ano, ansiolíticos,anti-depressivos, álcool, tabaco ou drogasilegais, vão dando conta do recado. Nasférias o avião leva-o para longe, para o“exótico”. Bolsos cheios e a cabeça vazia,este “homo-civilizadus” passa grande partedo dia olhando para monitores. Olha otelefone portátil, a televisão, o ecrã docomputador, para ver as mais diversasinformações na Internet. De facto, sepa-rou-se há muito da realidade e entrou nummundo cada vez mais virtual. Ora foi istoque aconteceu aos banqueiros de todo omundo, que, ao contrário dos proletários,estão unidos. O “homo-comum”, para proteger o seudinheiro dos ladrões não o guarda em casa,mas no banco. Foi uma má experiênciadescobrir que muitos bancos querem tam-bém apropriar-se do dinheiro dos deposi-tantes (e já o fizeram). Este é igualmente otempo do “homo-anestesiadus” que nemassim, perante tanta aberração e falta dehonestidade se revoltou. Os governos detodo o mundo, usando os impostos detodos os cidadãos, correram a depositardinheiro nos bancos e foi proclamada a“crise financeira mundial”. O “homo-normalus” continua a trabalhar.As indústrias continuam o seu caminho

“Exótico (adjectivo), do Latim exoticu, vem ainda doGrego, exotikós, significando estrangeiro. Em Botânicae Geologia diz-se dos animais ou plantas que não sãonaturais dos climas para onde foram transportados.Que não é indígena; pode querer também dizerestrangeiro; extravagante, esquisito; estranho; singular;excêntrico.” (1)

Carlos Mota

Universidade de Trás-os-Montes e AltoDouro (UTAD), Vila Real

para a “Nova China”, os empregos dimi-nuem no resto do Mundo. Mesmo naChina, por estranho que pareça, houvedesemprego e a economia engasgou-se.Por certo continuaremos a assistir aos maisdiversos exotismos. O “estranho” será nãover algo “estranho”, “exótico” ou “estran-geiro” em todas as ruas do planeta. Estafusão de gentes, grandes interesses finan-ceiros e migrações desordenadas, fará comque o “exótico” deixe de o ser, passando aser a “norma”. Já está a suceder isso, aliás.Há gente interessada em observar aldeiasantigas “típicas”, quer dizer, anteriores aoadvento deste tempo de mudanças que nãosão reformas, porque são mudanças parapior. Os produtos típicos desaparecem, tornam-se “exóticos”! O bacalhau que comemos jávem (em parte) da China (é o do Pacífico).Este processo parece irreversível, pelomenos até agora. Talvez tenha algo debom. Ficamos à espera. Para já não pareceser assim. Esperemos que o exótico (denome e não só) Presidente dos EstadosUnidos, Obama, faça exotismos na presi-dência, como por exemplo governar bem,com menos gastos militares, sem agressõesexternas, tentando ser um actor de paz eprogresso entre os seres humanos.

(1) Definição de exótico em Priberam,http://www.priberam.pt/dlpo/definir_resultados.aspx?pal=ex%u00f3tico

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DA CIÊNCIA e da vida

A estrutura interna da Terra é razoavel-mente conhecida, não obstante a sua ina-cessibilidade à observação directa, masguarda ainda muitos segredos por esclarecerou encontrar. Também a crusta terrestre (com alguns kmde espessura) tem segredos ainda por des-vendar e riquezas por conquistar. É umafronteira que avança em profundidade, àmedida que as camadas mais superficiais vãosendo exauridas das suas riquezas minerais. Os nossos antepassados das idades do cobree bronze exploravam minerais muito ricosemergentes à superfície, por vezes tambémocorrências de metais nativos. O ouro emparticular era acessível em relativa abundân-cia onde as condições naturais de selecção eacumulação ditavam essas raras ocorrências;daí os tesouros pré-históricos que ilustramalgumas civilizações com alguns miléniosde idade (incluindo a península Ibérica).Mas essas excepções naturais há muitoforam esgotadas sobre todo o planeta.Hoje o ouro, e até os metais base como o

cobre, são em grande medida exploradosem galerias de minas a 2 ou mais km deprofundidade ou em enormes craterasescavadas a céu aberto.Também o petróleo e o gás natural,essenciais ao aprovisionamento energé-tico de todos os países, já não são hojeacessíveis em condições ditas convencio-nais, como inicialmente o petróleo foiextraído na Pensilvânia e no Texas, ou navizinhança do mar Cáspio. As novas des-cobertas, já quase só surgem em condi-ções extremas, sobretudo nas duas mar-gens do Atlântico – Golfo do México,costa do Brasil e Golfo da Guiné – emáguas (offshore) profundas e sob espessossedimentos, a largos km da superfície. Nãoé acaso, tem a ver com as condições climá-ticas em que se desenvolveu a biosfera eprecipitaram sedimentos ricos em matériaorgânica no fundo do mar, enquanto oAtlântico se abria em resultado da derivados continentes, e com o tempo necessário(cerca de 35 milhões de anos) para se dar a

A crusta terrestre é já examinada e explorada economicamenteem boa parte da sua extensão e espessura, como um novoterritório ainda objecto de descoberta de novos seres geológicose de novas riquezas.

Rui Namorado Rosa

Universidade de Évora. Departamentode Física

Viagem

superficial

ao interior da Terra

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transformação desses sedimentos emhidrocarbonetos e a sua acumulação emformações geológicas estanques.Actualmente a prospecção geofísica – sís-mica, gravítica, geomagnética e electro-magnética – consegue examinar e até fazera tomografia da litosfera até dezenas de kmde profundidade, para além da sua crusta,até à astenosfera sobre que as placas tectó-nicas flutuam. Por outro lado, a indústriapetrolífera realiza perfurações através demais de 4 km de rocha e a mais de 3 km deprofundidade de água, para prospectar eexplorar reservatórios muito profundos.

Quer dizer que a crusta terrestre é já exa-minada e explorada economicamente emboa parte da sua extensão e espessura,como um novo território ainda objecto dedescoberta de novos seres geológicos e denovas riquezas. É nessa fronteira de investigação e prospec-ção mais profunda que se esperam encon-trar ainda algumas riquezas geológicasimportantes. Não tanto hidrocarbonetos,pois que às pressões e temperaturas vigentesa mais de 5 km de profundidades já teriamhá muito sido decompostos. Não maisreservas de minérios, porque a tais profundi-

dades o trabalho dispendido e as condiçõesde exploração seriam inultrapassáveis.Mas aí se esperam encontrar reservatóriosgeológicos estanques e estáveis (numaescala de tempo que nos excede) para efei-tos de sequestro de dióxido de carbono(libertado na combustão de combustíveisfósseis) e eventualmente armazenamentogeológico de outros resíduos industriais. Aíabunda também calor geotérmico, cuja ori-gem remonta à própria formação da Terracomo ser planetário, e que se perfila comopromissora fonte de energia renovávelainda quase intacta.

Mario Benedetti, poeta, romancista, ensaísta,dramaturgo e crítico, falecido em meados deMaio em Montevideu, aos 88 anos de idade,foi o mais prolífero expoente da literatura uru-guaia, com obras traduzidas em vários idio-mas. Em Agosto de 2008 lançou "Testigo deuno mismo", um livro escrito em verso e con-siderado mais introspectivo e afastado do seuhabitual registo sociopolítico. Actual mente, tra-balhava em "Biografía para encontrarme", umnovo livro de poemas, género com o qual sesentia "mais confortável", segundo revelounuma entrevista para a Associação deImprensa Estrangeira do Uruguai.Autor de dezenas de livros, Benedetti rece-beu vários prémios literários, entre eles oPrémio Internacional Menéndez Pelayo, em2005, o Prémio Rainha Sofia de PoesiaIberoamericana, em 1999, e o PrémioIberoamericano José Martí, em 2001. Nosseus romances, Benedetti explora a naturezahumana e retrata a classe média, em particu-lar os burocratas, e em muitas ocasiões nãodisfarça nem dissimula o seu compromissopolítico com os movimentos de esquerda.Nascido a 14 de setembro de 1920 em Pasode los Toros (250 km a norte deMontevideu), Benedetti, cujo nome verda-deiro é Mario Orlando Hamlet HardyBrenno, mudou-se ainda criança com a famí-lia para a capital uruguaia. Doctor honoriscausa de diversas universidades latino-ameri-

Benedetti:poeta e retratista da classe média e dos burocratas

TRIGO limpo

canas e europeias, o falecido escritor estudouno Colégio Alemão e num liceu público, con-cluindo os estudos secundários num con-texto de dificuldades económicas, que oobrigaram a trabalhar desde os 14 anos.O seu primeiro emprego foi como funcioná-rio de uma loja de peças para automóveis. Em1939 mudou-se para Buenos Aires, retor-nando a Montevideu em 1941 para ocuparum cargo de funcionário público. Em 1945,ano em que editou o seu primeiro livro depoesia, "La víspera indeleble", Benedetti pas-sou a escrever para a revista Marcha, da qualfoi director literário de 1954 a 1974, ano emque a publicação foi encerrada pelo governo.A partir de 1949 co-dirigiu a Numero, desta-cada revista literária.Em 1964, quando já havia publicado os céle-bres "Poemas de oficina" (1956) e o seu pri-meiro romance, "Quien de nosotros" (1953),passa a trabalhar como crítico de teatro e co-director de um caderno literário de um jor-nal, além de colaborar como humorista paraa revista Peloduro. Nessa altura, foi nomeadodirector do Departamento de LiteraturaHispanoamericana na Faculdade deHumanidades e Ciências da Universidade daRepública, em Montevideu.Quase toda a sua obra poética está reunidaem "Inventário", livro publicado pela pri-meira vez em 1963 e reeditado várias vezes.Entre os seus romances destacam-se "La

Tregua" (1960), "Gracias por el fuego"(1965), "El cumpleaños de Juan Angel"(1971, escrito em verso), "Primavera conuna esquina rota" (1982), "La borra del café"(1992) e "Andamios" (1996).Além de escritor, Benedetti foi dirigente polí-tico do Movimento 26 de Março, que fundouem 1971, juntamente com o Movimento deLibertação Nacional-Tupamaros. Foi tambémrepresentante na Mesa Executiva da coligaçãode esquerda Frente Ampla, actualmente nopoder no Uruguai.Exilado durante a ditadura uruguaia (1973-1985), o escritor residiu na Argentina, noPeru, em Cuba e em Espanha, regressou aoUruguai com a instauração da democracia,alternando a sua vida entre Madrid eMontevideu até à morte da mulher, LuzLópez Alegre, com quem havia casado em1946. Luz, que era amiga de infância, foi suacompanheira e o grande amor da sua vida."Demorei seis anos para dizer-lhe isso e elalevou um minuto e meio para aceitar", con-tava Benedetti, que também costumava dizerque "casar-se com alguém que tem luz e ale-gria no nome parece um bom investimento".Depois da morte de Luz, em Abril de 2006,Benedetti mudou-se definitivamente para acapital uruguaia, tendo decidido doar parteda sua biblioteca pessoal ao Centro deEstudos Iberoamericanos Mario Benedettida Universidade de Alicante, em Espanha.

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DIZeres

Era o primeiro dia de aulas. Mas era tam-bém a inauguração das novas instalaçõesda escola. Por isso a excitação de professo-res e alunos era a dobrar. Era a inauguraçãocom a presença do Sr. Primeiro-ministro. Àúltima hora havia sempre coisas para ter-minar e decisões a tomar. Desde o ramoque ia enfeitar a mesa onde o Sr. Primeiro-ministro ia falar, até à organização doslugares onde estariam os professores, oucomo espalhar os alunos tentando contro-lar algum mais imprevisível, o espaço atri-buído aos funcionários, as palavras a dizerna recepção, o discurso previsto dos alu-nos, o ensaio dos improvisos, as organiza-

ções das salas, o equipamento informáticobem distribuído de forma a aparecer noenquadramento dos media, tudo visto erevisto para que não houvesse falhas. Ossenhores do protocolo a explicarem tudo,risos nervosos, olhares ansiosos, enfim,uma preocupação crescente. A tensão eramuita. Era uma escola especial, de longa tradição,e onde se esperavam agora muitas melho-rias nas salas, nas oficinas nos espaços arecuperar. Sobretudo porque se ia mudarpara novas instalações. Tratava-se de umprojecto inovador, com implicações emmuitas actividades produtivas. A visita doSr. Primeiro-ministro podia ser tambémum bom momento para enunciar umasquantas necessidades mais, e divulgar, atra-vés dos órgãos de comunicação, a especifi-cidade da escola, a sua identidade e pro-jecto singulares. Por isso se cruzavam opi-niões sobre o que dizer e referir. A expec-tativa era grande.Os alunos, adolescentes e jovens iamficando cada vez mais entusiasmados àmedida que os carros de diferentes televi-sões iam chegando. Uns saltavam diantedas câmaras, outros rodeavam os técnicos,sendo constantemente chamados à aten-ção, outros amontoavam-se na escadaria àespera das entidades oficiais, outros inven-tavam aplausos e chistes. A confusão eraimensa.O Sr. Primeiro-ministro chegou. A Di recçãoRegional também. Com toda a comitivahabitual, e um enorme cortejo de comunica-ção social. Os câmara-men aproximavam-se,

O Sr. Primeiro-ministro chegou. A DirecçãoRegional também. Com toda a comitiva habitual,e um enorme cortejo de comunicação social.

Angelina Carvalho

Colaboradora do CIIEda Faculdade de Psicologiae Ciências da Educaçãoda Universidade do Porto

A inauguração

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os repórteres estendiam os micros, o con-selho executivo dava as boas vindas; nomeio de alguma confusão todos se dirigi-ram para o auditório. A algazarra foi dimi-nuindo, algumas tosses, arrastar de cadei-ras, as frases de boas vindas, e o Sr.Primeiro-ministro falou. Falou e as televi-sões filmaram. Passou nos telejornais, vol-tou a passar e repetiu. Todo o país ficou asaber das grandes melhorias que espera-vam aquela escola, dos elogios que esta-vam a ser feitos, do enorme desafio. Falou-se da perspicácia do governo que entendiacomo aquela escola era diferente. Falou-sedos grandes planos que havia para a escolaem novas e qualificadas instalações. Falou-se das imensas oportunidades que seabriam a adolescentes e jovens. Falou-se damodernidade do projecto, do equipa-mento, das instalações, da gratificação e

anseios respondidos dos professores. Dapostura de exigência e rigor. As câmarasmostraram algumas salas, os novos equipa-mentos, os computadores, afirmando a erade uma tecnologia indesmentida e inevitá-vel, o rosto sorridente de alunos, umgrande plano do edifício da escola. O Sr.Primeiro-ministro fazia a inauguração ofi-cial. A escola podia arrancar, os pais aplau-diriam, a sociedade civil congratular-se-ia,a direcção regional sorriria, os professorespoderiam sentir-se satisfeitos. E havia umgrande contentamento.A visita terminou. Os automóveis arranca-ram com todos os notáveis. Enrolaram-seos cabos dos equipamentos, guardaram-seas câmaras dos repórteres, os carros dastelevisões partiram. Arrumaram-se algunsequipamentos. Retiraram-se os biombos

que ocultavam os sacos de ferramentas,materiais de construção, placas de pladur,pilhas de mobiliário por instalar, cantospor limpar; abriram-se as portas de salaspor acabar, das casas de banho que aindanão funcionavam. Os alunos foram paracasa, arrumaram-se mesas e cadeiras. Fazia-se a revisão do grande momento e esperou-se. Havia uma grande esperança.Mês e meio depois as aulas ainda são rota-tivas, não há salas para todos, as oficinasainda não estão todas prontas, alguns equi-pamentos não funcionam, as aulas perde-ram o seu ritmo dos outros anos, os alunosprotestam, os pais reclamam, os professo-res desesperam-se. O país não sabe.Espera-se e vai-se assistindo na televisão aoutras inaugurações e discursos triunfan-tes. Há uma grande desilusão.

Sonia Sotomayor, recentemente nomeadapelo presidente Barack Obama para ocargo de juíza do Supremo Tribunal dosEstados Unidos, será o primeiro cidadão deorigem hispânica a ter assento na maior ins-tância judicial daquele país. Nomeada juízafederal por George Bush pai, em 1991, emais tarde juíza do Tribunal de Recurso deNova York por Bill Clinton, em 1997, éconhecida pela sua consciência profissionale por posições políticas de centroesquerda. Durante a sua apresentação aoSenado para nomeação ao cargo de juízafederal, alguns republicanos manifestaram-se contra por conhecerem a sua faceta pro-gressista, temendo que ela chegasse um diaao Supremo Tribunal.Nascida a 25 de Junho de 1954 e filha deemigrantes de Porto Rico, Sotomayor cres-ceu no Bronx, um bairro popular do nortede Nova York. O pai, operário, morreuquando ela tinha nove anos, tendo sidocriada com a irmã mais nova pela mãe, umaenfermeira. As origens modestas não a

Sonia Sotomayor, o primeiro cidadão de origem hispânicano Supremo Tribunal dos EUA

TRIGO e joio

impediram de se diplomar com uma boanota final na prestigiada Universidade dePrinceton, em Nova Jersey, em 1976. Trêsanos mais tarde, alcançava o doutoramentoem direito pela Universidade de Yale(Connecticut), uma das mais reconhecidasdo país.Divorciada e sem filhos, é uma apaixonadapelo seu trabalho, referindo-se aos tribunaiscomo "o último refúgio dos oprimidos" edefinindo-se como uma pragmática com"os pés assentes no chão". Alguns colegas,porém, consideram-na muito exigente epouco acostumada a rever as suas posi-ções. "Um terror no tribunal", "um tempe-ramento forte” ou “facilmente irritável" sãoalguns dos comentários anónimos dosadvogados que trabalharam com ela, deacordo com o almanaque judicial federal,uma publicação especializada no ramo daadvocacia.Durante os seus 17 anos como juíza,Sotomayor determinou a detenção de polí-ticos envolvidos em casos de corrupção,

como o chefe de gabinete do ex-governa-dor de Nova Jersey, Joseph C. Salema, em1995. Nesse mesmo ano, determinou ofinal de uma greve de 232 dias no mundoprofissional do basebol, que levou à anula-ção da “World Series”, a final do campeo-nato americano de basebol (MLB), invali-dando o contrato colectivo que os proprie-tários das equipas queriam impor aos joga-dores.A sua recente nomeação substituiu noSupremo Tribunal o juiz David Souter, de69 anos, que era conhecido pelas suastomadas de posição progressistas. Destaforma, o actual equilíbrio esquerda-direitadesta instância judicial, que se pronunciasobre questões fundamentais da sociedadenorte-americana, não deverá ser abalado.Soto mayor, nomeada para o cargo deforma vitalícia, será agora a segunda mulherentre os nove elementos que compõem oSupremo, a par com a progressista RuthBader Ginsburg, de 76 anos, uma das duasjuízas mais antigas.

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Entrevista conduzidapor RICARDO JORGE COSTA

«É fundamental incentivara mobilidade deprofessores entreinstituições,não só a nível nacionalcomo europeue internacional»

Antropólogo de formação pela Universidade Técnica de Lisboa e Mestre em Social Educationpela Universidade de Boston, nos Estados Unidos, Luís Souta é professor coordenador doDepartamento de Ciências, Multiculturalidade e Desenvolvimento da Escola Superior deEducação de Setúbal tendo já aí exercido funções de presidente do Conselho Científico e,mais recentemente, de presidente do Conselho Directivo. Para além da docência, Souta étambém um apaixonado pelas Letras, sendo colaborador regular de vários jornais – entre osquais se contou ao longo dos últimos anos a PÁGINA – e autor literário. Tendo em conta a suavasta experiência na área do Ensino Superior Politécnico, quisemos saber junto de Luís Soutaas dificuldades que atravessam actualmente as instituições que integram este subsector doensino superior e os desafios que se lhe colocam no futuro próximo.

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FACE a face

Em que medida é que a actual crise que o ensino superior está aatravessar afecta o ensino politécnico? As universidadesqueixam-se. De que se queixam os politécnicos?

No essencial, queixam-se do mesmo que as universidades: estran-gulamento financeiro. O ter de chegar ao final do ano civil apresen-tando um saldo não inferior ao do ano anterior, ao contrário doque acontece, por exemplo, com as autarquias, empresas ou clubesdesportivos, que podem recorrer ao crédito, coloca as instituiçõesde ensino superior numa situação muito complicada; praticamente,grande parte delas vive em gestão corrente. E, deste modo, deixamde poder fazer investimentos tecnológicos, documentais, ou desen-volver parcerias com as congéneres estrangeiras, acentuando assimo nosso fechamento académico.Depois, existem particularidades inerentes ao ensino politécnico,decorrentes da sua própria juventude, que o mantém relativa-mente submisso face à administração central. Este é, afinal, o“pecado original” dos politécnicos: o regime de instalação, dema-siado longo, marcou-os negativamente, e esses vícios só desapare-cerão com a mudança geracional.

O novo presidente do Conselho Coordenador dos InstitutosSuperiores Politécnicos (CCISP), João Sobrinho Teixeira, defendea qualificação do corpo docente e a alteração dos contratos detrabalho como as duas questões mais prementes a resolver.Concorda com esta posição ou considera que existem outrasquestões igualmente prementes?

Antes de responder à sua questão gostaria de dizer que, na minhaopinião, o CCISP é um dos problemas deste sub-sector. Em pri-meiro lugar porque é um organismo de cuja existência poucos sedão conta – se perguntar a qualquer professor do politécnicoquem é o actual presidente do CCISP poucos lhe darão respostacerta. Em segundo lugar porque todas as direcções do CCISPfalharam na informação às escolas e suas comunidades. Há umagrande falta de comunicabilidade interna. O CCISP sempre funcio-nou em circuito fechado. A sua intervenção é escassa. Não sãomuito ouvidos pelas comunidades escolares e a tutela não os levaem muita consideração. E essa é uma das suas principais fragilida-des: falta uma liderança forte, esclarecida e com implantação nocorpo docente, nos estudantes e nos funcionários.

Tendo em conta o que me acabou de dizer e a indefinição queao longo das últimas três décadas marcou a evolução dospolitécnicos, pode falar-se de uma certa crise de identidade?

Essa é uma questão recorrente sempre que se fala deste sub-sis-tema. Não a considero muito relevante mas aprecio o esforço doministro Mariano Gago para que o corpo da lei do Regime Jurídicodas Instituições do Ensino Superior (RJIES) reflectisse as diferençasentre o politécnico e o universitário. Essa distinção era pouco clarana Lei de Bases do Sistema Educativo. Pode-se questionar algumasdas suas proposições – quando se refere, por exemplo, aos politéc-

nicos fazerem «investigação orientada» (o que é isso?) –, mas háum meritória tentativa de demarcar os campos de actuação, acen-tuando o «saber de natureza profissional» dos institutos. E queestes não podem equiparar-se às universidades em certos domí-nios, pelo menos, nesta fase. E refiro-me, em concreto, à impossibi-lidade de conferirem doutoramentos, medida com a qual con-cordo, porque não temos ainda um número de doutorados que ojustifique. O meu Instituto, por exemplo, possui apenas 17 porcento de professores doutorados; e em 2000, o conjunto dos poli-técnicos tinha 3,3 por cento de doutores e 30,9 por cento de mes-tres. Como se poderia reivindicar tal prerrogativa?A razão da dita crise prende-se também com o desejo de muitospolitécnicos se transformarem em universidades. Tal aconteceuapenas com uma instituição, que se integrou na Universidade doAlgarve, criando-se, mesmo assim, uma certa ambiguidade –nomeadamente pela coexistência dos dois estatutos da carreiradocente. Tentativas semelhantes, como os Politécnicos de Bragançae Castelo Branco, não se chegaram a concretizar.

O investimento na qualificação do corpo docente é, portanto,indispensável...

Sem dúvida. E esse investimento tem vindo a ser posto em práticaatravés do programa PRODEP, que incentiva a formação avançadados docentes. Foram, este ano lectivo, disponibilizadas cerca de 500bolsas, o que se pode considerar um número significativo. Oudamos esse salto na qualificação ou continuaremos neste cresci-mento lento.

E no que se refere à alteração dos contratos de trabalho?Actualmente, cerca de 85 por cento dos contratos de trabalhono ensino politécnico têm um carácter precário...

Há, de facto, demasiados professores equiparados, constituindouma quase carreira paralela. Em 2000, um estudo conduzido porVeiga Simão e Almeida e Costa, intitulado “O Ensino PolitécnicoPortuguês – Descrição evolutiva e prospectiva deste sub-sistemade ensino superior”, aborda esta questão e refere que os profes-sores equiparados não se podem manter assim ad infinitum. Tem deser encontrada uma solução para esses professores, muitos dosquais com as habilitações exigidas pelo estatuto. O que passaria,nomeadamente, pelo alargamento dos quadros e a abertura deconcursos, mas não vejo o ministério apontar nessa direcção, bempelo contrário…

«O ensino politécnico está hoje presente em 29localidades do país. Na minha opinião, é uma redesobredimensionada para um país tão pequeno»

Considera que o ensino superior politécnico falhou na tentativade definir uma estratégia que lhe permitisse ter constituído uma

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alternativa ao ensino superior universitário? Talvez daí advenhaessa indefinição que caracteriza actualmente muitas das ins-tituições...

Em alguns casos, os institutos politécnicos conseguiram ser umaalternativa ao universitário, assumindo as suas especificidades nestesistema binário – que muitos contestam, nomeadamente as estru-turas sindicais. Mas muita da opção pelo politécnico deve-se à suarede de proximidade. Actualmente, existem quinze institutos poli-técnicos e cerca de 65 escolas neles incorporadas. Tivemos umprocesso de descentralização dos institutos, com escolas superio-res em 14 localidades fora das capitais de distrito, questionável em

muitos casos pois algumas dessas escolas têm as mesmas designa-ções e valências científicas semelhantes. Em suma, o ensino poli-técnico está hoje presente em 29 localidades do país. Na minhaopinião, é uma rede sobredimensionada para um país tãopequeno.

No ano passado, houve quem tivesse sugerido (e realizou-semesmo uma reunião nesse sentido) a possível agregação dos ins-titutos politécnicos em estruturas regionais distribuídas porgrandes áreas geográficas – Norte, Centro e Sul –, associando-seem consórcios. Concorda com esta ideia ou o possívelredimensionamento da rede passaria por outra solução?

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FACE a face

Esta questão do redimensionamento da rede apareceu no discursopolítico nos últimos anos, e esperava-se que, na sequência do rela-tório da OCDE sobre a avaliação do ensino superior (Dezembrode 2006), tivessem sido tomadas medidas mais concretas no quediz respeito à sua reorganização. Foi nessa altura que os institutos,sentindo que qualquer coisa iria acontecer, introduziram nas suasagendas o debate em torno dos consórcios. Poucos existiam, umdeles, apadrinhado pelo próprio ministro, reunia os InstitutosPolitécnicos de Setúbal e Santarém, a Universidade Nova de Lisboae o ISPA.O RJIES acabou por incorporar a ideia dos consórcios e a possibi-lidade de fusão, integração ou extinção como medidas de raciona-lização da rede. Mas até agora nada mudou. E tenho dúvidas quevá mudar, pelo menos devido a movimentos endógenos.As grandes mudanças que se têm verificado no ensino superiorsão, em regra, impulsionadas a partir do exterior. As instituições deformação nem sequer se têm articulado naquilo que é básico, oscursos que oferecem. Teima-se numa oferta muito extensa de cur-sos de licenciatura não a rentabilizando regionalmente. Penso queesse deveria ser o trabalho mínimo de articulação inter-escolas.

De uma forma geral, que balanço é possível fazer daimplementação do processo de Bolonha no ensino superiorpolitécnico?

Acho que a resposta foi muito razoável. No caso do meu instituto,praticamente todos os cursos estão, desde o ano passado, imple-mentados segundo as regras de Bolonha. Foi um grande desafiocolocado às escolas, e que constituiu um bom exemplo de comoas instituições foram obrigadas a mudar, e num curto período detempo. De facto mudaram, e mais uma vez, por pressão externa.

Mas essa mudança foi favorável?

Essa é outra questão. Em Maio 2005, escrevi um artigo intitulado“Bolonha põe e dispõe” onde afirmava as minhas reservas sobrealgumas das matérias que envolvem o processo. Sobretudo pren-dem-se com o generalizar do ensino de curta duração. As actuaislicenciaturas estão próximas dos antigos bacharelatos de três anos,e isso tem implicações várias, não apenas académicas mas tambémas que se referem ao desenvolvimento cultural e à participaçãocívica dos estudantes. O conhecimento implica um tempo dematuração, e a vida universitária é, nesse sentido, um período muitosignificativo na vida de uma pessoa. Ora, se se reduz esse tempo, avida académica passa a ser menos marcante nas suas vidas. Bolonhaimplica o empobrecimento do processo educativo: tudo se faz porfatiados semestres (que na prática são quase trimestres). É tudodemasiado rápido, fugaz e superficial.

«É um contra-senso termos um curso no ensinosuperior politécnico que não profissionaliza paranada»

A implementação das licenciaturas bietápicas acabaram, porexemplo, com o estágio no final do bacharelato. No ensinosuperior politécnico isso é uma espécie de machadada, ounão?

Anteriormente à implementação de Bolonha, na área da formaçãode professores dominava o princípio da formação integrada, atra-vés da qual os alunos tinham, desde o primeiro ano, contacto cominstituições educativas, e que se aprofundava de forma gradual eprogressiva. No actual contexto, a educação básica de três anosnão faz qualquer sentido. É um contra-senso termos um curso noensino superior politécnico que não profissionaliza para nada;resume-se a uma etapa propedêutica para ingresso num mestradode ensino.Outra das consequências que Bolonha trouxe foi a redução, defacto, do corpo docente. Um dos objectivos, não explícitos, é tor-nar a formação mais barata. No fundo, as grandes questões são decarácter económico e financeiro. Todo o discurso à volta de umanova forma de trabalhar centrada no aluno é mera retórica. Nãovejo a generalização de práticas que sustentem esse argumento.

Entrando num outro capítulo da nossa conversa: fará ou nãosentido aproximar e interligar os dois sub-sistemas?

Sou um dos grandes defensores dessa aproximação. Mas reco-nheço que esta posição não é dominante. Desde a génese doentão chamado “ensino superior de curta duração” que os diplo-mas legais apontavam para a possibilidade dessa articulação. Masfoi sempre difícil de a concretizar. Encarei com agrado o projectode integração do Instituto Politécnico de Lisboa e da Universidadede Lisboa, mas o processo está a ter dificuldades em avançar.Um colega dizia, com uma certa graça, que a articulação entre ospolitécnicos e as universidades era uma espécie de abraço dourso. Porque o universitário tem, de facto, um corpo docentemuito mais qualificado e, portanto, nessas parcerias dominaria, deforma hegemónica, todos os processos. É fundamental incentivar amobilidade de professores entre instituições, não só a nível nacio-nal como europeu e internacional. O ensino superior, pela suanatureza, privilegia o cosmopolitismo, a partilha de conhecimento,a troca de experiências internacionais. Nesse sentido, seria interes-sante, por exemplo, criar mecanismos institucionais que permitis-sem aos docentes leccionar durante um certo período numaoutra instituição.

Insistindo um pouco mais na minha pergunta: faria mais sentidoevoluir para um modelo de universidade politécnica, comoaconteceu, por exemplo, na Alemanha e na Finlândia?

O actual momento não é propício a esse tipo de mudançassubstantivas. O facto de sermos um sub-sistema sob o qual pairaa ameaça permanente de uma mudança estrutural cria proble-mas de identidade porque andamos sempre a querer ser outracoisa. Discorde-se ou não, neste momento existe um quadro

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legal que define um sistema binário e, nomeu ponto de vista, deve-se permitir que elese consolide, ganhe espaço e credibilidade.Acredito, que a breve trecho o ensino politéc-nico se irá aproximar dos 50 por cento dealunos no ensino superior. Para tal contribuirá,seguramente, o alargamento da escolaridadeobrigatória para 12 anos.Actualmente, o desequilíbrio dos dois sub-sis-temas pende favoravelmente para a universi-dade: tem melhores condições, mais funcioná-rios, melhores rácios professor-aluno e estu-dante-funcionário, menor dispersão dos pro-fessores por áreas disciplinares. Mas julgo que,pouco a pouco, haverá uma aproximação dascondições de trabalho relativamente às uni-versidades.

Que comentário lhe merece a proposta deas instituições de ensino superior poderemavançar para um regime fundacional?

O RJIES propunha a hipótese de criação doregime fundacional. Mas o balanço não émuito positivo. Apenas as universidades doPorto e Aveiro e o ISCTE avançaram paraessa solução. No Instituto Superior Técnico aideia foi chumbada em referendo. Nesteaspecto, o ministro Mariano Gago perdeu aaposta. Esta não parece ser (ainda) uma solu-ção atractiva. As soluções para os graves pro-blemas do sector não passam por aqui.

Que novas perspectivas abre a mudança deEstatutos decorrentes do RJIES?

Depois de um processo de homologaçãodos novos estatutos das instituições doensino superior, que decorreu de forma algolenta, iniciaram-se os processos eleitoraispara os novos órgãos de gestão, previstos noRJIES. Destes, destaco a composição doConselho Geral que irá, agora, ter a granderesponsabilidade de eleger o presidente dainstituição. O RJIES permitiu franquear asportas à comunidade regional, através de umreforço do número dos seus membros comassento no Conselho Geral e dando-lhes apresidência do próprio órgão. Estas sãomudanças significativas e muito positivas.Assim se contraria o corporativismo e ofechamento da instituição sobre si mesma.Esperemos que tal dê frutos.

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DO secundário

Domingos Fernandes

Universidade de Lisboa.Faculdade de Psicologia e de Ciênciasda Educação

A importânciadas escolas

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Aprender e ensinar constituem dois processos que deverãoestar no cerne do trabalho que se desenvolve em qualquerescola. (…) O desenvolvimento do currículo, o ensino e aaprendizagem, têm que se centrar no que Michael Youngdesigna por conhecimento poderoso, ou seja, o conhecimentoespecializado que os professores têm que dominar comsegurança.

As escolas são instituições imprescindíveispara o desenvolvimento e para o bem-estardas pessoas, das organizações e das socie-dades. É nas escolas que a grande maioriadas crianças e dos jovens aprendem umadiversidade de conhecimentos e compe-tências que dificilmente poderão aprendernoutros contextos. Por isso mesmo elastêm que desempenhar um papel funda-mental e insubstituível na consolidação dassociedades democráticas baseadas noconhecimento, na justiça social, na igual-dade, na solidariedade e em princípiossociais e éticos irrepreensíveis.Para muitos milhares de alunos, a escolaconstitui uma oportunidade única para rom-per com situações económicas e sociais des-favoráveis e precárias. Certamente por essarazão muitos pais sempre se sacrificarampara que os seus filhos a frequentassem.Aprender deve constituir o primeiro propó-sito da vida escolar. Exige esforço por partedos alunos e o reconhecimento de uma hie-rarquia – os professores têm conhecimentosque os alunos não têm e que precisam deaprender. Ensinar constitui outro incontor-nável propósito da escola que exige, daparte dos professores, a mobilização de umasignificativa variedade de conhecimentos ecompetências. Aprender e ensinar constituem, assim, doisprocessos que deverão estar no cerne dotrabalho que se desenvolve em qualquerescola. Por estranho que possa parecerestes dois processos não têm merecido a

atenção devida por parte de uma diversi-dade de intervenientes sociais e políticos.As agendas dos investigadores da educa-ção, das organizações sindicais, das socie-dades e associações profissionais e dasorganizações políticas orientam-se, inva-riavelmente, por temas e problemas quepouco têm a ver com o ensino e com aaprendizagem.Mas aprender e ensinar o quê? Certamenteuma grande variedade de conhecimentosde domínios tais como a LínguaPortuguesa, as Ciências da Natureza, asCiências Sociais, a Matemática, as Artes eoutras Expressões. Ou ainda de domíniostransversais tais como a Resolução deProblemas, a Concepção e Desen vol vi -mento de Projectos, as Relações Sociais, osValores Democráticos, a Utilização dasNovas Tecnologias de Informação e aRecolha, Organização e Tratamento deDados de Natureza Diversa.Um número crescente de filósofos, soció-logos e estudiosos da educação vem defen-dendo que o desenvolvimento do currí-culo, o ensino e a aprendizagem, têm quese centrar no que Michael Young designapor conhecimento poderoso, ou seja, o conheci-mento especializado que os professorestêm que dominar com segurança. O conhe-cimento poderoso está associado ao conheci-mento teórico, mais independente de con-textos, e, consequentemente, tende a teruma aplicação mais universal. O conheci-mento prático e o conhecimento de procedimentos

estão normalmente dependentes de con-textos específicos e são, por isso, maissituados, mais localizados e menos suscep-tíveis de utilização generalizada.Nestas condições, as disciplinas escolaresconstituem elementos centrais na defini-ção dos propósitos das escolas porque sãomeios fundamentais para aprender e paraconhecer “coisas” que, para a maioria dosalunos (jovens ou adultos), não é possívelaprender noutro lugar. A valorização daescola, como meio de partilha e difusão doconhecimento poderoso, não deve, no entanto,estar associada à desvalorização de outrosmeios, mais ou menos informais, onde sepode aprender e desenvolver outros tiposde conhecimento (e.g., prático, técnico).As relações entre os conhecimentos esco-lares e os não escolares são complexas epodem assumir intensidades muito varia-das. É uma área que interessa a muitosinvestigadores e pedagogos.As escolas são decisivas para que os jovenscompreendam o mundo em que vivem epara que possam intervir crítica e responsa-velmente na vida social. Conse quen -temente, é importante valorizar o conheci-mento escolar, no sentido do conhecimentopoderoso, que constitui um meio incontorná-vel de emancipação e de independênciados cidadãos, assim como de democratiza-ção, de coesão e de bem-estar das socieda-des. É sobretudo para isso que as escolasservem e é também por isso que a suaimportância não se devia questionar.

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A transição de ciclo de estudos emPortugal (e noutros países) constitui umaexperiência traumática para muitos alunos,particularmente a transição entre o EnsinoBásico e o Ensino Secundário. A taxa dereprovação no 10.º ano é elevadíssima e onosso sistema educativo não parece sercapaz de lidar com a situação.A alternativa de criação de um único ciclode estudos antes do ensino superior iriaapenas mascarar a raiz do problema: osalunos aprendem a velocidades diferentesao longo da escolaridade e o seu grau demotivação e empenho nos trabalhos esco-lares tem grandes flutuações, dependendode múltiplos factores (desde o desenvolvi-mento da personalidade do aluno até àinfluência do ambiente familiar e social).Se é verdade que me parece existir emPortugal um número exagerado de ciclosde estudo antes do ensino superior (quatrociclos) haverá sempre um momento detransição entre um ensino básico com um

tronco comum e outro em que o aluno játem de fazer opções para seguir por váriospercursos.A actual transição em Portugal entre oEnsino Básico e o Ensino Secundáriopoderá acontecer um ano mais cedo ouum ano mais tarde mas terá forçosamentede acontecer. A opção mais ou menosconsciente por uma via no EnsinoSecundário traz responsabilidades acres-cidas aos alunos e aos Pais mas não pareceque este facto tenha efeitos palpáveis. Poroutro lado, na transição entre o Básico e oSecundário, admite-se que um alunotenha nota negativa numa disciplina noEnsino Básico e depois prossiga estudosnuma área onde essa disciplina sejanuclear; impedir o prosseguimento deestudos poderia provocar um problemaainda maior (e disciplinas comoPortuguês e Matemática devem estar pre-sentes, com variantes é certo, em todas asvias do Ensino Secundário).

Como lidar com a transição entre o Ensino Básico e o EnsinoSecundário? Uma alternativa seria permitir ao aluno seguir uma viaa que chamo Via Segura. O aluno iria frequentar disciplinastransformadas em que os conhecimentos em falta fossemleccionados integrados nos conhecimentos previstos nos programasdo 10.º ano…

Jaime Carvalho e Silva

Universidade de Coimbra.Departamento de Matemática

Sobre atransição de ciclode estudos

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Então como lidar com a transição entre oEnsino Básico e o Ensino Secundário? Umapossibilidade é a criação de um semestrede transição e orientação em que os alu-nos, escolhendo uma via no EnsinoSecundário, podem sempre mudar de viano fim desse primeiro semestre; essesemestre serviria para homogeneizar tantoquanto possível os conhecimentos dos alu-nos para os preparar para a via que só iriacomeçar em força no segundo semestredesse ano. Esta via é particularmente exe-quível em países onde haja 13 anos deescolaridade antes do Ensino Superior.Mas penso que se pode pensar numa melhoralternativa, admitindo sempre mudanças devias no fim de cada ano de escolaridade. Secada aluno, ao entrar no 10.º ano de escola-ridade, passasse por uma quinzena de traba-lhos de orientação, poderia mais conscien-temente escolher a via adequada às suas

expectativas. Por outro lado o professorpoderia ficar com uma ideia razoável sobrequal poderia vir a ser o desempenho dessealuno nesse ano de transição: tendencial-mente positivo ou tendencialmente nega-tivo. No primeiro caso, as aulas retomariamo seu curso normal. No segundo caso serianecessário fazer uma melhor avaliação dasituação e propor ao Conselho de Turmauma de duas opções: horas suplementaresde apoio para esse aluno caso as dificulda-des não fossem demasiadas; ou então aentrada numa via alternativa (a que chama-rei Via Segura) que garantisse a aprovaçãodo aluno ao fim de um ou dois anos. Estaúltima via seria particularmente adequadaaos alunos que tivessem reprovado a umadisciplina básica (como Português ouMatemática) e quisessem mesmo assimseguir uma via de estudos onde essa disci-plina fosse nuclear.

Em que consistiria essa Via Segura? Oaluno iria frequentar disciplinas transfor-madas em que os conhecimentos em faltafossem leccionados integrados nosconhecimentos previstos nos programasdo 10.º ano; por exemplo, na Matemáticaos temas de Geometria essenciais anterio-res seriam leccionados de forma integradanos temas de Geometria do 10º ano, e omesmo para os outros temas. Esta ViaSegura seria mais lenta (poderia demorardois anos em vez de um ano) mas seriamuito mais segura visto que daria condi-ções a um aluno de obter aprovação nofim do 10º ano e prosseguir depois nor-malmente os estudos. Seria de certezapreferível à situação actual em que oaluno reprova dois ou três anos de seguidano 10.º ano e acaba por anular a matrículacandidatando-se depois a exame onde areprovação é certa.

Tere

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1 Quando são muitas as perguntas,temos de escolher algumas.Escolhemos aquelas para as quaistemos respostas, mesmo sabendo quenão temos respostas. Os professoressão aqueles que tudo fazem para mere-cer uma boa pergunta, uma perguntadifícil sobre um aspecto aparente-mente livre de todas as dúvidas, umapergunta elementar.Quem são os professores? O quefazem os professores que os distinguedos outros profissionais? Quem osemprega como professores, o queespera deles? Pode esperar tudo?Tudo, o que é tudo?

2A imensa maioria dos cidadãos já tevealgum contacto com algum professor.Aparentemente todos sabem o que éum professor. Cada um sabe o queespera de um professor: alguma coisaentre a pessoa que nos ensinou algumacoisa ou com quem aprendemos o quepensamos não poder ter aprendido semum professor. Alguém que nos vaiesclarecendo o que é preciso sabermesmo de entre a infinidade de coisascom que contactamos por alguma via.Alguém que pode explicar algum deta-

lhe científico, técnico e nos inicia nomundo das coisas que não conhecemose que nos podem ser úteis agora e maistarde. Há também quem diga que oprofessor nos disciplina o saber e aconduta ou que nos educa. Uma ououtra pessoa se lembra do professorque a chumbou ou a passou ou a levoua exame e participou de algum modona construção de um diploma qualquera garantir certas competências mais oumenos literárias.Para a generalidade das pessoas, o pro-fessor estudou e deu a estudar, ensinou,aprendeu e deu a aprender, falou dadescoberta do mundo que ajuda a des-cobrir. Claro que há muitos professoressob a designação de professor, mas oseu exercício é sempre reduzido a pou-cas “marcas”.

3Pela minha vida de professor, passarammuitos professores, muitos modelos.Sob a minha pele de professor, já meparece que viveram muitos professorestodos diferentes, ainda que para osoutros apareçam como um só professor.O exercício de muitas funções sociais,essas que passaram a viver na vida dosprofessores como em casa sua, fizeram

Arsélio de Almeida Martins

Escola Secundária de José Estêvão.Aveiro

Quem são os professores?O que fazem os professores que os distinguedos outros profissionais? Quem os empregacomo professores, o que espera deles? Podeesperar tudo? Tudo, o que é tudo?

Os professores

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dos professores outros professores. Domesmo modo, a experiência de profes-sor que reflecte (e escolhe alternativasao adaptar-se à realidade em mudança)faz do professor passado um outro pro-fessor. O mesmo acontece por via daevolução científica e tecnológica oupor via da evolução das organizaçõesescolares em que desenvolve a suaacção. Ou por via das mudanças nascomunidades educativas seja lá isso oque for.Sempre que pensamos nas mudançasque sofremos, procuramo-nos no quese manteve invariante. Temos a certezaque há invariantes, não tanto pelo quesentimos, mas mais porque somos reco-nhecidos como professores quase domesmo modo que há 20 ou 30 anos.Agora que nos apoderámos damudança como de uma forma de estar,agora que nos apoderámos da comple-xidade da vida que não suspeitávamosantes, procuramos uma invariante sim-plicidade de processos que afinal são osque nos definem quando nada pareceser o que era definitivo. O que é?

4O que é que persiste tanto no educadorde infância, como no professor espe-cialista disciplinarmente ou tecnica-mente falando, do ensino básico,secundário ou superior? O que é quepersiste apesar de todas as formaçõesiniciais terem mudado? O que é quepersistirá? Novos professores vão apa-recer com formações completamentediferentes.Alguma coisa terão em comum com osprofessores que, com pontos de partidacompletamente diferentes, foramsofrendo adaptações, adequações,reconversões. O quê em comum? Oque é que persiste nas mudanças?

5As organizações têm tendência paraatribuir ao professor papéis cada vezmais diversificados a exigir cada vezmais registos para os quais não hádefinição precisa. Como os professo-res reflectem pouco sobre qual seja asua função, a tal, facilmente se deixamenredar nas múltiplas funções, educa-

tivas ou não, que a instituição escolartende a albergar em suprimento dafalência de outros sistemas de apoiosocial. Dito de outro modo, se a insti-tuição escolar se tornar mais com-plexa ou se auto-definir em autono-mia organizacional prestadora denovos serviços, o professor pode ser oque não é até deixar de ser professortal como é reconhecido pelos não

professores? Ou já não há quem nãoseja professor?

6Como se identifica um professor?Como e o quê se avalia quando sepensa num professor? Precisamos desaber que não falamos de um númeroindeterminado de coisas quando fala-mos com decência sobre a docência.

Tere

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OBSERvatório

As crianças, no seu papel de alunos,não se questionam e aceitam asregras de um jogo que não foi comelas negociado, pois não oaceitarem pode condicionar as suasvidas e, portanto, o seu “sucesso”.

Maria José Araújo

Universidade do Porto. Faculdade dePsicologia e de Ciências da Educação.CIIE – Centro de Investigaçãoe Intervenção Educativas

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umaquestãonaordemdo dia

“Trabalhos de Casa”

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uma maior mobilidade social através daescola; e os técnicos da área social, por suavez, defendem porventura esses trabalhoscomo um instrumento para ajudar as crian-ças a sair dos ciclos de reprodução dapobreza e da exclusão.Muitas crianças evidenciam comportamen-tos agressivos, cansaço e dificuldade deadaptação ao trabalho que trazem da escolapara fazer. Trata-se de um trabalho rígido,limitado e repetitivo, marcado pela necessi-dade e sobrevivência do aluno/a, construídoa partir de uma visão conservadora daescola, contra uma visão “progressista” queprocura um trabalho significativo, que ajudea compreender o significado emancipatóriodo conhecimento. Um conhecimento quefará com que as crianças compreendam asociedade em que vivem e consigam adqui-rir os instrumentos para lidar com ela, tendoem conta os constrangimentos com que sedeparam diariamente.Em suma, as crianças, no seu papel de alu-nos, não se questionam e aceitam as regrasde um jogo que não foi com elas negociado,pois não o aceitarem pode condicionar assuas vidas e, portanto, o seu “sucesso”. Aliás,como diria Bourdieu, é esta crença e aceita-ção das regras do jogo (a illusio) a condiçãoda sua perpetuação. Este tipo de trabalho,não parece contribuir para o bem-estar eauto-estima das crianças, nem sequer para oseu sucesso. No entanto, compreendemosque o assumem como fundamental para nãoterem aborrecimentos, obter reconheci-mento, uma nota ou passar no final do ano.Para muitas crianças, os estudos tornam-se,assim, um mal necessário, uma etapa a trans-por, esperando a verdadeira vida anunciada,no futuro e sempre para depois da escola.

Como todos sabemos, à maioria das criançassão propostos como “trabalhos de casa” tare-fas que incluem cópias de textos, repetiçõesde palavras (várias vezes), fichas com contase problemas diversos que na maior parte dasvezes se limitam a reproduzir os conteúdosdos livros ou o que eventualmente foi feito eexplicado na aula. Para muitas crianças, os“trabalhos de casa” consistem no acto deabrir a pasta, tirar os cadernos, os livros e oslápis, fazer o que a professora mandou,fechar o caderno e voltar a guardar. Esteritual é para muitas crianças, sobretudo paraas mais pequenas, tudo o que elas conhecemcomo próprio do acto de estudar. De facto,ao confundir-se estudar com este tipo de“trabalhos de casa”, estamos a afastar a hipó-tese das crianças se familiarizarem com ointeresse pelo conhecimento satisfazendo asua curiosidade natural através da pesquisa.O conceito de estudar é muito confuso, e ascrianças só o vão percebendo com o decor-rer da escolaridade e à medida que se vãoconfrontando com outras situações – como,por exemplo, estudar a tabuada, estudarpara um teste – e, mesmo assim, tudo issodepende delas. A função de estudar, nãosendo uma operação muito concreta e codi-ficada, é algo que não é muito claro para ascrianças e, provavelmente, para os adultoscom quem convivem. A maior parte dascrianças não gosta de fazer “trabalhos decasa”, mas aceita a obrigatoriedade da tarefamais ou menos pacificamente. Outras, con-tudo, manifestam-se: É uma seca... Tenho deestar sempre a escrever... cansa a mão... Já estoucheio. Apesar das dificuldades (não sabemfazer ou estão cansadas após um dia naescola), os “trabalhos de casa” aparecemsempre como alguma coisa que faz partedos seus quotidianos, que está naturalizadae que, portanto, não se questiona – temos defazer todos os dias e muitos... – ou cuja realiza-ção é condicionada pelo medo – se não fizera minha professora ralha-me. Para a criança ou para o adolescente, o tra-balho escolar, com tudo o que ele com-porta de actividade, representa o exactoequivalente ao trabalho profissional devida de um adulto. Mas, enquanto a dura-ção do trabalho profissional exige umgrande descanso para a maioria dos adul-tos, o trabalho escolar é cada vez maisdesenvolvido tanto dentro como fora dasala de aula. Há mais de 20 anos que se

denuncia este excesso de trabalho e osconsequentes malefícios físicos, psicológi-cos e morais para as crianças. Sabe-se que,para a maior parte dos adolescentes, a vidaé dividida segundo um esquema conde-nado por todos os que se têm dedicado aoassunto e que se traduz em trabalho exces-sivo, que deveria ser seguido de repouso.Mas, em vez disso, é o lazer que é banido,salvo se houver um feriado ou férias. A psi-cologia da infância e da adolescência,assim como as ciências da educação e asociologia, têm denunciado e reagido aeste regime de trabalho escolar que conti-nua não só a ser praticado como até desen-volvido, vulgarizado e disseminado. Ascrianças vão reagindo a este esquemaquase por defesa natural: distraem-se nasala de aula, negligenciam no trabalhoescolar, olham o tecto e o vazio, fazempequenos desenhos nos cantos dos livros,falam sozinhas com os cadernos, riscam assecretárias, “aldrabam” os educadores fin-gindo que já fizeram tudo, vão “milhares”de vezes ao quarto de banho e fazem asmais diversas perguntas sobre coisas quenão estão relacionadas com o que estão afazer, trauteiam baixinho, etc. Ou seja,inventam toda a espécie de tarefas e dedesculpas para não fazerem o que têm pelafrente, ensaiando formas múltiplas de resis-tência a um trabalho cujo sentido não éexplícito e que lhes é imposto do exterior.Não se conhecem ainda os benefícios quese podem tirar de tanto excesso, mas namaior parte dos casos os malefícios vêem-se generalizados nas revoltas das crianças.Neste caso, o ensino parece-nos estar atra-sado em relação ao processo civilizacional.De facto, tal como o ser humano não secriou e não se cria somente pelo trabalhoprofissional, também as crianças não se for-mam somente pelo estudo formal. O con-ceito de trabalho de casa aglomera um con-junto de práticas e de efeitos que só aparen-temente têm o mesmo sentido e intuito(sucesso, mobilidade social, emprego, inte-gração...), para as mais diferentes motiva-ções: as crianças parecem querer correspon-der às expectativas dos pais e professores; osprofessores aparentemente querem corres-ponder às expectativas sociais; outros técni-cos de educação dizem querer ajudar ascrianças a ter melhores desempenhos esco-lares; os pais parecem querer proporcionar

BIBLIOGRAFIA

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Hoje, o debate político nos Estados Unidos, dealguma forma profundamente refém do mainstream media,continua na cerca construída entre “republicanos edemocratas”. Os meios de comunicação dominantesteimam em reduzir o debate apenas e tão só entreas fobias republicanistas e Obamaianas.

João Paraskeva

Universidade do Minho.Professor Visitante, Miami University,Oxford, Ohio, Estados Unidos

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A diferençaentrerepublicanose democratasestá navelocidade com que ambosse ajoelham ante o altar do mercado

Como é possível, propõe Francis Lappe(2005: 5), “que os seres humanos estejam acriar um mundo que ninguém deseja. Alémdo mais, nenhum de nós se levanta todas asmanhãs e diz: Sim o meu objectivo hoje éfazer com que mais crianças morram defome; todavia actualmente há milhões decrianças a morrerem à fome. Nenhum denós faz soar o alarme de forma a impedirmais danos ao planeta; no entanto, 200americanos morrerão hoje face ao arpoluído que respiram. Nenhum de nós

brama pelo escalar da violência; todavia[pelo menos] os últimos 100 anos têm sidopautados pelas guerras mais sangrentas dahistória humana”.Há elementos de bom senso no raciocíniode Francis Lappe. Outros, todavia,importa desmontar. De facto, a histórianão tem absolvido muitos, precisamentepor se ter (com)provado que dormiamcom e no sentido do genocídio. A questãoé como é que tais práticas irracionalmentese racionalizam, ou seja se naturalizam, se

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domesticam, para me socorrer de umaexpressão de Noam Chomsky. HanahArendt (1966; 1970) em análises em quefoi injusta e precipitadamente fustigada“tenta explicar” a domesticação e naturali-zação do genocídio judaico no períodoNazi. E nisto, entre outras coisas, percebe-mos como denuncia David Orr (2005) quefoi pela mão de “ditos bem-educados sereshumanos” que se perpetraram os pioreshorrores da história. Dito isto, tambémnão será muito apurado partir do princípioque ao longo da história não têm soadopor todo o mundo campaínhas alertando oser para uma realidade atroz que vai estou-rar o real (Zizek, 2006). Há um sensocomum que promove todavia uma semân-tica contrária.O palestiniano Adónis, um dos vultos maisexpressivos e robustos da poesia hodierna,juntamente com tantos outros, bem temclamado por um outro mundo – pelos gri-tos e silêncios das suas estrofes. Quem oouve? Porque não se ouve? Hoje o debatepolítico nos Estados Unidos de algumaforma profundamente refém do mainstreammedia continua na cerca construída entre“republicanos e democratas”. Erro -neamente se cultiva ser este o povoamentopolítico nos Estados Unidos. Tal comoinfelizmente poucos conhecem a quali-dade do argumento de Adónis, também aesmagadora maioria dos estado unidenses,por exemplo, nem imagina quem é RalphNader – que mesmo votado ao ostracismoconsegue recolher o número de votos sufi-cientes que o poderiam eleger em muitosestados europeus, provavelmente, comolíder da oposição. Os Estados Unidos –quer assim deixar transparecer a mainstreammedia – estão divididos apenas e tão sóentre as fobias republicanistas e Obamaianas.Se por um lado, se vilipendia o PartidoRepublicano, não obstante os “Tea PartyProtests” abertamente promovidos pelacadeia televisiva FOX NEWS em que jáquase se exige a demissão de Obama porestar a querer impor um estado socialista(!!!) nos Estados Unidos, por outro lado,precipitadamente se idolatra Obama queaté agora se revela muito mais comprome-tido com a direita e o centro direita semcontudo deixar de ouvir o centro esquerda,sendo que é incapaz de se deslocar de umaposição “radical centrista”. Obama, entre

tantas coisas (que não) é o exemplo vivode como se consegue construir e manter oque se pode designar por “servant leaders-hip”, constituindo-se como o rosto donovo bloco hegemónico contemporâneoque demonstra ser capaz de incorporarprocessos, perspectivas e necessidadesoriundas da mais vasta plêiade social epolítica (nem que para tal, seja necessário,“aqui e ali” um pequeno “toque” de popu-lismo quanto baste). Obama consegue serhoje o exemplo vivo do que AntónioGramsci (1975) denominou “war of posi-tion vs. war of manouvers”. Não admirapois que também um pouco por todo omundo actuais ‘liberais comunistas” comodescreve bem Slavoj Zizek (2007), se des-nudem em vénias semânticas peranteObama.Na verdade, se prestarmos cuidada aten-ção, percebemos que muito pouco afastaRepublicanos e Democratas (ou Oba -mianos), sobretudo no que tange a políticaexterna. Não obstante a sua posição relati-vamente a Guantanamo, Obama titubeou,embrulhou o discurso em fonemas lácteos,para me socorrer de Roland Barthes(2007), perante os mais recentes genocí-dios na Palestina. Com isto Obama e osObamianos conseguem, não só “estrumartodo um centro político”, reforçandoassim a sua posição hegemónica, massobretudo mancomunam-se às “sistemáti-cas políticas de negação” de que tem sidovítima o povo Palestiniano e subscrevemassim uma espécie de “eugenica concor-data” levada a cabo por Israel que se impõecomo o único estado no mundo sem fron-teiras definidas. Mais, tal como osRepublicanos, os Democratas (e osObamianos) não garantem que não invadi-rão o Paquistão, caso este estado soberanocontinue a dar guarida à Al Qaeda, ambosdizem que matarão Bin Laden, ambosapontam o dedo com ameaças ao Irão eCoreia do Norte, ambos justificaram o seusim aos “bail outs” – uma refinada semân-tica que apenas comprova como eu eoutros temos denunciado que é o estadoque tem pavimentado o caminho para oMercado –, ambos reclamaram a necessi-dade da grande nação Americana recon-quistar o seu espaço e tempo imperial(ista)e garantiram que o farão, ambos promete-ram desafiar os tiques KGBStalinistas de

uma Rússia em crescendo, ambos ancora-ram sempre a sua análise a uma equaçãoeconómica. Nem uma p-a-l-a-v-r-a clarana defesa de uma educação pública, sobrepolíticas educativas, sobre Almost AmericansLeft(ed) Behind. Mais, com Obama, assiste-se ao reforço de determinados discursosperigosos, como por exemplo, “rua comos/as docentes incompetentes”, “parentsaccounta bility”, “reforço dos sistemas deacreditação”, reforço de “programas vou-cher e charter”. Por exemplo, a TIME(2008) entrega a manchete profunda-mente genderizada de capa à asiático-americana Michelle Rhee, Superin -tendente das Escolas de Was hington, quesurge de vassoura na mão tida como aforça revolucionadora da educação ameri-cana. Odiada pela classe docente, temidapelos directores, Rhee tem “varrido” o queentende serem “docentes incompetentes”reclamando ser essa a “cura” para a criseda educação pública. E claramente a bata-lha pela manutenção e petrificação de umperigoso senso comum. De alguma forma,o capitalismo nunca falha, uma vez que osocialismo surge sempre e “bail it out”.Desenganem-se. O que diferencia repu-blicanos e democratas (ou, paradoxal-mente, “vermelhos” e “azuis”) é a veloci-dade com que ambos se ajoelham ante oaltar do Mercado. Os Estados Unidos tei-mam em não perceber que correm contraa História.

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Zizek, Slavoj (2006) Bem-Vindo ad Deserto do Real.Lisboa: Relógio D’Água.

Zizek, Slavoj (2008) On Violence. New York: Pikador.

Rhee, Michele (2008) How to Fix America’s Schools.TIME, December, pp., 36 – 44.

Barthes, Roland (2007) Lição. Lisboa. Edições 70.

Gramsci, António (1975) Seclection from the PrisonNotebooks of António Gramsci. New York:International Publishers.

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[TRANS]formações

De novo à escrita neste grande projectoque José Paulo Serralheiro prossegue comafinco. Novo título, agora! Novas ideias?Algumas. Essencialmente algumas interro-gações.Pretendo usar este espaço com regulari-dade – (trans)formações – conjuntamentecom colegas do CIID – Centro deInvestigação Identidades e Diversidades –

e de outros centros com quem temos con-tactos e investigação em comum.O título recobre a ideia da mudança, dadinâmica social e cultural do mundo con-temporâneo, da formação como transfor-mação, dos vários tipos de formações,desde a auto, hetero e eco – formação(Pineau, 1983) das metamorfoses das iden-tidades, etc..

Cada criança constrói, reconstrói, a seu modo,no jogo, na aprendizagem, na interacção, uma novadimensão: um terceiro. Não se trata de copiar,de imitar, apenas. Há uma dimensãoda autoaprendizagem; da autoformação.

Ricardo Vieira

Instituto Politécnico de Leiria.Escola Superior de Educação, ESELeiria.CIID – Centro de InvestigaçãoIndentidade(s) e Diversidade(s)

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Entre idades emundos culturais

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O tema geral permite cruzar as áreas fun-damentais desta revista: educação, socie-dade, culturas, actores e sujeitos.Cada criança constrói, reconstrói, a seumodo, no jogo, na aprendizagem, na inte-racção, uma nova dimensão: um terceiro(Serres, 1993; Vieira, 2006). Não se tratade copiar, de imitar, apenas. Há umadimensão da autoaprendizagem; da auto-formação. Não se trata, de facto, de psico-logia behaviorista, comportamentalista, doclássico estímulo-resposta.Como diz Filipe Reis, “entre o que os adultosdizem e o que as crianças aprendem, medeia a prática,especialmente numa sociedade cuja lógica é resultadode experimentar directamente no real. Só que a práticada criança é altamente simbólica e o mundo no qualvive é feito de representações elaboradas no desenvolvi-mento do seu entendimento. É isso que significa o jogoinfantil como processo de aprendizagem. É a introdu-ção do real dentro do mundo da criança que ainda oentende através dos seus próprios conceitos, o que fazdo jogo um processo pedagógico.” (Reis, 1991: 27).A infância é um “Entre Lugar” (1994).A criança vive entre mundos culturaisdiversos. Mas, modelarmente, pensemo-la,agora, entre dois mundos, apenas.Por um lado, temos a criança como é consi-derada pelos adultos; por outro, temos o queé inventado por ela. Relativamente aos adul-tos, estamos perante a norma axiológica,gnoseológica; no tocante às crianças, esta-mos perante um novo mundo construído porelas mesmo (Ferreira, 2004; Iturra, 2002;Nunes, 1999; Sarmento, 2004).E quando o avô brinca com os netos é umadulto, um idoso ou uma criança que

brinca? Um ser que passou a ter tempo, denovo, para brincar? E como é que osoutros, as crianças, vêem os que designa-mos de adultos e que às vezes brincam comelas? (Vieira, 1996)Vale a pena lembrar um artigo de TeresaVasconcelos que descreve a interacçãofeita com a Tina, uma menina negra de 4anos, em contexto de etnografia numa salade educação pré-escolar, em que a miúdaordena à etnógrafa que vive a situação dejogo com ela, que se sentasse porque aindanão tinha comido: “ao ordenar senta-te!, aTina convidou-me a tomar parte do seujogo, mas deu uma mensagem clara de queera ela que estava a orientar a situação. Eunão podia limitar-me a «passar»… Não

havia também forma, como etnógrafa, dedeixar de me tornar vulnerável, de meesconder para não ser vista. […] A Tinacontinuava a controlar a situação quandoquestionou o facto de eu tentar sair semcomer as suas panquecas. Ao perguntaraonde pensas tu que vais? Ela estava impli-citamente a falar das relações de poder noseu jogo. […] Devo confessar o meuembaraço quando a Tina referiu que estavapronta a sair da «sua casa» - do seu jogo,da sua «representação secreta» - sem tercomido as panquecas cuidadosamente pre-paradas por ela. Quando comemos umarefeição na casa de alguém, não partilha-mos a sua intimidade? […]” (Vasconcelos,1996: 26 e 27).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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VIEIRA, Ricardo (1996). “Da Infância à Adultez: O Reconhecimento da Diversidade e a Aprendizagem da Interculturalidade” in ITURRA, Raul (Org.), O Saber das Crianças,Setúbal: ICE.

Teresa Couto

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EDUCAÇÃODE SEGUNDAOPORTUNIDADE

São precisasmais escolasde segundaoportunidadeem relaçãoà escolaridadeformal

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Em que contexto surge a escola de Segunda Oportunidade deMatosinhos?

Esta escola surge no âmbito do Projecto Europeu das Escolas deSegunda Oportunidade, projecto-piloto da Comissão Europeia ini-ciado em 1999 e prolongado até 2004, através do qual se criouuma rede de escolas - na qual chegou a estar incluída uma escolalocalizada no Seixal que, no entanto, acabou por encerrar. É em2004, precisamente quando este projecto-piloto estava na sua fasefinal, que um grupo de professores destacado numa escola do con-celho de Matosinhos abrangida pelo Programa Integrado deEducação e Formação na Escola (PIEFE), onde eu próprio meincluía, toma conhecimento dele. Na altura pareceu-nos que osintercâmbios internacionais previstos no projecto poderiam, dealguma maneira, ajudar os nossos alunos, pelo que estabelecemosum intercâmbio com uma escola dinamarquesa que integrava arede. Nesse mesmo ano decidimos fundar a Associação para aEducação de Segunda Oportunidade (AE2O) e iniciamos o cami-nho que nos levou à abertura desta escola.

A associação tem um âmbito europeu e nacional?

O financiamento do projecto foi assegurado pela ComissãoEuropeia até 2004. Quando ele cessou muitas escolas fecharamportas. Depois disso, as escolas que permaneceram em funciona-mento criaram uma rede a nível europeu através de uma associa-ção de carácter não-governamental. Esta rede europeia, porém, émais do que uma mera associação de escolas, porque inclui tam-bém autarquias e outras associações não-governamentais. Tem, por

assim dizer, três níveis de filiação. Neste momento somos membrosdessa rede como organização, porque o nosso processo de acre-ditação como escola está ainda a decorrer.

Esta escola distingue-se das do ensino formal sobretudo pelaespecificidade da sua oferta educativa. Pode elucidar-nos acercadeste aspecto?

Estas escolas surgem na medida em que existe um público euro-peu jovem, na faixa etária dos 15 aos 25 anos, caracterizado porbaixas qualificações, pelo risco de exclusão social e, consequente-mente, pela dificuldade de acesso ao mercado de trabalho, para oqual as respostas educativas formais são inadequadas. Neste sen-tido, as escolas de segunda oportunidade constituem sobretudouma proposta motivacional, proporcionando uma oferta educativaque desperte interesse a estes jovens e lhes permita, entre outrascoisas, regressar a um percurso formativo. Cada formando tem à disposição oficinas vocacionais – electrici-dade, electrónica, construção civil, cozinha, hotelaria, turismo, mul-timédia e informática - onde ocupa a parte mais significativa do seuhorário, complementada com actividades de educação artística,que incluem dança, música, grafitti, teatro, malabarismo, etc., repre-sentando cerca de um quinto do horário semanal de formação.Parte desta formação é dada por formadores estrangeiros convi-dados e por parceiros de projectos de outras organizações euro-peias.Esta oferta concretiza-se não só através de uma componentevocacional associada a actividades de formação profissional, queprocuramos serem ajustadas às necessidades do mercado de tra-

Todos os anos, cerca de quinze mil jovens portugueses saem da escola semcompletarem o nono ano de escolaridade, aumentando as fileiras de cidadãosdesqualificados. A Educação de Segunda Oportunidade, lançada na Europa em1995, quer assumir-se como uma resposta educativa alternativa em relação aossistemas formais de educação e formação. Para saber mais sobre este projecto,conversámos com Luís Mesquita, um dos mentores deste projecto em Portugale presidente da Associação para a Educação de Segunda Oportunidade (AE2O).

Entrevista conduzidapor RICARDO JORGE COSTA

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PONTO de encontro

balho local, mas também a uma componente de aconselhamentoe orientação, desenvolvida por um conjunto de técnicos que, assu-mindo um papel de tutor, se preocupam com os problemas destesjovens, estabelecendo com eles relações fortes de comunicação.Ou seja, ocupamo-nos de questões que não se limitam ao foroeducativo, nomeadamente com os rendimentos das famílias, com apreocupação em assegurar o rendimento mínimo, a habitação, etc.

Estas escolas não estão incluídas na rede de ensino formal...

Não. Estas escolas resultam essencialmente de um esforço con-junto da comunidade local, desde os responsáveis educativos, àsempresas, passando pelos organismos locais. Cada país tem, noentanto, um modelo próprio. Na Dinamarca, por exemplo, é umsistema público, em cada município existe uma escola de segundaoportunidade integralmente financiada pelo Estado.No nosso caso resulta de uma parceria entre o Ministério daEducação, a Câmara Municipal de Matosinhos e a nossa associação.Uma das exigências deste modelo de escolas, aliás, passa peloenvolvimento de uma autoridade local.

Pelas características que nomeou, o projecto educativo deveassentar sobretudo em planos individuais de formação...

Precisamente. Um plano individual de formação onde procuramoscombinar os interesses dos jovens com as ofertas da escola, o equi-líbrio entre aquilo que os motiva e aquilo que precisam paradesenvolver um conjunto de competências pessoais e sociais.A nossa principal ambição é manter estes miúdos connosco.Abrimos a escola com 45 jovens e decorridos quatro meses nãotemos nenhuma desistência. Para nós isso é uma vitória. Paralelamente, temos também o objectivo de certificar a aprendi-zagem. Apesar de este tipo de escola não ter como principalobjectivo a certificação, ela foi incorporada no nosso projecto edu-cativo porque estes jovens precisam dela. E muitas vezes temos denegociar esse percurso com os jovens, porque eles acabam por teractividades de formação de que não gostam muito, mas que sãoindispensáveis para entrar nesse percurso de certificação.

De que forma se processa essa certificação?

Actualmente temos dois percursos de certificação, um correspon-dente ao 6.º ano, outro ao 9.º ano. Até porque temos também doistipos de público: os jovens adultos, maiores de 18 anos, para osquais existe um protocolo com os centros de novas oportunida-des – a formação é da nossa responsabilidade, a certificação cabeao CCRV; e os mais jovens, em que o processo de certificação éfeito em colaboração com a Escola Secundária Óscar Lopes, emMatosinhos, ou com centros de formação profissional com quemarticulamos a formação correspondente ao 9.º ano. É um modelomuito flexível, os problemas vão sendo resolvidos à medida quevão aparecendo. Estamos a aprender fazendo.

Para além do protocolo existente entre o ME e a autarquia deMatosinhos, com que tipo de apoios institucionais e financeiroscontam?

Este projecto nasceu do impulso da nossa associação. É, acima detudo, um projecto associativo que congrega profissionais de educa-ção que não se conformam com a situação destes e de outrosjovens. Nós pensamos que o abandono escolar resulta de umadupla realidade: é feito de abandonantes e de abandonados – por-que, num certo sentido, o sistema educativo os abandonou a eles.Nós sentimos que as escolas têm uma responsabilidade para comestes jovens e achámos, nesse sentido, que fazia falta este tipo deresposta. Basta dizer que começamos com 45 jovens e temos umalista de espera enorme. Nos primeiros três meses de funciona-mento fomos contactados diariamente por instituições como ascomissões de protecção de menores, equipas da segurança sociale instituições que trabalham com crianças e jovens a sinalizarem-nos casos. Isto significa que este tipo de resposta é indispensável eque existe uma franja de jovens a que não estamos a conseguir res-ponder.

Será que a resposta a este tipo de problemas não passará, entreoutras possibilidades, por uma nova oferta curricular e por um

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leque mais alargado de currículos vocacionais nas escolas doensino regular?

Eu acho que este é um trabalho que deveria envolver um maiornúmero de instituições. As estatísticas mostram que em Portugalcerca de 20 por cento dos jovens não conclui o 9.º ano. O que émuito preocupante, não existe outro país na Europa na mesmasituação. E o problema não está na falta de respostas, está nomodelo dessas respostas, que não conseguem envolver todos osjovens. É preciso, portanto, haver propostas de maior retaguardaem relação às respostas formais. E porventura outro tipo de res-postas ainda mais recuadas em relação àquelas que nós oferece-mos, porque existem jovens que nem sequer para este tipo deoferta educativa estão preparados.

Estes jovens contam com algum tipo de apoio à saída?

Nós encaramos este projecto de uma perspectiva socioeducativa,cujo objectivo passa, acima de tudo, por ajudá-los a prepararem-se para enfrentar os espaços de formação nos quais possam vir a

reingressar ou directamente os espaços de trabalho. Eu acreditoque eles próprios, resolvendo alguns dos seus problemas e estru-turando-se pessoalmente, serão capazes de responder e de seintegrarem de forma capaz. Temos noção, porém, que as oficinas deformação vocacional, ao prestarem serviços à comunidade, podemassumir um papel importante nessa reintegração. E esse é um tra-balho no qual estamos também apostados, o de criar uma rede delocais de estágio, trabalhando em parceria com empresas e institui-ções que se queiram articular connosco.

Partindo deste relativo curto período de experiência, que outrosdesafios se colocam a um projecto desta natureza?

Eu julgo que existem resultados muito positivos nestes quase cincomeses de trabalho. Estamos a trabalhar com 45 jovens que esta-vam em abandono escolar, muitos deles há três, quatro, cinco anos,que nunca haviam estado mais do que uma semana em ladonenhum. E aqui estão há cinco meses, diariamente, o que na minhaopinião é um resultado absolutamente extraordinário. Partindo daqui, penso que o principal desafio será agora estruturarmelhor o nosso trabalho. Apesar de termos trabalhado neste pro-jecto praticamente dois anos, ele foi lançado muito em cima do iní-cio do ano lectivo e tivemos, por isso, muito pouco tempo para odesenvolver. O desenho curricular, por exemplo, foi sendo aperfei-çoado numa altura em que a escola já se encontrava em funciona-mento. Apesar desta contrariedade, penso que durante este anoiremos ser capazes de estruturar melhor a nossa aposta.Compreendermos melhor a nossa missão e aperfeiçoar a respostaserá, em síntese, o nosso principal desafio.

A Associação para a Educação de Segunda Oportunidade temoutros projectos, nomeadamente expandir-se a outros pontosdo país?

A AE2O é uma pequena associação que congrega técnicos e pro-fissionais de educação, pessoas interessadas, que tinham estesonho, um bocadinho impossível, de abrir uma escola emMatosinhos. Ao longo destes cinco anos de existência fomos par-ticipando em outras iniciativas e desenvolvendo outros projectos,que lhe conferem uma dimensão internacional. Neste contexto,integramos não só a rede europeia de escolas de segunda oportu-nidade, mas estamos a ajudar a criar uma outra rede europeia deorganizações que, tal como nós, trabalham com jovens em risco,realizando um trabalho de cariz cultural.Por outro lado, e embora estejamos sediados em Matosinhos, esta-mos a responder a solicitações que se estendem um pouco portoda a Área Metropolitana do Porto. E sentimos que esta respostanão é suficientemente abrangente. Só em Matosinhos existiam, em2005, cerca de 4000 jovens que tinham abandonado a escola semo 9.º ano de escolaridade. Costumamos dizer, por graça, que a esteritmo irá demorar mais de cem anos para resolver este problema,só no concelho. Não quero com isto dizer que devamos multipli-car esta resposta. É importante que se dê tempo à consolidaçãodesta experiência e avaliá-la. Mas acho, seguramente, que precisa-mos de encontrar mais respostas para além das que existemactualmente.

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COISAS do tempo

Muitas das crianças e jovens que hoje integram oSistema Escolar são, literalmente, filhos do insucessoe do abandono (…) questionamos toda umaorganização que reduz o tempo de convíviodiário entre pais e filhos.

Joaquim Marques

ICE – Instituto das ComunidadesEducativas

Rui Pedro Silva

CICS – Centro de Investigação emCiências Sociais da Universidade doMinho

O discurso em torno de uma suposta situa-ção calamitosa do Sistema Escolar Públicoe, consequentemente, dos alunos que ofrequentam é recorrente. Por força de umamediatização cirurgicamente exponen-ciada da voz de diversos fazedores de opi-nião transformados em especialistas ad-hocda coisa da educação, aquele discurso temvindo a engrossar os contributos do neoli-beralismo para o enfraquecimento dopúblico em favor do privado. Além do tratamento indiscriminado queglobalmente apresenta de educação e ensino,trata-se de um discurso falacioso que, sob acapa de crítica à instituição escolar, maisnão faz do que veicular despudoradamentea lógica neoliberal e conservadora de res-ponsabilização das vítimas pelos seus pró-prios insucessos.

Pais preocupados,escola a tempo inteiroe…novas oportunidades

Entre outras dimensões ou vectores de aná-lise esquece que muitas das crianças ejovens que hoje integram o SistemaEscolar são, literalmente, filhos do insucesso edo abandono. Embora longe de perspectivasdeterminísticas ou fatalistas da análisesocial, queremos com isto dizer que bastaresgatar para essa análise as estatísticassobre o insucesso e o abandono escolaresdas últimas décadas para rapidamente sepoder concluir que o que realmente estáem causa é a injustiça social que tem gras-sado na sociedade portuguesa e, conse-quentemente, a desigualdade no acesso aosmais diversos meios indutores e facilitado-res do desenvolvimento.Se é verdade que temos vários problemas noensino que urge resolver, o que, do nossoponto de vista, passa pela reconfiguração

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da própria instituição escolar, dos seusdesígnios e dos seus modus operandi, consi-dera-se que o que realmente se coloca emquestão na actualidade são questões de edu-cação, no seu sentido mais vasto, queembora se situem a montante da sala deaulas e da escola consubstanciam de formaomnipresente tudo quanto nelas se passa noseu quotidiano.Vem isto a propósito de uma situaçãorecentemente vivida: a D. Carla, chame-mos-lhe assim, é mãe de um menino de 8anos que frequenta o 3.º ano de escolari-dade. Empregada fabril que trabalha porturnos e que tem que deixar os filhos bemcedo entregues a uma ama, é uma mãemuito presente na escolaridade do filho ecom permanentes preocupações relativa-mente ao seu desempenho escolar.Contacta amiúde com o professor paraobter informações e gizar com ele estraté-gias de acompanhamento ao estudo emcasa. Vive intensamente as dificuldadesescolares do filho. Diz que já não sabemais o que lhe há-de fazer até porque lhe

dizem que o pai da criança também era umpouco assim. Diz que já não o consegueaturar e que até pensou que o melhor seráreprová-lo para ver se melhora. Diz que jálhe prometeu uma “moto-quatro”, mas quepor enquanto não vê jeitos de lha poderdar… “Ó senhor professor, olhe que nem com istoele lá vai! O que é que eu faço?”.Situações deste tipo não constituem algode novo, ou extraordinário, no dia-a-diade uma escola, no entanto, colocam, hoje,os professores que com elas são confron-tados perante novas e muito pertinentesquestões.Desde logo, o acompanhamento que ospais fazem da vida escolar dos seus filhos,quando a actual equipa do Ministério daEducação enaltece as virtualidades dodenominado programa de “Escola atempo inteiro” e o dirigente máximo daConfederação Nacional das Associaçõesde Pais advoga o alargamento do períodode funcionamento das escolas da redepública para as doze horas diárias. Pois, sesomos defensores de uma escola pública

que vá ao encontro das necessidades doscidadãos, sejam eles pais trabalhadorescom horários de trabalho alargados e des-regulados, ou crianças provenientes deestratos sociais desfavorecidos que deoutra forma não teriam acesso a umarefeição quente ou a aulas de EducaçãoMusical, questionamos vivamente todauma organização societal que tem redu-zido a níveis muito preocupantes o tempode convívio diário entre pais e filhos.Interrogamo-nos também se a facilidade erapidez com que as “novas oportunidades”concedidas àqueles que se viram precoce-mente afastados da escola – os pais dascrianças que frequentam actualmente asnossas escolas – permitem que estes obte-nham um diploma, não estará a contribuirpara que os seus filhos – que hoje iniciamum percurso que a breve trecho terá obri-gatoriamente doze anos – encarem comalgum desmazelo as suas tarefas escolares,sabedores de que no futuro lhes será con-cedida uma “nova oportunidade”, eventual-mente menos trabalhosa.

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«Ler conquista-se.»

Georges Jean, O Poder de Ler (1978)

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Betina Astride

Agrupamento Verticalde Montemor-o-Novo

[email protected]

A repetição é o acto ou efeito de repetir erepetir é dizer ou realizar de novo, insistir. Jánão é a primeira vez que o assunto leiturapor aqui surge. Mas quando se trata de temasvaliosos nunca é demais voltar a eles.Para quem ainda não sabe ler, particular-mente para as crianças, é muito importantedesenvolver actividades que funcionamcomo pré-requisitos facilitadores do pro-cesso de aprendizagem da leitura. São eles:i) compreender a finalidade da leitura; ii)dominar os princípios da estrutura e daorganização gráfica da escrita e iii) desen-volver competências de leitura. Para com-preender a finalidade da leitura, é funda-mental que a criança contacte desde tenraidade com material escrito reconhe-cendo-lhe funções comunicacionais, infor-mativas e de lazer. Para atingir o 2.º

pré-requisito, desenvolvem-se actividadesnas quais a criança se apercebe que seescreve e lê de cima para baixo e daesquerda para a direita (na nossa cultura) eque a escrita se organiza em segmentosgráficos compostos por unidades – as pala-vras e as letras – que são detentoras de umcódigo a decifrar. Para desenvolver compe-tências de leitura, o 3.º pré-requisito, éimportante que se desenvolvam na criançacompetências fonológicas, por exemplo,através de rimas e aliterações.Para quem já adquiriu a competência lei-tora, é urgente ler; ler incessantemente, poissó a prática da leitura poderá incrementar ogosto por essa actividade e poderá, também,tornar cada vez mais fácil a compreensãodos textos. Normalmente, os 2 primeirosanos de escolaridade são fundamentais na

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Foi a pensar nas vantagens da leitura e nasnecessidades dos alunos do Agrupamentoonde trabalho, que surgiram os LivrosAndarilhos. Esta é a designação atribuída auma actividade conjunta do AgrupamentoVertical de Montemor -o- Novo e daBiblioteca Municipal Almeida Faria, emcolaboração com a Câmara Municipal, quepretende fazer circular um conjunto diversi-ficado de livros pelos Jardins de Infância eEscolas do 1º Ciclo do concelho, particular-mente pelas salas que não beneficiam dasBibliotecas Escolares. Ao todo são 19 salas(5 + 14) e o objectivo, já se vê (mas nuncaé demais repetir) é promover a leitura.A Câmara fez chegar a todos os estabele-cimentos participantes um saco, identifi-cado com o logótipo da actividade, con-tendo 30 livros com graus de dificuldadevariada de modo a poder cativar todas as

idades, o regulamento da actividade e umpequeno livro e requisições. Durante cercade mês e meio, o saco permanece no esta-belecimento cabendo aos docentes deter-minar o período de tempo que fica emcada sala. Não há actividades pré-defi ni -das; o saco de livros é utilizado livrementepor cada turma, contudo o conhecimentodo regulamento é o ponto de partida.Estando a família conhecedora da activi-dade e sendo um aliado no processo depromoção da leitura, os alunos podemrequisitar livros.Terminado o tempo previsto, novamenteo pessoal da Câmara vai recolher os sacose entregar outros contendo novos livros.E assim se repetirá até final do ano lec-tivo. E, quem sabe, se repetirá no pró-ximo, porque quando se trata de coisasvaliosas, nunca é demais voltar elas.

aprendizagem da leitura, mais especifica-mente, na aprendizagem da descodificação.Numa conquista diária, a criança prosseguena descodificação do código alfabético erespectivo sentido e o estímulo para avançaré tanto mais forte, quanto maior é o êxito. Aleitura repetida é uma excelente técnicapara apurar a fluência. Um leitor fluente,não só descodifica e compreende simulta-neamente, como despende menos esforço etempo na leitura. Num estudo realizadopelos investigadores Samuels, Schermer eReinking (1992) ficou demonstrado que aleitura repetida influencia o movimento ocu-lar permitindo menos fixações por linha efixações mais curtas. Isto significa que o lei-tor avançará mais rápido na leitura do seutexto pois reconhece palavras automatica-mente, não sendo necessário identificar aspalavras letra a letra ou sílaba a sílaba.

O mundo está a caminhar sobre um "barrilde pólvora de desigualdade, injustiça e inse-gurança, que está prestes a explodir", adver-tiu recentemente a Amnistia Internacional(AI) no seu relatório anual divulgado nofinal de Maio, destacando que a crise não éapenas económica mas também de direitoshumanos.O documento da AI, que analisou a situaçãoem 157 países, lança um panorama negrodos abusos dos direitos humanos no mundoe salienta que a crise económica só veioaumentar a "instabilidade política e a violên-cia". Do Haiti à China, passando pelo México,Colômbia, Sri Lanka, Palestina, Congo eSudão, os problemas dos países ricos nãosão nada quando comparados às calamida-des que atingem os mais pobres, diz estaorganização. "Na Ásia, África e AméricaLatina há cada vez mais fome e doençasdevido à drástica subida dos preços dos ali-mentos, havendo mais pessoas sem aloja-mento e vivendo na indigência por causa dosdespejos forçados e de execuções de benshipotecados", refere o relatório. "A falta dealimentos, emprego, água, terra e habitação,o aumento da desigualdade, da insegurança,

Amnistia Internacional diz quecrise económica agrava a crise dos direitos humanos

CARTAS na mesa

da violência, da xenofobia e do racismo mos-tram que o mundo está enfrentando nãosomente uma crise económica, mas umacrise de direitos humanos", destacou IreneKhan, responsável da AI.Neste sentido, Khan denunciou que osgovernos dos países mais poderosos estão"sobretudo preocupados em resolverexclusivamente os problemas económicose financeiros nos seus próprios países eesquecem a crise mundial que os rodeia".Por este motivo, torna-se “evidente que osgovernos fracassaram na hora de protegeros direitos humanos, a vida e o sustento daspessoas", comentou a responsável da AI,pedindo uma mudança na liderança política.Khan criticou também as medidas multimi-lionárias que os governos dos países ricosavançaram para resgatar da falência as insti-tuições financeiras, esquecendo os sectoresmais vulneráveis no interior dos seus pró-prios países e no resto do mundo.Segundo ela, é por isso que o relatório daAI, de 400 páginas, se dirige em particularao G20, "que se cobriu de um manto deliderança, mas que não cumpre com osseus compromissos” de redução da

pobreza no mundo e de respeito pelosdireitos humanos. "O G20 precisa de teruma visão unificada dos direitos humanos",afirmou Khan, destacando que em muitosdos países que formam este grupo, entre osquais a Arábia Saudita, o México, a China, oBrasil e os Estados Unidos, o respeito poresses direitos deixa muito a desejar."Os Estados Unidos não reconhecem queos direitos económicos fazem parte dosdireitos humanos e a China não leva emconta os direitos civis ou políticos dos seuscidadãos", exemplificou. "O mundo precisade uma liderança diferente, um modelo dis-tinto de política e também de economia,algo que funcione para todas as pessoas enão somente para uns poucos de privilegia-dos", frisou.Khan pede aos países do G20 que assinemum "novo acordo global para o respeitopelos direitos humanos” e para que estescoloquem estes direitos no centro das suasiniciativas internacionais no combate à criseeconómica. "Não podemos solucionar osproblemas económicos se não resolvermosos problemas nos direitos humanos", con-cluiu a responsável da AI.

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A ESCOLA que [a]prende

É interessante conhecer a gramática corpo-ral usada nas diferentes culturas quando aspessoas se colocam frente a uma divindadeou, em geral, a alguém que considerammuito superior a elas. Estas formas tãodiversas nas variáveis culturais têm umalinha comum: quem se coloca perante algosuperior diminui o seu tamanho. Há tem-pos e culturas em que as pessoas se rojamao chão, outras em que se dobra o corpopara a frente numa discreta ou profundavénia, outras ainda baixa-se a cabeça,ainda em outras os joelhos substituem ospés no apoio do corpo. Encontramos,pois, sempre esta constante de diminuir-mos o nosso tamanho como sinal de res-peito. Sinal de arrogância é a posturaoposta, conotada com o movimentoinverso. São disso exemplo a extensão docorpo em lugar da flexão, o aumentar detamanho através do “empinar o nariz”,“fazer peito” ou “pôr-se em bicos de pés”...Estes dois padrões de comportamento: umde humildade e outro de arrogância origi-nam na Pedagogia atitudes e modelos deactuação muito diferentes face ao que seconsidera que é ensinar e à representaçãoque o educador tem dos seus alunos.Temos assim de um lado um professor de“nariz empinado”: um professor que temresposta para tudo, que se apresenta comosabendo desde logo o que os alunos “tal-vez um dia” hão-de vir a saber. Este profes-

sor “não nasceu ontem” e usa a sua expe-riência de adulto para, “”pondo-se embicos de pés” querer parecer aos olhos dosseus alunos bem maior do que na verdadeé. É um professor que trata as áreas depotencial conflito com os alunos de igualpara igual julgando os actos de crianças ejovens pela ética da sociedade adulta. Criaassim episódios de mentira, desrespeito,ofensa onde muitas vezes não existe maisque um exercício, por parte dos alunos, deavaliação dos limites e das reacções dosadultos. Este é o professor da extensão docorpo, o professor que quer ser visto comomaior, mais seguro e mais competente.Um professor para quem o grande pro-blema das crianças é não serem adultos.Temos também os professores que procu-ram fazer-se mais pequenos, isto é, descerda sua desmesurada (e talvez assustadora)altura, face aos seus alunos. São os profes-sores que procuram fazer o exercício deentender o “ponto de partida” do compor-tamento do aluno. Falamos de “ponto departida” porque um comportamento de umaluno nunca é em Educação um ponto dechegada. (Se assim fosse teríamos umaEducação inoperante e incapaz de influen-ciar os alunos). Os professores que procu-ram entender o ponto de partida dos alu-nos (isto é, as circunstâncias do seu com-portamento, a natureza das suas represen-tações, o alcance do seu mundo e da sua

Nas diversas culturas são vários os gestos quenos fazem diminuir perante alguém: rojar-se nochão, dobrar o corpo, fazer uma vénia, pôr-sede joelhos… já a postura oposta mostra sinaisde arrogância.Estes dois padrões de comportamento: um dehumildade e outro de arrogância originam naPedagogia atitudes e modelos de actuaçãomuito diferentes.

David Rodrigues

Universidade Técnica de LisboaPresidente da Associação Nacional de Docentesde Educação Especial [ANDEE] e coordenadordo Fórum de Estudos de Educação Inclusiva

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acção) são professores que, para além dorespeito de diminuírem o seu tamanhopara se aproximarem da altura da criança,conseguem, através deste gesto, olhar omundo mais próximo da visão que acriança tem. Penso que era Freinet quedizia que certamente a Educação seriadiferente se os professores dobrassem maisos joelhos e falassem à criança ao mesmonível delas. Dirão, e eu concordo, que talvez a posturacorporal não seja o principal, não seja omais importante. Correcto! Uso a lingua-gem corporal como uma metáfora sobre oque é inclinar-se (ainda outro termo cor-poral...) para a criança e relacionar-seentre iguais para procurar a regra, a infor-mação, o conhecimento, enfim a educa-ção.Não creio que se possa melhorar a quali-dade da nossa Educação com professoresde “nariz empinado”, ainda que sejam estesque sejam mais louvados e requisitadospela opinião pública que clama por quemmande e se faça respeitar. Creio antes emprofessores que procuram mover-se junta-mente com a criança (co-mover-se) e que,dobrando os joelhos fazem uma tentativapara olhar outro ser humano não comoignorante mas sim como portador de umaexperiência diferente e ainda assim, origi-nal e irrepetível. Dirão os leitores maisconciliadores “nem tanto ao mar, nemtanto à terra”. Mas já Von Klausevichdizia que um dos absurdos da guerra eraque ela começava porque as partes não sequeriam sentar à mesa; mas o processo depaz acabava sempre numa mesa de nego-ciações. Por outras palavras a guerracomeçava com dois grupos em bicos depés e acabava com eles sentados à mesmamesa na busca de um entendimento.Não é preciso dizer que este dobrar osjoelhos não tem nada a ver com o profes-sor se apagar, se demitir ou se submeteraos seus alunos, da mesma forma que tam-bém me parece inútil realçar o quanto esteproblematização tem a ver com a educa-ção de crianças que têm problemas no seuprocesso de aprendizagem seja pelomotivo que for. São estas crianças e jovensos que certamente mais precisam e apro-veitam de professores que saibam dobraros joelhos.

Teresa Couto

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ENTRELINHAS e rabiscos

José Rafael Tormenta

Escola Secundária de Oliveira do Douro

O ensino das artesé um problemacom três pês

DAS ARTES PARA TODA A ESCOLARIDADE BÁSICA

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É preciso que a Educação seja encarada de formatransdisciplinar, de forma inclusiva e com metodologiaseficazes a desenvolver a partir de opções de fundo queconduzam os jovens por um caminho de crescimentoharmónico e cultural que consagre valores universaise direitos individuais.

A função das Expressões Artísticas nos cur-ricula e no quotidiano real das escolas temsido considerada segundo diferentes pon-tos de vista e, por isso, sofrido alteraçõesbastante oscilantes nos últimos cem anos.Para uns, a Arte nas escolas regulares fun-cionará apenas como um placebo. Paracolmatar a doença que a Escola arrastaatrás de si há vários anos, muitos responsá-veis pela educação forjam programas deíndole artística em actividades super-extra-curriculares, esquecendo a necessidade deformação dos professores especialistas edos docentes generalistas e ainda o factode as diversas expressões fazerem parte dodesenvolvimento global de cada serhumano e deverem estar integradas emqualquer aprendizagem. A placeboterapiaé bastante desapropriada neste contexto.Se é possível curar um doente de qualquerdoença pressuposta ou real com um medi-camento sem qualquer acção farmacoló-gica, já em educação não é possível fazerde conta; mesmo quando se joga, a simula-ção tem um fim educativo; ainda que emjeito de brincadeira, é sempre uma reali-dade que pretende desenvolver a capaci-dade de iniciativa, a criatividade, a inteli-gência emocional.Outros há que, não acreditando nasexpressões na escola como algo que enri-queça a formação dos estudantes futuroscidadãos do mundo, as vêem como algoque serve para acalmar, um tratamentoque, sem curar, consegue aliviar as dores deque “médicos”, “pacientes” e, sobretudo“directores de hospitais” tanto vão pade-cendo actualmente. As artes como um

paliativo. Paliar: disfarçar, encobrir, reme-diar provisoriamente. Acrescenta-se maisuma coisinha, oferece-se um órgão musi-cal, toma-se uma medida que até parececorrecta; é a ideia de que as artes – mais doque o valor que possam ter por si mesmas,integrando faculdades físicas, intelectuais ecriativas, contribuindo para o desenvolvi-mento cognitivo segundo perspectivas úni-cas impossíveis com outros meios educati-vos e para a reinvenção da humanidadecada vez mais urgente neste espaço deneo-botas-de-elástico – servem unica-mente de “trampolim” para aprendizagensde disciplinas ainda, reaccionariamente(por que não dizê-lo?) consideradas mais“bem-nascidas”.No meio de toda esta confusão surgemaqueles para quem as artes resolveriamtudo em educação. A Educação pela Arte,que Herbert Read tão bem defendeu(como outros, antes e depois), se encaradade uma forma absoluta e por isso reducio-nista, pode acabar por ser bastante parado-xal. Vista como panaceia (remédio paratudo) que vai fazer com que dos indivíduosirradiem potencialidades e possam desen-volver todas as suas múltiplas inteligênciascorre o risco de não subsistir. Damásiorefere que a presença do cognitivo emdetrimento do emocional é uma das causasdo declínio das sociedades contemporâ-neas. Creio que é preciso que a Educaçãoseja encarada de forma transdisciplinar, deforma inclusiva e com metodologias efica-zes a desenvolver a partir de opções defundo que conduzam os jovens por umcaminho de crescimento harmónico e cul-

tural que consagre valores universais edireitos individuais.Estes três “pês”, placebo, paliativo e pana-ceia, poderiam surgir como estratégias, deacordo com determinados contextos esco-lares. Muito do que a nível cultural sevivenciar nas escolas passará por parceriascom actores locais. O mais difícil é fazerevoluir a cultura e as mentalidades, sobre-tudo de governantes de verdade absolutaengolida; é em nome do povo que setomam certas medidas, como o despresti-giar e encurtar cada vez mais a carga horá-ria das expressões no currículo do EnsinoBásico Português, de forma a que nemtodos venham a ter na sua educação (semterem que ter uma carreira artística) poesia,música, drama, dança, plástica, ou outrasvertentes artísticas? Estamos a falar de cur-riculum regular para um povo que tambémtem direito a solfejar como os pássaroslivres, a pintar aguarelas que atravessam ospensamentos, a esculpir imagens do futuro,a dançar alegrias rodopiantes, a tocar moti-vos do quotidiano em sons de cores varia-das e a construir castelos de palavras; por-que queremos ter bons artistas, mas tam-bém pretendemos que eles se sintam emcasa, compreendidos e amados pelo seupúblico. Essa aprendizagem básica e inte-grada deve fazer parte, também, das prin-cipais reivindicações dos professores por-tugueses. Um país deve abrir muitos cami-nhos e não ter medo da imaginação, dacriatividade e da liberdade que daí advêm.Portugal merece-o e precisa de erguer essabandeira, para ter o seu lugar na Europa eno Mundo.

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108 I 109 VERÃO 2009 I N.º185

LINGUAGENS desenhadas

Uma frase muito comum, em conversa deprofessores mais antigos, é “no meutempo...”, em que as reticências, normal-mente, são os muitos elogios a uma escolamelhor, mais eficiente, em que alunos eprofessores eram mais responsáveis, emque havia mais integração com as famí-lias... e por aí vai. Mas será que as escolasde tempos idos podem ser qualificadascomo melhores que as de hoje? O que asfariam melhores? O que havia nelas quenão há nas de hoje para que essas afirmati-vas possam ser verdadeiras?Poderiam ser os valores morais, por exem-plo. Poderia ser a maior obediência dosalunos e uma maior autoridade dos profes-sores. Poderia ser um monte de coisas, masnão sei se essas marcas são tão diferentesassim. Eu venho de uma escola primáriadessas antigas e não a vejo como tão dife-rente da escola em que, hoje, minhas filhas[6 e 8 anos] estudam(1). Há diferenças, evi-dente que há diferenças. Há, nas escolas dehoje, na maioria delas, algumas coisas deque não gosto; mas, com certeza, havia,

nas escolas dos anos 1950 [essa temporali-dade é totalmente arbitrária e se presta, tãosomente, a marcar a concretude de doistempos da minha experiência, a primeiracomo aluno e a segunda como pai], muitascoisas de que minhas filhas não gostariam.Essas duas imagens me fazem pensar quenossas reflexões sobre as escolas podemtomar um rumo que não seja o de registraras diferenças pelo viés dicotômico de umBOM e outro MAU. Mais ainda, não meseduz a ideia de marcar passo na perspec-tiva negativa das escolas, ou seja, olhá-laspelo que têm de ruim [melhor dizendo, doque cada pessoa acha que é ruim].Nos meus anos de primário, de ginásio e

de científico [Hoje, a nomenclatura é bemdiferente], não tínhamos computador,tínhamos a lousa; nossa tecnologia princi-pal de registro de conhecimentos era ocaderno e nossos estudos se faziam, basica-mente, pelos livros. Que pena que, naqueletempo, ainda não havia computadores emsala de aula, e pena mesmo, porque aminha letra, no Word, é linda, e, quando

Será que as escolas de tempos idos podem serqualificadas como melhores que as de hoje?O que as fariam melhores? O que havia nelasque não há nas de hoje...?

Paulo Sgarbii

Professor da Faculdade de Educação da Uerj;coordenador do grupo de pesquisaLinguagens desenhadas e educação,do Programa de Pós-graduação em Educaçãoda Uerj

Diferentes tempose mesmos carinhos

(1) Como eu, nos anos 50 do século passado, minhas filhas estudam numa escola pública municipal.

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escrevo à mão, salvo grande esforço quegasta um tempo enorme, nem eu mesmoconsigo ler o que escrevo.Mas, é claro, não precisamos dessa pessoa-lidade para ver que, nas duas imagens, asduas professoras estão ajudando seus alu-nos a escrever [amplie-se, aqui, a noção deescrita]; e eu arriscaria a dizer que uma nalousa e outra no computador, mas com osmesmos carinhos.Quando penso nas coisas de que nãogosto da escola das minhas filhas [simbo-lizando as escolas atuais, mas guardando,sempre, a compreensão de que todas asescolas são diferentes], lembro, também,das coisas de que não gostava da minhaescola [simbolizando as escolas daquelaépoca que, também, eram todas diferen-tes]. Vejo, na escola das minhas filhas[idem], muitas coisas de que gosto, e ficorecordando as coisas de que gostava na

minha [idem]. Penso nas minhas quase-todas-mortas professoras e nas importân-cias que cada uma delas teve na minha for-mação e, conversando com minhas filhassobre a escola em que estudam e sobre asprofessoras que têm, percebo que, cadauma delas, à sua maneira, vai marcá-lastambém. Isabelle, filha mais velha, queestá no 3.º ano, nem pensa em sair daescola, e fica mesmo emocionada quandotento explicar que ela terá que, daqui acerto tempo, estudar em outra. Eu me lem-bro de que não queria sair da minha escolaprimária; mas, depois, também não queriasair do ginásio; como, depois, não queriasair do científico. Acho que só quis sairmesmo da universidade, e dela nunca con-segui sair. Agora, também não quero sairdela e, breve, terei que deixá-la.São diferentes tempos, diferentes escolas ecarinhos muito parecidos.

“Escola primária. A professora ajuda a uma aluna aescrever no quadro”. Jean Suquet, 1959.Fonte: INRP – Institut National de Recherche Pedagogique, Rouen,

França.

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Professores consideramque rankings originam“julgamento públiconegativo” sobre a classe

ESTUDO ANALISA AS PERCEPÇÕES DOS PROFESSORES DO ENSINOSECUNDÁRIO SOBRE RANKINGS DE ESCOLAS

Em Agosto de 2001 era publicado, em Portugal, o primeiro ranking de escolas.Desde essa altura, os rankings passaram a ser publicitados todos os anos porvários meios de comunicação social e têm estado no centro de um intenso epolémico debate. Atenta a esta questão, Benedita Portugal e Melo, professora doDepartamento de Educação da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa,conduziu um estudo através do qual procurou analisar a reflexividadesimbólico-ideológica do debate mediatizado, mas sobretudo perceber os efeitos dasua publicação nas práticas profissionais dos professores. Intitulado “Os professoresdo ensino secundário e os rankings escolares – reflexos da reflexividademediatizada”, o estudo será publicado em livro, pela Fundação Manuel Leão, noinício do próximo ano lectivo. Nesta entrevista damos a conhecer algumas dasconclusões que resultaram deste trabalho de investigação.

Entrevista conduzida por RICARDO JORGE COSTA

Fotografia de INÊS ANDRADE

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AO TELEFONE com Benedita Portugal e Melo

de os rankings escolares terem acentuado a emergência de ummercado escolar (18,2%).

Quais são os argumentos daqueles que se mostraram favoráveisà publicação dos rankings?

Nas justificações dadas pelos inquiridos que são a favor da publica-ção dos rankings escolares, é possível detectarem-se argumentosque parecem aceitar a ideia veiculada por alguns produtores deopinião de que os rankings são um meio válido e fidedigno paramedir a qualidade do ensino ministrado nos diferentes estabeleci-mentos escolares, expressos em afirmações como “é sempre umaforma de tomar conhecimento da realidade global do ensino emPortugal” ou “é uma forma de comparação de resultados que consi-dero bastante válida e, por vezes, dá para inferir conclusões quanto aoscritérios de avaliação utilizados nas escolas”. Outras perspectivas associam-se a estas mas, apesar de traduziremo mesmo espírito, mostram-se mais críticas, na medida em quecolocam reservas ao processo de elaboração dos rankings escola-res. Um outro conjunto de docentes revela-se mais preocupadocom a utilização que deveria ser feita dos rankings, defendendo queestes deveriam ser aproveitados para se promover a melhoria dosistema educativo público.

E aqueles que discordam, o que dizem?

A grande maioria dos inquiridos que não concorda com a publica-ção dos rankings de escolas põe em causa os critérios que presi-dem à sua elaboração, por entender que estes não são “objectivos”nem minimamente adequados para reflectir publicamente a quali-dade do seu trabalho e o dos seus pares. Todavia, tal como os pro-fessores que concordam com a publicação dos rankings, alguns pro-fessores reconhecem que os rankings produzem um julgamentopúblico, porventura mais acentuado nas regiões em que existe ummercado escolar atento aos resultados dos rankings.Na opinião de outros docentes, o problema deste julgamentopúblico reside justamente no facto de os rankings escolares reflec-tirem uma imagem errónea da actividade que é realizada nas esco-las secundárias públicas. Como os rankings não têm em contatodas as variáveis que interferem no processo de ensino-aprendi-zagem, os professores consideram que a hierarquização que éconstruida é profundamente penalizadora e injusta.Ao criticarem os critérios de elaboração dos rankings e ao não con-siderarem importante o lugar ocupado pela sua escola naquelas lis-tas, outros docentes manifestam-se contra os valores da eficácia eda produtividade que, em seu entender, estão associados à constru-ção dos rankings. Para estes professores, os rankings põem em causaa função democratizadora da escola podendo, inclusivamente, favo-recer práticas de ensino instrumentalizadas e mercantilizadas. Algunsprofessores referem, a este respeito, o facto de algumas escolasseleccionarem a admissão de alunos ou apenas levarem a exame osalunos que dão garantias de poder obter bons resultados.Todos os professores que discordam com os rankings estão deacordo num aspecto: em seu entender, estas listagens não tradu-zem a complexidade do trabalho escolar e o conjunto de dimen-sões que o envolvem ocultando, inclusivamente, o papel dos facto-

O que a levou a avançar com este trabalho?

Este trabalho constitui o objecto de estudo da minha tese de dou-toramento. Nessa altura, em 2003, os rankings escolares eramainda um tema pouco familiar à maioria dos professores do 12.ºano e não tinham sido sistematizados pelos meios de comunicaçãosocial. Além disso, e apesar das inúmeras reflexões mediatizadasque se iam produzindo em torno deles, os rankings não tinham sidoainda alvo de qualquer estudo científico que analisasse as conse-quências da sua publicação nas práticas organizacionais e pedagó-gicas dos docentes do ensino secundário. Ao mesmo tempo, este era um tema que me interessava tambémcomo material pedagógico – os meus alunos colocavam-me varia-das questões em torno dos rankings, nomeadamente o seu efeitonas práticas dos professores –, tendo procurado, através do debateque era produzido nos jornais, em particular no Público, explicar-lhes o contexto ideológico que estava por trás da produção e dadefesa dos rankings. Por estas razões, e porque as minhas áreas deinteresse cruzavam a Sociologia da Educação com a Sociologia dacomunicação, decidi avançar para este trabalho.

Que metodologia utilizou?

O trabalho de campo decorreu ao longo de 2005, tendo sidopedido a 85 professores do 12.º ano de escolaridade que manifes-tassem as suas opiniões sobre os rankings escolares relativos a2001, 2002, 2003 e 2004. Os docentes eram oriundos de seisescolas secundárias situadas em diferentes regiões, ilustrando asdisparidades socioeconómicas, culturais e geográficas do país. Estasescolas, aliás, ocupavam posições muito diferentes nos rankingsescolares, uma invariavelmente nos primeiros lugares; outra nosúltimos lugares; as restantes em posições intermédias.

O que evidenciaram os resultados que recolheu?

O inquérito mostrou que 57,6% dos professores inquiridos discor-dam da publicação anual das listas que ordenam, por escola, as clas-sificações dos exames de 12.º ano, ao passo que 42,4% afirmouconcordar com a sua publicação. De uma maneira geral, porém,diria que os rankings escolares não são percepcionados pela maio-ria destes professores como um meio de dar a conhecer publica-mente os resultados da sua competência pedagógica. A questão passará justamente pelo facto de muitos docentes con-siderarem que não é o produto das suas práticas que é alvo deuma avaliação pública, mas os resultados que os alunos obtêm nosexames. Ora, para alguns professores estes resultados são bastantealeatórios.De qualquer forma, mais de metade dos professores entrevistadosentende que os rankings escolares originam um julgamento públiconegativo sobre eles. Aliás, é interessante termos verificado que sãomuito mais os professores que entendem que é a acção de todosos professores do ensino secundário público que é avaliada nega-tivamente (20,2%) do que aqueles que consideram que só sãovisados os docentes que leccionam nas escolas pior posicionadas(13,8%). Um outro dado interessante tem a ver com o facto dealguns professores se mostrarem preocupados com a possibilidade

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res sociais e culturais no insucesso escolar, aspecto salientado pormuitos docentes quando mencionam o facto de os rankings nãoterem em atenção estas variáveis.

Que tipo de efeitos produzem os rankings escolares nas práticasprofissionais?

O facto de a maioria dos professores percepcionarem os rankingsescolares como um instrumento que produz um julgamentopúblico injusto sobre a acção dos professores não é condição sufi-ciente para que estes tenham alterado siginificativamente as suaspráticas profissionais quotidianas. Na verdade, apenas 22,4% dosinquiridos assumiram que a publicação dos rankings escolaresinfluenciou o modo como passaram a leccionar.Julgo que isso se deve a dois tipos de razões. Por um lado, em ter-mos ideológicos, defendem a realização de uma avaliação multidi-mensional que integre os aspectos qualitativos da realidade educa-tiva. Assim, apesar de não serem indiferentes aos rankings, não lhesatribuem credibilidade e confiança suficiente para incorporaremaquela informação no seu quotidiano e transformarem as suas prá-ticas pedagógicas. Por outro lado, muitos professores já adoptavam práticas pedagó-gicas muito direccionadas para os exames e já tinham em atençãoas diferenças entre as notas obtidas na frequência e as notas dostestes nacionais. De facto, a preocupação com as notas dos examescomeçou a surgir em muitos professores desde que foram imple-mentados os exames nacionais de 12.º ano. Julgo, aliás, que foisobretudo esta medida que provocou alterações no modo comoos professores passaram a leccionar : treinar os alunos o melhorpossível para os exames desde o primeiro período, deixando derealizar outras tarefas que poderiam desenvolver nos alunos oespírito crítico e a criatividade.Os rankings escolares parecem ter vindo intensificar estas práticas,influenciando, assim, a forma como os professores passaram a avaliaros seus alunos. A valorização da avaliação aferida dos desempenhosdos alunos em detrimento da avaliação formativa constituirá a con-sequência mais evidente da adopção destas práticas. O risco de amultiplicidade de olhares sobre os alunos se ir reduzindo e de estespassarem apenas a ser representados como meros reprodutores deconhecimento torna-se então bastante provável, como, aliás, o reco-nheceram alguns professores.

Os efeitos são mais visíveis nas práticas organizacionais?

Sim, penso que os dados obtidos permitem concluir que os ran-kings escolares já foram assumidos pelos professores, e pelas pró-prias escolas, no sentido de interferirem nas práticas organizacio-nais dos estabelecimentos de ensino. O grau de atenção que édedicado aos rankings em cada escola é, porém, muito diverso,dependendo de factores tão diversos como a credibilidade que éconferida aos próprios rankings escolares pelos membros dos con-selhos executivo e pedagógico, pelos restantes professores emesmo pela situação de concorrência no mercado escolar viven-ciada por algumas escolas. Neste sentido, 37,5% dos inquiridosreferiram, por exemplo, que os rankings levaram à adopção deestratégias específicas que permitissem à sua escola melhorar osresultados obtidos nos exames de 12.º ano.

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FORMAÇÃO e desempenho

A recente exigência do grau de mestre – para alémde uma licenciatura em educação – para a docência,só pode tornar-se oportuna e útil se a componentede investigação for genuinamente incorporada no2.º ciclo de formação (mestrado).

Carlos Cardoso

Instituto Superior Politécnico de Lisboa.CIED/ESELx

Uma conciliaçãonecessária na formaçãode professores

INVESTIGAÇÃO E PRÁTICA

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A legislação sobre os graus académicos ediplomas do ensino superior (DL.74/2006alterado pelo DL 107/2008) estipula que«no ensino universitário (EU), o ciclo deestudos conducente ao grau de mestredeve assegurar que o estudante adquirauma especialização de natureza académicacom recurso à actividade de investigação,de inovação ou de aprofundamento decompetências profissionais (art. 18, 3)»enquanto no ensino politécnico (EP), ociclo de estudos conducente ao grau demestre «deve assegurar, predominante-mente, a aquisição pelo estudante de umaespecialização de natureza profissional(art. 18.º, 4)». Mais adiante (art. 20.º, 1, b)refere que o ciclo de estudos conducenteao grau de mestre integra «uma disserta-ção de natureza científica ou um trabalhode projecto, originais e especialmente rea-lizados para este fim, ou um estágio denatureza profissional objecto de relatóriofinal (…)».No conjunto deste articulado são omissasreferências explícitas à investigação nosmestrados no EP. Percepciona-se, mesmoque entendido como recomendação, que osmestrados realizados no EU devem ser, pri-mordialmente, de natureza académica comrecurso à actividade de investigação e,como consequência lógica, a 2.ª parte docurso seria constituída por uma dissertaçãode natureza científica. Por outro lado, osmestrados no EP devem assegurar a aquisi-ção de uma especialização profissional que,embora não excluindo uma dissertação,

culmina num trabalho de projecto ou numestágio. À 1.ª vista parecem ser orientaçõescom sentido tendo em conta a naturezapotencialmente profissionalizante das for-mações no EP. No entanto, podem sugerirque as formações, ao nível de pós gradua-ção, para competências profissionais,podem ser feitas, com qualidade, seminvestigação ou processos cientificamentefundamentados. Além disso, pode reforçarnegativamente as naturais diferenças entreos dois subsistemas desvalorizando, no EP,a investigação enquanto elemento essen-cial de qualidade em qualquer deles. Emambos é uma das pedras de toque de quali-dade das formações especializadas, inde-pendentemente dos modos como nelas éincorporada. Não são as incidências emtrabalhos de projecto ou estágios e respec-tivos relatórios, muito importantes no EP,que deles arreda a investigação. Nem é asubjectividade do discurso da lei que impe-dirá que, através de diversas metodologiase estratégias, ela tenha um lugar de desta-que na realização das pós-graduações pro-fissionalizantes. Esta questão tem particular relevância naformação inicial de educadores e professo-res dos 1.º e 2.º ciclos, realizadas no EP eem algumas universidades. A recente exigência do grau de mestre –para além de uma licenciatura em educação– para a docência, só pode tornar-se opor-tuna e útil se a componente de investiga-ção for genuinamente incorporada no 2.ºciclo de formação (mestrado). Para isso,

percepcionam-se resistências mas tambémpossibilidades. Uma das resistênciasdecorre da excessiva antecipação, paraarena da formação inicial, da tradicionalrepresentação do professor enquanto prá-tico, valorizando-se o que supostamenteresulta, de modo imediato, em qualquercenário real de ensino. Tal representaçãotem implicações na concepção dos currícu-los e nas práticas de formação e supervisão.Estas são, com frequência, exclusivamentebaseadas em modelos de «boas práticas»,supostamente generalizáveis, observadas etextualmente reproduzidas, isentas dereflexões críticas. Tem sido frágil o prota-gonismo da investigação como prática oucomo explicitação do observado e reali-zado nos estágios. A ultrapassagem destaresistência, depende dos modos como asinstituições, os formadores e supervisoresperspectivam a investigação na concepçãoe realização dos projectos e dos estágios.No núcleo das práticas parece indispensá-vel colocar supervisores com formações, anível de doutoramento, e percursos deinvestigação e de práticas reflexivas comqualidade, que permitam apoiar os futurosdocentes (a) a tornarem-se investigadoresdos seus contextos educacionais e das suaspróprias práticas e (b) a conceber quadrosde referência profissionais em que as pers-pectivas práticas e investigativas na docên-cia sejam conciliadas através de atitudes emodalidades de investigação adequadas àsdiversas exigências dos contextos e sujei-tos educativos.

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FORMAÇÃO e trabalho

«O que está por detrás de Bolonha são os problemasdos salários europeus muito elevados, agravados peloque resta do sistema do Estado/Providência, os quaisprejudicam a posição da Europa na nova economiaglobal».

Manuel Matos

Universidade do Porto. Faculdade dePsicologia e Ciências da Educação

[email protected]

Como se sabe, o processo de Bolonha sur-giu na sequência da Declaração daSorbonne (1998), onde se lançou «a ideiada criação de uma Área Europeia de EnsinoSuperior como um mecanismo para pro-mover a mobilidade de alunos e docentes,a empregabilidade dos cidadãos europeus eo desenvolvimento económico e social daEuropa» (Amaral, 2005: 40).A convergência de objectivos curriculares,assegurada por um sistema de créditostransferível de país para país é, antes detudo, como veio a ser proclamado porBolonha, um instrumento poderoso demobilidade cujo sentido pleno não deve,porém, deixar de se associar à «empregabi-

lidade dos cidadãos europeus», empregabi-lidade esta, doravante, cometida à respon-sabilidade pessoal dos estudantes.De facto, a associação entre mobilidade eempregabilidade no mesmo contextosemântico em que emerge a preocupaçãocom o desenvolvimento económico esocial da Europa faz todo o sentido se forentendida como portadora de uma inten-cionalidade política onde o propósito cen-tral é o de induzir uma relação instrumen-tal entre mobilidade e empregabilidade,como se uma parte importante da forma-ção patrocinada pela União Europeia fossedesempenhada pela via da mobilidade,corporizada em programas como Sócrates

Bolonha:pessimismoou realismo?

(1) Como é sabido, é bastante insignificante o universo de estudantes que aproveitam da oportunidade do Erasmus. Bastasaber que, de 2000 a 2007, o n.º de estudantes portugueses que participou no Erasmus é inferior a uma média de 4.000por ano.

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e Erasmus. Crê-se, assim, que o principal«mérito» da mobilidade reside nos seusefeitos ideológicos no sentido de fidelizara este modelo europeu um conjunto dequadros técnicos, científicos e políticosque, não obstante o seu reduzidonúmero(1), significam um importante papelde enquadramento social. Tenha-se em conta que este modelo euro-peu que está em processo de construçãodesde a Conferência de Lisboa, subordi-nada à consigna «sociedade do conheci-mento» implica uma aproximação gradualao modelo social americano, não obstantea sua ambição declarada ser a de se tornara sociedade mais competitiva do mundo.Só que isso implica, necessariamente, umaprofunda revisão de direitos sociais doseuropeus e uma significativa alteração dospadrões de referência actuais que passa,claramente, pela própria filosofia e estru-tura da formação europeia.Como diz Amaral (o.c.:41), «o que está pordetrás de Bolonha é o problema da compe-

titividade europeia num sistema globalizadoe não a criação de uma área de ensino supe-rior competitiva. O que está por detrás deBolonha são os problemas dos salários euro-peus muito elevados, agravados pelo queresta do sistema do Estado/Providência, osquais prejudicam a posição da Europa nanova economia global».É nesta perspectiva que se deve encarar aredução do ensino superior geral a umciclo de três anos, a adopção de ummodelo curricular comum, um sistema decréditos transferível, bem como as medidasde uniformização curricular de que é típicoo documento imperativo «Descritores deDublin», exemplar emblemático de ummodelo de curricularização universal«pronto-a-vestir» a que todas as universi-dades se devem sujeitar, mesmo que sedeclare, como faz o Comunicado daConferência de Berlim, que o sistema deensino superior europeu se baseia na diver-sidade dos perfis académicos. Que diversi-dade é essa, porém, se a própria letra dos

REFERÊNCIAS

AMARAL, A. (2005). Bolonha, o ensino superior e acompetitividade económica. In Serralheiro, J.P.,Org. de, O processo de Bolonha e a formação dos edu-cadores e professores portugueses. Porto: Profedições.

Descritores de Dublin assume expressa-mente que «para a elaboração destes perfisé essencial que se definam “descritoresgeneralizados de qualificação” (que servi-rão de base à elaboração de uma “estruturaeuropeia de qualificações”) e que o pro-grama de estudos se baseie numa definiçãoclara de conhecimentos, competências,atitudes e valores a adquirir em cada grau?Não se tratará, antes, de um estratagemadiscursivo que visa homogeneizar formal-mente toda a formação superior europeia,fazendo tábua rasa das suas especificidadeslocais, como condição de aplicação de ummodelo universal de avaliação com as res-pectivas consequências: eliminação dos«incompetentes»?

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DISCURSO directo

Maria de Lurdes Rodrigues, a ministra daeducação, está em final de mandato.Olhando, em retrospectiva, a obra de polí-tica educativa pela qual deu a cara pareceassemelhar-se a um campo de pastoreioonde um inábil e sôfrego guardador derebanhos foi ateando pequenos fogos que,a partir de um determinado momento, setransformaram num incêndio de propor-ções desmedidas. Um incêndio de umagrandeza tal que não é possível calcular omontante e o impacto real dos prejuízosque possa ter causado. Ainda que sejamos obrigados a acreditarque tudo se renova, quanto mais não sejaporque a desesperança é o pior dos males,somos obrigados, também, a interrogarmo-nos porque é que foi possível viver um talpesadelo. Trata-se de uma reflexão obriga-tória quanto mais não seja porque, nofuturo, nos pode ajudar ou a precaver-nosde outras catástrofes idênticas ou a prever,de forma mais rigorosa, os seus contornos eo nosso contributo para as mesmas.A deriva tecnocrática, sustentada por umvoluntarismo insensato que uma maioriaabsoluta permitiu, é uma das imagens maismarcantes deste governo e deste ministé-rio, sobretudo quando se compreende quetal deriva tecnocrática se transformounuma deriva autocrática. Uma deriva que éresponsável pela reforma antecipada detantos professores que pautaram a sua vidaprofissional pelo empenho e pela dedica-ção profissionais, publicamente reconheci-das. Uma deriva que está na origem, tam-bém, do profundo cansaço e desânimo que,hoje, se fazem sentir nos discursos dosdocentes no activo, os quais se devem, emlarga medida, quer à imposição de um pro-grama de avaliação de desempenho que

Ninguém recusa anecessidade de promovermudanças substanciais noquotidiano das nossasescolas. Algumasmudanças podem serdolorosas. No entanto, ador, a angústia e a tensãovivida pelos docentes, aolongo destes últimosquatro anos, foi inútil.

Ariana CosmeRui Trindade

Universidade do Porto.Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação

As escolasmudaram…

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nada tem a ver com avaliação e com desem-penho, quer devido à adopção de medidaspolíticas no domínio da administração e dagestão das escolas, através das quais seexpressa tanto a desconfiança face aosmodos de governação colegiais, como, sub-sequentemente, a valorização das atitudesde liderança autoritárias que, assim, sãoentendidas como uma solução a mobilizarpara enfrentar os problemas com os quais sedefrontam as escolas nos dias que correm.Parte-se do princípio que é a falta de autori-dade nestes contextos que explica as even-tuais insuficiências e vulnerabilidades dasacções educativas que aí se promovem.Embora este raciocínio faça doer pela linea-ridade do mesmo, é em função dele que sesustenta a crença que faz depender a com-petência e a qualidade da acção profissionaldos professores dos constrangimentos a queestes possam ser sujeitos pelos respectivosdirectores. Ainda que ninguém possa recusar a neces-sidade de promover mudanças substanciaisno quotidiano das nossas escolas ou possadeixar de reconhecer que estas mudançasserão sempre dolorosas, importa conside-rar, no entanto, que a dor, a angústia e atensão vivida pelos professores, ao longodestes últimos quatro anos, foi inútil. Istoé, não se deveu, de facto, a um projecto detransformação das escolas suficientementepertinente e credível, do ponto de vista davalorização de novas atitudes por parte dosdocentes, de novas práticas pedagógicasou de novos modos de relacionamentoentre pares. Como a medida, recentementeanunciada, de tornar obrigatório o 12.º anode escolaridade o comprova, muita dagovernação a cargo da equipa liderada porMaria de Lurdes Rodrigues fez-se para

ficar bem na fotografia, de forma a legiti-mar iniciativas, apaziguando alguns gruposde pressão que foram decisivos, pelo menosaté dado momento, para que a ministrasobrevivesse incólume e, simultaneamente,tivesse cumprido a sua quota-parte no com-bate ao deficit, esse propósito já esquecido,em função do qual se justificou o processode consolidação da lógica de mercantiliza-ção no âmbito da administração das insti-tuições e dos serviços públicos. Só istoexplica, aliás, a bonomia demagógica comque o Ministério da Educação não se dis-tanciou da proposta do presidente daCONFAP quando este sugeriu a possibili-dade das escolas passarem a estar abertas 12horas, afirmando, por exemplo, que esta éuma questão que não lhe diz respeito. Ainda que se possa parodiar a referida pro-posta, lembrando que se os alunos passandoa estar tantas horas nas escolas deixa defazer sentido haver associações de pais, por-que, neste caso, os pais e as mães passam aser os professores e os educadores que aítrabalhem, importa afirmar, finalmente, queesta é outra das razões que explica o mal-estar que grassa, hoje, entre os docentes.Um mal-estar que tem a ver com a ideia queesta equipa ministerial permitiu acalentar eacalentou, em função da qual a escolanecessita de se afirmar como uma institui-ção de carácter social para poder cumprir oseu papel como instituição educativa. Umaproposta que, como todos adivinhamos,contribuirá, a prazo, para destruir a escolapública, sobretudo quando se hesita emcompreender que uma escola cumpre assuas funções sociais, no momento em quecumprir as suas funções culturais e não nomomento em que prescindir destas parapoder responder àquelas.

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AFINAL onde está a escola

No filme Entre os muros daescola, os alunos tampoucose intimidam diante dopoder legitimado.Dessacralizandoa estrutura escolar, elesdenunciam incoerênciaséticas e ridicularizampráticas pedagógicasdesconectas da vida.

Edwiges Zaccur

Universidade Federal Fluminense (UFF),Rio de Janeiro.Grupo ALFA, pesquisa em alfabetização popular

Saber ler podemudar destinos?

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Se a denúncia da distância crescenteentre escola e vida não é nova, sua pro-blematização já extrapola espaços peda-gógicos, invadindo páginas de romances,chegando às telas dos cinemas, convi-dando a sociedade à reflexão. Tais ques-tões perpassam, inclusive, três filmesrecentemente premiados, roteirizados apartir de livros: O leitor; Quem quer ser ummilionário? e Entre os muros da escola (A turma,em Portugal). No primeiro, livros eescola se mesclam ao prazer deler/possuir em que Michel e Hanna tro-cam entre si o que lhes falta; no segundo,a leitura na escola aparece em rápida cenaem contraponto com impactantes expe-riências e leituras de mundo; no terceiro,conflitos interculturais entre professorese adolescentes marcam uma escola daperiferia de Paris. Em O leitor, o nó do conflito recai no sen-timento de suprema vergonha – culpa? –por não saber ler. Se Hanna soubesse ler,poderia aceitar a promoção que lhe foraacenada, em vez de fugir. Se não abando-nasse o emprego, talvez não se sujeitasse aservir aos nazistas. Se não agisse condicio-nada a cumprir com seriedade suas tarefas– fosse o controle de bilhetes de trem ou aguarda de prisioneiras, talvez a sensibili-dade reservada a ouvir leitores evocasseoutra atitude diante da vida e do holo-causto das prisioneiras. Vítima do analfa-

betismo, assume a culpa pelo relatório quenão escreveu para não se assumir analfa-beta. Condenada, consegue inventar naprisão um método de se alfabetizar, asso-ciando textos escritos a textos gravados eenviados por Michel. Cumprida a sen-tença, restou-lhe o vazio: como viver semesperança? Em Quem quer ser um milionário? os irmãosJamal e Salim são lançados juntamentecom Latika no olho da turbulência,vivendo emergências tão impactantes queexigiam deles sobre-ser-viver para escaparà morte. O trio compartilha experiênciasreelaboradas de modo diverso da lineari-dade de causa e efeito. Como fracos quesão, espreitam o terreno para responder doseu modo às circunstâncias que os subalter-nizam, recorrendo a camuflagens, astúciase dribles. Acrescente-se ainda o espíritodeterminado de Jamal que se orgulhava desaber ler. Tivesse aprendido também alição de subalternidade na escola, conse-guiria enfrentar os desafios?No filme Entre os muros da escola, os alunostampouco se intimidam diante do poderlegitimado. Dessacralizando a estruturaescolar, eles denunciam incoerências éti-cas e ridicularizam práticas pedagógicasdesconectas da vida. Os professores deplo-ram o desinteresse dos alunos pelo saberescolar, sem investigar o que fazem, o quedesejam, o que sabem e que desafios

enfrentam? No cenário de confronto,excessos e conflitos. Mas a cena final, emque o professor Bégaudeau, ator e autor dolivro, joga com alunos, instiga à reflexão: épossível uma outra escola, capaz de eman-cipar colonizados e colonizadores, desco-lonizando-os? Fora dos livros e das telas, acompanheium estudo longitudinal de caso em que oanalfabetismo funcional começou a sersuperado, quando a jovem gravementeenferma foi hospitalizada e se realfabeti-zou através de livros de literatura infantil.Recuperada, voltou à escola e concluiu o1º e o 2.º graus. Como continuasse traba-lhando como empregada doméstica, per-guntei-lhe: – Então, o que mudou em sua vida?– Tudo, porque eu mudei por dentro. Antes euachava que eu era ninguém. Tinha vergonha demim. Hoje, sei dos meus direitos e vou atrás dosmeus sonhos. Nos anos que se seguiram,conseguiu abrir uma caderneta de pou-pança, comprar um terreno, construir umacasa, manter correspondência com onamorado italiano e regularizar o visto depermanência dele no Brasil. Já casada,com passagem marcada para uma 2.ª via-gem à Europa, ainda sonha formar umacooperativa para vender trabalhosmanuais na Itália. Diante das quatro breves sínteses, cabeindagar: na arte como na vida a leiturapode mudar destinos?

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OLHARES de fora

Ao realçar os escopos deuma ecologia do meio ambiente,das relações sociais e dasubjetividade humana, Guattariapreende a questão comototalidade e nomeia comoecosofia a relação entre estastrês ecologias.

Ivonaldo Leite

Universidade Federal de Pernambuco [UFPE],Brasil

Educaçãoe saúdeemperspectiva

AGENDA AMBIENTAL

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Com as suas “três ecologias”, FélixGuattari bem expressou a dimensão daproblemática que envolve o assunto e, aomesmo tempo, aportou subsídios para sequestionar os lugares-comuns no debatesobre meio ambiente.Isto é, trata-se de entender que, não obs-tante a importância do tema, as discus-sões sobre a questão ecológica, porvezes, se têm limitado, de um lado, areproduzir chavões e, de outro, têmlevado a efeito abordagens que enviesama compreensão do que está em questão.Neste último caso, o facto é uma decor-rência de se adotar enfoques disciplinares(apenas de uma área do conhecimento)para um tema que, de per si, é marcadopela pluralidade epistémica, deman-dando, por exemplo, a necessária inter-conexão entre as ciências físico-naturaise as ciências sociais/humanas.Ao realçar os escopos de uma ecologia domeio ambiente, das relações sociais e da subjeti-vidade humana, Guattari apreende a questãocomo totalidade e nomeia como ecosofia arelação entre estas três ecologias. As con-sequências dessa formulação, para a inter-venção prática, são óbvias, como logoperceberão “os que têm treino” na maté-ria. Contudo, permitimo-me pôr emrelevo duas decorrências interligadas.A primeira concerne ao papel da educa-ção. Sabendo-se que esta, dizendo res-peito à dimensão escolar e não-escolar,consubstancia relações de sociabilidadeque, ao fim e ao cabo, estruturam padrõessocietais (afinal, a repetição da acção con-figura a estructura), é imprescindível queela seja mobilizada como dispositivo depersuasão social (o que não significa nor-matividade curricular formal) na consecu-ção da agenda de consciência ecológica. A segunda refere-se às iniciativas do campoda saúde. Além das variáveis que o relacio-nam ao meio ambiente em si, é de se reter– quando temos em conta que a ecosofia

pressupõe relações sociais e subjectivi-dade humana – que os serviços de saúdetêm uma imprescindível função a desem-penhar nas actividades de “cidadania eco-lógica”, nomeadamente no que toca aoaspecto preventivo. O que requer intera-ção, diálogo, portanto trabalho educativojunto à população. Ainda no que toca ao campo da saúde,também não se pode colocar de parte quedeterminados estados fisiológicos não sãodados completamente objetivos, comomostram vários trabalhos psicossociológi-cos, mas, sim, exigem interpretação rela-cionada aos contextos sociais nos quaissão produzidos. O que significa dizer quedevem ser focados a partir do âmbito cul-tural, ou seja, impõe-se que a educaçãoseja accionada. A propósito, não é de seesquecer a célebre pesquisa de HowardBecker mostrando que a satisfação invo-cada pelos usuários de maconha não éimediata. É produto da aprendizagemresultante da pertença a um grupo defumantes. Tal é a démarche que se impõe para a supe-ração dos lugares-comuns e dos entendi-mentos enviesados em torno da proble-mática ecológica. Estas são abordagensque, apesar de vislumbrarem os perigosmais evidentes que ameaçam o meioambiente natural das sociedades, geral-mente se limitam a focar os danos indus-triais e, mesmo assim, numa perspectivatecnocrática. É necessário ir além disso.O problema fundamental está colocadoem outro patamar, expresso, por exemplo,num desafiante paradoxo: por um lado,tem-se o desenvolvimento contínuo denovos meios técnico-científicos capazes deatender às demandas ecológicas e garantiro equilíbrio das atividades socialmenteúteis para o planeta; por outro lado,porém, verifica-se a indisposição sisté-mica no sentido de utilizá-los neste sen-tido.

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SAÚDE escolar

Jogos e actividades em grupo podem contribuir paraestimular estilos de vida saudáveis relacionadoscom o exercício físico, a saúde mental ou a alimentaçãopara a saúde.

Rui Tinoco

Psicólogo clínico. Unidade de Saúde da Batalha,Porto

O jogo comer devagar:uma proposta lúdica

A psicologia da saúde permite estabelecerinterfaces com muitas outras ciências. Essascomunicações podem acontecer a propó-sito de modelos de intervenção ou mesmoorganizando jogos e actividades em grupoque operacionalizem variáveis importantes.O trabalho pode estender-se a campos tãovariados como a prevenção do consumo do

tabaco, álcool, drogas ou a estimulação deestilos de vida saudáveis no que concerneao exercício físico, à saúde mental ou à ali-mentação promotora da saúde.Incidiremos, precisamente sobre esteúltimo aspecto, partilhando convosco umjogo dirigido a crianças da EB1. Trata-sede garantir aos alunos uma experiência

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que alie a diversão à visualização deaspectos relevantes quanto à importânciada ingestão vagarosa dos alimentos.Passamos, pois, à explicação do jogo.O contexto é, deste modo, a turma dealunos. O dinamizador pede por voluntá-rios. Cada um passa a representar umaporção do aparelho digestivo: a boca, oesófago, o estômago, o intestino delgado eo grosso. Existe ainda o decisor (denomi-nado “colher”), que é a pessoa que vaiintroduzir os alimentos no sistema. Os ali-mentos são simbolizados por um conjuntode bolas ou por uma série de folhas depapel amarrotadas. Cada órgão do apare-lho digestivo vai receber os alimentos eentregá-los ao órgão imediatamente aseguir, replicando a digestão.

quências digestivas das duas formas de sealimentar (comer depressa e comer devagar,salientando a importância da mastigaçãocompleta dos alimentos).O jogo pode servir de introdução a um tra-balho de grupo ou à construção de cartazessobre o papel da ingestão alimentar ou,ainda, acerca do aparelho digestivo.Apresentámos aqui um jogo simples e ape-lativo que configura as linhas de relaciona-mento que se podem estabelecer entre apsicologia e a área dos comportamentosalimentares. É claro que o tema não seesgota aqui, pois existe uma infinidade devariáveis possíveis de ser operacionalizadasem jogos e, ainda, organizadas em progra-mas de promoção da saúde com estrutura-ção mais complexa.

Faz-se, de seguida, uma série de experiên-cias. Queremos comer vinte bolas, ence-nando-se duas situações. Na primeira, asbolas são entregues pelo decisor em gruposde dois, esperando que a boca entregue asbolas, para introduzir mais duas bolas nosistema. Na segunda situação, o decisorentrega as vinte bolas simultaneamente.Os órgãos, por sua vez, devem entregar asvinte bolas aos órgãos que lhes são vizi-nhos.De seguida, há trabalho de grupo ou refle-xão em plenário sobre o que é que aconte-ceu nas várias situações. Nomeadamente,sobre as bolas que caíram ao chão, sobre aforma como as crianças se sentiram comduas bolas nas mãos ou com as vinte.Finalmente, reflecte-se sobre as conse-

Em tempos de pandemia da gripe A, asmáscaras cirúrgicas transformaram-se numa"moda" em todo o mundo. No Japão,porém, elas já fazem parte do guarda-roupados seus cidadãos desde há décadas, des-concertando muitos turistas que vêem pas-sageiros no avião, no metro, nos autocarrose na rua usando um acessório de protec-ção habitualmente associado aos corredo-res dos hospitais."O japonês médio gosta de limpeza e dehigiene", refere Naoya Fujita, representanteda Associação das Indústrias de Produtosde Higiene do Japão, acrescentando ser“próprio da 'psique' japonesa” a procura deprotecção a qualquer custo das doençasexteriores. "A etiqueta social no Japão ditaque as pessoas devem usar máscaras nãosó para se protegerem, mas também paraproteger os outros de seus próprios ger-mes, nomeadamente quando estão consti-pados”, diz Fujita.As máscaras, feitas de gaze e criadas paraproteger contra insectos, poeira e agentesalergénicos, são vendidas em lojas de con-veniência por todo o Japão, que conta com42 fábricas especializadas neste produto.

Máscaras cirúrgicas são parteda "moda" japonesa desde há décadas

VIStas

Apesar de o Japão não ter para já casos con-firmados da gripe A, as vendas de máscarascirúrgicas aumentaram, antecipando a che-gada do perigoso vírus A H1N1. Os últimosnúmeros da indústria nipónica mostram queforam fabricadas 196 milhões de máscarasno Japão em 2007, incluindo modelos contravírus e bactérias, pólen, poluentes industriais,o ar rarefeito das aeronaves ou como prote-ção para o frio do inverno.As máscaras feitas de tecido e de metaleram comuns no Japão do início do séculoXX, quando houve um aumento da polui-ção do ar decorrente da industrialização dopaís. A sua utilização aumentou durante aépoca da gripe espanhola, em 1919, após ogrande terramoto de Kanto, em 1923, enovamente com o regresso do vírusinfluenza em 1934. Desde então, as másca-ras passaram a integrar a indumentária dosnipónicos, com crescimento das vendasdurante o inverno e em períodos de gran-des epidemias, como a SARS, há seis anos.Em Tóquio, os habitantes usam as máscaraspara se protegerem também do pólen docedro e dos alergénicos provenientes dasflorestas que rodeiam a capital desde a

grande campanha de reflorestamento queteve lugar após a Segunda Guerra Mundial.Num país criador de tendências, não serásurpresa que os fabricantes tenham criadouma máscara para cada ocasião, da omni-presente “Hello Kitty” até modelos comlogotipos das grandes marcas de luxo mun-diais. O catálogo de máscaras da Unicharm,um dos principais fabricantes japoneses,apresenta mesmo modelos com jóias bor-dadas e protecção contra manchas debatom, juntamente com um pequenomanual que ensina a combinar as máscarascom diferentes roupas e penteados.Básica ou chique, a questão principal residena sua eficácia. “É melhor do que nada, ape-sar de ser difícil bloquear completamenteum vírus que paira no ar, já que ele podeescapar facilmente por pequenas fendas",admite Yukihiro Nishiyama, professor devirologia da Escola de Medicina daUniversidade de Nagoya. "A melhor coisa afazer é evitar aglomerações de pessoas,especialmente em espaços pequenos, por-que o vírus pode espalhar-se mais rapida-mente do que em espaços abertos, ondesão mortos pela luz do Sol."

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ERA digital

Adelina Silva

Centro de Estudos das Migrações e dasRelações Interculturais [CEMRI], Laboratório deAntropologia Visual, Universidade Aberta

A cultura, no sentido das tradições e dasrepresentações partilhadas de uma socie-dade, tem um efeito profundo no desenho,adopção e uso da tecnologia. Existe umainfluência recíproca entre tecnologia esociedade, que muitas vezes é caracteri-zada como uma co-evolução ou adaptação

mútua. Mas, sociedade não é sinónimo decomunidade. As comunidades, para quepossam ser consideradas como tal, terão deter um objectivo, uma identidade, comuni-cação, confiança, reputação, formação degrupos, ambiente, limites, governo, trocaou comércio, expressão e história.

COMUNIDADES

Da sociabilidadevirtual àaprendizagemHaverá alguma diferençaentre as comunidadesreais e as comunidadesvirtuais? O que será queas distingue? À partida,é a tecnologia e o meioenvolvido: o computadore o acesso à Internet.

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Então se assim é, haverá alguma diferençaentre as comunidades reais e as comuni-dades virtuais? Não serão as comunidadesvirtuais reais? O que será que as distin-gue? À partida, é a tecnologia e o meioenvolvido: o computador e o acesso àInternet. Como se constrói uma comuni-dade? Será uma comunidade virtual dife-rente de outros grupos de uma comuni-dade real? É fácil pensar que as comunidades off-line(reais) e on-line (virtuais) são diferentes,logo impossível de estabelecer uma com-paração. Mas, qual o fundamento? A dis-tância geográfica? A ausência de lingua-gem corporal? Os meios de comunicaçãodisponíveis? Será que comunicar em bits ebytes tem o mesmo efeito imediato dacomunicação em presença?Passa-se a falar do ciberespaço. É umespaço social alternativo onde há indiví-duos que trabalham, jogam, compram, seencontram, falam, aprendem, etc., de umadeterminada forma e em locais específicos.Pode-se, inclusive, ser proprietário deespaço, pode-se ficar durante o tempo quese quiser ou puder, pode-se visitar umacidade ou um amigo, e finalmente, tambémse pode ficar perdido e completamentedesorientado. Mas, tal como no mundoreal, podemos sempre voltar a casa.Na verdade, poder-se-ia simular a situaçãoestrutural de uma comunidade virtual on-line, sobretudo dos grupos que utilizam acomunicação mediada por computador(CMT), juntando numa sala escura umgrupo de indivíduos desconhecidos unsdos outros, pedindo-lhes para comunica-rem entre si escrevendo apenas bilhetesafixando-os num quadro.Porém, os indivíduos constroem as suasvidas em grupos pequenos: inicialmente nafamília, depois nos grupos de amigos, nosgrupos de colegas de trabalho e outros.A natureza dos grupos pequenos está emdar corpo à comunicação face-a-face utili-zando expressões faciais, gestos corporais,tom de voz, sotaque e ritmo, imprimindo-lhe uma riqueza comunicacional que difi-cilmente será reproduzida em contextoelectrónico. Passa-se a falar das transformações dasrelações interpessoais com a introduçãodas novas tecnologias na sociedade.Fazem-se estudos sobre essas relações vir-

sigo interesse, vivências, experiência edesejo de agir e interagir. Quanto maispessoas participarem, mais enriquecedorase torna a comunidade.Em contexto virtual estendido à educação,há como que um prolongamento da salade aula. Na verdade, em contexto real, porvezes por inibição ou vergonha, não colo-cam as suas dúvidas em frente aos cole-gas… mas em ambiente virtual não se ini-bem de as colocar resultando daí, porvezes, uma troca de ideias entre pares faci-litadora da discussão, reflexão e aprendi-zagem.

tuais, sobre as motivações e identidade(s)dos utilizadores das salas de chat, sobre asestruturas antropológicas no ciberespaço,sobre as alterações na formação de amiza-des, nas relações de proximidade, nas inte-racções com os pares, que ocorrem nesseprocesso de transição do real para o virtualnão existiam.O valor das comunidades on-line reside nofacto da informação partilhada e na criaçãode amizades não estar restrita aos limitesgeográficos ou temporários. Quando umindivíduo se liga à Internet fazendo assimparte de uma comunidade, transporta con-

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Paradoxo número um

O Estatuto da Carreira Docente (ECD) dico-tomizou os professores em duas categorias:titulares e não titulares. Sob esta nomen -clatura opera uma falsa hierarquização:serão os não titulares menos preparados, doponto de vista científico-pedagógico, doque os titulares?No Decreto-Lei 200/2007, que regulamen-tou o primeiro concurso de acesso à cate-goria de professor titular, pode ler-se “acriação da categoria de professor titulartem como objectivo dotar as escolas de umcorpo docente altamente qualificado, commais experiência e formação (...)”. Como compatibilizar a “experiência” pro-fissional do professor com o facto de, paraefeitos do referido concurso, terem sidoapenas validados os últimos sete anos deexperiência profissional? Por um lado, aidade surge como fonte de experiência e

de formação; por outro, a história profis-sional que antecede o período mencionadofoi reduzida a zero.

Paradoxo número dois

O novo modelo de Avaliação deDesempenho Docente (ADD) , não obs-tante a sua simplificação apressada, émedíocre. Em primeiro lugar, dado o número exces-sivo de instrumentos de registo, a saber:grelha de avaliação do desempenho peloPresidente do Conselho Exe cutivo/Di -rector; grelha de avaliação efectuada peloCoordenador do Departamento; grelha deavaliação efectuada pelo professor Ava -liador. Do seu cariz excessivamente burocrático,infere-se a sua falta de exequibilidade. Segundo, porque estes instrumentos deregisto denotam falta de rigor, porquantocomo é possível que numa turma de 25-30alunos e durante uma aula de 90 minutos,um professor avaliador classifique o profes-sor avaliado, por exemplo no parâmetro da“promoção de trabalho autónomo” ou noda “concessão de iguais oportunidades departicipação” dos alunos?! A partir de quenúmero é considerada a igualdade de opor-tunidades e a participação aceitável? O número de alunos por turma é variável eeles possuem traços de personalidade hete-rogéneos: uns são tímidos, outros maisextrovertidos, etc.

OS PARADOXOS DA POLÍTICA EDUCATIVA

Os paradoxos da políticaeducativa

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Elsa CerqueiraProfessora de Filosofia.Escola Secundária/3 Amarante

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número de alunos inscritos) e seja irrele-vante quando se trata de uma manifestaçãoque envolve 120 000 professores!

Paradoxo número quatro

Eu e outros colegas fomos obrigados, emOutubro, a elaborar as taxas de sucesso ede abandono para o presente ano lectivo!Aqui a política dos números é, novamente,valorizada.Pergunto: Poderei pronunciar-me doponto de vista psico-cognitivo sobre alu-nos que desconheço? Sobre quantos aban-donarão a escola? Poderei prever e contro-lar as variáveis inerentes ao processo deensino-aprendizagem antes deste ocorrer?Os alunos não são meros produtos, resulta-dos e, como tal, não podem ser coisifica-dos, enformados, deformados, enclausura-dos em taxas e “taxinhas” pré-fixadas!Não me revejo na política do facilitismo,do “laissez faire, laissez passer”. Pugno,como professora-educadora, pela quali-dade dos conteúdos, dos materiais e recur-sos utilizados, pelas pedagogias viabiliza-das nas minhas aulas. Não fiquei indiferente ao facto dos alunosdo 9.º ano – e sei bem do que falo porqueo meu filho frequentou-o no ano tran-sacto –, terem ficado muito mais “inteli-gentes” no exame nacional da disciplinade matemática. Não poderei esquecer queo elemento decisivo, que se repercutiu nes-tes resultados, foi o baixo nível de compe-tências exigidas para a resolução dos pro-blemas propostos. O facilitismo é inversamente proporcionalà qualidade do ensino-aprendizagem.

Paradoxo número cinco

E que dizer das quotas para as classifica-ções agregadas a este modelo de ADD?Sei o que valho como docente, sei o nívelde conhecimentos que possuo na minha

Instrumentos de registo pouco rigorosospoderão avaliar com rigor?A desmesura burocrática é proporcional àineficácia.

Paradoxo número três

A Sr.ª Ministra alega que muitas escolas jáprocederam à implementação do modelode ADD. Não são muitas, são muito pou-cas. E nessas, houve falhas na rede decomunicação (vertical) que mobiliza. Casocontrário, como tornar inteligível quealgumas escolas tivessem avançado com aavaliação dos professores e a maioria não?Que no seio da mesma escola uns departa-mentos avancem e outros não?Sim, as directrizes do ministério sãoincumpridas em muitas escolas do País.Onde estarão colocados os 120 000 pro-fessores, presentes na manifestação do pas-sado dia 8 em Lisboa? Em poucas, pouquís-simas escolas?!Não é admissível o argumento segundo oqual estes professores foram manipuladospor organismos sindicais, partidos da opo-sição, etc. Sei pensar autonomamente e estive pre-sente na referida manifestação! Por outro lado, inverter o argumentodizendo que constituímos agentes demanipulação e de chantagem é, comopolítica, não compreender um dos maisimportantes pilares da Democracia: odireito à contestação. Neste caso, a umapolítica educativa lúcida e autêntica.É curioso constatar que a obsessão pelaquantificação sirva os propósitos doMinistério da Educação nalguns casoscomo, por exemplo, para avaliar a percen-tagem de aprovação dos alunos, do 9º ano,nos exames nacionais, para discriminarescolas mediante um ranking cujas variá-veis são díspares (não têm todas os mesmosexames, os mesmos níveis, o mesmo

área. Terei que me submeter a este regimede classificações, também elas pré-anun-ciadas? Quem manipula quem?Imaginem que possuo uma turma com doisalunos excelentes e que lhes digo: “x terá aclassificação final de 19 valores e y não”. Oque sentiriam eles? E os seus encarregadosde educação?Defraudados.Este sistema de quotas é um mecanismo dedistorção da avaliação. E um modelo deADD que não admite rigor e se furta àautenticidade dos resultados servirá paraavaliar? Terá alguma fecundidade?

Paradoxo final

Sou a favor da A.D.D. Estou é contra estemodelo. Se pudesse classificar este e oanterior modelo diria, apenas, que oRelatório de reflexão Crítica deDesempenho era uma farsa, sobretudodevido à inoperância dos órgãos a quemcompetia tornar credível todo esse pro-cesso de avaliação e este, que se pretendeimplementar, uma farsa hiperbolizada. Sou professora/educadora e a minha pri-macial tarefa é ensinar/educar com quali-dade, desenvolvendo nos alunos o gostopelo Saber, pelo Fazer e pelo Ser. SeremPessoas dotadas, no futuro, de competên-cias indispensáveis ao exercício de umacidadania esclarecida, activa e interven-tiva. O legado de um professor é reactuali-zado ao longo de cada minuto das suasexistências. Os meus alunos estão e estarão sempre emprimeiro lugar. Eis uma Política Educativa repleta de para-doxos, implementando o absurdo. Há,todavia, um sentido oculto no des-sentido:o autismo político instituiu-se como formade repressão e a renúncia ao princípio dadiscutibilidade a morte da Democracia.Paradoxo mortal.

NOTAS:

1 – Sugiro que todos os que queiram enveredar pela carreira política, bem como todos os profissionais da política, leiam a obra “Górgias” de Platão e se submetam a umexame teórico-prático. Talvez percebessem porque é que a retórica que praticam não passa de “um simulacro de uma parte da política” e se consciencializassem doquão impreparados estão para o exercício da (actividade) política.

2 – Texto escrito no inicio deste ano civil.

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REPÚBLICA dos leitores

Não somos naturalmente cooperativos,lembra Michel Crozier. Somos natural-mente discriminadores, comentou, numaemissão de “O amor é”, Júlio Machado Vaz,noticiando que há mais de cento e cin-quenta crianças seropositivas nas escolasportuguesas, sendo que são aconselhadas

Esta avaliação dos professores

O papel do educador socialnos centros novas oportunidades

pelos técnicos competentes a esconder issoda escola.A sociobiologia (com o desconforto ideo-lógico que me causa a sua alusão) tambéminveste no esclarecimento da nossa naturezacompetidora. A nossa condição animal,explicará isto. O que é que nos diferencia eidentifica como espécie? A cultura. É atravésdessa condição cultural da espécie humanaque nos tornamos cooperativos; não discri-minadores; conviria, não discricionários.As outras espécies desenvolvem caracterís-ticas de cooperação, de solidariedade, fun-cionais à sua sobrevivência e bem-estar. Naespécie humana a cultura sobreleva essafuncionalidade dos padrões de comporta-mento duráveis (instinto). E vai ao pontode se elevar à educação para a cooperação,para a solidariedade, para a emancipação(palavra incómoda, que alguns queremconceptualmente desactualizada, vá-se lásaber porquê).Usar a cultura para o reforço da instintivacompetição, da discriminação, é, pela forçadestas, a reinvenção de uma legitimada bar-bárie pelo desvio para uma competiçãoreforçada pelos poderosos instrumentos da

cultura, para uma discriminação discricioná-ria – bem mais cruéis e sofisticadamenteauto-sustentadas do que as das outras espé-cies – revertidas em novas e naturalizadasformas de escravidão humana. A instituiçãocapitalista “mais valia” é o zénite da naturali-zação desta escravidão. A instituição escolar“classificação” é-lhe absolutamente instru-mental e imprescindível.Os professores, ao recusarem este modoclassificatório de Avaliação, estão a resistir àmudança para a sustentação de uma culturaburocrática que tão criativamente sabecolocar cada macaco no seu galho.Em termos de condição competidora, chegabem o que temos de animal. A cultura servi-ria para a temperar e transcender em modoscooperativos e solidários de viver, recriandoo que, sendo da nossa natureza animal, pelaeducação reverta em relações superiores,isto é, da condição humana.O que aqui está em causa, não é a avaliação– factor de crescimento e aprendizagem, for-mativa, que outra não tem sentido no quadroda educação – mas a classificação, no seumais genuíno apelo à competição, à discrimi-nação, porventura, à discricionariedade.

Na sociedade actual, a certificação escolarcontinua a ser vista como um garante dedeterminadas competências essenciais narealidade laboral. Esta percepção leva aque muitos adultos sintam a premência deinvestirem na sua educação e formação,para se integrarem, ou continuarem inte-gradas, num mercado de trabalho mutávele exigente.

Rosa Soares NunesProfessora. Porto

Sofia VeigaPsicóloga. Escola Superiorde Educação do [email protected]

Adelina CorreiaEducadora Social. [email protected]

Os Centros Novas Oportunidades, regidospelo conceito de educação e formação aolongo da vida, procuram: a) valorizar asaquisições e as formações feitas no per-curso de vida da pessoa, ainda que não cer-tificadas, mas que podem vir a sê-lo pormeio de um processo de Reconhe cimento,Validação e Cer tifi cação de Com -petências; b) ajudar a pessoa a adquirir os

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conhecimentos e as competências que pre-cisa para se sentir mais capaz e competente(ESDIME, 2007). Procurando reconhecere valorizar as características e o patrimóniode competências da pessoa, os CNO faci-litam o processo de transformação nomomento de (re)construção de projectospessoais, sociais e profissionais (Leitão,2002: 15). Porque trabalha com pessoas, o profissio-nal de RVCC e o Técnico de Diagnósticoe Encaminhamento tem de saber ser umprofissional de relação e um mediadorsocial, já que medeia diversos processosque decorrem simultaneamente (expecta-tivas, receios e sentimentos de incapaci-dade/inferioridade, assim como expectati-vas e constrangimentos da entidade patro-nal); tem de procurar um equilíbrio entre ainfluência que exerce e a alteridade dooutro, assim como no saber estar impli-cado e distanciado (Baptista e Carvalho,2004).

O facto do Educador Social ser um profis-sional de proximidade, reflexivo e respon-sável, privilegiar a investigação-acção-par-ticipativa como metodologia de interven-ção, considerar as múltiplas dimensões doser humano, e reconhecer todas as apren-dizagens, em particular as da educação nãoformal, faz dele um profissional habilitadopara trabalhar com estas pessoas e numCNO. Através do estabelecimento de rela-ções empáticas, procura implicar as pes-soas no seu questionamento e no desenhodo seu projecto de desenvolvimento pes-soal, o que, geralmente, desemboca numempowerment surpreendente, já que elas sesentem mais capazes de concretizar aquiloque querem e que sonharam. Além disso, asua formação multidisciplinar prepara-ocientifica e humanamente, habilitando-o aintegrar, ler e (inter)agir naquela realidade,e dotando-o de boas capacidades paraintegrar e enriquecer uma equipa multidis-ciplinar.

BIBLIOGRAFIA

BAPTISTA, I., & CARVALHO, A. (2004). EducaçãoSocial Fundamentos e Estratégias. Porto: Porto Editora.

ESDIME (2007). O Impacto da Certificação deCompetências na Vida das Pessoas. Camarate: Institutodo Emprego e Formação Profissional.

LEITÃO, J. (2002). Centros de Reconhecimento, Validação eCertificação de Competências: Roteiro Estruturante.Lisboa: Agência Nacional de Educação eFormação de Adultos.

Sapiência inaudita

A natação é um desporto por excelênciamuito bom, e nestes últimos anos esta temevoluído não só no seio científico como naconduta social. Os cidadãos têm recorridoàs piscinas não só pelo benefício mas tam-bém porque começa a existir uma mudançacultural que permite perceber que a nata-ção é um desporto muito eficaz na saúdeem geral. Está-se a notar também uma modificação decomportamentos nas populações com inci-dência no interior e norte de Portugal queopta por esta modalidade por benefícios psi-cológicos e fisiológicos obliterando precon-ceitos do passado, com a aproximação físicae a sua exposição da natação os praticantesencontram paz e harmonia pela tenacidade

que a água tem como terapia, esta área temsido muito bem dimensionada nos últimosdez anos com benefícios a longo prazo inte-riorizando nos mais novos o gosto pela prá-tica e a assiduidade que é fundamental numcompromisso desportivo. Manter uma regu-laridade desportiva é sobretudo um investi-mento profícuo onde se alcançará o êxtasecomo um tónico que cria dependênciaoptando sempre pela naturalidade nestebem comum que é a água.Longe vão os tempos em que se criavamfilhos sem formação desportiva, as piscinasvieram substituir os banhos no rio, mas nãoo rio e criar um equilíbrio na higiene pes-soal extrínseca e intrínseca permitindocriar regras fundamentais na vida dos cida-

dãos. Ao contrário de muito cépticos e crí-ticos de opinião, quando estes se referem àdespesa pública que a manutenção de pis-cinas causa ao erário público não enten-dem que o beneficio em termos de saúdepública é mais importante do que o déficeque estas causam, pois nem tudo é conten-ção. Num país onde se pratica desporto oscidadãos rendem mais à nação, as pessoasandam mais felizes consigo próprias.Numa sociedade como a nossa cheia devícios perniciosos é fundamental a substi-tuição do vício pela preservação da saúde epelo exemplo que esta sociedade precisa.Existem muitas crianças com problemas desaúde e alguns deles bem graves em quemuitos pais preferem decepar o acesso dos

Pedro MarinhoAluno. Escola SuperiorEducação. Arcos de Valdevez

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132 I 133 VERÃO 2009 I N.º185

Vozes do dono

Constituiu o afrontamento aos professores,desde o início, uma tentativa evidente doGoverno mostrar uma firmeza que se pre-tendia vir a constituir imagem de marca eaviso claro a outras classes ou grupos pro-fissionais considerados mais problemáti-cos, como reactores ao desiderato refor-mista.Por isso se escolheu como ministra umasinistra personagem, cuja insensibilidade àfunção pedagógica era amplamente com-pensada por um carácter autista e inflexívele uma adesão profunda à unicidade doconhecimento. Partidária do princípio deque a melhor defesa é o ataque, esta entroua matar, dizendo, de toda uma classe pro-fissional, aquilo que “Mafoma não disse dotoucinho”!De incompetentes a preguiçosos, foi umdesfiar de implícitos e explícitos conside-randos, reduzindo ainda mais o estatutosocial dos docentes, com consequênciasnão só (como temos visto), ao nível da dis-ciplina nas salas de aula, como de imediatoreforço da natural resistência à mudança,

acarretando assim um inesperado cerrar defileiras contra um projecto que enfor-mando, naturalmente, de defeitos (até por-que tinha sido elaborado na lógica instru-mental da submissão dos professores), viuassim levantar, contra si, toda uma classeaté aqui conhecida precisamente pela suafraca coesão e solidariedade orgânica.É, assim, que mais de cem mil professoressaem à rua em protesto, por várias vezes,numa mobilização nunca vista emPortugal.A greve que (que os sindicatos estimaramem noventa e cinco por cento de adesão),foi de tal maneira massiva que o Governo,ao contrário do habitual, nem sequer tevecoragem de contrapor números, limitando-se a anunciar a percentagem de escolasabertas: leia-se a percentagem de escolasque a lei obriga a estarem abertas, desdeque haja pelo menos um professor não ade-rente, das dezenas ou centenas do respec-tivo corpo docente!Este foi o momento crucial. Aquele em quetudo deveria ter sido repensado.Mas a única coisa que mudou, de maneirasubtil convenhamos, foi a estratégia!Uma estratégia de que a Ministra nãoparece ter sido, sequer, a responsável prin-

cipal. Aliás, a mesma foi até afastadadurante algum tempo das mais importan-tes intervenções públicas devido, prova-velmente, à tensa rigidez da sua imagem ediscurso.É o Governo que, naquele momento deinflexão estratégica, vai assumir a lide-rança, lançando mão, inclusive, do habi-tual bombeiro de serviço: o MinistroSantos Silva.A estratégia, é clara: um discurso públicomais moderado, sugerindo ou relevandocedências efectivas ou virtuais e um discursonegocial privado, mantendo praticamente amesma dureza e intransigência.A intenção, também: o Governo continua aapostar na estigmatização dos professores!Apostar no cansaço da uma opiniãopública pouco informada e esclarecida e nodesgaste que as continuadas acções de luta(necessariamente inconvenientes para mui-tos pais e encarregados de educação) irão,inevitavelmente, provocar.A reforma da educação passa assim, cadavez mais, para segundo plano. O essencialé, isso sim, recuperar a imagem de firmezagovernamental, ingloriamente perdida noacobardado confronto com as petrolíferase as empresas de transportes rodoviários.

seus filhos à prática desportiva por igno-rância e por falta de uma herança culturaldesportiva, é importante saber usar o queum concelho tem de bom mas alguns paispreferem estar no café a fumar ou a beber,em vez de estarem a brincar com os seusfilhos investindo com riqueza no seu bem-estar. Estar no café também é importantemas este não substitui um momento emque o filho precisa do pai. São poucos os pais que percebem o mundodas crianças, são poucos os pais que prefe-rem estar com os seus filhos entregando-osaos cuidados e à responsabilidade da edu-cação triangular (relação pai, mãe e filho) aoutros que não deviam, admirando-se mais

tarde que o seu filho enverede por outrasvias problemáticas. Um filho requer tempocom o pai e a mãe, hoje o que vemos éexactamente o contrário apenas o pai comum filho ou a mãe, é muito difícil ver ostrês juntos a brincar. O mundo familiar parece-me estar que-brado e dividido, como podemos criar osnossos filhos? Como devemos treiná-lospara viver um dia em família? Pense nisso!O mundo não é o que parece, as criançasde hoje são os homens do amanhã. Omundo tem percebido as novas tecnologiasmas tem ignorado a evolução humana nosseus princípios mais básicos. O que no pas-sado era malparecido, hoje é gracioso,

senão vejamos, rapazes com calças rotas erasinal de pobreza, hoje é um sinal de exterio-rização de riqueza... a vestimenta já não é oque era, enfim tempos modernos, dizem!O que no passado era um orfanato hoje éum infantário, o que no passado era umsanatório hoje é um lar. Nem sempre per-cebemos os outros, era tradição, dizer-sebom dia, boa tarde ou boa noite, hoje pas-sar por alguém e não falar dá-nos umaimponência doida, hoje humilhar alguémdá-nos uma sensação de enaltecimento.O desporto corrige estas assimetrias que ostempos actuais marcaram aqueles queignoram o desporto como uma escola devalores.

Aurélio Lopes Professor

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Se não há força para enfrentar os lobbysempresariais, finquemos então, os dentes,nas classes médias e médias-baixas; sem-pre as mais expostas e vulneráveis.A excepcional mobilização dos professo-res (merecedora, na verdade, de umestudo sociológico mais profundo) irá, apartir daqui, passar a ser governamental-mente interpretada como reflexo da suacandura e ingenuidade. Instru menta -lizados, de forma ignóbil, por tenebrososdirigentes sindicais!Dirigentes sindicais que, porém, têmandado, na realidade, essencialmente areboque. Tendo já, inclusive, reconver-

tido planeamentos e acções para não cor-rerem o risco de perder o comboio!Seja como for, para passar a mensagemencomendada, o Governo irá servir-se (deforma também subtil, da comunicaçãosocial pública) e, principalmente, doPartido; dos sempre prestáveis “boys”: pelomenos daqueles que a isso aceitaram sujei-tar-se.Alguns deles, autênticas “vozes do dono”,cujos imperativos de carreira os tornam,naturalmente, disponíveis para tal. Outros, personagens históricos, passados já,muitas vezes, os prazos de validade analítica,reatando agora saudosos protagonismos.

Esquecendo pressupostos que, senão esti-vessem sujeitos à disfunção partidária, cer-tamente se aperceberiam.Que, por exemplo, o facto de um sector deactividade necessitar de reformas, nãodecorre daí que qualquer reforma seja,necessária e obrigatoriamente, adequada!Que não se fazem reformas contra todos(ou quase todos) aqueles que têm, afinal, afunção das implementar!Ou, ainda, que ninguém tem razão contratoda uma classe de largas dezenas demilhares de pessoas!Mesmo que, potencialmente, o pudesseter. O que não parece, aliás, ser o caso!

Exigencias educativas para unos serviciossociales de calidad

La concepción de los servicios socialesen los diferentes países es tremenda-mente heterogénea, oscilando desdequienes abogan por una concepciónamplia que incluye diferentes ramas de lapolítica social (vivienda, educación, ser-vicios sociales, etc.), hasta quienes losentienden desde una perspectiva restrin-gida, es decir, como aquel conjunto coor-dinado de prestaciones, recursos, equipa-mientos y programas que se orientanhacia la mejora de la calidad de vida y delbienestar individual y social de la ciuda-danía. En esta visión estricta, se incluyenaquellas acciones que posibilitan a losciudadanos obtener una respuesta antesituaciones de necesitad, a recibir infor-mación y orientación frente a determina-dos problemas o al desconocimiento derecursos, a la promoción e integraciónsocial, etc.; en definitiva, acciones queposibilitan a las personas sentirse agentesde su propia vida y ejercer los derechos

que les son reconocidos como ciudada-nos o ciudadanas.Así, el quehacer de la educación en elmarco de los servicios sociales resultaineludible, especialmente teniendo encuenta las desigualdades existentes porrazones de género, de acceso a los recursosbásicos, en relación a las posibilidades deformación, etc.; tal y como se recoge en elInforme de las Naciones Unidas (2008)sobre los Objetivos de Desarrollo delMilenio. Si bien, la educación no consti-tuye la ansiada panacea que resolverá losproblemas sociales, presenta importantespotencialidades para mejorar las condicio-nes de vida de las personas y colectivos enel marco de los servicios sociales.El acompañamiento en procesos para con-seguir mayores niveles de autonomía, elfortalecimiento de los lazos sociales en lascomunidades, la facilitación de la adquisi-ción de ciertas habilidades, etc., consti -tuyen responsabilidades propias de los

educadores y educadoras sociales que, enel marco de equipos interdisciplinares,facilitarán la optimización de las condicio-nes de vida de las personas y grupos. Paraello, el sujeto ha de estar dispuesto al cam-bio y creer en él, pues como afirma Freire(1977)(1), si la labor del profesional “esrealmente educativa, los hombres conquienes trabaja no pueden ser objetos desu acción. Son, por el contrario, tan agen-tes del cambio como él”.En este sentido, la educación se convierteen un asunto de la comunidad al presentarcomo horizontes el desarrollo humano y latransformación social. Por ello, no sóloquienes estamos en este “barco” hemos deasumir dicha responsabilidad, sino queestas formas de pensar, de sentir y deactuar han de ser compartidas “con” y “por”otras personas y colectivos; especialmentepor los poderes públicos, cuyo cometidose centra en garantizar los derechos de laspersonas.

Laura Varela CrespoUniversidad de Santiago de Compostela.Facultad de Ciencias de la Educación.Educación Social

(1) Freire, P. (1977). ¿Extensión o comunicación?: La concientización en el campo. Bogotá: Ediciones Populares.

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134 I 135 VERÃO 2009 I N.º185

Alienígenas da sala de aula?

Por me preocupar com as práticas pedagó-gicas que são articuladas no âmbito da salade aula a partir do uso das novas tecnolo-gias trago algumas reflexões. Será que taispráticas contemplam os desejos e anseiosdos nossos alunos? A escola está cami-nhando para se adaptar a proposta inova-dora que os recursos tecnológicos trazem,mas ainda falta uma longa estrada. Asnovas tecnologias propõem processos maisdinâmicos, interativos, articulando osconhecimentos e promovendo autonomiano desenvolvimento do pensamento crí-tico. Como a escola percebe esta nova pro-posta do trabalho pedagógico? Como seposicionam os professores?Nossas crianças cresceram assistindo tele-visão, jogando videogame e navegandopela Internet. A cultura estudantil mudou;os alunos do passado eram receptores pas-sivos, não questionavam e viviam distantesdo mundo adulto. Atualmente, eles buscamo conhecimento, são questionadores eestão envoltos pelas transformações tecno-lógicas. As novas tecnologias possibilitam algumasações que motivam e mobilizam a vida dosnossos alunos, como por exemplo: conver-sar com os amigos pelo MSN, criar umacomunidade no ORKUT, salvar as músicas

prediletas no mp4, entre outras ações.Estas práticas, que parecem fora da reali-dade, fazem parte do cotidiano das crian-ças presentes em nossas salas de aula. Segundo Bill Green & Chris Bigun (1995),podemos caracterizar estes novos alunoscomo “alienígenas”, pois questionam aspráticas adotadas nas salas de aula tradicio-nais. Chegam com comportamentos desa-fiadores e colocam o professor numa situa-ção de ataque. “Esse desvio [de comporta-mento] é oficialmente representado econstruído não como a mudança que tãoclaramente parece ser, mas como umaquestão de deficiência, de incompletude ede inadequação” por parte da educação(ibid, p. 212). O aluno “alienígena” repre-senta ameaça? Assim, faz-se necessário pensar nas ressi-tências que o professor tem em relação aouso das novas tecnologias. Uma parte daresistência está no novo papel que deveráenfrentar, o de mediador do conheci-mento. Voltemos ao velho paradigma, noqual ele ocupa(va) um patamar mais ele-vado, era o detentor do conhecimento. Poroutro lado, temos um aluno que extrai detodas as práticas sociais um novo aprendi-zado. Quanto mais ele é estimulado maispossibilidade terá para se desenvolver.

Maria Aparecida Padilha RibeiroUniversidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),Rio de Janeiro, Brasil. Pedagoga pela Universidade Federal Fluminense(UFF), Niterói, Brasil

BIBLIOGRAFIA:ALVES, Nilda & GARCIA, Regina L. (ORGS) O sentido da escola. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.

GARCIA, Regina L (ORG). Múltiplas linguagens na Escola. Rio de Janeiro: DP&A, 2000.

GREEN, Bill & BIGUN, Chris. Alienígenas na sala de aula. IN: SILVA, Tomaz T (ORG). Alienígenas na sala de aula – Uma introdução aos estudos culturais em educação. Petrópolis:Vozes, 1995.

SIMON, Roger I. A Pedagogia como uma tecnologia cultural. IN: SILVA, Tomaz T (ORG). Alienígenas na sala de aula – Uma introdução aos estudos culturais em educação.Petrópolis: Vozes, 1995.

Podemos considerar o professor um “alie-nígena”, já que ele é o “estrangeiro da salade aula”? Ou são os alunos? Eles estãoimersos na cultura das novas tecnologiasdo texto, da imagem e do som, por elesconsiderada como seu ambiente natural.E, não querem mais ficar horas sentadoscopiando o “dever do quadro-negro”, poisanseiam por práticas que vão além do sim-ples processo de memorização, queremtrocar, buscar, serem os produtores doconhecimento. Quem são os verdadeiros alienígenas da sala deaula?

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O Canadá autorizou este ano a caça de280 mil focas na sua costa atlântica, anun-ciou recentemente a ministra da Pesca doGoverno Canadiano, Gail Sheal."O TAC (Captura Total Admissível) de focasna Gronelândia foi fixado em 280 mil para2009, partindo da previsão de que existeum total de 5,5 milhões de animais", salien-tou a ministra num comunicado.

O número é superior à quota estabelecida em2008 (275 mil) e 2007 (270 mil), mas muitoinferior a de 2006, que foi de 335 mil animais.O argumento maior para esta autorização éa de que "a caça de focas é uma importantefonte de rendimento para várias comunida-des isoladas do Canadá, no Quebec e nonorte", declarou a ministra Sheal.

Fonte: AFP

VIDA ANIMAL

Canadá autoriza caça de 280 mil focasem 2009

De acordo com estatísticas recentementedivulgadas pelo governo norte-americano,um em cada 131 adultos encontrava-sedetido no final de Junho de 2008 nosEstados Unidos – número que aumentouem relação a 2007 –, com a população negraa manter-se, de longe, como a mais repre-sentada no sistema penitenciário americano. Somando o total das prisões estaduais efederais, que albergavam mais de 1,6 milhõesde pessoas, com o das prisões locais, com785 mil, a população prisional atinge pratica-mente os 2,4 milhões de indivíduos, parauma população total de 306 milhões, reve-lando um ligeiro acréscimo relativamente a2007 (+0,8% e +0,7%, respectivamente). Ainda segundo os números do departa-mento de estatística do Ministério da Justiçados EUA, um em cada 21 negros residentesno país está preso (846 mil), contra umbranco em cada 138 (712 mil). Na comuni-dade hispânica o total eleva-se a 427 mil.Valerá a pena lembrar que os afro-america-nos representam apenas 13 por cento dapopulação total do país. Apesar desta des-proporção, a percentagem da população pri-sional negra relativamente ao total do paísdiminuiu entre 2007 (41%) e 2008 (37%).

Fonte: AFP

É DEMAIS

Número de presos,a maioria negros,aumenta nos EUA

Cerca de dois milhões de crianças morremde diarreia em cada ano, apesar da existên-cia de um tratamento "simples" e "quasemilagroso", denunciou a OrganizaçãoMundial da Saúde (OMS).Para a OMS, "o grande desafio actual" é per-mitir a todas as crianças que sofrem destadoença, propagada pela água poluída e querepresenta 20 por cento das mortes de crian-ças em todo o mundo, terem acesso a umtratamento barato e que existe há 25 anos.A diarreia pode ser curada com soro fisio-lógico e comprimidos de zinco, explicou aOMS num comunicado.

CRIANÇAS MORREM SEM SENTIDO

Diarreia mata dois milhões de criançaspor ano, segundo a OMS

"Com soro e zinco, o risco de morte é pra-ticamente nulo", lembrou a organização, des-tacando que o custo deste tratamento é deapenas 20 cêntimos de euro por criança."Por ter constatado os males causados peladiarreia e o efeito salvador, quase mila-groso, da combinação de soro e zinco,espero sinceramente que consigamos oapoio de que precisamos", declarou OlivierFontaine, da OMS.A falta de iniciativa dos governos e políticosdas organizações mundiais, neste caso, é umcrime contra a humanidade.

Fonte: AFP

A revista National Geographic e o insti-tuto de pesquisa Globescan realizaramum inquérito a nível mundial para avaliaro impacto do estilo de vida dos con-sumidores sobre o meio ambiente echegaram à conclusão que estes têmvindo a dar uma crescente importânciaa esta questão. Uma mudança de atitudeque, no entanto, não tem motivaçõesexclusivamente altruístas, já que é emgrande medida estimulada pela crise eco-nómica.

EQUILÍBRIO E CONSUMO

Consumidores mais preocupados com meio ambienteDe acordo com as conclusões do estudo,conduzido através da Internet junto de 17mil consumidores de 17 países, Índia, Brasile China apresentaram as melhores pontua-ções no índice global "Greendex" ("ÍndiceVerde"), ao passo que americanos e cana-dianos se situaram no vermelho na escalade classificação. Espanhóis, alemães e fran-ceses, pelo contrário, têm vindo a melho-rar a sua prestação, mas na Rússia e noMéxico a situação deteriorou-se em rela-ção aos resultados do ano passado.

A recessão económica teve um papelimportante para a mudança de hábito namaioria dos países, dizem os autores doestudo, que se questionam se estas mudan-ças positivas terão continuação após arecuperação econômica. "Esperemos queas atitudes ecológicas que os consumido-res têm vindo a adoptar para economizarpassem a fazer parte de seu estilo de vida",afirma Terry Garcia, vice-presidente daNational Geographic.

Fonte: AFP

BREves

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CONTAS EXERCÍCIOS2008 2007

APLICAÇÕES DO CAPITAL Bruto Amortiz. Líquido LíquidoImobilizado:Imobilizações Incorpóreas:

431 Despesas de Instalação 35.51 € 35.51 € 0.00 € 0.00 €433 Propriedade Intelectual e outros direitos 1,765.71 € 1,293.21 € 472.50 € 0.00 €

1,801.22 € 1,328.72 € 472.50 € 0.00 €Imobilizações Corpóreas:

423 Equipamento Básico 17,646.61 € 14,146.34 € 3,500.27 € 4,088.00 €425 Ferramentas e Utensilios 0.00 € 0.00 € 0.00 € 0.00 €426 Equipamento Administrativo 15,925.70 € 14,025.14 € 1,900.56 € 1,341.44 €429 Outras Imobilizações Corpóreas 1,111.41 € 1,111.39 € 0.02 € 0.02 €

34,683.72 € 29,282.87 € 5,400.85 € 5,429.46 €Circulante:Existencias:

32 Mercadorias 53,057.66 € 0.00 € 53,057.66 € 41,051.96 €53,057.66 € 0.00 € 53,057.66 € 41,051.96 €

Dividas de Terceiros:211 Clientes C/C 17,120.87 € 0.00 € 17,120.87 € 33,638.71 €229 Adiantamentos a Fornecedores 0.00 € 0.00 € 0.00 € -19,923.54 €24 Estado e Outros Entes Publicos 13,144.85 € 0.00 € 13,144.85 € 14,314.23 €268 Outros Devedores 14,963.94 € 0.00 € 14,963.94 € 14,963.94 €

45,229.66 € 0.00 € 45,229.66 € 42,993.34 €Depósitos Bancários e Caixa

12 Depósitos Bancários 20,427.53 € 0.00 € 20,427.53 € 69,407.45 €11 Caixa 4.61 € 0.00 € 4.61 € 441.29 €

20,432.14 € 0.00 € 20,432.14 € 69,848.74 €Acréscimos e Diferimentos

272 Custos Diferidos 400.00 € 0.00 € 400.00 € 3,680.00 €400.00 € 0.00 € 400.00 € 3,680.00 €

TOTAL DO ACTIVO 155,604.40 € 30,611.59 € 124,992.81 € 163,003.50 €

CONTAS EXERCICIOS2008 2007

ORIGENS DO CAPITAL Bruto Amortiz. Liquido LiquidoCapital

521 Quotas Proprias 5,000.00 € 0.00 € 5,000.00 € 5,000.00 €5,000.00 € 0.00 € 5,000.00 € 5,000.00 €

Reservas574 Reservas Livres 7,002.06 € 0.00 € 7,002.06 € 5,677.01 €591 Resultados Transitados 111,353.75 € 0.00 € 111,353.75 € 99,428.29 €

118,355.81 € 0.00 € 118,355.81 € 105,105.30 €

88 Resultado Liquido do Exercicio -27,468.28 € 0.00 € -27,468.28 € 13,250.51 €

TOTAL DO CAPITAL PRÓPRIO 95,887.53 € 0.00 € 95,887.53 € 123,355.81€Dividas a Terceiros:

221 Fornecedores C/C 18,396.58 € 0.00 € 18,396.58 € 17,287.85 €228 Fornecedores-Fact.Recp.Conferencia 0.00 € 0.00 € 0.00 € 0.00 €24 Estado e Outros Entes Publicos 2,588.09 € 0.00 € 2,588.09 € 6,739.81 €268 Outros Credores 3,249.81 € 0.00 € 3,249.81 € 11,798.03 €273 Acrescimos de custos 4,870.80 € 0.00 € 4,870.80 € 3,822.00 €

29,105.28 € 0.00 € 29,105.28 € 39,647.69 €

TOTAL DO PASSIVO 29,105.28 € 0.00 € 29,105.28 € 39,647.69 €

TOTAL DO CAPITAL PRÓPRIO E PASSIVO 124,992.81 € 0.00 € 124,992.81 € 163,003.50 €

Profedições, lda.Balanço Financeiro e Demonstração de Resultados – Relativos ao ano de 2008

O Técnico Oficial de Contas n.º 54277

Jorge Silva CruzO Sócio-Gerente

José Paulo Serralheiro

CONTAS EXERCÍCIOS2008 2007

CUSTOS E PERDAS61 Custo das Merc.Vend. E Cons.

Mercadorias 5,473.49 € 5,473.49 € 12,267.34 € 12,267.34 €

62 Fornecimentos e Serviços Externos 138,975.09 €138,975.09 € 153,894.79 € 153,894.79 €64 Custos com o Pessoal642 Remunerações 28,959.61 € 33,291.50 €645 Outros 7,380.25 € 36,339.86 € 12,209.13 € 45,500.63 €66 Amortizações do Imobilizado

Corpóreas e incorpóreas 3,223.66 € 3,223.66 € 3,172.99 € 3,172.99 €63 Impostos 127.94 € 42.70 €65 Outros Custos e Perdas Operacionais 1,058.93 € 1,186.87 € 5,710.61 € 5,753.31 €

( A ) 185,198.97 € 220,589.06 €Juros e Custos Similares

683 Outros 13.00 € 4.94 €( C ) 185,211.97 € 220,594.00 €

69 Custos e Perdas Extrordinárias 918.58 € 2,448.18 €( E ) 186,130.55 € 223,042.18 €

86 Imposto sobre Rendimento do Exercicio 0.00 € 6,105.60 €( G ) 186,130.55 € 229,147.78 €

88 Resultado Liquido do Exercicio -27,468.28 € 13,250.51 €158,662.27 € 242,398.29 €

PROVEITOS E GANHOS71 Vendas - Mercadorias 16,113.22 € 24,500.25 €72 Prestações de Serviços 141,872.24 € 217,106.65 €73 Proveitos Suplementares 458.77 € 791.39 €

( B ) 158,444.23 € 242,398.29 €Outros Juros e Proveitos Similares

781 Outros 0.00 € 0.00 €( D ) 158,444.23 € 242,398.29 €

79 Proveitos e Ganhos Extrordinarios 218.04 € 0.00 €( F ) 158,662.27 € 242,398.29 €

RESUMOResultados Operacionais: ( B )-( A ) -26,754.74 € 21,809.23 €Resultados Financeiros: ((D)-(B))-((C)-(A)) -13.00 € -4.94 €Resultados Correntes: ( D )-( C ) -26,767.74 € 21,804.29 €Resultados Antes dos Impostos: ( F )-( E ) -27,468.28 € 19,356.11 €Resultados Liquidos do Exercicio: (F )-( G ) -27,468.28 € 13,250.51 €

O Técnico Oficial de Contas n.º 54277

Jorge Silva CruzO Sócio-Gerente

José Paulo Serralheiro

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rofediçõesa sua outra editora

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Rua D. Manuel II, 51 C, 2.º andar, Sala 25 | 4050-345 PORTO (Portugal)

Liberdade

Aqui nesta praia onde

Não há nenhum vestígio de impureza,

Aqui onde há somente

Ondas tombando ininterruptamente,

Puro espaço e lúcida unidade,

Aqui o tempo apaixonadamente

Encontra a própria Liberdade

Sofia de Mello Breyner Andresen

DE

VE

SA

S

DE04492009GSCP/SNC