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AVALIAÇÃO EM EDUCAÇÃO FÍSICA NO CONTEXTO ESCOLAR E SEU PAPEL SOCIAL: algumas reflexões 1 Denise Pirolo 2 Regina Taam 3 Resumo: O objetivo deste estudo é analisar o papel social da avaliação em Educação Física e das demais áreas do contexto escolar, sob a óptica do materialismo histórico. Na organização do trabalho docente, as Diretrizes Curriculares de Educação do Estado do Paraná sugerem o entendimento da Pedagogia Histórico-Crítica, para que a educação caminhe no sentido da emancipação humana. Assim, sob orientação do Programa de Desenvolvimento Educacional PDE, um coletivo de professores discute o processo de aproximação/distanciamento entre o conhecimento específico de cada área e os objetivos comuns da educação. Os dados analisados apresentam elementos limitantes e decisivos ao que foi proposto e, ainda, revela a quem e a que serve a avaliação que se dá no processo do ensino/aprendizagem. Palavras-chave: Avaliação da aprendizagem. Educação Física. Materialismo histórico. Abstract: The objective of this study is to analyze the social role of evaluation in Physical Education and in other areas of the school context, under the historic materialism view. To the organization of the teachers work The Diretrizes Curriculares of Parana State suggest the understanding of the historic-critical Pedagogy in order education goes to the sense of human emancipation. So, under the orientation of the Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE (Educational Development Program – EDP) a study group of teachers discusses the approximation/removal between the specific knowledge of each area and the educational objectives. The analyzed data present limited and conclusive elements to what was proposed and revels to whom and to what serves the evaluation that happens in the teaching/learning process. Key words: Learning evaluation. Physical Education. Historic materialism. 1 Este artigo é o trabalho final do Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE 2008, dezembro de 2009. 2 Profª. Esp. da Rede Pública de Ensino do Paraná, doutoranda pela Universidade de Barcelona e membro do Grupo Edufesc pela Universidade Estadual de Maringá. 3 Orientadora PDE Profª. Doutora da Universidade Estadual de Maringá.

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AVALIAÇÃO EM EDUCAÇÃO FÍSICA NO CONTEXTO ESCOLAR E SEU PAPEL SOCIAL: algumas reflexões1

Denise Pirolo2

Regina Taam3

Resumo: O objetivo deste estudo é analisar o papel social da avaliação em Educação Física e das demais áreas do contexto escolar, sob a óptica do materialismo histórico. Na organização do trabalho docente, as Diretrizes Curriculares de Educação do Estado do Paraná sugerem o entendimento da Pedagogia Histórico-Crítica, para que a educação caminhe no sentido da emancipação humana. Assim, sob orientação do Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE, um coletivo de professores discute o processo de aproximação/distanciamento entre o conhecimento específico de cada área e os objetivos comuns da educação. Os dados analisados apresentam elementos limitantes e decisivos ao que foi proposto e, ainda, revela a quem e a que serve a avaliação que se dá no processo do ensino/aprendizagem.

Palavras-chave: Avaliação da aprendizagem. Educação Física. Materialismo histórico.

Abstract: The objective of this study is to analyze the social role of evaluation in Physical Education and in other areas of the school context, under the historic materialism view. To the organization of the teachers work The Diretrizes Curriculares of Parana State suggest the understanding of the historic-critical Pedagogy in order education goes to the sense of human emancipation. So, under the orientation of the Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE (Educational Development Program – EDP) a study group of teachers discusses the approximation/removal between the specific knowledge of each area and the educational objectives. The analyzed data present limited and conclusive elements to what was proposed and revels to whom and to what serves the evaluation that happens in the teaching/learning process.

Key words: Learning evaluation. Physical Education. Historic materialism.

1 Este artigo é o trabalho final do Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE 2008, dezembro de 2009. 2 Profª. Esp. da Rede Pública de Ensino do Paraná, doutoranda pela Universidade de Barcelona e membro do Grupo Edufesc pela Universidade Estadual de Maringá. 3 Orientadora PDE Profª. Doutora da Universidade Estadual de Maringá.

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I ntrodução

Com as críticas advindas desde a década de 80, quando a Educação Física passa a

estudar o que lhe é específico (a cultura corporal), buscando o sentido da Educação

(emancipação humana), as Diretrizes Curriculares da Educação do Estado do Paraná – DCEs

sugere que as ações pedagógicas haja uma aproximação da concepção materialista. Contudo,

a concretização e coerência nas práticas avaliativas, que integram o processo do

ensino/aprendizagem, ainda ficaram reduzidas ao resultado do desempenho apresentado e na

atribuição de notas.

Para enfrentar esta fragilidade da organização do trabalho pedagógico, surgiu a

necessidade de estudar o papel social da avaliação em Educação Física no contexto escolar.

Ciente que o sentido dado à educação se concretiza na práxis, além da Educação Física, os

professores das demais áreas de conhecimento envolveram-se nesse grupo de estudos.

O grupo formado é fruto da Intervenção Pedagógica constitutiva da formação

continuada da Rede Pública Estadual de Ensino do Estado do Paraná, por intermédio do

Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE 2008, no âmbito da Educação Básica. A

leitura dos dados coletados possibilitou evidenciar, defender, fundamentar, aprofundar e

sugerir alternativas possíveis sobre o tema abordado. Os dados foram tratados à luz da

pesquisa qualitativa, visando que o objetivo da Educação Física seja, assim, concretizado na

proximidade do objetivo da Educação: a emancipação humana.

O Papel Social da Avaliação

A avaliação é um processo importante no meio educativo e estudá-la é um desafio. Ela

que permite, no processo de ensino/aprendizagem, constatar a aproximação com o objetivo

proposto. Neste sempre existe uma intencionalidade: a quem serve e para que serve a

avaliação e deixa expresso o aluno que se quer formar. Conscientes ou não deste fato, se faz

necessário buscar o entendimento sobre o sentido que é dado ao conhecimento escolar, por

meio da avaliação.

O processo de conhecimento é sempre provisório, está em constante movimento, é

dialético, não é definitivo e nem linear. A avaliação segue a lógica de seu tempo, Souza

(1983), citado por Terra e Antas (2006, p. 84) consideram que ela se configura conforme uma:

- tendência clássica - privilegia o aspecto quantitativo da avaliação cuja verificação se remete ao controle da aprendizagem para saber se os objetivos da disciplina foram atingidos ou não. Ela ocorre através da demonstração daquilo que foi apreendido pelo

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aluno, mediante testes de medidas com escalas métricas ou tabelas que indicam um valor (a nota);

- tendência humanista-reformista - privilegia as mudanças qualitativas ocorridas no interior do indivíduo promovendo sua participação no momento avaliativo através da auto-avaliação e evitando a padronização de produtos da aprendizagem;

- tendência crítico-social - considera a avaliação um processo de conhecimento questionador da realidade social para buscar transformá-la através da participação democrática, responsabilidade, convivência, compromisso e auto-avaliação.

Com o fim da ditadura no Brasil na década de 80, abriu-se a possibilidade de

discussões sobre o papel da escola frente à atual sociedade. Nesta abertura da educação, com

intencionalidade à emancipação do homem, a Secretaria de Estado da Educação desde 1990 e

2003 a 2008, vem se manifestando por meio dos cadernos pedagógicos, de eventos de

formação continuada e das Diretrizes Curriculares de Educação do Paraná - DCEs. Nelas,

sugere-se, mesmo que de forma um pouco confusa, que seja considerada a pedagogia

Histórico-Crítica, no trato do conhecimento, junto ao aluno que se quer formar na rede

estadual.

Nos últimos anos, várias versões das DCEs foram elaboradas e, em especial, a

Educação Física recebeu forte influência da metodologia crítico-superadora de um coletivo de

autores. Dentre as proposições para esta área de conhecimento, esta é a que mais se aproxima

da pedagogia histórico-crítica (Saviani), da perspectiva teórica sócio-cultural (Vigotski) e do

método materialista (Marx e Engels).

Fundamentados nessa breve retomada, o nosso objetivo para a implementação foi o de

diagnosticar qual é o papel da avaliação em Educação Física, e nesta direção, levantar as

possibilidades de avaliação, enquanto indicadora da emancipação do homem, fato pertinente a

todas as áreas de conhecimento no contexto escolar.

Durante a implementação, os professores (com diferentes funções - gestores,

pedagogos - e professores de diferentes áreas de conhecimento) tiveram acesso ao Projeto. Ele

problematizou a avaliação no contexto escolar; enfatizou como vem sendo apropriada no

movimento da história; denunciou a relação dicotômica entre teoria/prática e revelou a

intencionalidade dos ditames da classe dominante.

Os dados coletados na pesquisa realizada em 44 horas de encontros auxiliaram na

interpretação do objeto de estudo. Destas, 28 horas tomaram a forma de grupo de estudo sobre

o tema; 8 horas de estudos não presenciais; e outras 8 horas de implementação junto aos

alunos. Os dias e horários foram acordados entre os participantes.

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As considerações feitas, nos encontros da implementação, sobre práticas avaliativas,

seguiram algumas questões temáticas: Faz-se necessário transformar a sociedade posta? A

escola deveria atuar na transformação ou na reprodução da sociedade? Qual o papel da

avaliação no processo de ensino? Outros temas deram subsídios de reflexão aos anteriores e

referiam-se à organização do trabalho pedagógico (o que temos): Qual a preocupação ao

elaborar uma avaliação? O que incomoda, perturba ou é contraditório no processo da

avaliação? O Projeto Político Pedagógico e as Diretrizes Curriculares da Educação do Estado

do Paraná servem como sentido na hora da elaboração de sua avaliação?

Diante destes temas e sendo a Avaliação um tema polêmico, ficou combinado que as

dúvidas substituíssem qualquer tipo de desconforto que, por ventura surgissem. Ao mesmo

tempo, elas deveriam ser expostas aos demais mesmo se tratando de preconceitos. Nos

encontros, dos dez iniciantes que participaram, cinco efetivaram suas contribuições com

relação às questões temáticas anteriormente mencionadas e que serão comentadas no

transcorrer do artigo em forma de reflexões.

Reflexões sobre a avaliação – o que temos

As principais preocupações sobre a avaliação se destacaram quanto à:

Preocupação sobre a técnica ou a forma da avaliação [...] o tempo para a resolução da mesma.

[...] a correção de forma rápida para que os resultados possam ser percebidos e utilizados para trabalhar as defasagens [...]

[…] como elaborá-la de forma clara […]

[...] se a linguagem está adequada ao nível do meu aluno [...]

Na hora de fazer uma prova é necessário ter a consciência de que esta atividade avaliativa deva ter várias formas de avaliação, ou seja, questões abertas, de “x”, de verdadeiro ou falso, e buscar sempre criar uma forma em que na própria prova o aluno encontre palavras que depois juntando-se podem fazer ele relembrar as explicações e assim ir conseguindo responder as questões perdidas.

Preocupação sobre o conteúdo e a avaliação [...] coerência do conteúdo solicitado com o aplicado.

[...] procuro dar ênfase para os trabalhos desenvolvidos em sala, mesmo que com consulta e em grupo, tendo assim a oportunidade de observar como cada um resolve suas atividades e reage diante das dificuldades encontradas.

É de conseguir abordar os conteúdos prioritários e básicos indispensáveis para a fundamentação teórica a que me propus em cada momento [...].

Quanto à correção a preocupação é estar atenta e sempre comparar o resultado da avaliação com o desenvolvimento do aluno durante o período, [...].

[...] se estou sendo ou não justo com meu aluno (não estou ferrando).

As preocupações são muitas, como o que contemplar [...].

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[...] segundo Gasparin (2002) é necessário levantar o que os alunos sabem, o que querem saber mais, acompanhar e considerar seu conhecimento prévio e observar sua modificação no final do conteúdo aprendido [...]

Preocupação sobre os objetivos [...] se os objetivos estão realmente contemplados [...].

As preocupações são muitas, como [...] o que o aluno quer naquela avaliação, o que se espera, sempre pensando que a avaliação não se dá num vazio conceitual e sim num modelo teórico de mundo e de educação [...]

As respostas revelam duas grandes preocupações: uma particular e outra geral. Na

particular, encontramos o papel específico da área de conhecimento expressado no processo

avaliativo e, na geral, encontramos o papel social: o sentido dado à educação por meio do

papel específico. Não necessariamente ou explicitamente, estas duas preocupações ocorreram

em um mesmo profissional. À primeira vista, parece-nos que a preocupação com o particular

é maior. É provável que esta preocupação também seja a de tantos outros professores.

É muito importante o equilíbrio entre o particular e o geral. Os textos que denotam

preocupação de a avaliação incidir sobre a forma ou instrumentos (técnica), configuram-se em

atividades de: leitura (compreensiva de textos); pesquisa (bibliográfica ou campo); produção

de texto (relatório, scout, informe, registro, mapa conceituais, portfólios); apresentação oral

(palestras, seminários, debates e argumentos); experimentais (resolução de problemas,

laboratoriais, corporais); expressões (artísticas, corporais, audiovisuais); questões

(discursivas, objetivas, resolução de exercícios, alternativas, lacuna); trabalho em grupo ou

individuais, entre outros. Nesta relação entre os objetivos da área de conhecimento e da

educação, é que as formas avaliativas se constituem.

Junto à preocupação com os objetivos não há indícios sobre qual sentido é dado a eles

e nem qual modelo de sociedade está sendo referido. Será que o papel social, quando não

explícito nas formas avaliativas, tanto ao professor quanto ao aluno, favorece que seja

impossibilitado na práxis?

Práxis é um conjunto de todas as objetivações humanas, é a constante negação da

realidade daquilo que não se quer, motivada pela consciência. Esta é determinada pela

realidade que se quer negar e só pode ser negada apreendendo o concreto no pensamento. A

partir do concreto apreende-se a realidade, identificam-se as determinações e projeta-se a

possibilidade de se negar a objetividade para colocar outra em seu lugar. Quando se apreende,

no pensamento, o objetivado, há possibilidade de um vir-a-ser, de transformar esta

objetividade. Recolher no pensamento as determinações que se pode, depende do nível de

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concretude do pensamento, para elaborar um vir-a-ser. Ao projetá-la no pensamento só há

negação quando se coloca outra objetividade em seu lugar. A nova objetividade traz ou gera

nova consciência. A objetividade é decidida, a subjetividade é elemento transformador.

Subjetividade é a negação da objetividade. Subjetividade/objetividade formam uma unidade

dialética. Quanto maior o nível do conhecimento, mais a práxis terá profundidade e múltiplas

determinações poderão ser levantadas. Ao contrário, ao ter um concreto pensado débil, haverá

uma transformação não efetivada. Desde a realidade reconstruo o pensamento e ele é

teleológico (capaz de estabelecer um objetivo). Um objetivo é sempre negação, o pensamento

é sempre negação da realidade, não basta negar no pensamento, nossa prática deve estar

orientada por esta negação. (DE FREITAS, 2009)4

O princípio determinante da práxis é o objetivo futuro teleologicamente posto. O

caráter teleológico significa que o ser humano é o único capaz de pôr uma finalidade em sua

ação, é o único que se orienta pelo fim, pelo objetivo a ser conquistado. Por isso, o sentido

precisa estar explícito em todas as partes, desde o contexto escolar (a realidade), passando

pelas ações pedagógicas, leis e decretos, diretrizes, regulamentos, Projeto Político Pedagógico

- PPP da escola, Proposta Pedagógica Curricular - PPC da área de conhecimento, Planos de

Trabalho Docentes – PTD, Planos de Ações pedagógicas e administrativas.

Nesse processo de constituição, é fundamental que as descobertas humanas, a sua apreensão da realidade, enfim, o conhecimento produzido seja generalizado para que aconteça a reprodução social. São os indivíduos na sua cotidianidade que realizam a apreensão do real, mas se suas descobertas não foram generalizadas, se não se tornam de domínio do gênero humano, em nada contribuem, na verdade não existem enquanto objetivação humano-social. É nesse processo que se faz necessária a educação. (MELLO, 2009, p. 98)

Ou seja, não basta haver um equilíbrio entre ambos os papéis, tanto o professor como

o aluno, deve ter clareza deles. Se o papel da avaliação se expressa principalmente pela forma

(instrumentos ou técnicas), este poderia estar subjugando o sentido que ela assume na

formação humana para ambos os sujeitos. A forma sempre está a serviço do papel social.

Freitas (2006) entende que o trabalho, que se caracteriza no contexto escolar (das

teorias pedagógicas geradas na prática e da didática construída coletivamente), acontece

quando professores e alunos tornam-se sujeitos e objetos, tanto no processo de apropriação do

conhecimento como no controle sobre ele. O autor ainda aponta a possibilidade de que a

4 Manuscrito registrado durante encontros do Espaço Marx. Esse Espaço foi criado em 1998 e se constitui num grupo de militantes marxistas, não necessariamente ligados a algum partido político, a fim de persistir nos estudos sobre a obra de Karl Marx (economista alemão, considerado um dos fundadores da sociologia), numa perspectiva de promover a transformação revolucionária.

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avaliação seja o pivô do poder da organização do trabalho pedagógico. Trata-se do ato de

refletir, questionar ou duvidar das próprias práticas com finalidade de obter maior clareza das

crenças que são possibilitadas na práxis.

Diante destas colocações e do objetivo do presente estudo, aprofundaremos em

algumas reflexões sobre o que pode estar por trás do papel da avaliação e o que isso pode

significar e, assim, buscar maior aproximação com o materialismo histórico.

Relação entre os objetivos da área de conhecimento e o da educação O papel específico sugerido pelas Diretrizes Curriculares do Paraná para ensino básico

traz como objeto de estudo a cultura corporal para a Educação Física, na particularidade de

elementos constitutivos (ginástica, lutas, danças, esporte e jogos e brincadeiras). Sobre seu

papel social ou sobre a determinação de um alvo aonde se quer chegar com o aluno, traz como

sentido dado à educação – a emancipação humana. Da mesma maneira é expressa na

Pedagogia Histórico-Crítica. Não obstantes, o Coletivo de Autores (1993) declara que os

dados diagnosticados e julgados da realidade dependem da perspectiva de classe de quem

reflete, poderá se objetivar conservador ou transformador.

Todos os professores da implementação são pertinentes a classe dos trabalhadores,

conscientes ou não. Deles espera-se que na avaliação haja articulação entre o particular e o

geral para alcançar a noção de totalidade. Quando o homem busca a noção de totalidade está

relacionando a atividade trabalho, no caso, com outras dimensões condicionantes da

humanidade. O materialismo histórico chega a essa compreensão por meio do pensamento

dialético. Nele nega-se a aparência do fenômeno para indagar sua condição de ser como é. Ou

entende-se as condições sociais que determinam sermos o que somos.

Qualquer objeto que o homem possa perceber ou criar é parte de um todo. Em cada ação empreendida, o ser humano se defronta, inevitavelmente, com problemas interligados. [...] é a partir da visão de conjunto que a gente pode avaliar a dimensão de cada elemento do quadro. A síntese é a visão do conjunto que permite ao homem descobrir a estrutura significativa – que a visão de conjunto proporciona – que é chamada de totalidade. (KONDER, 1993, p. 37)

No caso das DCEs da Educação Física os elementos constitutivos da cultura corporal

são articulados com: o corpo, a mídia, as técnica e tática, a desportização, a ludicidade/lazer, a

saúde, a diversidade e, principalmente, o mundo do trabalho.

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Estudar a cultura do homem se refere em entender como ela vem se constituindo no

movimento da história e interferindo nela. Somente o homem faz história. Para Leontiev

(2004)

o homem não nasce dotado das aquisições históricas da humanidade. Resultando estas do desenvolvimento das gerações humanas, não são incorporadas nem nele, nem nas suas disposições naturais, mas no mundo que o rodeia, nas grandes obras da cultura humana. Este processo coloca-o, por assim dizer, aos ombros das gerações anteriores e eleva-o muito acima do mundo animal. (p. 301)

O homem se constitui em ser social, diferenciando-se dos outros animais, quando

superou a constituição biológica e natural por meio do trabalho. Condicionado pela sua

organização corporal, ao produzir seus meios de vida, os homens produzem, indiretamente,

sua própria vida material. O homem supera, cria ou constrói sua história e, com ela, sua

cultura. O ato de aprender é a própria vida. No processo de trabalho o homem planeja e

instrumentaliza o próprio trabalho, para saciar suas necessidades. Ao saciá-las, foi

desenvolvendo capacidades psíquicas superiores e abastecendo-as para dar conta de atender a

novas necessidades. Com o passar dos tempos, dominou a natureza, o animal e o próprio

homem. O processo de avaliação está intrinsecamente relacionado à atividade

objetiva/subjetiva de apropriação da subjetivação/objetivação que o homem realiza em seu

processo de satisfazer suas necessidades. Por isso,

o homem está constantemente ‘avaliando’ suas realizações por meio de um permanente confronto entre o realizado e suas novas necessidades. As contradições entre o pensado e o real são uma poderosa fonte de motivação para o homem estabelecer novos objetivos. Objetivos e avaliação estão em permanente interação. (FREITAS, 2006, p. 13, grifo nosso)

Nesta cultura, o corpo é constituído pela lógica de dominação que o trabalho assume

no sistema capitalista. Isto implica considerar que ao se percorrer a história há destaque à

uniteralidade que o homem se sujeita e cria.

Em outras palavras, considera-se que a forma industrial de larga escala de trabalho,

nas condições capitalistas, exerce influência unilateral e incapacitante sobre o homem,

provocando um retardo no desenvolvimento pessoal e corrupção na personalidade humana.

“Quanto mais ‘avançada’ a sociedade capitalista, mais unilateralmente centrada na produção

de riqueza reificada como um fim em si mesma e na exploração das instituições educacionais

em todos os níveis, desde as escolas preparatórias até as universidades – também na forma da

‘privatização’ promovida com suposto zelo ideológico pelo Estado – para a perpetuação da

sociedade de mercadorias”. (MÉSZÁROS, 2008, p. 80)

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Por outro lado, o trabalho em condições apropriadas é fonte de desenvolvimento da

personalidade humana. Nestes termos, considera-se que “a educação deve desempenhar o

papel central na transformação do homem, nesta estrada de formação social consciente de

gerações novas, a educação deve ser a base para alteração do tipo humano histórico”

(VIGOTSKI, 1930, p. 6).

O movimento da história só é, portanto, possível com a transmissão, às novas gerações, das aquisições da cultura humana, isto é, com educação. Quanto mais progride a humanidade, mais rica é a prática sócio-histórica acumulada por ela, mais cresce o papel específico da educação e mais complexa é a sua tarefa. Razão por que toda etapa nova no desenvolvimento da humanidade, bem como dos diferentes povos, apela forçosamente para uma nova etapa no desenvolvimento da educação: o tempo que a sociedade consagra à educação das gerações aumenta; criam-se estabelecimentos de ensino, a instrução toma formas especializadas, diferencia-se o trabalho do educador do professor; os programas de estudo enriquecem-se, os métodos pedagógicos aperfeiçoam-se, desenvolve-se a ciência pedagógica. Esta relação entre o progresso histórico e o progresso da educação é tão estreita que se pode sem risco de errar julgar o nível geral do desenvolvimento histórico da sociedade pelo nível de desenvolvimento do seu sistema educativo e inversamente. (LEONTIEV, 1978, p. 291)

O fato é que, nascemos e integramo-nos num ambiente cultural-industrial existente e

que acarreta transformações profundas no comportamento, por meio do desenvolvimento de

mecanismos e funções específicas necessárias à sobrevivência do ambiente. É neste processo

de trabalho que se dá a reprodução da cultura humana, a criação de novos conhecimentos e

que o homem se humaniza. O trabalho não faz parte da sua natureza, mas foi por meio dele

que a atual sociedade se estruturou. Nela, o homem é separado de seu produto de trabalho

(processo de alienação), o homem passa a não trabalha para si mesmo e sim para outra pessoa.

Alienado passa a se formar competente e habilidoso para o mercado de trabalho, sem

compreender a lógica do mundo do trabalho que o cerca, desumaniza-se ou embrutece.

Nas descrições clássicas do período inicial do capitalismo, Marx enfatiza frequentemente o tema da corrupção da personalidade humana que é provocada pelo crescimento da sociedade capitalista industrial. Em um dos extremos da sociedade, a divisão entre o trabalho intelectual e o físico, a separação entre a cidade e o campo, a exploração cruel do trabalho da criança e da mulher, pobreza e a impossibilidade de um desenvolvimento livre e completo do pleno potencial humano, e no outro extremo, ócio e luxo; disso tudo resulta não só que o tipo humano originalmente único torna-se diferenciado e fragmentado em vários tipos nas diversas classes sociais que, por sua vez, permanecem em agudo contraste umas às outras, mas também na corrupção e distorção da personalidade humana e sua sujeitação a um desenvolvimento inadequado, unilateral em todas estas diferentes variantes do tipo humano. (VIGOTSKI, 1930, p. 2)

“O grave fato de a desumanizante jornada de trabalho dos indivíduos representar

também a maior parte de seu tempo de vida teve de ser desumanamente ignorado”

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(MÉSZÁROS, 2008, p. 65). A desumanização do próprio homem independente da classe

(dominantes ou dominados) que pertence; alienado ele faz avaliação de si mesmo e da

sociedade que o rodeia, sem perceber que constrói a sociedade posta e se sente infeliz com

ela.

O homem é quem faz a História e, à medida que a faz, transforma-a e é transformado

por ela. Os homens se educam à medida que são educados pela sociedade. A sociedade como

está posta é alienante e dividida em classes sociais (classe dos dominantes e classe dos

dominados) que lutam, ideologicamente, entre si. A alienação prevalece na estrutura

capitalista. Contudo, existe a possibilidade de transformá-la. Mello (2009) diz que

na Educação Física histórico-concreta, sua necessidade histórica está atrelada às funções sociais da sociabilidade que a criou. Isto implica não só a reprodução social, mas a reprodução das contradições inerentes a ela. Contradições que abrem possibilidades de impulsionar as relações sociais para além da sociedade posta, produzindo a necessidade da busca dos meios para a sua superação radical. (p. 16)

A Secretaria de Educação do Paraná se posiciona da seguinte forma:

[...] a construção da sociedade é feita por todos os homens e não pelos poderes públicos. Esperar por normas, diretrizes, pareceres, de como deve ser pensado e encaminhado este novo homem da sociedade e na escola é postura de quem não sabe como se constitui a história, é postura de quem não quer que a sociedade se transforme. A escola não pode esperar por Reformas Legais de ensino para enfrentar a realidade que lhe afoga. Além do mais, a atitude de esperar ‘por decretos’ para que propósitos e atividades sejam delineadas e iniciadas reflete o descompromisso de muitos e a responsabilização de poucos com aquilo que deveria ser transformado. A escola tem uma vida interior que, sem ser alterada por código legislativo, pode trabalhar com o homem em nova dimensão, bastando para isso que seus membros se disponham a estabelecer um novo projeto de reflexão e de ação. (PARANÁ, 1986, p. 10, grifo nosso)

Realmente, esperar que a consciência de que somos sujeitos históricos transformados e

transformadores da própria história seja decretada é reduzir o poder da história nas mãos de

alguns, é fragmentar o fazer da história. O ato intelectual da história não é privilégio de

poucos.

Tampouco a educação não é privilégio da escola. A educação é teleológica e

pertinente a todos os sujeitos históricos, também aos professores das escolas e que constituem

a própria Secretaria de Educação. Além disso, as relações sociais não são determinadas pela

escola; elas refletem a lógica dos meios de produção adotados pela sociedade. As relações na

sociedade capitalistas ocorrem numa relação de dominação e desigualdade entre duas classes

distintas.

Apesar de a lei garantir igualdade para todos, no concreto histórico encontra-se os meios para garantir as diferenças individuais do ponto de vista da sociedade. Os mais

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aptos, socialmente, permanecem na situação de mais aptos e os menos aptos, do mesmo ponto de vista, permanecem menos aptos. Ou seja, o ritual pedagógico não propicia nenhuma modificação na distribuição social das pessoas, e, assim sendo, não auxilia a transformação social. (LUCKESI, 2005, p. 36)

Contudo, Mészáros (2008, p. 65) adverte: “o papel da educação é soberano, tanto para

a elaboração de estratégias apropriadas e adequadas para mudar as condições objetivas de

reprodução, como para a automudança consciente dos indivíduos chamados a concretizar a

criação de uma ordem social metabólica radicalmente diferente”.

Vale à pena ressaltar que a apreensão da realidade percorre o entendimento do

trabalho.

O trabalho, categoria fundante do ser social, tem como essência a relação entre teleologia e causalidade, que são ontologicamente distintas, mas igualmente reais e formam uma unidade cuja síntese é o ser social. [...] só pode valorar o existente com base em finalidades projetadas no escopo do trabalho – portanto apenas pode operar no interior da complexa articulação teleologia/causalidade que funda o ser social. (MELLO, 2009, p.93, grifo nosso)

Até que seja superada, a pedagogia histórico-crítica é a que melhor se ocupa em

possibilitar que o aluno atribua sentido em sua caminhada, construa significados, estabeleça

relações, justifique, analise a realidade e crie condições para concretizar uma proposta de

romper a ordem metabólica.

Reflexões sobre os incômodos na avaliação – o que temos

A origem do termo avaliação na língua latina, na composição é a-valere, e significa

valorar algo ou dar valor a alguma coisa, ato ou curso de ação. “A verificação é uma ação que

‘congela’ o objeto; a avaliação, por sua vez, direciona o objeto numa trilha dinâmica de ação”.

(LUCKESI, 2005, p. 93)

Conscientes ou não, os incômodos registrados no grupo de estudos apontam para duas

situações distintas e, aparentemente, sinônimas: a do valor do conhecimento e da

quantificação dele. Destacamos os:

Incômodos sobre o valor e a nota O que me incomoda é imaginar que posso não estar avaliando para verificar a aprendizagem e sim para aprovação do aluno.

A preocupação dos alunos somente com as notas e não com o conhecimento, a falta de compromisso na preparação dos alunos durante o processo, para a obtenção de bons resultados.

O que mais incomoda no processo avaliativo é que o indivíduo deve ser medido no final das contas, planejamos estratégia de ação para garantir a aprendizagem do aluno e mesmo assim, a nota deve ser registrada como caráter formal administrativo.

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É o fato do aluno deixar claro que não estudou, pois não se preocupa ou não dá valor ao conteúdo da matéria, acredito que é a falta de consciência, o que lhe é prejudicial, pois influi em outras formas de avaliação como participação, conceitos, interesses em geral.

[...] hoje em dia os alunos têm o costume de colar ou até mesmo trocar as provas, uma vez que o interesse deles é de conseguir uma nota satisfatória mesmo que seu conhecimento esteja aquém do necessário. Este fato camufla o resultado e prejudica em muito a avaliação.

Ter que dar uma nota. Às vezes, um mesmo resultado para alguns alunos merece ser mais valorizado considerando o esforço e superação de suas dificuldades. É costume dos alunos compararem as provas e exigirem nota de tudo sentindo-se injustiçados quando para respostas semelhantes recebem notas diferentes. Eles não entendem que a avaliação se dá pelo processo como um todo, embora isto tenha sido explicado.

As considerações trazem em consideração que o valor é expresso em decorrência do

tempo necessário para elaborar o conhecimento. Não existe valor sem a energia gasta para sua

elaboração. Elaborá-lo não é uma condição individual, se o homem se apropria do

conhecimento acumulado por outros homens, há uma relação social por trás deste valor. O

conhecimento acumulado é tratado pela escola trocando-se o senso comum pelo científico, o

valor está no processo e no resultado e induz ao diagnóstico da realidade. À apropriação do

conhecimento acumulado historicamente pela humanidade pode estar sendo objetivada de

forma a reproduzir ou transformar a sociedade. Para transformá-la há que se diagnosticar o

sentido tomado durante o processo de apropriação do conhecimento para tomada de decisão;

para permanecer com a sociedade-posta, basta seguir as determinações-postas ou acreditar

que não há como ser alterada. É oportuno lembrar que

[...] a educação contínua do sistema do capital tem como cerne a asserção de que a própria ordem social estabelecida não precisa de nenhuma mudança significativa. Precisa apenas de uma ‘regulação mais exata’ em suas margens, que se deve alcançar pela metodologia idealizada do ‘pouco a pouco’. Por conseguinte, o significado mais profundo da educação contínua da ordem estabelecida é a imposição arbitrária da crença na absoluta inalterabilidade de suas determinações estruturais fundamentais. (MÉSZÁROS, 2008, p. 82, grifos do autor)

Nos incômodos fica aparente a confusão generalizada entre valor e nota quando se

pretende “atribuir valor” ao conhecimento, qualificando-o ou quantificando-o, com base num

comportamento.

[...] o ato de avaliar implica coleta, análise e síntese dos dados que configuram o objeto da avaliação, acrescido de uma atribuição de valor ou qualidade, que processa a partir da comparação da configuração do objeto avaliado com um determinado padrão de qualidade previamente estabelecido para aquele tipo de objeto. O juízo de valor, pela sua especificidade mesma, como processo humano, portanto social, reflete num posicionamento de não indiferença, o que significa obrigatoriamente um posicionamento e conseqüentemente uma decisão frente ao que se avalia, recaindo-se em três possibilidades de decisão: deixar, ou agir de forma que se mantenha a situação, o objeto ou a ação como se encontra, introduzir modificações para que o objeto avaliado se modifique positivamente ou suprimir a situação, a ação ou o objeto. (ZARNARDINI, p. 39-40)

13

Em outras palavras, estamos imersos numa sociedade capitalista e desde cedo, ao

entrarmos na escola, aprendemos a instrumentalizar a própria sociedade em sua intenção de

ser como é. Rapidamente adotamos a postura e moldes do gerenciamento empresarial para a

gestão escolar e, entre tantas nuances, fica fácil assimilar a nota como algo equivalente de

troca do conhecimento escolar apropriado. Neste caso, a lógica do capitalismo fica

incorporada na relação valor/nota. Mészáros (2008, p. 72) adverte-nos que “o grave e

insuperável defeito do sistema do capital consiste na alienação de mediações de segunda

ordem [entre eles a relação de troca orientada para o mercado e o trabalho] que ele precisa

impor a todos os seres humanos, incluindo-se as personificações do capital”.

A educação é fruto da sociedade como um todo e a escola é somente uma parte dela. O

papel social da avaliação é influenciado pelos movimentos históricos e incide sobre qualquer

área de conhecimento, inclusive a Educação Física. A Educação Física é parte de um todo. A

escola está inserida no contexto educacional, é uma parte da educação como um todo. A

educação está inserida no sistema educacional, que está inserido no sistema político e este,

por fim, inserido no sistema econômico. Podemos concluir que os determinantes sociais

incidem seus condicionantes na avaliação. Ela é uma parte da educação que acaba refletindo

toda intenção do meio em que vivemos, consigo traz a totalidade.

Tratar da avaliação, por intermédio da lógica da fragmentação, fica confuso perceber

as diferenças entre valor e nota ou conceito. O ato de quantificar (nota) ou qualificar

(conceito) subentende-se, mas não garante, que houve uma troca do senso comum por

conhecimento científico. O senso comum pode ser trocado pelo científico sem a existência da

nota e do conceito. Eles são apenas a denominação do conhecimento incorporado na forma de

escala. Estes são o equivalente a uma quantificação do conhecimento e, ao simbolizarem um

valor, deixam a impressão de que expressam o valor em si mesmo. Seguindo a lógica de que

o conhecimento é organizado pela nota ou conceito, fica o fetiche de que são eles que dão o

valor no conhecimento, mas o valor está na energia gasta em sua apropriação e no tempo

decorrido no processo de troca entre senso comum e científico. O conceito e a nota são

respostas criadas para atenderem às necessidades administrativas de um sistema educacional e

servir aos interesses das relações sociais atuais. A nota, atrelada aos ditames do capitalismo,

favorece à classificação.

Se considerarmos a organização social por divisão do trabalho (intelectual e físico), e

nela o trabalho explorado (que lhe gera estranheza e, consequentemente, induz ao homem

14

negar-se a si mesmo nas relações que mantém com o mundo), é compreensível que a

valorização da apropriação do conhecimento seja tão estranha ao aluno. Todos que adotam

esta lógica como natural, acabam não se convencendo de que o valor do conhecimento

historicamente acumulado, em direção a emancipação humana, está no gasto de energia para a

sua apropriação. Por fim, desvalorizam a mediação entre professor e aluno, assim como

supervalorizam a nota ou o conceito.

Uma segunda confusão generalizada diz respeito à avaliação classificatória prevalecer

sobre a diagnóstica. Aluno julgado e classificado fica estigmatizado em anotações e registros

legais e definitivos, como nos arquivos dos históricos escolares ou nas médias de aprovação e

reprovação. Este fato alimenta a desvalorização do processo de tratar o conhecimento

cientificamente em detrimento da busca pelo resultado - a nota. Ela é, na escola, a coisificação

ou a reificação; é a desumanização do próprio homem.

Relação entre os critérios de avaliação e o sentido da educação

Por força da lei (LDBEN 9394/96), nota e conceitos são atribuídos aos sujeitos e são

derivadas de um juízo de valor. Isso significa ter uma afirmação qualitativa sobre um dado

objeto, a partir de critérios pré-estabelecidos, comparando-se aquilo que é relevante entre o

senso comum e o conhecimento científico, rumo ao sentido proposto.

O juízo emergirá dos indicadores da realidade que delimitam a qualidade efetivamente esperada do objeto. São os ‘sinais’ do objeto que eliciam o juízo. E, evidentemente, a seleção dos sinais que fundamentarão o juízo de valor dependerá da finalidade a que se destina o objeto a ser avaliado. (LUCKESI, 2005, p. 33)

Os critérios de avaliação também definem o sentido dado ao processo do

ensino/aprendizagem e explicitam os propósitos e a dimensão do que se avalia. Eles são

elementos que, no processo avaliativo, articulam todas as etapas da ação pedagógica com a

realidade. Neste caso, o instrumento passa a ser merecedor de atenção da intenção dada à

avaliação: a relação entre os objetivos da área de conhecimento e da educação.

Quanto mais os critérios estiverem explícitos ao professor e ao aluno, melhor será o

entendimento sobre qual sentido está sendo dado à educação, por meio da ação pedagógica e

avaliação.

Um educador, que se preocupe com que a sua prática educacional esteja voltada para a transformação, não poderá agir inconsciente e irrefletidamente. Cada passo de sua ação deverá estar marcado por uma decisão clara e explícita do que está fazendo e para onde possivelmente está encaminhando os resultados de sua ação. A avaliação, neste contexto, não poderá ser uma ação mecânica. Ao contrário, terá de ser uma atividade

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racionalmente definida, dentro de um encaminhamento político e decisório a favor da competência de todos para a participação democrática da vida social. (LUCKESI, 2005, p. 46, grifo nosso)

Definido o encaminhamento político, a escolha dos instrumentos se dará conforme o

tratamento dado ao conhecimento e sua possibilidade de organização do trabalho pedagógico.

Sugerimos duas formas de avaliação ao grupo de estudo. Um convidado5 externo à

comunidade escolar apresentou o portfólio e uma professora da comunidade e do grupo de

estudos disponibilizou seu procedimento relativo à resolução de problemas. Ambos os

instrumentos foram evidenciados, principalmente por suas constituições diagnósticas e

contribuições no sentido de que elas ocorressem no percurso ou no processo

ensino/aprendizado. A aplicação da resolução de problemas se estendeu por 7 dias e o

portfólios se estendeu pelo ano letivo. Quanto mais o procedimento avaliativo estiver

integrado ou ligado ao processo ou à metodologia adotada pelo professor, melhor para

diagnosticar se o aluno está se aproximando do objetivo proposto (resultado) com um

necessário mínimo de conhecimento.

Ainda, tais instrumentos foram satisfatórios quando, a articulação entre forma e

conteúdo de suas áreas de conhecimento, possibilitou aos alunos uma visão geral de tudo que

foi desenvolvido em suas respectivas turmas, durante seu desenvolvimento. Contudo uma

esteve mais voltada ao desenvolvimento das habilidades do conteúdo do que da criticidade.

Em ambas, o ideário pedagógico mediatizado nas ações pedagógicas se caracterizaram

ausentes. Mesmo aquela que pretendia ser crítica pelo professor, pode ter se distanciado do

papel social emancipador, quando o próprio papel não ficou explícito, ao aluno, por meio da

avaliação de processo, pois,

no processo dialético de conhecimento da realidade, o que importa fundamentalmente não é crítica pela crítica, o conhecimento pelo conhecimento, mas a crítica e o conhecimento crítico para uma prática que altere e transforme a realidade anterior no plano do conhecimento e no plano histórico-social. [...] que se dá na e pela práxis. A práxis expressa, justamente, a unidade indissolúvel de duas dimensões distintas, diversas no processo de conhecimento: a teoria e a ação. A reflexão teórica sobre a realidade não é uma reflexão diletante, mas uma reflexão em papel da ação para transformar. (FRIGOTTO, 2008, p. 81)

Trata-se da superação da concepção metafísica, entendida como aquela existente nos

currículos, que dá grande ênfase e obrigatoriedade na disciplina, no método e nas técnicas;

que consiste na idéia de que devemos primeiro aprender a teoria, as categorias, os referenciais

teóricos para, então, passamos a investigar a realidade. Genericamente, a concepção

5 O professor em questão foi premiado em 2009 na organização deste instrumento em sua escola.

16

metafísica pode ser identificada no modelo social liberal-conservador, na peculiaridade da

sociedade capitalista; na avaliação que desempenha um papel disciplinador e sem constituição

ontológica.

Tal concepção é diferentemente daquela pretendida, que se modifica com a realidade,

na prática, na manutenção da vida social. Nesta concepção, os critérios servem para tratar o

conhecimento e provocar a relação entre os objetivos da área de conhecimento com os da

educação, dando indicativos da superação de contradições na ação pedagógica, no sentido da

emancipação humana.

Busca-se a superação de avaliações com caráter mecanicista e pragmático que

privilegia o somatório, a acumulação, a memorização, que se desvia dos problemas reais da

sociedade determinados de maneira causal. Busca-se ir além da ação pedagógica somente

centrada nos objetivos instrucionais, ou no aluno, ou no professor; do desenvolvimento de

competências e habilidades para o mercado de trabalho; das descobertas individuais geradas

nas circunstâncias do cotidiano; da fragmentação em detrimento da noção de totalidade; do

privilégio do conhecimento eminentemente técnico; do reducionismo das condições da

educação; da crítica reprodutivista.

As avaliações, assim, têm em comum a quem servem. Elas servem à formação de

cidadãos e não à emancipação humana. Servem para reproduzir a sociedade da forma que está

posta, com a divisão de classe e suas desigualdades e não para transformá-la, portanto,

destoam das Diretrizes Curriculares. Diferentemente, as avaliações coerentes com as

pedagogias críticas são aquelas que preconizam a necessidade de superação de uma sociedade

estruturada sobre as relações de dominação entre classes sociais. Existem teorias que

convergem com este objetivo. Duarte (2001) confirma que

[...] essas teorias procuram entender como e com que intensidade a educação (particularmente a escolar) contribui ou não para a reprodução das relações de dominação. Todas as teorias críticas têm em comum a busca de desfetichização das formas pelas quais a educação reproduz as relações de dominação, pois entendem que isso é fundamental para a própria luta conta essas relações. (p. 16)

A epistemologia de algumas teorias não dá conta das especificidades do psiquismo,

enquanto um fenômeno histórico-social. Piaget, Skinner e Freud se aproximam mais entre si

do que da Teoria Histórico-cultural de Vigotski (Leontiev, Luria, Galperin, Elkonin,

Davidov), por sua raiz materialista. Para representar o termo social na interação entre

organismo e meio ambiente, o adjetivo interacionista e/ou construtivista não ultrapassar o

17

estar fazendo algo junto com outras pessoas. Não basta adjetivar como interacionista e/ou

construtivista, pois ambas as nominações se apoiam em um modelo biológico diferentemente

do entendimento de que a aprendizagem sempre está adiante do desenvolvimento (mesmo que

haja uma relação complexa entre eles).

Cabe notar que toda ação pedagógica estará a serviço de reproduzir a sociedade-posta,

quer queiramos ou não, caso não formos resistentes aos determinantes sociais. A história

conta-nos que é por meio de uma pluralidade de tendências e teorias postas pelos homens que

dão sustentação a educação escolar e que acabam por reforçar ou superar a ideologia que

trazem consigo. A Educação Física, embalada ideologicamente e legalmente (leis nº 4002/61,

nº 5692/71 e nº 9394/96), já avaliou o corpo que buscava uma ‘raça forte e energética’ por

meio da eugenização e assepsia; a formação do corpo atlético; a disciplinarização e interdição

do corpo pela terapia psicomotora e a preparação do corpo para o mundo do trabalho.

Cada área de conhecimento, ao adentrar em sua especificidade, mostra o potencial da

ideologia que está concebida. Apesar de que nem todos se sentirem compromissados ou

confortáveis com a proposta em construção, as Diretrizes foram adotadas por professores do

Paraná, seguiu a grande crítica contemporânea à concepção neoliberal de homem, de mundo e

de sociedade, presente na ideologia idealista, defendida nos Parâmetros Curriculares

Nacionais – PCN de 1998.

O ideal perseguido nos Parâmetros, que está presente em diferentes abordagens

(empiristas, positivistas, ecléticas e estruturalistas), não atinge as leis de organização,

desenvolvimento e transformação dos fatos sociais. O pensamento ideal se difere da intenção

de formação humana, ele é uma tarefa do espírito, da consciência, da subjetividade, da

cidadania. Esta última não nos dá opção de escolha entre o mundo que temos e o que

queremos e reduz a avaliação a uma condição obstinada a quantificar ou a conceituar os

resultados. A avaliação que toma tal sentido, não dá conta da totalidade, é a–histórica e não

permite uma apreensão radical (ir à raiz) dos problemas. Por ser metafísica, percebe o mundo

por meios dos sentidos, sem relacionar o fenômeno sentido ou observado com a produção

social da existência. Esse fato reforça a visão fragmentada da época em que vivemos e ofusca

a emancipação humana como possibilidade da transformação da sociedade.

A ideologia idealista vai da formação do cidadão ao cidadão crítico, onde a educação é

considerada aparelho ideológico de caráter reprodutor e impositivo no sentido de cima para

baixo. Na opinião de Löwy, a concepção idealista

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[...] é aquela que afirma a necessidade e a possibilidade de uma ciência social completamente desligada de qualquer vínculo com as classes sociais, com as posições políticas, os valores morais, as ideologias, as utopias, as visões de mundo. Todo esse conjunto de elementos ideológicos, em seu sentido amplo, deve ser eliminado da ciência social. (LÖWY, 2002, p. 36)

Podemos dizer que o processo metodológico idealista, principalmente no que diz

respeito à avaliação, nos conduz ao conhecimento característico das teorias determinista,

individualista ou renovadoras. Isso não é o bastante para se apropriar do conhecimento sobre a

emancipação humana. É fato limitante aprender somente a dominar o corpo por meio das

habilidades esportivas; a assimilar as técnicas de ensino centradas na forma (inovadoras) ou

no conteúdo; a justificar a importância do movimento sob a ótica médico-biológica (saúde),

psicológica (relaxamento das tensões cotidianas) e social (aceitação, adaptação e respeito às

regras de conviver em sociedade). Associado a esse entendimento, podemos mencionar aquele

encontrado na consciência social, em consequência dos meios de comunicação de massa, das

orientações profissionais, de orientações familiares, e de veiculação ideológica do pensamento

da classe dominante.

A prática da avaliação escolar, dentro do modelo liberal conservador, terá de, obrigatoriamente, ser autoritária, pois esse caráter pertence à essência dessa perspectiva de sociedade, que exige controle e enquadramento dos indivíduos nos parâmetros previamente estabelecidos de equilíbrio social, seja pela utilização de coações explícitas [ou outros meios]. A avaliação educacional será, assim, um instrumento disciplinador não só das condutas cognitivas como também das sociais, no contexto da escola. (LUCKESI, 2005, p. 32)

Contudo, o homem que trabalha deve planejar frente sua necessidade, com

antecipação, cada um dos seus movimentos e controlar (verificar ou avaliar), consciente e

continuamente, a realização do seu plano, se quiser obter o melhor resultado concreto

possível. O professor planeja por meio de vários instrumentos, sempre com uma intenção,

com um sentido anteriormente constituído em si mesmo: o aluno que quer educar, o homem

que quer formar.

“O projetar do futuro implica, para a sua realização, o conhecimento da realidade, em

escolher entre as várias alternativas, dominar os afetos e, depois de realizado, avaliar a partir

da finalidade planejada” (MELLO, 2009, p.59). Se considerarmos que os alunos devem

estabelecer nexos com a realidade para elevarem-se a um grau de conhecimento sintético que

seja pertinente a avaliação, significa que o aluno também deve se aproximar da concepção

materialista e vivenciá-lo no contexto escolar.

19

A formação não é uma via de mão única, os alunos também são sujeitos históricos e

não devem esperar seu tempo de amadurecimento ou desenvolvimento para aprender. Como

diz Vigotski - é necessário aprender para desenvolver. Mais do que isso,

a mudança de perspectiva da avaliação só acontecerá quando os professores de uma coletividade se propuserem, por intencionalidade conjunta, a rever a forma de trabalho atual face a critérios comuns de análise da sociedade e da escola. Não basta reuniões ‘físicas’ onde pessoas congregadas por ‘convocação’ discutem suas ‘opiniões pessoais’ a respeito do ensino, da avaliação ou de qualquer outro assunto pedagógico. A seriedade dessa discussão exige ciência [...] a volta, pois ao estudo, a volta à disciplina [...]. (PARANÁ, 1986)

Com base em Triviños (1987), ser indisciplinado é tratar uma realidade de forma

confusa ou eclética, logo, sem muita disciplina teórica. Isto quer dizer que trata-se de um

conjunto de ideias sem amarras dos conceitos centrais os quais dão sentido à educação e são

responsáveis por uma indisciplina acadêmica. O autor esclarece-nos que isso é decorrente de

uma formação profissional que foi submetida a um processo unilateral de informação cultural,

sonegando a ampla faixa de ideias e que limita o desenvolvimento do espírito crítico,

fundamentado na filosofia. Ser crítico é buscar, nas ações pedagógicas, contradições de cunho

filosófico. E, ainda, ressalta que a dependência cultural em que vivemos, sobretudo porque o

meio exige, é terrivelmente limitante.

A dependência cultural como está posta desenvolve acomodação, conservadorismo, e

nos impede de distinguir a verdadeira natureza dos problemas e os tipos de interrogativas que

enfrentamos. Como consequência, é possível que os problemas fundamentais, decorrentes da

categoria de trabalho, passem a ser considerados como simples questões secundárias.

“Porque hoje está em jogo nada menos do que a própria sobrevivência da humanidade.

[...] Cabe a nós todos – todos, porque sabemos muito bem que ‘os educadores também têm de

ser educados’ – mantê-las de pé, e não deixá-la cair. As apostas são elevadas demais para que

se admita a hipótese de fracasso”. (MÉSZÁROS, 2008, p. 55-76)

É por intermédio das práticas avaliativas no processo ensino-aprendizagem que ocorre

a inter-relação dialética a todas as ações planejadas. Elas são construídas e estão

determinadas, também, pelo processo de trabalho pedagógico, com tudo o que a escola

assume, corporifica, modifica e reproduz e, ainda, é próprio do modo como se produz a

existência humana. Assim, todas as ações devem estar voltadas para o mesmo sentido.

A avaliação só tem papel social quando está intimamente vinculada a um projeto de vida para os homens. Educa-se, ensina-se, para a sociedade que se deseja ver

20

transformada (ou não). Se não existe projeto de vida para os homens obterem o que ainda não foi alcançado, não há necessidade social de avaliação a não ser a de preencher com notas os boletins curriculares individuais. A avaliação em si mesma, tomada como operação técnica, não tem sentido, nem significado. A avaliação tem – enquanto técnica – o papel de prover informações úteis aos homens. E é nos limites dessa possibilidade técnica de prover informações úteis, importantes, necessárias aos homens, que a questão básica se impõe: o que é útil, importante e necessário para os homens? (PARANÁ, 1986, p. 29)

Diante desta necessidade, o homem tem em sua subjetividade aquilo que quer

objetivar. Os alunos também têm seus planos e, durante as aulas, estão constantemente

subjetivando e objetivando suas intenções e atitudes. E nada mais coerente do que se tornarem

cientes de qual sentido está sendo dado às suas vidas.

Relação entre o que temos e o que queremos formar

As contribuições sobre qual é a função ou o papel da avaliação no processo do

ensino/aprendizagem, destacamos:

É um instrumento do avanço do reconhecimento dos caminhos que foram percorridos e, por fim, o que necessita ser revisto.

Avaliar a aprendizagem do aluno e a qualidade do professor.

Acredito que a avaliação sirva numericamente para determinar a capacidade de abstração do aluno, porém é passível de muitas falhas se levarmos em consideração que hoje em dia perdeu-se aquela importância e consciência do aluno em sua maioria de se preparar para as provas. Eles vêm para a aula muitas vezes sem lembrar que terão prova.

É o que se espera do aluno (como, por que, e para quê). Acompanhar a aprendizagem do aluno em vários momentos de forma significativa, sem julgamento, despindo-se de um instrumento fragmentado sem critérios estabelecidos.

Conseguir superar o senso comum conseguindo construir de fato um conhecimento fundamentado na teoria abordada. É preciso um ato educativo que busque a totalidade de uma produção humana capaz de emancipar o indivíduo enquanto cidadão participativo, integrante da sociedade que acredita na transformação social.

Diante delas, fica claro que o papel social serve tanto à formação de cidadãos (por

mais críticos que sejam) ou à emancipação do homem. Nelas, a cidadania está sendo implícita

e explicitamente abordada, contudo a preocupação com a emancipação apresenta-se confusa e

diluída com a cidadania, e com vista ao ecletismo.

Se também houver falta de clareza nas avaliações, sobre as ideologias (idealista e

materialista), pode resultar em extrema confusão teórica. Que a avaliação está determinada

aos condicionantes sociais e reflete a realidade é um fato consumado, então, se faz necessário

objetivar uma avaliação que dê conta de entender a sociedade que vivemos para transformá-

la. Contudo,

21

no campo educacional, procuramos estar próximos da Pedagogia Histórico-Crítica. Dizemos que ‘procuramos’, porque ‘os homens também são produtos de suas ‘circunstâncias’ e nem sempre conseguimos sobrepor-nos à nossa história pessoal, o que pode nos afastar, na prática, das formulações explícitas nos projetos tomados como referência. (FREITAS, 2006, p. 57)

Quando se formula objetivos a serem atingidos, é porque há insatisfação com aquilo

que se tem ou com o que se deseja transformar. Todos os professores foram unânimes em

afirmar que se faz necessário transformar a sociedade, quando teceram suas considerações

sobre este tema. Apresentaram-se crédulos, também, na possibilidade da educação escolar ser

um meio para a transformação dela. Ora, isso significa que, ao diagnosticar a realidade,

subjetivamos ações possíveis de serem objetivadas no contexto escolar e que dão subsídios

para analisar a proximidade com o objetivo proposto. Ou seja, a avaliação, enquanto elemento

constitutivo da educação, serve para diagnosticar se as ações pedagógicas convergem à

formação do ser humano emancipado. O fato é que

vivemos numa ordem social na qual mesmo os requisitos mínimos para a satisfação humana são insensivelmente negados à esmagadora maioria da humanidade, enquanto os índices de desperdício assumiram proporções escandalosas, em conformidade com a mudança da reivindicada destruição produtiva, do capitalismo no passado, para a realidade, hoje predominante, da produção destrutiva. As gritantes desigualdades sociais, atualmente em evidência, e ainda mais pronunciadas no seu desenvolvimento revelador, são bem ilustradas pelos seguintes números: segundo as Nações Unidas, no seu Relatório sobre o Desenvolvimento Humano, o 1% mais rido do mundo aufere tanta renda quanto os 57% mais pobres. A proporção, no que se refere aos rendimentos, entre os 20% mais ricos e os 20% mais pobres no mundo [...] estima-se que atinja os 100 para 1 em 2015. Em 1999-2000, 2,8 bilhões de pessoas viviam com menos de dois dólares por dia, 840 milhões estavam subnutridos, 2,4 bilhões não tinham acesso a nenhuma forma aprimorada de serviço de saneamento, e uma em cada seis crianças em idade de frequentar a escola primária não estava na escola. Estima-se que cerca de 50% da força de trabalho não-agrícola esteja desempregada ou subempregada. (MINQI LI, 2004 citado por MÉSZÁROS, 2008, p. 74)

A concentração das riquezas materiais na mão de uma classe dominante é

acompanhada pela concentração da cultura intelectual. A classe dominante possui não apenas

os meios de produção material, mas também a maior parte dos meios de produção. A difusão

da cultura intelectual está a serviço dos seus interesses. Produz-se uma estratificação da

cultura, seguindo a tendência para acumular as riquezas intelectuais, as idéias, os

conhecimentos e os ideais que encarnam o que há de verdadeiramente humano no homem e,

assim, iluminam-se os caminhos do progresso histórico. Ainda, destina-se aos dominados, a

tendência que servem os interesses das classes dominantes: a criação de operações mais

cognitivas, morais e estéticas que justifiquem e perpetuem a ordem social existente, que

desviem a sua luta por justiça, igualdade e liberdade, anestesiando e paralisando a sua

22

vontade. O choque destas duas tendências promove o que chamam a luta ideológica.

(LEONTIEV, 2004)

A educação está inserida na luta de classes, nas explicações sobre a prática social e a

ação dos homens na sociedade e na escola. Paraná (2005) traz basicamente dois elementos

limitantes para que muitos profissionais continuem reproduzindo esta proposta idealista, por

desconhecimento de outras ou por estarem presos à sua formação acadêmica, portanto ao

pensamento unilateral. Essa tendência à conservação reproduz e possibilita condições de

manutenção das relações básicas, fato contraditório às considerações sobre a necessidade de

transformação da sociedade.

Outros elementos limitantes que nos afastam do nosso propósito, já foram apontados

em uma pesquisa realizada pela Secretaria de Estado, em 1993, e reiterados pelos

participantes da intervenção, em 2009. Transcorridos 16 anos eles continuam servindo como

condicionantes à desmobilização, à descontinuidade do processo pedagógico, à fragmentação

e à unilateralidade da própria pedagogia: um número excessivo de alunos por turma, tempo e

espaços insuficientes na hora/atividade para planejamentos, inexistência hora/estudo para os

professores, inviabilidade de encontros interdisciplinares e disciplinares. Seguindo esta linha,

é importante considerar as normas vigentes e o regulamento escolar geral, em consonância à

organização da sociedade, de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases - LBD nº 9394/96, ao

permitir a adoção de metodologias de ensino e de avaliação que estimulem a iniciativa dos

estudantes em demonstrarem domínio de conhecimentos necessários ao exercício da

cidadania e preparação para o trabalho. Estes fatores são dignos da divisão de classes.

[...] à classe trabalhadora corresponde à sua necessidade de sobrevivência, à luta no cotidiano pelo direito ao emprego, ao salário, à alimentação, ao transporte, à habitação, à saúde, à educação, enfim, às condições dignas de existências. Os interesses imediatos da classe proprietária correspondem às suas necessidades de acumular riquezas, gerar mais renda, ampliar o consumo, o patrimônio etc. Ainda com relação a essa classe, seus interesses históricos correspondem à sua necessidade de garantir o poder para manter a posição privilegiada que ocupa na sociedade e a qualidade de vida construída e conquistada a partir desse privilégio. [...] Como se vê, os interesses de classe são diferentes e antagônicos. Portanto, não se pode entender que a sociedade capitalista seja aquela onde os indivíduos buscam objetivos comuns, nem tampouco que a conquista desses objetivos depende do esforço e do mérito de cada indivíduo isolado. Esse entendimento, que pode ser considerado um discurso da ideologia dominante, mascara a realidade social e o conflito entre as classes sociais no movimento de afirmação dos seus interesses. (COLETIVO DE AUTORES, 1993, p. 24)

O modo de produção é que determinam as relações sociais de cooperação mútua ou de

submissão. O capitalismo estrutura a sociedade em que vivemos atualmente, a mercadoria é

23

que media essa relação entre homens proprietários e homens que vendem sua força de

trabalho. É a análise do trabalho que leva à compreensão do porquê que dele advém a divisão

de classe, a propriedade privada e a exploração do homem pelo homem, a estranheza e a

alienação do homem daquilo que produz. Sua produção está voltada ao mercado de trabalho

que, por sua vez, também considera o homem como mercadoria quando troca sua força de

trabalho pelo salário. Em suma, na sociedade capitalista todo trabalhador tem valor de troca,

ele é tratado como mercadoria mesmo que inconsciente disto, inclusive o professor. Todo este

processo desencadeia a falta de vontade para ir além das aparências do próprio fenômeno, em

fragmentar o conhecimento.

Ir além das aparências se caracteriza por ascender ao âmago das leis fundamentais que

exijam uma análise crítica do real, que está sempre em movimento para sintetizar, no

concreto, o objetivado. Para analisá-lo perante os determinantes sociais é necessário se

apropriar do conhecimento da realidade de forma histórica, portanto da economia-política. É o

próprio movimento do e no pensamento, é ir além do mundo das aparências. Trata-se de um

movimento que vai do pensamento abstrato ao concreto; da parte ao todo e do todo à parte; da

totalidade à contradição e da contradição à totalidade; do sujeito ao objeto e deste ao sujeito.

É a busca entre o fundamental e o secundário, o eventual e o necessário para se elaborar o

conhecimento científico com criticidade. É a busca dos determinantes sociais para encontrar o

particular na totalidade e a totalidade no particular. Neste caso a avaliação perde sua

característica de resultado e ganha força no processo de ensino também. Afinal

[...] o trabalho6 educativo é o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens. Assim, o objeto da educação diz respeito, de um lado, à identificação dos elementos culturais que precisam ser assimilados pelos indivíduos da espécie humana para que eles se tornem humanos e, de outro lado e concomitantemente, à descoberta das formas mais adequadas para atingir esse objetivo. (SAVIANI, 2005, p. 13, grifo nosso)

O ato educativo é um poderoso instrumento para a formação dos indivíduos sociais.

Se partimos, com Marx, o ato do trabalho como aquele que funda o ser social, veremos que ele é uma atividade eminentemente social. Portanto, uma atividade que exige a cooperação entre os indivíduos, qualquer que seja a cooperação que essa forma assuma. Por outro lado, também, percebemos que não nascemos humanos, mas nos tornamos humanos. Que não são as leis biológicas que nos dizem o que devemos fazer para atender nossas necessidades, mas que isso se dá pela apropriação daquilo que se tornou patrimônio do gênero humano. (TONET, 2007, p. 80)

6 Vale a pena ressaltar que trabalho educativo deve ser entendido como ato educativo.

24

A educação se preocupa com a mudança social de longo alcance, racionalmente

concebida e recomendada. Seus preceitos se articulam com base na avaliação concreta das

tarefas escolhidas e da parte exigida pelos indivíduos em sua determinação consciente de

realizá-las. “Não se pode vencer uma força social poderosa pela ação fragmentada de

indivíduos isolados, estes estão à mercê da falsa consciência reificadora, [...] porque as

relações reprodutivas reais historicamente dadas em que estão inseridos só podem funcionar

com base na ‘personificação das coisas e reificação das pessoas’. [...] Contentar-se com a

‘reforma gradual’ e as mudanças parciais correspondentes é autoderrotista”. (MÉSZÁROS,

2008, p. 91)

Em Mello (2009) entendemos que são os indivíduos, na sua cotidianidade, que

realizam a apreensão do real, mas se suas descobertas não foram generalizadas, se não se

tornarem de domínio do gênero humano, em nada contribuem; na verdade não existem

enquanto objetivação humano-social. É nesse processo que se faz necessária a educação.

Se o conhecimento produzido deve ser generalizado para que aconteça a reprodução

social, nesse processo de constituição, é fundamental que as descobertas humanas ou a

apreensão da realidade aconteçam à emancipação humana.

Considerações Finais Frente ao que foi exposto neste trabalho, nossa intenção residiu em buscar, junto aos

professores, afirmativas que contribuam ao entendimento do sentido dado à educação desde a

avaliação - no seu papel social.

Vimo-nos impelidos em manter uma disciplina teórica quando buscamos, na

implementação, referenciais condizentes que objetivam a emancipação humana – a

articulação entre os objetivos da área de conhecimento e o sentido dado à educação.

A partir das reflexões realizadas, podemos inferir que os incômodos e as preocupações

com a avaliação são decorrentes da concepção de mundo assumida na prática pedagógica. É a

análise desta prática que permite diagnosticar se o processo de ensino/aprendizagem vem se

distanciando ou se aproximando da concepção adotada pelo professor. Manter uma coerência

na avaliação representa apropriar-se da teoria, da pedagogia e da metodologia condizente com

a ideologia, portanto, com seu método.

Por mais esforço que tenha ocorrido entre os participantes ao entendimento do

método, a falta dele ficou evidenciada na elaboração dos procedimentos avaliativo crítico-

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reprodutivistas, principalmente na relação entre as subjetividade/objetividade e a necessidade

de transformar a sociedade-posta. O fato é que todos do grupo de estudo foram unânimes

quanto à necessidade de transformá-la e, contraditórios ao materialismo histórico. Houve, sim,

reações de frustração com a direção tomada; preconceito e rejeição ao método; indignação

com a unilateralidade de informações recebidas na academia. Além destes elementos

limitantes que revelou a quem e a que serve a avaliação, alguns se mostraram curiosos com o

proposto. Surgiram também os interessados em aprofundar o entendimento sobre o método

estudado.

Impossível esgotar todo conhecimento sobre o tema em um simples artigo, mas há que

se iniciar uma caminhada e os primeiros passos já está sendo dados. Vale salientar que

nenhuma ciência ou ato é neutro, assim, cabe-nos decidir qual sentido tomar nessa caminhada.

Há que se distanciar do empírico, evitando uma indisciplina teórica e saber enfrentar as

limitações ou as contradições do papel social da avaliação no contexto escolar.

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